Um Anjo em Nossas Vidas - Vieira, Helena
Um Anjo em Nossas Vidas - Vieira, Helena
Um Anjo em Nossas Vidas - Vieira, Helena
AUGUSTO
Uma semana atrás
― Papai, por que tu não tem uma namorada?
Essa é a pergunta que minha filha faz no momento que estou a
colocando para dormir.
― O Pedrinho lá da escolinha disse que o papai dele tem duas e
que elas são bem legais ― continua. ― Será que ele não pode te
emprestar uma?
Tento segurar a risada diante sua lógica. Não preciso me
esforçar muito para lembrar de quem ela está falando. Ontem, na
reunião de pais e professores antes do início das férias de fim de
ano, o pai do tal Pedrinho apareceu com as duas namoradas e o
relacionamento poliamoroso deles se tornou pauta entre grupo de
mães fofoqueiras.
― Não é assim que funciona, Lela ― respondo, penteando seus
cachinhos.
― Eu ia achar muito legal porque assim tu não ficaria sozinho
quando eu fosse pra escolinha ― continua, se virando de lado na
cama e ficando de frente a mim.
Ah… Já sei onde essa história vai dar.
― Mirela ― Ela se empertiga na cama ao ouvir seu nome,
desviando o olhar. ― Isso é mais uma tentativa de tentar ganhar um
cachorro? Já falei que você ainda é muito nova e um filhote é muita
responsabilidade.
Desde o Natal passado ela me pede um cachorro de estimação,
mas não dou o braço a torcer. Cuidar de um animal é algo sério.
Apesar de trabalhar remoto, não sei se conseguiria dar atenção
suficiente a um filhote e Mirela só tem cinco anos. Meu medo é ela
cansar da novidade e eu ter de lidar com as consequências.
― Poxa! ― Ela faz bico e eu sorrio.
― Chega de papo que já passou da sua hora de dormir. ― Beijo
sua testa e a empurro gentilmente em direção ao colchão.
― Eu tô de férias, papai ― choraminga, batendo os punhos
fechados no colchão.
Falou a criança que estava cochilando enquanto assistíamos Os
Incríveis. Sei que o filme é bem antes do nascimento dela, mas
adoro mostrar as animações que assisti e adorei quando mais novo.
― Eu posso dormir beeeeem… ― Para de falar devido a um
bocejo ― mais tarde.
Mirela fecha os olhos e se aconchega na cama, abraçando seu
Stitch de pelúcia. Tiro alguns de seus brinquedos do chão e quando
estou prestes a sair do quarto quando a ouço me chamar.
― A mamãe não ia ficar chateada se você tivesse uma
namorada. ― declara com a voz sonolenta. ― E nem eu.
Um bolo se forma na minha garganta. Jéssica partiu há quatro
anos, e desde então Mirela se tornou o centro do meu universo. Não
estava preparado para ser pai solo aos trinta e um anos e, sendo
sincero, há dias que nem sei se estou fazendo um bom trabalho.
Daniela, minha amiga e madrinha da minha filha, brinca que eu
deveria voltar a colocar meu time em campo. A verdade é que nem
sei como recolocar na ativa.
Quando conheci minha falecida esposa, ambos tínhamos vinte e
um anos. Estava no meu segundo ano da faculdade e ela era caloura
do curso de pedagogia. Frequentávamos a mesma barraquinha de
lanche todos os dias no mesmo horário e a senhora que vendia os
salgados foi nossa ponte de comunicação.
Apesar de ter demorado quase um ano para dar o primeiro
passo em sua direção, na primeira vez que nos beijamos eu já sabia
que ela era a pessoa certa para mim. Namoramos por seis anos e
ficamos casados por três, até que a vida a tirou de mim e da nossa
filha.
Quando Mirela disse que sua mãe não se chatearia se eu
encontrasse alguém novamente, eu sei que isso seria verdade.
Jéssica não iria querer que eu ficasse sozinho pelo resto da vida.
Porém, muita coisa mudou desde a última vez que fui solteiro e,
sendo sincero, o mundo atual dos relacionamentos com seus
aplicativos e grandes expectativas para um parceiro me intimida um
pouco.
Por isso, para arranjar uma namorada, só se ela caísse do céu.
Capítulo 1
AUGUSTO
BUM!
Um estrondo de abalar a estrutura da casa me desperta com um
pulo. Estou meio atordoado visto que não lembro de ter caído no
sono. Na televisão está a pergunta de “Você ainda está assistindo?”
do streaming. Olho pela janela e tudo que vejo é a imensidão de um
céu limpo do início de uma noite, sem uma nuvem sequer.
Então uma risada infantil alerta todo meu sentido aranha.
― Mirela ― sussurro.
Corro desesperado até o seu quarto. Ela estava dormindo
quando decidi assistir uma série nos milhares de streaming que
assino.
Abro a porta e a encontro de pé junto a janela, em cima de uma
de suas cadeirinhas plásticas. Em passadas rápidas, a alcanço. Viro-a
de frente para mim e a abraço.
― Graças a Deus ― suspiro, aliviado.
― Papai, tá me apertando! ― reclama, tentando se soltar.
― Desculpa. ― Seguro-a pelos ombros, a uma pequena
distância e examinando seu corpo com o olhar ― Você tá bem?
― Tô sim. Ficou com medo do trovão, papai?
― Sim ― rio fraco, ainda com mãos em seus ombros.
― Não precisa ficar com medo. Eu aprendi na escola que trovão
é só barulho ― diz, orgulhosa.
Deixe para sua filha de cinco anos te consolar quando achou que
a casa estava caindo.
― Vou tentar lembrar da próxima vez. ― Dou um beijo na sua
testa.
― Tá bom. Agora vai ajudar a moça.
― Que moça?
― Aquela que tá deitada ali ó. ― Aponta em direção à janela.
Sigo o dedo da minha filha e realmente tem uma mulher no meu
quintal.
Uma mulher pelada e completamente desacordada no meio do
meu quintal.
― Fica aqui ― ordeno, me levantando.
― Mas papai…
― Mirela ― aviso, em um tom que não deixa aberta discussão
― Tá bom ― responde, fazendo bico.
A caminho para o quintal, pego um lençol limpo no meu quarto
a fim de cobrir a moça.
Uma mulher pelada desmaiada no meio do meu quintal. Era só o
que me faltava.
Cubro o corpo da moça e tento sentir sua pulsação. Está um
pouco fraca, mas pelo movimento do seu peito, suspiro aliviado ao
ver que ela está respirando.
― Papai! Ela tá morta? ― Mirela berra da janela, se
empoleirando nela.
― Mirela, desce daí! ― ordeno, ignorando que minha filha gritou
para vizinhança inteira ouvir sobre a probabilidade de haver uma
mulher morta no meio do meu quintal.
Tomara que dona Juvênia, minha vizinha e amiga da minha
mãe, não tenha ouvido. Se antes, ela já gostava de pegar no meu
pé, agora é capaz de chamar a polícia. Sendo um homem negro no
Brasil, é mais fácil acreditarem em uma nota de três reais do que
qualquer coisa que eu fale.
Ajeito o lençol ao redor do corpo da moça e a pego no colo,
carregando de volta para casa. Na sala, coloco-a com cuidado no
sofá e ajeito um travesseiro embaixo do de sua cabeça. Não sei
muito sobre primeiros-socorros, mas só de não haver sangue em
nenhuma parte de seu corpo já é algo positivo.
Quem vê a moça desacordada pode pensar que ela está apenas
em um sono profundo. Ela aparenta estar por volta dos seus 20 e
tantos anos, sua pele é negra retinta, mas o que chama mesmo
atenção são os longos fios brancos e lisos de seu cabelo. Me
aproximo um pouco, curioso com a tonalidade, e eles parecem ser…
naturais?
― Papai, ela tá bem? ― Mirela pergunta, surgindo ao meu lado
e eu tomo um susto.
Essa menina tem pés de alma penada, como dizia minha avó.
Quando quer, não faz nenhum tipo de barulho, como quando assalta
o pote de biscoito da cozinha.
Olho para minha filha e a vejo mordendo o lábio inferior, numa
expressão de preocupação e medo. Eu me agacho, ficando da sua
altura.
― Ela só está dormindo, Lela ― informo, usando seu apelido a
fim de acalmá-la.
Então, nossa convidada-não-tão-convidada dá um suspiro
audível e começa a se espreguiçar no meu sofá. Quando abre os
olhos, ela nos encara com um sorriso em seus lábios carnudos.
― Ah! Olá! ― cumprimenta, meio sonolenta. ― Como estão?
― Tamo bem, obrigada. ― Minha filha responde educadamente,
como se fosse a coisa mais natural do mundo. ― Quem é você?
― Um anjo. Fui enviada para ajudar seu pai a encontrar uma
companheira.
Capítulo 2
ALANA
Será uma viagem rápida e fácil, eles disseram.
Não vai acontecer nada, eles disseram.
Rá! Um bando de mentirosos esses meus chefes celestiais, isso
sim.
Acho que minha coluna nunca vai se recuperar do encontro que
tive com o chão. O impacto foi tão grande que me deixou
desacordada e agora estou aqui, de frente com meu alvo.
Não era para ser assim. Eu deveria me disfarçar de sua nova
assistente, cumprir a missão que me deram e então ganhar minhas
asas.
Sim, eu sou um anjo sem asas. Nascemos sem e assim ficamos
até nosso aniversário de duzentos anos, que é quando recebemos
uma missão a ser cumprida na Terra. Caso seja bem sucedida,
ganhamos as asas e somos declaramos oficialmente anjos. É quase
como ter que apresentar um… Como é o nome mesmo?
Ah! É quase como ter que apresentar um TCC para enfim ganhar
seu diploma.
Organizei todo um roteiro para minha vinda, mas tudo foi por
água abaixo quando aquele unicórnio maldito apareceu do nada,
furando o sinal vermelho dos céus e me desconcentrando. Com isso,
acabei perdendo a rota do local onde deveria pousar, me
estabacando toda no quintal do meu alvo.
Sim, unicórnios são reais, mas isso é história para outro dia.
― Um anjo… ― A menininha repete, deslumbrada.
Ela tem o rosto arredondado, com as maçãs bem gordinhas que
dá vontade de apertar. Seus cachos pretos alcançam a altura do
queixo, os olhos são grandes e brilhantes. Sua boca está aberta em
um “O”, que a deixa muito mais fofa.
― Sim, prazer, Alana.
Alana não é meu nome verdadeiro, mas é o mais próximo da
sonoridade dele na língua dos humanos, por isso o escolhi para meu
tempo aqui na Terra.
Estendo a mão em sua direção, mas quando a criança se
aproxima, seu pai a puxa contra seu corpo, passando os braços na
sua frente. A semelhança entre os dois é bem evidente; o mesmo
tom de marrom da pele e os olhos de um castanho tão escuro que
se funde com a íris.
Ele me encara desconfiado e como se eu estivesse louca,
enquanto a criança continua com um brilho de encantamento no
olhar. Na orientação comentaram que essa era uma reação comum
dos humanos adultos. Apesar de ensinarem crianças que anjos
existem, quando aparece um de verdade, eles não acreditam.
Humanos. A chacota do universo.
― Eu sou Mirela e esse é meu papai, Zé Augusto.
Desvio o olhar da criança para seu pai e uau. Ele é mais bonito
pessoalmente que nas fotos com suas informações. Seu rosto é
angular, com mandíbula forte que parece ter sido desenhada sob
medida. Sobrancelhas grossas acompanhadas de um olhar intenso e
penetrante. Seu cabelo crespo é mais baixo nas laterais e alto no
topo da cabeça.
Definitivamente muito mais bonito que nas fotos.
José Augusto, mas que prefere ser chamado de Augusto. Trinta
e cinco anos. Contador. Pai da pequena Mirela, de cinco anos. Viúvo
há quatro anos, quando sua mulher morreu enquanto dormia devido
um aneurisma não diagnosticado. Não tem histórico de
relacionamento com ninguém desde então. Nem uma saidinha
sequer, uma noite casual… nada. Necas de pitibiriba. Zero.
E essa é a minha missão: encontrar uma nova companheira para
ele.
Minha supervisora disse que seria um caso difícil e eu poderia
trocar por outro mais fácil, que seria juntar um casal de amigos
virtuais viciados em videogame na vida real. Entretanto, algo no
olhar triste e solitário de Augusto na foto do seu arquivo não me
deixou trocar.
E agora estamos aqui.
Augusto continua me olhando desconfiado e sua filha me encara
com curiosidade.
― Doeu muito quando caiu? ― A criança pergunta.
― Um pouco, mas estou bem.
Mentira. Estou péssima, mas acho que logo passa. Levanto do
sofá, fecho os olhos e estico os braços acima da cabeça, sentindo
todos meus músculos e articulações estalarem e outras partes
doerem pra caramba.
Ouço um ganido alto agudo seguido de uma risadinha. Volto o
olhar para as pessoas na sala junto comigo. Augusto está com uma
mão tampando os olhos da sua filha com a outra fazendo o mesmo
consigo.
Esqueci que humanos são pudicos quando se trata de nudez. Lá
no céu, ninguém se preocupa com isso, já que o corpo é apenas
uma casca, mas aqui na Terra é diferente.
Saí do céu vestida, mas em algum momento entre desviar do
unicórnio e me estatelar no chão, minha roupa deve ter
desaparecido. Tenho que lembrar de reclamar com o pessoal da
orientação sobre não comentarem que isso pode acontecer.
Poderia estalar os dedos e em um piscar de olhos estaria
coberta, mas algo me diz que o homem na minha frente desmaiaria
caso, de repente, eu aparecesse de roupa. Fora que meus poderes
estão limitados aqui, por isso não posso gastá-los à toa. Então, pego
o lençol que ele me cobriu, e amarro em volta do corpo, quase
transformando em um vestido.
― Desculpa. Podem abrir os olhos agora ― aviso.
Antes de baixar a mão do rosto da filha, Augusto entreolha pelos
dedos. Concluindo que estou devidamente vestida, abaixa a mão do
seu rosto e da filha, se agachando na sua frente.
― Lela, vai pegar um copo de água pra moça.
― O nome dela é Alana, e não moça ― rebate e vejo o esforço
dele em se manter paciente.
― Vai pegar um copo de água, por favor ― repete, apertando a
ponte do nariz.
― Tá bom! ― E se virando para mim, diz: ― Não vai embora
que eu quero saber como são as coisas lá no céu e se viu minha
mamãe por lá.
E com essa declaração perfeita para deixar um silêncio
constrangedor, Mirela sai saltitando em direção à cozinha.
A verdade é que os anjos que lidam com as almas são de outra
ordem; são os ceifadores. A minha é a dos cupidos e, tirando
algumas confraternizações da firma celestial, raramente nos
misturamos.
― Desculpa por isso ― diz, desconfortável. ― Ela tem uma
imaginação forte.
Ficamos os dois calados. Augusto me encara com um misto de
desconfiança e curiosidade e desvio o olhar, observando ao meu
redor.
A casa tem um ar aconchegante. Há fotos dos dois em porta-
retratos na parede e em cima de um armário. Por trás do homem
parado na minha frente, consigo ver uma mesa de jantar cheia de
papéis e canetinhas coloridas. Acho que tem até uma Barbie
customizada ali.
Mirela volta segurando o copo com as duas mãos, bastante
concentrada com a ponta da língua pra fora. Quando se aproxima
para me entregar, seu pai toma da sua mão, puxando a filha para
perto de si e me entregando.
― Se é mesmo um anjo, cadê suas asas? ― Mirela questiona.
― Eu ainda não tenho ― respondo, ao terminar de beber a
água. ― Primeiro tenho que arrumar uma companheira para o seu
papai para poder ganhar.
― Ok… ― Augusto anuncia, com uma risada sem graça,
pegando o copo da minha mão. ― Chega desse papo de anjo e
companheira. Moça…
― Alana ― corrijo.
― Alana, vou te levar ao médico. Você pode ter batido feio a
cabeça quando pulou pro meu quintal…
― Eu caí nele ― corrijo novamente.
― Que seja. Melhor alguém te examinar. Mirela, vá se calçar que
vou te deixar na casa da tua avó no caminho.
― Quero ir com vocês, papai. Quero saber mais sobre o céu e…
― Mirela, por favor… ― Ele aperta a ponte do nariz. ― Só faz o
que tô pedindo.
― Tá bom ― responde, cabisbaixa.
Meu coração se aperta ao ver sua carinha triste. Augusto respira
fundo observando sua filha ir em direção ao quarto, cabisbaixa.
― Você não acredita em mim ― constato.
― Não, mas nesse momento estou com medo de você ser uma
maluca e fazer mal pra minha filha.
― Eu nunca machucaria uma criança ― rebato, ofendida.
Crianças são o mais próximo de seres angelicais na Terra, com
toda sua pureza e inocência. Machucar uma criança é um crime
imperdoável, passível de severas consequências celestes.
― Bem, não posso pensar muito diferente do que isso. Afinal,
você estava pelada no meio do meu quintal, desacordada. Esse é um
novo golpe para invadir casas e assaltar?
Augusto cruza os braços, em uma expressão séria, me fitando.
Fico abismada que até zangado, ele continua bonito.
― Eu já disse que caí nele. ― Imito seu gesto. ― Foi tudo culpa
daquele unicórnio…
― Acho mesmo que preciso te levar no médico pra checar sua
cabeça ― interrompe, com uma risada seca. ― Primeiro esse lance
de anjo, agora tá falando de unicórnios. Por acaso teria plano de
saúde?
― Não precisamos disso no céu.
― Certo, vai ser pra UPA[1] mesmo ― Ele me examina, da
cabeça aos pés. ― Vou ver se acho alguma roupa que caiba em
você.
― Estou bem assim ― digo, olhando para minha vestimenta
improvisada.
― Mas eu não estarei ao entrar com uma mulher enrolada num
lençol no hospital. Não sai daí ― ordena, apontando para mim.
Augusto se retira e volta minutos depois trazendo um vestido
longo florido e um par de rasteiras.
― Sorte a minha que Daniela vive deixando as coisas dela por
aqui quando fica de babá da Mirela ― resmunga, quando me
entrega as roupas.
Começo a desenrolar o lençol do corpo e Augusto se vira em um
pulo. Claro, esqueci. Pudicos.
Com uma risada baixa, coloco a roupa. Até que não é uma
sensação ruim, mas com certeza não é melhor que andar sem nada
por aí. Será que um dia os humanos serão tão evoluídos a ponto de
não usar roupas?
― Pronto! ― aviso.
― Mirela, vamos! ― grita, enquanto digita algo no celular.
