Um Marido de Mentirinha

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F.J.

MELO
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Copyright© F. J. Melo

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita


referência a eventos históricos reais ou locais existentes, os nomes,
personagens, lugares e incidentes são o produto da imaginação da
autora ou são usados de forma fictícia, e qualquer semelhança com
pessoas reais, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais,
eventos, ou localidades é mera coincidência.

CAPA: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA


DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA
ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA
LITERÁRIA
REVISÃO: SONIA CARVALHO

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SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
EPÍLOGO
PRÓLOGO

Ela já estava lá há mais de uma hora. Não tinha nenhuma

notícia, nenhum sinal. Não se ouvia nenhum choro, nem comoção.

Apesar de tudo, minhas mãos estavam suando.

Era um sinal de nervoso? Estresse? Medo?

Eu não sabia dizer. Não conseguia entender quais eram meus

sentimentos naquele momento. Se é que algum dia eu já soube


decifrá-los.

Ela era a mãe do meu filho, eu deveria sentir alguma coisa.


Mas antes que me julguem, estávamos juntos há pouco
tempo. Não tivemos tempo para afeições maiores. Em uma balada
na qual ficamos resultou em um presente.

Inesperado.

Mas desejado? Outro sentimento que eu ainda não sabia


decifrar.

Na verdade, eu poderia dizer que tanto fazia. Não me imaginei


como pai em toda a gravidez de Vitoria, apesar de ela fazer questão
de me incluir em cada etapa, de montarmos um quartinho na minha
casa até ela ir morar comigo. Ainda não sentia aquela luz mágica
que todos diziam existir na paternidade.

Mas o silêncio na sala de espera estava me deixando mais


nervoso ainda. Levantei-me e comecei a andar de um lado para o
outro a fim de extravasar um pouco da energia que estava
acumulando.

Quando já tinha dado umas dez voltas em torno da pequena


sala, a porta foi aperta abruptamente. Acreditei que fosse um
médico, enfermeira ou qualquer pessoa que pudesse me trazer uma
notícia.
Mas um rosto conhecido apareceu na fresta da porta aberta e

Taís surgiu com os olhos inchados, aparentemente por ter chorado.


Assim que me viu, ela entrou na sala, fechando a porta atrás de si.

— Vim o mais rápido que pude, assim que soube.

Taís estava na minha vida desde... bom, desde que eu vivia


com meus pais e ela morava no mesmo andar.

Ela era aquela típica menina estranha, feliz demais e que fazia
amizade com todos com quem conversava, até mesmo os que não
lhe respondiam, o que era o meu caso com ela. Ela morava com a
avó e vivia se enfurnando nas minhas brincadeiras. Era tão atrevida
que se manteve em minha vida até os dias atuais.

Ela se jogou no sofá, ao meu lado, parecendo realmente


cansada.

— Como ela está? Tem alguma notícia? E o bebê?

Ela despejava as perguntas sem pausas para respirar. Se


soubesse que aquilo estava me deixando mais nervoso do que

antes, ela pararia na hora, mas resolvi não falar nada.

— Não, ela está na sala de operação ainda. Nenhuma notícia


dos dois — falei calmo, tentando passar isso para ela.
— Que merda, cara.

Uma lágrima escorreu do olho dela e Taís se apressou em


secá-la.

Andei mais um pouco de um lado para o outro, sendo

acompanhado por um par de olhos inquiridores. Eu sentia que ela


queria falar alguma coisa, mas permanecia calada. Dei mais algumas
voltas no lugar, até que Taís respirou fundo, fazendo-me parar e
olhar para ela.

— Você vai fazer um buraco no chão deste jeito.

Estávamos há um tempo calados, , e o som da voz dela foi


como uma âncora me puxando para o presente.

— Não consigo ficar parado — disse sério, categórico.

Taís se levantou, colocando-se à minha frente, com as mãos


nos meus braços, como se tentasse me transmitir afeto, conforto.

Mas eu não queria e muito menos precisava daquilo naquele

momento. Mas eu nunca sabia como expressar isso para Taís, então
sempre a deixava fazer o que julgava ser o melhor.

— Vai ficar tudo bem.


Lá estava chegando o momento em que eu nunca sabia como
agir. Depois dessas palavras, os braços das pessoas tomavam vida
própria, e rodeavam o corpo para o qual as palavras eram
destinadas. Era como se ele pudesse afirmar que tudo ficaria bem.
Mas eu não sentia isso. Não via como um simples gesto poderia
expressar tantas coisas assim. Para mim, ele nunca disse nada. Mas
novamente, não impedi Taís de prosseguir com o que queria.

Quando ela estava se afastando do abraço, uma batida na

porta fez com que ela se assustasse. Viramo-nos para ela, e a


médica da qual eu sabia que estava na sala de operação com
Vitoria, entrou. Seu semblante não era nada bom. Nada mesmo. Por
isso não resolvi fazer perguntas, deixei que ela mesma escolhesse
qual notícia começaria a me dar.

— Eu sinto muito, Gustavo. O caso da Vitoria era muito


complicado, fizemos de tudo, mas ela não aguentou e acabou vindo
a óbito. — Neste momento as mãos de Taís agarraram meu braço.

Eu poderia jurar que suas unhas estavam entrando na minha


carne, mas no momento eu não sentia nada.

— E o bebê? — foi a própria Taís quem fez a pergunta no meu


lugar.
E no momento em que a médica respirou fundo, puxando ar
para dar a resposta tão temida, meu coração parou.

Vitoria tinha morrido. Isso era um baque e tanto. Será que eu


teria que passar por dois no mesmo dia? Mas mesmo assim, já era
um baque enorme. Mesmo que eu não a amasse, ela era a mãe do
bebê. E o que seria daquela criança?

— O bebê passa bem, não teve nenhum dano. Conseguimos


completar a cesárea antes que qualquer agravamento a acometesse.

O ar que estava preso em meus pulmões, mesmo sem que eu


percebesse, foi liberado de uma vez só, o que provavelmente era a
causa da tontura que me acometeu naquele momento.

Tudo ficou preto, e eu cambaleei para o lado. Por sorte, ou


qualquer outra coisa do universo, Taís estava ao meu lado e foi o
meu amparo para que eu me pudesse me manter de pé.

— Po-podemos... ver o bebê? — Taís gaguejou e soluçou,


quando ela mesma perguntou, novamente tomando a frente da
situação para mim.

— Claro. É uma menina linda e saudável. Esta fazendo alguns


exames de rotina, e assim que estiver pronta, vamos levá-los até ela.
Taís trocou mais algumas palavras com a médica, mas eu já
não ouvia mais nada.

Uma menina. Era uma surpresa para mim, já que Vitoria


escolhera saber o sexo na hora do parto.

Será que ela ficou sabendo o que era?

Meu Deus. Eu era pai. De uma menininha.

Não sei quanto tempo passei em minhas divagações, mas me

pareceu que se passaram alguns segundos do momento em que a


médica saiu da sala para o que Taís me puxou pelos braços para que

fôssemos conhecer minha filha.

Quando dei por mim, já estava atrás de um vidro, olhando

para um berçário cheio de crianças pequenas.

Entre várias, uma delas se destacava. Eu não precisava ler


em lugar nenhum que aquela era a minha. Minha filha. Tão pequena

e indefesa.

Encostei a mão no vidro, querendo atravessá-lo e pegar

minha garotinha nos braços. Mas segundo a própria médica, logo eu


faria isso.
— Ela é tão linda — Taís colocou uma das mãos nas minhas
costas e falou baixinho ao meu lado, com a voz embargada pelo

choro.

Mas desta vez eu não a julguei, porque do meu olho escorria


uma lagrima também.

Papai vai te proteger, filha. E você nunca ficará sozinha.

Eram meus únicos pensamentos no momento. A partir


daquele dia, eu viveria e morreria por aquela criança.
CAPÍTULO UM

Aquela era uma data que eu não curtia muito desde os meus

três anos de idade.

O segundo domingo de maio sempre foi um dia monótono,


chato e sem graça. Eu levava aquele sentimento desde a infância,
mas não era por querer me sentir penalizada. Era apenas um
sentimento impregnado em mim.

Mas já na idade adulta, eu tentava ao máximo encará-lo como


um dia comum, sem nada de muita importância.
Mas claro que meu pai não deixaria passar em branco. Ele
nunca deixava.

Nos dias das mães, os filhos costumavam dar presentes para


suas mães, mas na minha casa, desde que eu conseguia me
lembrar, eu que ganhava um presente. E eu sabia que era isso que
iria acontecer no momento que uma batida soou na minha porta pela
manhã. Larguei o celular de lado, e autorizei a entrada da pessoa

mais importante da minha vida ao meu quarto.

— Ah, você já está acordada, que bom, achei que eu teria que
te acordar como fazia quando era minha bebê.

Meu pai entrou com um sorriso no rosto e as mãos para trás.

Ele repetia isso há vinte e um anos, sem nunca mudar a sequência


dos acontecimentos.

— Acordei há um tempo, pai. Só estava enrolando para


levantar.

Ele se aproximou de mim, depositou um beijo na minha testa


e sentou na beirada da cama ao meu lado.

— Como você está se sentindo hoje?


A mesma pergunta, todo ano. Eu já não me sentia afetada

pela falta de uma mãe na minha vida. Até mesmo porque meu pai
cumpria muito bem o papel das duas partes.

— Estou muito bem, do mesmo jeito que estava ontem e

como vou estar amanhã, Sr. Claudio.

Um sorriso de lado curvou os lábios do meu pai. Ele era um


homem de idade, com seus cinquenta e nove anos, mas a idade o
deixava cada vez mais charmoso. Seu cabelo branco proporcionava-
lhe um ar maduro, como se o platinado fosse a sua cor.

— Isso me deixa muito feliz. E para melhorar ainda mais o seu


dia. — Ele trouxe as mãos para a frente, revelando uma caixinha
com um pequeno laço azul em cima. — Te trouxe um presente.

Olhei para ele como se estivesse mega surpresa com tudo


aquilo e lhe dei um abraço apertado. Como sempre, o contato de
carinho se estendeu por um tempo maior do que o de costume,
enquanto meu pai acariciava meu cabelo. E eu permiti que ele se
demorasse. Eu gostava de receber o seu amor, sentir-me querida. E

meu pai era a melhor pessoa para fazer isso por mim.

Assim que nos afastamos, abri a caixinha que continha uma


linda pulseira dourada, fina e delicada, como meu pai sabia que eu
gostava.

— É linda, pai. Muito obrigada. — Dei-lhe outro abraço rápido


em agradecimento e pedi ajuda para colocá-la em meu braço.

Assim que ele a fechou em meu pulso, saiu do quarto para

que eu pudesse me arrumar para começar o dia e em poucos


minutos estava sentada à mesa, que estava farta para o café da
manhã, conversando animadamente com meu pai.

— Vai se encontrar com a Erica hoje? — meu pai perguntou


enquanto passava geleia em uma torrada.

— Vou sim. — Tomei um gole de suco. — Alíás, ela deve estar


chegando. Tenho que me apressar.

— Manda um beijo para Vera, sei que você vai passar lá. E
um Feliz dia das Mães também.

Vera era a mãe da minha melhor amiga, Erica, no caso.

Mas antes que eu pudesse lhe responder, a campainha tocou

e Maria passou por nós, para atendê-la.

— E aê, gata. Tudo tranquilo por aqui?

Erica entrou na sala com toda a sua animação empolgante.


Ela era uma mulher que possuía luz própria, iluminando por
onde passava.

Estava com suas roupas estilosas, já que ela sempre sabia


conseguia combinar cores e peças que condiziam com seu corpo e
pele negra, em tom de chocolate.

— Tudo tranquilo, Cá. Quer tomar café? — perguntei,


enquanto me levantava e pegava uma fruta.

— Não, tranquilo. — Ela pegou uma torrada da mesa. — Tudo


bem, tio?

— Tudo sim, minha querida — meu pai lhe respondeu com um


sorriso no rosto. Passei por ele, depositei um beijo no alto de sua
cabeça e continuei andando — Não volte muito tarde.

Apesar de ter vinte e quatro anos, meu pai sempre me tratava


como a menininha dele. Eu que não seria a pessoa a discutir sobre
isso. Até gostava deste lado carinhoso dele.

Voltei correndo e dei outro beijo na sua bochecha e finalmente


saíi da casa, deixando-o com um sorriso no rosto.

Segui com Erica para sua casa, onde almoçaríamos. Era um


dia para se passar com a família, o dia das mães, mas desde que
tinha três anos de idade, passava essa data com Vera e sua filha, e
era como se eu fosse da família também.

— Bom dia, tia — cumprimentei assim que ela abriu a porta.

Vera me puxou para um abraço apertado. Eu sempre me


sentia como a menininha de cinco anos, que vivia em sua casa. Não
tinha como me sentir com vinte e quatro anos perto dela.

— Bom dia, Kat, como você está?

— Vocês ainda insistem nisso, mesmo depois de vinte anos.


Eu estou ótima como em qualquer outro dia — disse entrando na
casa com Erica ao meu lado. — Aliás, Feliz Dia das Mães.

Estendi um pacote que tinha levado para ela e esperei que


abrisse.

— Muito obrigada — ela disse assim que abriu o pacote e viu


o quadro com uma foto de nós três em um lindo porta-retrato.

Vera era viúva há uns dez anos, morava sozinha com Erica
desde então, tirando os dias que eu não ia dormir ali.

— Ah, meu pai mandou um beijo e um feliz dia para você.

Vi Vera enrubescer discretamente com o beijo mandado para


ela.
— Agradeça a ele por mim.

Fomos as três para a cozinha, como mandava a tradição, para


terminarmos o preparo do almoço daquele dia. Era o que eu mais
amava na minha vida, estar com aquelas pessoas queridas.

Meu pai, Vera e Erica eram tudo o que eu precisava, não me


faltava nada.
CAPÍTULO DOIS

O dia havia sido maravilhoso, como era em todos os anos.

Passar o dia com aquelas duas mulheres, era como renovar minhas
energias.

Estava voltando para casa, no carro de Erica, ao som de


Barões da Pisadinha, que segundo ela era “a maior lenda dos
últimos tempos” em questões musicais, quando ela mesma baixou o

volume.

— Podemos conversar? — ela perguntou em um tom mais


sério.
Minha amiga sabia ser divertida, distraída e qualquer outro
adjetivo de uma pessoa que levava a vida de uma forma
descontraída, mas ela também sabia ser séria e ter papos cabeças

quando lhe convinha.

— Claro — respondi-lhe apenas isso e esperei que ela desse


prosseguimento.

— É uma curiosidade que me bate de vez em quando. Você

sente falta da sua mãe?

Fiquei em silêncio por alguns segundos, pensando no


assunto.

Eu tinha vagas memórias da minha mãe. Mas quando se vai


crescendo, elas costumam ser esquecidas. Impressionantemente, eu
ainda conseguia manter algumas. Como quando ela me levava à
creche, e a minha felicidade de vê-la indo me buscar, alguns
passeios que fazíamos em família. Coisas assim, vagas lembranças.

— Falta, eu não sinto. Vocês preenchem esse espaço na


minha vida perfeitamente. — Dei um sorriso para ela, que me olhava
de canto.

Erica já era linda, mas com o pôr do sol batendo em sua pele
negra, ela parecia ainda mais do que já era naturalmente.
— Eu sei que sim, mas dela em questão. Você acha que ela

fez falta para a sua vida?

— Eu acredito que não. Nunca parei para pensar se algo seria


diferente se ela estivesse comigo ainda. Como eu falei, a tia supriu

muito bem esse papel na minha vida. — Dei um suspiro rápido. — E


meu pai também nunca me deixou sentir falta de uma pessoa que
nem ela.

— Fico feliz que você pense assim.

O resto do caminho fomos ouvindo nossas músicas e


cantando.

Assim que me deixou na porta de casa, ela se despediu e foi


embora. Era o momento de aproveitar o dia das mães com meu pai.

— Pai, cheguei — anunciei assim que passei pela porta da


frente.

— Estou na cozinha.

Apesar do luxo, riqueza e tudo o que conseguíamos com


dinheiro, meu pai sempre foi pé no chão, gostava de cozinhar
algumas vezes, mantinha poucos funcionários na casa, e sempre os
liberava em feriados. Sempre admirei isso nele.
Fui até ele, seguindo o cheiro delicioso que vinha do cômodo.

— Hum... o que vai sair hoje?

Sentei-me do outro lado da bancada, enquanto ele mexia em


algumas panelas à minha frente.

— Estrogonofe. Sei que você adora.

Fechei os olhos e inspirei profundamente aquele aroma. Só


pelo cheiro, meu apetite estava renovado.

— Como foi na casa da Vera hoje? — ele perguntou de forma


despretensiosa.

— Normal. Nós nos divertimos e comemos muito. Ah, e ela te


mandou um beijo.

— Muito obrigada.

Meu pai me olhou, abrindo um sorriso. Era impressionante


como a cada ano que passava, ele ficava cada vez mais bonito. Ele
era dedicado, atencioso, carinhoso. Não conseguia encontrar
motivos para uma mulher ter coragem de abandoná-lo.

— Pai, você está lindo — falei, sem muita preocupação,


casualmente.
Ele se afastou do fogão, olhando para o próprio corpo,
enquanto segurava a colher de pau para cima.

— Há algum interesse por trás deste comentário? — ergueu


uma sobrancelha, de forma canastrona.

— Claro que não, apenas um comentário verdadeiro de forma


despretensiosa. — Cruzei os braços sobre o balcão, apoiando-me
neles e analisando meu pai dos pés a cabeça. — Sr. Claudio ainda
dá um ótimo caldo — acabei brincando.

— Claro que sim. Isso tudo não se pode jogar fora assim —
ele deu um giro em torno do próprio corpo.

— Claro, ainda mais fazendo um estrogonofe maravilhoso


desse.

— Lógico, se eu não deixar queimar por sua culpa. — Ele


voltou para a panela rapidamente, mexendo.

Rimos os dois e continuamos conversando, enquanto ele dava


os últimos toques na comida que fazia.

Quando estava colocando a mesa, na sala de jantar, meu


celular começou a tocar no bolso do jeans. Peguei e olhei a tela, mas
era de um número não identificado.
— Quem é? — meu pai perguntou, enquanto entrava na sala
trazendo a última tigela, a do arroz.

— Não sei, não tenho esse número salvo.

— Atende então, para comermos depois.

Deslizei o dedo pela tela do celular e atendi a ligação.

— Por gentileza, senhorita Katrina Ferrer? — uma voz


masculina e grossa me saudou assim que atendi.

— Sim, é ela. Quem gostaria?

Silêncio do outro lado por alguns instantes, até que a voz


retornou.

— Aqui é Raphael Montez, advogado.

— Advogado? — perguntei em voz alta, olhando para meu pai


e franzindo o cenho.

Não imaginava o que poderia estar acontecendo, e muito


menos o porquê um advogado estar me ligando em pleno domingo à
noite.

— Sim. Trabalho para a sua mãe, Joana.

Uau.
Aquilo sim, pegou-me de surpresa. Olhei para meu pai, ainda
com o cenho franzido, mas não repeti esta frase, apenas esperei que
o tal advogado continuasse falando.

— É com muito pesar que venho trazer a notícia do


falecimento dela.

Falecimento?

Não era para doer. Na verdade, não era considerado uma dor.

Eu não sentia nada por ela. Mas ainda assim um aperto no peito foi
inevitável. Saber que ela não estava mais no mesmo mundo que eu,

inibindo uma possível chance de reencontro – não que eu esperasse


por isso, deixava um pequeno vazio no universo.

Era triste receber a notícia por telefone que sua mãe havia
falecido.

— Katrina, ainda está ai? — a voz do outro lado me chamou.

Olhei para meu pai, que esperava pacientemente, mas agora


prestando atenção na ligação e em mim.

— Estou sim. Desculpa, mas eu não tenho interesse neste


assunto — falei sem soar grosseira.
— Então, eu tenho um testamento que só pode ser aberto na
sua presença. Era uma exigência da sua mãe.

Testamento? Não era possível.

Minha vontade era rir de toda aquela situação. Provavelmente


por estar começando a ficar nervosa. Então apenas respirei fundo,

levando ar para meus pulmões, tentando me acalmar.

— Eu não tenho interesse no que pode resultar disso — falei


firme.

— Eu entendo. Mas era vontade dela. E ninguém mais vai


pode se beneficiar do que ela deixou, se você não aceitar abrir esses

documentos.

Respirei fundo novamente, tentando pensar na melhor

solução.

— Podemos nos encontrar, então.

Não queria continuar aquele assunto por telefone com meu

pai por perto. Eu poderia resolver isso em outro momento.

— Ei, vai se encontrar com um advogado? — meu pai

perguntou em um tom baixo, com preocupação evidente em sua voz.

— Marca em um local publico. Ou até mesmo aqui em casa.


Fiz que sim com a cabeça, concordando com ele. Ele era um

cara racional, e estava totalmente certo. Poderia ser muito bem


alguém com algumas informações privilegiadas sobre a minha vida

querendo se aproveitar. Não que esse fosse um assunto de muito

proveito.

— Claro, quando e onde você quiser.

Pelo menos ele me deixou escolher o local.

— Onde? — perguntei, olhando para o meu pai.

— Pergunta do que se trata, e se eu posso ir junto. Ou se

pode ser aqui em casa — ele sussurrou para mim, repassando suas
instruções.

Eu já sabia do que se tratava, mas não adiantava perguntar


novamente, para deixar meu pai satisfeito.

— Mas importante que seja resolvido só comigo? Não poderia

ser outra pessoa?

— Não, senhorita. Apenas você para receber isso.

— Tudo bem. Podemos nos encontrar amanhã?

— Claro, só me passar o endereço de onde você deseja.


Quando me despedi e estava prestes a desligar, o tal Raphael
me chamou de volta.

— Esqueci de avisar. Temos uma condição para o

recebimento da herança. Podemos tratar disso amanhã, mas já


gostaria de deixá-la de sobreaviso.

Muito bom, já que nada do que viesse daquela mulher me


seria útil. Com uma condição era apenas mais um motivo para a

recusa.

Mas não me custaria nada abrir o que quer que fosse. E


qualquer coisa, se ela não tivesse mais ninguém para deixar –

novamente, o que quer que fosse – poderia fazer uma doação.

Era isso, estava decidido, resolveria esse assunto o mais

rápido que eu pudesse.


CAPÍTULO TRÊS

Estava cansado. Isso era um fato.

Cansado de andar o dia inteiro atrás de um emprego e voltar

para casa de mãos vazias, de uma vida dupla de pai, dono de casa

e desempregado. Cansado de tudo em um conjunto. Mas ainda


assim buscava forças para subir cada degrau que estava à minha
frente, já que o elevador estava interditado, até chegar à porta da
casa de Taís. Respirei fundo, tirando o semblante de derrotado do

meu rosto, e bati três vezes.


Ela não demorou a ser aberta, e assim que foi feita, Taís
surgiu à minha frente, com o sorriso que nunca saía do seu rosto.
Mas meus olhos caíram mesmo no que estava em seu colo, já

adormecida.

Helena era uma coisinha tão pequena, mas com um poder


absurdo sobre mim. Tanto que assim que olhei para o seu rostinho

sereno dormindo, um canto do meu lábio se ergueu em um sorriso.

— É tão bom saber que pelo menos ela consegue te fazer


sorrir.

A voz de Taís invadiu meus ouvidos, fazendo-me olhar para


ela.

O que ela dizia era a verdade. Helena conseguia resgatar o


melhor de mim, que eu julgava não existir mais. Eu já não
conseguiria sobreviver sem ela.

— Sim, ela consegue tudo.

Taís entrou com ela e me deu passagem para que entrasse


também.

Minha bebê tinha um mês de vida, e desde que ela chegou ao

mundo, Taís vinha me ajudando muito. Eu não poderia negar que


sem ela, eu não estaria conseguindo dar conta de metade das

coisas que vinha dando.

Como ela trabalhava em home Office, com o seu próprio


projeto, ela se disponibilizou a cuidar de Helena, denominando-se
madrinha da criança. Isso era bom, já que eu não teria ninguém para
ocupar o cargo.

Ela colocou Helena no bebê conforto sobre o sofá e caminhou


até a mesa, chamando-me para acompanhá-la.

— Como foi hoje? — ela perguntou enquanto eu me sentava

e ela pegava uma tupperware e enchia com algo no fogão, que me


parecia sopa e cheirava deliciosamente.

— Como todo dia. Deixei vários currículos onde podia, e vou


esperar a ligação.

Taís colocou a vasilha quentinha sobre a mesa à e empurrou


para mim.

— Para você jantar hoje. Eu sinto muito. — Ela se sentou à


minha frente. — Mas logo vai aparecer alguma coisa. Vamos

continuar a busca.

— Eu só mantenho a esperança por Helena.


Olhei na direção em que minha filha dormia. Era por ela que
eu enfrentaria a vida, se preciso fosse.

— Eu sei que sim. Mas, Gustavo...

Ela parou de falare ficou brincando com os desenhos da

toalha de mesa. Provavelmente, ela tinha algo a dizer, mas sabia

que eu não gostaria, era sempre assim.

— Sim... — incentivei.

— Você tem a sua família. A sua mãe poderia te ajudar muito


— ela falou tudo de uma vez, sem parar para respirar.

Fechei a cara – mais ainda – no mesmo instante. Taís sabia

que eu não gostava daquele assunto, era por isso que pensou antes
de falar. Mas aparentemente não havia pensado direito.

— Você sabe muito bem que isso é um assunto proibido. Não

quero ajuda deles.

— Mas, Gustavo, você precisa de um apoio maior. Uma ajuda

financeira, que sabe que ela pode conseguir. Sua mãe ainda não
conhece a Helena. Você não pode privá-la disso.

— Tanto posso como vou — falei um pouco mais ríspido.


— Gustavo, você não pode recusar ajudas neste momento,

tem que pensar no que seria melhor para a sua filha.

Levantei-me empurrando a cadeira em que estava, o que fez

um rangido no chão, deixando a cena um pouco mais dramática.

— Eu sei muito bem o que é melhor para a minha filha. E ficar


longe daquela mulher, no momento é o melhor que eu faço por ela.

— Caminhei até Helena, pegando o bebê conforto pela alça. — Se


ela esta te atrapalhando por ficar aqui, não se preocupe que arrumo

outro lugar. — Meu tom de voz saiu um pouco mais irritado.

— Não é isso, Gustavo, você sabe que eu amo essa menina.

Estou apenas me preocupando com vocês dois — Taís também


levantou, falando enquanto me acompanhava.

Peguei Helena, sua bolsa e me dirigi à porta.

— Tudo bem, Taís, muito obrigada por sua preocupação, mas

eu não lhe pedi opinião sobre esse assunto. — Eu não poderia ser
tão escroto com uma pessoa que vinha me ajudando muito. Apesar

de tudo, eu sabia reconhecer isso. — Você é a pessoa que mais tem

me ajudado nos últimos tempos, sabe disso. e eu agradeço. Mas do


resto, eu dou conta, vou conseguir.
Parei na porta, esperando que ela abrisse para mim, assim

que o fez, atravessei, mas parei no momento em que ela me


chamou.

— Me desculpa se te magoei, minha intenção jamais foi essa.

Você sabe disso — ela falou com a voz fraca, parecendo realmente
arrependida.

— Você sabe como é a criação daquela mulher, concorda

comigo que ela não tem sentimentos.

— Sim, eu sei. Mas as pessoas podem mudar.

— Ela não.

Taís respirou fundo, enchendo os pulmões e depois soltou

lentamente.

Esse era um assunto que não me agradava em nada, e ela


sabia disso.

— Amanhã no mesmo horário? — Ela me estendeu a

tupperware onde havia colocado a comida na minha direção.


Coloquei a alça da bolsa no ombro e peguei a vasilha dela.

— Sim, se você puder, vou sair amanhã novamente para

distribuir currículos.
— Claro que posso, estarei esperando por vocês.

Ergui meus olhos para os dela, fixando por um momento. Ela


era doce, e demonstrava isso para todo mundo. Mas nunca

entenderia o porquê demonstrava para mim também.

— Muito obrigada — disse finalmente e interrompi o contato


visual.

Instantaneamente, Taís colocou um sorriso no rosto, como se


saísse vitoriosa de uma batalha.

— Estou aqui para isso.

— Boa noite — foi a única coisa que eu disse, enquanto


virava de costas para ela e começava a caminhar para ir embora,

ouvindo a sua respostas atrás de mim.

Assim que estava longe o suficiente para poder ser ouvido,

olhei para minha filha, que começava a piscar os olhinhos

sonolentos. Meu coração se apertava por passar tanto tempo longe


dela, mas era por um bem maior.

— Papai vai dar um jeito, pequena, você não precisa se

preocupar com nada. Seremos eu e você contra o mundo, e vamos

vencê-lo.
Como se ela estivesse me entendendo, Helena deu uma
risadinha cúmplice, mas que eu sabia que não passava de reflexo

dos bebês. Mas ainda assim, me senti melhor com esse pequeno

gesto vindo dela.

— Com você, papai consegue superar tudo.


CAPÍTULO QUATRO

Eu não tinha interesse no testamento. De jeito nenhum. Não


precisava do que pudesse vir dela, mas estava curiosa sobre o que

se tratava, isso eu não poderia negar.

— Você tem certeza que não é melhor se encontrar com ele

aqui em casa, ou não quer que eu vá com você? — meu pai


perguntou com uma evidente preocupação na voz, assim que
cheguei à sala onde ele estava.

— Tenho sim, pai. Erica vai comigo, não precisa se preocupar.


— Aproximei-me dele, arrumando a gravata em seu pescoço. — E
além do mais, você tem que estar na empresa hoje. O CEO tem uma
reunião e não pode faltar.

Dei um beijo em sua testa assim que terminei de apertar o nó


em seu pescoço.

— Já disse que não gosto quando me chama assim, fico


parecendo um homem arrogante e frio.

— Mas você é o CEO mesmo, não tem para onde fugir. Se


arrumar uma secretária gata e novinha, pode se tornar um mocinho
de livro clichê. Charme e beleza você já tem.

Dei um sorriso de lado para ele. Eu sabia que ele não gostava

quando eu falava sobre isso, mas nós dois acabávamos nos


divertindo.

— Não estou atrás de nenhuma secretária. Então não corro


risco de ser protagonista de um romance.

— Bom, ainda acho que você pode ser protagonista de um


romance muito bom, mas isso, vou deixar para você descobrir

sozinho. — Meu pai me olhou curioso, porém resolvi mudar de


assunto. — Mas não se preocupe, Erica vai comigo, e marquei em
um café, local publico. Vou ficar bem, Sr. Claudio.
— Espero. Já que é assim. — Ele ergueu o braço, olhando o

relógio. — Vou saindo antes que me atrase. — Ele parou na minha


frente, segurando meu rosto com as duas mãos e me deu um beijo
no alto da testa. — Depois quero saber o que esse tal advogado quer
com você.

Eu não havia entrado em detalhes sobre o assunto com ele,


pois já sabia sobre o que se tratava, mas poderia poupar meu pai por
enquanto.

— Pode deixar que te conto tudo assim que você chegar.

Ele passou por mim, parando para pegar as chaves sobre a


mesa e saiu de casa. Assim que me vi sozinha, peguei meu celular e
disquei para Erica.

— Está pronta? — disse assim que ela me atendeu, sem


delongas.

— Quase, pode passar aqui. — Ouvi um suspiro do outro lado


da linha. — Você tem certeza que quer ir a este encontro, Kat?

Parei a caminho da porta, também respirando fundo ao pensar


no assunto.
Eu não tinha interesse em nada que pudesse vir de Joana,
mas ainda estava curiosa, então não me custava descobrir do que se
tratava.

— Tenho sim, Cá.

Com isso, saí de casa para passar na minha amiga e


encontrar com Raphael Montez.

Havíamos marcado em um café no centro, logo após o


almoço, então o local não estava cheio, mas tinha algumas pessoas
circulando. Assim que cheguei com Erica ao meu lado, dirigi-me a
uma das mesas vazias, pedimos um café, e enviei uma mensagem
ao advogado com a nossa localização e descrições, para que
pudesse nos achar.

Não demorou muito para que uma pessoa vestida de terno e


gravata adentrasse o estabelecimento e caminhasse até nossa
mesa. Ele era um homem já de meia idade, alto, loiro e ficava muito
bem em roupas formais.

— Katrina, Erica. — Ele nos cumprimentou com um aperto de


mãos, e sentou-se à nossa frente. — É um prazer finalmente
conhecê-la, depois de tantos anos.

Depois de tantos anos?


Era como se ele me conhecesse por ouvir de outra pessoa.
Será que minha mãe conversava sobre mim?

— É um prazer conhecê-lo também, Raphael

Abri um sorriso tímido para ele, que retribuiu e logo em


seguida lançou um olhar questionador à minha amiga.

— Vocês querem que eu saia? Para terem privacidade para


conversar? — Erica perguntou, também notando o olhar dele para si.

— Claro que não — apressei-me em dizer. — Você veio para


me acompanhar. Não tenho nada que preciso esconder de você. —
Olhei para o advogado. — Podemos ir direto ao assunto que nos
interessa?

Minha intenção não era ser grossa, por isso falei com o
máximo de delicadeza estampada na voz, e ele logo começou o
assunto, o qual me levou ali.

Na verdade, nada do que pudesse vir daquela mulher poderia


me interessar. Principalmente quando ele me contou sobre certa
condição, e que eu não saberia o que ganharia até completar o
prazo.
Despedi-me de Raphael logo após uma conversa rápida,
sobre a insistência dele de que eu deveria pensar no assunto,
garantindo-me que a recompensa valeria a pena. Ele parecia ser um
homem muito bacana, mas o assunto que tratou comigo, fez com
que eu acabasse sendo um pouco ríspida. Contudo, ele se despediu
entregando um cartão de contato, dizendo que sabia que eu
repensaria no assunto.

Assim que saí do café, deixando Raphael ainda lá dentro,

soltei uma respiração pesada, como se o clima estivesse com uma


carga negativa de energia.

— Foi sério aquilo? — Erica me perguntou assim que


entramos no carro.

— Aparentemente foi — soltei outra respiração pesada.

— Mas o que se passa na cabeça de uma pessoa, em liberar


a herança somente se você estiver casada?

Eis ai a minha condição. Não seria fácil, como todas as outras


pessoas.

Mas com minha mãe era assim, ela gostava de complicar as


coisas para os outros.
E mais, não seria simplesmente estar casada em papel. Eu
teria que ter no mínimo seis, repito, SEIS meses de casada com a
pessoa. E um prazo de um ano para ficar casada.

Ela devia estar muito louca para redigir um testamento


naquelas condições. Se bem que ela sempre foi.

E o detalhe maior, eu não poderia saber o que era a herança,


até o dia de recebê-la. Era muita palhaçada para uma tarde só

— Eu não sei, Cá. — Dei partida no carro. — Não sei mesmo.

Dirigimos em silêncio até a casa dela, onde parei para que

descesse, mas me recusei a fazer o mesmo, dirigindo em seguida


para minha casa. Estava ansiosa para chegar e contar todas aquelas

bobagens ao meu pai.

E assim o fiz, quando cheguei e fui parar direto no escritório,

onde ele estava lendo alguns documentos.

— Posso entrar? — perguntei assim que bati e coloquei a


cabeça sobre uma fresta da porta.

— Você? Sem nem pedir. — Ele abriu um sorriso para mim,


mas revelando um semblante cansado.
Meu pai sempre foi assim, mesmo nos dias em que ficava
mais cansado, para qualquer coisa que eu precisasse, ele estaria ao

meu lado.

— Como foi com o advogado? Descobriu o que ele queria?

Respirei fundo, ainda ponderando sobre como contar a

história para o meu pai. No fim, decidi que de qualquer ponto ela
soaria louca, então eu contaria como viesse à minha mente.

Caminhei até uma das poltronas, de frente para ele, e me joguei em


uma delas.

— Descobri sim. E o senhor não vai acreditar. É sobre a

Joana. Ele me contou que ela faleceu — Porque eu não a chamaria


de mãe. Ainda mais depois do que havia armado para mim.

— Ela... morreu? — Não tinha sentimentos no tom de sua voz,


mas era inegável que ele ainda sentia muito pela morte dela.

— Sim. Pelo que o advogado me contou, ela estava doente e

não resistiu às complicações.

— Sinto muito, meu bem. — Meu pai se levantou de onde

estava, dando a volta na mesa, parando ao meu lado quando


depositou um beijo carinhoso na minha testa e se sentou na poltrona

ao meu lado.
— Não sinta. Eu não sentia nada por ela. Não consigo nem

me lembrar do seu rosto.

— Mas ainda assim, Kat, ela era a sua mãe. Mas mudando de
assunto, o que mais o advogado queria com você?

Olhei para minha mão, cutucando uma cutícula em uma das


minhas unhas, e comecei a falar sem olhar para meu pai.

— Eu tenho uma herança a receber...

— Olha, isso é novidade. Mas é muito bom também. — Ele


me interrompeu. — E o que é?

— Então, isso eu não sei ainda.

— Ah, entendi. Mas seja o que for, você tem que aceitar.

— Eu não quero nada do que venha daquela mulher, pai. —

falei olhando para ele.

Meu pai fez aquela carinha do gato de botas, enchendo os

olhos, como se fosse para ter alguma piedade dele.

— Não fala assim, minha filha. Apesar de tudo, ela era sua
mãe. — Quando ele viu que eu não caí neste papo, pensou

rapidamente em outra maneira para tentar me ganhar. — E olha


bem. Se você não teve o amor dela, por toda a sua vida, não custa
aceitar o que ela esteja querendo te oferecer agora.

Esse discurso me fez refletir um pouco sobre o assunto. O

que será que ela teria de tão importante, que eu precisava ter uma
união com outra pessoa para receber?

E por que ela não me entregara em vida?

Pensar nessas coisas, acabaram atiçando um pouco mais a


minha curiosidade a respeito do assunto, deixando-me pensativa.

— Pensa no assunto direito, antes de descartar qualquer


opção.

Depositando outro beijo no alto da minha cabeça, meu pai se


afastou, voltando a sua cadeira e aos papéis em que trabalhava

antes. Resolvi não comentar sobre a pequena condição de ter um


casamento no meio do assunto. Não era um detalhe que eu

comentaria fácil assim com meu pai. Precisaria de toda uma

delicadeza.

Pensando sobre heranças, casamentos, mãe e vida, saí de

sua sala, indo para o meu quarto enquanto mandava uma


mensagem de texto para Raphael, dizendo que estaria pensando e
cuidando da pequena condição, e quando resolvesse, entraria em

contato com ele.

Será que aquilo tudo acabaria bem? Ideias mirabolantes


começavam a passar por minha mente, e tudo dizia que não.
CAPÍTULO CINCO

Minha vontade era sentar naquele elevador e me entregar a


um choro profundo. Sem plateia, testemunhas ou provas. Mas

mantive minha pose, puxei a barra da camisa que vestia, ajeitando-a


no meu corpo. Assim que a porta se abriu à minha frente, respirei

fundo e saí de dentro da caixa de metal.

Toquei a campainha e esperei Taís me atender. Quando ela o


fez, estava com a minha bonequinha nos braços. Tão pequena e
indefesa. Aquele ser que precisava tanto de mim, quanto eu dela.
Abri um sorriso involuntário para ela e estendi os braços para
pegá-la.

Assim que Helena estava aninhada em meus braços, olhei


para Taís que me encarava em evidente expectativa e fiz um não
com a cabeça. Não precisava ser um vidente para saber que eu
estava sinalizando que não havia conseguido um emprego em mais
um dia de busca.

Vi quando seu peito soltou a respiração desanimada que ela


vinha segurando e olhou para baixo.

Assim estavam sendo meus dias, todos de derrotas,


desânimos. Mas eu não desistiria.

— Sinto muito, Gustavo. Mas não desista. Uma hora você vai
encontrar um emprego.

— Eu tenho que encontrar. Por essa coisinha aqui. — Passei


um dedo carinhosamente sobre o rosto de Helena. — Minhas
economias estão acabando. Tenho que dar um jeito, e rápido.

— Vamos dar. Não se preocupe.

Abri um meio sorriso para Taís também, um tanto forçado.


Mas aquela mulher vinha me ajudando tanto naquelas primeiras
semanas de vida de Helena, que eu lhe deveria para o resto da

minha vida.

— Vamos sim. Não vou desistir assim, tão fácil.

Taís também me abriu um sorriso, bem mais verdadeiro e


maior que o meu. Assim que me entregou a bolsa com os pertences
de Helena, comecei a me afastar para ir embora.

Vários pensamentos permeavam minha mente naquela noite


enquanto o ônibus saculejava de um lado a outro, e eu segurava
minha bebê com firmeza em meus braços.

Eu faria tudo por ela, qualquer coisa para que ela ficasse bem,
com saúde e em segurança.

Assim que chegamos ao nosso ponto, desci com ela no colo,

quase adormecida.

— Estamos quase chegando, princesa.

Helena soltou um sorrisinho com os olhinhos pesados.

Assim que chegamos em casa, destranquei a porta e joguei a


mochila em cima do sofá.

— Vamos tomar um banho? Porque estou sentindo um


cheirinho saindo dessa frauda.
Fiz uma careta e beijei a curva de seu pescoço, fazendo-a se
contorcer em meus braços.

Aproveitei que ela estava um pouco mais desperta e preparei


a água morna para o seu banho.

Helena parecia um peixinho, de tanto que gostava de água.


Eu estava planejando quando conseguisse um emprego, e ela já
estivesse com idade, em matriculá-la em aulas de natação. Na
verdade, eu tinha uma vasta lista de coisas nas quais queria
matriculá-la. Balé, luta, aulas de instrumentos. Tudo o que ela
quisesse experimentar. Mas para isso, primeiro eu teria que me
estabelecer.

Assim que ela estava de banho tomado e dentro do seu


pijama quentinho, coloquei-a em um sling e fui para a cozinha,
preparar a mamadeira para que pudesse dormir com a barriguinha
cheia.

Coloquei a água no fogo para esquentar e peguei a lata de


leite sobre o armário. Ela estava pela metade, e eu teria que comprar
mais no outro dia. Infelizmente era um leite caro, essencial para a
alimentação de Helena.

Aquilo me deixava ainda mais preocupado.


Eu vinha me mantendo com uma reserva que tinha no banco,
mas e quando ela acabasse? O que eu faria?

Helena soltou um sonzinho contra o meu peito, parecendo


sentir o cheiro da mamadeira que eu preparava. Passei a mão em
sua cabecinha. Era um contraste tão grande de tamanho. Pensar na
fragilidade daquele pequeno ser, fazia todo o meu corpo doer.
Resolvi então não pensar em coisas ruins enquanto estivesse com
ela em meu colo.

Era intrigante como Helena havia me conquistado na nossa


primeira troca de olhar, ainda na maternidade do hospital. Antes de
vê-la, não conseguia me imaginar como pai. E hoje eu não existiria
sem essa pequena na minha vida.

Assim que o leite estava pronto, na temperatura ideal, ajeitei-a


nos meus braços e alimentei-a. Enquanto ela sorria e brincava, eu só
sabia admirar sua beleza.

Não demorou muito para que ela caísse no sono, então a levei
até o quartinho dela, liguei a babá eletrônica, posicionando-a perto
do berço, e deixei-a descansar. Teria algumas horas até que ela
acordasse. A criança parecia ter um despertador na barriga, que a
acordava sempre nos mesmos horários.
Assim que a deixei sozinha, caminhei até a pequena varanda
do apartamento, onde mantinha uma cadeira lá.

Levei o celular comigo. Era cedo ainda, passando um pouco


das vinte e uma, a noite tinha caído. Só era triste porque eu não
conseguia ver as estrelas no meio de tanta poluição luminosa. Mas
eu gostava daquele cantinho para refletir sobre tudo.

Como naquele momento, em que mais uma noite eu


ponderava o que seria melhor para mim e minha filha. Não
conseguia ver muitas possibilidades. Trabalho estava complicado de
achar. E eu vinha me esforçando muito para conseguir um. E pensar
que muitas mães solteiras passavam por esse perrengue. E suas
situações eram muito piores por simplesmente serem mulher.

Inclinei minha cabeça para trás, olhando para o alto e


pensando nas alternativas. Eu ainda teria a opção de recorrer à
minha mãe. Mas essa seria apenas a última alternativa, quando eu
não tivesse mais saída.

Mas e se eu já estivesse chegando neste estágio?

Minha mãe não era nenhuma criminosa, afinal. Ela poderia me


ajudar, apesar de saber que não havia mudado em nada.
D. Cleuza nunca fora uma mulher sentimental. Sua maneira
de me criar, foi fria e literalmente sem afetos, e eu atribuía essa
minha condição a ela, além de ser um pouco agressiva em alguns
momentos. Desde que soubera que tinha uma neta, não a visitara
nenhuma vez durante aquele mês.

Eu não queria que minha filha convivesse com pessoas que


não se importavam com elas. E simplesmente não queria dever
favores àquela mulher.

Peguei meu celular do bolso e abri em um site de procura de


empregos, começando a minha atividade de todas as noites,

catalogar lugares em que havia vagas e eu ainda não tinha passado.

Seria mais uma noite passada em branco, onde a


preocupação permearia meus pensamentos.

Mas não era hora de desistir, e sim de lutar.


CAPÍTULO SEIS

Eu não estava no meu juízo perfeito. A partir do momento em


que cogitei a ideia de receber o que quer que fosse daquela herança

e imaginar como conseguir isso, eu sabia que não estava mais


raciocinando com clareza.

Mas de qualquer forma, estávamos ali pensando em como


burlar as regras daquele testamento idiota.

— Mas você tem certeza do que quer? — Erica perguntou,


sentada na minha cama.
Parei de andar e olhei para ela. Eu tinha certeza que minha
cara era de uma mulher totalmente perdida no que estava fazendo e
dizendo.

Eu me sentia assim.

— Não tenho certeza de nada, Ca.

— Mas você contou para o tio sobre a condição de ser

casada? Você sabe que não tem chances de receber essa herança
sem se casar em menos de um ano.

— Não contei, Ca. Eu não sabia como fazer isso.

Parecia muita burrada, mas não era uma coisa simples de ser

contada. Ainda mais quando ele me incentivou a aceitar a herança.


Voltei a andar em círculos no meio do quarto.

— Certo. E como você pensa em conseguir receber o que


tem, com este pequeno detalhe?

— Eu estava pensando em contar com a sua ajuda. — Parei


de frente para ela, abrindo um sorriso cheio de intenções.

— Contar comigo? E como eu poderia ajudar? — ela


perguntou fazendo uma cara dramática, levando a mão no peito e
tudo.
— Você é a pessoa que eu conheço que tem as melhores

ideias. Tenho certeza que vai me ajudar.

— Kat, seu problema não precisa de uma solução, e sim de


arranjar um noivo.

Joguei-me na cama ao seu lado, de barriga para cima,


enquanto encarava o teto.

Eu tinha um testamento em meu nome, mas que poderia


receber apenas estando casada. Isso não era muito coisa de filme?
Eu me sentia como a protagonista de um, sem muita saída.

Minha opção mais válida era desistir disso, como eu nunca


havia precisado nada de uma mãe ausente, não seria agora que eu
precisaria. Mas a curiosidade batia mais forte à minha porta. A
vontade de me aprofundar nisso, as falas do meu pai no dia anterior.
Tudo isso servira para me deixar acordada durante a maior parte da
noite.

Eu não precisava de uma solução, e sim de um marido. Era


isso. Não precisava ser um de verdade, não é? Se eu conseguisse
convencer alguém a se casar comigo, apenas por seis meses, eu
poderia ter o que queria.
Levantei em um pulo, sentando-me na cama e encarando
Erica ao meu lado.

— É isso, preciso de um marido.

— Isso eu já sabia. Kat. Você levanta desse jeito, até parece

que descobriu a combinação da megassena.

— Ainda não. Mas olha, pensa comigo — comecei a falar


elétrica — eu não preciso ficar casada para sempre com a pessoa,
só por seis meses, e depois cada um segue seu rumo.

— Certo, estou acompanhando. Mas quem se casaria com


você? Não pode chamar um amigo qualquer assim, do nada, até
porque a maioria já é casada.

— Eu não sei.

Voltei a cair de costas na cama, sendo acompanhada desta


vez por minha amiga, que também começou a encarar o teto comigo.

— E se eu convencer o advogado a me liberar dessa? Poxa, a

Joana já esta morta, o que custaria?

— Um testamento é um documento pós-morte, Katrina —


minha amiga comentou, como se ensinasse uma coisa muito óbvia a
uma criança — é aberto após a morte mesmo. E você acha que um
advogado pularia a condição aplicada pela cliente? Seria falta de
ética.

— Mas eu não contaria para ninguém, nem pra Joana. Só pra


você. — Olhei para ela imitando uma carinha de criança pidona.

— Vamos pensar em alguma coisa.

— Eu estou tentando desde ontem à noite, quando comecei a


cogitar essa ideia idiota — resmunguei, voltando os olhos para o
teto.

O tanto que o encarávamos, parecia que ele era revestido em


uma das artes mais belas do milênio. Mas era um simples teto
branco, sem nada chamativo ou decorativo. Porém parecia que
encontraríamos a resposta para o que procurávamos ali.

— E por que você resolveu que quer essa herança? Sabe que
não precisa de nada do que ela possa te dar.

— Eu tive uma conversa com meu pai ontem, quando


cheguei, e ele falou assim: “Se você não teve o amor dela, por toda a
sua vida, não custa aceitar o que ela esteja querendo te oferecer
agora” — repeti as exatas palavras dele, que ficaram martelando na
minha cabeça. — Ele falou para não descartar nada antes de pensar
muito bem. E eu quero, do fundo do meu coração, saber o que ela
teria para me dar depois de morta.

Silêncio foi tudo o que preencheu o quarto, até o momento


que o celular de uma de nós duas apitou de algum lugar do cômodo,
indicando a chegada de mensagem. Mas ninguém fez menção de se
levantar.

— Já sei — Erica falou, pulando na cama e sentando-se,


imitando meu gesto de minutos trás. — Vamos fazer um anúncio.

Levantei também, olhando-a com as sobrancelhas franzidas,


tentando entender o que ela dizia.

— Você precisa de um marido — ela começou a se explicar —

e onde melhor hoje em dia para conseguir as coisas? — ela


perguntou, mas não me deu tempo para responder, emendando logo
em seguida a sua pergunta à própria resposta: — a internet.

— Você quer que eu coloque um anúncio na internet que


estou à procura de um marido?

Ponderei a ideia. Ela na minha cabeça, parecia ruim, mas em


voz alta soava ainda pior.
— Exatamente. Claro que não vamos aceitar qualquer um,
podemos ter um questionário para ser respondido antes. E você
pode ter alguns encontros antes de marcar o casamento, claro. Até
mesmo para conhecer a pessoa, e não parecer tão falso, assim o tio
não desconfiaria.

A ideia era péssima, isso eu tinha que concordar. Mas era a


melhor que tínhamos durante toda aquela manhã juntas.

— Certo. Pode dar em alguma coisa. Mas... — deixei a frase

no ar. Eu não tinha como me opor aquilo, afinal.

— Mas...? Não custa tentarmos. O máximo que poderia


acontecer, é rirmos do questionário respondido. Pega o computador

e vamos começar logo isso.

Estiquei a mão, peguei o notebook sobre a mesinha de

cabeceira e entreguei a Erica. Logo ela iniciou os planejamentos e


criação de todo o seu plano.

Fiquei do seu lado lendo o anuncio que ela criava. Ter uma

amiga com conhecimentos nesta área, tinha suas vantagens. Não


que eu gostasse de explorar esse seu lado.

Não consegui segurar a risada quando vi o título que ela usara


para descrever o site.
PROCURA-SE UM MARIDO DE MENTIRINHA.

Ela até mesmo acrescentou uma linha embaixo, em caixa


menor, que haveria recompensa a combinar.

Assim que escreveu essa linha, virou-se para mim com uma
cara canastrona.

— Passar seis meses ao seu lado, sendo seu marido, já é

uma recompensa e tanto, não é? — Nós duas rimos.

E no formulário, em letras grandes: MARIDO DE

MENTIRINHA.

Era como se fosse uma brincadeira. Coisas de adolescentes.

Era assim que eu estava levando até aquele momento.

Mas será que isso daria algum resultado?


CAPÍTULO SETE

O dia começava como qualquer outro. Acordando de manhã,


arrumando Helena e indo para a casa de Taís.

Eu fazia isso tudo no automático, de tão acostumado que

estava. Era todo dia o mesmo caminho, os mesmos nãos, mesma


decepção e assim eu estava vivendo em uma eterna constante.

Subi no prédio direto, já que minha passagem era liberada, e


toquei a campainha de Taís.

Eu realmente devia muito a ela e isso era inegável.


— Bom dia, Gustavo — ela me atendeu na porta com uma
voz sonolenta, mas já pronta para o dia de trabalho.

— Bom dia, Taís. — Estendi o bebê conforto para ela, que


segurou e fez carinho na bochecha de Helena, que havia voltado a

dormir tranquilamente. — Ela já mamou, vai acordar só mais tarde,


provavelmente.

Comecei a me afastar, como sempre fazia, mas desta vez

Taís me chamou, fazendo-me parar no meio do caminho.

— Eu tenho que conversar com você, antes que vá. — Ela


parecia meio sem jeito.

— Claro.

Voltei-me para o apartamento dela, entrando e indo para o


sofá, enquanto Taís fechava a porta.

— Então. Eu não queria me intrometer assim — ela começou


a falar, assim que se aproximou — mas tomei a liberdade de marcar
uma entrevista para você.

Franzi imediatamente o cenho, assim que ela começou a


falar.

Como assim, uma entrevista?


— Me desculpa se fui muito intrometida. É que vi um anuncio

de uma amiga minha na internet, e resolvi chamá-la para conversar.


Conversa vai e vem, mencionei você, e ela aceitou ter uma
entrevista hoje.

— Hoje, assim? — perguntei meio atônito. Era uma chance a


mais. E ainda assim, com uma indicação, mesmo sendo de boca, já
deveria contar como ponto extra, não é?

— Sim. Ela marcou em um restaurante. Anotei o endereço

para você. Vou pegar.

Enquanto Taís entrou em um dos quartos de sua casa, fiquei


alguns minutos sozinho com minha filha. Mesmo que ela estivesse
dormindo, aproveitei a pequena oportunidade para comemorar com
ela.

— Você viu, filha? É uma oportunidade a mais. Cruza os


dedos e torce pro papai.

Peguei sua mãozinha pequena e a coloquei sobre meu dedo

indicador. O contraste de tamanho era gritante. Mesmo durante o


sono, ela reagiu aos reflexos e apertou meu dedo. Aceitei aquilo
como boa sorte e abri um sorriso para minha pequena.
Taís não demorou a voltar, entregando-me um papel com a
sua letra redonda, indicando o endereço e o nome do restaurante.

— Eu anotei do jeito que ela me passou. Só que eu não sei


muito bem como vai ser esse trabalho com ela — ela deu ênfase na

palavra.

— Não tem problema. Estou aceitando o que vier.

Peguei o papel de Taís, e agradeci pela ajuda.

Assim que estava do lado de fora do prédio, conferi o relógio.


Como ainda era muito cedo, e o que estava marcado era um

almoço, resolvi passar em casa para colocar uma roupa um pouco


mais formal e apresentável do que a que eu estava, e assim o fiz.

Quando cheguei, aproveitei o momento também para dar uma

geral, já que eram raros os momentos em que estava em casa

àquelas horas, e sem uma criança que exigia minha atenção vinte e
quatro horas por dia.

Assim que a casa foi ficando arrumada e o horário passando,

resolvi que era hora de sair, tomei um banho e coloquei uma camisa
social em um tom de cinza com uma calça jeans preta. Passei em

frente a um espelho, penteei os cabelos para trás e passei a mãos


na barba rala que começava a nascer. Assim que conferi o look, saí

de casa. Estava mais empolgado do que seria prudente.

O restaurante ficava mais para o centro, um pouco longe, mas

me atrevi a pedir um Uber para não arriscar amassar muito a roupa,


ou chegar todo suado para a entrevista.

Assim que cheguei ao restaurante, dei meu nome na entrada,

e logo fui conduzido a uma mesa que ficava em um canto um pouco


mais reservado, no meio de outras duas que estavam vazias.

O restaurante ainda não estava com muito movimento, mas

algumas pessoas começavam a chegar, como por exemplo um

homem, que aparentanva trinta e poucos anos, e sentou-se na mesa


à minha direita, mas diferente de mim, virado para a porta, o que nos

deixava um de frente para o outro. Fiz um meneio de cabeça,


cumprimentando-o. Voltei a esfregar uma das mãos na outra,

notando as pequenas gotículas de suor que se acumulavam ali.

Tomara que desta vez desse certo e eu saísse daquele

restaurante com um emprego garantido.


Eram oito da manhã, não era hora de levantar, mas o barulho
insistente do meu celular tocando não me deixaria dormir, então eu

não tinha outra alternativa a não ser atender.

— Alô — falei assim que corri o dedo pela tela, sem nem
conferir o contato.

— TEMOS UM CANDIDATO — um grito estridente soou do

outro lado.

Afastei o aparelho um pouco do ouvido, para que não ferisse

minha audição.

— Bom dia para você também, Erica — foi minha resposta, ao


reconhecer a voz da minha amiga.

— Bom dia. Então, temos um encontro marcado hoje.

— Espera. — Sentei-me na cama, desta vez acordando de

vez. Aquela frase fez mais efeito do que o grito inicial. — Como
assim um encontro? E hoje?
— Tivemos uma resposta no anúncio de ontem. Como
coloquei meu número, para servir como secretária intermediária – de

nada –, recebemos uma ligação hoje de manhã. Fiz algumas


perguntas e acabei marcando um encontro com o pretendente.

— Como assim, Cá? Tipo, hoje mesmo? — Eu estava meio

atônita com tudo aquilo. Não sabia se era o sono ou a notícia que

me pegou de surpresa.

— Sim, mulher. Se você quer se casar logo, tem que começar

a conhecer o noivo o quanto antes. Levanta e começa a se arrumar.

Você tem um almoço com um pretendente. Te passo o endereço por

mensagem.

Assim que ela terminou de falar, a ligação foi encerrada. Sim,


simples assim.

Como eu não teria mais sono e nem cabeça para dormir,

levantei-me para me arrumar para o café da manhã. Provavelmente

meu pai já havia saído.

A manhã passou rápido, Taís me enviou o endereço e me

arrumei para sair.

Usava uma roupa casual, um short jeans e uma blusa

folgadinha, nos pés uma rasteirinha. Já que era um encontro para


conhecer meu possível marido, não precisava de muita formalidade.

Assim que cheguei ao restaurante marcado, estacionei em


um local por perto e desci. O ambiente era charmoso, com uma

decoração simples, mas muito aconchegante.

Assim que me identifiquei na entrada, comecei a ser guiada

para um canto mais reservado do restaurante, onde havia três

mesas dispostas, e duas ocupadas por um homem em cada.

Fui dirigida a um deles, que se levantou para me receber.

Assim que fomos deixados a sós, ele estendeu a mão para

me cumprimentar e puxou a cadeira para que eu sentasse.

— Então, você é a famosa Katrina? Belo nome, diferente.

— Obrigada, gosto dele.

Um silêncio constrangedor recaiu sobre nós.

Era estranho estar almoçando com alguém que eu nem sabia


o nome. Mas resolvi ficar um pouco mais em silêncio, apenas

observando o homem à minha frente. Ele era bonito, isso eu não

poderia negar. Era alto, cabelos lisos e penteados, usava uma roupa

social que me deixou envergonhada pelos meus trajes. Ele estendeu

o braço, chamando o garçom, seus movimentos eram elegantes,


como se ele pensasse em cada um antes de fazer, até mesmo o ato

de levantar um copo com água da mesa e beber enquanto me


encarava.

Mas em vez de achar aquilo tudo sexy, eu estava ficando

desconcertada. Era como ver alguém se forçando para conseguir a

sua atenção.

O garçom chegou, pedimos o prato da casa, e ele pediu um

vinho tinto para acompanhar.

— Então, o que leva uma mulher gata como você, a procurar

um pretendente na internet? — ele falou assim que o garçom se


afastou.

Pigarreei surpreendida com seu modo direto de falar, e a

maneira como se dirigiu a mim, mas me recompus rapidamente.

— Preciso estar casada para conseguir uma papelada —

resolvi não entrar em detalhes, até porque ele não precisava saber

muito em um primeiro encontro, não é? — e como você falou com a

Erica, e ela deve ter te passado as preliminares, sim, estou atrás de


um pretendente.

— Claro, eu entendo. E assim, minha curiosidade é saber se

terei algum beneficio sobre isso. Ou será só você que ganhará? —


Ele ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso de lado, com claras

segundas intenções.

— Bom, eu pretendo sim, retribuir financeiramente à pessoa

que eu escolher — dei ênfase na palavra para que ele entendesse

perfeitamente sobre o que eu estava falando. — E claro, quero


manter uma boa amizade com ela, já que vamos ter que conviver

diariamente.

— Certo, então vai ter uma recompensa financeira no meio.

Muito bom. Mas sabe, nós, homens, sentimos necessidades físicas.

Se é que você me entende.

Ah, claro, porque só homens têm necessidades físicas. Claro

que sim.

Mas apesar de tudo, aquilo não tinha sido o que mais me


irritara.

— Você está em um primeiro encontro e perguntando isso?

— questionei, franzindo as sobrancelhas.

— Ah, sabe como é, gatinha. Só de pensar em ser seu

marido, já fiquei empolgado.


Ele arrastou uma mão pela mesa até colocar sobre a minha.

Imediatamente eu a puxei.

— Desculpa, acredito que você não tenha entendido direito...

— Entendi, sim — ele me interrompeu. — Você está

procurando alguém para se casar, e vai pagar por isso, não tem

muito o que entender.

Inesperadamente senti um pé subindo por minha perna.

Era sério aquilo?

Um nervoso começou a subir pelo meu corpo, eu podia sentir

que estava ficando vermelha de raiva, vergonha e tudo mais.

Aquela era definitivamente a pior ideia que já me aconteceu.


Agora eu teria que me livrar daquele pesadelo que estava na minha

frente.
CAPÍTULO OITO

Olhei mais uma vez no relógio do meu pulso, conferindo que


ela estava atrasada. Muito atrasada.

Eu estava quase me levantando para ir embora, quando um


murmurinho chamou minha atenção e resolvi esperar mais alguns

minutos.

Eu não era fofoqueiro, nem nada assim. Minha intenção não


era bisbilhotar a vida dos outros, mas se estivesse acontecendo
alguma coisa, não seria eu a deixar passar.
Eu não ficaria bem vendo uma covardia acontecer do meu
lado. Então apurei meus ouvidos um pouco mais, se tudo estivesse
bem e fosse uma simples briga de casal, eu iria embora sem me

intrometer.

— Me solta, você não tem direito nenhum sobre mim.

— Ah, não seja difícil. Se bem que... você vai fazer isso
quando estivermos casados? Eu adoraria ter que domar você.

A mulher que estava sentada de frente para o sujeito deu uma


risada sarcástica.

— Não vou me casar com você. Se tinha alguma chance,

perdeu todas.

Olhei para o lado quando a vi puxar a mão com força para se

soltar do aperto do seu companheiro.

Neste momento eu não estava mais disfarçando, encarava os


dois e a discussão como se fosse um espectador. Dependendo do
rumo que seguisse, eu sabia que teria que intervir.

— Mas você não vai me dispensar assim, gata. Não perdi


minha manhã à toa.

— Ah, mas eu vou sim.


A mulher levantou, pegando a bolsa e pronta para sair, mas o

homem fez a mesma coisa, agarrando-a pelo braço e fazendo-a girar


de encontro a ele.

Neste momento eu já fiquei em alerta, qualquer ação ou

palavra dele, eu interviria.

— Você não vai a lugar nenhum assim, gatinha.

Ele passou as pontas dos dedos sobre o rosto dela, fazendo-a


se encolher.

Como estávamos em um lugar mais reservado, dificilmente


eles seriam escutados. A não ser por mim, que parecia estar invisível
para o homem, ao contrário da mulher, que me olhou uma única vez,
parecendo pedir ajudas com os olhos.

No momento em que ela pediu que ele a soltasse, e ele fez o


contrário, apertando ainda mais os dedos ao redor de seu pulso,
levantei arrastando a cadeira da qual estava sentando, fazendo-a
ranger contra o chão.

— A moça não parece estar gostando das suas ações,


parceiro — disse assim que os dois olharam para mim.
— Isso aqui não é da sua conta. Melhor se manter longe. — O
sujeitinho desviou os olhos de mim, voltando a encarar a moça.

— Esta desrespeitando a mulher? É da minha conta, sim.

Não esperei que ele respondesse, ou que fizesse mais

qualquer coisa, apenas o puxei pelo ombro, fazendo com que virasse
de frente para mim. Com o susto do meu gesto, ele acabou soltando
a moça, que se afastou com um pulo para trás.

Sem esperar por muito mais tempo, desferi um soco de direita


no queixo do babaca que tombou de lado, perdendo o equilíbrio.

Esperei que se recuperasse, já que não bateria em alguém


em desvantagem. Mas torci para que ele tomasse vergonha e
acabasse indo embora. Mas infelizmente, para provar o valentão que

era, isso não aconteceu, e ele partiu para cima de mim, socando
também meu queixo.

Usei a mesa que estava para me apoiar, tomando um tempo


para me recuperar, mas assim que olhei para cima, o brutamontes
estava vindo ao meu encontro. Eu poderia jurar que ele estava
bufando como um touro bravo, típico de playboys que não sabem
respeitar o próximo e ficam doídos quando são chamados a atenção.
Só que eu agi mais rápido que ele, abaixando-me e socando
seu estômago. Ele tombou em cima de uma das mesas, fazendo um
barulho maior e começando a gemer de dor.

Por cima do barulho, podia ouvir a mulher que estava


acompanhada dele gritando e o burburinhos dos clientes e
funcionários ao redor.

Posicionei-me em ataque, esperando novamente pelo meu


adversário se recuperar, mas antes que isso acontecesse, dois
seguranças apareceram.

— O que está acontecendo aqui? — um deles perguntou,


entrando na frente do homem que gemia de dor.

— Bom, senhor, me desculpa pelo inconveniente. Só estava

defendendo a moça.

— Certo, mas infelizmente vou ter que colocar os dois para


fora. Se vocês têm algum problema para resolver, façam isso de
maneira educada. Mas se for para brigar, não vai ser neste
estabelecimento.

Ergui os braços em rendição, começando a caminhar para a


saída do restaurante. Vi quando o babaca se recusou a sair, e os
seguranças tiveram que levá-lo a força por outra porta.
Segui meu caminho, saindo do restaurante e atravessando a
rua. Estava com fome, e sem minha pasta com os currículos. Alem
de ter perdido uma entrevista que estava marcada. Mas como a
mulher estava atrasada, pediria para Taís conversar com ela
novamente. Eu teria direito a uma segunda chance.

— Ei, moço, espera — ouvi uma voz atrás de mim, chamando-


me.

Era impossível ser comigo, mas por puro reflexo virei o rosto e
vi a mulher do restaurante me seguindo.

Franzi a sobrancelha no momento em que a reconheci e parei


de andar.

— Ah, oi. Desculpa por tudo aquilo que aconteceu lá dentro.

Ela estava se desculpando pelo quê?

— Você não teve culpa — falei sério e voltei a andar.

Achei que a mulher me deixaria seguir em paz e tomaria o


próprio rumo, mas ela não o fez.

— Olha, foi muita gentileza sua. De verdade.

Parei novamente no meio da calçada. Pessoas passavam por


nós, desviando. Voltei os olhos para trás, e a vi andando rápido,
quase saltitando para me encontrar.

Esperei pacientemente até que chegasse perto o suficiente


para não precisar gritar.

— Eu apenas fiz minha parte, moça. Não precisa me


agradecer.

Dei as costas para ela e continuei andando, acreditando


finalmente que ela me deixaria seguir em paz. Mas eu estava

esganado.

— Olha, nem todos são como você, sabia? Precisávamos de

mais homens assim no mundo.

Ela provavelmente não sabia o que estava falando. Não

mesmo. Não era assim, só porque uma pessoa fez uma coisa certa,
que todos deveriam agir como ela em tudo, mas resolvi não falar

nada.

— Como você se chama? Posso saber?

Virei novamente para ela, encarando-a. Por um momento

meus olhos se prenderam aos seus. Era como se um magnetismo


puxasse os meus. O contraste da cor azul dos meus, com os seus

castanhos deveria ser o imã para isso.


Um vento mais forte bateu, levando seus cabelos também em
um tom castanho, que combinavam com os olhos, para o seu rosto.

Ela encarou meus olhos, fixamente como eu fazia com ela.

Respirei fundo, ponderando se valeria a pena gastar mais um


tempo para responder ou não.

Mas afinal, meu dia já estava perdido mesmo.


CAPÍTULO NOVE

Eu estava cansada de percorrer o pequeno trecho do


restaurante até ali. Mas não ia desistir fácil assim.

— Como você se chama? Posso saber? — perguntei um


pouco atrás dele.

Finalmente ele parou, virando-se para trás e me encarando.


Meus olhos subiram lentamente até encontrar os dele me encarando
fixamente.
Ele tinha os olhos da cor mais linda que eu já tinha visto, entre
um azul-esverdeado, que se misturavam. E era nítido que carregava
muitas histórias, apenas pela forma de olhar.

Naquele momento eu pude analisá-lo com um pouco mais de


atenção. A barba rala, começando a nascer, os lábios em formato de
coração, muito bem preenchidos e rosados, o cabelo penteado para
o alto e jogados de lado, formando um pequeno topete. Sem contar

sua altura, perto dos meus um e sessenta e três, deveria ter uns
vinte centímetros a mais com toda a certeza.

Meus olhos se fixaram nos dele por um bom tempo, até que
ele desistiu, pigarreou e desviou-os.

— Gustavo. Gustavo Lopes.

Estendi uma das mãos para cumprimentá-lo, ele pareceu


pensar e pronto para recusar o contato, mas aceitou afinal.

— Katrina Ferrer. É um prazer te conhecer. Olha, eu sinto


muito pelo que aconteceu lá dentro. Eu gostaria de saber uma forma
de te agradecer... — deixei a frase solta, esperando que ele pudesse
me dizer o que fazer.

— Agradeço a generosidade, mas não quero nada em troca.


Obrigada.
Novamente ele se virou, começando a andar, mas desta vez

em passos menores. Homem difícil.

— Sabe, eu acabei não almoçando. — Comecei a caminhar


do seu lado, desta vez conseguindo manter o ritmo. — Você

conseguiu? — Nenhuma resposta. — Quer almoçar comigo?


Conheço outro restaurante aqui perto, muito bom.

Continuei andando ao seu lado, esperando por uma resposta,


mas nada. Ele estava me ignorando totalmente.

— Sabe, é de bom tom responder quando se é convidado


para alguma coisa — ousei brincar.

Ele parou inesperadamente de caminhar, fazendo com que eu


ficasse alguns passos à sua frente.

— Até alguns minutos atrás estava dizendo que seria bom se


todos os homens fossem como eu e agora já mudou de ideia?

Ele levantou uma sobrancelha, desafiadora.

— Às vezes eu me precipito nas coisas que digo. — Cruzei os


braços contra o peito e levantei uma sobrancelha.

Se ele ia fazer pose de durão, eu também assumiria esse


papel.
— Se precipitou em me convidar para almoçar?

Ok, ele estava me testando.

— Não, ainda está de pé o convite.

— E você me levaria para almoçar em um restaurante de


riquinho, não é?

Mas que conversa era aquela?

— Porque você acha isso? — troquei minha perna de apoio,

jogando o peso do meu corpo para um lado.

— Você tem todo um jeito de patricinha. — Ele teve a audácia


de apontar um dedo por todo o meu corpo.

— Olha aqui, eu não sou uma patricinha. E mesmo que te


levasse em um restaurante de riquinho — usei de desdém na palavra
—, qual seria o problema nisso?

— Problema nenhum, só estou te testando.

Ele tinha um tom de divertimento no rosto, que eu poderia


jurar que estava gargalhando por dentro. Filho da mãe.

— E por que você simplesmente não recusa o convite, rápido


e fácil?
— Porque eu gostaria de refomuulá-lo. Você aceitaria que eu
te levasse para almoçar?

Ele continuava com aquele semblante de quem estava se


divertindo.

— É alguma pegadinha? Você está de brincadeira com a


minha cara?

— Claro que não. Não faço brincadeiras — ele falou sério.

— Bom, se for um convite sério... eu posso aceitar.

— Então vou considerar aceito. Podemos ir.

— Claro, meu carro está estacionado aqui perto, você pode ir


na frente e eu te acompanho.

Comecei a andar de volta para o carro, para que pudesse


alcançá-lo, mas notei que ele estava parado no mesmo lugar, desta
vez com os braços cruzados sobre o peito, revelando seu músculo

por baixo da camisa social. Meus olhos se prenderam por alguns


instantes neste detalhe, mas logo desviei a atenção.

— Você não vem?

— Não precisamos de carro, é aqui perto.

— Ah, me desculpe então.


Voltei para perto dele, parando assim que estávamos lado a
lado. Mas ele não se mexeu, ficou apenas me observando.

— Vamos? Eu estou pronta.

Sem dizer mais nada, ele desviou os olhos de mim e começou


a andar.

Estava indecisa se tinha tomado a decisão certa, ou se estava


fazendo mais uma escolha errada. Mas mesmo assim, comecei a
segui-lo, esperando que fosse sim, a coisa certa.

O lugar realmente não ficava muito longe, mas também não


imaginei que ele me levaria para o meio de uma feira.

Sim, era uma feira, e estávamos sentados embaixo de uma


barraca esperando os pastéis.

— Então, me conta mais sobre você. — Eu estava sem ideia


de como iniciar um assunto, e isso foi o melhor que eu pensei.

— Não tenho muito que contar sobre mim. Mas e você? Fiquei
curioso em saber o porquê você estava com aquele babaca.

A pergunta me acendeu o real motivo por ter saído com


aquele cara.
Será que eu estava mesmo me metendo em uma loucura?
Quando eu estava sentada com aquele sujeito no restaurante, não
me sentia amedrontada, mas naquela feira, sentada ao lado de
Gustavo, eu estava à vontade, era como se eu o conhecesse há
muito tempo.

Ok, não tanto assim, mas eu conseguia me sentir bem ao seu


lado.

— Bom, foi uma proposta meio arriscada que eu fiz. Mas

ainda bem que você estava por perto.

Abri um sorriso para ele, esperando que retribuísse, mas ele


não o fez, apenas continuou me encarando muito sério.

— Entendo — ele falou finalmente.

Ok, era complicado manter um diálogo com alguém que se

conheceu a algumas horas, mas eu tentaria mais um pouco, apesar


de Gustavo parecer sério demais para o meu gosto.

— Mas, então, desculpa a intromissão, mas o que você faz da

vida? Digo — pigarreei pensando em como formular melhor aquela


pergunta —, você trabalha com o quê?
Ele passou a mão pelo rosto, do queixo para baixo, parecendo
pensar sobre o assunto.

— No momento estou desempregado, à procura de uma

ocupação.

Olhei para ele com olhos mais atentos, suas roupas sociais

em um dia tão quente, a preocupação que parecia estampar suas


feições.

— Você estava esperando alguém no restaurante? —

perguntei mais séria desta vez, com um pesar na voz.

— Sim.

Sim, apenas uma palavra e nada mais.

— Foi atrapalhado pela briga? — minha voz saiu baixa, quase


como um sussurro, que temi que Gustavo não ter ouvido.

— Não, eu já estava de saída quando aconteceu.

Bom, menos mal.

— Entendo — usei sua mesma palavra de minutos atrás, mas

resolvi emendar em mais assuntos: — Bom, o pastel daqui é bom?


Você já comeu aqui?
Ele ficou me encarando por um tempo, com um vinco discreto

na testa.

— Você vai tirar suas próprias conclusões.

— Claro. Meu pai adora pastel. Vou trazê-lo um dia aqui, se

for bom. Mas não sei se ele vai ter querer vir — comecei a falar sem
muita pretensão. A intenção era não deixar o clima pesar com

silêncio. — Ele é dono de uma empresa de advocacia, não sei se


você conhece. Ferrer advocacia, é um prédio grande que fica na

Tijuca, talvez você tenha ouvido falar.

Esperei alguma resposta dele, mas nada veio, ele apenas


tinha o mesmo vinco na testa. Então resolvi continuar.

— Talvez eu possa voltar aqui com a minha amiga. Erica


adora coisas novas. E pastel também — dei uma risada e vi quando

as sobrancelhas de Gustavo se franziram.

Pensar em Erica fez-me lembrar do site que ela havia criado e


que era para eu estar em um encontro neste momento.

Respirei fundo, pensando que a tentativa tinha dado errado.


Mas quando olhei para cima e vi Gustavo ainda me encarando, outro

pensamento surgiu em minha mente.


Eu ainda estava em um encontro, não? Aparentemente com
uma pessoa muito melhor do que a primeira.

Desci os olhos para o seu dedo, procurando por uma aliança

ou qualquer coisa do tipo, mas não tinha nada.

Talvez aquele homem sério pudesse me ajudar.

Ele poderia se tornar meu marido de mentirinha e salvar de

vez a minha vida. Não que ela dependesse disso, mas eu gostava de
colocar um pouco mais de emoção nela.
CAPÍTULO DEZ

Lá estávamos nós, comendo pastel. Não era isso que eu


havia programado quando saí de casa, mas fazer o que se não

somos nós que ditamos as regras do destino?