A criança aparece no corredor, ainda cabisbaixa, e meu coração
se aperta novamente. Tenho certeza que ela iria adorar saber mais
sobre o céu, mas isso será conversa pra outro momento.
― Pegou tudo? ― Augusto pergunta e ela assente, fazendo bico.
― Já avisei sua avó que você vai passar a noite lá.
― Mas papai… ― choraminga.
― Nada de “mas papai”. Vamos.
Capítulo 3
AUGUSTO
Mirela está tão chateada comigo que nem me olha quando
desce do carro para encontrar sua avó, na porta do prédio onde
mora. Minha mãe, dona Leila, pede a ela que espere sentada no
sofá presente na portaria.
Mesmo emburrada, ouço Mirela dar boa noite ao porteiro, seu
Anastácio.
― Tá tudo bem, Guto? ― Minha mãe pergunta.
Antes de chegar de surpresa com minha filha, avisei que
precisaria deixá-la sob seus cuidados. Muitos falam que ela e eu
somos bastante parecidos, e que não herdei apenas sua pele
marrom e o cabelo crespo, mas também sua paciência.
― Tá sim. ― Dou um beijo em sua bochecha.
― Quem é a moça no seu carro? ― comenta, observando por
cima do meu ombro.
― É a sobrinha da minha vizinha.
― Da Juvênia? ― Volta o olhar pra mim, desconfiada.
Por coincidência do destino, minha mãe e a minha vizinha são
amigas de longa data. Ambas se conheceram quando trabalharam
juntas e a amizade perdurou desde então. Inclusive foi a Juvênia
mesmo que informou minha mãe quando a casa que resido
atualmente foi posta à venda.
Apesar de não ir muito com a minha cara, também posso contar
com dona Juvênia para vigiar Mirela quando necessário. Como não
sei que horas voltaremos do pronto-socorro, achei melhor deixá-la
com a avó, onde ela pode passar a noite sem problemas e eu não
me preocupo.
― Sim ― minto. ― Ela pediu para que a acompanhasse na
emergência. Não está se sentindo muito bem.
Sei que logo que partir, dona Leila vai entrar em contato com a
minha vizinha e serei pego na mentira, mas não estou muito a fim
de elaborar toda história envolvendo a moça no meu carro.
Após me despedir da minha mãe, volto para o veículo. Ao me
sentar, vejo de canto de olho a jovem dar um tchauzinho pra ela.
Não comento nada e seguimos para o destino, em silêncio.
Por sorte, quando chegamos na UPA, consigo achar uma vaga
fácil para estacionar. Ao entrarmos no local, vejo que está cheio de
pessoas, de todas as idades, esperando atendimento.
Na recepção, dou o nome da minha acompanhante e invento
algumas informações. Afinal não sei nada sobre ela e se eu deixar
por sua conta, começa de novo com esse papo de anjo que caiu do
céu.
Não demora muito para que seu nome seja chamado para a
triagem. Na pequena sala, há uma jovem médica, de cabelos loiros
escuros amarrados em um rabo de cavalo baixo e uma expressão
cansada em seu rosto, como se não visse a hora de acabar seu
plantão. Sentamos nas cadeiras à sua frente enquanto ela termina
de rabiscar alguma coisa no receituário.
― Vou confirmar algumas informações com você ― A médica
anuncia, voltando a atenção para nós. ― Nome.
― Alana.
― Idade?
― Duzentos.
― O quê? ― levanta a cabeça, confusa.
― Ah! Você quis dizer idade terrestre… pera. Vou fazer as
contas… ― Ela começa a mover o indicador no ar.
― Vinte e cinco ― minto em seu lugar, já que não faço ideia de
quantos anos ela realmente tem. ― Ela caiu e bateu a cabeça. Por
isso estamos aqui.
A médica me encara, desconfiada. Não a julgo, pois, deve
atender vários casos onde a mulher “acidentalmente” cai e bate a
cabeça no chão. Alana viaja o olhar entre a médica e eu, até que
solta um “oh” baixinho.
― Não não, não é nada disso! ― Balança as mãos, em negação.
― Eu realmente caí no quintal dele quando…
― Quando foi pegar a pipa da minha filha que ficou engatada na
árvore ― interrompo, pois, tenho certeza que ia começar com toda
essa baboseira de anjo que caiu do céu. ― Ela é a babá da minha
pequena.
A médica me avalia por um tempo e parece acreditar na história,
escrevendo algo num bloco de papel. Não é uma mentira; com
certeza Alana bateu forte a cabeça quando se estatelou no chão,
seja essa história absurda sobre cair do céu verdade ou não.
Ela continua a rabiscar algo no seu bloco por alguns segundos
antes de pegar o aparelho de aferir a pressão. Em seguida, pergunta
para Alana se ela está com dor de cabeça, tontura ou algum outro
tipo de desconforto.
― Apenas uma dor nas costas. ― A jovem responde ao mesmo
tempo que apoia a mão na lombar.
A médica pega outro bloco de papel na gaveta. Enquanto
prescreve um raio-x para a minha acompanhante, percebo que sua
letra não é o padrão garrancho da maioria dos médicos. Ela destaca
o papel, esticando-o na minha direção.
― Só esperar que logo vai ser atendida. ― E assim ela nos
dispensa.
Voltamos para a sala de espera e os únicos lugares vazios são
perto de uma jovem mãe e seu bebê, que está com o rosto
vermelho de tanto chorar. Ela não deve ter mais que vinte anos e
posso ver que está desesperada e cansada, quase chorando como
sua criança no colo.
Sei muito bem o que está passando, já que alguns anos atrás
era eu nessa situação. Um recente viúvo lidando com o luto
enquanto aprendia a cuidar sozinho de um bebê de apenas um ano.
Meus pais e Daniela me ajudaram como puderam, mas em boa parte
do tempo eu só queria sentar e chorar junto da minha filha.
De repente, a criança fica em silêncio e vejo que está encarando
Alana, com deslumbramento. Se não fosse um bebê, diria que sua
expressão é uma reação à beleza da jovem, mas sua atenção está
voltada para as mãos dela.
Alana mexe os dedos das duas mãos de forma ritmada e a
criança levanta os bracinhos no ar, como se quisesse agarrar alguma
coisa. Um suave barulho de sinos ecoa ao meu redor, mas acontece
tão rápido que não tenho certeza se realmente aconteceu.
Quando percebe que o bebê parou de chorar, a mãe respira
aliviada e joga um sorriso de agradecimento para a jovem ao meu
lado.
― Ele vai ficar bem. ― Alana a consola.
Quando a mãe se levanta, após uma enfermeira ter berrado o
que acredito ser o nome da sua criança, Alana dá um tchauzinho
para o bebê, que responde com uma risada gostosa.
― Você tem jeito com crianças ― comento.
― As vantagens de ser um anjo ― responde e reviro os olhos.
― Não precisa acreditar em mim. Só preciso cumprir minha missão.
― Ah, sim, claro. A missão de me arranjar uma companheira.
Boa sorte ― ironizo.
Como se eu tivesse tempo para namorar. Desde que sua mãe
morreu, Mirela tem minha completa atenção. Namorar nem passa
pela minha cabeça.
― Não seja tão cético ― ela rebate.
O tempo parece se arrastar enquanto esperamos Alana ser
chamada para o atendimento. Ela está observando atentamente
tudo o que acontece nessa recepção, mas percebo que seu olhar às
vezes se demora mais em algumas mulheres.
― O que está fazendo? ― pergunto, porque a curiosidade é
maior e o tempo aqui não parece andar.
― Procurando alguma companheira em potencial para você ―
responde na maior naturalidade, ainda olhando de um lado ao outro
do local. ― Já que o plano A não deu certo, vou ter que apelar para
o plano B.
Reviro os olhos novamente e encaro o relógio na parede. Mal se
passaram vinte minutos que estamos aqui.
― Tá bom. Temos um bom tempo de chá de cadeira e vou
entrar no teu jogo.
Alana vira o olhar em minha direção, me encarando com seus
olhos acinzentados. Mais cedo, devido a todo o caos de sua aparição
lá em casa, não reparei o quanto seu olhar é forte, como se pudesse
ver até minha alma. Fora o fato de ela ser realmente bonita. Muito
bonita. Anos atrás, quando era solteiro, ela seria alguém que
despertaria meu interesse.
Alana inclina a cabeça de leve para o lado, me analisando. Limpo
a garganta, um pouco incomodado com a sua atenção.
― Qual era o plano A? ― pergunto.
― Me disfarçar como sua assistente e assim bancar o cupido. É
a minha categoria lá no céu.
― Bem, já não ia dar certo porque não preciso de uma
assistente ― digo e ela solta uma risada irônica.
― Precisa sim ― insiste.
― Trabalho de casa. Não preciso de assistente.
― Não foi o que observei e o que veio nas informações em seu
arquivo.
― Eu tenho um arquivo? ― Não escondo meu tom incrédulo.
― Sim, desde seu nascimento. Ele é atualizado ao final de cada
dia. Provavelmente agora minha superior deve estar tendo uma
síncope ao ler tudo que aconteceu hoje.
― Que seja. Mesmo que eu precisasse de uma assistente,
claramente você não se qualificaria.
― Que absurdo! ― exclama, ultrajada. ― Saiba que passei os
últimos… ― Para de falar, mexendo os dedos no ar como se
estivesse fazendo alguma conta ― Dez anos da minha vida
estudando tudo o que tem a ver com contabilidade. Eu levo essa
missão muito a sério. Se eu falhar, nunca receberei as minhas asas.
Sua última frase sai em um tom aflito e por um momento
acredito em toda sua história de anjos e missões. Estou pronto para
pedir desculpas quando seu nome é chamado para o raio-x.
Ela se levanta e, sem me esperar, segue em direção à sala de
exame.
Capítulo 4
ALANA
― Siga com os olhos sem mover a cabeça ― pede o médico, no
momento em que coloca o feixe da lanterna na altura do meu rosto.
Bordado no seu jaleco, vejo que seu nome é Roberto. Parece ter
a idade de Augusto, com a pele clara e os cabelos escuros.
Faço o que pede, mas sei que não é necessário. Só aceitei ser
examinada a fim de deixar Augusto mais calmo. Tirando a puta dor
nas costas, não machuquei a cabeça quando caí.
Acho.
― Ao que parece, está tudo bem. ― Ele guarda a pequena
lanterna no bolso do jaleco e começa a analisar o raio-x que fiz. ―
Seus exames voltaram excelentes, devo dizer.
― Tem certeza? ― Augusto pergunta.
― Absoluta ― O médico afirma, mas repete as mesmas
perguntas feitas anteriormente na triagem.
― Não, mas minhas costas estão me matando ― confesso.
Pelo canto de olho, vejo Augusto cruzar os braços e me lançar
um olhar que pode ser traduzido como “Viu? Eu disse que era
necessário você ser examinada”.
― Certo. Vou passar um remédio para dor, mas seria bom que
alguém a observasse nas próximas vinte e quatro horas,
principalmente durante o sono.
Diante a recomendação do médico, meu alvo tenta disfarçar
uma careta de desgosto.
― Seu namorado pode fazer isso? ― O médico sugere.
― O quê? ― Augusto começa a tossir, pego de surpresa, e me
apresso em negar a situação.
― Não, não. Ele não é meu namorado. Eu sou… ― Diante do
olhar de repreensão de Augusto, decido continuar com a sua história
― a babá da filha dele.
― Perdão ― comenta, um pouco envergonhado. ― Não quis
insinuar nada.
― Está tudo bem ― digo.
Enquanto Roberto está concentrado escrevendo a receita,
analiso sua aura. Sim, todos os anjos têm o poder de ver as auras
das pessoas, e a dele é de um rosa-claro brilhante e pontinhos
pretos. Significa que ele é uma pessoa altruísta e de bom coração,
mas que se sente sozinho.
A aura de Mirela, como de todas as crianças, é branca, indicando
pureza e inocência. Já a de Augusto é de um vermelho bem intenso
com detalhes dourados, mostrando que ele é uma pessoa que se
entrega por completo aos seus sentimentos.
― Você está namorando? ― questiono e os dois homens me
encaram surpresos. ― O quê? Ele pode pensar que somos
namorados, mas não posso perguntar se ele tem alguém?
Augusto simplesmente revira os olhos. Já Roberto, com uma
expressão divertida, responde:
― Não estou namorando.
― Que pena. Um cara como você não deveria se sentir solitário.
― Ele me encara de forma estranha e, dando dois tapinhas na sua
mão, continuo: ― Não se preocupe que logo vai aparecer a pessoa
certa pra você. Não desista.
― Vamos, Alana. O doutor tem mais pacientes para atender. ―
Augusto se apressa em dizer, pegando a receita da mesa. ―
Obrigado.
Augusto me segura pelo braço e praticamente sai me arrastando
da sala.
― No seu arquivo não dizia que você era tão mal-educado assim
― reclamo, me livrando do aperto.
― Mas alguns instantes e era capaz dele te chamar pra sair.
Ele começa a seguir pelo corredor vazio e dou uma corridinha
para alcançá-lo.
― Ciúmes? ― brinco.
― Mas é claro que não! ― Seu tom de voz deixando
transparecer que isso seria uma ideia absurda.
― Então qual seria o problema se eu estivesse interessada no
médico? Sou um anjo, mas não estou morta. Além do mais, meus
companheiros super me aconselharam a aproveitar os muitos
prazeres carnais durante minha estadia por aqui, se é que me
entende… ― Dou uma cotovelada leve em sua costela, mas Augusto
continua de cara feia.
― Entendo, mas na hora que você abrisse a boca com esse
papo de anjo, ele ia achar que está louca e daria pra trás.
― Então agora acredita em mim? ― pergunto, com uma ponta
de esperança.
― Claro que não. Ainda acho que é biruta das ideias, mas é algo
que não posso mudar ― argumenta e então, para de andar de
repente. ― Chega de enrolação. Me passa seu endereço, vou te
levar pra casa.
Augusto espera minha resposta, mas a verdade é que não tenho
uma. Como minha vinda para a Terra deu toda errada, eu não sei
como encontrar meu guia terrestre. Eles sempre fazem contato
conosco porque não sabemos sua aparência.
Desvio o olhar, brincando com as pontas do meu cabelo, sem
saber o que responder.
― Você não sabe onde mora? ― indaga, em um misto de ironia
e zombaria.
― Eu já falei…
― Sei, sei… um anjo, blá blá blá ― zomba, revirando os olhos.
Augusto começa a andar de um lado para o outro no corredor,
apertando a ponte do nariz, até que parece ter chegado em alguma
conclusão.
― OK, Mirela vai dormir na avó dela hoje, então vou deixar você
passar a noite lá em casa ― Começo a dar pulinhos de alegria e,
com o indicador apontado pra mim, enfatiza: ― Só por hoje.
― Tudo bem ― me contenho.
Realmente estava preocupada com essa questão. Até encontrar
meu guia, que também é a pessoa responsável por me dar abrigo,
não tenho para onde ir.
― Estou indo contra todas as regras de segurança fazendo isso,
mas não iria ficar com a consciência tranquila em te deixar em
qualquer lugar. Com esse papo maluco de anjo ou não.
― Obrigada. De verdade.
Apoio a mão no seu ombro e dou um beijo rápido em sua
bochecha. Augusto fica sem jeito e eu sorrio. Humanos. Nunca
sabem agir quando sua boa ação é reconhecida.
ALANA
Diário de bordo ― dia 01 da missão (ou seria dia 02?)
Juvênia me aconselhou a fazer uma espécie de diário enquanto
estivesse por aqui, para registrar os acontecimentos da minha
estadia.
Bem, nem preciso dizer que esse primeiro contato foi
HORRÍVEL! Não era para acontecer assim, mas já foi. Com a ajuda
da Juvênia, espero que tudo seja melhor aqui pra frente.
ALANA
Alguns dias após começar a morar com a Juvênia, descobri a
existência de um gato aparecendo no seu quintal, atrás de alimento.
Ele é mesclado de marrom, preto e branco, e pelo pedaço faltando
da sua orelha, já deve ter se envolvido em muita confusão nas ruas.
Estou terminando de ajeitar a comida e água que comecei a
deixar para ele quando algo me acerta na cabeça.
Fico atordoada por alguns segundos e penso que pode ser
retaliação dos unicórnios envolvendo minha reclamação, até que
vejo uma bola azul com o nome Frozen enorme em glitter.
A casa da Juvênia fica na esquina da rua, fazendo com que
Augusto seja seu único vizinho. Então, pego e jogo a bola por cima
do muro, de volta para sua dona. Fico mais um tempo, sentada na
sombra de uma árvore, esperando o animalzinho aparecer. Ele é um
tanto arisco, mas acho que já está se acostumando comigo.
Não demora muito, a bola cai novamente no quintal. Pelo menos
dessa vez não acertou minha cabeça. Jogo novamente a bola por
cima do muro e, não demora muito, pela terceira vez, ela cai pra cá.
Agora, escuto uma risadinha gostosa seguida de uma voz grossa
reclamando sobre chutar a bola muito forte.
Uma ideia se passa na minha cabeça quando me preparo para
jogar a bola de volta. Sigo para a casa vizinha a fim de devolver
pessoalmente.
Augusto não consegue disfarçar sua surpresa ao me ver. Ele está
usando uma regata branca, que realça bastante seu peitoral e
bíceps, e uma bermuda de mesma cor. A pele marrom do seu rosto
está corada e pelo suor que escorre na lateral da sua face, acredito
que estava brincando com a filha.
― Acredito que isso seja da Mirela.
Estico a bola em sua direção, mas ele parece estar distraído.
Percebo que o seu olhar está fixado um pouco abaixo do meu
queixo. Mais precisamente, na altura dos meus seios.
Abaixo o rosto a fim de averiguar o que há de errado neles. Não
acredito que seja o tamanho, apesar de serem maiores que o
normal, segundo pesquisas que fiz. Verifico se minha blusa branca
está suja de alguma coisa, principalmente por preparar a comida do
gatinho, mas não é isso.
Então percebo um leve sombreado na blusa, no local onde o
pano cobre meus mamilos e minhas aréolas. Olho para Augusto e…
é isso! Ele está encarando meus peitos marcando o tecido.
No meu terceiro dia na Terra eu até tentei usar aquela arma de
tortura para mulheres chamada sutiã, mas não aguentei muito.
Juvênia me garantiu que era do meu tamanho, mas achei tudo
muito apertado e decidi não aderir a isso. Já não basta ter que
cobrir meu corpo, ainda tenho que vestir algo que me incomoda o
dia inteiro? Não mesmo.