Katrina soltou um som de deleite quando deu uma mordida

em seu pastel e saiu puxando o queijo. Estava realmente muito bom,


mas ela parecia uma criança comendo alguma coisa gostosa pela
primeira vez. E provavelmente deveria ser, já que ela não tinha muito
aparência de alguém que frequentava feiras constantemente. E pelo
que havia falado do pai ser dono de uma advocacia, deveria ser a
primeira vez que pisava em uma.

— Hum — ela murmurou enquanto mastigava — vou mesmo


ter que trazer Erica aqui.

Dei uma mordida em meu pastel também, apenas a


observando. Quando tive a ideia de vir almoçar aqui, confesso que
pensei que ela sairia correndo, assim que pisássemos na entrada da

feira, mas me surpreendi quando ela começou a olhar tudo


parecendo encantada. Talvez eu a tenha julgado à primeira vista
erroneamente.

— Você vem sempre aqui? — ela perguntou distraída.

Mas será que aquilo era um tipo de cantada ruim? Não


poderia ser. Mas mesmo assim, levantei uma sobrancelha para ela,
provavelmente ela entendeu meu questionamento silencioso assim
que me olhou, já que colocou um dedo sobre a boca, terminando de
mastigar e engolindo.

— Não é isso que você está pensando. Só estou puxando um


papo, para manter o clima agradável, sabe como é, né? — Ela deu
um sorrisinho de lado, meio acanhado e voltou sua atenção para a
comida à sua frente.
— Venho, às vezes — respondi sério, sem levantar os olhos

para ela.

Mas a mulher gostava de falar. Muito.

— Sabe, eu sou formada em pedagogia. Mas não atuo na


área. Gostaria. E você, antes, trabalhava com o quê?

Levantei os olhos finalmente para ela, e bebi um pouco do


caldo de cana. Katrina repetiu o mesmo que eu, bebendo enquanto
me encarava nos olhos.

Ela tinha uma profundidade peculiar no olhar, que me deixava


conectado de forma inexplicável.

Fiquei um tempo encarando-a, até que ela piscou, pigarreou


para limpar a garganta e bebeu um pouco do seu próprio caldo.

— Quantos anos você tem, Gustavo? Eu tenho vinte e quatro,


você não tem cara de ser muito mais velho que eu. Talvez uns trinta?
— Continuei encarando-a. — Você é solteiro, Gustavo?

Ela me encarava fixamente, sem desviar os olhos, como se


aquilo fosse um assunto muito importante. O que afinal, aquela
mulher tinha na cabeça?
— Estou sendo interrogado, por acaso? — Levantei uma
sobrancelha.

— Não, claro que não. Desculpa.

Katrina voltou a comer o pastel, dando pequenas mordidas

enquanto me olhava de canto.

— Você faz isso sempre?

— O quê? Eu estou suja? — Ela pegou um guardanapo e


começou a se limpar.

— Não. Falar demais da sua vida com estranhos.

Katrina parou o movimento que estava fazendo, ergueu os


olhos em minha direção e instantaneamente fechou a cara.

Talvez eu devesse ser mais simpático com ela, mostrar um


pouco de carisma, mas não conseguia fingir algo.

— Desculpa. Mas é que você não está respondendo minhas


perguntas. — Ela deu a última mordida no pastel, limpou os cantos
da boca com uma elegância acima da média, e se voltou para mim.
— Mas enfim, você é solteiro? Não vi aliança em seu dedo.

Limpei meus dedos no guardanapo e respirei fundo.

— Sou viúvo.
— Ah, sinto muito.

Fiz um meneio de cabeça, aceitando seus sentimentos.

Katrina voltou a pigarrear, parecendo constrangida com algo

que queria falar, o que era uma novidade para mim, pois pelo pouco
tempo que eu estava ali, percebia que aquela mulher não tinha muito
filtro para as coisas. Apenas esperei que ela falasse, fosse o que
fosse.

— Você... Eu... — Ela parecia realmente sem saber o que


queria. — Posso te perguntar uma coisa? — assenti com a cabeça.
— É meio complicado falar sobre isso, então peço que tenha a
mente aberta. Sei que não é uma coisa fácil de ser ouvida, talvez
você me ache um pouco louca, mas saiba que eu tenho meus
motivos para te propor isso.

— Dá para falar logo o que você quer?

Pelo jeito que ela falava, parecia que me pediria para doar
algum órgão, ou até mesmo me propor em casamento, pela
ansiedade visível que estava.

— Bom, eu preciso de um marido em um curto prazo de


tempo. Aquele cara do restaurante era um candidato que eu estava
analisando. Mas como você viu, ele não passou no teste.
Aquilo era sério? Se ela me pedisse um órgão, seria mais
coerente do que aquilo que eu estava ouvindo.

— Como é? — perguntei, franzindo as sobrancelhas, sem


entender ao certo onde aquela conversa estava me levando.

— Então, calma. É que eu preciso ser casada no papel para


conseguir um negócio. Seriam apenas alguns meses.

— Você é louca, menina. Completamente.

— Claro que não. Apenas achei o parceiro que me parece


bom.

— Você nem me conhece direito. E se eu for um assassino?


— falei um pouco mais alto.

— Apenas pelo fato de você estar assustado com isso, me diz


que você não é. E eu não sairia daqui e me casaria com você na
mesma hora. Teríamos alguns encontros para estabelecer uma
proximidade e não ser algo tão ruim assim para nós dois.

— Você é louca. — Levantei-me apressado, empurrando a


cadeira na qual estava sentado. — Foi um prazer te conhecer.

Imediatamente virei de costas para ela, começando a


caminhar. Queria ficar longe daquela louca.
— Ei, calma. Espera.

Não olhei para trás, mas imaginei que ela estaria vindo ao
meu encontro.

Louca.

Continuei andando, sem dar muita atenção para ela. A cena


era praticamente igual a de algumas horas atrás, quando saí do
restaurante, com apenas duas diferenças daquela vez. Uma que

estávamos no meio de uma feira, e a outra que eu não pararia para


falar com ela.

Estava seguindo em silêncio, apenas ouvindo-a murmurar


algumas palavras para que eu a esperasse, sem olhar para trás. Ela

não se encontrava muito longe.

— Gustavo, espera, por favor. Podemos conversar melhor?

Você está procurando um emprego. Eu posso te pagar por isso.


Seria apenas um serviço provisório.

Parei imediatamente e me virei para ela.

— Você acha o quê? Que dinheiro paga qualquer coisa? —


falei entre dentes.
Eu estava irado com aquele assunto. Pela proposta que me foi
feita, a maneira que ela falava sobre tudo aquilo.

— Não. Não foi isso que eu quis dizer. — Ela pareceu se

encolher no lugar em que estava. Voltei a andar, mas a mulher era


insistente e voltou a andar atrás de mim. — Gustavo, eu só estou

pedindo para pensar na proposta. Me passa um contato, podemos


nos manter conectados. Continuei andando, sem lhe dar muita

moral.

Eu estava sim, precisando de um emprego, e urgente, mas

quanto isso me fazia desesperado para aceitar me casar com uma


riquinha que eu mal conhecia?

Mas, por outro lado, e se essa proposta me ajudasse até

arrumar um novo emprego?

Bufei ainda caminhando, pensando que a convivência com

aquela mulher já estava me fazendo pensar em coisas assim,


imagina se eu me casasse com ela.

Quando estava absorto em meus próprios pensamentos, ouvi

uma exclamação logo atrás de mim, algo como se alguém estivesse


sentindo dor. Quando me virei, Katrina estava sentada no chão, com
a mão em seu tornozelo. A careta que fazia era de alguém que

sentia muita dor.

— O que aconteceu? — Corri até ela, agachando-me ao seu


lado.

— Tropecei em um buraco e acho que torci meu tornozelo.

Olhei para o lado e vi um buraco na calçada, onde

provavelmente ela havia enfiado o pé.

— Está sentindo muita dor? Consegue colocar o pé no chão?

— Não sei. Mas está doendo bastante.

Peguei seu pé machucado entre as mãos, analisando.

Começava a inchar, e acreditei que seria realmente difícil e ainda


pior caso ela se apoiasse no pé.

— Com licença, posso? — Estiquei os braços para que ela


entendesse minhas intenções e ela confirmou com a cabeça.

Assim que tive sua permissão, passei um braço por suas


pernas e o outro apoiei em sua cintura, levantando-a do chão.

Assim que ela estava firme em meus braços, comecei a

caminhar para longe das pessoas curiosas que passavam olhando


para nós.
E lá estava eu, com a mulher de quem estava fugindo alguns
segundos atrás em meus braços. E pior ainda, ponderando uma

história de casamento de mentira.


CAPÍTULO ONZE

Eu queria ter ido embora. Se dependesse da minha vontade,


eu estaria longe daquela mulher. Ela começa a cheirar a problema.

Mas não, eu tinha que ajudá-la. Bom, não que eu pensasse

em fazer o contrário, já que ela havia se machucado. Não era da


minha índole, deixar uma mulher caída no meio da rua à própria

sorte.

— Onde eu posso te levar? Quer ir ao hospital? — perguntei-

lhe, sem saber ainda para onde iria com ela, mas sem parar de
caminhar.
Alguns curiosos na rua ficavam nos encarando, tentando
entender o que estava acontecendo, outros mais românticos ficavam

olhando com os olhos iluminados, soltando sons de exclamação.

— Pode me colocar no chão que vou caminhando, meu carro


está logo ali. — Ela apontou na direção do restaurante do qual eu

havia sido expulso.

Não ficava muito longe, e dando uma rápida olhada no seu pé,

percebi um pequeno inchaço, que me fez apertá-la um pouco mais


firme em meus braços e começar a andar na direção apontada.

— Não é recomendado forçar o pé dessa maneira e não vai

ser um sacrifício para mim. Só me diga qual é o seu carro.

Segui o caminho mais calado, com Katrina colada ao meu

peito. Seu cheiro estava impregnando minhas narinas, como se


fosse impossível não respirar aquele aroma.

— Não precisava se dar a esse trabalho — ela falou.

Não respondi, apenas continuei andando, olhando para frente.

Assim que chegamos ao carro que ela indicou sendo o seu,

coloquei-a no chão delicadamente, mas mantive um braço em volta


da sua cintura. Quando ela destravou e sentou no banco, ajoelhei-
me novamente à sua frente, pegando seu pé nas mãos e analisando.

O inchaço tinha aumentado, e ela soltou um gemido quando girei.

— Você tem alguém que possa te buscar? Não recomendaria


você dirigir com o pé assim.

Coloquei seu pé no chão.

— Não. Pode deixar que eu me viro. Muito obrigada pela


ajuda.

Katrina colocou o pé para dentro, pronta para fechar a porta


do carro, mas eu a segurei, impedindo-a de fazê-lo.

— Como eu falei, não é um sacrifício para mim. Se você não


tem para quem ligar, eu posso te levar onde quiser.

Eu não ia deixar que ela fosse embora com aquele pé daquele

jeito sem alguém para ajudá-la. Ela não era obrigação minha, mas
mesmo assim, não queria deixá-la, sem ajuda.

— Como assim? Você...

— Eu tenho habilitação. — Interrompi. — Posso ir dirigindo


para você, se permitir.

— Eu não quero te dar mais trabalho por hoje. Muito obrigada.


Sem dizer nada novamente, abri a porta do carro e estendi a
mão, para que ela se apoiasse. Se aceitasse, eu poderia levá-la em

casa, mas era só negar que eu não a obrigaria a ficar na presença


de um homem desconhecido dentro de um carro.

Diferente dela, eu não era louco em sair por aí confiando em


qualquer um que aparecesse na minha frente.

Mas Katrina estendeu a mão, aceitando minha ajuda meio a


contragosto. Andou mancando até o banco do motorista, sentando-
se e tirando os sapatos que calçava.

— Não moro muito longe daqui. Vou te passando o caminho.

Assenti com a cabeça e bati a porta do carona. Sentei no


banco do motorista, ajeitando o assento na melhor posição. Olhei
para Katrina que me encarava e fiz um pequeno aceno de cabeça,

dando partida no carro e começando a dirigir.

— Mais uma vez, obrigada pela ajuda. Sabe, não precisava


fazer isso tudo por mim. — Novamente a mulher desembestou a

conversar. Ela parecia não se cansar nunca. Eu, por minha vez,
foquei a atenção na estrada à frente. — Mas você parece ser uma
pessoa muito boa, de coração e tals, sabe?
Por alguns poucos minutos ela ficou calada, me indicando
apenas em qual rua entrar, e tive um leve pressentimento de que
isso se manteria, mas ela gostava realmente de conversar.

— Mas, então, você já vai me levar para casa, já não somos


tão desconhecidos assim, posso dizer que rolaria uma amizade entre
a gente?

Olhei de canto para ela, e Katrina ria para mim, com os lábios

e olhos. Ela era realmente uma mulher muito bonita, de sorriso


espontâneo e quase contagiante. Ela tinha um estilo que incitava a
liberdade, a menina criança, como se fosse uma inocência

estampada no rosto.

— Podemos analisar isso. — Falei finalmente, o que fez com


que seu sorriso se ampliasse ainda mais.

No resto do percurso, ela foi falando sobre si própria, mas não

de uma forma arrogante, era apenas uma maneira de manter a


conversa rolando.

No meio do caminho ela disse que mandaria mensagem para

o pai, avisando o que tinha acontecido, e no mesmo momento em


que ela mandou, seu celular começou a tocar acusando uma
chamada.
— Oi, pai. Sim, eu estou bem, foi só uma torção leve. — Uma

pausa. — Sim, não se preocupe que estou indo para casa com um
amigo — ela usou uma pequena ênfase na ultima palavra.

Olhei para ela, buscando algo em seu rosto, mas daquela vez

ela não me olhou.

Não demoramos a chegar à sua casa, que era enorme por


sinal, com alguns seguranças na entrada.

Assim que nossa entrada foi liberada, estacionei o mais perto


da porta possível. Assim que parei, um senhor alto, muito bem
vestido de terno e gravata, cabelos grisalhos e magro abriu a porta
da casa, vindo em nossa direção. Desliguei o carro e saltei, indo para

o lado do passageiro para ajudá-la.

Ela se apoiou em meu braço, começando a sair do carro.


Quando já estava fora, seu pai estava perto o suficiente para
conversar com ela.

— Como isso aconteceu, minha filha?

Ele foi para o outro lado dela, passando seu braço pelo
ombro, ajudando-a a andar também.
— Caí no meio da calçada, pai, acredita? — seu tom de voz

tinha uma nota de divertimento.

— Passou em algum hospital? Foi medicada? — seu pai tinha


um leve toque de desespero na voz, com preocupação evidente.

Ela parou de andar, fazendo com que nós dois parássemos

também e depositou um beijo na bochecha do pai, reforçando que


estava bem.

Era nítido em poucos segundos o amor e carinho que um

sentia pelo outro, chegando a ser lindo de ver.

O homem não tinha nem notado minha presença ao lado da


filha até o momento.

Assim que chegamos à porta, uma mulher de estatura baixa,


com os cabelos brancos em um coque muito bem feito abriu a porta
para a gente.

— Meu Deus, menina, o que aconteceu com você? — ela

perguntou levando a mão ao rosto.

— Só uma torção, Má. Esses dois que são exagerados.

Assim que entramos, nós a colocamos no sofá, para ficar mais

confortável.
— Me desculpa a falta de delicadeza. Meu nome é Claudio, e
o seu?

O senhor, pai de Katrina, estendeu a mão, cumprimentando-


me.

— Gustavo, muito prazer.

— Você é amigo da minha filha? — ele perguntou, com aquele


típico tom de interrogatório de pai de menina.

Fiquei imaginando que um dia seria eu no lugar dele, e queria


ter aquele mesmo carinho que eles demonstravam um pelo outro.

— Estava apenas ajud... — fui interrompido no meio da minha


frase.

— Sim, pai, é um amigo. Ainda não tinha apresentado vocês,

mas esse é o Gustavo — Katrina falou na minha frente.

— Entendi.

O homem me olhou de baixo para cima, como se me

avaliasse, quando acabou, estendeu a mão novamente na minha


direção.

— Muito obrigado por ajudar minha filha.


Retribuí o aperto de mão, fiz um maneio de cabeça, mas não
disse mais nada.

— Pai, você poderia me deixar sozinha para nos

despedirmos? — Katrina perguntou, fazendo uma carinha típica de


quem queria conseguir algo na marra.

— Vou fazer uma compressa para colocar nesse pé. Venha


comigo, Claudio. — A mulher, que Katrina havia chamado de Má saiu

puxando o homem pela mão.

Katrina se ajeitou no sofá, ficando mais confortável e olhou


para mim.

— Muito obrigada mais uma vez pela ajuda.

— Não precisa agradecer.

Alguns segundos de silêncio preencheram o cômodo. Passei

as mãos na calça e respirei fundo.

— Sabe, sei que você não aceitou de primeira, mas agora já


passamos uma tarde toda juntos, e eu sinto que você é uma boa
pessoa, Gustavo. — Ela respirou fundo também. — Pensa na minha

proposta. Você receberia por isso, e se livraria rápido de mim.


Não lhe respondi, apenas fiquei observando, olhando em seus
olhos. Eles eram expressivos, com uma doçura, algo que me deixava
encantado, mas não saberia explicar o que seria.

— Não tenho muito no que pensar. É uma ideia muito louca.

Ela estendeu a mão, com a palma para cima, como se me


pedisse alguma coisa.

— Me empresta seu celular.

Não era uma pergunta, e sim, uma ordem.

Levantei uma sobrancelha e ela me imitou, mexendo os dedos


como se me apressasse.

Tirei o aparelho do bolso e entreguei-o em sua mão. Ela


desbloqueou, mas logo me devolveu.

— Senha.

Peguei o aparelho novamente, colocando a digital e

entregando-lhe novamente. Alguns segundos depois ela me


devolveu.

— Salvei meu contato. Pensa melhor na minha proposta e me

manda uma mensagem.


Guardei o aparelho e olhei para ela, com as sobrancelhas

franzidas.

— Tudo bem.

Despedimo-nos com um aperto de mão depois dela perguntar


se eu queria que um motorista me levasse em casa, e eu neguei. Ela

chamou a mulher para me acompanhar até a porta.

Achei um ponto de ônibus, que não demorou a passar. Assim


que me acomodei em um dos acentos, peguei meu celular do bolso,

mandando uma mensagem para Taís, avisando que estava a


caminho, e carreguei os contatos, logo aparecendo uma foto da
Katrina, com aquele sorriso que não saía do seu rosto.

Abri o seu contato pensando no que lhe mandaria, escrevi

algumas coisas, mas apaguei, enviando uma mensagem simples no


final.

Gustavo: Oi.

A resposta não demorou a chegar.

Katrina: Jurava que você nunca fosse me mandar uma


mensagem, ou que fosse pelo menos demorar. Mas você

superou minhas expectativas.


Gustavo: Talvez tenha sido um erro.

Apertei o enviar enquanto segurava minha respiração.

Katrina: Erro vai ser ignorar que não foi o destino que fez
com que nos conhecéssemos neste momento.

Assim que li a mensagem, soltei a respiração, e encerrei a

conversa. Na foto da tela do meu celular, Helena olhava para a


câmera com um pequeno sorriso de recém-nascida no rosto.

Ponderar aquela ideia era uma loucura, mas em momentos


como aquele, não pensávamos com clareza.
CAPÍTULO DOZE

Eu ainda não tinha recebido uma resposta de Gustavo. Mas


também não esperava que ele me respondesse tão rápido, e ele o

tinha feito. As minhas expectativas diminuiriam apenas quando ele


me falasse um não muito bem explicado. Até por que, naquele

momento ele era a minha melhor e única opção.

Olhei mais uma vez para meu celular, ficando decepcionada


por não ter uma mensagem de Gustavo. Mas meu foco era na
mensagem de Erica, avisando que estava chegando em casa.
Comecei a descer as escadas, e quando estava nos últimos
degraus, a campainha tocou.

— Eu atendo, Má — gritei, avisando a Maria para que não se


preocupasse.

Assim que abri a porta, minha amiga entrou como um furacão.

— Boa tarde. Quero saber todas as novidades.

Havia mencionado a ela sobre a descoberta de uma opção


perfeita para o nosso plano, mas nada além disso.

— Bom dia, estou bem, e você? — falei irônica.

— Já trocamos essas formalidades pelo celular, eu quero é


novidades.

Erica parecia uma menina ligada nos duzentos e vinte, talvez


fosse por isso que combinávamos, tínhamos o mesmo ritmo.

— Bom, não tenho nada de novo. Achei um candidato


excelente, mas por enquanto, não aceitou meu pedido.

— E como você ainda não o convenceu?

Ela foi caminhando para a sala, e eu atrás dela, até nos


jogarmos no sofá, lado a lado.
— Não foi muito fácil conversar com ele. — Olhei novamente

para o celular, como se por algum milagre pudesse ter uma


mensagem de Gustavo lá. — Ele me defendeu do cara com quem fui
conversar, que por sinal era um embuste, e depois me levou para
comer pastel na feira, acredita?

Erica fez um O com a boca, como se aquilo fosse uma coisa


de outro mundo.

— Simples, tem um ponto. Te defendeu, isso rende uns cinco


pontos. Mas me conte mais. É gato?

— Ai, miga. — Um suspiro involuntário escapou do fundo da


minha garganta. — Ele é um dos mais gatos que eu já vi. Os olhos
são uma coisa linda. Mas ele todo. Alto, musculoso na medida certa,
tinha uma barba começando a nascer, estava com roupas sociais.
Affe...

— Alguém se encantou pela imagem do moço... — Erica disse


e começou a me fazer cócegas, enquanto nós duas nos encolhemos.

— A imagem dele pode ser muito bonita, mas quero saber o


que está rolando aí — a voz de meu pai invadiu a sala, revelando
sua presença.
— Oi, tio, não vi você.

— Oi, Erica, como você está? E sua mãe?

Sentamos eretas no sofá, fingindo sermos comportadas e


educadas.

— Está bem, te mandou um abraço.

Sr. Claudio apenas acenou com a cabeça, agradecendo o


recado e se voltou para mim.

— E você ainda não me explicou direito quem era aquele


homem.

Ele levantou uma sobrancelha, fingindo a pose de um homem


sério e rabugento.

— Como falei, é um amigo. Eu torci o pé na rua e ele me


ajudou.

Quando meu pai estava pronto para dizer mais alguma coisa,
Erica se levantou, puxando-me pela mão e dando tchau ao meu pai,
dizendo que íamos para o quarto.

— Isso vai ser muito bom — ela começou a dizer quando já


estávamos em mais da metade da escada —, se o seu pai pensar
que ele é algo mais que seu “amigo”. — Ela fez aspas no ar com os
dedos. — Vai ser fácil explicar encontros e casamento.

— Não te falei que ele não aceitou meu pedido?

— Você disse que ele ainda não aceitou — ela enfatizou.

Entramos no quarto, de portas fechadas e Erica me puxou,


sentando-se na cadeira de frente para mim, enquanto eu estava na
cama.

— O que você pretende fazer?

— Vamos enviar um contrato informal, com valores, tempo e o


que ele precisa saber de importante.

Os olhos dela brilhavam de empolgação.

— Mas você acha mesmo que isso pode convencê-lo?

— Não, mas é uma tentativa.

Um pouco a contragosto, comecei a ditar um texto enquanto


Erica digitava. Nele explicava que o contrato de casamento duraria
apenas seis meses, e que neste período o cônjuge receberia uma
espécie de salário. Para que o casamento pudesse acontecer,

deveria haver três encontros, após eles o pedido de casamento, e


enfim o casamento apenas no cartório com a separação em seis
meses.

Em letras garrafais, se lia:

SEM SENTIMENTOS ENVOLVIDOS.

Estava tudo muito bem explicado e assim que Erica salvou o


contrato, encaminhei-o para Gustavo. Esperei alguns minutos, mas
não veio nenhuma resposta.

Será que eu deveria desistir dele?

***

Cinco dias depois. Havia passado o final de semana inteiro


para que ele me respondesse, mas nada havia acontecido, nem um
oi, nada. Nada mesmo.

Estava cansada de esperar pelo tempo dele, por que se fosse


assim, nunca haveria casamento nenhum entre a gente.

Peguei o celular e mandei uma mensagem, sem nem antes


mandar um oi, fui direto ao assunto.

Katrina: Não vai me dar nenhuma resposta? É uma


proposta boa, e você é o cara certo para isso.
Assim que enviei a mensagem, ele me respondeu quase que
na mesma hora.

Gustavo: Como você sabe que sou o cara certo? Você nem
me conhece, sua doida.

Para me chamar de doida ele estava atento e disposto a


responder. Mas não dei muita atenção a isso.

Katrina: Eu simplesmente sei. Formamos um belo casal.

Eu o provoquei.

Gustavo: Não somos um casal.

Katrina: Você me entendeu, estraga-prazeres.

Revirei os olhos enquanto lhe respondia. Como se fôssemos


formar um casal de verdade mesmo.

Gustavo: Como está o seu pé?

Instintivamente mexi o pé que havia machucado dias atrás.


Ele estava melhor, não havia acontecido nada de grave, o que os

médicos constataram, depois que meu pai me obrigou a passar em


um, e no outro dia mesmo eu já estava sem dor.

Katrina: Está ótimo, obrigada.


E mais uma vez ele estava escapando sem me dar uma
resposta. Mas se ele não dizia um não definitivo, eu poderia manter

as esperanças, não é?
CAPÍTULO TREZE

Eu não havia desistido de procurar emprego, era apenas uma


pausa temporária. Até por que aquela coisinha na minha frente

precisava de mim.

Mas pensar em um contrato de casamento me deixava

desconcertado.

Não que eu fosse aceitar, ou talvez sim, não sabia mais o que
pensar. Até porque tinha uma mulher me atormentando quase que
diariamente com perguntas se eu já havia pensado na questão.
E parecia que só em pensar no diabo, ele aparecia, no melhor
sentido, porque Katrina não tinha nada em relação ao capiroto, muito
pelo contrário. Ela parecia um anjo com um sorriso espontâneo no

rosto, um jeito de me cativar que eu nunca havia visto. Quando


passei um tempo ao seu lado, era como se eu estivesse em paz.

Assim que meu celular vibrou sobre a cama, peguei-o olhando


a mensagem que havia acabado de receber e um meio sorriso

espontâneo e sem pretensão escapou no meu rosto.

Katrina: E ae, parceiro, já podemos marcar o primeiro


encontro?

Ela era insistente, eu não poderia negar isso.

— Olha, filha, quero que você corra atrás do que quer, como
essa mulher faz, viu? — falei para Helena, que estava deitada na
cama brincando com o pote de lenços umedecidos que ficou por
perto depois que a troquei.

Digitei uma mensagem para Katrina, dizendo que ainda não


havia decidido nada.

O sorriso ainda se mantinha no meu rosto quando ela mandou


uma figurinha se jogando no chão.
Quando Helena soltou um sonzinho brincando, olhei para ela,

e minha filha abriu um sorriso banguela para mim. Naquele momento


pensei em quanto tempo eu não sorria se não fosse para ela. Afinal,
Katrina estava conseguindo um feito quase impossível, sem nem
estar perto de mim.

— O que foi, princesa? — Abaixei a cabeça, dando beijinhos


na barriguinha dela, o que a fez sorrir um pouco mais. — Pronta para
ir para a casa da tia Taís?

Peguei-a no colo, tirando-a da cama e aninhei-a em meus

braços. Era impressionante como ela já havia crescido naqueles


poucos meses de vida. E como ela pertencia aos meus braços.

Passei na sala para pegar a bolsa que já estava pronta com


tudo o que ela precisaria para aquele dia e coloquei-a no ombro.

— Olha, você vai ficar só um tempinho na casa da tia, tudo


bem? O papai vai fazer umas compras, e assim que terminar, vou te
buscar.

Dei um beijinho na ponta de seu nariz e ela se contorceu toda


ao sentir cócegas com o roçar da barba remanescente em sua pele
macia.
Pegamos a condução e desci na rua da Taís, deixando minha
filha com ela ao depositar um beijo delicado em sua testa.

— Muito obrigada, não vou demorar, são apenas umas


compras, porque as coisas em casa estão acabando, e essa
mocinha aqui precisa de roupas novas, porque não para de crescer.

Despedi-me das duas sem muitas delongas e peguei o rumo


do mercado. Teria que passar em alguma loja infantil na volta, mas
daria tempo.

Terminei a compra no mercado e agendei a entrega quando


estava saindo do e meu celular tocou.

Olhei no visor e o nome de Taís piscava. Parecia estar em


neon na minha tela.

Taís nunca me ligava assim, quando estava cuidando de


Helena, a não ser que acontecesse alguma coisa, o que nunca havia
acontecido antes.

Foi como se um sexto sentido começasse a me deixar


apreensivo, a espera de uma notícia ruim.

Mas nada poderia ter acontecido, não era?


Dei uma olhada para cima, olhando o céu azul com poucas
nuvens brancas desenhadas sobre ele, e pedi em silêncio para que
não fosse nada com minha filha.

— Alô — disse assim que deslizei o dedo pela tela. Meu tom
de voz já parecia vacilante.

— Gustavo, olha, me desculpa. Mas fica calmo.

Aquela ultima frase não havia ajudado em nada, muito pelo


contrário. Se eu já estava nervoso apenas por ver o nome de Taís na
tela, ouvir aquilo me deixou suando.

— O que aconteceu, Taís? Helena, ela... — Deixei a frase no


ar, sem terminá-la, com medo de qualquer resposta que pudesse vir.

— Estamos no hospital, ela engasgou com alguma coisa. Um


brinquedo, não sei.

Taís estava tão nervosa quanto eu, aparentemente. Mas ouvir


aquilo me deixou aéreo por alguns segundos, parado e absorvendo
tudo o que eu havia acabado de ouvir.

Helena nunca havia ido para o hospital a não ser para


consultas de rotina, era uma criança com uma saúde admirável, nem
mesmo gripe ela havia pegado ainda. E imaginar minha bebezinha
tão pequena em um hospital, com qualquer problema que fosse, me
deixava nervoso ao extremo.

— Onde vocês estão? Em que hospital? — Perguntei em um


fio de voz entre os dentes.

— Vou te passar o endereço por mensagem...

Não deixei que ela terminasse de falar, e desliguei, acessando


o aplicativo e pedindo um Uber.

Assim que cheguei à recepção do hospital, dei o nome das


duas e caminhei para a sala que me havia sido indicada.

Assim que entrei, Taís me recepcionou na porta.

— Gustavo, desculpa. Eu juro que estava de olho nela, mas


foi tão rápido, quando vi ela já estava com a pecinha na boca e não
deu tempo de nada.

— Taís, por favor, agora não — falei levantando uma mão em

sinal para que ela parasse.

Olhei finalmente para ela, sério, e vi as lágrimas que


inundavam seu rosto.

Senti-me mal por falar com ela daquele jeito, era visível que
estava tão desesperada quanto eu.
— O senhor é Gustavo? Pai dessa guerreirinha aqui?

— Sou eu sim, doutor. — Aproximei-me do berço e olhei para


minha filha, que dormia como um anjo.

No momento em que vi seu peito subindo e descendo, em


sinal de uma respiração calma e controlada, consegui finalmente
respirar mais aliviada. Era como se um enorme peso saísse dos
meus ombros.

— Ela teve a ingestão de uma pequena peça de brinquedo,


que ficou obstruída no canal da garganta.

Olhei para o médico, que me observou por um instante,


também parecendo fazer um suspense para terminar seu relato.

— E como ela está agora, doutor? Vai precisar de cirurgia?

Pensar na possibilidade de cirurgia de urgência me deixou


ainda mais nervoso. Seria um dinheiro que eu não tinha no momento

– fosse qualquer quantia.

Um desespero no momento começou a me dominar, sentia

minhas mãos tremerem. Seria a vida da minha filha em risco por


minha culpa.
— Por sorte, sua amiga ali. — Ele apontou para Taís, que
observava tudo de um canto. — Agiu rápido, e conseguiu fazer um

primeiro socorro. Aconselho somente deixar Helena em observação

por hoje, mas amanhã já estarão liberados para irem embora.

O médico fez um carinho nas costas da minha filha, que se

remexeu um pouco, mas não despertou.

Meu olhar vagou novamente pela sala, parando em Taís que

estava com os olhos vermelhos.

— Muito obrigado, doutor — agradeci e fomos deixados a sós


pelo médico.

Taís caminhou para mais perto de mim, postando-se ao meu


lado, observando Helena dormir.

— Desculpa mais uma vez. Eu juro que não a deixei sozinha.


Ela estava na minha frente, brincando e eu me virei para pegar uma

folha. Foi tudo tão rápido, quando vi, corri para ajudá-la.

Fechei os olhos, respirando fundo.

Eu tinha agido errado com ela. E devia-lhe um pedido de

desculpas.
— Eu sei, Taís, isso poderia acontecer com qualquer um.

Infelizmente é uma coisa comum entre crianças. Desculpa se fui


bruto com você.

Ela apenas balançou a cabeça, concordando e aceitando

minhas desculpas.

— Você sabe que se precisar de qualquer ajuda, financeira ou

não, eu estou aqui, né? Para os dois.

Finalmente uma lágrima escorreu dos meus olhos. Não queria


chorar na frente de ninguém, por isso rapidamente passei um dedo

por ela, secando-a.

Era uma lágrima com sentido de alivio pela minha filha estar

bem, pelo medo que passei, o desespero. Era uma mistura de tudo.

— Eu sei, mas essa situação não pode ficar assim por muito

tempo. Eu tenho que aceitar a única solução que me apareceu.

— Você não está pensando em...

— Aceitar ser o marido de mentira da Katrina é minha melhor

opção e o que preciso para proteger a minha filha.


CAPÍTULO QUATORZE

Eu não esperava por sua ligação. Já estava pensando em


desistir dele. Mas ele me ligou dizendo que topava o acordo. Não sei

o que o fez mudar de ideia, mas estava gostando daquilo.

Acertamos nossos três primeiros encontro, para nos

conhecermos melhor, e aquele seria o primeiro deles. Fazia alguns


dias que eu não o via. Na verdade, a ultima vez foi o dia em que ele
me trouxe para casa, quando nos conhecemos. E aquela seria a
segunda que nos víamos, para sairmos em um encontro.
Estava andando de um lado ao outro, sendo acompanhada
pelo olhar de Erica, que parecia me julgar.

— Você pode parar de andar? Até parece que nunca saiu com
um homem antes.

— Não um com quem eu pretendo ter um casamento tão em


breve.

Parei na ponta da cama, de frente para minha amiga. Poderia


jurar que se a encarasse por muito mais tempo, começaria a chorar.

— Kat, você sabe que pode desistir. Você não precisa se


casar com ele, e muito menos aceitar essa herança maluca que a

sua mãe te deixou.

— Eu sei, Cá. Mas eu quero. Agora é por mim que farei isso.

Minha mãe me abandonou quanto eu tinha três anos, e agora me


deixa alguma herança. Eu... — soltei um suspiro — tenho
esperanças de que seja algo que conte uma história, qualquer coisa
assim.

— Ai, amiga, você esta criando expectativa. — Erica olhou


para mim com seus olhos amendoados, como alguém que queria
transmitir piedade, compaixão.
— Não estou — apressei-me em dizer — é só uma esperança

de ganhar alguma coisa dela, sabe? O que realmente vai acontecer.

— Apenas se você se casar.

No momento em que Erica disse isso, alguém bateu à porta


do quarto e nos viramos, para saber quem era.

Maria, que era a governanta da casa, abriu uma fresta da


porta, enfiando a cabeça para dentro do quarto.

— O rapaz chegou, Kat — ela anunciou, dando uma

piscadinha. — E está um gato.

Assim que deu o recado, ela saiu, fechando a porta.

— Você ainda tem tempo para desistir. Posso descer e falar


que está doente, indisposta — Erica sugeriu.

— Não, eu vou. É apenas um almoço, não é? Foi para isso


que estipulamos três encontros antes de qualquer decisão mais
concreta.

— Então desce e arrasa. Você está uma gata.

Parei em frente ao grande espelho que ficava ao lado do


guarda-roupa, olhando-me. Usava um vestido mais solto e casual.
Nos pés uma sapatilha confortável. No rosto uma maquiagem leve.
Um look para um almoço e talvez um passeio no parque, quem sabe.

— Você não vai descer? — Olhei para Erica através do reflexo


no espelho.

— Quero ser apresentada para o tal Gustavo formalmente, em


uma ocasião especial.

Levantei uma sobrancelha para ela, tirando um sorriso de seu


rosto e uma expressão superior, o que nos fez dar uma risada e
descontrair o clima.

— Muito obrigada pelo apoio, então.

Cheguei perto da minha amiga, abrindo os braços e


embalando-a em um abraço quente e aconchegante.

— Me agradeça depois de catar o bonitão que está te


esperando lá embaixo.

— É apenas um contrato, não se esqueça.

— Mas nada impede que você tire algum proveito do corpinho


dele.

Ela piscou, dando um sorriso de lado malicioso.

Virei as costas e deixei-a falando sozinha.


Eu não poderia colocar na mente que um casamento por
contrato teria alguma coisa a mais envolvida. Nem mesmo contatos.

Desci as escadas e quando estava chegando, meu pai surgiu


à minha frente, estendendo-me a mão para me ajudar. Era mesmo
um cavalheiro.

— Você está muito linda, minha princesa — ele falou com


muito carinho carregado na voz.

— Muito obrigada, pai.

Equilibrei-me nas pontas dos pés assim que chegamos ao


último degrau e lhe dei um beijo na bochecha, o que o fez abrir um
sorriso de orelha a orelha.

Quando olhei para frente, dei de cara com Gustavo. Ele usava
uma camisa em um tom entre azul e cinza-escuro, que continha o
escudo do capitão América na frente, uma calça jeans escura
também. A barba estava um pouco maior que na última e única vez
que tínhamos nos visto, mas muito bem aparada.

Caminhei até ele, parando à sua frente. Nós dois


permanecemos em silêncio por um momento, encarando-nos.
— Então, onde vocês vão? — meu pai acabou quebrando o
gelo do momento.

Gustavo direcionou os olhos para ele, dando um leve sorriso


de canto, quase imperceptível a olho nu.

— Combinamos de almoçar em um lugar aqui perto. Conheço


o local há um tempo e a comida é ótima.

Meu pai abriu um senhor sorriso para ele, expressando toda a


sua simpatia.

— Espero que se divirtam.

Sr. Claudio me deu um beijo no alto da cabeça, deixando-nos


a sós. Eu adorava o fato dele saber quando se retirar ou impor sua
presença, mesmo quando o assunto em questão era a sua única
filha.

— Você está muito... — Gustavo começou a falar, assim que


ficamos sozinhos, mas ele parecia se perder nas palavras — muito
bonita.

Ele pigarreou assim que terminou a frase, como se aquilo


fosse difícil para ele.

— Obrigada, você também está muito bem.


Aproveitei o momento para olhá-lo de cima a baixo. Ele não
estava muito bem. Ele era muito, todo muito bom.

Assim que meus olhos voltaram para os seus, com aquela


expressão enigmática, como se tivesse o mundo atrás daquele azul,
ele me estendeu a mão. Aceitei-a e saímos de casa, fechando a
porta atrás de nós.

Um táxi nos esperava no portão.

— Se soubesse que iríamos de táxi, poderíamos ter ido com o


meu carro — falei, parando na frente da porta traseira do veículo.

— O primeiro encontro vai ser por minha conta. Podemos


conversar sobre o segundo — ele falou sério, parando ao meu lado.

Achei que iria esperar que eu entrasse, para assim fazer o


mesmo, mas o gesto que fez a seguir me comoveu um pouco.

Em um gesto muito cavalheiresco, ele se inclinou, abrindo a

porta e esticando a mão, dando-me passagem para que eu entrasse


primeiro.

Sério, o homem que abria a porta para uma mulher nos dias
atuais estava praticamente extinto. O que me fez ponderar mais uma

vez que estava fazendo a escolha certa para aquele acordo.


Assim que estávamos acomodados, lado a lado no carro, já
em direção ao nosso destino, soltei um suspiro e comecei a falar.

— Me conta, o que te fez mudar de ideia e aceitar isso tudo?

Achei que ficaria sem resposta, até mesmo pelo motivo que
Gustavo olhava para a frente, como se não enxergasse nada. Mas

ele me surpreendeu mais uma vez em menos de dez minutos


quando soltou um suspiro da mesma forma que eu, e começou a

falar, mas não a resposta que eu esperava, claro.

— Isso seria um assunto mais para frente. Até mesmo porque


não sabemos se esses encontros chegarão a um resultado positivo.

Ele desviou os olhos para mim, encarando-me muito sério.

Mas infelizmente não sabíamos mesmo. Tínhamos que nos

conhecer um pouco mais para termos certeza de que levaríamos


aquela história adiante ou não.

Mas o pouco que eu vinha conhecendo de Gustavo estava me

agradando, e muito. E naquele momento, um frio passou pela minha


barriga ao pensar nisso. Era arriscado gostar de um provável marido

de contrato.
CAPÍTULO QUINZE

Eu não conseguia acreditar que estava sentado em um


restaurante almoçando com uma suposta noiva.

Era inacreditável, não?

E levando com consideração que eu mal a conhecia.

Mas era isso, lá estava eu, sentado em frente a Katrina,


ouvindo-a falar sobre tudo e fazendo perguntas.

Ela estava certa, e em seu direito, já que também se casaria


com um completo desconhecido.
Estávamos em um restaurante com comida caseira, que eu
conhecia há um tempo, com nossos pratos já servidos.

— Hum — Katrina murmurou, colocando um dedo sobre a


boca enquanto terminava de mastigar e engolir. — Então, você já
conhece algumas coisas sobre mim: me chamo Katrina Ferrer, tenho
vinte e três anos, sou formada em pedagogia, filha de um advogado.
Mas e você? Não sei muito sobre você. E já que aceitou isso tudo,

acho que precisa me responder algumas coisas.

Terminei de engolir um pedaço da carne que estava na minha


boca e olhei para ela.

Katrina tinha expectativas nos olhos. Ela me dava uma

sensação de mulher madura, adulta, mas ao mesmo tempo, seus


olhos me passavam uma doçura angelical, inocente.

— É só me perguntar o que quer saber, que te direi.

Ela soltou os talheres, fazendo soar um tilintar ao bater contra


a porcelana.

— Vamos começar do início. Qual o seu nome completo?

— Gustavo Lopes, próxima.


— É formado? Se sim, em quê? — Ela cruzou os dedos,

apoiando os cotovelos na mesa e usando as mãos de apoio para o


queixo.

— Sou formado em administração. Mas faz um tempo que não

atuo na área.

— Por algum motivo em especial?

Parei um pouco, pensando naquele assunto. Lembrando-me


do adolescente que eu fui, terminando a faculdade com o próprio
esforço, as dúvidas constantes dos meus pais de que eu não
conseguiria me formar, a luta para encontrar estágio.

— Nenhum em especial. As coisas ficaram difíceis e eu não


priorizei encontrar um emprego em determinada área. Aceitei o que
achei primeiro, e fui levando assim. E aqui estou.

Dei um sorriso falso para Katrina que não foi retribuído.

— E administração era o que você sempre quis? — ela


parecia realmente interessada naquele assunto.

— Eu sempre achei interessante o processo de administração,


o crescimento de uma pessoa em uma empresa até alcançar o
objetivo almejado. Eu me considero um cara bom nesse ramo.
— Você pretende continuar à procura de emprego quando nos
casarmos?

Aquela frase me fez parar por alguns minutos, analisando toda


a sua grandiosidade. Se no começo eu não conseguia acreditar,
ouvindo aquilo fazia tudo parecer um pouco mais real.

Respirei fundo, olhando nos olhos de Katrina, e comecei a


falar.

— É o que eu espero. Se tudo correr bem, começar a


trabalhar ainda como seu marido. — Seu marido... aquelas duas
palavras soaram estranhas na minha boca, como se fosse algo que
não deveria, nem merecia, pelo menos por enquanto, ser dita em
relação à mulher à minha frente. Mas era assim que as coisas
seriam, frias e sem sentimentos.

— Não soa estranho? Marido e mulher, eu e você? — Katrina


externou meus pensamentos, parecendo pensativa.

— Levando em consideração que ainda estamos no primeiro


de três encontros, acho que soa como algo muito pessoal.

— Você tem razão. Ainda bem que teremos mais tempo para
nos conhecermos, meu noivo — Katrina disse em tom de
brincadeira, dando um sorriso brilhante e contagiante.
Eu apenas fiquei observando-a voltar a comer, ainda sentindo
o som das suas palavras revirarem em algum lugar do meu corpo.

Meu noivo.

Era isso que eu era, não é? Apenas um noivo de conveniência


para um fim que ela queria, e que me beneficiaria também.

Voltei minha atenção para a comida também, que estava


muito boa.

Estava tão distraído que não notei quando uma criança


começou a correr pelo estabelecimento. Minha atenção retornou
apenas quando seu choro começou a ecoar em todo o restaurante.

Quando levantei os olhos, ela estava caída no chão, próxima


à nossa mesa, jogada mesmo, como se tivesse sido atropelada.

Antes que eu pudesse reagir, Katrina foi mais rápida,


afastando sua cadeira com um rangido e pegando a criança no colo,
que não parava de gritar.

— Oi, foi só um susto, passou.

Ela acariciava a testa da criança, que aparentava ser um


menino de uns dois, três anos. Era loiro, com os cabelos lisos, e sua
franja caía colada na testa com o suor.
— O que aconteceu? — perguntei para me enturmar, porque
era óbvio o que havia acontecido.

— O Sr. Flash aqui acabou tropeçando nos próprios pés. Não


é, herói?

Assim que ouviu o nome do personagem, a criança começou


a diminuir o volume do choro e encarar Katrina.

— Féchi — ele balbuciou no colo dela.

— Isso mesmo. Você gosta dele? — Neste momento, ele já se


havia esquecido do pequeno acidente.

A criança fez que sim com a cabeça, encarando Katrina com


os olhinhos brilhando, tanto pelas lágrimas que ainda molhavam seu
rosto, quanto por admiração pela mais recente amiga que estava
fazendo.

— Você quer uma batata? — Ela pegou uma batata frita com
sua mão, entregando-a à criança, que aceitou abrindo um sorriso.

A cena era linda, Katrina parecia irradiar uma luz, assim que a
criança foi para o seu colo, e eu me sentia hipnotizado com toda a
ação.

— Pedro... Meu Deus.


Uma mulher parou na nossa mesa, agachando-se e passando
as mãos pelo menino, conferindo se ele estava bem.

— Ele caiu aqui perto, eu fui ajudar.

Assim que Katrina terminou de falar, a mulher levantou os


olhos para ela.

— Muito obrigada. Eu não posso desgrudar os olhos um


minuto desse danado, que ele cria rodinhas nos pés.

A mulher, provável mãe da criança, fez um carinho, depositando


um beijo no rosto do menino, que ria como se não tivesse feito nada

demais.

— Não precisa agradecer. Só fui ajudar esse super-herói

distraído.

Assim que as duas se despediram, com Pedro depositando


um beijo na bochecha de Katrina, olhei para ela, que tinha um lindo

sorriso no rosto.

— Você se dá muito bem com criança, estou admirado —

revelei.

— Eu amo crianças, por isso minha formação em pedagogia.

— E por que não trabalha com isso?


— Vários motivos. Meu pai não achou uma boa ideia eu
trabalhar em escolas públicas por agora, então estou tentando

montar um projeto, para conseguir convencê-lo.

— E eu posso saber qual é?

— Isso é um assunto mais para frente — ela usou minhas

próprias palavras contra mim.

— Tudo bem, aceito.

Um sorriso um pouco maior escapou dos meus lábios, sem

minha permissão.

Senti os cantos de minha boca repuxarem, achando estranho

o motivo daquilo não ser Helena, mas adorando a sensação


acolhedora e o revirar que senti na barriga.

O restante do almoço, e caminho de volta, foi permeado por

perguntas simples e conversas descontraídas de Katrina. Ela era


uma mulher boa de conversa, e sabia levar um papo leve e

descontraído quando queria.

Assim que chegamos, desci do táxi, deixando espaço para

que Katrina descesse. Avisei o motorista que esperasse e a


acompanhei até o portão.
— Passei no primeiro processo? — perguntei, brincando.

— Por incrível que pareça, passou sim. Achei que seria mais

difícil. Mas me diverti hoje, Gustavo.

— Por incrível que pareça, eu também.

Ela me deu um sorriso, destrancando o portão e entrando,


enquanto o segurava.

— Nos vemos no próximo processo?

— Claro, nos comunicamos.

Ela demorou um pouco mais para fechar o portão de vez, e eu

aguardei que estivesse até um pouco mais dentro do quintal para me

virar.

Assim que entrei no carro, ele começou a se movimentar.

Comecei a pensar em tudo o que tinha acontecido naquele dia.

Eu realmente tinha me divertido com ela.


CAPÍTULO DEZESSEIS

Eu não queria ter saído naquele dia, mas Erica poderia ser
muitopersuasiva quando se esforçava.

— Me conte tudo — Erica falou, assim que nos acomodamos


em uma mesa do pub.

Minha amiga havia me convencido a sair com ela para aquele

barzinho, que segundo ela, era a mais nova sensação do momento.

— Não tenho muito o que contar. Foi um encontro normal.


— Eu duvido muito. Pela forma como você fala, nada com o
Gustavo me parece ser normal.

Erica ergueu a mão, chamando pelo garçom que passava por


perto e pedimos nossas bebidas.

— E de que forma eu falo dele? — perguntei, erguendo uma


sobrancelha.

— Você fala como se ele fosse um homem maravilhoso, o


melhor do mundo.

— Isso é mentira, porque o melhor do mundo é meu pai. E


ninguém rouba o lugar dele.

Erica revirou os olhos, como se já estivesse cansada daquele


assunto.

— Tudo bem, eu concordo que o tio é maravilhoso, mas ele


não serve para você. Está precisando de alguém que deflore você.

— Deflore? Sério? — franzi a sobrancelha, encarando-a.

— Claro. Você não vai se guardar para sempre, não é?

Fomos interrompidas pelo garçom, trazendo nossas bebidas.


O meu era um drink com pouco álcool. Tomei um gole, sentindo a
bebida ardendo pela minha garganta.
Assim que fomos deixadas sozinhas novamente, aproximei-

me de minha amiga por cima da mesa.

— Eu não vou me guardar para sempre, mas também não


estou procurando um marido pensando nisso. — Voltei para meu

lugar, pegando o copo e levando-o à boca. — E deflorar? Sério?


Quem usa essa palavra hoje em dia?

— Achei mais bonita a pronúncia do que desvirginar, ou


qualquer outra assim.

Ela bebeu sua bebida também, e começou a analisar as


pessoas do local.

— Mas você ainda não me contou. Como foi seu primeiro


encontro com o noivinho? — ela perguntou ainda sem me olhar.

— Foi legal. Na verdade, muito legal. Ele parecia estar mais


descontraído e aberto à conversa dessa vez.

Erica voltou os olhos para mim no mesmo instante.

— Claro, desta vez ele estava se tornando seu noivo. Mas me


diz, o que rolou de interessante?

— Nada, apenas almoçamos, conversamos, rimos. Coisas


normais.
— Você é muito devagar, Kat. Se fosse eu, ele já tinha me
pedido em casamento. — Ele piscou um olho para mim.

— Você é muito atirada, isso sim.

Tomei mais um gole da minha bebida e corri os olhos pelo

lugar. Estava começando a ficar cheio, com vários grupinhos de


homens e mulheres enchendo o estabelecimento. Mas um em
especial chamou minha atenção. Uma mulher, de um grupo de cinco
pessoas encarava nossa mesa.

— Parece que você já fez sua vitima.

Olhei para Erica, que encarava a mulher sem ser muito


discreta e acabou recebendo uma piscadela.

— Ou ela fez uma vítima.

A mulher levantou, começando a vir para nossa mesa.

— Olá, boa noite — ela cumprimentou, assim que chegou


perto o suficiente. — Aceita que eu pague uma bebida? — a

pergunta foi feita diretamente para Erica.

Aproveitando que seu drink estava no final, ela terminou


virando-o e me encarou.

— Vai ficar bem sozinha? — ela perguntou para mim.


Fiz que sim com a cabeça e liberei minha amiga para mais
uma aventura romântica dela.

Assim que elas se afastaram, fiquei observando por um tempo


as duas conversando, como Erica era boa na arte da conquista, e
como faziam um casal bonito. Desejei naquele momento que ela
encontrasse uma pessoa boa, que a fizesse muito feliz.

Fiquei um bom tempo no lugar, aproveitando a música que


tocava, e até mesmo dançando com as duas, quando Erica me
obrigou a ir para o meio da pista. Mas quando foi batendo o cansaço,
fui para casa, aproveitando que não havia bebido nada muito
alcoólico para dirigir.

Estacionei na garagem e desci. Como já passavam das duas


da manhã, estava tudo escuro e silencioso, então eu não faria muito
barulho, para não acordar meu pai e nem Maria, que provavelmente
estariam dormindo, já que ela passava algumas noites aqui, em um
quarto de hospedes.

Entrei em casa sem fazer muito barulho, acendi a luz da sala,


já que não estava a fim de trombar em nada. Quando coloquei as
chaves sobre a mesa na entrada, um envelope com meu nome me
chamou a atenção.
Peguei o envelope na mão e virei, procurando remetente, mas
não havia nada.

Apaguei as luzes e subi para meu quarto, intrigada com


aquilo.

Assim que cheguei ao topo da escada, pronta para dirigir-me


ao meu quarto, inerte nos meus pensamentos, uma porta foi aberta.

— Chegou bem? — Meu pai surgiu com a cabeça para fora,


perguntando com uma voz preocupada.

— Ainda acordado, Seu Claudio?

— Estava te esperando. Você sabe que só vou dormir quando


você chega.

Meu pai sendo meu pai.

Fui até ele, dando-lhe um beijo de boa noite.

— Ah, você viu a sua encomenda — ele disse, apontando


para o envelope na minha mão.

— Encontrei lá embaixo. Alguém deixou aqui? Não tem


remetente.

— Um motoboy que entregou. Disse que era do Raphael


Montez.
Era o advogado que estava com a causa da herança. O que
ele poderia ter me mandado?

Despedi-me do meu pai, recebendo um beijo na testa e


caminhei para o meu quarto. Tranquei a porta assim que passei e me
joguei na cama, encarando o envelope na minha mão.

Poderia deixar aquilo para o dia seguinte, assim que


acordasse, mas estava curiosa em relação ao que poderia ser, já que
combinamos que assim que eu tivesse alguma evolução na minha

condição, eu entraria em contato com ele.

Rasguei um lado do envelope, puxando seu conteúdo. Havia


outro envelope e um pedaço de papel em uma letra de imprensa.

Nesse o recado era simples e curto, avisando que no envelope


encontrava-se uma carta da minha mãe, para que eu lesse assim

que começasse a me preparar para aceitar sua herança. Raphael


explicava que ela deixara algumas instruções assim, e que aquela

seria a primeira.

Respirei fundo enquanto abria o segundo envelope e puxava

um papel. A letra era de forma, redonda e muito bem escrita.


Katrina, espero que você esteja bem, e com saúde. Sinto
muito por não termos convivido quando você já era uma mulher

adulta. Mas a vida é assim.

Estou lhe escrevendo essa carta, que você receberá quando


decidir aceitar minha herança, pois tenho algumas coisas que você

precisa saber antes.

Fui uma mulher feliz. Tinha planos e ambições. Mas isso foi

antes de engravidar. Você veio como uma surpresa inesperada, eu


me desesperei no momento em que soube. Eu não te queria, minha

intenção era tirar você antes que fosse tarde, mas seu pai ficou tão
feliz com a notícia que eu não poderia tirar isso dele.

Então você nasceu, uma menina linda e forte, mas eu ainda

não sentia nada por você. Era como se eu olhasse para você e visse
meu futuro indo embora. Esperei alguns anos para que a emoção de

mãe despertasse em mim, mas nada aconteceu. Então ocorreu o


que você já sabe, eu resolvi ir embora para viver a minha vida.

Uma lágrima escorreu dos meus olhos, pingando sobre o


papel e manchando-o. Ela não tinha o direito de fazer aquilo comigo.
No fundo, eu estava me sentindo grata por ela ter me deixado

com meu pai. Ma doía, muito.

Enxuguei meu rosto e dei continuidade à carta.

Com o tempo, eu me perguntava como você estaria, em que


se formaria e tantas outras questões. Mas já era tarde para me

aproximar. Quando recebi uma herança da minha mãe, vi que isso

era o que eu poderia te passar (aquele negócio de geração em


geração). E aqui estamos nós. Se você está lendo, provavelmente eu

já morri, mas não se sinta triste com isso, eu realmente vivi a vida
que queria.

Que você faça um bom proveito do que vai ganhar.

A carta era totalmente fria. Não demonstrava sentimento

nenhum. No fundo, eu esperava uma justificativa melhor. Não fazia


ideia do que, mas qualquer coisa seria melhor do que aquilo. Saber

que a sua mãe queria te abortar? Doía muito. Eu me sentia como um


empecilho naquele momento.
Um soluço escapou do fundo da minha garganta, fazendo com
que mais lágrimas escorressem pelo meu rosto.

Eu não poderia deixar aquela mulher me afetar tanto assim.

Mas eu não conseguia controlar esse sentimento. Eu ainda nutria


esperanças de encontrá-la e tirar essas dúvidas, mas tudo o que eu

recebia era uma carta fria e cheia de egoísmo.

Escorreguei sobre o colchão, deitando-me de lado, puxei

minhas pernas, abraçando-as e deixei a tristeza vir por aquela noite.


CAPÍTULO DEZESSETE

Eu estava um pouco adiantado, mas acreditava que isso era


uma coisa boa.

Minhas mãos suavam quanto toquei a campainha.

Eu sabia que era um casamento de mentira, mas aquele


almoço aconteceria por dois motivos. Um: era o combinado.
Teríamos três encontros, e o segundo ficou combinado de ser na
casa dela, para conhecer seu pai. E Dois, ela havia me explicado
que o pai não sabia que nosso casamento seria por contrato, então
teríamos que fingir uma paixão e coisas rotineiras de casal quando
estivéssemos na presença dele.

Não saberia o motivo real daquele nervosismo, e nem tinha


um. Mas passei mais uma vez minhas mãos pela calça, enxugando-a
quando a porta à minha frente foi aberta.

Era minha segunda vez naquela casa, já que na primeira


havia trazido Katrina quando torcera o pé.

Uma mulher abriu a porta e me deu passagem.

— Bom dia. Você é o Gustavo, né? — Fiz que sim com a


cabeça e respondi seu cumprimento. — Meu nome é Maria, fique à

vontade, Seu Claudio já vai vir recebê-lo.

Quando ela já estava se virando para me deixar sozinho,

chamei-a.

— Katrina não... vai aparecer? — perguntei, porque vai que


ela não fosse fazer parte daquilo? O que seria muito mais
constrangedor. Mas quem poderia saber?

— Acredito que sim, claro. Só espere um pouco que eles já


descem.
Fui deixado sozinho na sala, o mesmo lugar em que havia

deixado Katrina no dia que a trouxe para casa, mas diferente


daquele dia, hoje eu poderia observar algumas coisas, não que eu
fosse bisbilhotar ou algo do tipo, mas era impossível não olhar ao
redor e observar as várias fotos espalhadas por todos os lados.

Havia uma mesa em um dos cantos repleta de porta-retratos,


em uma grande maioria com fotos de Katrina e o pai, que eu havia
conhecido por um breve instante. Em todas ela estava com um
sorriso enorme, algumas sendo beijada pelo pai. Algumas havia
outras duas mulheres que eu não conhecia. Fiquei intrigado
pensando se seria a mãe e uma irmã de Katrina. Se fosse, seria
muito evidente a preferência deles por uma filha.

Parei em uma que Katrina abraçava o pai por trás,


depositando um beijo em sua bochecha enquanto ele tinha um
sorriso e brilho nos olhos. Era muito evidente o amor que um sentia
pelo outro só por observar aquele pequeno canto da casa.

Peguei a foto na mão enquanto a admirava. Eu queria muito


ter aquele amor e cumplicidade com a minha filha. Comecei a
imaginá-la crescendo, ficando mais velha. Eu queria ter esse tipo de
amor por ela, e ela por mim. Não o amor que era dividido entre mim
e minha própria mãe.
Pensar nela fez uma parte da minha mente viajar para o
passado:

— Mamãe, eu fiz um desenho para você.

Um Gustavo pequeno e franzino, mas muito animado


apareceu no escritório em que uma mulher muito bem-vestida
sentava do outro lado da mesa mexendo em alguns papéis.

— Agora não, Gustavo. Estou ocupada com esses contratos,


não está vendo?

Olhei para o homem igualmente bem-vestido que sentava em


uma poltrona em frente à minha mãe. Buscava alguma ajuda, uma
compreensão ou atenção. Mas infelizmente o que eu recebi foi uma
cara feia.

Voltei para minha mãe, estendendo o desenho para ela.

— Mas é a gente. Para você colocar na sua mesa.

— Agora não, menino. Você é igual ao seu pai, não escuta. —


Ela levantou da cadeira, agigantando-se sobre mim. — Ele em vez
de morrer e me deixar apenas a empresa, me deixou você para
cuidar também. A diferença é que você só me dá prejuízo e trabalho,
e não entra lucro nenhum.

Quando ela estava bem próxima, com ódio visível nos olhos,
comecei a me encolher, com medo do que viria depois daquelas
palavras.

— Dona Cleuza, me desculpa. Eu saí para beber água e


quando voltei ele já tinha saído da sala. Perdão.

Fui puxado pelo braço pela babá que cuidava de mim,


afastando-me do perigo iminente.

— Gu, não falei para me esperar? — ela ia falando enquanto


me levava para longe daquela que dizia ser minha mãe.

Dei uma ultima olhada para trás, enquanto saia da sala e vi o


momento em que ela amassava o desenho que eu havia feito,
jogando-o no lixo em seguida, como se fosse uma bola de basquete.

— Desculpe a demora.

Fui tirado das minhas lembranças pela voz que invadiu meus
ouvidos.
Passei a mão livre pelo rosto, depositando novamente a foto
de onde a tinha tirado. Quando em virei para a voz, deparei-me com
o pai da Katrina. Ele era um homem bonito e muito charmoso, difícil
de esquecer a fisionomia.

— Não demorou, sem problemas. Fiquei... — Olhei para trás,


apontando para as fotos. — Olhando algumas fotos.

O homem se aproximou de mim, estendendo uma mão em


cumprimento.

— Muito prazer, Claudio. — Aceitei o aperto, apresentando-


me também. — Eu não sei se Katrina conversou com você hoje. Ela
me avisou que teríamos um jantar com um homem que ela gostaria
de me apresentar. — Vi quando ele engoliu em seco, provavelmente
imaginando o que estava acontecendo, afinal, não é todo dia que a
filha leva um homem para apresentar ao pai, ficava imaginando
quando fosse chegar a minha vez. — Mas não consegui falar com
ela o dia todo, e Maria me disse que a ouviu chorar hoje a tarde.

Chorar? Será que tinha acontecido alguma coisa? Claro que


sim, se ela estava chorando. Mas algo grave? Eu deveria ter
mandado uma mensagem antes, para confirmar se estava tudo
combinado ainda.
Mas era muito bom estar aqui, assim poderia ver o que havia
acontecido com ela. E se fosse algo grave?

Em um único instante me bateu uma vontade avassaladora de


vê-la, para saber se estaria tudo bem com ela. Se precisava de
alguma coisa, se alguém a tinha machucado. A inquietação era tanta
que comecei a esfregar minhas mãos para que a energia que
percorria meu corpo fosse desperta de alguma forma.

— Ela está bem? Aconteceu alguma coisa? — perguntei a

Claudio, que me observava com atenção.

— Eu ia te perguntar a mesma coisa. Você... — ele


semicerrou os olhos — não sabe de nada?

Ele provavelmente estava me achando o culpado por qualquer


motivo pelo qual a filha vinha sofrendo. Eu não o julgava, pelo

contrário, admirava ainda mais o pai que ele era para Katrina, e
reforçava a certeza que tinha comigo mesmo que queria ser daquele

jeito com a minha pequena Helena.

— Não, senhor. Não nos falamos hoje. — Silêncio. Era como


ser suspeito de um crime e estar sendo interrogado pela policia. —

Eu... — cogitei um pouco sobre o que iria perguntar, não sabia se


seria o certo, mas fechei os olhos e fiz sem pensar. — Posso tentar
ver se ela me atende?

Vi quando fui olhado de cima a baixo pelo homem à minha

frente, mas quando ele estava abrindo a boca para me dar uma
resposta, foi interrompido.

— Não precisa dessa comoção toda, eu estou bem.

A voz de Katrina se fez soar por toda a sala, fazendo meu


coração acelerar alguns batimentos no meu peito. Era uma sensação

estranha, mas acolhedora ao mesmo tempo.

— Oi, minha princesa, como você está?

Claudio a ajudou descer as escadas, oferecendo-lhe sua mão


como apoio.

E assim ela surgiu à minha frente, parecendo brilhar em uma

luz própria, dando-me um sorriso.

— Oi, Gustavo.

Soltei o ar dos meus pulmões, abrindo um pequeno sorriso


involuntário para ela.

O almoço correu rápido e muito bem. A cada minuto eu

admirava ainda mais a interação de Claudio com a filha, a


simplicidade de Katrina e tudo o mais. Confesso que julgava que ela

fosse uma riquinha mimada, mas conhecê-la cada vez melhor,


estava mudando esse meu pensamento.

Quando acabamos de comer e nos dirigimos à sala para uma

conversa descontraída, Claudio sentou na minha frente, do outro


lado da mesa de centro, olhando-me nos olhos como se quisesse

arrancar a verdade a qualquer custo.

— Sabe, Gustavo, eu ainda não entendi muito bem como é a

relação sua com a minha filha.

Olhei para Katrina, buscando apoio sobre o que responder, se


contava a verdade, uma mentira, ou se enfeitava a verdade. Que foi

o que ela fez.

— Pai, eu conheci o Gustavo aquele dia que ele me ajudou,

conversamos por esses dias, saímos uma vez, e decidimos que o


certo é ficarmos juntos.

Claudio acenou com a cabeça, compreendendo onde a

conversa estava levando.

— Então, garoto, eu gostaria de saber qual a sua intenção

com a minha filha.


Engoli o bolo que se formou na minha garganta e olhei para
Katrina.

— Minha intenção é a melhor que existe, o senhor pode ter

certeza. Eu só quero vê-la feliz, nada mais que isso.

Um brilho fez os olhos de Katrina à minha frente reluzirem,

como se uma fagulha de esperanças brotasse deles. Eu poderia


dizer que o meu estava da mesma forma.

Claudio aceitou a minha resposta, sem tocar mais no assunto.

Em seguida Katrina disse que havia marcado em um barzinho com


uma amiga que gostaria muito de me conhecer.

Eu estava pensando muito sobre Katrina e a ideia de


realmente querer a sua felicidade. Isso não se prendia a mim como

seu marido, mas eu queria que ela apenas fosse feliz, que sua vida
fosse boa. Sendo comigo ou não.
CAPÍTULO DEZOITO

Ao cair da tarde, estávamos entrando em um dos barzinhos


mais movimentados de Copacabana.

Antes de tudo, liguei para Taís, avisando que iria demorar um


pouco mais que o previsto, e ela se ofereceu para passar a noite

com Helena, o que eu agradeci, já que não sabia até que horas
Katrina iria me prender ali.

Por falar nela, não havia demonstrado em nenhum momento


até aquele, tristeza ou algo do tipo que justificasse o choro que seu
pai havia comentado, mas eu estava de olho com a intenção de
detectar alguma coisa vinda dela.

— Gustavo, ali está a Erica.

Katrina começou a me puxar pela mão estabelecimento


adentro, levando-nos a uma mulher que acenava para nós.

Assim que chegamos perto, as duas se cumprimentaram com

um abraço e um beijo e logo após Katrina se colocou do meu lado.

— Gustavo, essa é Erica, Erica, esse é o Gustavo.

A mulher me olhou de cima a baixo, analisando cada


centímetro do meu corpo, desde a ponta dos pés, até o último fio de

cabelo arrepiado, e em seguida me estendeu as mãos.

— É um prazer, Gustavo. E fique sabendo que eu estou de


olho em você, cuidado com o que faz com a Katrina.

Aceitei o cumprimento e olhei para em seus olhos. Era


perceptível que ela falava a verdade. Qualquer mal que eu causasse
à sua amiga, eu deveria ter medo de ser sequestrado à noite para
uma sessão de tortura.

— Muito prazer, Erica. Fico feliz que Katrina tenha uma amiga
tão fiel assim — falei sério.
— Vocês dois, parem de papo furado — Katrina nos

interrompeu, quebrando o clima e se virou para mim. — Ela está


sabendo que o casamento é por contrato, sem sentimentos.

Ela já começava a se mexer no ritmo da música que tocava

ainda baixo, mais como um som ambiente.

— Eu não me importaria se você aproveitasse um pouco do


corpo dela, com sua permissão, claro — Erica falou mais próxima a
mim, dando uma piscada.

— Parem de besteira. Já pediu nossas bebidas?

Katrina não esperou a resposta da amiga, erguendo uma das


mãos ao barman e pediu duas bebidas, entregando-me uma assim
que a teve na mão.

— Bom, Gustavo — Erica se voltou para mim —, como você


sabe o casamento de vocês é de fachada, mas isso não te dá o
direito de ser um babaca com a minha amiga, e caso isso aconteça,
eu vou estar do lado dela, e você vai sofrer as consequências.

Era realmente fofo ver uma amizade daquele nível. Eu


começava a admirar as duas.
— Não se preocupe, não serei um babaca — coloquei ênfase
na palavra.

Ela me respondeu apenas com um aceno de cabeça, voltando


sua atenção para a pista no meio do bar, que começava a encher.

Katrina estava um pouco à nossa frente, mexendo-se no


embalo da música com os olhos fechados, parecendo entregue ao
momento.

Eu tinha essa impressão comigo, de que tudo o que ela se


dedicava a fazer, mergulhava de cabeça. Fosse um casamento por
contrato, ou algo que lhe causava alguma dor.

Ainda estava com isso em mente, e não conseguia para de


tentar decifrar suas ações e falas, mas fosse o que fosse, não me

interessava, ou ela teria me contado. Eu nem mesmo era seu noivo


de verdade, não tinha o direito de me intrometer em seus problemas.

Pensando nisso, comecei a curtir a música. Há muito tempo


eu não saía assim, para beber e descontrair. Na verdade, eu nem me
lembrava qual foi a última vez, na faculdade, talvez? E no momento,
a procura de um emprego e com uma filha pequena, era ainda mais
difícil ter momentos assim.
Não que eu fosse muito de dançar, ou me soltar na pista,
qualquer coisa do tipo, mas a batida era contagiante, e conforme o
local ia enchendo, o som ia aumentando, preenchendo o meu corpo
e fazendo com que meu pé batesse no ritmo da melodia.

— Vocês formam um casal bonito.

Olhei para o lado, procurando a fonte daquela frase e


encontrei Erica ainda encostada no balcão, olhando em direção a
Katrina que dançava agora com o copo para cima.

Fiquei um tempo observando-a e pensando naquilo. Será que


formaríamos um bom casal? Ou serímos o completo oposto um do
outro, e isso daria ruim?

Parecendo ler meus pensamentos, Erica olhou para mim,

sanando minhas dúvidas:

— Vocês me parecem ser o oposto um do outro. Veja, Katrina


é sempre assim, com a energia ligada nos duzentos e vinte, e você
parece ser a calma que ela precisa. — Ela apontou um dedo com a
mão que segurava o copo. — Você seria o refúgio de calmaria dela,
e ela a agitação que te anima. Seriam um casal maravilhoso.

Antes que eu pudesse pensar para lhe dar a resposta, Katrina


se virou em nossa direção, estendendo-me a mão e puxando-me
para o meio da pista.

— Preciso ver se você sabe dançar. Afinal de contas, vou me


casar com você, e isso é um quesito muito importante.

Ela já estava no seu terceiro copo de bebida, enquanto eu


ainda estava com o meu primeiro na mão, provavelmente quente. E
isso estava lhe afetando na animação, com toda certeza.

Mas Katrina parecia feliz, dançando solta e alegre pela pista.


Deixei que ela me guiasse nos passos que inventava na hora,
pegando minha mão e girando em torno de si. A animação dela era
contagiante, sua gargalhada era alta, como se não se importasse
com mais ninguém ao nosso redor, e existíssemos apenas nós no
bar.

Ela segurou minha mão, e eu a girei, afastando-a de mim e,


em seguida, puxando-a para enquanto girava nos meus braços, vir
de encontro ao meu peito.

Enquanto estávamos no meio do passo, sua gargalhada era


tão marcante, que eu comecei a rir junto sem nem me dar conta de
tal feito.

Quando ela bateu no meu peito, desequilibramos, Katrina teve

que se apoiar, e segurei firme em sua cintura, para nos equilibrar


novamente.

A risada foi cessada, mas houve uma conexão nos nossos


olhares, que se prenderam. Katrina colocou as duas mãos sobre
meu peito, olhando-me firme enquanto eu segurava sua cintura,
mantendo-a contra mim.

Seus olhos recaíram para minha boca e os meus seguiram o


mesmo caminho, indo parar na sua, que se encontrava entreaberta,
como se me convidasse a entrar.

Estávamos presos em um efeito imã, e eu não saberia como

aquilo tudo acabaria, se não tivessem esbarrado em nós, fazendo


com que déssemos um passo para a frente. Segurei Katrina com um

pouco mais de força contra mim, para que não fosse ao chão.

Ouvimos um pedido de desculpas, mas o clima já havia sido

quebrado, porém minha mente ainda vagava para o que aconteceria,


caso nos mantivéssemos naquele frenesi.

O resto da noite seguiu tranquilo, sem acontecer mais nada

fora do normal. Em alguns momentos Erica dançava com a gente,


outros eu apenas observava as duas se divertindo. E para o susto de

todos, digo, apenas meu naquele momento, eu estava me divertindo


junto, gargalhando com Katrina e sua amiga.
Uma única coisa me preocupava naquele momento: o tanto
que Katrina vinha bebendo.

Ela já estava alta, mas continuava bebendo.

À noite foi caindo e a madrugada entrando. Eu poderia ir


embora, mas não queria deixar as duas mulheres desacompanhadas

àquela hora da noite.

Em determinada hora, Erica se aproximou de mim.

— Cara, eu não queria deixar Katrina sozinha. Mas você está

se saindo muito bem no serviço, até o momento. — Olhei dela para


Katrina que estava dançando sozinha. — Mas encontrei uma amiga,

e queria sair com ela daqui. — Ela apontou para a menina que
esperava na outra ponta do balcão do bar.

— Tudo bem, não se preocupe, não vou deixá-la sozinha, eu a


levo em casa.

Com apenas um aceno de cabeça e agradecimento, Erica

saiu do bar acompanhada.

Bom, Katrina estaria sobre minha responsabilidade naquele

momento.
Cheguei perto dela na pista, segurando seu braço, mas sem

força para não machucá-la.

— Você ainda vai ficar muito tempo aqui? — perguntei no seu


ouvido.

— Não sei, o que você acha? — ela falou um pouco mais alto.

— Acho que está na hora de irmos para casa, não?

Katrina me encarou, refletindo sobre o que eu havia dito.

— Eu não posso ir para casa assim. Não quero que meu pai
me veja nesse estado. Ele vai exigir uma explicação. — Ela apontou

um dedo para mim. — E corre perigo de ainda te culpar.

Ao dizer isso ela foi caminhando em direção à porta de saída.


Assim do nada.

— Ei, mulher, me espera.

Fui atrás dela, amparando-a caso fosse cair.

— Eu não posso ir para casa, Gustavo — ela começou a falar

quando já estávamos do lado de fora do bar.

— E para onde você quer ir? — perguntei, preocupado.


— Eu não sei. A Erica foi embora com uma peguete, não
posso aparecer na casa da tia Vera assim também...

Ela parecia meio perdida, como se realmente estivesse sem

um rumo para onde seguir.

— Vem comigo.

Puxei-a pelo braço, pedindo um táxi por aplicativo, e a levei

para casa comigo.

Eu não abandonaria a mulher à própria sorte, muito menos a

deixaria naquele estado em um hotel qualquer. Afinal, ela era minha


noiva, não é?

Katrina quase havia dormido no táxi, mas a mantive acordada.

Assim que chegamos, ajudei-a a descer e permanecer


apoiada em mim enquanto abria a porta.

— Olha só, vou conhecer a casa do meu noivo, finalmente.

Não respondi, apenas abri a porta, levando-a até o sofá,

sentando-a nele, enquanto olhava ao redor.

Ainda era cedo para Katrina descobrir sobre Helena e não


queria que isso acontecesse enquanto ela estava bêbada.

— Fica ai que vou pegar um copo de água.


No caminho até a cozinha fui recolhendo brinquedos e tudo o

que remetia a uma criança morando na casa, coloquei-os no quarto

de Helena e fechei a porta.

Voltei com a água ao sofá, sentando-me ao lado de Katrina.

— Você quer me falar o que está acontecendo? — tentei.

Às vezes o que mais precisamos é desabafar e aliviar sobre o


problema que estamos sofrendo.

— São coisas que você não entenderia, sabe?

Katrina falava com a língua enrolada, mas julgava que ela

seria fraca para bebidas, para estar naquele estado com a


quantidade que havia bebido.