― Não sei quanto tempo pretende ficar encarando essa parte do
meu corpo, mas acredito que sua filha quer logo sua bola de volta.
Augusto parece despertar de um transe. Quando desvia o olhar
dos meus peitos, imediatamente vejo ele ficar constrangido, coçando
a nuca. Por algum motivo acho sua reação fofa.
― Ah, obrigado! ― Pega a bola da minha mão. ― Avisa dona
Juvênia que vou pedir pra Mirela diminuir a força no chute.
Lembro do conselho da senhora, e deu certo quando vim
devolver sua encomenda. Então vou tentar mais uma vez. Já faz um
mês da minha chegada na Terra e continuo na estaca zero.
― Não se preocupe, sei como são as crianças. Elas têm tanta
energia, não é mesmo? ― falo, dando uma piscadinha de olho só.
― Sim, é verdade ― ele diz, desconfiado.
― Bem, pelo menos Mirela está sendo ativa e se divertindo ao ar
livre. ― Faço um gesto qualquer com a mão entre nós. ― Melhor do
que ficar trancada em casa o dia todo, na frente de uma tela.
Augusto continua a me olhar estranho e decido não falar mais
nada. Até porque, essas frases saíram tão forçadas que soou como
se eu estivesse lendo um roteiro.
― Bom, bola devolvida. Espero que não apareça no quintal tão
cedo, haha!
Ai, Alana, cala a boca!
Estou prestes a dizer tchau quando, por cima do ombro de
Augusto, vejo Mirela se aproximar, correndo. Seus cachinhos pulam
ao redor do seu rosto e eu tenho vontade de apertá-la de tão fofa.
― Mirela, o que falei sobre correr dentro de casa? ― Augusto
diz, sem nem olhar para a filha.
― Desculpa, papai. Oi, Alana! ― diz, me dando tchauzinho. ―
Quer brincar de bola comigo?
A postura de Augusto muda diante o pedido da menina,
enquanto ela me encara com os olhinhos pidões. Por mais que
queira atender, primeiro tenho que conquistar a confiança do seu
pai.
― Hoje não posso. Tenho que ajudar a Juvênia a… ― penso
numa desculpa bem humana ― fazer faxina.
― Poxa… ― faz bico.
― Ela veio devolver sua bola que caiu, pela terceira vez ― frisa,
passando o brinquedo ― no quintal da dona Juvênia. Como a gente
diz?
― Muito obrigada.
― Por nada ― devolvo, com um sorriso.
― Quando tu vai poder brincar comigo? ― questiona
novamente.
Olho para Augusto e ele dá de ombros. Acho que já está
acostumado com a filha ser um tanto persistente. Não quero
prometer nada para a criança, mas não quero deixá-la triste. Como
já ouvi a Juvênia falar, que sinuca de bico!
Vendo minha situação, Augusto decide intervir, dizendo:
― Alana tá muito ocupada esses dias, Lela.
― Sim! ― concordo, colocando entusiasmo até demais na
palavra. ― É uma mudança e tanto.
― Aqui é tão diferente do céu? ― ela pergunta, curiosa.
E essa é a minha deixa para ir embora porque se eu der um pio
sobre esse assunto, sinto que Augusto fechará esse portão na minha
cara e todo meu progresso vai embora.
― Olha só! ― Coloco a mão em forma de concha perto da
orelha. ― A Juvênia está me chamando. Tchau!
Saio praticamente correndo, sem olhar para trás. Não querendo
voltar para a casa da Juvênia, decido continuar descendo a rua, até
que encontro uma praça. Por ser fim de tarde e, pelo que li do
arquivo de Augusto, período de férias das crianças, há várias delas
espalhadas pelo local, seja no parquinho ou correndo atrás de uma
bola.
Algumas pessoas me olham por mais tempo do que é
socialmente permitido, mas nem me importo. Provavelmente é culpa
da energia angelical que emanamos naturalmente e que chama
atenção, mas logo passa e perdem o interesse.
Ou o escrutínio deve ser pelo fato de não estarem muito
acostumados a ver uma jovem negra de pele retinta e cabelos
brancos sem estar vestida de Tempestade dos X-Men. Sim, assisti o
desenho e os filmes nas horas vagas dos meus estudos e a escolha
das minhas características físicas terrestres foram inspiradas na
personagem.
Fico ali por um tempo, observando o vai-e-vem dos humanos,
até anoitecer. Ao voltar para meu abrigo temporário, encontro
Juvênia sentada na sala, assistindo novela.
― Pensei que você tinha voltado para céu ― brinca.
No começo, Juvênia parecia ser um pouco carrasca e mal-
humorada. Bem, de vez em quando ela ainda é meio mal-humorada
― principalmente pela manhã, antes de tomar aquele líquido horrível
chamado café ― e às vezes lhe falta um pouco de paciência em
certas situações, mas ela se mostrou ser uma guia bem acolhedora.
― Fui dar uma volta para espairecer ― digo, sentando ao seu
lado.
― Sem muito avanço com o viúvo?
― Não ― respondo, frustrada.
― Posso te dar um conselho? ― Ela não espera pela minha
resposta e continua: ― Na verdade, são dois. O primeiro é não
forçar a barra com ele. Sou mãe, então entendo a preocupação com
uma estranha chegando do nada falando sobre anjos e
companheiras perto de sua filha.
Viro o olhar para o porta-retrato próximo ao sofá. Na foto está
Juvênia, anos mais nova, ao lado de seu falecido marido e sua filha
no meio deles. Assim com ela, seu marido e sua filha são negros de
pele clara. Os três estão com um sorriso de orelha a orelha, e de
fundo podemos ver um mar cristalino.
― E qual o segundo? ― Volto a atenção a ela.
― Não queira fazer sua missão correndo. Você sabe que não
tem um prazo, correto? ― questiona e assinto. ― Sei que você quer
ganhar suas asas o mais rápido possível, mas lembre-se de
aproveitar a jornada até isso acontecer.
― Alguns anjos formados me informaram sobre prazeres carnais
com humanos.
― É, isso também ― diz, com uma risada calorosa. ― Não
parece, mas os humanos podem te ensinar muita coisa.
Capítulo 7
AUGUSTO
Quando me mudei para este bairro, havia um terreno baldio
próximo à quadra onde moro. Agora temos um local arborizado, com
um pequeno parquinho para crianças e uns aparelhos de ginástica.
Meu trabalho remoto me permite ficar junto de Mirela, e agora
durante suas férias, me programei para finalizar algumas horas mais
cedo e trazê-la na praça. Se eu me sinto sufocado de ficar o dia
inteiro em casa em certos momentos, quem dirá uma criança de
cinco anos.
― Olha papai! É a Alana! ― minha filha exclama, apontando.
Olho na direção que ela está apontando e de fato vejo Alana,
sentada sozinha. Desde o dia que saiu com a Juvênia da minha casa,
semanas atrás, não tive muito contato com ela. Apenas uns
cumprimentos rápidos, de vizinho para vizinho.
Mirela também, mas sempre abria um sorriso enorme no rosto
quando a via pela vizinhança. Por vezes perguntava quando podia ir
brincar com a “anja” da casa ao lado, e eu desconversava. Por sorte,
como toda criança, logo arranjava outra coisa para se distrair.
Até o dia que ela veio devolver a bola de Mirela. Fiquei
esperando-a tocar em assunto de anjos e missão, mas até que ela
se mostrou… normal? Bem, tirando o fato que apareceu na minha
casa com uma blusa transparente.
Talvez esteja exagerando.
A sua vestimenta não era transparente, mas pelo fato dela estar
sem sutiã e a blusa ser branca, tive uma visão privilegiada de seus
seios fartos, marcando o tecido e do sombreado amarronzado de
suas aréolas. Além de eles estarem quase saindo pelo decote.
Ok, dessa vez exagerei mesmo, porém aquela visão alugou um
triplex na minha cabeça a ponto de, logo depois que ela partiu, tive
que tomar um banho frio. Mesmo agora, após três dias, a imagem
ainda aparece na minha mente e sinto meu corpo todo se acender
quando isso acontece. O que me deixou pensativo, já que fazia
muito tempo que eu não reagia assim em relação a uma mulher.
À medida que vamos nos aproximando, percebo que Alana está
com uma expressão serena encarando o espaço à sua frente. Ao
virar o rosto em nossa direção, solta uma exclamação de surpresa,
para em seguida nos cumprimentar com um sorriso enorme.
― Hoje tu pode brincar comigo? ― Mirela pergunta.
A jovem volta o olhar em minha direção e dou um leve aceno de
cabeça, concordando. Mirela dá pulinhos de alegria, e a força do
sorriso que Alana me dá é capaz de iluminar a cidade inteira.
Minha filha praticamente sai arrastando sua companhia para o
parquinho e eu me sento no banco, observando as duas. Elas vão
para a gangorra e é engraçado ver Alana tentar sentar no brinquedo.
Ela está usando um vestido branco de saia rodada, que sobe um
pouco quando se ajeita no brinquedo. Dois homens estão correndo
no momento que isso acontece e um deles tropeça quando a pele
retinta da sua coxa aparece até demais. Por algum motivo tenho
vontade de arrancar os olhos dos dois por encará-la assim.
Quando Mirela cansa da gangorra, as duas vão para o balanço,
onde minha filha pede que Alana a empurre. Mesmo com a
cacofonia das outras crianças brincando, consigo distinguir a voz da
minha filha insistindo que seja empurrada mais forte, mas a anja
não o faz.
Anja. Rio comigo mesmo por ter me referenciado a Alana dessa
forma. De tanto Mirela chamá-la assim, acabou me influenciando e
agora só penso nela desse jeito.
Não que ela ocupe muito meus pensamentos.
Mirela faz Alana percorrer todos os brinquedos do parquinho até
que se cansa, e vem correndo em minha direção. Alana senta ao
meu lado, com uma expressão de contentamento. Tirando minha
família e a madrinha de Mirela, nunca vi ninguém tão feliz em
brincar com minha pequena.
Quando digo que já está na hora de ir para casa, minha filha faz
bico, mas aceita. Ela dá um abraço apertado em Alana antes de
partimos.
― Até mais! ― grita, quando nos afastamos alguns metros.
Dois dias depois, levo Mirela no mesmo horário e encontramos
Alana novamente. Isso se repete por tantas vezes que por um
momento penso que ela poderia estar nos vigiando, mas a ideia não
se instala.
Algumas vezes ela brinca com Mirela novamente, outras ficamos
nos dois conversando sobre vários assuntos.
― Como está sendo viver com a Juvênia? ― pergunto, mas de
olho no parquinho, onde Mirela está brincando de pega-pega com
algumas crianças.
― Diferente, mas legal.
“Legal” não seria como eu descreveria viver com a senhora
ranzinza. Entretanto, pelo pouco que observei das duas em outros
momentos, como da vez que nos cruzamos no supermercado, elas
parecem se dar muito bem.
― Olha, sei que você não quer falar sobre isso… ― Alana
começa.
― Tava bom demais pra ser verdade ― a interrompo. ― Você
até que aguentou bem, Alana. O que vai me dizer agora, além de
que unicórnios são verdadeiros? Que há um pote de ouro no final do
arco-íris.
Ela abre a boca para falar algo, mas parece repensar.
― Seu arquivo dizia que você seria difícil, mas não desisto de
um desafio ― afirma, decidida.
Estou prestes a lhe dar uma resposta nada educada, quando
Mirela vem correndo em nossa direção, com cara de choro.
― O que aconteceu? ― pergunto, quando ela se senta no meu
colo.
― Eu caí e machuquei o braço ― choraminga, dando uma
fungada.
Ela levanta o bracinho, onde posso ver a pele arranhada. Pelo
bico que ela está fazendo, sei que está se controlando para não
chorar. Alana apoia a mão no joelho dela e algo acontece, pois,
Mirela a encara com um olhar admirado. Ouço novamente um tilintar
suave e calmante, o som igual ao sino dos ventos que tem na
varanda da minha mãe. A jovem ao meu lado dá uma piscadinha
para minha filha, que apenas ri.
― O que foi esse barulho? ― pergunto.
― Que barulho, papai?
― Parecia um sino tocando baixo ― descrevo. ― Ouvi o mesmo
na UPA quando você estava distraindo aquele bebê.
― Você não gostar da resposta ― Alana avisa.
― Diga assim mesmo ― peço, um pouco receoso.
― Esse barulho acontece quando uso meus poderes.
Ela está certa. Eu não gostei da resposta.
Uma semana depois desse acontecido, estamos chegando na
praça e não consigo discernir esse sentimento de ansiedade dentro
de mim quando penso que Alana pode estar lá ou não.
Meus olhos saem à procura dos seus fios brancos e, quando
encontro, percebo que não está sozinha, como das outras vezes. Há
um homem do seu lado.
― Olha, papai! Alana arranjou um namorado ― Mirela comenta,
dando uma risadinha.
Eu não reajo à sua piada já que minha atenção está no cara em
sua companhia.
Quem será ele? De onde se conhecem? Por que ela o está
ignorando enquanto ele fala pelos cotovelos? E por que será que
estou tão interessado nisso se mal a conheço?
Ele pode ser seu namorado de verdade.
Quando penso nisso, sinto uma vontade inexplicável de dar um
soco na cara dele.
Ao chegar perto, reconheço o corredor que tropeçou quando a
viu subir na gangorra. Ele tem a pele clara, os cabelos castanhos e
um físico definido. Ele tenta chamar atenção de Alana, que só
balança a cabeça, com o olhar perdido em sua frente.
Quando ela nos vê, abre o enorme sorriso que já me acostumei
a receber e um quentinho se instala no meu peito. O homem ao seu
lado fecha a cara e eu não seguro um sorrisinho, me sentindo
vitorioso.
― Quem é seu amigo? ― Mirela pergunta.
― Não sei ― Alana responde. ― Ele só sentou aqui do meu lado
e começou a falar. Qual é o seu nome mesmo?
O corredor fica furioso com a declaração de Alana, que o encara
com genuína curiosidade. Mirela está dando pulinhos de ansiedade,
e eu digo que ela pode ir brincar.
― Tu vem, Alana? ― ela pergunta.
― Já, já ― a jovem responde.
Quando vejo que Mirela está no parquinho, já brincando com
outras crianças, volto a atenção para as duas pessoas sentadas no
banco. O corredor está praticamente bufando de raiva.
― Você me deixou ficar falando por uma hora e não prestou
atenção nem no meu nome? ― vocifera.
― Eu não quis ser mal-educada ― Seu tom é inexpressivo, como
um dar de ombros.
Ele se levanta de uma vez e eu me preparo para qualquer que
seja sua reação.
― Sua…
― Ei! ― o interrompo. ― Pense duas vezes antes de terminar o
que vai dizer.
Ficamos nos encarando até que a voz de Alana chama a
atenção.
― Vadia. Vaca. Piranha. Biscate. Cachorra. Safada. Puta. ―
Diante de nossa completa confusão, ela continua: ― Era um desses
que você ia me chamar, né? Eu não entendo.
― O quê? ― O corredor pergunta, sua curiosidade falando mais
alto.
― A necessidade de me xingar e tentar me fazer ficar
envergonhada só porque eu não retribuí sua atenção. Seu ego é tão
frágil assim que precisa me ofender para se sentir melhor?
O corredor fica atônito, a encarando de boca aberta, e eu
também. Com certeza essa não era a reação que estávamos
esperando. A sua arrogância ao sentar junto de Alana e ficar falando
por muito tempo, mesmo sem ela prestar atenção, me faz tem a
impressão que ele consegue suas conquistas na base da insistência.
Bem, dessa vez, além de levar um não, vai ter assunto para
tratar na terapia.
Aceitando a derrota e a humilhação, o corredor simplesmente se
vira e vai embora.
― Uau! ― exclamo, ainda sem palavras para o que acabou de
acontecer.
― O quê?
Agora é a minha vez de ser alvo do seu olhar curioso e eu me
sinto hipnotizar por seus olhos acinzentados. Quando não respondo
nada, Alana apenas se levanta e vai ao encontro de Mirela, que está
gritando seu nome no escorregador.
Capítulo 8
AUGUSTO
Trabalho de contador em um escritório no centro da cidade. No
começo, após a morte da minha mulher, foi difícil conciliar trabalho
com a paternidade solo. Por sorte, tenho ótimos empregadores e
eles entenderam a situação, me ajudando bastante.
Quando veio a pandemia, todo mundo foi mandado para
trabalhar remoto e assim estamos desde então. Porém, uma vez por
mês pedem para irmos ao escritório para uma reunião presencial.
Acredito que essa seja uma forma de promover o contato pessoal
entre os funcionários, porque tudo que é dito poderia ser enviado
por e-mail ou ser feito mesmo virtualmente.
Na última reunião que ocorreu coincidiu com o dia que Mirela
passou a tarde com os avós maternos, mas quase sempre ela acaba
ficando sob a supervisão da dona Juvênia. O fato dela ser amiga da
minha mãe e de gostar genuinamente da minha filha me faz confiar
na senhora ranzinza, mesmo que viva implicando comigo sem
motivo aparente.
Até questionei minha mãe sobre essa situação, mas ela apenas
sorriu e disse que esse era o jeito da Juvênia. Também soube que
sua filha e a família moram em outro bairro e elas possuem uma boa
relação. Porém, sinto pena da senhora morando sozinha, já que
também é viúva, e mesmo pegando no meu pé, sempre estou
disposto a ajudá-la no que ela precisa.
Talvez implicar comigo seja algum passamento para ela se sentir
menos solitária, mas bem que poderia escolher outro que eu não
reclamaria.
― Papai, será que a Alana tá aí? ― Mirela questiona, quando
estamos nos aproximando da casa vizinha.
― Não sei… ― respondo, torcendo para que não aparecesse de
novo com uma blusa praticamente transparente, já que agora que
meu cérebro começou a dispersar essa imagem da minha mente.
Nossa dúvida é respondida no momento que toco a campainha
da casa da dona Juvênia e é a jovem negra de cabelos brancos que
atende o portão.
― Alana! ― Minha filha grita e a abraça pelas pernas.
― Ah! Oi, Mirela. Augusto.
Ela está usando uma regata cor-de-rosa e um short jeans curto
de barra desfiada. Novamente ela está sem sutiã. Poderia torcer
para que usasse um, pelo menos dessa vez e pelo bem da minha
sanidade, mas aparentemente não é nada que ela faça.
Não que eu esteja sempre de olho vidrado no seu busto, mas
desde que ela foi devolver a bola até os nossos encontros casuais na
praça, não me recordo dela usando a peça. Logo, não deveria estar
surpreso que, dessa vez, ela esteja sem novamente.