— Você nem tentou, como sabe?

— Você tem razão. — Ela levantou um dedo em riste. — Eu


tenho que tentar para falar que alguma coisa não dá, não é?

Fiz que sim com a cabeça e esperei que ela falasse. Se ela
não quisesse se abrir comigo, eu respeitaria seu espaço.

— Sabe... — Ela virou o copo com água, bebendo tudo de

uma vez e colocou-o sobre a mesa de centro. — Estou cansada


disso. Eu nem sei por que entrei nessa loucura de receber uma
herança daquela mulher.

— Calma, vamos por partes. Que mulher e que herança?

— Meu casamento com você, Gustavo. É um pedido da minha


falecida mãe, para que eu possa receber uma herança. Que eu nem

sei o que é.

Uau. Ok, fazia sentido, por qual outro motivo ela precisaria se
casar, se não por uma obrigação desse tamanho.

— Sinto muito pela sua mãe.

— Não... não sinta. Eu nem me lembro da cara dela, ou da

voz. E para melhorar, acredita que ela me deixou uma carta? Sim...
— Ela confirmou junto com a cabeça, enfatizando o sim. — Uma

carta para a filha que não via há vinte anos. E acha que a carta era

sentimental? Não, ela disse que queria me abortar. Acredita?

Então era esse o motivo da tristeza, com certeza.

— Isso é muito triste — falei apenas isso. Não tinha muito o


que falar, e se tivesse, eu nem saberia o quê.

— Pois é. Quem teria coragem de fazer isso. E ainda nem ter

se arrependido. Porque eu já era adulta, não é? Não daria mais


trabalho. Mas ela me odiava por ter estragado os planos de vida

dela.

Lágrimas começaram a escorrer de seu olho, e eu jurava que


ela não estava notando.

Aproximei-me dela, levando um dedo ao seu rosto e secando-


a.

— Vai passar. Essa dor, um dia você não vai sentir mais.

Katrina ergueu os olhos para mim, encarando-me enquanto eu


ainda mantinha os dedos em seu rosto, desta vez em forma de

carinho, movimentando-os delicadamente sobre sua face.

Como se algo recaísse sobre nós, deixando-nos em um

momento de estranha conexão, Katrina foi se aproximando cada vez


mais, sem desviar os olhos de mim. Quando ela estava perto o

bastante, e nossas respirações se misturando em uma só, ela ainda


mantinha os olhos nos meus, mas os fechou quando se aproximou

mais, fazendo com que nossos lábios se encontrassem.

Imitei seu gesto, fechando meus olhos também e me


embriagando naquele momento. Era um contato delicado e simples,
apenas um selinho, mas como se fosse um gesto de intimidade

enorme.
Ela se afastou rapidamente, olhando-me assustada.

— Está tudo bem — tentei tranquilizá-la.

— Você sente falta de uma mãe na sua vida? — voltei ao


assunto.

— Às vezes. Mas tenho pessoas que não deixam brecha para

isso. É errado eu sofrer assim por uma mulher que nunca me amou.

Katrina voltou a chorar, mas desta vez ela mesma passou os


dedos pelo rosto, sem tanta delicadeza como eu havia feito.

Ainda sem saber o que fazer, puxei-a para meus braços,

fazendo com que encostasse a cabeça em meu peito.

— Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui com você.

Era o único alívio que eu lhe poderia oferecer. Mesmo que

fosse de mentira, eu me casaria com aquela mulher, era meu dever e


obrigação estar com ela em momentos assim e lhe oferecer um
mínimo de conforto.

Katrina aceitou meu carinho sem hesitação, relaxando em

meus braços.

Em poucos minutos senti sua respiração mais cadenciada e


leve, provavelmente havia entrado em um sono profundo.
Relaxando minha preocupação dela, comecei a pensar em
Helena. Será que um dia choraria pela falta de uma mãe? Mas eu lhe
contaria sempre, o quanto era amada e desejada pela mãe.

Mas e se minha filha pudesse ter uma mãe presente?


CAPÍTULO DEZENOVE

Lembrava-me vagamente de onde estava. Recordava-me de


sair do bar acompanhada de Gustavo, contar para ele sobre Joana e

o motivo do casamento. E... rolara um beijo. Ok, aquilo não deveria

ser considerado um beijo, mas ele tinha uma carga de sentimentos,


eu poderia jurar.

Ou era apenas a minha mente alcoolizada imaginando coisas


e fantasiando tudo.

Abri os olhos, lembrando que tínhamos ido para a casa dele,


ou eu achava que era pelo menos.
Estava em um quarto muito bem organizado, que julguei ser
do Gustavo, por conter uma blusa sobre o encosto de uma cadeira.

Sentei-me na cama, observando melhor o lugar. Era pequeno,


mas aconchegante. E o mais impressionante, não me lembrava de
ter chegado ali.

Passei as mãos pelo rosto, levando os cabelos para trás, na


intenção de domá-los um pouco, espreguicei-me e resolvi levantar.

Estava na hora de encarar um pouco a realidade.

Assim que abri a porta do quarto, um cheiro delicioso de café


e mais alguma coisas que não distingui, invadiram minha mente,

tirando qualquer pensamento que estava passando por ela e me


concentrando na barriga que começou a gritar de fome.

Caminhei em direção ao cheiro e barulho, sendo guiada


apenas por isso, e parei em frente à porta que dava direto para a
cozinha. Gustavo estava preparando um café, que soltava fumaça
enquanto passava pelo coador, e havia alguma coisa no fogo.

Ele estava de costas para mim e de frente para a pia e eu


pude observá-lo por um instante. Ele era um homem grande, mas
conseguia ser delicado. Olhar para ele era hipnotizante.
Mas antes que as coisas ficassem estranhas e ele me

pegasse observando-o, pigarreei, para indicar a minha chegada e


comecei a entrar na cozinha.

— Bom dia — cumprimentei.

Ele se virou para mim, levando um pequeno susto com a


minha presença.

— Bom dia. Achei que demoraria um pouco mais para


acordar.

Servindo-se de uma xícara de café, ele me ofereceu e em


seguida colocou um pouco de ovos mexidos em um prato,
oferecendo-me também. Em seguida caminhou até a mesa,
sentando-se e olhando para mim, que estava estática no meio do
cômodo segurando um prato e a xícara de café.

— Não vai se sentar? — ele ergueu uma sobrancelha,


levando uma garfada à boca.

Caminhei em silêncio até a mesa, sentando-me à sua frente.

— Eu queria me desculpar por ontem... — comecei a falar.

Na verdade, eu nem sabia como entrar naquele assunto.


Como começar a me desculpar pelas coisas que fiz. E pensar em
nosso beijo deixava tudo ainda pior.

— Não tem do que se desculpar. Não aconteceu nada para


que precise disso.

— Tirando o fato de que eu vim parar na sua casa?

Provavelmente dormi na sua cama? E te aluguei a noite passada


para desabafar? Claro, não tenho nada para me desculpar —
arrisquei brincar.

— Eu fiz por vontade. E parar na minha cama, foi apenas


porque era o lugar mais confortável onde eu poderia te colocar,
depois que dormiu toda torta no meu colo — ele falou aquilo tão
casualmente, levando outra garfada à boca, que era como se fosse
algo normal entre a gente.

— E você... dormiu aonde?

Gustavo apontou com o polegar para um lugar atrás de si,


onde estava um sofá, ainda com uma coberta dobrada e um
travesseiro.

Ele havia dormido no sofá para que eu pudesse ficar com a


cama. A cada minuto que passava, eu me apaixonava cada vez mais
por aquele homem.
Opa, calma, apaixonar? Não, não poderia chegar a tanto.

Não deveria, pelo menos, mas olhei para ele novamente,


observando-o e meu coração começou a disparar com aquela nova
palavra em minha mente.

Será que era possível eu me apaixonar por meu marido de


contrato? E o quanto isso seria ruim?

Assim que terminamos o café, que estava muito bom, fomos


para o sofá novamente. Sentamos um ao lado do outro, ainda em
silêncio. Gustavo soltou uma respiração mais profunda, e eu olhei
para ele.

Era como se tivéssemos algo para falar, mas não sabíamos


por onde começar, criando um clima pesado.

— Eu queria esclarecer sobre o beijo de ontem.... — comecei


— eu disse que seria um casamento por contrato e sem nenhum
sentimento ou qualquer coisa envolvida...

— Katrina, você não precisa esclarecer nada — ele me


interrompeu.

Ergui meus olhos para os seus, que me encaravam com muita


atenção. Havia muita coisa que eles queriam falar, e eu não sabia se
estava entendendo certo, mas pareciam querer dizer o mesmo que
os meus.

E o que os meus diziam?

Que eu queria experimentar aquele beijo novamente. Sentir a


mesma coisa que senti na noite passada, ter uma experiência ainda
melhor. Mas e se eu estivesse entendendo as coisas totalmente
erradas? Se fosse o contrário?

Inconscientemente meus olhos caíram para a boca de


Gustavo que estava entreaberta, vermelha como um morango
maduro, e parecendo muito mais suculenta. O formato em coração

era convidativo, o cheiro dele, tudo parecia me levar a querê-lo,


como se estivesse me drogando para que eu precisasse cada vez
mais.

Aos poucos fui me aproximando dele, como se fosse a


serpente perseguindo o som da flauta, e Gustavo era quem ditava o
ritmo. Mas ao olhar em seus olhos, eu tinha a plena certeza que nós
dois éramos a serpente e o destino quem estava nos fazendo dançar
aquela musica hipnotizante.
Quando parei para perceber, já estava a centímetros da boca
de Gustavo, os dois se encarando, respirações pesadas e
aceleradas.

A partir daquele ponto, seria impossível nos afastarmos e


fingirmos que nada havia acontecido, então fizemos a única coisa
que estávamos pensando: encerramos a distância que ainda restava.

O primeiro toque de nossas bocas foi suave, delicado, como


se estivéssemos experimentando o limite um do outro, mas os

movimentos foram se aprofundando aos poucos, Gustavo foi se


movendo lentamente, levando-me com ele. Uma das mãos foi parar

na minha cintura, mantendo-me ainda mais próxima dele, a outra


estava na minha nuca, acompanhando o movimento da minha

cabeça. Coloquei as duas ao redor do seu pescoço também,

prendendo-o a mim.

Os movimentos começavam a ficar mais intensos e abri

espaço para que Gustavo tivesse pleno acesso à minha boca, e a


dança continuou frenética entre nossas línguas. O beijo começou a

ficar mais selvagem, passando da delicadeza a desejo quase


reprimido.
Quando já estávamos sem fôlego, nos afastamos, respirando
mais pesado do que no começo daquele beijo.

Nenhum dos dois disse nada, apenas nos olhamos, ainda

com nossas mãos no mesmo lugar, como se não quiséssemos nos


afastar. E era realmente o que estava acontecendo. Já que Gustavo

não me deixou desvencilhar dele, puxando-me novamente para sua


boca, começando uma nova sessão de beijos.

E aquilo durou por um tempo, não falamos nada sobre como


era errado, como se tivéssemos feito um acordo silencioso de só

aproveitar o momento.

Permaneci em sua casa até o horário próximo ao almoço, e


Erica foi me buscar, como combinei com ela por mensagem.

— Bom, então nos vemos no nosso próximo encontro? —


perguntei, sem saber como me despedir.

— Sim, com certeza.

Ele se encostou no batente da porta, colocando as mãos nos


bolsos.

— Então é isso, obrigada por ontem...


Eu estava meio sem jeito do que fazer, e aparentemente

Gustavo estava também.

— Fiz o meu papel como noivo.

Gustavo deu uma piscada, fazendo-me rir com vergonha.

Sem falar mais nada, e como se fosse algo cotidiano, ele se


aproximou de mim, encostando seus lábios nos meus, em um toque

delicado, mas sem aprofundar. Fechei os olhos, aproveitando mais

uma vez o gosto de sua boca na minha, mas ele se afastou


rapidamente.

— Até mais, Katrina.

Acenei com a cabeça e me virei de costas, afastando-me dele.

Saí de seu prédio ainda em êxtase, com a cabeça girando

sobre tudo o que tinha acontecido.

— Como assim você dormiu na casa do noivo bonitão? Conta

tudo — essa foi a recepção de Erica.

— Bom dia para você também.

Dei um abraço nela e entrei no carro sem responder sua

pergunta.

— E ae, o que aconteceu?


Respirei fundo, tentando descobrir como contar aquilo para
ela. Tinha maneira fácil? Não. Então eu iria direta ao assunto.

— Eu acho que estou apaixonada pelo Gustavo. — Minha

amiga não disse nada, apenas me olhou com a boca aberta. — E


desconfio de que ele esteja sofrendo do mesmo mal que eu.

Ou eu não sabia de nada do que estava acontecendo, mas


poderia jurar que ele sentia as mesmas coisas que eu.

Agora o que poderia acontecer com a gente? Somente o

destino e tempo poderiam dizer.


CAPÍTULO VINTE

Eu não sabia explicar o sentimento que estava tão aflorado


em mim.

Era algo novo, que ao mesmo tempo em que me assustava,


deixava-me com uma esperança que eu não me lembrava de ter.

Toquei a campainha de Taís, que não demorou a atender.

— Boa tarde, senhor.

— Oi, minha princesa. — Não dei atenção para a mulher à


minha frente, mas sim a criança em seus braços, que estendia as
mãozinhas em minha direção. Peguei Helena em meus braços,
abraçando-a apertado, mas sem machucá-la. — Papai ficou com
muita saudade, meu amor.

Fui entrando com ela ainda em meus braços e Taís atrás de


mim.

— Como foi o encontro? Achei que buscaria Helena de manhã


— Taís veio perguntando.

— Bom... foi... — como eu poderia começar explicando para


ela a avalanche que tinha sido aquele ultimo dia?

Primeiro eu tinha conhecido o pai de Katrina, que não sabia

da mentira que estávamos montando. Depois a melhor amiga, que


sabia de tudo. Então, Katrina na minha casa, desabafando comigo. E
por último, uma manhã cheia de beijos.

Que avanço louco havíamos dado ao relacionamento.

Instantaneamente um sorriso brotou no meu rosto.

Katrina era um furacão, e levava tudo junto consigo. Mas um


furacão bom, que arrasava seus sentimentos, trazendo uma
avalanche de emoções.

— O que significa esse sorriso aí? — Taís perguntou, curiosa.


Mudei meu semblante imediatamente, ficando sério.

— Que sorriso?

— Esse, que estava em seu rosto. Você está diferente, Gu.


Ainda não sei a grandeza disso. Mas você me parece mais...
iluminado nessas últimas semanas.

— Você bebeu hoje de manhã? Estava com Helena, espero


que não tenha feito isso.

— Bom, eu não bebi. Mas você parece ter feito alguma coisa

para deixar um pouco a carranca de lado. Ou talvez não tenha sido


você quem fez.

— Você está viajando, Taís. E muito.

Voltei minha atenção para Helena, forçando minha mente a


não pensar em Katrina. Mas Taís estava disposta a não deixar isso
acontece.

— E quando será o próximo encontro com a minha segunda


pessoa favorita no momento? — Olhei para ela franzindo as
sobrancelhas sem entender. — Katrina esta virando essa pessoa, já
que você parece tão bem com ela, só perde para a minha pequena.
— Ela fez um carinho na cabeça de Helena, jogando-se no sofá ao
meu lado. — Mas me conta do encontro.

— Eu quero convidá-la para jantar em minha casa.

— Vai querer deixar Helena aqui mais uma noite?

Olhei para minha filha que brincava com um dos botões da


minha camisa. Ela não deveria ser mantida em segredo, muito
menos em uma situação como aquela.

— Não, já esta na hora da Katrina conhecê-la e saber da sua


existência.

Passei um dedo delicadamente pelo rosto da minha filha,


descendo até o seu queixinho perfeito. Ela era o meu orgulho, e eu
não poderia mantê-la em segredo, muito menos escondê-la.

Estava nervosa para marcar o próximo encontro com Gustavo.


Passei a semana toda sem vê-lo, apenas nos comunicando por
mensagem, não havíamos falado sobre os beijos trocados, mas eu
estava ansiosa para o nosso próximo encontro. Talvez até mesmo
para mais beijos.

Acordei com meu celular vibrando, indicando uma nova


mensagem.

Estendi a mão para a mesinha, já ansiosa para saber do que


se tratava e com um sorriso vi que era um novo recado de Gustavo.
Ele estava com esse poder sobre mim, toda vez que me mandava
uma mensagem, por mais boba que fosse, me fazia rir.

Gustavo: Último encontro na minha casa, o que acha?

Meu sorriso se alargou mais ainda. Ele parecia ler meus


pensamentos naquele momento.

Katrina: Combinado. Que horas?

Gustavo: Jantar. A partir da hora que você quiser.

Isso apenas me deixava ainda mais ansiosa e nervosa.

Katrina: Se fosse assim, eu já estaria aí.

Será que eu estava apressando muito as coisas? Sendo muito


chiclete?
E você só pensava nisso depois de mandar a mensagem,
Katrina?

Gustavo: Eu adoraria isso. Aliás, tenho uma coisa para te


contar. Mas tem que ser pessoalmente.

Uma das frases que mais me deixava nervosa “mas tem que
ser pessoalmente”. Agora sim, eu ficaria mais nervosa para aquele
encontro.

Levantei-me mais animada do que já estava antes, me


arrumei e desci para tomar café da manhã.

Seu Claudio já estava na mesa. Cheguei perto dele e


depositei um beijo em sua bochecha de surpresa.

— Bom dia, pai — cumprimentei-o e puxei uma cadeira para


sentar.

— Bom dia. Qual o motivo dessa animação?

Não havia reparado que ainda estava com um sorriso no rosto


quando desci.

— Bom, terei mais um encontro hoje — disse casualmente,


puxando uma torrada para meu prato.

Meu pai me olhou de canto enquanto bebia seu suco.


— Esse rapaz está parecendo ser especial para você.

Olhei para ele por cima da torrava que estava em minha boca,
sem saber o que responder.

— Ele está se tornando sim.

E aí estava o meu medo. Eu seria a esposa de contrato dele.


Não poderia haver sentimentos meus envolvidos. Gustavo poderia
estar apenas embarcando de cabeça nessa ideia de casamento, mas

o que seria de mim depois dos seis meses? Quando teríamos que
nos separar?

Será que eu estava sonhando alto? Que iria me arrepender de


todo esse sentimento que crescia em meu peito?

— Eu gostei dele — meu pai retornou ao assunto. — Ele me


pareceu ser um homem bom, espero não estar enganado.

— Acredito que não se enganou, pai.

Sorri para ele, que me retribuiu com carinho.

Meu pai era um protetor nato, que queria o bem da sua única

filha, mas acima de tudo, buscava a minha felicidade em primeiro


lugar, e ver isso em mim, deixava-o ainda mais tranquilo.
E isso me fazia sentir ainda pior quando me lembrava que ele
não estava ciente de toda a verdade.

Eu não poderia esconder dele o fato de que meu casamento

com Gustavo, seria uma farsa, uma mentira. Mas também não
poderia deixá-lo preocupado ou até mesmo magoado e

decepcionado com aquilo. Então mantê-lo de fora das informações


minimalistas era o correto.

Durante todo o dia, eu ficava cada vez mais agitada para


chegar ao nosso encontro e ver Gustavo.

Eu certamente quebraria a minha cara por estar gostando

tanto dele. Mas no fundo torcia para isso não acontecer.


CAPÍTULO VINTE E UM

Eu estava agitado, e isso ninguém poderia negar. Bastava


apenas olhar para mim, de um lado para o outro, parecendo uma

barata tonta dentro da minha própria casa.

E que besteira, Katrina já havia estado ali, sentado no meu

sofá, e até mesmo dormido na minha cama.

Olhei para o sofá, onde havíamos nos beijado na última vez e


lembranças dela em meus braços sambaram em minha mente,
fazendo-me rir.
Será mesmo que aquela garota com uma cara inocente, mas
que parecia um furacão, iria me conquistar e arrombar as barreiras
do meu coração?

Um sonzinho despertou minha atenção e olhei para Helena


que brincava no cercado.

— Será que o papai vai se arrepender disso tudo, filhota? —


Ela soltou outro sonzinho enquanto brincava. — Concordo
plenamente.

Com o que eu concordava? Não fazia ideia, mas deveria

continuar seguindo o que estava planejando.

Coloquei mais algumas velas em lugares estratégicos para

ficar uma iluminação aconchegante e confortável e voltei para a


cozinha para olhar o prato que estava no forno.

A janta da noite seria uma lasanha à bolonhesa, preparada


pelo chefe da casa, vulgo eu mesmo. Era um dos pratos que eu

sabia fazer melhor.

Abri o forno dando uma olhada e apaguei, deixando a lasanha


ainda lá dentro para que não esfriasse muito rápido. PasseI no
banheiro e espirrei um pouco do perfume em minha roupa. Eu não

me considerava um homem muito vaidoso, mas gostava de me


cuidar.

Ergui os olhos para o espelho, olhando meu reflexo.

O homem que me encarava era um que eu estava


descobrindo, com sentimento mais aflorado e um pouco mais
sentimental. Um homem que eu estava gostando de descobrir.

Havia um brilho diferente nos meus olhos, que nem eu mesmo


reconhecia, que jamais havia visto.

Pensando nisso, lembrei-me das palavras de Taís, eu estava


diferente, mais palavras dela, “iluminado” nos últimos dias. Será que
ela tinha razão? Era tão evidente assim, o quanto aquela mulher
estava me afetando?

Passei as mãos pelo rosto, levando-as até o cabelo e


ajeitando-os para trás, tirando aqueles pensamentos da minha mente
e peguei uma tiara de Helena, que estava sobre a pia. Era uma lilás,
que combinava com o seu vestidinho.

Enquanto estava ajeitando o acessório na cabeça da minha


filha, a campainha tocou.
Olhei no relógio e passava um pouco das seis da tarde. Não
imaginava que ela chegaria tão cedo. Ainda bem que já estava tudo
pronto.

— Está na hora, minha princesa. Está ansiosa para conhecê-


la? — não obtive respostas, apenas um olhar, que eu não saberia se
era de julgamento ou animação. — Pois é, papai está, e nervoso
também.

Dei um beijo na testa de Helena e me dirigi à porta. Como não


tínhamos porteiro no prédio, o acesso era menos restrito, mas a
vizinhança era muito conhecida e tranquila, o que não me
preocupava muito. Por isso abri a porta sem nem mesmo conferir o
olho mágico, o que fez com que eu me arrependesse.

Assim que a abri, a mulher que não via há meses atravessou


a entrada, como se fosse um vendaval.

— Boa noite, meu filho, como você está?

A pessoa que eu mais vinha evitando, que eu queria longe de


mim, estava parada na minha frente, cumprimentando-me como se
nos víssemos todos os dias.

— O que você está fazendo aqui? — a pergunta foi minha


saudação.
— Vim ver como meu filho está, já que ele não vai me visitar.

Com toda certeza aquela era sua real intenção na minha casa.
Só que não.

Ela passava meses sem me procurar, sem dar sinal de vida, e


de repente aparecia assim, como se nada tivesse acontecido e quem
tinha sumido era eu?

E pior ainda, fingindo um carinho por mim que eu sabia muito


bem não existir.

Respirei fundo, tentando manter a calma naquele momento.


Não seria aquela mulher que acabaria com a minha noite. Eu não
poderia deixar isso acontecer.

— O que você realmente quer aqui?

— Aquela é a minha neta? — ela ignorou minha pergunta,


caminhando de encontro a Helena.

Minha mãe sabia da existência de Helena, já que eu havia


contado pela insistência de Taís, quando descobrimos sobre ela. Mas
ela jamais demonstrou algum interesse em conhecê-la, nem mesmo
um telefonema quando Vitoria falecera na mesa de cirurgia e eu
fiquei sozinho com uma criança em meus braços para cuidar.
Levando em consideração o histórico da mulher à minha
frente, eu estava muito bem sozinho.

— Você não vai pegá-la — falei antes que ela pudesse tirar
minha filha do cercado.

— Eu só queria conhecer a menina, Gustavo. Eu estou bem,


ta. Não bebi nada hoje. Pode sentir. — Ela abriu a boca perto de mim
e soltou a respiração, para que eu conferisse o seu hálito.

Como se aquilo fosse algo que me interessasse.

— Não importa o seu estado. Não quero você perto dela.

Passei por Cleuza e peguei minha filha no colo. Helena era


tão boazinha que mesmo com toda a agitação do momento,
permanecia quietinha.

— Ela é tão linda... — sua voz tinha um tom carregado, que se


eu não a conhecesse, poderia jurar que soaria como verdadeiro, mas
eu não poderia confiar até descobrir suas verdadeiras intenções com
aquela visita inesperada. — Você estava esperando visita?

Ela começou a andar pela sala, olhando as velas que eu havia


espalhado pelo local. Mas antes que eu pudesse responder, um som
vindo da porta me chamou a atenção.
Quando me virei, deparei-me com Katrina, na porta que ainda
estava aberta, encarando-me. Vi quando seus olhos recaíram sobre
Helena que estava em meu colo, desta vez passando as mãozinhas
na minha barba rala por fazer.

— Eu estava sim — respondi baixinho.

— Desculpa se atrapalhei alguma coisa — foi a única coisa


que ouvi de Katrina, antes que virasse as costas e começasse a ir
embora.

Mas que merda estava acontecendo?

Como, em alguns segundos, tudo desandou assim?

Não era para Katrina descobrir sobre Helena assim. E muito

menos para ter outra mulher na minha casa.

Apesar de ser minha mãe, Cleuza aparentava ser nova, com


uma pele sempre muito bem cuidada.

O que Katrina estaria pensando de mim naquele momento?

— Katrina, espera.

Fui atrás dela, saindo pela porta de casa, mas ela já havia

descido e eu não poderia sair correndo escadas abaixo com minha


filha nos braços.
Voltei para casa com o sangue fervendo nas veias.

— O que você realmente veio fazer aqui? — perguntei entre


dentes.

Eu estava puto, mas tentei controlar ao máximo meu tom de


voz para não assustar minha filha, o que não havia adiantado muito,

já que ela começou a chorar no meu colo.

— Filho, eu preciso da sua ajuda.

Claro, para o quê mais seria? Arrependimento, querendo

demonstrar carinho?

Mas eu era tão idiota, que ainda me preocupava com ela.

— O que você quer? — minha voz ainda saía entre dentes,

expressando o quão irado eu estava.

— Me envolvi em umas jogatinas, perdi uma boa grana, e

ainda fiquei devendo dinheiro. Preciso de ajuda para pagar uma


dívida.

Uma risada sarcástica escapou do fundo da minha garganta.

Só poderia ser piada que eu tinha passado por dificuldades


nos últimos meses, e justificáveis, e não a havia procurado. Mas ela
na primeira oportunidade corria a mim, que estava mais fodido do

que tudo em relação a dinheiro.

— O que te faz pensar que teria dinheiro para te emprestar?

— Você tem sobrevivido com uma filha, achei que poderia ter

alguma reserva. É emprestado, eu vou te pagar.

— Você não pensa que é justamente por ter uma filha

pequena, que não tenho dinheiro para te emprestar? — Helena

continuava chorando no meu colo, então a balancei com um pouco


mais de força, tentando acalmar a ela e a mim. — Calma filha, papai

está aqui.

— Eu falei com a Taís. Perguntei sobre vocês e ela deixou

escapar que você iria se casar.

Taís era tão inocente que às vezes me dava pena. Com

certeza ela havia caído na ladainha de que ela queria nos ver, que

havia mudado.

— O que eu faço da minha vida, já não é mais da sua conta.

— Gustavo, eu mudei, estou procurando ajuda. Mas preciso


pagar algumas dívidas para seguir em frente, e para isso eu preciso

da sua ajuda também.


Bufei em resposta.

— Como eu posso saber que você está mesmo me dizendo a


verdade, que vai largar a bebida?

Apesar de tudo, ela era minha mãe. Eu não sentia o maior dos
amores por ela, como sabia que ela também não sentia por mim,

mas ainda a respeitava e queria o seu bem. Eu não seria como ela e
lhe viraria as costas, tinha que provar para mim mesmo que era

melhor que ela, e assim fazer de exemplo para a minha filha.

— Eu não tenho como provar. Minha palavra vai ter que ser o
suficiente.

Olhei para baixo, nos olhos de Helena que ainda estavam


úmidos depois de se acalmarem do choro, refletindo no que eu tinha

que decidir. Mas não havia muita coisa, já que eu realmente não
tinha dinheiro ainda, começaria a receber após o casamento, o que

era o acordo.

— Eu vou ver como posso te ajudar. Mas no momento não


tenho como. Quando tiver, entro em contato com você.

— Obrigada, meu filho. — Cleuza abriu os braços, vindo em


minha direção pronta para um abraço, mas estendi minha mão,

impedindo-a.
— Não precisa disso.

Parecendo realmente chateada, ela abaixou os braços e olhou

para Helena.

— Ela é muito linda. Espero que se torne uma menina tão boa

quanto o pai. — Ela puxou ar para os pulmões e soltou lentamente.


— Eu sabia que poderia contar com você, filho. Foi bom te ver.

Sem dizer mais nada ela saiu da minha casa, fechando a

porta atrás de si. Da mesma forma como entrou como um vendaval,


trazendo uma onde de agitação, levou consigo tudo aquilo, deixando

para trás o silêncio.

No momento em que fiquei sozinho com Helena em meus

braços, com o aroma da lasanha impregnado por todo o ambiente,


lembrei-me de Katrina.

Peguei meu telefone e disquei o seu número.

— Katrina, sou eu. Não desliga — falei rápido assim que ela
atendeu.

— Eu não ia desligar.

Respirei aliviado.
— Eu gostaria de te explicar a cena... você não podia ter ido
embora daquele jeito.

Esperei que ela falasse alguma coisa, o que demorou um

pouco.

— Eu estou tão confusa sobre meus sentimentos por você,

Gustavo. Estou com tanto medo. Não quero me decepcionar


pensando em mil teorias do que poderia significar ver uma mulher e

uma bebê na sua casa. — Ela fez uma pausa, respirando fundo. —
Sei que tem mil possibilidades de explicação. Mas você precisa

entender o meu medo, meus receios. Isso era para ser um

casamento por contrato, sem sentimentos.

Merda. Eu a entendia perfeitamente.

Era o mesmo que se passava pelo meu coração.

— Eu sei, Katrina. Mas aquela mulher era minha mãe. Eu só


quero que você entenda que... — não tinha outra forma de explicar

— Eu te falei que era viúvo. Só não havia contado que tinha uma
filha com minha falecida... namorada.

Silêncio do outro lado.

— Você tem uma filha? — ela parecia incrédula.


— Sim, eu tenho. Espero que isso não seja um problema para

você.

— O meu maior problema foi você ter escondido essa


informação de mim, Gustavo.

— Você tem que entender meus motivos...

A conversa não durou muito tempo. E eu consegui explicar


para Katrina o principal, que seria uma mulher na minha casa, no

horário do encontro que havíamos marcado. Senti que ela havia


ficado chateada apenas pelo fato de não estar ciente da existência

de Helena, o que eu teria que consertar.

Ao final da ligação, joguei-me no sofá pensando em como

reparar aquilo.

Uma pontada no meu coração foi o indicativo mais forte que

mostrava pelo que eu estava passando.

Katrina estava se tornando especial na minha vida, e vê-la se

decepcionar e sair chateada em uma situação como aquela, acabava


comigo.

Mas o que ficaria na minha cabeça pelo resto da noite, era o


quanto especial ela estava se tornando. E o que aquilo poderia
acarretar.

Será que eu sentiria algo mais por ela? Ou já estava

sentindo?
CAPÍTULO VINTE E DOIS

A ligação devia ter me deixado mais calma.

Na verdade, eu não deveria ter sentido nada ao ver uma

mulher na casa de Gustavo e ele segurando um bebê.

Eu não o conhecia direito, ele poderia ter uma irmã, ou


qualquer outro parente com uma criança.

Nada justificava minha reação, a não ser o meu coração. Para


ele, sair chateada da casa de Gustavo, era a minha única opção, e
assim o fiz.
Mas quando ele me ligou, explicando que aquela era a sua
mãe, senti-me como uma idiota, preocupada com coisas que não me
cabiam. Mas ainda assim, fiquei magoada por ele me esconder que

tinha uma filha.

Quem iria casar e não contava uma coisa assim?

Não conseguia dormir com meus pensamentos todos em


Gustavo. Virei-me para o outro lado, buscando uma posição melhor,

mas nada ajudava.

Enquanto me ajeitava na cama, minha mente voltou para ele


novamente e comecei a me lembrar da manhã que acordei em sua
casa. Não havia sinal de uma criança morando ali, nem durante as

horas que passamos nos beijando.

Beijo do Gustavo...

Só de pensar nele, meu estômago se retorcia em uma


revoada de borboletas.

Foco, Katrina. Hora de dormir.

Virei novamente para o outro lado, mas os pensamentos que


eu queria espantar me rondaram a noite toda, fazendo com que eu
dormisse pouco.
Fui acordada na manhã seguinte por Maria batendo à minha

porta.

— Kat, posso entrar?

Virei-me na cama, passando as mãos pelo rosto, para


despertar melhor e autorizei sua entrada.

— Bom dia, menina. — Assim que ela foi entrando já


caminhou para a janela, abrindo-a e deixando a luz do dia entrar.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, estranhando ela me

acordando.

Eu costumava acordar cedo, às vezes ajudava meu pai na


empresa, outras em casa mesmo, ajudando Maria no que ela
precisasse, mas como eu não tinha formação na área de direito, não

tinha muito como ajudar meu pai. Ele ainda insistia que eu fizesse
algo na área para herdar seus negócios, mas minha vontade mesmo
era na área pedagógica, por isso estava esperando um pouco mais
para conseguir um emprego onde eu queria e montar um dos meus
maiores sonhos, que era dar aulas de apoio em comunidades
carentes.

— Você tem visitas. Estão te esperando lá embaixo.


Olhei para ela com as sobrancelhas franzidas, sem imaginar
quem pudesse ser, já que Erica não seria tão comedida assim para
esperar que eu descesse.

— Quem é, Má?

— É aquele rapaz bonito que você está namorando — ela


falou com um sorrisinho de lado. — E ele veio com um bebê hoje, a
coisa mais fofa.

Gustavo estava na minha casa? Com a sua filha?

Levantei com mais pressa ainda, vestindo a primeira roupa


que encontrei na minha frente e desci as escadas.

De cima das escadas pude ver Gustavo de costas para mim,


sentado no sofá com sua filhinha nos braços, ele falava alguma coisa
enquanto fazia carinho nela.

O pouco que estava vendo, ele parecia ser tão atencioso com
aquela criança que meu coração chegava a derreter.

Respirei fundo, acalmando-me para vê-lo e terminei de descer


as escadas. Assim que cheguei ao último degrau, Gustavo olhou
para trás, parecendo sentir minha presença.

Assim que me viu, ele se levantou e caminhou até mim.


— Oi — ele parecia tímido.

Mas minha atenção estava focada na criança que estava no


seu colo dormindo. Ela era tão linda, com uma aparência tão
angelical, que roubou toda minha atenção.

Quando levantei meus olhos para Gustavo, ele também


estava admirando a filha, como se segurasse a coisa mais preciosa
que existia no mundo, e eu o admirei ainda mais por isso.

Eu sentia que a cada coisa nova que descobria dele, fazia


com que eu me apaixonasse mais.

Aquele sentimento não era mais uma incógnita para mim, eu


assumia o que estava sentindo.

Passar a noite passada revirando na cama me serviu para


analisar tudo o que vinha sentindo, e aquilo além de novo para mim,
era simples a explicação.

Gustavo fazia borboletas voarem no meu estômago e mente,


deixando meu cérebro parecendo uma ameba quando estava perto,
ao mesmo tempo em que eu me sentia com energia para tudo.

Gustavo ergueu os olhos, encarando-me também. Seus olhos


eram verdes como uma pedra preciosa, uma apofilita verde, que
estava mais iluminada do que eu me lembrava.

Poderia julgar por seus olhos, que ele estava sentindo o


mesmo que eu naquele instante. Até mesmo sua visita poderia me
dizer isso, mas eu não gostava de me precipitar em algumas
opiniões, bastava a da noite passada.

— Oi — falei baixo, com medo de acordar a criança.

— Podemos conversar? Tenho algumas coisas para te


explicar.

Confirmei com a cabeça e ele colocou a bebê no carrinho, que


estava perto do sofá e nos sentamos, lado a lado.

— Gustavo, eu... —

Ele ergueu a mão, interrompendo-me.

— Eu queria começar falando. Tenho que me explicar para


você, Katrina. — Ele respirou, tomando fôlego para começar a falar.

— Eu sei que errei não te falando da minha filha. Mas você tem que
levar em consideração que eu não te conhecia muito bem.

— Eu sei, Gustavo. — Levei a mão a seu rosto, fazendo


carinho em sua bochecha.
— Mas eu te conheço agora. Eu ia te apresentar no jantar de
ontem, mas... tive uma visita inesperada, que era a minha mãe.

— Você não precisa me explicar essas coisas. Você está


certo, não tinha motivos para confiar em mim.

— Mas agora eu tenho. — Ele imitou meu gesto, colocando


sua mão delicadamente no meu rosto. — E quero que você saiba
dessa parte da minha vida, porque ela é a mais linda.

Ele olhou para a bebê que dormia profundamente.

O amor que ele sentia era quase palpável.

— Como eu já havia te falado, sou viúvo. Não cheguei a me


casar, apenas namorei. Mas a mãe de Helena teve uma gravidez de

risco e faleceu no parto. Desde então eu venho cuidando dela


sozinha. Bom... — ele fez um movimento de cabeça, ponderando o

que estava dizendo. — Não sozinho, porque tenho uma amiga que
me ajuda muito. Mas desde que ela nasceu, estou desempregado,

lutando para manter as coisas no mínimo boas para nós dois. Tento

preservá-la ao máximo.

— Imagino o quanto deve ser difícil para vocês.


— É sim. E eu não sabia se o que estava me propondo daria
certo ou não, então não achei correto envolver o nome da minha filha

nisso.

— Claro. Você tem toda a razão.

— Mas ontem, Katrina — ele segurou minhas mãos entre as

suas, em forma de carinho. — Quando você saiu da minha casa


daquele jeito, quando eu não tive a oportunidade de te explicar as

coisas na hora, eu fiquei...

Ele parou de falar, pensando se realmente deveria dizer o que


estava sentindo.

— Sim... — incentivei.

— Fiquei com medo de te perder. De você sair da minha vida

de uma forma brusca como aquela.

Nossa... aquilo era... quase uma declaração.

— Eu tenho que te pedir desculpas.

— Não precisa. Claro que não. Eu queria saber se você ainda


aceita ter o seu terceiro encontro comigo.

Desviei meus olhos dele para a bebê, Helena seu nome, não

era?
Ela era tão linda. Estava com um laço enorme na cabeça, e

fiquei imaginando Gustavo com todo aquele tamanho e músculos


manuseando uma coisa tão delicada. Ele era mais do que a opção

certa.

Naquele momento não era uma necessidade de herança que


me fazia querer casar com ele, e sim a vontade do meu coração.

— Não precisamos de mais encontros, por mim, já estamos


prontos.

Gustavo abriu um sorriso lindo, que já era o meu favorito e me

puxou pela nuca, encostando nossos lábios.

Aproveitei o momento, já que estava com saudade do seu

gosto, mas logo me afastei.

— Então essa vai ser a minha enteada? — olhei para Helena,

que desta vez se contorcia no carrinho.

— Ela mesma.

Ele a pegou no colo, demonstrando mais uma vez que sabia

ser delicado quando preciso.

Lembrei-me imediatamente do homem que havia conhecido,


defendendo-me em um restaurante, socando outro homem.
Quem olhasse para Gustavo com sua filha no colo, não
imaginaria sua força.

Sem aviso nenhum, ele me entregou a criança, que voltou a

se remexer e abriu os olhinhos, encarando-me.

Ela não chorou, não resmungou nem nada, apenas ficou me

encarando. E eu admirando sua beleza.

Sim, eu estava pronta para me casar com o pai dela.

— Oi, princesinha.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

O dia tão aguardado.

Apesar de ser um casamento arranjado, eu estava nervosa,

andando de um lado para o outro no quarto.

— Você vai desfazer o penteado que eu fiz desse jeito —


Erica falou, me acompanhando com os olhos.

— E se o que eu estou prestes a fazer for errado? E se não


der certo?
— Bom, aí, daqui a seis meses vocês se separam, e vai cada
um viver a sua vida. Era isso o combinado desde o início.

— Verdade, não posso esquecer que é um casamento por


contrato.

Desabei na beirada da cama ao seu lado.

— E se por acaso der certo, o que eu estou torcendo muito,

vocês vão seguindo. Se for uma coisa decidida em conjunto depois


do período, quando você receber sua herança, vocês podem
continuar com o casamento.

Olhei para ela que me encarava como se fosse uma pessoa

muito mais velha dando um conselho sábio.

— Você acha que poderíamos fazer isso dar certo?

— Na minha humilde opinião, e no que eu venho notando em


você desde que o conheceu? Acredito que com um pouco de
esforço, vocês podem fazer sim, dar certo. Basta querer.

Fiquei olhando por um momento para Erica na minha frente.


Ela era como uma irmã para mim. Estava na minha vida desde que
eu me lembrava. Ter a aprovação dela, e ainda sabendo de tudo
sobre contratos, deixava-me mais confortável e confiável sobre o que

estava fazendo.

Puxei-a para mim, apertando-a em um abraço.

Erica retribuiu rapidamente.

— Está na hora de me casar. — Levantei-me dando um giro


em torno de mim mesma. — Como estou?

Usava um vestido de alça, simples, em um tom rosa clarinho.


Eu ainda tinha um sonho de me casar de branco, na igreja, como

pedia a tradição, por isso havia optado por aquela cor.

— Linda como sempre.

— Então estou pronta.

Descemos as escadas e meu pai já estava me esperando com


Vera.

Os dois estavam em uma conversa animada, contendo


sorrisos. Vê-los juntos daquele jeito me deixava muito feliz, e eu

esperava que meu pai não demorasse muito a perceber o quanto os


dois se amavam. Ainda mais naquele momento em que eu o
abandonaria por um período de tempo. Ficaria muito mais tranquila
sabendo que ele teria uma companhia.
— Você está tão linda, minha filha — meu pai falou enquanto
me ajudava a descer as escadas.

Seus olhos se encheram de lágrimas quando me viu


descendo e sua voz estava carregada de emoção.

— Você está linda mesmo, meu amor — Vera também se


aproximou ao me elogiar, depositando um beijo na minha bochecha.

— Você tem certeza que tomou a decisão certa? O


relacionamento de vocês é tão recente, poderiam esperar mais um
pouco.

Meu pai ainda não estava ciente sobre meu casamento ser de
fachada, para ele eu estava me casando rápido por estar
perdidamente apaixonada. Mas para a minha sorte, ele passara a

gostar muito de Gustavo.

E não é como se eu não gostasse dele. Muito pelo contrário.

— Tenho certeza sim, pai.

Dei um beijo em sua bochecha, e partimos para o cartório


onde aconteceria a cerimônia.

Como seria um casamento no civil, não havia convidados,


apenas as pessoas mais próximas. Do meu lado, meu pai, Erica, Eva
e Maria que não poderia faltar, e do Gustavo, Helena e uma amiga,
que ele me apresentou como Taís.

Erica e Vera desceram para conferir se estava tudo certo e


fiquei aguardando no carro com meu pai.

— Você tem certeza que é o que quer? — Ele se virou para


mim, encarando-me.

— Tenho sim, pai. Estou certa do que estou fazendo.

Ele estava quase chorando.

— Eu espero que você seja muito feliz, minha filha.

Puxando-me para um abraço, ele começou a tremer os


ombros, em um choro silencioso.

— Eu já sou, pai, e serei ainda mais.

— Está tudo pronto, podem vir — Erica apareceu na janela do


carro, anunciando.

Confirmei com a cabeça para ela e descemos do carro.

Assim que entrei no cartório, Gustavo foi minha primeira visão.


Ele estava lindo, vestindo uma camisa branca social por baixo de um
paletó, com calça e sapato igualmente social. Taís estava do seu
lado, segurando a pequena Helena que me encarava com os
olhinhos vidrados.

O casamento foi rápido e simples, com poucas palavras do


juiz e logo nos vimos em uma pequena casa que havíamos alugado
para a cerimônia entre as famílias.

Era uma casa simples de dois andares, que meu pai mesmo
havia alugado. O diferencial dela era o jardim, que tinha um quintal
gramado e lindo, com algumas roseiras plantadas e uma árvore em
um canto, que eu não sabia ainda se era frutífera ou não.

Mas por dentro era uma casa comum, mobiliada e tudo.

Assim que chegamos, fomos direto para a parte dos fundos,

onde seria servido o almoço.

— O casal chegou! — Fomos saudados por todos, já que


ficamos para trás quando saímos do cartório.

Gustavo segurava minha mão e a levantamos, como se


fôssemos vitoriosos.

Nós nos unimos aos demais que estavam acomodados em


uma mesa retangular. De um lado estava meu pai e Erica, do outro,
Vera e Taís. Eu estava feliz em ver todos eles ali unidos, era uma
sensação de que minha família havia crescido.

No final de tudo, eu gostaria que aquela amizade durasse,


talvez fosse a melhor e maior herança que Joana poderia me dar.

— Vamos fazer um brinde. — Meu pai levantou, erguendo seu


copo com caipirinha. — A minha única filha que acabou de casar.
Que ela seja muito feliz nessa nova jornada. E a você, rapaz — ele
encarou Gustavo, fuzilando-o —, Se magoar minha menina de

alguma forma, farei você pagar.

— Pai... — chamei a atenção dele, mas vi quando Gustavo


acenou com a cabeça, sem reclamar ou argumentar.

— Agora, aproveitando a vibe romântica da coisa — meu pai


voltou a dizer — Queria fazer um pedido especial. Ouvi o conselho

da minha filha, e entendi muita coisa. Vera — ele se virou para ela
—, sei que passamos por muitas coisas, criamos duas filhas

maravilhosas. Mas ao casar a minha, eu percebo que a vida não


para, temos que sempre seguir em frente. E com isso em mente, eu

gostaria de fazer um pedido. Vera, você aceitaria ser minha


namorada?
A pergunta veio de surpresa, sem ninguém esperar, e um
silêncio dominou o ambiente.

Olhei para Erica que estava de boca aberta comol eu, e as

duas mexemos os ombros, sem entender muita coisa. Olhamos para


Vera, na espera de uma resposta.

— Bom... eu aceito, gosto de você há muito tempo.

Meu Deus.

Aquela brincadeira toda estava saindo melhor do que eu

esperava.

Meu pai deu a volta na mesa, indo para o lado de Vera e

estendendo a mão para que ela se levantasse. Assim que os dois


estavam frente a frente, meu pai segurou seu pescoço com muita

delicadeza e encostou seus lábios, beijando-a.

Assim que ele fez isso, uma salva de palmas foi tudo o que
ouvimos.

Era visível no rosto de todos os presentes, até mesmo Taís e


Gustavo, que estavam felizes pelos dois.

Ainda ao lado de Vera, meu pai se virou para mim.


— Agora para você, minha filha. Pedi ajuda a Erica, que

certamente saberia melhor como te agradar. Então se você gostar,


ou não, agradeça a ela. Mas enfim — ele respirou fundo. Eu já

segurava as lágrimas para não chorar, sem nem saber o que seria.

— Como você casou, e com certeza vai querer viver sua vida ao lado
do seu marido, pensei que iam querer um cantinho só para vocês,

então, apresento a vocês, sua casa.

Ele me estendeu uma chave, que vinha pendurada em um

chaveiro pequeno de coração. Aceitei-a de boca aberta.

— Como assim? Essa casa não é alugada para o almoço de

hoje? — eu estava incrédula.

— Bom, é para o almoço de hoje e vários outros que virão.


Mas não é alugada, desculpa por ter contado essa pequena

mentirinha.

Levantei-me e abracei meu pai o mais apertado que

conseguia. Aquilo era mais do que perfeito.

Eu teria um cantinho para mim, e meu marido no caso, junto


com sua filha.

No final do dia, ainda estávamos reunidos, conversando e


rindo. Estava notando uma interação muito boa entre Erica e Taís,
que eu poderia jurar que sairia alguma coisa de lá, apenas pelos
sorrisos acanhados que minha amiga dava.

Uma esperança estava preenchendo meu coração. Esperava

que ela durasse por um bom tempo.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

A última pessoa a ir embora da casa foi Taís, que levou


Helena consigo. Ela estava parada na porta, pronta para partir,

esperando que eu me despedisse da minha filha.

— Papai vai morrer de saudade de você, meu amor.

— Vai nada, Helena, pode apostar que ele não vai nem
pensar em você essa noite — Taís falou baixinho em seu ouvido.

Olhei torto para ela, mas logo abri um sorriso para entender
que estava brincando.
Eu me sentia leve e esperançoso nos últimos dias, e não me
lembrava de me sentir assim há algum tempo.

— Obrigada, Taís — coloquei a mão em seu ombro, tentando


transmitir algum carinho.

— Não tem que me agradecer. Eu amo ficar com essa coisa


gostosa. Não é, tia? — ela falou com Helena, usando uma voz de
criança, mais aguda.

— Não estou falando por hoje. É por tudo. Desde sempre.

Taís ergueu os olhos na minha direção, brilhando.

— Não tem que me agradecer, Gustavo. Faço isso por nossa

amizade.

— Não sou o melhor amigo do mundo — abaixei os olhos,


sem conseguir encará-la.

— Você é o melhor que eu tenho, e só isso importa. Eu estou


gostando muito desta sua versão pós Katrina.

Taís passou a mão em meu braço enquanto se afastava,


dando um tchauzinho com a mãozinho de Helena.

Assim que elas já estavam distantes, tranquei a porta atrás de


mim e voltei para a sala onde Katrina estava.
Ela havia ganhado a casa toda mobiliada do pai. Era pequena

para os padrões dela, mas para mim, beirava a uma mansão. E ele
havia sido tão atencioso e montara até mesmo um quarto para
Helena. Eu tinha ficado muito emocionado com todo aquele carinho
que a família dela estava dando à minha filha, e até mesmo a mim.

— Desculpa a Taís. Mesmo sabendo da condição de


casamento de mentira, ela insistiu em nos dar “privacidade” — fiz
sinal com os dedos — no primeiro dia de casamento.

— Ela não tem culpa de nada.

Katrina jogou os pés em cima da mesinha de centro,


encostou-se no sofá e fechou os olhos.

Ela ainda usava o vestido do casamento. Era simples, de


alcinha, em um tom qualquer de rosa-claro, que lhe caía muito bem
no corpo, deixando suas curvas muito bem desenhadas e não
deixando muito para a imaginação.

— Eu estou tão cansada.

Eu queria chegar mais perto, fazer uma massagem em seus


pés descalços, ajudá-la. Mas não sabia como começar isso.

Então resolvi me jogar ao seu lado.


— Somo dois.

Katrina imediatamente abriu os olhos, encarando-me com um


sorriso de canto que era sexy como o diabo.

— Tão cansado para negar beijos à sua esposa?

Para aquilo eu jamais estaria cansado.

Desde que nos entendemos, Katrina apressou os papéis para


nos casarmos, mas nunca chegamos a falar sobre nossa relação, ela
consistia em beijos demorados, alguns rápidos, mas nunca
passamos disso e eu jamais invadiria seu espaço. Ela havia deixado
claro desde o início que seria um casamento por contrato.

Mas quando ela mesma me pedia aquilo, eu não tinha como


negar.

Puxei-a pela nuca, capturando sua boca com a minha. As


coisas começaram lentas, mas assim que nossas línguas se
encontraram, uma onda de eletricidade percorreu meu corpo,
acendendo cada sistema que havia nele, fazendo com que eu
sentisse tudo em dobro.

No segundo seguinte, ela já estava montada em meu colo, as


pernas para cada lado do meu corpo. Minhas mãos subiam e
desciam pelas suas costas, sentindo a seda de seu vestido contra a
minha pele.

— Katrina, eu... — estava ofegante, quase não conseguia


falar através de sua pele — preciso respirar, um momento só.

Eu precisava parar naquele instante, ou tudo poderia sair do


controle.

Mas ela parecia não querer me dar aquele tempo.

Com ainda mais afinco, Katrina segurou meu pescoço,


descendo os beijos para minha orelha e ombro.

— Katrina, temos que parar agora. De verdade — tentei mais


uma vez.

— Eu não quero parar, Gustavo. Hoje não.

Aquela mulher me deixaria louca.

Sem aviso, segurei-a pela cintura, girando-a no sofá,


colocando-a deitada com meu corpo por cima do dela.

Ela ofegou contra mim, mas não disse nada. Parei para
contemplá-la. Como as luzes estavam acesas, eu podia vê-la por
completo, em todos os detalhes.
Seus olhos brilhavam com luxúria, o que estava me deixando
mais louco ainda. Sua respiração estava entrecortada, ofegante, o
que deixava sua boca entreaberta, inchada pelo beijo. Cada detalhe
dela era um convite, chamando-me cada vez mais alto. E eu queria
muito colocar minha boca em cada parte do seu corpo. Sentir seu
gosto.

Comecei beijando seu pescoço e descendo lentamente,


passando pelo colo e parando no vão de seus seios. Seu vestido

tinha um decote fundo, o que me dava fácil acesso a eles.

Coloquei a mão por baixo de sua cintura, arqueando seu


corpo contra o meu e comecei lentamente a explorar seu corpo. Com
a outra mão que estava livre, puxei seu vestido de lado, exibindo um
dos seios, que já estava rijo. Passei a mão delicadamente por ele,
passeando pelo bico e ao seu redor, o que causou um arrepio por
toda a pele dela, em seguida segurei-o em minhas mãos, firme,
enquanto com um dedo comecei a girar o bico.

Olhei para Katrina captando suas reações. Ela se contorcia


nas minhas mãos, aproveitando cada sensação. Dirigi-me ao outro
peito, mas neste com a boca, chupando-o e mordendo-o, fazendo-a
gemer.
Usei a outra mão que estava em sua cintura para descer por
sua perna e em seguida subir por baixo do vestido, passando os
dedos por sua coxa interna. Eu podia sentir na ponta dos dedos a
pele dela toda arrepiada com o meu toque, e aquilo me deixava
ainda mais feliz.

Atravessei sua calcinha, encontrando sua entrada úmida, e


com um dedo comecei a masturbá-la, passando pelo seu clitóris e
até sua entrada.

Katrina ofegou ainda mais, levando uma das mãos à minha


cabeça, pedindo por mais.

Troquei seus seios, passando a chupar um, e a massagear o

outro. Aos poucos a penetrei com um dedo, o que a fez soltar um


gemido maior, então comecei a movimentar. Coloquei mais um,

intensificando os movimentos. Senti quando Katrina se contraiu, mas


os tirei antes que ela chegasse ao clímax.

— Você está bem, linda? — perguntei voltando à sua boca.

Ela demorou um pouco a responder enquanto a enchia de


beijos.

— Gustavo, eu... eu quero você — ela ainda estava com a voz


frágil.
Aquela mulher ia mesmo me matar.

Voltei a beijá-la, mas ela se afastou.

— Mas antes, preciso que você saiba de uma coisa.

Fiquei rígido – de tensão, já que na parte de baixo estava tudo


muito duro.

— Diga.

— Eu... sou virgem. — Ok, aquilo era uma surpresa. E como


assim ela só me contava naquela hora.

— Você quer parar? Podemos parar agora mesmo —


perguntei ainda tenso. — Eu não sabia, você devia ter me avisado

antes. É claro. Isso é errado.

Katrina levantou os olhos para mim, olhando no fundo dos


meus.

— Não tem nada de errado aqui. Eu quero você. E desde que


você também queira, não tem nada de errado.

— Eu te quero mais do que tudo neste momento. Mas você

tem certeza disso?

— Nos últimos dias, é a coisa de que eu mais tenho certeza.


O sorriso daquela mulher era a coisa mais linda. E eu faria

qualquer coisa para vê-la sempre assim. A imagem de Katrina


sofrendo me machucava. Eu não queria isso nas minhas costas, mas

ao mesmo tempo eu a queria para mim, em todos os sentidos.

Voltei a beijá-la, mas me coloquei de pé rapidamente,


puxando-a para mim e entrelaçando suas pernas na minha cintura.

Ainda sem deixar de beijá-la caminhei em direção às escadas.


A intenção era subir com ela até o quarto, mas um pequeno erro de

cálculo me fez errar um dos degraus desequilibrar com ela em meu


colo.

Antes que pudesse cair por cima dela, coloquei uma das mãos

na frente, como ela estava firme em minha cintura, foi impedida de


cair também.

Demos uma pequena risada, ainda nos beijando. Era como se


tivéssemos que desfrutar cada segundo daquele momento e não

pudéssemos nos desgrudar.

Aproveitando que estava no chão, coloquei-a sentada no


degrau e comecei a puxar seu vestido para cima, deixando-o acima

de sua cintura. Posicionei-me alguns degraus abaixo e puxei sua


calcinha. Não dei tempo para que ela se sentisse envergonhada e
nem nada, caindo de boca no seu sexo.

Katrina tinha um gosto agridoce. Pensar que era virgem

deixava as coisas ainda mais especiais. Saber que me escolhera


para ser o seu primeiro homem.

Perdi-me em uma sucessão de lambidas, chupadas e


mordidas, passando por toda a sua extensão até sua entrada. Levei

um dedo, experimentando-a e comprovando que estava úmida.


Aquilo deixava-me ainda mais excitado. Penetrei-a com um dedo

enquanto chupava seu clitóris e comecei a movimentar.

Novamente quando a percebi chegando ao clímax parei o que


estava fazendo. A primeira vez que fiz aquilo foi para deixá-la

querendo mais. Mas agora o propósito era deixá-la cada vez mais
molhada para que sua experiência fosse a menos dolorosa possível.

Levantei-me puxando-a para mim novamente e desta vez


conseguimos chegar ao quarto.

Empurrei a porta com um pé e Katrina se jogou na cama

enquanto me encarava.

Fui tirando cada peça de roupa devagar, deixando que ela se

acostumasse com a visão que tinha. Quando fiquei completamente


nu à sua frente, senti seus olhos medirem cada pedaço do meu

corpo e pararem em meu membro que pulsava duro como pedra.

— Estou te desejando, Katrina. E isso está acontecendo há


um bom tempo. E vai ser um prazer ser o seu primeiro.

Comecei a beijá-la novamente, deslizando seu vestido para


cima e nos afastando para que ela ficasse completamente despida

também. Assim que estávamos livres de todas as roupas comecei


novamente a descer com beijos, parando na sua entrada, enquanto

massageava seus seios.

Assim que ela estava pronta, voltei para sua boca.

— Eu não tenho camisinha aqui, mas te garanto que estou

limpo, desde que Vitoria morreu, eu não...

— Tem uma na gaveta aqui do lado — ela me interrompeu

entre beijos.

— O quê?

— Erica me disse que havia deixado, caso precisássemos,

agradeça a ela depois.

Com uma risadinha estiquei a mão, pegando o preservativo.


Assim que estávamos prontos, posicionei-me sobre ela,
penetrando-a aos poucos. Estava focado em seus olhos, e no menor

sinal de desistência dela, eu pararia. Vi quando sua expressão se

transfigurou para uma de dor e eu parei de me movimentar.

— Desculpa, eu sei que dói. Se você quiser, podemos parar

— eu estava sentindo sua dor junto comigo.

Achava errado estar sentindo prazer enquanto ela se

contorcia de dor.

— Não, não pare, por favor.

Movimentei mais um pouco para dentro dela, e comecei a

beijá-la novamente, tentando amenizar um pouco que fosse sua dor.


Assim que a senti relaxando um pouco contra meu corpo, comecei a

me movimentar, e a cada gemido de prazer eu intensificava os


movimentos.

— Obrigada, Katrina. Por ser esse furacão na minha vida —

agradeci contra seu pescoço enquanto estocava cada vez mais


fundo.

Quando atingi um ponto especifico, ela gritou de prazer contra


meus ouvidos, enfiando as unhas nas minhas costas.
Mantive as estocadas em um ritmo um pouco mais acelerado

até que senti Katrina se contorcendo ao meu redor, entregando-se ao

seu orgasmo e eu a acompanhei em seguida.

Caí ao seu lado, suado e exausto.

— Obrigado por trazer todos esses sentimentos à minha vida.


CAPÍTULO VINTE E CINCO

Eu ainda não sabia se havia sonhado ou se fora tudo


realidade.

Estava com medo de abrir os olhos e descobrir que havia sido


fruto da minha imaginação. Mas fora tudo tão real, eu poderia até

mesmo jurar que havia sido sentimental.

Abri os olhos devagar apenas para me deparar com a cena de


Gustavo dormindo ao meu lado. Ele estava de frente para mim, e eu
conseguia ter uma plena visão de seu rosto.
Ele parecia sereno, dormindo tranquilamente. Fiquei um
tempo admirando sua beleza, até que ele começou a despertar
pouco a pouco.

— Bom dia — ele falou com uma voz rouca de sono que eu
ouvia pela primeira vez.

Pontuei e guardei em uma caixinha na minha cabeça, aquilo


era mais uma coisa que eu adorava nele.

— Bom dia. Está pronto para o seu primeiro dia como meu
marido?

— Mais do que pronto.

O sorriso dele, misturado com aqueles olhos que diminuíam


toda vez que ele fazia aquilo, deveria ser catalogado entre uma das

maravilhas do mundo.

Descemos juntos para preparar um café da manhã.

Eu me sentia muito bem naquela manhã, leve e muito feliz.

— Acho que entregaram isso para você — Gustavo falou


enquanto eu estava de costas, na pia.

Virei-me para ele, ficando de frente e sequei minha mão no


pano de prato que estava pendurado em seu ombro.
Era um envelope pardo com apenas meu nome de um lado,

mas sem remetente.

— Quem entregou isso?

— Não sei. Encontrei no quintal, alguém deve ter jogado.

— Estranho, ninguém deve ter esse endereço.

Rasguei o envelope puxando um papel de dentro.

Era uma carta, quase no mesmo estilo da que havia recebido


dias atrás.

Olhei para Gustavo que me encarava com expectativa.

— O que foi? Não vai abrir?

— Eu... — suspirei — acho que é mais uma carta da minha


mãe.

Gustavo colocou as mãos por cima das minhas, cobrindo o


papel de carta.

— Você não quer ler? Não precisa fazer isso.

— Acho que preciso fazer isso. Até mesmo porque pode ser
algo sobre a herança, agora que estamos casados, talvez não
precisemos ficar por seis meses.
Vi quando Gustavo baixou a cabeça, mas não falou nada.

Abri o papel, revelando uma caligrafia muito parecida com a


última.

Querida filha,

Agora você está casada. Lembro-me de você quando era um


bebezinho nos meus braços. Como o tempo passou tão rápido.

Mas lamento muito por não ter estado com você neste
momento. Espero que tenha recebido as instruções necessárias para
que tudo corra bem.

Espero que tenha feito uma boa escolha , seu marido é muito
importante para essa missão. E espero também que você possa ser
feliz. Do fundo do meu coração.

Para o seu marido, espero que ele cuide muito bem de você,
como eu não pude fazer.

Você receberá novas instruções assim que completar seis


meses de casada.

Espero que sejam muito felizes juntos.

Com amor, mamãe.


Ok, aquela carta estava um pouco melhor que a primeira.

E o que seria essa missão?

E como ela esperava que meu casamento fosse bom, se era


algo por contrato?

Se bem que até aquele momento eu não poderia reclamar de


nada.

Olhei para Gustavo, e assim que levantei meus olhos para ele,
uma lágrima sorrateira que eu nem havia percebido escorreu dos
meus olhos.

Eu não queria chorar por ela, era uma coisa que Joana não
merecia vindo de mim.

Mas essa era uma carta tão diferente da primeira, ela havia
assinado até mesmo com amor.

— Você está bem?

Fiz um aceno de cabeça, confirmando. Eu não sabia o que


dizer, nem se realmente estava bem com tudo aquilo.
Parecendo sentir isso, Gustavo tirou o papel da minha mão,
colocando-o sobre o balcão e me abraçou.

Senti que no início ele estava meio sem jeito, sem saber
exatamente como fazer aquilo, mas assim que eu estava entre os
seus braços, ele me apertou ainda mais, deixando-me confortável
com a cabeça em seu peito.

Como ele era uma cabeça maior que eu, a minha se


encaixava perfeitamente entre seu ombro e pescoço, próximo ao seu
coração. Conseguia senti-lo pulsando contra mim, e aquilo foi me
acalmando.

Sentir sua mão descer e subir por minhas costas também


ajudou muito.

— Você está melhor? — ele perguntou, todo carinhoso,


conduzindo-nos ao sofá.

— Estou sim. É que... Eu não deveria me sentir abalada com


essas coisas, mas não consigo controlar às vezes.

— Quando o assunto é a nossa família, temos que colocar


nossas emoções para fora, nos expressarmos.
Olhei para ele com uma sobrancelha levantada e ele levantou
as duas mãos como se estivesse se rendendo.

— Estou falando que temos que fazer isso, não que seja bom.
— Demos uma risada juntos. — Mas depois que eu me tornei pai, eu
penso sempre nisso. Quero que Helena cresça expressando o que
ela realmente sente, não quero sentimentos, sejam eles quais forem,
guardados.

A cada hora que eu passava com aquele homem, eu o

admirava mais.

— Helena tem sorte de ter você como pai.

— Assim como você em ter o Claudio — ele falou, passando

um dedo com carinho pelo meu rosto.

— Eu tive muita sorte. Ele é o melhor pai que eu poderia ter.

Mas ainda assim... — fiz uma pausa, pensando em como explicar


para ele — Não é que eu precisasse dela, meu pai nunca deixou isso

acontecer, mas sim aquele sentido do e se — dei ênfase nas duas

palavras. — E se ela estivesse comigo, o que teria falado? E se ela


estivesse aqui, será que me deixaria ir aquela festa? Em várias

oportunidades eu me questionava sobre isso.


— Eu entendo o seu lado. De verdade. Mas às vezes é melhor
ter mesmo que seja só um do seu lado do que nenhum.

Ele falava como se estivesse sentindo aquilo, então resolvi

perguntar:

— Como você era com a sua mãe?

Assim que a pergunta saiu da minha boca, ele parou com o

movimento dos dedos, e olhou para mim.

— Não tínhamos um relacionamento muito amoroso. Meu pai

faleceu quando eu ainda era muito novo, então não me lembro muito
dele.

— Você quer falar um pouco da sua mãe? — ofereci, tentando


ver se ele desabafaria comigo.

— Não tenho muito que falar. Ela era uma alcoólatra desde

que eu me lembro. Nunca foi carinhosa, e eu atribuo o fato de eu


também não ser, por isso. Não aprendi a dar e nem receber carinho.

Segurei sua mão que ainda estava no meu rosto, levando


seus dedos à boca.

— Isso não é verdade, você sabe dar carinho — falei

referindo-me a segundos atrás quando ele me consolava.


— Você tem despertado esse lado em mim. Antes Helena era

a única pessoa que conseguia tirar um sorriso do meu rosto, por


quem eu morreria para proteger. E você, com toda essa sua

impetuosidade, está conseguindo se tornar uma pessoa assim para

mim.

— Impetuosidade, é? — levantei uma sobrancelha, levando a

conversa para um lado mais divertido.

— Sabe, andei pensando esses dias — ele começou a

divagar — seus pais escolheram um nome perfeito para você, já que


você é o próprio furacão em pessoa.

— Não acredito nisso, você descobriu o meu maior segredo —

Gustavo começou a rir junto comigo, mas quando estávamos


recuperados da crise de riso, voltei a falar: — Meu pai diz que minha

mãe achava fascinante os furacões e quando ela descobriu a


gravidez, foi o primeiro nome que ela sugeriu e ele adorou.

— A minha mãe me procurou depois de meses. — Olhei para


ele esperando que continuasse. — Ela disse que estava sóbria, mas

precisava quitar uma divida, e por isso precisava de dinheiro


emprestado.
— Era isso que ela queria aquele dia em que eu fui à sua
casa?

Ele confirmou com a cabeça, mas não disse mais nada.

Ficamos por um momento em silêncio, contemplando a


presença um do outro.

— Eu queria muito que a Helena tivesse uma mãe. Que ela

pudesse contar com alguém a qualquer momento. Eu sei que ela tem
a Taís, mas ainda assim... sei lá, ela poderia ter muito mais — ele

desabafou.

— Eu sei que não tenho esse direito, mas se você permitir, eu

posso ser como uma mãe para Helena. Eu já adoro aquela menina.
E não estou falando por esses seis meses que vamos morar juntos,

quero ficar na vida dela. Sei que vou me apegar muito a ela.

Gustavo me encarava como se eu fosse um extraterrestre,

com os olhos curiosos e brilhando.

— Você faria isso? — sua voz estava embargada.

— Claro. de uma forma ou de outra, somos uma família agora.

Assim que terminei de falar, Gustavo se aproximou de mim,

beijando-me.
Era isso, eu tinha minha própria família a partir daquele

momento.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

Estávamos a um mês morando juntos, e sinceramente?


Desde que eu aceitei aquela loucura, nem nos meus maiores

devaneios, pensei que pudesse dar tão certo como vinha dando.

Acordei um pouco mais cedo naquele dia, deixando Katrina na

cama. Sobre isso, não havíamos combinado, apenas fomos ficando


juntos depois da primeira noite naquela casa, e nunca mais tocamos
no assunto de dormimos separados. E eu estava gostando muito
daquilo.
Fui para o quarto de Helena e a peguei do berço, já que ela
estava acordada.

— Oi, minha princesa. — Peguei-a no colo. — Alguém aqui


com fome?

Depois que preparei a mamadeira e alimentei-a, subi


novamente as escadas, abrindo lentamente a porta do quarto e
conferindo se Katrina ainda estava dormindo.

— Está na hora de acordar uma dorminhoca, não acha? —


sussurrei para Helena.

Entrei na ponta dos pés, fazendo o mínimo de barulho

possível e me deitei na cama, ao lado de Katrina. Posicionei Helena


no centro, fazendo com que ficasse entre um amontoado de
travesseiros e o corpo de Katrina.

— As duas mulheres mais lindas do mundo. — Helena deu


uma risada. Vi quando Katrina disfarçou um sorriso, mas ela era
péssima nisso. — Com diferença que uma é meio preguiçosa, sabe
filha? — brinquei. — E olha que hoje seria um dia tão lindo para
beijar uma esposa...

Imediatamente Katrina abriu os olhos e junto seu sorriso. Ela


realmente era linda, mas acordando... Poderia até me achar bobo
por dizer isso, falar que não tinha como uma pessoa acordar bonita.

Mas só dizia isso quem nunca viu Helena e Katrina acordando. Até
mesmo os cabelos desarrumados, jogados para todos os lados, eu
achava apaixonante.

— Alguém falou beijo?

— Temos alguém muito interesseira aqui, pequena.

— Era você quem estava querendo beijos, minha linda? — ela


falou para Helena, dando um beijo em sua bochecha gordinha.

— O pai dela queria também — fechei meus olhos e fiz um


bico, enquanto me aproximava dela na esperança de ganhar um
beijo.

E ele veio.

Eu poderia dizer que estava viciado nos beijos daquela mulher


sem problema nenhum.

— Viemos te desejar parabéns e avisar que temos um


encontro em menos de meia hora.

— Nossa, que parabéns mais seco, mereço um beijo a mais


por isso.
— Claro que merece. Desejo tudo... — dei um beijo nela — de
melhor... — outro beijo — para a mulher mais perfeita — e mais um
beijo.

Eu teria continuado com eles, se Helena não tivesse nos


interrompido, colocando sua mãozinha entre nossas bocas.

— Tudo bem, pequena, recado entendido. Vou me arrumar.

Era aniversário de Katrina de vinte e quatro anos, e havíamos


combinado de encontrar Taís e Erica em um restaurante para elas
nos contarem uma novidade. Eu estava apostando que elas iriam
assumir relacionamento.

Desde o nosso casamento, há um mês atrás, as duas se


encontravam com frequência, construindo uma amizade. Katrina

acreditava no mesmo que eu.

Assim que chegamos ao restaurando onde havíamos


marcado, avistamos as duas sentadas em uma mesa mais
reservada.

— Bom, temos uma novidade para vocês — Taís começou


assim que nos acomodamos e fizemos nossos pedidos.
— Talvez não seja tão novidade assim — disse baixinho
enquanto bebia um gole de água.

— Talvez você seja apenas um estraga-prazeres. Deixa as


meninas contarem a novidade.

Sem surpreender ninguém, Katrina logo pegou intimidade com


Taís, fazendo uma amizade muito bonita com ela. Nossa relação
também havia ficado mais... leve.

— Então vamos contar algo que não é tão novidade assim...


— Erica começou. — Estamos namorando. E é isso.

Katrina foi a primeira – e única – a bater palmas, levantar-se e


abraças as duas. Eu por minha vez, parabenizei-as, felicitando-as,
mas fui mais contido. O que não significava que não estava feliz por

elas.

Ficamos um bom tempo no restaurante, mesmo após o


almoço, e depois fomos para a casa de Claudio.

Estava tentando enrolar Katrina para chegar em casa, já que


teria uma surpresa pelo seu aniversário esperando por nós.

Como ainda não tinha conseguido um emprego – mas


continuava procurando – Katrina estava mantendo sua parte no
acordo, pagando-me uma quantia por mês, mas como estava
ajudando minha mãe com a sua dívida, não me sobrava muito no fim
do mês, por esse motivo seu presente de aniversário seria o que
estava dando para comprar no momento.

Assim que saímos da casa de Claudio, dirigi a caminho da


casa de Tais, já que deixaria Helena sob seus cuidados naquela
noite.

— Para onde estamos indo? — Katrina questionou quando


percebeu que eu havia mudado a rota.

— Preciso deixar uma encomenda na casa da Taís — foi tudo


o que eu expliquei.

Assim que chegamos, desci, peguei o bebê conforto com


Helena e subimos.

Como já estava tudo combinado, Taís nos recebeu na porta,


pegando a bebê.

— Muito obrigado — apenas agradeci.

Ela respondeu com um meneio de cabeça.

— Se divirtam essa noite — ela falou apenas isso e fechou a


porta na nossa cara com um sorriso malicioso de lado, sem nem se
despedir de nós.

Puxei Katrina pela mão, levando-a para fora.

— O que você está aprontando, Gustavo? Por que Helena

ficou com a Taís hoje?

Não respondi suas perguntas até chegarmos ao carro.

— Hoje é seu aniversário, eu não poderia deixar passar em


branco assim.

Foi tudo o que disse e ela foi o caminho todo me perguntando


e tentando tirar alguma resposta de mim.

Assim que chegamos em casa, ajudei-a a descer do carro e

levei-a para dentro de casa. Olhei ao redor conferindo se estava tudo


como o combinado e me posicionei atrás dela.

— Quando nos conhecemos — fui falando enquanto colocava


as mãos na frente de seus olhos, tampando-os e começava a

conduzi-la para o jardim nos fundos da casa — era para termos três
encontros, mas infelizmente pulamos um. E como isso era uma regra

para me casar com você...

Tirei as mãos do seu rosto assim que estávamos no local com

melhor visão.
O jardim todo estava iluminado com luzes baixas, em um tom
amarelo, que estava proporcionando um clima mais agradável. Havia

uma mesa em um canto com dois pratos tampados por um cloche,

no centro uma única rosa em um vaso delicado. Havia pétalas de


rosas vermelhas espalhadas pelo chão.

— Como... — Ela parecia emocionada. — como você fez isso


tudo?

— Contei com algumas ajudas. Vera veio aqui e depois Erica


ajudou também. Você gostou?

— De ganhar um encontro com um homem como você na

minha casa? — Ela se virou para mim, trançando os braços ao redor


do meu pescoço. — Eu amei. Melhor presente da minha vida.

Katrina se inclinou em direção à minha boca, começando a


me beijar, primeiro lentamente, mas depois evoluindo para um beijo

cheio de desejo, chegando a ser selvagem.

Aquela noite seria longa...


CAPÍTULO VINTE E SETE

Eu não estava esperando por aquilo.

Estava tudo muito delicado e romântico. A iluminação baixa,

amarela, deixando o ambiente mais confortável e aconchegante. As


rosas, a comida. Eu não sabia nem como agradecer.

Caminhamos até a mesa que estava posta e Gustavo puxou a


cadeira para que eu me sentasse.

A comida ainda estava quente, o que significava que ela tinha


sido feita há pouco tempo. Estava muito boa também. Durante todo o
jantar, conversamos e rimos. Às vezes Gustavo segurava minha mão
por cima da mesa, levando-a à boca, dando um beijo cálido.

Assim que os dois pratos estavam vazios, ele levantou,


empurrando sua cadeira pela grama e veio até a minha, ajudando-
me a levantar.

Dessa vez ele pegou minha mão e começou a me conduzir


para outra parte do jardim, que ficava mais ao fundo da casa.

Havia uma toalha estendida no chão, ao lado tinha um balde


cheio de embalagens de trufas.

— Para nossa sobremesa — Gustavo apontou com a cabeça.

Deitamos sobre a toalha, Gustavo levou as mãos para trás da


cabeça, eu peguei uma trufa e em seguida deitei sobre seu peito,

olhando para o céu.

— Você está gostando de estar casado comigo? — a pergunta


saiu da minha boca sem uma prévia, do jeito que se formou na
minha mente, eu a fiz.

— Eu estou achando muito melhor do que eu havia


imaginado.
Um momento de silêncio se formou entre nós, mas ninguém

se movimentou.