Fico levemente distraído pelas suas longas e torneadas pernas à
mostra. A combinação de seus cabelos brancos e sua pele preta
retinta, que parece estar sempre bronzeada, é de uma beleza que
poderia ser realmente chamada de celestial.
Admito que Alana é uma das mulheres mais bonitas que já vi na
vida, mas que faltam alguns parafusos nessa cabeça, isso falta.
Quando subo o olhar, nos encaramos por algum tempo.
― Dona Juvênia está aí? ― quebro o silêncio.
― Ela acabou de sair ― informa.
― Merda.
― Papai! Tu falou uma palavra feia ― Mirela comenta, rindo. ―
Vai ter que pagar dois reais no porquinho.
― Posso ajudar em algo? ― Alana pergunta, sorrindo do
comentário da minha filha.
Estou a ponto de pegar Mirela e levá-la junto comigo quando
vejo seus olhinhos brilharem de alegria, encarando Alana. Tomara
que eu não me arrependa da minha decisão.
Se fosse alguns dias atrás, eu nem cogitaria isso, mas nos
nossos últimos encontros na pracinha deu para perceber que Alana
gosta de Mirela e se importa muito com minha filha. Quando não
começa com o papo de anjo, vejo algo nela que me passa uma certa
confiança que não sei explicar.
Além disso, o fato de a Juvênia não ir com a cara de todo
mundo e estar abrigando uma jovem que alega ser um anjo e ter
caído do céu, ajuda muito.
― Geralmente peço pra dona Juvênia olhar a Mirela quando
preciso sair, mas como ela não está, pode me fazer esse favor?
― Por favor, por favor, por favor ― Milena implora, juntando as
mãos e pulando no lugar.
― Tem certeza? ― direciona a pergunta a mim.
Sendo sincero, não muito, mas é minha última opção. E se todo
esse tempo que nos encontramos na praça mostrou algo, é que ela
tem um carinho genuíno pela minha filha.
Mirela me encara com os olhos esperançosos e Alana parece que
só voltará a respirar depois da minha resposta.
― Tenho sim ― confirmo e Mirela comemora.
― Tudo bem ― Alana diz, parecendo aliviada. ― E não se
preocupe, acredito que a Juvênia logo vai voltar.
― Você tem um celular? ― indago e ela assente. ― Qual o
número?
― Não sei. A Juvênia me deu ele e esqueceu de me falar ―
responde, um tanto constrangida.
Como assim ela não sabe seu próprio número? Até minha filha
de cinco anos memorizou o meu para caso de emergência. Nem
perguntarei porque capaz dela vir com esse papo de anjo e
unicórnios novamente e eu preciso de alguém com a cabeça no
lugar para vigiar Mirela.
― Tá com ele aí?
Ela tira o aparelho do bolso do short e me entrega. Digito meu
número e salvo, em seguida ligando para meu próprio aparelho.
― Pronto. Se acontecer alguma coisa, pode me ligar. ― Agacho-
me para dar um beijo na testa da minha filha. ― Se comporte.
Encaro Alana e ela parece tão animada quanto minha filha.
― Posso falar com você um instante? Mirela, vai esperar Alana
sentada na sala, sem mexer em nada ― peço, entregando sua
mochilinha.
Minha filha segue para dentro da casa, comentando sobre ir
montando já o chá da tarde, sendo que ela mal acabou de almoçar.
― Então, algumas regras… ― anuncio e Alana volta a atenção
para o celular ― O que está fazendo?
― Anotando as regras para não esquecer. É a primeira vez que
sou babá da sua filha e não quero fazer nada de errado.
Do jeito que ela fala é como se isso fosse se repetir várias vezes,
mas sua atitude me surpreende positivamente.
― A Juvênia sempre tem algum bolo pronto na casa dela, como
se soubesse quando virei pedir ajuda ― começo.
― Hmm… realmente ela fez um de cenoura com cobertura de
chocolate que está delicioso ― ela comenta e agora estou com
vontade de um pedaço.
― Exatamente e esse é o favorito de Mirela. Não deixe que ela
coma muito. No máximo, dois pedaços.
― Anotado ― confirma, sem levantar a vista do celular.
― Sem refrigerante, mas suco pode servir à vontade. E ela
também pode assistir televisão, mas não por muito tempo.
Geralmente coloco alguma animação.
Alana balança a cabeça concordando enquanto digita no celular.
Ela demora um pouco mais que uma jovem da sua idade para
digitar, como se não tivesse familiaridade com o aparelho. Talvez
seja novo, mas do jeito que ela manuseia, pode-se pensar que é um
daqueles tijolos antigos da Nokia.
― Quantos anos você tem? ― finalmente pergunto.
― Duzentos.
― Estou falando sério ― digo, com a minha voz de pai, segundo
Mirela.
― Eu também. ― Com isso, levanta o olhar para mim. ― Mas se
quer saber a idade terrestre é vinte.
― E o mais importante: sem esse papo maluco de anjo ―
ordeno, com o dedo em riste.
Seu semblante estremece e posso até ter sido um pouco severo,
mas depois eu quem terei o trabalho de convencer minha filha que
anjos não existem de verdade.
― E se ela perguntar?
― Fale a verdade ― dou de ombros.
― Mas você acabou de dizer pra não falar nada de anjo. Estou
confusa ― diz, inclinando a cabeça para o lado.
― Fale a verdade ― insisto. ― Que é tudo invenção sua.
Alana apoia as mãos na cintura e inclina a cabeça para o lado,
me analisando. Sempre que me vejo alvo do escrutínio do seu olhar,
sinto uma comichão no peito.
― Poxa vida, como você é difícil! ― diz, depois de alguns
segundos. ― Vou ter uma trabalheira.
Sinto que se ficar nessa conversa irei me atrasar para a reunião,
então decido pegar o caminho mais rápido e ignorar tudo isso.
― Por favor, Alana ― peço, resignado. ― Sem papo de anjo.
― Tá bom.
ALANA
― Shh… shh… já acabou ― Mirela diz, passando a mãozinha na
minha cabeça, me consolando.
― Por que é tão triste? ― digo, entre um soluço e outro.
Nunca pensei que na minha vinda para Terra eu seria consolada
por uma criança de cinco anos, mas tudo culpa desse filme que
acabamos de assistir.
Quando Mirela cansou do nosso chá da tarde, liguei a televisão
da Juvênia e havia acabado de começar um filme chamado Todos Os
Cães Merecem o Céu, em um programa chamado Sessão da Tarde.
Lembrei de Augusto comentando sobre colocar animações para
Mirela assistir, então deixei no canal. Agora estou em prantos por
causa de um filme triste de cachorro que nem existe na vida real.
E não vamos esquecer da criança de cinco anos com muito mais
maturidade emocional, me consolando nesse momento.
― Sabe o que seria bom agora? Um pedaço de bolo ― ela joga
a sugestão no ar.
― Engraçadinha ― digo, entre uma fungada e outra. ― Você já
comeu dois pedaços, o que é a quantidade máxima que seu pai
disse que você poderia ganhar.
― Mas é pra tu, Alana ― argumenta, séria. ― Bolo sempre me
deixa mais alegre.
― Ok, mas só pra mim ― friso.
Minutos depois, estou terminando meu pedaço, assim como
Mirela também está com os lábios sujos de chocolate. Claro que fui
enganada por uma criança, mas não pude resistir quando me
implorou por uma fatia com os olhinhos brilhando.
― Viu? Eu disse que o bolo ia fazer você parar de chorar ―
Mirela comenta, como se fosse a pessoa mais sábia do universo.
― Foi uma ótima ideia, que ficará só entre nós duas, tá bom?
Agora que fiz um pequeno progresso com Augusto, não quero
que um pouco de bolo a mais do que o indicado seja o motivo para
todo retrocesso.
― No céu tem cachorro também? ― pergunta, me fazendo
lembrar do final do filme e dessa vez me controlo para não chorar.
Penso bem antes de responder. Quero respeitar o pedido do seu
pai de não falar nada sobre anjos, mas é uma pergunta tão
inocente. Fora que ela perguntou apenas sobre cachorro.
― Não onde resido, mas já ouvi falarem sobre uma área para os
animaizinhos sim.
― E minha mamãe? Tu conhece ela?
Coloco meu pires de lado e cruzo as mãos em cima da mesa.
Augusto vai ficar uma fera, mas é melhor eu falar logo sobre isso
com ela.
― Não, não conheço. O local do céu que ela vive é diferente do
meu. Perdão.
― Tudo bem ― ela fica cabisbaixa.
Como não aguento vê-la jururu, corto mais um pedaço beeeem
pequeno de bolo e coloco em seu prato. Logo um sorriso substitui
sua carinha de tristeza.
― Mas tenho certeza que ela te olha lá do céu e está bastante
orgulhosa de você ― digo.
― Pode ser… eu converso com ela de vez em quando nos meus
sonhos. Ah! Da próxima vez vou pedir pra ela te ajudar. Por que tu
não pode ser namorada do papai? ― muda de assunto, de repente.
― Não é assim que funciona, minha querida.
Não que fosse algo ruim porque uau!, Augusto é bem mais
bonito pessoalmente do que pelas fotos preto e branco do seu
arquivo. E quando ele usa umas regatas, tenho que me concentrar
em não ficar babando nas veias dos seus braços. Mas deve ter
alguma regra em algum lugar falando sobre não se envolver com os
alvos das missões. Eu não li o manual todo.
― Como seria a companheira perfeita pro seu papai? ― instigo,
já pronta para fazer uma lista mental.
― Ela tem que ser muito bonita, tipo uma princesa. Tem que
saber fazer as vozes diferentes quando ler os livros pra eu antes de
dormir…
― Para mim ― a corrijo.
― Ela vai ler pra você também? ― pergunta, com a boca toda
suja de chocolate.
― Deixa pra lá ― sorrio comigo mesma. ― Continua.
― Tem que ser gentil, cheirosa e saber fazer macarronada, que
é a minha comida favorita ― diz com entusiasmo e não consigo
evitar um sorriso.
Depois da sessão bolo de consolo, Mirela decide que quer
brincar de novo de chá. No início da noite, Augusto aparece para
buscá-la. Seu semblante cansado se desfaz um pouco ao pegar a
filha no colo.
― Arrumou tudo direitinho? ― Ele pergunta para a menina,
colocando-a no chão ― Não tá esquecendo nada?
Mirela parece pensar e acaba voltando para a casa. Augusto se
resigna de apenas balançar a cabeça de um lado pro outro.
― Ela sempre esquece algo ― murmura e virando pra mim, diz:
― Espero que ela não tenha dado muito trabalho.
― Ela foi um anjo.
Logo que a palavra sai, coloco as duas mãos na boca, o que me
faz receber uma risada de Augusto em troca. Mirela retorna e, ao se
despedir, me abraça pela cintura. Para receber melhor o carinho da
menina, me agacho. Quando me levanto, Augusto está nos olhando
de forma curiosa.
― Pegou tudo dessa vez, Lela? ― pergunta, segurando sua
mãozinha e a filha confirma, balançando a cabeça fazendo seus
cachos balançarem também. ― Ótimo! Então, nos vemos por aí.
Obrigado.
Fecho o portão e volto para a sala, sentando no sofá. Ligo a
televisão e tento me concentrar no programa, mas uma pontinha de
culpa me consome. Cinco minutos depois, estou tocando a
campainha de Augusto.
― Preciso confessar uma coisa ― disparo, logo que ele aparece.
― Quebrei uma de suas regras. Sei que confiou em mim e pediu
para não começar com esse papo de anjo e tudo mais. Então Mirela
começou a perguntar se no céu tem cachorro por causa daquele
filme triste que a gente estava assistindo, eu disse ser em outra área
e aí uma coisa levou a outra e…
― Ei! Respira ― Coloca a mão no meu ombro e um calor
gostosinho se espalha pelo local.
― Só queria pedir desculpas ― digo, sincera. ― Juro que tentei
não falar sobre minha missão, ou céu, ou nada do tipo ― gesticulo,
nervosa.
― Acredito em você. ― Vendo que fico um pouco animada, ele
acrescenta: ― Na parte sobre tentar não falar. É só que… Mirela tem
uma mente muito fértil e ela é muito inocente. Não quero que se
magoe quando descobrir que…
― Se teve uma coisa que me falaram é que vocês humanos
adultos são muito cabeça dura e incrédulos.
― Se fosse você no meu lugar, acreditaria se alguém do nada
chegasse e falasse ser um anjo? ― indaga, com a sobrancelha
arqueada.
― Sim, ué. Vi que vocês são ensinados durante a infância sobre
anjo da guarda. Não entendo como esse ensinamento se perde na
vida adulta.
― Culpa dos boletos e preocupações ― ironiza, cruzando os
braços e meu olhar desvia brevemente para eles. ― Que seja!
Obrigado pela honestidade.
― Ah! Outra coisa. Também quebrei a regra sobre no máximo
dois pedaços de bolo. Eu estava chorando por causa do final do
filme e ela disse que bolo a deixava feliz. Quando dei por mim, ela
também estava comendo.
― Tudo bem ― Sua risada é baixa e me faz sentir um calor no
peito. ― Eu já caí nesse golpe. Mirela é bem esperta para a idade
dela.
Sorrio com seu comentário, mas logo um silêncio constrangedor
se instala entre nós. Dou um boa noite rápido e volto para a casa da
Juvênia.
Ao passar pela sala, olho um papel embaixo da mesa de centro,
que provavelmente deve ser um dos desenhos que Mirela estava
fazendo antes do seu pai chegar.
Pego-o e eu arfo ao ver um retrato meu com asas, no melhor
estilo artístico boneco de palito. Solto uma risada ao ver que ela
escreveu a palavra “branco” com uma seta indicando meu cabelo e
uma auréola na minha cabeça.
No armário da cozinha, procuro uma fita nas coisas de Juvênia
antes de ir para o quarto. Corto um pedaço e colo o desenho na
parede, onde posso observar também da cama.
O desenho de Mirela foi algo inesperado, mas também me
encheu de esperanças sobre conseguir completar minha missão.
Capítulo 9
AUGUSTO
Hoje, logo ao acordar, Mirela praticamente implorou para eu
encher a piscininha dela, o que é uma boa ideia para domingo com o
calorão que está fazendo. Aqui em Pastos Bons temos quatro
estações distintas: verão, calor, quentura, mormaço. Já que não
posso fazer companhia à minha filha na água, pelo menos vou tomar
uma breja geladinha.
― Tia Dadá! Olha o que sei fazer! ― Mirela grita.
Daniela, mais conhecia como tia Dadá, é sua madrinha e melhor
amiga da minha falecida esposa. Elas eram amigas desde a escola e,
após a sua morte, nos aproximamos por causa de Mirela. Hoje posso
dizer que ela é minha melhor amiga também.
Chamando nossa atenção, minha filha enche a boca d’água e
estica os braços na frente do corpo, segurando um copo em suas
mãos. Ao confirmar que estamos olhando, faz bico e começa a jogar
a água da boca em direção ao copo, sem derrubar uma gota.
Daniela bate palmas, entusiasmada, como se a criança tivesse
acabado de descobrir a cura de alguma doença.
― Que inveja da Mirela ― diz, se curvando para pegar uma lata
de cerveja na caixa térmica entre nós.
― Queria também a possibilidade de adquirir vermes ao cuspir
água da piscina em um copo? ― brinco, recebendo a latinha de sua
mão.
― Não, seu cabeçudo. ― Abre sua bebida, se recostando na
cadeira de praia novamente, amarrando os fios castanhos em um
coque. ― Aquela água deve estar super refrescante e a gente aqui
torrando no sol.
Eu queria ter comprado daquelas piscinas de plástico padrão que
toda família nos anos 90 deve ter tido, mas não consegui achar.
Então comprei uma pequena onde cabe apenas a criança.
― Fica a dica de presente pra ela, mas tem a mangueira ali se
quiser se refrescar.
Quando Daniela não responde, eu viro em sua direção. Mesmo
usando óculos escuros, percebo que seu olhar está focado em outro
lugar. Mais precisamente, no telhado da casa da dona Juvênia.
Mirela sai da sua piscina e vem correndo em nossa direção.
― Olha, papai! ― Mirela senta no meu colo, sem nem se
importar de me molhar ― É a Alana.
Ela aponta em direção à moça no telhado. Desde semana
passada, quando ela ficou de babá da minha filha na semana
passada, quase não a vi mais pela vizinhança.
Anteontem, levei Mirela na praça e não nego e nem confirmo
que esperava encontrar uma certa jovem de cabelos brancos por lá.
Também não nego e nem confirmo que senti sua falta quando não a
vi. Ao cruzar com a dona Juvênia na volta, minha filha perguntou
pela sua hóspede e a única resposta é que ela estava resolvendo
alguns problemas.
Espero que tenha algo a ver com o fato dela acreditar que é um
anjo e ter procurado ajuda.
― Quem é a gata que pensa que pode voar? ― Daniela
pergunta, abaixando os óculos na ponte do nariz.
― Ela não pode voar porque ainda não ganhou as asas ― Mirela
responde.
― Quê? ― Daniela questiona, confusa.
― Ela é um anjo sem asas, tia Dadá. Só pode voar depois que
arrumar uma namorada pro papai.
― Aaaah… ― Inclinando o corpo em minha direção, ela baixa a
voz: ― Essa é aquela mulher que cê encontrou no quintal e veio
com esse papo de anjo e missão?
― Infelizmente sim.
Ficamos os três olhando a moça andando em cima do telhado,
com o braço esticado parecendo segurar seu celular. Ela novamente
está usando uma blusa branca e um short jeans curto de barra
desfiada, o que me faz questionar se seu guarda-roupa é composto
apenas por essas peças.
― Papai, eu to com medo dela cair ― Mirela comenta, com a
voz trêmula.
― Ela não vai cair ― asseguro.
Mal digo as palavras e um grito ecoa pelo ar no momento que
Alana escorrega.
Praticamente jogo minha filha no colo de Daniela e saio em
direção ao muro que divido com o terreno da Juvênia. Ele não é tão
alto e, depois da segunda tentativa, consigo me equilibrar e pular
por ele.
Quando aterrisso no quintal, vejo que Alana está pendurada, se
segurando na ponta do telhado, a uma boa altura do chão.
― Alana! ― chamo sua atenção.
― Ah… Oi, Augusto! ― responde, me olhando por cima do
ombro. ― O que está fazendo aqui? Como entrou?
― O que eu tô fazendo aqui? ― grito, ignorando suas
perguntas. Gesticulando de forma agitada, continuo: ― O que você
tá fazendo aí? Ficou maluca?! O que te deu na cabeça para subir no
telhado?