— O que você acha que vai ser da gente quando esse período
de seis meses acabar? — novamente uma pergunta inesperada.

— Eu ainda penso nisso toda noite.

Levantei-me e deitei de lado, apoiando-me sobre um cotovelo


e a cabeça na mão, encarando-o.

— Você pensa nisso à noite?

Gustavo também em encarou.

— Todas. Quando eu vejo você colocando Helena para dormir,


e eu penso o que eu faria sem você. Quando vou para nosso quarto
e você já está deitada, toda linda e sensual me esperando. Quando
almoçamos ou jantamos juntos, quando brincamos juntos com
Helena. — Ele fez uma pausa. — Praticamente tudo o que eu faço
junto com você, me faz pensar “o que será de mim quando esse
período acabar”.

— E se esse período não acabar? — Gustavo franziu as


sobrancelhas. Provavelmente ele havia entendido, mas eu explicava,
sem problema nenhum. — Se nosso casamento durasse mais... sei
lá... — estava insegura do que dizia.

Por alguns segundos ele não falou nada, apenas ficou me


encarando por um tempo.

— Você quer isso? — ele tinha um tom de insegurança na voz


que eu não conseguiria decifrar.

— Quero sim. E você?

— Bom... — Ele pegou uma trufa no balde, tirando o papel e


dando uma mordida. Eu tinha a plena certeza de eu ele estava
fazendo aquilo para me provocar, porque ele mordeu me encarando,
quase em câmera lenta, degustando o pedaço de chocolate,
passando a língua pelos lábios. — Eu adoraria ser seu marido por

mais tempo... sabe, aproveitar as coisas boas que podem ser


oferecidas...

— E que coisas seriam essas?

— Tendo uma esposa tão linda? Eu tenho vários pensamentos


com ela.

Levantei-me e subi em cima dele, colocando uma perna de


cada lado de seu corpo.
— Você estaria me usando, Sr. Gustavo?

— Ainda não decidi entre estar usando ou sendo usado.

Dei um beijo muito rápido em sua boca.

— Eu confesso que estou usando.

Ele abriu um sorriso de lado, sexy e safado. Aproveitei a deixa


e me inclinei sobre ele novamente, beijando-o de verdade. Gustavo
enfiou os dedos por dentro do meu cabelo, segurando minha cabeça
e ditando o ritmo do beijo, que começou lendo, mas foi incendiando
todo o meu corpo.

Ele estava com gosto do chocolate ainda na boca, o que


tornava tudo ainda muito mais gostoso.

As coisas foram esquentando rápido demais e seus beijos


descendo por meu colo e peito.

Eu usava uma blusa de manga curta, junto com um short de

moletom. E Gustavo se aproveitou disso, esgueirando uma das mãos


por baixo da minha blusa, alcançando um dos seios ainda por cima
de meu sutiã e massageando-o.

Puxei sua camisa para cima, afastando-nos apenas para


passá-la pela sua cabeça e voltamos aos beijos.
— Gustavo, aqui fora não é... — eu tentava falar nos
pequenos momentos em que sua boca saía da minha.

— Não. Não temos prédios por perto que possa nos ver, e os
muros são altos — ele entendeu minha pergunta.

Comecei a descer os beijos também, já que tínhamos


privacidade para isso. Desci por toda a extensão do seu peito,
passando a mão e deixando um beijo em cada pedaço de pecado
que era aquele tanquinho até chegar ao seu short jeans que
desabotoei olhando em seus olhos.

Eu e Gustavo havíamos feito sexo algumas – ou muitas –


vezes durante aquele mês de casados. Ele me ensinava uma
posição diferente em cada uma delas, mas eu ainda não havia
testado aquilo. Acreditava que ele estava deixando que eu
descobrisse o momento certo.

Tirei seu short com sua ajuda e ele ficou apenas de cueca.
Seu volume e ereção eram muito visíveis.

Levei a mão ao seu membro, massageando por cima do


tecido e olhei para Gustavo. Sua cabeça tombou para trás enquanto
ele soltava um gemido de prazer. Continuei a movimentá-la enquanto
ele soltava sons animalescos.
— Você sabe que eu não sou muito experiente nisso, se tiver
alguma coisa errada, ou que eu possa fazer para melhorar, me avisa.

Assim que terminei de falar, puxei sua cueca, deixando seu


membro pular para fora, grande, grosso e duro. Levei as duas mãos
nele e comecei a massagear em movimentos circulares, desde a
glande até a base. Gustavo soltava gemidos cada vez mais altos. Ele
estava com a cabeça jogada para trás, então tentei levar a boca ao
seu membro, juntando isso aos movimentos. Imediatamente ele

ergueu a cabeça, encarando-me.

— Você quer me matar assim, não é, meu furacão?

Furacão... ele me chamava assim quando eu o provocava e

isso me dava ainda mais ânimo para continuar.

Fiquei naquele movimento mais um tempo, até que Gustavo

soltou praticamente um rugido, xingando alguma coisa que eu não


entendia.

Inesperadamente, ele agarrou meus braços, sem muita força

para não me machucar, e girou nossos corpos, colocando-me


deitada com ele sobre meu corpo.

— Sua hora de receber prazer, meu amor.


“Meu amor” ele nunca havia me chamado daquele jeito.

Seria isso um progresso no nosso relacionamento? Como eu


poderia considerar aquelas três palavras?

Mas não tive muito tempo para refletir sobre isso, já que
Gustavo levantou meu quadril, puxando minhas roupas de baixo e

colocando minhas pernas sobre seus ombros.

Sem aviso nenhum ele começou a chupar minha intimidade,


usando línguas e dentes. A cada segundo que ele passava daquele

jeito, um gemido diferente irrompia em minha garganta. Ele usou dois


dedos para me penetrar, enquanto sua língua fazia loucuras comigo.

Não demorei muito para chegar ao ponto máximo do meu prazer,


contorcendo-me sobre aquela toalha no chão.

Abri os olhos enquanto Gustavo arrastava seus beijos pela


minha barriga, puxando minha blusa para lhe dar passagem

enquanto me recuperava do orgasmo e olhei para as estrelas no céu.

Aquele era o aniversário mais perfeito que eu tinha em anos.


E estava grata a Deus por isso.

Achei errado pensar em Deus quando sentia Gustavo se


agigantando sobre mim.
Olhei para baixo e o vi rasgando uma embalagem de

camisinha, assim que ele estava pronto, começou a me penetrar e se


movimentar. Ele começou lento, mas foi intensificando os

movimentos em um ritmo frenético.

Ele permaneceu naquele ritmo nos levando a loucura, e com


um urro ele estocou mais fundo uma, duas e na terceira soltou um

gemido, levando-nos ao orgasmo.

Gustavo despencou ao meu lado, todo suado, mas com um

sorriso no rosto.

— Eu te amo.

Ele falou assim, enquanto estava com a respiração

entrecortada, ofegante.

Virei-me para ele, encarando-o. Permanecia com os olhos

fechados, absorvendo cada instante daquele momento.

— Eu também te amo.

Gustavo abriu os olhos, encarando-me e eu lhe dei um beijo,

voltando a deitar em seu peito e olhei para as estrelas novamente.

Agradeci mentalmente a Deus pela família que estava


construindo.
CAPÍTULO VINTE E OITO

Eu estava amando estar casada.

E quem diria, não é mesmo?

Gustavo e eu tínhamos uma química perfeita, e nos

descobríamos melhor juntos a cada dia.

Mas naquela manhã acordei preocupada.

Estávamos completando seis meses de casados.

Era o prazo para receber a tal da herança. Durante todos os

meses passados, eu não fazia questão de me lembrar ou tocar


naquele assunto. Era quase como um assunto do passado. Mas era
algo impossível de se passar em branco quando acordei
completando meu sexto mês de casamento.

Acordei mais cedo aquela manhã, passei no quarto de Helena


para conferir. Ela vinha acordando cada vez mais tarde e menos
durante a noite, o que era muito bom. Passei a ponta dos dedos
delicadamente por seu rosto enquanto velava seu sono, mas logo a

deixei descansar em paz e fui preparar um café.

Estava inquieta naquela manhã, sem conseguir organizar


meus pensamentos. Uma parte de mim queria saber o que poderia
ter deixado por Joana, outra parte não queria nem ouvia mais o

nome dela.

— Deu formiga na cama?

Gustavo entrou, servindo-se de café e sentou-se à mesa à


minha frente.

— Estamos fazendo seis meses hoje.

Não precisei falar mais nada, ele já me entenderia, tanto que


por cima da mesa ele pegou minhas mãos, fechando-as dentro das
suas e me fez olhar em seus olhos.
— O que você quer fazer?

— Esse é o problema... — suspirei — eu não sei.

— Você começou isso tudo com um propósito. Nós nos


conhecemos por isso. Na minha opinião, você deveria pelo menos
ver o que é. Se não quiser, acharemos uma utilidade, sendo o que
for.

Ele estava certo. Eu tinha feito aquilo tudo para chegar até
aquele dia.

Lembrei-me do que meu pai havia dito no inicio daquilo tudo


também: se eu não tive o amor da minha mãe por vinte anos, eu
tinha que aceitar o que ela queria me dar depois daquele tempo todo.

— Você vai comigo?

— Claro, sempre. — Gustavo apertou minhas mãos entre as


suas.

Eu sentia um conforto inexplicável perto dele, uma coragem


que nem eu mesma saberia explicar.

Assim que deixamos Helena com Taís, partimos para o


escritório de Raphael, que ele havia nos passado por mensagem.

O lugar não ficava muito longe e fomos depois do almoço.


Assim que chegamos e anunciamos nossos nomes, fomos
encaminhados para uma sala onde Raphael já nos esperava.

— Boa tarde, Katrina. — Ele se levantou, estendendo uma


mão na minha direção.

— Boa tarde, Raphael. — Aceitei seu cumprimento. — Esse é


meu marido, Gustavo.

Os dois se cumprimentaram, Gustavo com a sua cara fechada


que ele sempre tinha para todos que não faziam parte do seu
convívio.

— Muito prazer, Gustavo. Você é um homem de sorte.

Ele não respondeu nada, apenas fez um aceno de cabeça


concordando e nos sentamos.

— Como o testamento pedia, hoje estou fazendo seis meses


de casada. — Coloquei uma cópia da certidão de casamento sobre
sua mesa. — Quais são os próximos passos? — havia um tom de
desdém na minha voz.

Raphael pegou os papéis, analisando-os.

— Parabéns para você. Então... — Ele bateu a folha na mesa,


alinhando-a. — A partir de agora, sua mãe me deixou uma instrução
de te passar um número.

Ele começou a procurar em uma das gavetas.

Aquilo não acabava mais?

Olhei para Gustavo com o cenho franzido e ele estava do


mesmo jeito.

— Achei — Raphael quase gritou. — Aqui está. A única


informação que sua mãe deixou a partir de agora, é para entrar em
contato com este número.

Ele me entregou um papel. Tinha a mesma caligrafia da carta


que eu havia recebido seis meses atrás, com um nome: Thiago.

— Mas e para onde isso vai me levar?

Raphael abaixou a cabeça. Algo me dizia que ele sabia mais


do que estava querendo dizer.

— A partir daí, eu não sei mais.

Agradecemos por seus serviços e saímos na intenção de ligar


para o tal Thiago.

Ainda dentro do carro, disquei o número e uma voz masculina


atendeu.
— Por favor, gostaria de falar com Thiago.

— Sim, é ele. Quem gostaria?

— Meu nome é Katrina, fui instruída a ligar para você.

Silêncio do outro lado.

Por um momento achei que a ligação tinha caído, tirei o


celular do ouvido, conferindo a tela se ainda estava em modo de
chamada.

— Alô — insisti.

— Katrina Ferrer? É isso?

— Sim, eu mesma — confirmei.

— Podemos nos falar pessoalmente? Acredito que já tenha


chegado o momento de você receber o que é seu.

Ok, aquilo era um avanço.

Apenas não conseguia distinguir se o tom de voz do homem


era bom ou não.

Confirmei com ele que me passou o endereço e partimos ao


seu encontro.
O lugar ficava um pouco distante, próximo a uma comunidade
carente. Paramos o carro perto de uma escola e havia um homem
esperando em um portão com as mesmas características que me
foram passadas.

— Você que é o Thiago? — Gustavo tomou a dianteira por


mim, cumprimentando o homem.

Ele confirmou sua identidade e aceitou os cumprimentos.


Assim que cumpridasd as formalidades, seu olhar parou em mim,

que estava logo atrás de Gustavo.

— E você é a famosa Katrina Ferrer.

— Katrina Ferrer. Só não famosa.

O homem abriu um sorriso com o que eu falei.

Ele parecia estar na meia idade. Quase careca. Era grande e


forte. Eu provavelmente estaria com receio de me encontrar com ele

se não estivesse com Gustavo ao meu lado.

— Podemos entrar para conversarmos melhor? — Thiago

apontou a escola.

Olhei para Gustavo, já desconfiada.

Não sabíamos onde aquilo nos levaria novamente.


— Desculpa, mas eu vim aqui com um propósito e gostaria de
resolvê-lo logo.

— Claro, eu sei disso. Mas não prefere mesmo que a

conversa seja lá dentro? É sobre uma herança que quer saber, não
é?

— É sim, e queria que pelo menos me falasse o que é.

— Já que prefere assim — o homem olhou de mim para


Gustavo, analisando nossas expressões. — Sua mãe deixou esta

escola para você.

Ele estava apontando para a grande construção que existia

atrás de si.

Uma escola? Mas como... isso era possível?


CAPÍTULO VINTE E NOVE

Ele tinha dito uma escola mesmo?

Ainda estava incrédula com aquilo.

— Podemos entrar para conversarmos melhor — o homem

insistiu.

Eu só comecei a caminhar quando senti a mão de Gustavo no


meio da minha cintura conduzindo-me portão adentro.

Passamos por uma turma que jogava basquete em uma


quadra improvisada, guiada por um professor. Assim que viram
Thiago, cumprimentaram-no com um aceno e um sorriso no rosto.

Todos os alunos usavam uniformes, mas eu não enxergava o

nome da escola.

Continuamos andando, e eu olhava admirada em cada canto,


barulho, tudo me chamava a atenção.

Crianças falavam por todos os lugares, e as que nos viam,

abriam um sorriso dando tchau.

Acabamos chegando a uma sala mais afastada de todo o


barulho e Thiago fechou a porta, impedindo que mais barulhos
externos nos atrapalhassem.

— Por favor, sentem-se. — Ele apontou para duas cadeiras


que ficavam de frente para uma mesa.

Eu estava sendo guiada por Gustavo, já que meu total estado


de inércia me impedia de pensar e agir por conta própria. Ele puxou
uma cadeira para mim, gesticulando para que eu sentasse.

Assim que estávamos acomodados, Thiago começou a falar:

— Como você deve ter sido instruída, tem uma herança da


sua mãe, Joana. E o que você herdou, é nada mais do que essa
escola.
— Joana... tinha uma escola... — Eu não sabia nem o que

perguntar.

— Sim. Ela havia recebido uma herança, igualmente da mãe


dela, sua avó, e resolveu realizar um de seus maiores sonhos. Ela

batalhou muito para ver essas paredes construídas.

O homem falava com uma nostalgia, orgulho na voz. E eu


permanecia chocada.

— Mas... é uma escola particular? — desta vez foi Gustavo


quem perguntou.

— Na verdade, é uma escola comunitária. Funciona como um


reforço, ensino de suporte, além de várias outras modalidades que
possuímos.

— Eu... quero conhecer mais a escola — eu queria ver mais


dos trabalhos feitos ali, como as crianças eram tratadas... só queria
saber mais.

— Claro. Estamos perto do horário de liberar algumas turmas

para o café da tarde, então não se assuste com a correria.

Saímos da sala e voltamos a andar pelo pátio, que era todo


desenhado. Havia várias amarelinhas, e vários outros, alguns que eu
imaginei terem sido feitos pelas crianças.

Estávamos chegando ao corredor, quando um sinal tocou e


várias crianças começaram a sair das salas correndo.

— Sem correr, crianças — Thiago gritou. — Agora os

pequenos são liberados para o lanche, e é sempre assim. Direto


cabeças se encontram pelos corredores.

Eu estava admirando toda aquelas crianças rindo e se


divertindo, algumas fazendo grupinhos para conversar.

— Eles vão tomar lanche agora? Podemos acompanhar?

Ele começou a nos levar em direção para onde as crianças


corriam. Peguei a mão de Gustavo e olhei para ele.

Acredito que poderia ver minha expressão em seu rosto,


porque ele estava igualmente fascinado, com os olhos brilhando
enquanto olhava para todos os lados.

Entramos em um salão, onde havia mesas retangulares

dispostas com bancos de cada lado. Algumas crianças já estavam


sentadas, recebendo um pão e caneca com algo para beber.

— O lanche hoje é pão com margarina e chá — Thiago


explicou. — Temos alguns colaboradores que doam alimentos para a
escola. Isso ajuda muito.

Depois de conhecer o refeitório saímos novamente para o


pátio, que estava um pouco menos bagunçado.

Havia um circulo feito por adolescentes, para onde fui me


aproximando, querendo entender o que estava acontecendo.
Confesso que um medo de ser uma briga estava fazendo minha
barriga se revirar.

Mas quando me aproximei o suficiente para entender, percebi


que estavam fazendo capoeira, como na aula de basquete, com um
professor auxiliando-os. Eram crianças de treze, quatorze anos para
cima. Eles batiam palmas enquanto dois deles estavam no meio
fazendo os passos. Era lindo de ver.

— Aula de capoeira. Eles adoram.

— O que mais vocês ensinam aqui? — virei para ele, pela


primeira vez deixando todo o meu fascínio e admiração
transparecerem.

Thiago retribuiu minha pergunta primeiro com um sorriso, e


depois nos levou para um corredor com quatro portas de cada lado.
— Esta é a sala de pintura. — Como a porta estava aberta,
conseguíamos ver crianças desenhando e pintando, algumas em
telas, outras em tecidos, muito compenetradas no que faziam. —
Esta é de costura. — Crianças um pouco maiores, que já sabiam
manusear agulha e uma máquina estavam dispostas em outra sala.
Podíamos ser vários tipos de costuras.

E assim ele seguiu nos mostrando. Sala de reforço de


matemática, alguns tipos de luta. Havia até mesmo uma área para

ginástica artística e natação. Era uma escola completa que se


mantinha em uma grande parte por doações.

Voltamos para o pátio que estávamos no começo e havia


algumas crianças brincando de amarelinha.

— Posso falar com elas? — questionei a Thiago, que


concordou.

Aproximei-me das três meninas que deveriam ter em torno de


seis a sete anos.

— Oi, meninas, posso brincar com vocês?

Todas as três me encararam com olhinhos curiosos.

— Você sabe brincar, tia?


— Mas é claro. Quando eu tinha a idade de vocês, fui
considerada a rainha da amarelinha.

Animada, uma das meninas me entregou uma pedrinha, que


eu joguei e comecei a pular.

— Como é o seu nome, tia? — uma delas me perguntou, e


então eu percebi que não havia me apresentado e nem perguntado o
nome delas.

— Que sem educação eu, não é? Me chamo Katrina, e


vocês?

Elas se olharam entre si, com os olhinhos arregalados.

— Você é a Katrina? — Uma delas perguntou, parecendo não

acreditar.

— A que a tia Joana tanto falava?

Aquilo sim, era uma surpresa para mim. Ela falava de mim

para aquelas crianças?

O que, exatamente ela dizia?

Mas deixei esses questionamentos para depois, e resolvi

aproveitar o momento com elas.

— Isso mesmo, e vocês?


Elas se apresentaram sendo Maria, Vitória e Luiza.

Fiquei um tempo brincando com elas, e quando olhei para


Gustavo, que conversava com Thiago, nossos olhares se

encontraram e ele abriu aquele sorriso que eu tanto amava.

Assim que as crianças foram chamadas para a aula, Gustavo

e Thiago se aproximaram de mim.

— Podemos voltar ao escritório?

Confirmei com a cabeça, e Thiago foi à frente, enquanto eu e

Gustavo estávamos alguns passos atrás. Apertei seu braço contra


meu corpo.

— Você estava tão linda brincando com aquelas crianças.

— Eu só pensava em quando Helena crescer, para brincar de


tudo com ela.

Novamente seu sorriso de lado, sexy, abriu-se para mim e ele


rapidamente encostou sua boca na minha, dando-me um beijo.

— Eu te amo, meu furacão.

Quando entramos na sala, voltamos a nos sentar, com Thiago


atrás da mesa, em uma cadeira maior.

— Você tem alguma pergunta?


— Eu fiquei curiosa em saber o nome da escola — foi

Gustavo quem externou a dúvida.

— Furacões do Futuro.

Assim que ouvi o nome, senti um aperto no meu peito. Joana

amava furacão, isso eu já sabia, era até mesmo o motivo do meu


nome. Mas... aquele nome parecia ter tanto significado.

— Ela dizia que o nome era em sua homenagem, Katrina.

Queria ter uma esperança no futuro. E ele representava você.

— Mas... eu não entendo.

— Qualquer dúvida, pode me perguntar.

Olhei para o lado, e Gustavo esperava pela minha pergunta.


Estendi minha mão no braço da cadeira, com a palma para cima e os

dedos abertos. Ele entendendo o recado, colocou sua mão sobre a


minha, e eu fechei, apertando-a.

— Por que para receber uma escola, eu tinha que ser


casada?

— Sobre isso — Thiago pigarreou, limpando a garganta — se

trata de uma segunda parte da sua herança. Sua mãe queria que
você tivesse um marido para conseguir a guarda da sua irmã.
CAPÍTULO TRINTA

Uma... irmã?

Isso era possível?

Minha cabeça voltou a girar naquele momento.

— Uma... — minha voz saiu em um fio — irmã? Como assim?


Que idade ela tem?

— Acho que eu posso começar a te contar a história do


começo, para que você não fique muito perdida. — Tinha como eu
ficar mais perdida do que já estava? — Eu sou advogado, era muito
amigo da sua mãe. Quando ela recebeu a herança, me procurou
para ajudá-la no sonho de ter uma escola comunitária. Ela tinha um
marido muito... Como eu poderia chamá-lo? Controlador. E ela dizia

para ele que a escola era um projeto meu, que ela estava aqui
apenas oferecendo seus serviços.

— Ela mentiu para ele? — Gustavo perguntou.

— Foi preciso. Ele ficou sabendo da herança que ela havia

recebido e... bom, queria para ele. — Thiago olhou para mim. — Sua
mãe só não te procurou por isso. Ele não a deixava ir atrás de você,
e ela tinha medo de entrar em contato com você escondida e as
duas sofrerem as consequências.

— Ela queria ir atrás de mim? — eu estava incrédula com tudo


o que estava ouvindo.

— Muito. Você era a pessoa que ela mais amava – até ter a
sua irmã, que ela dizia amar igualmente. Mas o marido a ameaçava,
chegava até mesmo a ameaçar você. Então ela resolveu que você
estaria muito melhor com o seu pai. Mas ela sempre me pedia para

ver como você estava. — Ele virou um dos porta-retratos que


estavam sobre a mesa, revelando uma foto minha na formatura da
faculdade, onde eu abraçava meu pai enquanto segurava o canudo

com o diploma.

Fechei os olhos, deixando que as lágrimas escorressem por


eles, levando toda a mágoa que eu senti por vinte anos.

Eu havia perdido uma vida ao lado dela, e isso tudo por culpa
de um homem.

Senti a mão de Gustavo no meu ombro, apertando-me


carinhosamente.

— Continua, por favor — pedi.

— Ela ficou grávida há um ano e meio atrás, logo no começo


da descoberta da doença, e resolveu não interromper a gestação e
ter a filha.

Eu tinha uma irmã... Meu Deus.

Minha ficha não cairia até eu pegá-la no colo.

— Quantos... meses ela tem? — Pelas minhas contas de

cabeça, teria entre nove e dez meses, mas eu estava muito


desnorteada para fazer contas.

— Hoje ela está com nove meses. É uma menina tão linda e
esperta — Thiago falava com certo carinho na voz.
— E por que ela quer que adotemos a criança? O pai... —
Gustavo deixou a pergunta no ar, sem coragem de completar.

Só de pensar em uma criança sofrendo nas mãos de um


louco, meu coração se apertava, ainda mais sendo uma tão
pequena, indefesa, e acima de tudo, minha irmã.

— Sim, o pai pode ser acusado de maus-tratos. Como a sua


mãe — ele se voltou para mim — sabia que não aguentaria muito
tempo por causa da doença, começou a preparar alguns
documentos. Eu tenho cartas registradas e vídeos dela pedido que a
pequena Laís ficasse com você. Mas depois que ela nasceu, o
comportamento do marido piorou muito, ele gritava com as duas,
chegou até mesmo a agredir Joana. Não a deixava cuidar da criança.
E temos isso em alguns vídeos, que ela já estava juntando para que
você conseguisse a guarda sem muitos problemas.

Meu Deus, a história ficava cada vez mais absurda. Como um


homem poderia ter coragem de fazer isso? Uma criança e uma mãe
doente.

Gustavo desceu sua mão para a minha, e eu sentia que


naquele momento quem mais precisava de conforto era ele.
Provavelmente estava pensando na pequena Helena. E minha mente
também vagou por ela, pensando em uma bebê tão indefesa,
pedindo por ajuda, e o pai negligenciando isso.

— Por isso, a exigência da sua mãe em receber a herança


apenas se casando, porque seria mais fácil conseguir a guarda da
Laís.

Claro, agora tudo faz sentido. E ter um tempo de casados,


poderia ser ainda melhor.

Mas durante esses seis meses, o que será que ela havia
passado?

— Com quem ela ficou nesse período de seis meses? —


externei minha dúvida.

— Com o pai. Mas temos pessoas de olho neles. O que


aconteceu, é que ele não liga muito para a criança também.
Acreditamos que o que ele fazia era por ciúmes de Joana.

— Vamos buscar essa criança! — Gustavo falou, quase dando


um pulo na cadeira.

Olhei para ele, que também tinha os olhos marejados de


lágrimas.
— Antes de vocês saírem fazendo qualquer coisa, tenho que
avisar, vocês o conhecem.

Olhei para Thiago com o cenho franzido, sem entender.

Como assim eu conhecia aquele homem? Não era possível.

— Ele é o Raphael, com quem você estava tratando da sua


herança. Joana não teve muita escolha, tendo que deixar com ele o
testamento.

Eu estava em choque. Aquele cara que parecia ser tão legal.

— Mas se vocês eram amigos, e você é advogado, por que


não com você?

— Novamente ameaças. Raphael sabia da herança de Joana,


e imaginava que ela havia deixado tudo para você, em dinheiro. Ele
me procurou várias vezes querendo receber, dizendo que você não
iria aceitar. Ainda bem que ele não sabia que eu estava
acompanhando você.

— A carta que eu recebi de Joana... — divaguei comigo


mesma, e Thiago deu um sorriso, confirmando com a cabeça. —
Mas e aquela primeira, que falava que ela nunca quis ter filha.
— Nunca teve uma primeira. A única foi a que eu deixei na
sua casa, logo após você se casar. Provavelmente, essa que você
diz, foi Raphael quem te mandou, querendo que você desistisse de
receber o que era seu por direito.

Lágrimas não paravam de descer por meu rosto.

— Vamos buscar sua irmã, Katrina. — Gustavo se levantou de


um rompante, empurrando a cadeira ao fazer isso, causando um
rangido do atrito com o chão.

Olhei para ele e sua mão, que estava estendida para mim e

aceitei, levantando-me também.

— Fico muito feliz que você tenha escolhido a pessoa certa,

Kat — Thiago me chamou pelo apelido, parecendo ter intimidade


comigo.

Provavelmente ele se sentia assim por passar vinte anos


conversando sobre mim com uma amiga.

— Eu escolhi o melhor — falei entre soluços.


CAPÍTULO TRINTA E UM

O sangue fervia por minhas veias, de tanto ódio que eu sentia


naquele momento.

Mantinha-me calmo apenas por sentir a mão de Katrina sobre


meu braço enquanto dirigia até o endereço que Thiago havia nos

passado.

Ele entregara também uma cópia com os vídeos de Raphael,


onde ele aparecia mal tratando a própria filha.
Só de pensar nisso, apertei o volante com mais força,
deixando as juntas dos meus dedos mais brancas.

— Vamos levá-la para casa, não é? — a pergunta saiu entre


dentes, e não encarei Katrina, mantendo meus olhos retos.

— Claro, não podemos permitir que ela fique mais nem um dia
com aquele doido.

Estendi minha mão para ela, que entrelaçou seus dedos aos
meus, e seguimos o resto da viagem assim.

Fomos direto para a casa do sujeito, pois já passava do


horário de expediente e porque estávamos indo com o único

propósito de pegar a criança.

Assim que chegamos, tocamos o interfone, e informamos,

com instruções de Thiago, que queríamos falar sobre a herança que


havíamos recebido.

Nossa passagem foi liberada, o portão da casa fez um


barulho, sendo destravado e entramos.

Fomos recebidos na porta da casa por um Raphael que tinha


um sorriso no rosto.
— Como foi lá? — ele caminhou até a gente. — Conseguiram

resgatar o dinheiro? Olha, se você não quiser a quantia, podemos


entrar em negociação.

Ele nem esperou que chegássemos perto para começar a

falar aquelas coisas. Ele achava mesmo que teria posse de alguma
coisa assim, fácil?

Minha vontade era chegar socando sua cara. Mas respirei


fundo, contendo meus nervos.

— Olá, Raphael. Foi muito esclarecedor. Podemos entrar para


conversar?

Katrina estava se mantendo muito bem, melhor até do que eu


esperava.

Entramos na casa, que era de tamanho médio, muito bem


conservada. Silêncio e organização, não deixavam notar que havia
uma criança dentro da casa.

Eu, como pai solteiro, diria que não tinha um bebê naquele

lugar, porque minha casa era cheia de brinquedos e coisas para


crianças, além de fotos espalhadas por cada canto. Mas aquele lugar
estava com a decoração impecável.
Assim que entramos, Raphael estendeu a mão, indicando que
sentássemos, mas Katrina recusou.

— Não quero incomodar, mas só vim buscar o que é meu.

O desgraçado franziu a sobrancelha, como se não entendesse

nada.

— Como assim? Achei que você tivesse vindo aqui para


conversar sobre a herança. O dinheiro que você deve ter recebido.

Katrina deu um passo à frente, deixando-me um pouco para


trás. Fiquei observando a cara do filho da puta, cínico.

— Eu já sei de tudo, e você não vai ficar com ela. Então me


diz onde minha irmã está, e vamos embora.

Ele desfez a cara feliz na mesma hora.

— Como assim...?

— Eu já sei de tudo. Você era casado com Joana, têm uma


filha juntos.

— O que aquele otário do Thiago te contou? — Ele deu um


passo à frente, agigantando-se sobre Katrina, que recuou.

Coloquei-me em alerta, caso precisasse agir, mas ele parou

em seguida.
— Ele me contou tudo, sobre seu casamento, como você era
controlador, e até mesmo os maus-tratos com Joana e a filha.

O cara deu uma risada sarcástica, mas não conseguíamos ver


do que ele estava achando graça, tanto que eu e Katrina não
reagimos.

— Ele estava mentindo. É claro. porque ele quer o dinheiro da


herança para ele. Pode apostar.

— Não tem dinheiro, Raphael. O que Joana me deixou, foi a


minha irmã, e eu só saio daqui com ela.

Assim que ele abriu a boca para responder, um choro


irrompeu pela sala. Todos nós olhamos para o alto da escada, e vi
quando Raphael revirou os olhos.

— Eu vou buscá-la — Katrina quase gritou, eu só não sabia


se era para mim, Raphael, ou si mesma.

Mas quando deu um passo em direção as escadas, Raphael


se colocou à sua frente, novamente se avolumando sobre seu corpo.

Ele era muito maior e mais forte que ela, o que poderia
amedrontá-la, mas a mulher que eu conhecia nunca permitiria isso
acontecer.
— Você não vai entrar na minha casa assim, desde que tenha
um mandado.

— Um pen drive cheio de vídeos onde mostra você gritando


com uma criança, impedindo a mãe de cuidar da própria filha e
vários outros iguais, não te deixariam tão bem com a polícia.

Katrina retirou o pen drive do bolso, mostrando-o para


Raphael.

Ele deu mais um passo à frente, na intenção de pegar o


objeto, mas ela o escondeu rapidamente atrás das costas.
Novamente me endireitei, esperando qualquer reação dele que eu
precisasse agir. E foi o que aconteceu, assim que ele segurou o
braço de Katrina com força, coloquei-me em ação.

Eu não queria interferir na situação, esperava que tudo fosse


pacífico, mas não deixaria aquele babaca encostar um dedo na
minha mulher.

Apressei-me na direção dele, agarrando sua mão e afastando-


o de Katrina. Aproveitei que já estava com a mão na massa e desferi
um soco em seu queixo, que era o que eu vinha querendo fazer
desde que cheguei nessa casa.

— Você não vai encostar um dedo nela, seu merda.


O homem tombou de lado e aproveitei para dar outro soco,
que o fez cair sentado, levando a mão ao queixo, onde já escorria
um filete de sangue.

— Sobe e pegue a criança, vou te esperar aqui embaixo com


ele — disse para Katrina, que apenas acenou com a cabeça e saiu
correndo escadas acima.

Quando estava sozinho com Raphael, cogitei em dar mais


alguns socos nele, mas o cara parecia estar tão acuado, que decidi

não gastar minhas forças físicas com ele. A mental já estava de bom
tamanho.

— Se você ameaçar mais uma vez chegar perto de alguma

delas, eu juro que te mato.

Eu não era dado à violência. Isso ia contra alguns dos meus

princípios, mas algumas situações mereciam aquilo. Ainda mais


quando era para proteger as pessoas que eu amava.
Levei um susto com o soco que ecoou nos meus ouvidos.
Poderia jurar que ouvi algum osso se partindo, mas não me importei

muito naquele momento, e apenas torci para que fosse algum do

rosto de Raphael.

— Você não vai encostar um dedo nela, seu merda — a voz

de Gustavo irrompeu, saindo de sua garganta com força e raiva. —


Sobe e pegue a criança, vou te esperar aqui embaixo com ele.

Não esperei mais nem um segundo, e saí em disparada ao


som de choro. Quando cheguei no andar de cima, fui para a porta

que estava aberta, entrando em um quarto de bebê.

A pequena estava no berço e seu choro ecoava ainda mais


alto.

Aproximei-me dela, e assim que viu um rosto, ela foi parando


de chorar. Era como se ela apenas quisesse ter a certeza de que não

estava sozinha.

Era uma criança linda, gordinha, e fofa. Tinha os cabelos lisos


e pretos, que me lembraram os de Helena.

Aproximei-me mais ainda dela, estendendo um dedo e


passando por suas bochechas, secando as lágrimas que ainda

estavam escorrendo.
— Oi, irmã.

Assim que ela ouviu minha voz, agarrou meu dedo que ainda

estava em seu rosto, apertando-o com força.

Respirei fundo, deixando também que lágrimas escorressem

por meu rosto. Era ainda mais doloroso olhar para ela e pensar no
quanto sofria com a falta de uma mãe e o amor de um pai. Apesar de

não ter Joana presente na minha vida, meu pai nunca me deixara
faltar nada, desde amor, carinho, estudo, a bens materiais.

— Você não vai mais estar sozinha, pequena.

Tirei-a com cuidado do berço e fui para as gavetas da cômoda


que ficavam no quarto. Ela não precisaria de roupas, produtos de

higiene ou qualquer coisa assim, já que em casa eu teria tudo o que


ela precisaria, mas estava em busca de algum documento dela que

pudesse levar.

E achei em uma das últimas gavetas de uma cômoda, em


uma pasta, sua certidão de nascimento junto com a carteira de

vacinação e RG, conferindo o nome dela e da mãe.

Coloquei tudo na minha bolsa, peguei uma mantinha para

enrolar Laís e saí do quarto.


Quando cheguei às escadas, encontrei Gustavo ainda em pé,
encarando Raphael que estava sentado no chão encostado no sofá.

Gustavo o encarava como um predador. Com uma cara de

poucos amigos.

— Estou pronta, vamos — anunciei.

Assim que terminei de descer as escadas Gustavo ergueu os

olhos para mim, conferindo tudo.

— Tudo certo?

Afirmei com a cabeça e ele lançou mais um olhar para o


homem que se encontrava no chão. Só com o olhar, ele passava

todo o recado que queria dar .

Saímos da casa apressados e entramos no carro. Sentei no


banco de trás para colocar Laís na cadeirinha e Gustavo começou a

dirigir.

— Como ela está?

— Está bem, acredito que com fome. — Fiquei encarando-a


enquanto ela parecia fazer o mesmo comigo, em silêncio.

Naquele momento, eu estava aceitando minha irmã na minha

vida, assim como ela a mim. E eu não deixaria que nada de ruim
chegasse perto dela. Não enquanto eu pudesse evitar.

Ela e Helena se dariam muito bem.

Vi quando ela abriu um sorriso para mim, banguela e cheio de


baba, mas senti como se aquilo fosse um sinal. Um de que tudo

ficaria bem, que ela estava se sentindo segura comigo.

Enchi meus pulmões de ar, sentindo meu coração se encher


de um amor que eu nunca tinha sentido antes.

Aquela bebê agora era minha, e ninguém iria tirá-la de mim.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS

A escola estava se tornando um dos meus lugares favoritos


no mundo.

A cada dia que passava ali, aprendia mais sobre os


moradores da comunidade, sobre as crianças. E estava

conseguindo, digamos que atuar, na minha área, já que pedagogia


era o que eu sempre sonhei. Dar aula e ensinar crianças era algo
que me deixava muito feliz.

Meu pai havia entrado como colaborador na escola, ajudando


em tudo o que podia, ainda disponibilizando algumas aulas sobre
direito para adolescentes.

Eu estava muito feliz.

— Kat, as crianças — Fernanda, que trabalhava na ala de


berçários, entrou na sala em que eu estava empurrando um carrinho
de bebê duplo onde estavam minhas duas crianças.

Eu lhe agradeci que posicionou o carrinho à minha frente, com

as duas lado a lado entretidas com um brinquedo e saiu da sala,


deixando-nos sozinhas.

Parei tudo o que estava fazendo e fiquei observando-as.

As duas estavam se dando muito bem, eram carinhosas uma

com a outra, e a diferença de idade era um mês praticamente.


Enquanto Laís estava com dez, Helena tinha nove. O que era ótimo

também, pois assim elas dividiam tudo.

Laís estava com a gente há quase duas semanas, e eu já


poderia dizer que não conseguiria viver sem aquela criança. Gustavo
também se apegou a ela muito rápido, e estávamos felizes demais.

Em menos de um ano, minha vida tinha virado de cabeça para baixo


e eu me casei, tornei-me mãe de duas crianças e tinha uma escola
para dirigir.
— Oi, amor. — Gustavo entrou na sala interrompendo meus

pensamentos.

Ele parou ao lado do carrinho, dando um beijo na cabeça de


cada menina e veio em minha direção, dando-me um beijo também,

mas este na boca.

Eu nunca me cansaria daquilo também. Ver Gustavo como pai


era divino. O amor que ele já dava para Helena, e depois começou
com Laís, deixava-me mais apaixonada a cada dia. E sem falar no
amor que ele me dirigia também.

— Oi. Você vai embora com a gente?

Ele vinha ajudando na escola, em algumas reformas, e até


mesmo administração, que era a sua área. Além de dar algumas
aulas para ajudar adolescentes escolherem no que se
profissionalizar. Além de ter conseguido um trabalho no escritório do
meu pai, auxiliando em algumas coisas quando ele precisava na
área de administração.

— Estamos terminando de pintar a calçada, então vou ficar


mais um pouco.

Já passava das duas da tarde e eu teria que me encontrar


com meu pai, já que havíamos combinado de nos encontrarmos em
sua casa.

Ele fazia questão de que eu fosse visitá-lo todo final de


semana, e principalmente levasse suas netas.

Sim, ele tinha adotado as duas como netas, assim como Vera

as considerava também. E as duas eram os xodós deles.

Provavelmente Taís e Helena estariam lá também, já que as


duas babavam naquelas meninas também.

O processo de adoção de Laís estava caminhando, e com a


ajuda de Thiago, que também havia sido contratado pela empresa do
meu pai, estávamos muito adiantados em tudo – os vídeos e
documentos que Joana havia nos deixado, também estavam
ajudando muito.

— Vou para casa dar banho nas encrencas, então e se você


chegar a tempo, saímos juntos, ou qualquer coisa me encontra na
casa do meu pai, ok?

Ele deu aquele sorriso de lado, que eu amava.

— Tudo bem, quero minhas garotas bem cheirosas.

— E eu? — fiz biquinho, encenando uma cara de brava na


brincadeira.
— Ah, você não é minha garota, por acaso?

Meu sorriso se abriu mais ainda e ele me deu outro beijo, um


pouco mais aprofundado, até que as meninas soltaram alguns sons,
chamando nossa atenção.

Gustavo passou pelas meninas, dando outro beijo nelas e saiu


da sala.

Não demorei muito a sair também, passando pela calçada que


eles estavam pintando e elogiando o trabalho. Estavam fazendo
algumas artes na parede também, para representar a diversidade, e
vinha ficando muito bonito.

Afivelei cada criança em uma cadeirinha do carro e parti para


casa.

Assim que cheguei, não notei nada diferente. Tirei as crianças


do carro, colocando-as no carrinho e entrei pelo portão da frente, já
que sairia logo de novo, não via motivo colocar o carro na garagem.

Não havia notado nada de diferente, por isso entrei como se


fosse mais um dia comum na minha rotina. No meio do caminho,
quando já tinha passado pelo portão e estava a caminho da porta,
para entrar na casa, Helena deixou cair um de seus brinquedos,
então parei o carrinho e fui pegá-lo. Ela balbuciou alguma coisa,
dando risada como sempre, quando jogava algo no chão.

— Sua sapeca arteira. — Apertei seu nariz delicadamente, e


devolvi o brinquedo para o carrinho.

Quando estava pronta para voltar a empurrar, senti um braço


ao redor do meu pescoço, como um mata leão.

— Em silêncio, vamos para a casa.

Uma voz masculina falou no meu ouvido.

Eu não tinha muito que fazer, a não ser obedecer. Ainda mais
com duas crianças sob minha proteção. Eu ainda não sabia quem
era aquele louco, mas a voz não me era muito estranha.

Comecei a empurrar o carrinho, enquanto sentia um cano na


lateral da minha barriga, provavelmente uma arma.

Assim que cheguei à porta, a pessoa me obrigou a abri-la,

sem olhar para trás e entramos.

Quando já estávamos dentro de casa, que consegui me virar


para encarar quem era o sujeito.

— Raphael... — Eu estava incrédula com uma pontada de


terror.
— Você achou mesmo que entraria na minha casa, levaria
todo o meu dinheiro e essa pirralha sem me dar nada em troca?

Dinheiro? Ele ainda acreditava na teoria de que Joana havia


me deixado algum dinheiro como herança?

— Não levei dinheiro nenhum seu. Mas olha, fala para mim
quanto você quer, que eu te passo — tentei no desespero.

— Acha que sou burro? Aquela vadia te deixou uma bolada.

Ou você aceitaria ficar com uma criança chorona por pouco?

Não respondi aquilo, apenas fiquei observando quando ele

puxou uma cadeira da mesa que estava próxima, jogando na minha


direção.

— Senta ai, com os braços no encosto. Vou me precaver de


que você não faça nada.

Ele iria me amarrar. Eu tinha que pensar com lucidez, pois

minhas crianças estariam desprotegidas.

— Olha, não precisa disso, podemos conversar, entrar em um

acordo, se for dinheiro que você quer, eu te dou.

— Cala a boca e faça o que eu estou mandando — ele gritou,

assustando Laís e Helena, que pularam no carrinho, começando a


chorar.

— Olha, eu não posso deixá-las assim... por favor —


supliquei.

— Essa daí — ele apontou para Laís — já está acostumada,


não se preocupe.

Sem conseguir argumentar com ele, sentei-me na cadeira e

ele tirou uma fita adesiva enrolando meus dois braços, imobilizando-
me.

Tentava acalmar as meninas, mesmo presa, conversando com


elas e fazendo-as rir. Eu mantinha a esperança de que conseguiria

fazer aquele louco ceder, ou que ao menos Gustavo chegasse a


tempo de fazer alguma coisa.

— Vamos bater um papo, já que essas choronas ficaram


quietas? — Ele puxou uma cadeira, virando o encosto na minha

direção e sentando-se de frente para mim, encostando os braços no

apoio, ainda segurando a arma na mão. — Para começo, lembra


aquela carta que você recebeu da sua mamãezinha? — Ele esperou

uma resposta, como não veio, ele continuou: — Fui eu que forjei.
Não precisei de muito, apenas pagar para uma mulher escrever.

— Você é um louco.
— Engraçado, sua mãe falava a mesma coisa. Pena que eu

não deixava vocês se reencontrarem para falarem as duas juntas.

— Seu doente. — Eu tinha que me controlar, pensar nas


crianças, mas era impossível naquelas situações.

— Ela traiu seu pai comigo, sabia? E eu a convenci a fugir,


mas ela insistia em te levar junto. Mas como eu ia embora com uma

mulher e uma criança no nosso pé? Então a convenci de que


poderíamos te buscar quando estivéssemos mais estáveis.

Inconscientemente, lágrimas começaram a rolar por meu

rosto. Por todos esses anos eu mantive uma certeza comigo mesma
de que ela havia ido embora e me deixado por vontade própria, que

era de desejo dela nunca mais ver a filha. E pensar que eu só não
tive uma mãe presente na minha vida, por causa de um homem

machista, controlador e psicopata me deixava irada.

— Quando ela ganhou uma herança gorda, eu queria que a

colocasse em uma conta, em conjunto comigo, sabe? — ele deu


uma piscadinha para mim. — Mas ela disse que ainda não poderia

retirar, e foi me enrolando cada vez mais. Então resolvi que com uma
filha, talvez ela liberasse. Aí... — Ele levantou um dedo em riste,

como se tivesse uma ideia brilhante. — Eu pensei “e se ela morrer, o


dinheiro poderia ficar comigo, digo, com o bebê e o bebê comigo”.
Então comecei a colocar pequenas doses de veneno na sua comida.

Mas Deus é tão bom, que logo ela descobriu uma doença, e em

seguida a gravidez. Ela ficou tão feliz com aquela segunda chance
de ser mãe, que não quis mais os tratamentos, e priorizou a vida que

crescia dentro dela. Meu plano estava indo muito melhor do que o
esperado.

Com cada palavra que saía da sua boca, mais lágrimas


rolavam por meu rosto.

— E então você se enganou, achando que ela deixaria tudo


para Laís.

— É claro. Eu acreditava que ela havia finalmente esquecido

você. Quando ela me disse que no testamento deixava tudo para a


filha, jurei que era para ela — ele apontou para a pequena, que por

sorte ainda se mantinha em silêncio. — Mas aquela vaca me


enganou. Estava tudo no seu nome, e ainda com enigma. Se casar...

— ele soltou uma risada. — Eu tentei falar com aquele


advogadozinho de merda para me liberar o que ela havia deixado,

mas ele disse que só podia ser para você. Então não tive escolhas a
não ser entrar em contato com você. Mas minha intenção era que
você odiasse tanto a sua mãe, que depois de pensar que, para ela,

dinheiro pagaria a falta de amor, você se revoltaria e me daria tudo.

— Você não poderia estar mais enganado. Minha mãe —


aquelas duas palavras saíram cheias na minha boca. Era como se

eu estivesse aceitando pela primeira vez – ou segunda – que Joana


era a minha mãe, sem nenhuma amarra nos separando — me

deixou coisa melhor que dinheiro. Eu tenho uma escola, que ela
fundou. E o melhor de tudo, tenho uma irmã, que passei a amar mais

que tudo. E nada, nem dinheiro nenhum no mundo, paga por essa
herança.

— Mentira — ele gritou novamente.

Em um rompante, ele pegou a cadeira em que estava


sentado, jogando-a por sobre a mesa de centro, fazendo um

estrondo no local, o que levou novamente as crianças a se


assustarem, voltando a chorar.

Ele dava sinais de descontrole, nervoso, provavelmente sob


efeito de alguma coisa, álcool ou droga, eu não sabia.

E isso me deixava igualmente nervosa, tentando acalmar

Helena e Laís, enquanto torcia para que Gustavo chegasse logo.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

As coisas não poderiam estar indo melhor. Havia conseguido


um emprego na empresa do meu sogro, e tinha sido por mérito,

passei por cada etapa de contratação. Estava feliz com uma mulher
linda que amava, e tinha duas filhas saudáveis.

Sem contar com o trabalho maravilhoso que fazíamos naquela


escola.

Era sábado e estávamos terminando a pintura da calçada.


Mas o resto do serviço teria que ficar para o dia seguinte, já que
começava a ficar tarde, e eu teria que ir para a casa de Claudio que
nos esperava todo sábado.

— Acho que podemos parar por hoje — falei com Thiago que
ajudava na reforma junto com outros meninos que faziam parte da
escola, alguns eram até alunos.

— Fizemos um bom trabalho por hoje.

Thiago havia se tornado um amigo em muito pouco tempo. Ele


vinha ajudando com o processo de adoção de Laís, e com a escola,
nos víamos quase que diariamente.

Trocamos tapinhas cordiais nas costas e eles começaram a

entrar, guardando as latas de tinta. Peguei minha blusa do chão e


passei pela cabeça. Quando levantei meus olhos, vi uma cena que
jurava que demoraria um pouco mais para acontecer.

Minha mãe vinha caminhando em minha direção, segurando


sua bolsa contra o corpo.

Eu não a via ela desde o dia que estivera na minha casa

pedindo dinheiro e causara toda a confusão com Katrina. Havia


conversado por telefone apenas uma vez para pedir uma conta na
qual poderia transferir o dinheiro do qual precisava.
Naquele momento eu jurava que era disso que ela precisava:

mais dinheiro.

— Oi, meu filho — ela estava desconfiada. Pois então éramos


dois.

— Oi. — Eu poderia ter soado seco demais, mas até descobrir


o que ela queria comigo, era assim que eu a trataria.

— Como você está?

— Estou bem. E... — ponderei um pouco antes de fazer a

pergunta — E você?

— Estou limpa. — Ela abriu os braços. — Há mais de um


mês. Estou indo em reuniões. E parei de jogar.

Um soluço escapou da minha garganta. Eu não queria mostrar


vulnerabilidade, fragilidade ou qualquer coisa do tipo, mas aquilo era
o que eu sempre esperei ouvir dela. E era jogado assim, como uma
bomba em cima de mim.

— Fico muito feliz com isso — era tudo o que eu conseguia


dizer no momento.

— Eu queria conversar com você, meu filho, mas em


particular.
Olhei para um lado e outro da rua. Não era um bom horário
para permanecer parado no meio de uma rua movimentada, e pela
cara dela, teríamos muito a conversar mesmo, então indiquei que
entrasse, para que conversássemos em um lugar mais reservado.

Caminhamos para uma das salas de Katrina, que eu sabia


que ela não se importaria e nos sentamos no sofá que tinha
disponível no lugar.

— Pode dizer, o que você quer, mãe?

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, uma sucessão de


soluços escapou de seu peito e ela começou a convulsionar,
indicando que estava chorando.

Eu fiquei sem reação, vendo-a com a cabeça baixa, mãos no

rosto, próxima aos joelhos. Levantei minhas mãos com calma e


posicionei sobre suas costas. Como não houve retaliação de sua
parte, comecei a fazer movimentos lentos subindo e descendo,
tentando acalentá-la.

Há alguns meses atrás, aquela cena seria impossível de ser


vista. Pelo menos partindo de mim. Eu não era dado a carícias,
afeto, ou qualquer coisa do tipo, a não ser com a minha filha. Mas
Katrina estava me mostrando outro lado de um mundo que eu estava
amando conhecer. Ela era carinhosa ao extremo, e me cobrava isso.
E assim uma nova versão melhorada de um Gustavo mais coração
mole nascia a cada dia que eu passava com ela.

Continuei movimentando até que a senti melhorar.

— Quer que eu pegue um copo de água? — ofereci.

Mas ela recusou com a cabeça, enquanto limpava as lágrimas


dos olhos.

— Eu comecei na reunião. Em várias, da igreja, do alcoolismo,


jogos. E estou aprendendo tantas coisas nelas. E venho analisando
o quanto eu era uma mãe ruim. — Ela levou a mão delicada ao meu
rosto. — Eu não te dei o carinho e amor que você precisava, meu
filho.

Abaixei minha cabeça. Realmente minha mãe não era um


exemplo. Sempre foi muito dura, nada de carinho ou afeto, além de
outras coisas. Eu havia aprendido a ser frio com ela.

Permaneci sem dizer nada, pois não iria discordar daquelas


afirmações para fazê-la se sentir aliviada, mas também não iria jogar
nada na sua cara.
— E eu quero mudar isso, provar que estou melhorando, ser
uma avó melhor para a sua filha.

Quando me dei conta, lágrimas pingaram no short de malha


que eu usava. Sequei-as rapidamente.

— Se você quer uma chance para melhorar, e mostrar isso,


saiba que tem todo o meu apoio.

Novamente ela secou as lágrimas que escorriam por seu


rosto.

— Fiquei sabendo que a sua esposa é quem comanda essa


escola comunitária... — confirmei. — Será que ela não aceitaria uma
pessoa para trabalhar? Eu posso fazer qualquer coisa, desde limpar,

cozinhar, ou até mesmo ensinar algumas coisas que eu sei. Cursos


sobre o mercado empresarial, dicas, qualquer coisa.

— Posso ver com Katrina sobre isso. Tenho certeza que ela
poderia arrumar uma vaga. Mas não posso te garantir nada, quem
pode fazer isso, é somente ela.

Ela concordou e conversamos um pouco sobre a escola


enquanto a levava para o portão, já pronto para ir embora também.
— Será que eu poderia ver a... — ela pareceu pensar um
pouco, tentando lembrar o nome da neta — Helena qualquer dia
desses?

— Claro. Ela fica na creche aqui da escola. Se tudo der certo,


vocês poderão se ver todos os dias. — Ficamos os dois em um
silêncio constrangedor por alguns segundos. — Você quer uma
carona?

Apontei para o meu carro que estava estacionado próximo.

— Não precisa, obrigada. Vou pegar um ônibus. — Ela

apontou para um ponto que ficava próximo. E novamente o silêncio


reinou, até que ela o quebrou: — Eu... poderia te dar um abraço?

Aquilo sim me pegou de surpresa. Apenas balancei a cabeça,


concordando e seus braços se apertaram ao redor da minha cintura.

Demorei um pouco para corresponder e entender o que


estava acontecendo, mas assim que o fiz, meus braços também se

fecharam ao seu redor e eu inalei o perfume que vinha da sua

cabeça, captando aquele momento para que ele suprisse cada um


que eu havia tido na minha infância.

Eu poderia ter novas memórias com a minha mãe, e isso me


deixava muito feliz.
— Aquela moça fez por você, tudo o que eu não fiz. Ela esta
te fazendo muito bem.

— Ela está. Eu estou construindo a melhor família que eu

poderia ter, com ela.

Após me despedir dela, dirigi para casa, para minhas

meninas, os amores da minha vida.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

Eu me sentia leve como há muito tempo não sentia.

Era como se tivesse tirado um peso que faltava de cima das

minhas costas. Para ficar completa a minha felicidade, só quando


estivesse com os papéis da adoção de Laís todos prontos. Mas isso

logo se resolveria.

Coloquei uma música no carro enquanto dirigia para casa e


aproveitei para olhar no relógio. Havia demorado mais do que
esperava e Katrina provavelmente já estava na casa do pai, cogitei
em ir direto, mas estava muito sujo de tinta para não tomar um banho
primeiro.

O trânsito estava mais movimentado, por ser sábado à tarde,


então demorei um pouco mais que o habitual para chegar em casa,
mas assim que cheguei na rua, estranhei por ainda ver o carro de
Katrina estacionado na frente da nossa casa.

Estacionei o meu logo atrás, desci e dei uma conferida dentro

do veículo, porque às vezes ela optava por ir de táxi para os lugares,


e como iria no pai, poderia ter feito isso para voltarmos em um único
carro quando eu chegasse lá. Mas as cadeirinhas das meninas
estavam no carro dela, e eu sabia que ela jamais as levaria sem a

segurança necessária.

Com um medo percorrendo minha espinha, comecei a entrar

no quintal, aguçando meus ouvidos para prestar atenção se alguma


coisa anormal estivesse acontecendo. Fui a passos calmos até a
porta de entrada, notando que estava destrancada, mais uma coisa
que Katrina nunca faria.

Empurrei a porta com o máximo de cuidado para não fazer


barulho.
— Vocês acharam que seria fácil assim? Entrar na minha

casa, levar minha filha, meu dinheiro e tudo, e simplesmente sair


pela porta da frente como se nada tivesse acontecido?

Eu nem precisava reconhecer a voz. Era Raphael.

— Você e seu maridinho não vão pagar simplesmente com


dinheiro, fácil assim.

Abri mais um pouco a porta e vi Katrina presa à cadeira.


Helena e Laís estavam no carrinho, próximo a ela. Ao menos ele não
tinha feito mal a nenhuma das três. Ainda, pelo menos. Comecei a
tremer e ficar ofegante. Aquilo não poderia estar acontecendo.

Em um minuto estava tudo bem, feliz, e no outro, parecia que


o mundo desmoronaria sobre minha cabeça. Mas eu não poderia
perder o controle, as pessoas que eu amava precisavam de mim.
Respirei fundo três vezes, tentando recuperar meu controle. Estava
na hora de pensar com um pouco mais de racionalidade, de agir
friamente.

Afastei-me da porta, indo para os fundos. Antes mandei uma


mensagem para Taís, pedindo que chamasse a polícia para minha
casa. Como não queria fazer barulhos, minha única opção no
momento, era contar com a sua ajuda, já que eu não me afastaria
dali.

Cheguei nos fundos da casa, usando minhas chaves para


destrancar a porta e entrar sorrateiro.

Parei na porta de entrada da sala, observando como estaria a


minha situação.

Se eu fosse um pouco mais prudente, esperaria a polícia


chegar, eles saberiam como agir, como lidar com toda a situação.
Mas ao mesmo tempo eu confiaria apenas em mim mesmo para
salvá-las.

Tentei olhar para dentro da sala, avaliando como estavam as


coisas.

Aparentemente Raphael estava sozinho, e a julgar por sua


agitação ele não estaria muito sóbrio. Mas infelizmente estava
armado. E aquilo me deixou mais receoso ainda. Se ele estava puto
por termos tirado sua filha, o que ele poderia fazer com a minha para
se vingar? Ou até mesmo com as três, já que ele não tinha
consideração com a própria filha?

Comecei a tentar pensar em estratégias para controlar a


situação, mas minha mente não parava de girar cogitando
alternativas prudentes ou corretas, então eu teria que agir no
impulso.

Katrina levantou os olhos e como estava na minha frente,


dirigiu-os para mim. Notei quando ela começou a ficar nervosa e
agitada, então coloquei um dedo sobre os lábios, pedindo que
permanecesse em silêncio e não fizesse alarde sobre a minha
presença. Ela confirmou com um pequeno meneio de cabeça.

— Eu, te conhecendo hoje, duvido que minha mãe te amasse.


— Novamente ela olhou de esguelha para mim e entendi que estava
tentando entreter Raphael para que eu pudesse agir.

Seja lá o que eu pretendesse fazer.

— Se fosse assim ela não teria fugido comigo — ele falou

mais alto, ríspido.

— As pessoas se enganam no começo. Você sabe que se ela


tivesse a oportunidade, teria ido embora.

Raphael continuava agitado, nervoso, andando de um lado


para o outro. Até que parou na frente de Katrina, apontando a arma
para sua cabeça. Foi no momento em que ouvi sirenes de policia ao
fundo, provavelmente chegando pelo pedido de Taís. Eu tinha que
agir, pois se ele ficasse ainda mais nervoso, ou com medo... eu não
queria nem pensar no que poderia acontecer.

Sem nem pensar muito no que estaria fazendo, saí em


disparada ao corpo de Raphael, pulando em suas costas e
agarrando a mão que segurava a arma. Eu sabia que era um ato
muito arriscado e impensado, mas eu não ficaria vendo um louco
apontar uma arma para a mulher que eu amava e não iria fazer
nada.

Como tinha o fator surpresa ao meu lado, consegui torcer sua


mão e fazê-lo soltar a arma, e assim que o vi livre do objeto, fiquei de
frente para ele. Antes que pudesse reagir, desferi um soco no seu
maxilar direito, pegando em cheio, para em seguida pegar o lado
esquerdo, ele não demorou muito para tombar para trás, caindo
sentado como na primeira vez em que eu o havia socado. Aproveitei
que estava desnorteado, fui em direção à arma, colocando-a na
cintura, em seguida passei na cozinha, pegando uma faca para
cortar as fitas que prendiam os braços de Katrina à cadeira. Quando
ela estava solta, puxei-a para mim, abraçando-a e beijando-a em
desespero.

— Pegue as meninas e vá para fora de casa. A polícia está


chegando. Manda eles para cá, vou ficar de olho nele. — Apontei
para o monte de bosta em forma de homem que ainda estava jogado
no chão.

— Não, Gustavo, vamos sair daqui. — Katrina chorava, de


raiva, medo e alivio provavelmente.

— Vai ficar tudo bem comigo, meu amor. Leva as meninas


para um lugar seguro, e eu prometo que assim que os policiais
chegarem, eu vou até você.

Ela apenas concordou com a cabeça. Eu podia senti-la


tremendo contra minha mão.

Segurei seu rosto firme, com uma mão em cada lado e


encostei nossos lábios, em uma tentativa de acalmá-la.

— Você foi muito corajosa. Eu te amo — falei enquanto dava


vários beijos nela.

Parei em frente às minhas filhas – porque Laís já era minha,

em pouco tempo que aquela menina fazia parte da minha vida,


conquistara meu coração – e depositei um beijo na testa de cada

uma. Como ainda estavam no carrinho duplo, Katrina saiu


empurrando-as. Respirei mais aliviado quando as vi sair pela porta,

seguras.
— Agora, você fica quieto, né, seu desgraçado?

Raphael estava sentado, apoiando um dos braços no sofá, e


eu desferi um chute em sua costela. Eu sabia que estava desarmado

e já rendido, mas a raiva que percorria meu corpo era muito grande.

— Espero que você aprenda a lição e nunca mais chegue

perto da minha família. — Desferi outro chute.

Fiquei um curto tempo com ele ali, jogado no chão sob a mira
da própria arma até que policiais chegaram invadindo a casa.

Raphael estava tão absorto, chapado, e provavelmente com dores


dos socos e chutes, que não conseguia parar em pé e saiu

amparado pelos policiais.

Sai logo atrás deles, encontrando uma Katrina que correu

para os meus braços assim que me viu.

— Estava tão preocupada com você, com o que aquele louco

poderia ter feito.

Dei um beijo nela, passando as mãos por seus cabelos


enquanto dava graças a Deus por tê-la na minha vida.

— Eu não poderia perder você, Katrina. Ou nenhuma das


nossas filhas. — Olhamos para trás, onde Taís e Erica brincavam
com cada uma em seus colos. Provavelmente minha amiga veio para

cá quando lhe mandei a mensagem. — Vocês são os combustíveis


do meu dia. Quando o vi com uma arma apontada para você, só

pensei em agir e tirar vocês de lá.

— Você não deveria ter se arriscado assim. Tinha que esperar


por ajuda.

Ela estava um pouco mais calma. Pelo menos havia parado


de chorar.

— Por vocês eu daria minha vida. Eu amo vocês.

Não deixei que respondesse, puxando-a novamente para


minha boca, mas dessa vez aprofundamos o beijo.

Quando nos afastamos ela apoiou a cabeça no meu peito e eu


a apertei contra mim.

— Eu também te amo — sussurrou.

Eu tinha a minha família a salvo. Todas bem e com saúde,


apesar do susto. E isso era o que me importava. Não deixaria que

nada de ruim acontecesse às minhas garotas.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO

Enquanto uma estava na minha frente, erguendo as pernas e


comendo um dos pés, enquanto eu colocava uma fralda, a outra

estava pronta no berço, resmungando em sua língua de bebê.

— Pois é, Laís, essa sua irmã só sabe reclamar... — fiz careta


para ela, que deu uma risada enquanto babava no pé.

Desde que Raphael havia sido preso – e que cumprisse uma


pena grande –, a guarda provisória dela passou para mim, por ser
irmã legitima, mas naquele dia, havíamos conseguido a guarda
definitiva, e a partir daquele momento Laís era minha, seja como
filha, irmã, ou o que ela quisesse.

Ter duas filhas com vinte e quatro anos não estava nos meus
planos, mas a gente nunca sabe o que o futuro nos espera. E eu
gostava muito das surpresas que o meu havia reservado.

— E agora, divide esse pezinho com a mamãe? — Peguei o


outro pé que ela não segurava, fingindo morder e arrancando

gargalhadas dela.

Assim que terminei de trocar Laís, peguei Helena do berço e


comecei a descer as escadas com cada uma em um braço.

Eu via cenas assim frequentemente, e pensava no quanto


aquelas mães eram fortes, mas que eu nunca conseguiria fazer
aquilo. Mas a verdade é que quando se descobre que a vida
daqueles seres tão pequenos depende de você, a força nasce e fica
cada vez maior.

Confessava que logo não conseguiria fazer aquilo, já que elas


pareciam comer fermento e a cada dia que passava estavam
maiores e mais pesadas.

Enquanto estava no meio da escada, descendo com cuidado,


Gustavo, que vinha entrando pela porta dos fundos, adiantou-se na
minha direção.

— Essa mamãe é forte, mas pode pedir ajuda para o papai


também.

Ele pegou Laís dos meus braços, beijando e cheirando a


curva de seu pescocinho, o que a fez se contorcer e gargalhar. Em
seguida me deu um beijo simples.

Era lindo ver o amor dele para com as duas filhas. Eu já o


admirava antes com Helena, e confesso que quando Laís veio para
nossas vidas, fiquei com medo dele implicar, ou até mesmo não
amá-la tanto, mas me surpreendi como os dois se apegaram rápido.

— A mamãe aqui está pronta e arrumou duas crianças


sapecas, enquanto o papai ainda está todo suado e sujo.

Olhei de cima a baixo para o corpo de Gustavo, passando


pelo abdomen e admirando a barriga chapada, já que ele estava sem
camisa, e descendo para a bermuda justa em seu corpo,
evidenciando sua bunda.

— Mas papai deixou tudo pronto lá fora.

Saímos para o jardim e olhei em volta. Havia uma mesa em


uma sombra com os pratos arrumados e rodeada de bexigas.
— Está tudo pronto para comemorarmos.

Colocamos as meninas em uma toalha sobre a grama com


alguns brinquedos, e ficamos observando por um momento.

Íamos receber todo mundo para comemorar a adoção de Laís,

por isso a decoração especial.

— Eu estou tão feliz — falei enquanto olhava para todo o


jardim.

— Ah, mas só porque estou aqui com você, não seja por isso.
Você me tem todinho.

Eu estava pronta para dar um tapa em Gustavo pela piada,


que aliás ele vinha fazendo com muita frequência, cada dia mais. E
eu adorava esse lado divertido dele.

Mas antes que eu pudesse reagir, ele levou a mão por minha
cintura, puxando-me para si e colando nossas bocas. Poderia passar
o tempo que fosse, eu nunca me cansaria de ser beijada, tocada e
muitas outras coisas por Gustavo. Ele sempre conseguia me deixar
com as pernas bambas, como naquele momento.

Mas antes que as coisas evoluíssem para algo mais, consegui


empurrá-lo e dar um tapa de leve em seu peito.
— As meninas estão vendo essa baixaria toda.

Aquele lindo sorriso de lado surgiu em seu rosto.

— Às vezes não consigo me segurar.

Estava pronta para outro tapa, mas ele foi mais rápido, dando-
me um selinho e saindo correndo para se arrumar.

Havíamos marcado almoço, mas como eram muitas pessoas,


algumas chegarem atrasadas não era novidade. E a da vez foi
Cleuza, mãe de Gustavo. Ela estava morando em um bairro um
pouco mais longe, e como vinha de ônibus, era um pouco mais
complicado para ela.

Alias, ela havia conhecido as duas netas há alguns meses,


apresentadas na creche da escola comunitária, onde havia
começado a trabalhar como ajudante na cozinha, onde vinha
fazendo um ótimo trabalho, estava melhorando, indo à terapia que
Gustavo estava pagando, e se reaproximado do filho e das netas.
Ainda havia algumas barreiras entre eles, mas com o tempo, iriam se
aproximar cada vez mais.

Erica e Tais, com o relacionamento mais do que assumido, já


estavam planejando morar juntas. O que não seria uma surpresa, já
que Erica não saía da casa de Taís. Ela alegava que era para
terminarem o site de moda que estavam montando, que era o sonho
de Erica. Mas eu sabia que tinha muito mais coisa aí.

Pelo menos Vera não ficaria sozinha quando isso


acontecesse. E por falar nela.

— Como anda essa vida de casada? — Vera chegou à


cozinha perguntando.

Ela sempre me fazia essa mesma pergunta. Acho que tinha


medo de que eu me decepcionasse, ainda mais sabendo que tudo
havia começado por um casamento de contrato.

— Está indo muito bem... — suspirei e encostei-me no balcão,


ficando de frente para ela, que estava do outro lado. — Eu entrei

nisso sem expectativas, tia, e você sabe disso. Mas acabei me


apaixonando. E agora tenho uma família linda para chamar de
minha.

— E grande, né?

Olhamos para fora pela janela que estava aberta. Thaís e


Erica seguravam uma criança cada, enquanto meu pai e Cleuza
brincavam com elas, fazendo-as rir. A gargalhada das duas fazia
todos à sua volta também rirem.
— Pois é, nos tornamos uma grande família. — Estendi a
mão, pedindo a de Vera e apertando-a. Ela havia sido a mãe que eu
não tive por toda a minha vida, e eu lhe devia muito. — Muito
obrigada por tudo.

Ela não respondeu, apenas me deu um sorriso cúmplice,


daquele que não precisa dizer mais nada.

Gustavo desceu pouco tempo depois de banho tomado e mais


cheiroso do que tudo.

Sentamos todos à mesa para almoçar, felizes como há muito

não víamos.

Era prazeroso ver uma mesa tão cheia de pessoas que eu

amava, outras que eu aprendi a amar, e saber que eram minhas


pessoas no mundo todo.

Quando estávamos todos de barriga cheia, as meninas


também, Gustavo se levantou, batendo um talher em um copo,

chamando a atenção de todos para si.

— Eu não sou muito de fazer discurso, mas hoje como é um


dia especial, gostaria de abrir uma exceção. Há quase um ano fui

pedido em casamento. Mas acho que chegou a minha vez de fazer


isso. — Ele deu a volta na mesa, parando na minha frente. —
Katrina, sei que isso tudo começou como um contrato, algo
superficial para ajudar a nós dois. Mas é impossível conviver com

você e não se apaixonar. E foi isso que aconteceu comigo. Quando

vi, já estava casada com a mulher que amava. E como as coisas


com a gente são muito rápidas, viemos com duas filhas prontas. —

Todos riram, até mesmo as meninas bateram palmas. Assim que


todos fizeram silêncio de novo, Gustavo se ajoelhou na minha frente,

tirando uma caixinha do bolso e abrindo, revelando um lindo anel.

— Oh, meu amor... — foi tudo o que consegui balbuciar.

— Sei que nosso encontro foi meio louco, coisa de destino, e


que nosso casamento fazia parte de um contrato. Mas devido às

circunstancias e nossa família — olhei em volta, vendo cada rosto

expressando emoção e felicidade por nós. Até mesmo meu pai, que
provavelmente estava abismado por saber do contrato somente

agora, tinha um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos. — Queria


saber se você aceitaria se casar, de novo, comigo.

— É claro que sim.

Pulei imediatamente em seu colo, cobrindo-o de beijos.

Assim que ele colocou o anel em meu dedo e me recompus

um pouco, levantei-me e recebi as felicitações de todos, até chegar a


meu pai.

— Que história é essa de casamento de contrato? — ele

tentava fazer uma cara de bravo.

Mas como todos, com exceção dele, sabiam, não ficou

ninguém sem dar risada.

— Eu tive que ter um marido para receber minha

preciosidade. — Apontei para Laís no colo de Erica. — Só não

imaginava que vinha com surpresas. — Apontei para Helena.

Todos riram novamente, e Gustavo me abraçou por trás,

beijando a lateral do meu rosto.

— Olha rapaz, para a sua sorte, minha filha está feliz com

você. — Ele olhou feio para Gustavo e se virou para Vera. —


Aproveitando o clima. Como estamos sendo abandonados pelos

nossos filhos, pensei em uma solução que me agradou muito. — Ele

colocou a mão no bolso da calça, tirando uma caixinha parecida com


a que Gustavo tinha me dado minutos atrás. — Só não me ajoelho

porque não tenho mais a idade do bonitão ali. Mas, Vera, meu amor,
aceita construir uma nova história de amor comigo, e ser minha

esposa?
A comoção foi geral, e muito maior que com o meu pedido. E
claro que Vera aceitou, fazendo lágrimas rolarem por todos os rostos.

Aquela era a minha família, poderia não ser a mais perfeita,

mas era a melhor que eu poderia ter.


EPÍLOGO

Minha vida não poderia estar melhor.

Em todos os sentidos.

Fazia quatro anos que eu herdara aquela escola, e ela só

vinha me dando orgulho. Com a ajuda do meu pai, cada vez mais
apareciam colaboradores e marcas famosas querendo fazer parte da
equipe. Apareciam muitas pessoas oferecendo trabalhos também.

Alguns dos alunos iniciantes haviam conseguido bolsas de


estudo em universidades publicas, outros estavam fazendo carreira,
alguns até mesmo estavam cotados a participarem das próximas
olimpíadas.

Aquela escola, depois da minha família, era o meu maior


orgulho.

— Mamããe... — uma criança surgiu na minha linha de visão,


entrando pela sala que estava com a porta aberta. — Papai mandou
te chamar.

— Me espera, Lalá — Helena veio logo atrás de Laís.


Provavelmente as duas estavam apostando corrida novamente.

Elas tinham uma pulguinha que não as deixava paradas.

— Mamãe vai assim que conseguir levantar.

Assim que terminei de falar, as duas correram em minha


direção, cada uma de um lado da mesa, estendendo-me as mãos na
esperança de me ajudar.

A barriga de oito meses de gestação vinha dificultando alguns


movimentos, mas era comovente ver as duas disputando sobre
quem me ajudaria primeiro.

A passos de pinguim cheguei à ala que seria a inauguração.


Estavam todos lá, meu pai e Vera, Taís e Erica com o

pequeno João no colo, um bebê que havia sido abandonado na porta


da escola ainda recém-nascido e que elas haviam conseguido
adotar, Cleuza com seu novo namorado que conhecera em um dos
encontros que participava, Thiago e a namorada, que conheceu no
trabalho, além de toda a comunidade da região e os alunos que
estavam mais animados que todo mundo.

Cheguei perto de Gustavo e ele colocou uma das mãos na


minha barriga, o que fez Vicente dar um chute na hora, e uma careta
sair da minha cara. Era impressionante como as crianças da minha
família amavam aquele homem. Mas eu não poderia dizer nada, pois
também o amava muito.

Ele passou o microfone para mim, para que a inauguração


começasse.

— É com muito orgulho, que há quatro anos assumi a direção


dessa escola. Não tive a oportunidade de conhecer Joana, mas ver
esse trabalho maravilhoso que ela fazia aqui, deixa-me feliz por
chamá-la de minha mãe. E pensando nisso, essa ala foi construída.
Para ajudar mulheres que passam pelo que ela passou. E espero
que aqui seja um refúgio, com tudo o que uma pessoa precise, para
recomeçar uma vida. É com orgulho que inauguramos a ONG Mãe
Joana. — Cortei a fita que ficava na porta de entrada da ONG.

Há três anos, comprei o terreno que ficava em frente à escola.


A ideia incial era ampliá-la, trazendo mais projetos, mas Gustavo me
deu uma ideia muito melhor, e ali estava nosso plano, criando vida à
nossa frente.

As pessoas foram entrando, passando por mim e Gustavo,


que se colocou do meu lado, abraçando-me pelo pescoço.

— Vocês são as maiores heranças que eu poderia ter


recebido — falei baixinho e Gustavo retribuiu com um beijo na minha
testa.

Ele vivia dizendo que os hormônios da gravidez me deixavam

mais sensível.

Mas eu nunca deixaria de agradecer por minha mãe ter me


mandado aquelas pessoas tão especiais.

Porque a herança da família era uma que dinheiro nenhum


pagava. E a minha valia muito.

FIM.
DEDICATÓRIA

Dedico esse livro a todas as famílias, brasileiras ou não.

Estamos em um momento muito complicado ainda, e a cada dia


parece um pouco mais difícil. Você que perdeu um familiar, amigo,
lembre-se que tudo isso vai passar.

A vacinação tem me dado uma esperança a mais de que isso


está chegando mais perto do fim. E quero que você, que está lendo
essa dedicatória, pense isso também. Cada dia, é um a menos
nessa pandemia. E vamos sair dessa bem.

Espero que sua família e você estejam bem. E lembre-se, a


vacinação é importante. Vacine-se.

Viva o SUS, a vacina e nós todos.

Beijinhos de luz no coração, e até o próximo. ♡

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