― Eu estava tentando entrar em contato com meus superiores e
lembrei da Juvênia comentar que daqui de cima o sinal fica melhor
― informa, em um tom tão calmo, como se isso fosse a coisa mais
natural do mundo.
― Contato com… Quer saber, deixa pra lá! Não vou engajar
nessa sua loucura, mas vou te ajudar a descer daí.
― Que gentil da sua parte ― responde, ainda com a voz calma e
um sorriso nos lábios. ― E ainda me disseram que os humanos não
sabem o que é isso.
Ignoro seu comentário e ando pelo quintal da vizinha atrás de
uma escada que tenho certeza que ela guarda aqui. Várias vezes a
vi usando ao aparar os galhos altos do pé de acerola que fica em
frente à sua casa.
― Augusto, sem querer te apressar, mas meus braços estão
ficando cansados ― Alana comenta e consigo ouvir o pavor em sua
voz.
― Só mais um segundo.
Verifico a área de novo e sem sinal da escada. Na parte coberta
há um banco de palha com algumas almofadas grandes e isso me dá
uma ideia.
Pego todas elas e coloco na direção em que Alana se encontra
pendurada, me posicionando embaixo dela também.
― Alana, quando eu disser três, você vai se soltar ― peço.
― Quando?
― Três. No tr…
Eu mal termino de falar quando a mulher solta os braços. Ainda
bem que tenho reflexo rápido por conta de Mirela e consigo ampará-
la, mas nós dois acabamos caindo um por cima do outro.
Dessa vez quem precisa ir à UPA examinar as costas sou eu.
Apesar das almofadas terem amortecido um pouco o impacto, o
peso de Alana por cima de mim não ajudou muito. Respiro fundo e
sou contemplado por um cheiro doce e suave de jasmim.
― Você está bem? ― pergunto, tirando os fios brancos que
cobrem meu rosto.
― Sim, obrigada.
Alana apoia os braços nos meus ombros e levanta um pouco o
corpo. O movimento faz com que nossos rostos fiquem bem
próximos. Seus longos cabelos brancos caindo para frente são como
uma cortina ao nosso redor, os olhos claros contrastando com a pele
retinta.
Nossos corpos se tocam em todos os lugares possíveis. Consigo
até sentir seu coração acelerado junto ao meu peito. Seu olhar
desce para minha boca, mas o meu permanece fixo em seu rosto.
Mesmo com toda essa loucura de anjo e asas, nunca neguei do
quanto que Alana é linda. E ultimamente ela vem povoando meus
pensamentos mais do que o necessário.
Ela se mexe e eu puxo o ar pelos dentes, tentando controlar
uma crescente ereção. Faz muito tempo que não fico tão próximo
assim de uma mulher, então meu corpo reage de forma involuntária
ao calor de Alana junto a mim. Ela solta um “oh” baixinho.
― Prazeres carnais ― sussurra, seu olhar fixo na minha boca.
Se eu aproximasse mais alguns centímetros, nossos lábios se
tocariam. É essa a ideia que passa pela minha cabeça quando ouço
minha filha e Daniela chamarem meu nome, do outro lado do muro.
― Estamos bem ― grito de volta, ainda com o olhar fixo no seu.
Mas nem eu, nem Alana nos mexemos. Quando penso que ela
vai finalmente colar nossos lábios, seu rosto vai para o lado e sinto a
ponta do seu nariz no meu pescoço, inspirando fundo junto à minha
pele.
O movimento me causa um arrepio pelo corpo todo e meu
membro pula na roupa. Com certeza ela sente minha ereção entre
suas coxas desnudas, visto que está praticamente montada em mim.
Se seus lábios não estivessem tão próximos do meu ouvido, não
teria ouvido o pequeno gemido que ela solta.
― Você tem um cheiro bom ― declara, com a voz rouca.
Assim que ouvimos Mirela gritar por mim novamente, Alana
parece despertar de um transe e se levanta de uma vez, me
ajudando em seguida. Ainda bem que estou usando uma bermuda
folgada. Caso contrário, estaria ostentando a maior barraca armada
já vista em Pastos Bons.
Alana está com o olhar fixo na direção abaixo do meu umbigo,
dessa vez ela que encarando uma parte da minha anatomia. Não tão
discreto, me mexo, fazendo-a voltar o olhar para mim. E o que
encontro no cinza dos seus orbes me surpreende e é a última coisa
que imaginei ver em seu rosto: puro desejo.
Ela fecha os olhos e respira fundo. Quando os abre novamente,
não há resquício do que vi segundos atrás.
― Obrigada por me ajudar ― diz, com a maior naturalidade,
como se não tivesse cafungado[2] meu pescoço e dado uma bela
encarada no meu pau meia-bomba.
Preciso limpar a garganta antes de falar.
― Não tem de quê ― respondo, com a voz arranhada. ― Só não
invente mais de subir em telhados ― Quando abre a boca para
retrucar, acrescento: ― Ou pelo menos pegue uma escada da
próxima vez. Afinal, como subiu lá? Quer saber, deixa quieto…
Olho em direção ao muro, cogitando se arrisco de pular de volta
e a Juvênia chegar. Com certeza ela iria me dar uma bronca
daquelas e ainda fofocaria para minha mãe, como se eu fosse uma
criança da idade de Mirela e não um adulto de trinta e cinco anos.
Parecendo ler meu pensamento, Alana diz:
― Ela não vai voltar agora. Saiu daqui ontem dizendo que ia
passar o final de semana com a filha e só volta amanhã de manhã.
Algo em meu peito se aperta ao imaginar Alana sozinha pelo
resto do dia. Respiro fundo esperando não me arrepender do que
direi.
― Não quer se juntar a nós?
Capítulo 10
ALANA
Acompanho Augusto de volta para sua casa. Ao entrar no seu
quintal, vejo Mirela enrolada em uma toalha e sentada no colo de
uma jovem. Ela tem a pele clara e cabelos castanhos repicados na
altura do ombro.
Quando nos aproximamos das cadeiras de praias, a menininha
se levanta e vem em minha direção, me abraçando pelas pernas.
― A gente viu quando você caiu, mas aí o papai saiu correndo
como um herói pra te salvar ― ela narra, bastante animada.
Olho para o lado e vejo Augusto ficar com as bochechas
vermelhas. Quando apareceu lá dizendo que ia me ajudar, até
cogitei em comentar que eu não me machucaria daquela altura, pois
usaria um pouco do meu poder para amortecer minha queda, mas
deixei que o fizesse de qualquer forma. Sua preocupação comigo é
um bom sinal na minha missão.
― Vou pegar outra cadeira ― Ele diz e se retira, voltando para a
casa.
― Olá ― A moça fala, esticando a mão. ― Prazer, Daniela.
― Alana ― aperto sua mão, me sentando ao seu lado.
De fato, há uma Daniela que ocasionalmente era citada no
arquivo do Augusto. Esse seria meu plano D… ou seria L? Não
lembro qual letra do alfabeto, mas o plano é: pedir ajuda a ela.
Mesmo usando óculos escuros, percebo o olhar de curiosidade
da mulher ao ver Mirela sentar no meu colo. Também me espanto
com a atitude da garotinha, mas crianças e anjos sempre tiveram
uma ligação natural de confiança. E depois de todos aqueles
encontros na praça, acho que posso dizer que a considero minha
amiga. Apesar de ela ser apenas uma criança.
― Você está solteira? ― pergunto, curiosa e já maquinando
algo.
― A tia Dadá não pode ser namorada do papai ― Mirela
comenta antes da jovem responder. ― Ela tá num ano sábado.
― Ano sábado? ― direciono a pergunta para Daniela.
― Sabático ― informa, rindo. ― Além disso, o Zé é como um
irmão pra mim. Nunca o veria dessa forma.
Sua cara de desgosto é tão engraçada que me arranca uma
risada baixa.
― Então… ― limpo a garganta. ― Por acaso você teria alguma
amiga para apresentar a ele? É que assim, não sei se ele te falou,
mas…
― Uau! Ele tava certo ― Daniela me interrompe. ― Cê
realmente acredita nessa história de anjo, hein.
E lá se vai meu plano por água abaixo. Mais um humano de
mente fechada que não acredita em mim. Talvez eu devesse ter
ficado mesmo com a missão de juntar o chefe e sua funcionária,
ambos viciados em jogar vídeo game.
Daniela abaixa brevemente os óculos escuros, me encarando.
― Mas ela é, tia Dadá ― Mirela insiste. ― Eu vi quando ela caiu
do céu.
― Malditos unicórnios ― xingo baixinho para que a criança não
me ouça, mas pelo sorrisinho que ela dá, acredito que ouviu sim.
― De novo com essa história? ― ouço Augusto falar.
Se ele estranha sua filha em meu colo, não comenta nada
também. Acho que a essa altura deve ter aceitado que não sou uma
ameaça para a menina. Definitivamente aqueles encontros na praça
renderam. E nem foi nada premeditado ou planejado; só gosto de ir
lá pela tarde para relaxar.
Augusto coloca uma cadeira de praia ao meu lado, se sentando
em seguida. Tento não ser muito óbvia ao admirar seu peitoral
definido, me permitindo alguns segundos de observação. Logo
desvio o olhar, tentando não pensar nos acontecimentos recentes,
mas falho.
Lembro da sensação do seu corpo junto ao meu e do seu cheiro,
sinto meu rosto esquentar. Quando lembro de seu… ahn… membro
pulsando entre minhas pernas, é aí que o calor aumenta. Até me
abano um pouco com as mãos para ver se passa um pouco essa
sensação, mas não adianta muito.
Os outros anjos estavam certos sobre aproveitar os prazeres
carnais em nossa passagem na Terra, mas acredito que não deva ser
com a pessoa que se deve ajudar a encontrar uma companheira.
Porém, isso não explica porque, quando estava em cima dele, tive
aquela vontade incontrolável de sentir seu cheiro direto da sua pele.
Espero que isso não vá parar no meu relatório.
― Cê deixou de fora o fato que sua anja da guarda é muito
bonita, Zé ― ouço Daniela comentar, me despertando.
― Ah não… ― Augusto reclama ― Você também não, Dani.
― Eu não sou anjo da guarda dele ― informo.
― Não? ― Os dois falam juntos, surpresos.
― Não. Anjo da guarda é outra patente celestial. Logo, o seu é
outro anjo. Peraí! ― me empertigo na cadeira. ― Isso significa que
vocês acreditam em mim?
― Não ― eles respondem juntos, novamente.
― Que droga! ― Cruzo os braços, tentando não fazer bico.
― Eu acredito em você, Alana ― Mirela comenta, antes de pular
do meu colo e ir correndo para sua piscininha.
― Não corre que você pode cair ― seu pai pede.
― Tá bom, papai ― responde, mas já alcançando o brinquedo.
Mirela entra na piscina com cuidado, passando uma perna e
depois a outra, e logo está brincando e espalhando água pelo
quintal. Daniela se inclina e pega uma latinha da caixa térmica, joga
por cima de mim em direção ao seu amigo. Em seguida, ela pega
outra e indica em minha direção.
Quando pego da sua mão, o gelado da lata causa uma boa
sensação na minha pele. Outra coisa que esqueceram de me falar é
como aqui no Nordeste do Brasil faz um calor danado. Mais um
motivo para abolir esse negócio de usar roupa.
Nessas últimas semanas, me questionei várias vezes se na
batida com o unicórnio, a minha rota foi desviada ao extremo e fui
parar no inferno de tão quente que está. A Juvênia diz que isso é
tudo culpa dos seres humanos; o aquecimento global e a falta de
cuidado com a natureza.
― Se não gosta de cerveja, tem refrigerante e suco aqui dentro
― Daniela me informa.
― Não, é que…
― Toda essa história de anjo e blá blá blá ― me interrompe.
― Eu já falei pra não dar corda pra essa maluquice. Daqui a
pouco ela começa a falar de unicórnios, vai por mim ― Augusto
comenta, bebericando da sua latinha.
― Alana, me diz ― Daniela começa. ― Qual a maioridade lá no
céu pra poder beber?
― Vocês anjos podem beber? ― Augusto pergunta também,
entrando na brincadeira. ― Ou é proibido?
― No céu tem pão? ― Daniela pergunta.
Augusto cai na risada com a pergunta da amiga, e eu fico sem
entender. Os dois continuam com as brincadeiras e chacotas, e isso
vai criando um bolo na minha garganta. Toda a frustração que venho
sentindo desde que cheguei parece tomar conta do meu corpo de
uma vez.
Pensei que tinha avançado em relação a Augusto, pelo modo
gentil que começou a me tratar. Que os nossos encontros não-
planejados na praça tivessem baixado um pouco a sua guarda ao
que me trouxe aqui. Pelo visto me enganei e ouvi-lo caçoar de mim
junto de sua amiga me magoa mais do que pensei.
Coloco a latinha de volta na caixa térmica e me levanto, ficando
de frente para os dois adultos mais idiotas que já conheci. Tudo bem
que minha lista de adultos conhecidos não é grande, mas já estou
cansada.
Augusto e Daniela se calam e ficam apenas me observando,
num misto de surpresa e curiosidade.
Eu sabia que seria difícil os fazer acreditar em mim, mas puxa
vida. Fui atacada na minha vinda pra cá e fiquei com uma baita dor
nas costas por dias. Mesmo após semanas aqui na Terra ainda estou
tentando entender como funciona esse maldito saco de pele
chamado corpo humano e nem aprendi a metade, já que na teoria e
nos meus estudos tudo era muito fácil, mas na prática e vivência é
bem mais difícil.
Conversei com outros anjos que já haviam completado sua
missão e eles falaram que eu iria ser inundada de emoções e
sentimentos. Alguns bons, outros nem tanto. Como agora, que meus
olhos ardem e meu peito dói tanto que acredito que vou morrer.
Sinto algo molhado em meu rosto, mas quando olho por céu, ele
está num lindo tom de azul-claro. Então compreendo serem meus
olhos vazando. Claro. Estou chorando.
Limpo grosseiramente a lágrima que escorrega pela minha
bochecha e isso parece causar algum efeito nos dois. Augusto se
empertiga na cadeira, colocando sua latinha no chão.
― Alana ― seu tom é preocupado. ― Você tá bem?
― Não sei ― respondo, com a voz engasgada, balançando a
cabeça de um lado pro outro. ― Não sei.
Mais lágrimas caem dos meus olhos e eu decido que não posso
mais ficar aqui.
Meus poderes estão bem limitados na Terra. No treinamento
foram bem claros que eu só poderia usar em caso de extrema
necessidade. Desde que cheguei, usei poucas vezes, como quando
curei a dor de ouvido daquele bebê no hospital e o dia que Mirela se
machucou brincando. Não era caso de extrema necessidade, mas os
dois estavam com muita dor e fiquei com pena.
Agora também não é caso de extrema necessidade, já que em
alguns passos estaria de volta na casa da Juvênia. Mas ainda assim
uso uma parcela do meu poder limitado para me teletransportar dali.
Capítulo 11
AUGUSTO
O que acabou de acontecer?
Em um segundo Alana estava na minha frente, chorando, e no
outro simplesmente desapareceu.
Pelo canto do olho, vejo Daniela se esticar na cadeira levantando
os óculos escuros, também incrédula.
― Zé, me diz que tu colocou alguma coisa nessa bebida ―
declara, completamente atônita. ― Só assim pra eu não achar que
tô louca e que acabei de ver alguém desaparecer na minha frente.
― Eu… eu… ― balbucio, tentando organizar minhas ideias.
Sei que é loucura acreditar que anjos existem de verdade e por
acaso um caiu no meu quintal, mas como explicar que uma mulher
sumiu bem na minha frente, como num passe de mágica?
Meu Deus! Será que…
De repente, minha amiga aperta meu antebraço. Viro o corpo
em sua direção e ela está com os olhos arregalados e uma
expressão assustada.
― Zé Augusto, um anjo de verdade chorou por culpa nossa ―
diz, em tom sombrio. ― Somos pessoas horríveis e acabamos de
garantir nossa passagem só de ida pro inferno.
― Dani, não… ― Balanço a cabeça. ― Não é possível…
― Também não achava que poderia ser até segundo atrás a
mulher desaparecer diante nossos olhos ― ela praticamente grita,
apontando para o local vazio na nossa frente.
Olho para minha filha, que está saindo da piscina, vindo em
nossa direção.
― Papai, papai! ― fala, animada ― Tu viu? A Alana sumiu,
assim ó! Puf!
Mirela faz um gesto com a mão de algo explodindo e sorrio
fraco, o aperto no meu peito diminuindo um pouco diante sua
animação. Desde o primeiro momento ela acreditou nas palavras de
Alana e me pergunto se deveria ainda ter um pouco da inocência
dela para ter acreditado também.
― Será que ela voltou pro céu? ― Mirela levanta a cabeça,
olhando pra cima. ― Será que ela vai voltar?
― Não sei, filha ― respondo, sem saber como organizar minhas
ideias.
Ao ver as lágrimas escorrendo pelo rosto de Alana, me senti a
pior pessoa do mundo por estar tirando sarro de sua história. Não
era para ser algo maldoso, já que toda a situação é bizarra e um
tanto engraçada, mas pelo visto o tiro saiu pela culatra.
Daniela continua atônita, olhando para o vazio à frente, virando
sua cerveja de uma vez.
― Mas por que ela foi embora? Ela não tava gostando de ficar
com a gente?
Se você soubesse, minha criança…
― Ela disse que esqueceu o ferro ligado ― Daniela entra, me
salvando.
― Igual a você, papai ― ela ri.
Dou um beijo em sua bochecha e a puxo para um abraço
apertado, finalizando com cócegas.
― Para, papai! Para! ― grita, entre risadas e isso diminui um
pouco o aperto no meu peito.
― Vá juntar seus brinquedos pra tirar essa roupa molhada e
irmos almoçar.
Dessa vez Mirela não corre em direção à piscina e faz o que
pedi. Daniela continua atônita, agora com outra lata na mão,
encarando o muro. E eu compartilho do seu sentimento, ainda sem
acreditar no que acabou de acontecer.
AUGUSTO
No sábado seguinte, Alana está irradiando alegria e ansiedade a
caminho da livraria. Tenho até a impressão de ter ouvido ela dar um
gritinho de animação ao entrar no carro.
Logo que chegamos ao local, Mirela me arrasta para o fundo,
onde a roda de história está prestes a começar. Ela encontra um
lugar perto da contadora, uma jovem negra, que está vestida de
Tiana de A Princesa e o Sapo, e me dá um tchauzinho animado
depois que se acomoda.
Vejo outras crianças por lá, alguns pais também próximos, mas
quase todo mundo está olhando para nós. Na verdade, estão
olhando para Alana, que segue alheia, examinando alguns livros em
uma estante próxima. Quando parece encontrar algo que a
interessa, pega o exemplar e caminha em minha direção.
― Por que está todo mundo olhando pra você? ― pergunto
quando ela se põe do meu lado.
Alana vira o rosto de um lado para o outro, observando as
pessoas de volta. Em sua mão ela carrega um livro de capa azul com
um casal ilustrado de título Aconteceu Naquele Verão. Quando se
vira pra mim, um cheiro doce de jasmim invade meu nariz e sou
automaticamente transportado para o seu quarto, uma semana
atrás.
Desde aquele dia, ela ficou de babá de Mirela e também tivemos
nossos encontros casuais na praça, sem tocar no assunto do beijo.
Porém, em certos momentos, a flagrei me encarando com um olhar
carregado e ao perceber que notei, ela ficava envergonhada e
desviava a atenção.
― Deve ser minha energia angelical ― responde, despertando
minha atenção novamente.
― Energia angelical? ― repito, sem acreditar no que ouvi.
― Sim. Às vezes enviamos essa energia naturalmente, o que
chama a atenção dos humanos, mas logo eles perdem o interesse.
Ela termina sua explicação e continuo a observá-la, tentando
reprimir um sorriso gentil.
― Há algo na minha cara? Por favor, não me diga que você está
olhando para meus seios de novo. ― Cobre o local com o braço
livre.
― O quê?! Não! ― Verifico se alguém ao nosso redor ouviu o
que ela disse. ― Não é nada, não.
Alana me fita, desconfiada. Eu estava a encarando, pois ainda
não havia reparado o quanto ela é alta. Talvez pelo fato que das
outras vezes estava mais preocupado com outras coisas, como se
bateu a cabeça no chão ou se não iria cair do telhado da vizinha
para prestar atenção nesse detalhe.
Agora, lado a lado, percebo ser quase da minha altura, mesmo
usando uma sandália rasteira. E olha que eu não sou um cara baixo
com os meus 1.90m, então ouso dizer que ela deve ter quase isso.
Ela está usando um vestido branco longo de alças finas, que por
vezes escorrega pelo seu ombro. Todas às vezes minha mão coça
para devolver o tecido para o lugar, seguido de escorregar a mão por
seu braço para ter certeza da maciez da sua pele.
― O que foi? ― pergunta, novamente.
― Nada ― desconverso, desviando o olhar para a contadora de
histórias, que já começou seu trabalho. Pergunto a primeira coisa
que vem na cabeça: ― Só que… Você tem mesmo trezentos anos?
― Olha só… ― Apoia os punhos na cintura, sorrindo consigo
mesma. ― Você realmente acredita em mim agora. Eu tenho
duzentos, não trezentos. Um ano celestial equivale dez anos na
Terra. Como eu já expliquei e você não acreditou ― frisa ―, ao
completarmos duzentos anos saímos em uma missão para
ganharmos nossas asas.
Ela diz a última informação em tom sarcástico e reviro os olhos,
achando graça.
― Para nossa estadia na Terra, assumimos a idade que teríamos
caso fossemos humanos; vinte anos. Mas aqui ― Toca da sua
têmpora e em seguida na altura do coração ― já vivi tempo demais.
— Bem… Isso explica os cabelos brancos, mas até que você tá
bem conservada para quem tem duzentos anos ― provoco, com um
sorriso de lado.
— Tua mãe não te ensinou a respeitar os mais velhos, José
Augusto? ― brinca, batendo de leve com o livro no meu braço. ― E
o que ainda está fazendo aqui, enrolando? Já foi atrás da sua futura
companheira?
― Ainda não a vi. ― Viro a cabeça de um lado para o outro, de
fato tentando encontrar a dona da livraria. Geralmente ela aparece
em algum momento do evento.
― E está esperando o que para procurá-la? ― Alana questiona,
de forma retórica. ― Vai logo! Fica tranquilo que fico aqui vigiando
Mirela.
Ela praticamente me enxota do seu lado e vou até o caixa da
livraria perguntar pela sua dona. Georgia é uma moça negra de pele
retinta, assim como Alana. Como comentei com ela, algumas vezes
que trouxe Mirela para a roda de leitura, trocamos algumas ideias e
parecia que poderia rolar algo ali.
Perguntei por Georgia para uma das funcionárias e a resposta
que obtive com certeza não irá agradar a anja. Bom, pelo menos
tentei. Talvez isso seja um sinal de parar com essa loucura, mas só
de pensar dela não ganhando suas asas, me dá um aperto no peito.
Sim, talvez eu esteja começando a acreditar em toda essa
história.
Volto para onde está acontecendo a roda de história, que está
pela metade, e encontro Alana sentada em uma das poltronas
confortáveis próximas do encontro. Como ela está de costas para
mim, não me vê aproximar.
Por cima do seu ombro, vejo que está com o livro que pegou
aberto e dou uma espiada no que ela está lendo. Passo o olho
rapidamente na página e engulo seco ao reconhecer as palavras
chupar e gozar.
Eu sempre achei que anjos eram seres puros e inocentes, mas
Alana está me provando que esse pensamento é bem errôneo. Ela e
seus papos sobre prazeres carnais. Será que é isso que ela está
tentando aprender com esse livro?
― O que está lendo? ― sussurro, próximo ao seu ouvido.
Alana dá um pulo e fecha o livro na velocidade da luz,
colocando-o no seu colo. Ela aperta tão forte a lateral, como se sua
vida dependesse disso e eu rio baixo. Um arrepio toma conta da sua
pele.
― Nada de importante ― desconversa e meu sorriso se alarga.
Pelas palavras que identifiquei e sua reação, sei bem que tipo de
cena que estava lendo. Dou a volta para ficar de frente com ela e
sou pego de surpresa pela visão de Alana com respiração acelerada
e os mamilos marcando no vestido.
Novamente sou inundado das lembranças de quando ela estava
junto a mim; da sua boca na minha. Desde aquele fatídico dia, meu
corpo possui diversas reações em relação à Alana, a principal delas
sendo meu pau querendo se fazer presente entre nós. Mais
precisamente, dentro dela.
Agora, a vendo desse jeito, é impossível não imaginar se ela
também fica assim na cama. Por um flash de segundos, a imagino
na minha, seus longos fios brancos espalhados ao seu redor e meu
nome saindo da sua boca enquanto faço o que a vi lendo.
Sento na poltrona ao seu lado e fecho os olhos. Jogo a cabeça
para trás e aperto a ponte do nariz, tentando acalmar minha
respiração. Penso em todas as fraldas sujas de cocô que já troquei
para evitar uma ereção em meio a uma livraria cheia de crianças.
― Está tudo bem? ― ela pergunta apoiando a mão no meu
ombro e seu toque envia uma descarga na minha pele, mesmo
através da roupa.
― Acho que minha pressão caiu ― minto, voltando o olhar para
teto.
― Quer que eu chame alguém? ― pergunta, virando a cabeça
de um lado pro outro, preocupada.
― Não. Tô melhor já. Gostou desse? ― Aponto para o livro,
mudando de assunto.
― Estava… interessante ― responde, com um sorriso de lado,
como se estivesse guardando um segredo.
― Ótimo. ― Pego o exemplar do seu colo. ― Vou comprar pra
você.
― O quê? Não, não…
― Aceite como um presente, Alana. ― E sabendo que vou
convencê-la, acrescento: ― É uma ótima experiência humana ser
presenteada.
― Ok ― ela cede, se empertigando na poltrona. ― E aí?
Conseguiu encontrar a sua futura companheira?
― Não. Ela está viajando e vai ficar fora por algumas semanas.
― Ah, não…
Alana brinca com o canto da capa do livro, a expressão triste em
seu lindo rosto. Querendo consolá-la, seguro sua mão livre entre as
minhas. Ela as encara, entrelaçadas.
Nesse momento, reflito que quase dois meses atrás eu nem
queria papo com a jovem ao meu lado, acreditando que era apenas
mais uma golpista bem inteligente com todo aquele papo de anjo.
Porém, agora, vendo sua expressão cabisbaixa, a minha vontade é
de abraçá-la forte e arranjar essas benditas asas para ela de
qualquer forma.
Ouvimos palmas e as crianças começam a se dispersar. Pelo
canto do olho, vejo Mirela correr em nossa direção.
― Vamos, papai! ― Começa a me puxar pelo braço. ― Tira uma
foto da princesa com eu.
― Comigo ― corrijo.
― Sim, tu também pode tirar uma com ela ― responde, ainda
puxando minha mão. ― Bora logo.
Alana sorri fraco com sua resposta. Dou duas batidinhas no seu
joelho e me deixo levar pela minha filha.
Entramos na fila para tirar foto com a contadora, e Mirela
tagarela sobre a história enquanto esperamos chegar nossa vez. De
canto de olho, vejo Alana se aproximar. Seu semblante já não está
tão triste como quando a deixei minutos atrás, mas ainda está um
pouco cabisbaixa. As crianças próximas a encaram de boca aberta,
encantadas.
É… entendo bem o sentimento, criançada.
A verdade é que Alana parece ter uma luz que brilha de dentro
para fora e isso a torna mais bonita. E depois daquele beijo, ela se
tornou uma tentação na minha vida.
― Olha, mamãe ― ouço uma criança próxima sussurrar. ―
Outra princesa.
Alana se vira em direção à criança e tenho certeza que vai
começar com esse papo de anjo quando seguro sua mão, chamando
sua atenção. O gesto envia uma corrente elétrica pelo meu corpo e
pelo olhar arregalado de Alana, acredito que sentiu também.
Ela se solta e volta o olhar para mim, parecendo estudar meu
rosto. De repente, ela se endireita e vira em direção à contadora de
histórias, com uma expressão de concentração. Nem preciso ler
mentes para saber o que está pensando.
― Meu nome também é Tiana. ― Ouço uma menininha negra
que estava na nossa frente comentar com a contadora.
― Sério? ― a jovem responde, com um entusiasmo que apenas
adultos vão perceber que é atuação.
― Sim ― balança a cabeça para cima e para baixo. ― Vou ser
que nem tu quando crescer. Dona de restaurante. Quer dizer, ele é
da minha mãe agora, mas quando eu for maior, vai ser meu.
― Cuidado hein, amor ― um negro alto, com o tom de pele
igual ao meu e que acredito ser pai da criança, comenta com a loira
ao seu lado. ― Tiana já está de olho pra te substituir.
― Vamos, minha filha. ― A mãe da menina a pega pela mão. ―
As outras crianças querem tirar foto também.
Mirela se posiciona ao lado da contadora, com um sorriso
enorme no rosto, e eu tiro a foto com o celular. Verifico se ficou boa
e dou um joinha para a moça, que gentilmente responde algumas
perguntas da minha filha antes de se pedir para que outra criança se
aproxime, porém Alana é mais rápida.
― Oi! Tudo bem? ― Ela não espera a moça responder e já
pergunta: ― Você está solteira?
A contadora fica confusa por alguns segundos, para logo em
seguida o olhar percorrer Alana da cabeça aos pés, lascivamente.
― Depende de quem pergunta ― responde, com um sorriso
charmoso. ― E você? Está solteira?
Agora é a vez de Alana ficar confusa. Quando ela entende o que
a mulher quis insinuar, começa a mexer as mãos negando.
― Não… quer dizer, estou solteira sim, eu acho… ― Ela parece
considerar a declaração, mas logo retorna ao assunto. ― Na
verdade, estou procurando uma companheira pro meu amigo ali. ―
Aponta na minha direção. ― Pra poder…
Antes que fale de asas, peço desculpas para jovem e, segurando
a mão de Mirela, pego também delicadamente no braço de Alana,
saindo dali de perto. Ela resmunga algo, mas é tão baixo que eu não
consigo entender.
― Papai, compra um livro pra eu ― Mirela pede quando nos
aproximamos da seção infantil, fazendo aqueles olhinhos pidões.
― Tá bom ― falo. ― Mas só um.
― Eba! ― exclama, alegre.
Ela volta sua atenção para a estante, bem concentrada. Em
certo momento, cruza os braços na frente e coloca a ponta da língua
para fora, seus olhos viajando entre os exemplares expostos,
analisando-os. Alana se ajoelha ao seu lado, indicando alguns livros
que possa interessá-la. Elas engatam em uma conversa sobre qual
levar e observo a interação das duas, com um sorriso bobo no rosto.
No fim das contas, acabo levando dois livros para Mirela. Seu
argumento é que fazem parte da mesma série e por isso valem por
um só.
Estamos na fila do caixa, aguardando atendimento, quando a
princesa contadora de histórias, já descaracterizada, se aproxima.
Ela entrega um pedaço de papel para Alana com uma piscadinha de
olho e se retira. A jovem ao meu lado fica sem entender,
visivelmente confusa, alternando o olhar entre o papel e a moça.
Quando vejo que está escrito um número de celular acompanhado
do nome Mônica, começo a rir.
― O que é engraçado, papai? ― Mirela pergunta.
― Nada não, Lela ― respondo, passando a mão no seu cabelo e
ela logo volta a se entreter com as figuras do seu livro novo.
― Por que ela me deu isso? ― Alana me pergunta, ainda
encarando o papel.
― Talvez ela queira te mostrar os prazeres carnais ― falo baixo
para Mirela não ouvir.
Alana analisa por mais alguns segundos o papel antes de
guardar o pedaço no livro que comprarei de presente e não consigo
evitar a pontinha de ciúmes que sinto.
Capítulo 14
ALANA
ALANA
Ei
Tá acordado?
AUGUSTO
Sao tres da mannhã
Por qeu t´a me ligamdo
?
ALANA
Foi sem querer
Apertei o botão errado
Mas agora significa
que você está acordado?
AUGUSTO
Bem
Agora eu tô
ALANA
Perdão
Tive um pesadelo
E Mirela me disse que você é bom
em acalmar pesadelos
AUGUSTO
O que aconteceu?
ALANA
Sonhei que não ganhava minhas asas
e ficava presa aqui na terra
(Pausa dramática)
Pra sempre
AUGUSTO
Escrever pausa dramática
não tem o mesmo efeito
Olha só…
Cê tá precisando se distrair
Vocês anjos não têm
Sei lá
Um dia de folga?
ALANA
Não que eu saiba
AUGUSTO
Pois hoje vai ser
seu dia de folga
ALANA
Mas está escuro
AUGUSTO
Quando amanhecer
Vai ser seu dia de folga
ALANA
O que devo fazer?
AUGUSTO
Não sei
Meu cérebro voltou a dormir
Me pergunta daqui a umas quatro,
cinco horas
ALANA
Por que esse tempo todo?
AUGUSTO
É o tempo que volto a dormir
E Mirela aparece no meu quarto
Me acordando
Vê se você consegue dormir também
AUGUSTO
Há várias crianças rindo e gritando no pula-pula, mas de alguma
forma consigo reconhecer a risada de Mirela no meio da barulheira.
Super poder de pai talvez?
― Criança tem energia infinita, não é mesmo? ― Uma mulher
ao meu lado comenta.
Ela chegou com o filho alguns minutos depois que Mirela entrou
no brinquedo e o menino parece ser sua cópia: cabelos cacheados
loiro e a pele clara, que agora está rosada pelo sol. Tenho a
impressão de conhecê-la de algum lugar, pois ela é estranhamente
familiar.
― Ô se tem! Tem momentos que a minha que parece estar
ligada no 220v a todo tempo ― respondo.
A mãe volta a atenção para o pula-pula e encaro seu perfil,
tentando lembrar de onde a conheço. Percebendo meu
descaramento, ela vira o rosto para mim novamente, com uma
expressão confusa.
― Desculpa, é que tenho a impressão que te conheço de algum
lugar ― confesso, percebendo que parece ser uma cantada barata.
― Meu filho estuda na mesma escola da sua filha. ― Agora é a
minha vez de ficar confuso já que não lembro de tê-la avistado por
lá. ― São poucos os homens que vão deixar os filhos todos os dias
na escola, então você se destaca. Prazer, Ludmila.
― José Augusto. ― Aperto brevemente sua mão estendida.
Se Alana estivesse aqui, talvez já perguntasse para a mulher se
ela está solteira. Dani diria que esse seria um meet cute[3] perfeito;
dois genitores solitários se conhecendo devido aos seus filhos.
Nas últimas semanas, refleti bastante sobre toda essa situação
envolvendo Alana; ela ser um anjo, os encontros, suas missões…
não sei o momento exato em que passei a acreditar nela, mas
aconteceu e decidi fazer de tudo ao meu alcance para conseguir
realizar seu objetivo. Demorou um pouco a cair minha ficha, e talvez
o fato de ter concordado a ir em vários encontros ser um indício e
não percebi antes.
Espero sentir alguma coisa ao apertar a mão da mulher, mas
não acontece nada. Nenhuma faísca, nenhuma energia, nada. O que
é bom, já que um homem musculoso logo aparece ao seu lado,
passando a mão pela sua cintura.
Ele acena para mim com a cabeça e retorno o gesto, mas logo
minha atenção é voltada para alguém se chocando contra mim,
colocando os bracinhos ao meu redor.
― Papai, tô com fome ― choraminga.
Mirela está tão suada que sua testa deixa uma marca molhada
na minha camisa. Seus cachos, que ao sair de casa estavam bem
definidos, agora se encontram em todas as direções possíveis. Tiro
um amarrador de cabelo do bolso e, com cuidado, junto o cabelo
dela em um coque e prendo.
― Então vamos comer, que a tia Dani fez aquele sanduíche que
você adora.
― Eba! ― grita, animada.
Pego minha filha no colo e saio desviando da multidão até o
local onde deixei as duas mulheres. Mirela já não é tão mais fácil de
carregar como antes, mas prefiro fazer assim. Nesse meio tempo,
chegaram mais pessoas e fico com medo de perdê-la, mesmo
segurando forte sua mão.
― Papai, por que Alana não vira sua namorada? ― pergunta, de
repente. ― Assim ela pode ganhar logo suas asas.
― Acho que não funciona assim, Lela.
― Será que ela não gosta da gente? Por isso não quer ser sua
namorada?
Aproveitando que alcancei um local onde o movimento deu uma
diminuída, paro entre uma barraca e outra. Coloco Mirela no chão e
me agacho, ficando na altura dos seus olhos.
― De onde tirou isso? ― questiono, cauteloso. ― Que ela não
gosta de você? Ela disse alguma coisa?
― Não. É que… pra namorar precisa gostar um do outro né? ―
Assinto ― Se tu gosta dela e ela gosta de tu…
― Você ― a corrijo.
― Eu também gosto dela, papai. Gosto muitão.
― Ela também gosta de você, Lela. Gosta muitão ― digo,
veemente.
Pelo menos nisso não preciso mentir para minha filha. Alana tem
um carinho especial por Mirela desde o início. Em alguns momentos
isso me preocupa, como quando penso a respeito da anja partir
depois de sua missão completada.
Não será só Mirela que vai sentir falta dela, meu consciente
intrometido diz.
― Então, se a gente gosta dela muitão e ela gosta da gente
muitão também, por que não vocês dois viram namorado e
namorada?
Solto uma risada baixa diante da lógica da minha filha.
― Isso é… complicado ― tento explicar.
― Vocês adultos são complicados ― diz, fazendo uma careta.
Dou um beijo na sua testa e a pego no colo novamente. Quando
chegamos onde Daniela e Alana nos aguardam, minhas costas já
estão me matando.
― Tia Dadá, papai falou que tu fez um sanduíche pra mim.
― E foi? ― Ela finge surpresa. ― Eu não lembro disso não.
― Lembra sim. Meu papai falou e ele não mente.
― Hmmm… acho que um beijo vai me ajudar a lembrar.
Quando Mirela se aproxima para dar um beijo na bochecha, Dani
a abraça e começa a fazer cócegas nela. Minha filha gargalha entre
pedidos para a madrinha parar e observo Alana olhando a cena.
― Tá tudo bem? ― pergunto e ela assente. ― Lembre-se: folga.
Dia de relaxar.
Ela volta o olhar pro lago, pensativa. Tenho a impressão que
Alana não se deixa abater fácil. Por isso suas mensagens na
madrugada me deixaram um pouco preocupado e eu inventei essa
história de dia de folga. Pelo menos seu humor parece ter
melhorado.
Tento pensar em algo que possa melhorar mais ainda seu astral.
Logo que a lembrança de um lugar ali perto passa pela minha
cabeça, me levanto de supetão.
― Vamos? ― Estendo a mão em sua direção. ― Quero te
mostrar uma coisa.
Meio desconfiada, ela aceita, se levantando também.
― Dani, pode vigiar a Mirela por alguns instantes?
Minha filha está alheia ao mundo, devorando seu sanduíche no
colo da minha amiga, que observa a mão de Alana na minha.
― Claro ― responde, com um sorrisinho travesso no rosto.
― Uau! ― Alana exclama por cima do som da água.
Quando a vi um pouco triste, sabia que a trazer aqui seria uma
boa ideia e não estava errado.
Na nossa frente, um riacho de águas límpidas serpenteia,
criando um murmúrio reconfortante que ecoa entre as árvores. Uma
pequena cachoeira à nossa direita pontua o curso, adicionando um
toque de beleza e movimento ao ambiente.
As árvores ao longo da margem se inclinam sobre o riacho,
lançando sombras escuras que se misturam com a tonalidade
límpida. O som da água corrente é bem relaxante e parece estar
convidando para um banho, ainda mais nesse calor. O riacho não é
muito fundo, batendo um pouco acima da cintura de um adulto caso
fique em pé.
Geralmente aos domingos, esse lugar é pouco movimentado, já
que para chegar aqui precisa fazer um pequeno desvio em uma das
trilhas. Por sorte, conheço o caminho como a palma da minha mão,
de tanto vir com meu pai aqui quando criança.
― No céu deve ter lugares mais bonitos, mas… ― Coço a nuca,
me sentindo um adolescente encabulado. ― Achei que iria gostar de
conhecer aqui também.
― Sim, lá tem lugares maravilhosos, mas isso não significa que
aqui não seja belo também. ― Indica o local ao redor.
Viro o corpo em direção a Alana, que parece estar alheia ao
modo com que a observo. O vestido florido de fundo branco, que
parece ser sua cor favorita, realça o tom escuro da sua pele. O olhar
encantado, dançando pela paisagem à sua frente. Os fios brancos
que se movem ao seu redor, devido à brisa.
Sim, esse local aqui é belo, mas não se compara à beleza da
mulher ao meu lado.
― Esse é um dos meus lugares favoritos da vida. ― Viro de
frente para a água. ― Quando eu tinha dez anos, meu pai me
trouxe aqui pela primeira vez. Como toda criança, eu reclamei o
caminho todo.
― E você pretende fazer o mesmo com Mirela? Li muito sobre
humanos e tradições familiares.
Ela está certa. Assim como meu pai me trouxe aqui, o pai dele o
trouxe e assim era de geração em geração. E por muito tempo evitei
esse lugar, pois aqui também foi onde pedi Jéssica em casamento e
onde ela me contou que estava grávida de Mirela.
Desperto dos meus devaneios quando, pelo canto do olho, vejo
Alana começar a subir o seu vestido. Tenho um rápido vislumbre da
sua calcinha rosa antes de me virar de costas.
― O que está fazendo? ― Minha voz sai uma oitava mais alta
que o normal.
― Ora o quê! ― responde, como se fosse óbvio. ― Vou me
jogar na água.
― Mas você nem veio de biquíni!
― Droga! ― Ouço a frustração na sua voz. ― Sempre esqueço
que vocês humanos são puritanos com essa questão de corpo. Não
tem ninguém aqui.
― E eu não conto? ― questiono, levemente ofendido.
― Você já me viu pelada no dia que cai no seu quintal.
Quando escuto o barulho dela se jogando na água, me viro.
Com os fios brancos flutuando ao seu redor e o corpo praticamente
nu, Alana parece mais uma sereia. Ela para no meio do riacho,
apenas a cabeça na superfície.
― Vem, Augusto! ― grita ― A água está ótima!
Diferente da minha companhia, eu vim preparado com uma
sunga. Tiro a camisa e a bermuda, sem deixar de perceber o olhar
de Alana viajando pelo meu corpo.
― Eu não entendo vocês, humanos. ― Ouço-a falar enquanto
ajeito nossas roupas em um local que não as deixe muito úmidas. ―
A roupa de banho tem o mesmo formato e tamanho das roupas
íntimas, algumas sendo até menores pelo que observei lá perto do
lago, mas um é aceitável em público e o outro não.
― Eu não fiz as regras ― digo, entrando na água.
Nado até sua direção e ela estava certa. Mesmo mais fria que o
esperado, está ótima. Emerjo na superfície bem na sua frente. Alana
continua apenas com a cabeça e uma parte do torso do lado de fora,
o resto do seu corpo debaixo d’água. Imito sua posição, me
agachando um pouco e assim ficando da sua altura.
Sua atenção se perde novamente na natureza em sua frente, até
que ela se vira para mim com gratidão estampada em seus olhos
acinzentados.
― Obrigada. Pelo dia de folga.
― Você vai conseguir suas asas, Alana. ― Procuro sua mão
debaixo d’água. ― Pode acreditar.
Acaricio a costa da sua mão com o dedão, nosso olhar preso um
no outro. Penso como sua pele é macia mesmo depois desse tempo
todo na água. Sem tirar sua mão da minha e nem desviar o olhar,
ela fica completamente em pé na água e eu também.
O tempo parece parar ao nosso redor, e até os pássaros se
calam. Só há o barulho da água corrente e da nossa respiração
acelerada.
Seus olhos passeiam pelo meu rosto, como se estivesse
procurando algo ali. Ela levanta sua mão livre e a aproxima devagar
da minha face. Seus dedos estão um pouco frios devido à água, mas
é uma ótima sensação visto que parece que estou pegando fogo de
dentro para fora.
Com as pontas dos dedos, ela traça o caminho das minhas
sobrancelhas, descendo pelo nariz. Estou tremendo mais que um
pinscher raivoso e não é culpa da temperatura da água. Minha mão
coça para tocá-la do mesmo jeito, mas me controlo. Ela parece tão
concentrada no que está fazendo que qualquer movimento meu
pode quebrar esse encanto.
Alana hesita por alguns segundos quando alcança a boca, mas
logo sinto seus dedos em meus lábios. Ela contorna uma, duas
vezes, até que eu não aguento mais. Ainda segurando sua mão, a
puxo para junto de mim; seus seios contra meu peito.
Desde o dia que caímos um por cima do outro, imaginava como
seria sentir sua pele nua contra a minha novamente, e a realidade é
muito melhor. Seus olhos arregalados são a última coisa que vejo
antes de beijá-la.
Capítulo 17
ALANA
Quando os outros anjos comentaram sobre aproveitar os
prazeres carnais na Terra, com certeza eles não estavam falando de
fazer isso com a peça-chave da missão.
Mil vozes gritam na minha cabeça que isso é errado, mas tem
uma bem baixinha vinda do meu coração dizendo para aproveitar o
momento. Carpe diem[4], ela diz.
Seus lábios são tão macios quanto eu lembrava. Ficamos assim,
apenas as bocas tocando, por momentos que parecem séculos e, ao
mesmo tempo, segundos. Passada a surpresa, ele começa a brincar
com meus lábios entre os seus. Um arrepio trespassa meu corpo
quando traceja o contorno da minha boca com a língua, alternando
com leves mordidas. Solto um suspiro audível e o sinto sorrir, o que
me faz sorrir também.
Ainda segurando minha mão entre nós, Augusto passa a outra
livre pela minha cintura, apertando meu corpo junto ao seu. Dessa
vez há muito mais pele em contato. A água está fria, mas seu corpo
é quente e macio. É a melhor sensação do mundo.
Entreabro a boca e ele aprofunda o beijo. Sinto como se fogos
de artifícios estourassem dentro de mim.
Quando estava estudando as interações humanas, achava
estranho esse lance de meter a língua na boca do outro, mas agora
entendo o porquê as pessoas gostarem tanto de fazer isso.
O beijo é suave no início, exploratório, como se ele me desse o
tempo suficiente para me deixar acostumar com a sensação. A sua
língua desliza suavemente, brincando e dançando em sintonia com a
minha.
Augusto solta a minha mão e a sobe pelas minhas costas até
encontrar a base da minha nuca, enfiando os dedos no meu cabelo.
Ele dá um leve puxão e eu sinto um raio se espalhar por todo meu
corpo, se concentrando entre minhas pernas.
Passo os braços por cima de seus ombros e seu aperto na minha
cintura aumenta, assim como o ritmo do beijo. Colo mais ainda meu
corpo ao seu, como se quisesse preencher qualquer espaço ínfimo
entre nós dois.
Meus mamilos fazem aquela coisa que li naquele livro; ficam
duros e doloridos, mas de uma forma agradável e gostosa. Também
sinto algo me cutucar na barriga, assim como no dia que cai por
cima dele e meu desejo se aflora mais ainda.
Tomando coragem, deslizo a mão entre nós e enfio dentro de
sua sunga, envolvendo meus dedos ao redor de seu membro. Pego
de surpresa pelo meu gesto, ele dá uma mordida um pouco mais
forte no meu lábio.
― Alana…
Ouvi-lo gemer meu nome de forma tão sexy e crua é o que me
faz começar a mover a mão, lhe dando prazer. Ele se separa da
minha boca e, puxando minha cabeça para trás pelos cabelos, desce
uma trilha de beijos para o meu pescoço, subindo de volta para a
orelha, dando uma mordida no local também.
Retiro por completo seu pau de dentro da sunga e continuo o
movimento de vaivém. Ouvir sua respiração errática só aumenta o
pulsar gostoso entre minhas pernas.
Ele captura novamente minha boca, dessa vez com um beijo
voraz, e acelero o ritmo da mão em seu pau. Refreio uma risadinha
quando a palavra passa pela minha cabeça mais uma vez porque
nunca em todos meus duzentos anos de existência imaginei que
estaria aqui, nesse momento, fazendo isso. Enquanto parece
absurdo, é tão natural. Como se fosse predestinado ou algo do tipo.
Augusto solta minha boca, enterrando seu rosto no meu
pescoço. Sinto ele murmurar algo contra minha pele antes dele
mordiscar o local. Sua mão que está na minha cintura vai para
minha bunda, apertando com força e solto um gemido baixo. Ele
move o quadril freneticamente, em ritmo ao movimento dos meus
dedos; seu membro deslizando fácil em minha mão.
Consigo sentir seu coração batendo acelerado junto a minha
pele, e o meu segue o mesmo compasso. É um sentimento poderoso
saber que eu sou a responsável por deixá-lo assim; entregue ao
prazer do momento. Então, ao mesmo tempo que grunhe meu nome
na curva do meu ombro e apertando meu bumbum, eu sinto um jato
quente em meus dedos.
Augusto me envolve em um abraço apertado, ainda com o rosto
no meu pescoço, e devolvo o gesto. Permanecemos assim até que
sinto sua respiração voltar ao normal. Já a minha, nem tanto.
Sinto sua mão livre serpentear entre nós e seguro seu pulso,
parando o movimento. Não quero que se sinta obrigado a retribuir o
que fiz. E também não sei se eu sobreviveria a ele me tocando desse
jeito.
Augusto levanta o rosto e me encara. Algo no meu olhar me
denuncia porque ele nem me deixa falar nada antes de me beijar,
dessa vez um beijo doce e apenas o encostar dos lábios.
― Tá tudo bem, Alana ― diz, acariciando minhas bochechas.
― Será que podemos…
― Depois ― promete. ― Agora é melhor a gente voltar, que
Dani e Mirela devem estar preocupadas.
Augusto se ajeita por baixo d’água antes de segurar minha mão.
Vamos assim até a borda, quando sai primeiro ficando de costas, me
dando privacidade. Dessa vez não seguro a risada. Eu estava com
seu pau na mão segundos atrás e ele ainda querendo evitar me ver
nua.
― O que é engraçado? ― questiona, ainda de costas, pegando
sua bermuda.
Em outra situação eu poderia sentir uma pontada de rejeição,
mas visto o que acabei de fazer naquela água, ele só está sendo
respeitoso.
― É só que… nada não ― respondo, sorrindo comigo mesma.
Roupas no lugar, caminhamos em um silêncio confortável de
volta para a multidão, com duas perguntas rondando minha mente.
O que acabei de fazer? E o mais importante; por que isso
pareceu tão certo e destinado como o nascer do sol todos os dias?
AUGUSTO
Mal nos aproximamos de onde estão nossas coisas e consigo
sentir o olhar de Daniela alternando entre mim e Alana. Mirela está
dormindo com a cabeça em seu colo e me admiro a capacidade da
minha filha dormir em qualquer lugar quando sua energia vai
embora.
Alana se senta de um lado da minha amiga, e abraça suas
pernas. Sento do outro lado, pegando minha filha e colocando no
meu colo. Dani se vira para mim, baixa os óculos me dando um
olhar questionador.
― Depois ― sussurro, meu olhar rapidamente pairando em
Alana.
O resto do dia passa rápido e no finalzinho da tarde estamos
voltando para casa. Mirela está dormindo novamente, na sua
cadeirinha no banco de trás, com Alana ao seu lado. Daniela e a
anja estão em uma conversa animada sobre comédias românticas.
Minha amiga pode pagar de desapegada, mas, no fundo, é uma
romântica nata.
Ao estacionar na porta de casa, Alana dá um beijo na testa de
Mirela, se despede rapidamente. Meu olhar a segue o caminho
inteiro até a casa da vizinha.
― Fecha a boca senão entra mosca ― Dani zomba, tirando as
bolsas do porta-malas.
Ignoro o comentário da minha amiga, me preparando para a
próxima batalha: acordar Mirela para tomar banho e comer alguma
coisa antes de capotar de vez. Nesses momentos ela lembra muito
sua mãe, que odiava ser acordada para qualquer coisa e ficava com
um humor horrível.
E depois de muito choro, manha e birra, Mirela já está no sétimo
sono com seu banho tomado, barriga cheia de mingau e vestida com
pijama quentinho na sua cama.
― Pedi uma pizza pra gente ― Daniela diz, quando me jogo ao
seu lado no sofá.
― Valeu. Ai! ― reclamo quando me dá uma cotovelada na
costela, massageando o lugar.
― Tá, agora me conta tudo! ― demanda.
― Contar o quê? ― me faço de desentendido.
― Olha aqui, Zé Augusto, não te faz de sonso, tá legal? Alguma
coisa aconteceu nessa voltinha lá na cachoeira com a Alana e a cara
de vocês entregou tudo.
Daniela é ótima em ler minhas emoções, então nem tento
mentir.
― A gente se beijou ― digo.
― Eu sabia! ― Ela dá um murrinho no meu braço. ― E o que
mais?
― Não teve nada mais ― minto. ― Só isso.
Apesar de amar Dani com todo meu coração, eu não ia contar
tudo o que realmente aconteceu naquele lugar. Até porque eu ainda
estou tentando processar.
Eu só queria animar Alana e aquele lugar sempre me trouxe
uma paz de espírito. Não tive segundas e muito menos terceiras
intenções. Então, de repente, ela estava ali na minha frente, seus
dedos em mim e retribuindo meu beijo. Quase gozei no momento
que senti sua mão dentro da minha sunga.
Definitivamente, quando a levei naquele lugar, não estava
esperando uma punheta. E muito menos que não me deixasse
retribuir o prazer que me deu. Se eu não estivesse de corpo
presente, poderia até achar que estava em um dos meus sonhos
que ando tendo com ela nos últimos tempos.
― Só isso? Só um beijo te deixou com cara de quem foi no céu e
voltou? ― Ela para de falar de repente. ― Pera! Ela te levou mesmo
no céu?
― Tu fumou o que hein, Dani? ― ralho enquanto ela se lava de
rir.
― Não podia deixar passar a piada ― diz, limpando o canto do
olho ― Mas e aí? Quem começou o beijo? Ela ou você?
― Dessa vez fui eu.
― Dessa… ― Para de falar e abre a boca em um O de surpresa.
― Já rolou outra vez e tu não me disse?! Que amizade é essa hein,
José Augusto? Eu te conto tudo!
― Conta até demais! ― reclamo e explico as circunstâncias do
nosso primeiro beijo.
― Eita que anja saidinha hein… ― comenta.
Se Dani soubesse o quanto ela é saidinha, mas nem me perco
muito no pensamento. Só a lembrança do seu toque acorda outras
partes do meu corpo. Pego uma almofada que está do meu lado e
discretamente coloco no colo.
― Será que é requisito da missão dela? ― minha amiga diz, de
repente. ― Fazer test drive na mercadoria?
― E eu lá virei carro agora, Daniela? ― ralho, ultrajado ― Que
porra é essa?
― Ora pois! Se ela vai te arranjar uma companheira, tem que
aprovar o conteúdo ― gargalha, se curvando no sofá e abraçando a
barriga.
― Ri mais baixo, sua hiena! Se Mirela acordar, você vai ter que
colocar ela pra dormir de novo. ― Aponto o dedo, acusadoramente.
― Tá bom, tá bom! Já percebi que não quer mais falar sobre
isso. Bem, vou tomar um banho enquanto a pizza não chega ― Ela
se levanta e na metade do caminho para o banheiro, se vira e
acrescenta: ― A anja abalou mesmo tuas estruturas, hein Zé.
Levanto o dedo do meio pra ela, que sai rindo. Espero mesmo
que Mirela não acorde porque senão vai dar uma trabalheira pra
dormir novamente.
Porém, Daniela está certa. Alana definitivamente abalou minhas
estruturas.
Capítulo 18
AUGUSTO
Ainda faltam alguns dias para acabar as férias de Mirela e, por
mais que minha filha seja a coisa mais importante do mundo, não
vejo a hora disso acontecer.
Quando comecei a trabalhar remoto, foi um grande desafio
conciliar o trabalho e cuidar dela. Ficou mais fácil quando Mirela
começou a ir para a escolinha aos quatro anos ano passado, na
parte da manhã. Já nas férias é sempre um pouco mais complicado.
Porém, a vantagem do trabalho remoto é que, às vezes, consigo
fazê-lo em sua companhia, a vigiando quando necessário. Nesse
quesito, ela é bastante obediente e quase sempre fica quieta
brincando ou então assistindo filme. Como agora que ela está
assistindo pela centésima vez Encanto e eu estou aqui, cantarolando
We Don’t Talk About Bruno enquanto reviso alguns documentos.
― Papai, tô com fome!
Verifico no celular e realmente já está na hora do seu lanche da
tarde. O corpo de Mirela funciona como um relógio suíço; nesse
caso, precisa ser alimentado a cada três horas.
Como também estou necessitando de uma pausa dos números,
ajeito os papeis na mesa de centro e sigo para cozinha.
Estou terminado de servir uma salada de frutas que fiz ontem à
noite, quando ouço os passinhos da minha filha correndo até onde
estou.
― O que já falei sobre correr em casa, Mirela?
― É a vovó. ― Ela mostra o meu celular, ignorando o que falei.
― Posso atender?
Antes que eu responda, ela já está com o aparelho no ouvido.
Essas crianças de hoje em dia. Evito ao máximo essa exposição de
telas à minha filha, mas confesso que quando preciso de um pouco
de paz e sossego, a deixo jogando ou assistindo Mundo Bita.
Mirela tem uma conversa rápida com minha mãe, me passando
o aparelho em seguida.
― Oi, Guto ― ela me cumprimenta e pelo seu tom de voz, sinto
que há algo de errado.
― Mãe, só um segundo que tô terminando o lanche de Mirela.
Pego a colherzinha do Frozen e, junto da cumbuca do mesmo
desenho, passo para minha filha. Ela já vai comendo no caminho de
volta a sala e vejo alguns pedaços de fruta caírem no chão. Inspiro
fundo, deixando isso pra depois.
― Pronto! ― Equilibro o celular entre o ombro e o ouvido
enquanto guardo a travessa na geladeira. ― O que aconteceu?
― Seu pai, quem mais seria? O teimoso insistiu em querer
limpar as folhas caídas na porta de casa e deu um jeito na coluna. ―
Faz uma pausa dramática. ― De novo. Tem como você passar aqui
pra levar ele na emergência?
Por sorte, minha empresa fornece plano de saúde e consegui
colocar meus pais como dependentes, assim como Mirela. Plano de
saúde no Brasil é um absurdo de caro e só Deus sabe o rombo que
seria no meu bolso pagar para dois idosos. Isso quando aceitam,
porque já ouvi de alguns convênios que quanto mais velha a pessoa,
mais difícil eles não aceitarem fazer cobertura.
Tiro o aparelho do ouvido e confiro a hora. Faltam apenas meia
hora para encerrar meu expediente do dia e posso compensar em
outro momento. A empresa deixa seus empregados livres para
fazerem seu próprio horário, contanto que se cumpra as horas
trabalhadas do dia e um serviço bem feito.
― Tem sim ― respondo. ― Me dá uns vinte minutos e eu passo
aí.
Ela se despede e finaliza a ligação. Logo em seguida, abro o
aplicativo de mensagens e sem pensar duas vezes, seleciono a
conversa com Alana.
AUGUSTO
Oi
Tá ocupada?
Espero alguns minutos para ela responder, mas quando não
acontece, ligo para seu celular.
― Augusto ― atende e som do meu nome na sua voz é melodia
para meus ouvidos. ― Estava no banho.
A imagem de Alana no banho, com a água escorrendo pelo seu
corpo, invade minha mente, mas chuto pra longe. Isso não é hora
de ficar fantasiando com ela.
― Foi mal, estou com um pouco de pressa aqui.
― O que aconteceu? Mirela tá bem? ― questiona, apreensiva.
Sorrio, encantado com a preocupação que sempre teve com
minha filha.
― Está sim. Eu só queria saber se poderia vir aqui e ficar de
olho nela por um tempo. Preciso levar meu pai no hospital.
― Ah, não. O que aconteceu com ele? ― pergunta e eu explico
toda a situação. ― Tadinho, mas vai ficar tudo bem.
― Então, pode ficar com ela?
― Posso sim. Chego aí rapidinho.
Finalizo a ligação e volto para a sala a fim de arrumar os
documentos que deixei lá. Logo depois de deixar os papeis no meu
escritório improvisado, vou para o quarto para trocar de roupa.
Estou prestes a vestir a camisa quando a campainha toca. Mirela
sabe que não pode abrir o portão sozinha, por isso o barulho ecoa
novamente quando saio do cômodo, com a roupa na mão. A
campainha toca uma terceira vez quando alcanço o portão. Com a
mão livre, o abro e meu coração dá um salto ao ver Alana.
Essa é a primeira vez que nos encontramos depois que
aconteceu no riacho, na semana passada. Assim como ela, também
precisei de um tempo para processar o que se passou entre nós.
Cheguei à conclusão que minha atração por Alana é real e não é
passageira. Agora só me resta saber se sou correspondido, mas sua
condição de anjo e toda sua missão na Terra talvez complique a
situação.
Sim, em algum momento nas últimas semanas, durante
encontros desastrosos e conversas com ela sobre eles, comecei a
acreditar que Alana é um anjo de verdade. Com isso, me sinto mais
pressionado em ajudá-la a ganhar suas asas.
Seus olhos estão fixados no meu torso nu. Limpo a garganta,
chamando sua atenção. Quando volta o olhar pra mim, as
lembranças daquele dia retornam com tudo na minha mente. Ela
deve estar pensando o mesmo, já que seus olhos tomam um brilho
diferente antes de desviarem dos meus.
Vestindo a camisa, dou um passo para o lado para que ela entre.
O familiar cheiro de jasmim invade meu olfato. Não estamos tão
próximos, mas percebo olheiras pintando o tom escuro da pele ao
redor dos seus olhos.
Sinto um aperto no peito ao vê-la assim e só piora ao pensar
que posso ser o motivo de seu semblante cansado. Tudo que mais
quero é confortá-la de alguma forma, nem que seja apenas com um
abraço apertado.
Alana vira a atenção para mim quando seu nome escapa como
um sussurro dos meus lábios. Ela me encara, num misto de
expectativa e receio, mas qualquer coisa que eu poderia falar se
perde em pensamento quando ouço barulho dos pés da minha filha
batendo no chão, vindo em nossa direção.
Juro que essa menina tem audição seletiva porque não tem nem
meia hora que reclamei sobre correr dentro de casa e ela já está
fazendo de novo. Inspiro fundo, apertando a ponte do nariz, e vejo
Alana dar um sorriso tímido.
― Tava com saudades de tu ― Mirela diz, se chocando com a
anja e a abraçando pela cintura
― Também estava com saudades, minha pequena ― a jovem
fala, abraçando minha filha pelos ombros.
Mirela sempre foi muito carinhosa com as pessoas, mas ainda
fico abismado no quanto se apegou a Alana em pouco tempo.
Não foi só ela, minha mente diz.
Xiu! Cala a boca!
Mirela ainda está grudada nas pernas de Alana como um
verdadeiro coala e confesso que uma parte minha está morrendo de
inveja da minha filha por isso. Pousando a mão suavemente em seu
ombro, chamo sua atenção.
― Alana vai ficar com você enquanto levo o vovô no hospital, tá
bom? ― digo.
― Ele tá dodói? ― Ela me encara com os olhinhos arregalados.
― Sim. Um pequeno dodói nas costas, mas vai ficar tudo bem.
― E me direcionando para Alana, informo: ― Ela acabou de lanchar,
mas caso eu demore tem lasanha na geladeira; é só esquentar. Ou
será que você vai tentar colocar fogo na casa de novo?
Diante da brincadeira, Alana dá uma risada sincera e me agrada
ver seu semblante se iluminar um pouco.
― Juvênia me ensinou a usar micro-ondas ― informa,
orgulhosa.
Mirela pega a mão de Alana e começa a puxá-la em direção à
sala, comentando sobre escolher um filme para assistirem juntas.
Elas se sentam no sofá, com minha filha no comando do controle.
Após pegar a chave do carro, o celular e a carteira, dou a volta
por trás do sofá e deposito um beijo na cabeça da Mirela,
informando que já estou partindo. Por estarem próximas, o já
familiar perfume de jasmim que vem de Alana invade meus sentidos
novamente.
Não resistindo, abaixo o rosto bem próximo ao seu. Ela sente a
aproximação e vejo seu corpo todo enrijecer.
― Não foi só Mirela que sentiu saudades ― sussurro ao pé do
seu ouvido.
Alana vira o rosto, fazendo com que nossos narizes quase se
toquem. Baixo o olhar rapidamente para seus lábios, mas o barulho
de mensagem me lembra o motivo que a chamei aqui.
Dou um beijo na sua testa antes de partir, sem esperar por sua
reação.
AUGUSTO
Dois dias após ter levado meu pai ao hospital, na hora do
almoço recebo a mensagem de alguém que há muito não passava
pela minha cabeça. Com certeza ela vai ver que li e deixei sem
resposta. Isso foi proposital.
Sigo o resto do dia, tentando manter a normalidade. Só agora,
aproveitando que Mirela foi dormir na casa dos avós maternos,
procuro a outra pessoa envolvida na minha vida amorosa até o
último fio de cabelo branco.
Como diz o ditado, mente vazia, oficina do diabo. Essa é a única
explicação para que eu, um adulto de trinta e cinco anos na cara,
esteja a essa hora da noite jogando pedrinhas na janela de Alana
depois de ter escalado o muro que divide os terrenos da minha casa
com a da Juvênia no melhor estilo Miles Morales[5], como um
adolescente recém-saído da puberdade.
Poderia ter mandado uma mensagem pra ela, pedindo para abrir
a porta, mas por algum motivo não queria cruzar com a Juvênia.
Das últimas vezes que vi a senhora, ela me lançou uns olhares
estranhos. Bem, mais estranhos que os normais.
Estou quase desistindo quando finalmente Alana abre a janela.
Seus cabelos brancos estão em uma trança caída por cima do seu
ombro e dessa distância consigo ver seus mamilos marcando a
roupa de dormir.
― Augusto? O que…
― Me deixa entrar ― a interrompo, sussurrando. A última coisa
que preciso é a Juvênia aparecendo. ― e respondo todas as suas
perguntas.
― Tá, me encontra…
― Não! Só sai daí e deixa aberto ― peço.
Gesticulo, indicando para ela se mover para o lado. Alana
obedece e entro, agradecendo eternamente pela janela ser baixa e
larga o suficiente para que eu passe sem precisar comprimir muito o
corpo.
Alana está me esperando sentada na beira da cama e fico
parado no meio do quarto. Por cima do seu ombro, vejo um livro de
cabeça pra baixo em cima do colchão.
Ela continua me encarando, curiosa e alerta. Quando está
prestes a falar algo, há uma batida na porta.
― Alana, estou indo dormir ― Dona Juvênia anuncia do outro
lado da porta.
― Tá certo, Juvênia. Boa noite ― a anja responde.
― E diga para Augusto que ele não precisa ficar pulando janela
porque a porta da casa está funcionando.
Alana começa a rir e resmungo frustrado, cobrindo o rosto com
as mãos. O que estou fazendo?
― Não sei. Você quem tem que me falar ― diz, me fazendo
perceber que falei em voz alta.
Abaixo minhas mãos e observo a mulher na minha frente.
Algumas mechas brancas saíram da trança e emolduram seu rosto.
O olhar é um misto de curioso e divertido. E obviamente ela está
usando o pijama mais curto de todos os tempos.
Alana cruza as pernas e fico perdido ali por um momento, até
que ela pigarreia. Indico com a cabeça o espaço ao lado dela e
assente. Lentamente, vou lá e sento.
Meus olhos viajam para o livro presente e ela tenta pegá-lo, mas
sou mais rápido. O título diz Tentação ao pôr-do-sol e a capa mostra
uma modelo do nariz pra baixo com vestido de época na cor rosa-
claro.
― É bom? ― pergunto, virando o livro na mão.
― Eu estava prestes a começar quando você começou a jogar
pedrinhas na janela ― responde, mas logo sua expressão fica um
tanto séria. ― O que você está fazendo aqui?
― Boa pergunta ― digo para mim mesmo e dessa vez acho que
ela não ouve.
Limpo a garganta antes de continuar a conversa.
― Lembra daquela moça… ― Coço a nuca, já pressentindo o
desconforto que vai virar essa conversa. ― A única daquela série de
encontros que deu certo.
― Sim ― prolonga a palavra.
― Ela me mandou mensagem mais cedo, perguntando se tenho
tempo livre depois de amanhã.
Alana apenas me encara, sem esboçar reação, até que ela
balança a cabeça rapidamente de um lado para o outro.
― Espero que você tenha respondido que sim ― demanda,
categórica.
Sua resposta não deveria, mas me pega de surpresa. Culpa da
pequena ponta de esperança que criei sobre talvez Alana ficar com
ciúmes.
― Ainda não respondi nada. Queria falar com você primeiro.
― Por quê? ― Assume uma postura defensiva.
― Você sabe ― respondo.
― Ah! ― Finalmente parece entender o que quis dizer. ― Pensei
que a gente já tinha conversado sobre isso
― Eu tentei conversar ― friso. ― Você fugiu.
― Absurdo! ― exclama, ultrajada, e eu me seguro para não rir
da sua reação. ― Eu não fugi de nada.
― Você é uma péssima mentirosa, Alana ― Aponto
acusadoramente em sua direção.
― Que seja! ― Ela se mexe na cama, desconfortável. ― Se não
ficou entendido naquele dia, eu digo agora. Foi só o calor do
momento. Li que isso é normal acontecer entre humanos que se
sentem atraídos um pelo outro.
Um sorriso nasce em meus lábios e aquela pontinha de
esperança retorna. Pela proximidade, percebo que sua respiração
está um pouco acelerada, e seu olhar recai rapidamente na altura
dos meus lábios.
― Então quer dizer que está atraída por mim? ― provoco.
― Não vem ao caso ― desconversa, virando o rosto para o
outro lado.
Com a ponta dos dedos, dedilho o caminho da sua mão até a
altura do seu ombro. Meu sorriso se alarga ao ver sua pele arrepiar
e a sua respiração ficar mais errática. Ela solta um suspiro audível
quando roço novamente a ponta dos dedos no seu ombro ao
empurrar sua trança para trás.
― Diga, Alana ― sussurro próximo ao seu ouvido. ― Diga que
não se sente atraída por mim.
― Eu… ― Limpa a garganta antes de continuar. ― Eu não me
sinto atraída por você.
― Mentirosa ― repito, com um sorriso nos lábios.
Deposito um beijo casto na curvatura do seu pescoço e o
gemido ela solta faz meu pau pular na minha cueca. Seguro
carinhosamente seu queixo e viro seu rosto em minha direção. Seus
olhos estão atentos e ela os fecha quando passo o nó dos dedos
pela pele retinta de sua bochecha.
Quando alcanço o canto da sua boca, ela entreabre um pouco os
lábios, passando a língua no inferior. Um olhar rápido para baixo e
vejo seus mamilos duros, marcando sua roupa. Também vejo o
momento que roça uma coxa contra a outra, em claro sinal de
excitação.
― Abra os olhos, Alana ― peço, mas ela continua com eles
fechados, negando com a cabeça o pedido e coloco mais
intensidade. ― Abra os olhos.
Ela cede e quando os abre, sou recebido por um olhar de mais
puro desejo.
― Repita o que você disse ― ordeno.
― Repetir o quê? ― diz, com a voz rouca.
― Que não sente atração por mim. Eu só vou acreditar que se
você falar olhando nos meus olhos.
A anja abre a boca uma, duas vezes, mas suas palavras não
saem. E está sendo uma visão e tanto, vê-la praticamente tremer de
desejo e eu ser a fonte desse sentimento.
Significa que não estava me iludindo; que ela também sente
essa louca atração. Mas também entendo o peso de sua missão e
por isso pergunto:
― Você quer que eu saia com essa mulher?
― Sim ― Sua resposta é um fiapo de voz.
― Você quer que eu te beije?
― Sim ― suspira.
Mal a resposta sai de sua boca, eu colo a minha na dela. Nos
beijamos como se nossas vidas dependessem disso. Sua boca tem
gosto da ambrosia mais doce e já estou viciado. Minhas mãos
encontram sua cintura e agarro com mais força quando sinto ela
mordendo meu lábio inferior.
Passo minha língua lentamente entre seus lábios e ela
entreabre, sua língua deslizando na minha. Enquanto aprofundo o
beijo, a levo para deitar no colchão, colocando-me entre suas
pernas. Meu pau está muito duro entre nós, mas me concentro em
dar prazer a ela.
Deixo sua boca e começo a beijar seu pescoço. Alana joga a
cabeça para trás me dando mais acesso à sua pele macia. Ela
pressiona seu quadril contra o meu, movendo sua intimidade de
encontro à minha ereção, me fazendo puxar o ar entre os dentes.
Uma das minhas mãos deixa sua cintura e encontra a parte de
trás de seu joelho, vou subindo pela sua coxa, parando nela e
apertando sua carne. Ela ofega quando, finalmente, minha mão
alcança o local entre suas coxas. Meu cérebro dá um nó quando
sinto que não está usando calcinha e o short do pijama já está
encharcado.
― Quer que eu te toque aqui? ― provoco, roçando os nós dos
dedos pra cima e pra baixo.
― Sim, por favor ― geme.
Coloco o tecido de lado, meu dedo deslizando lentamente no
calor de suas dobras. Com a ponta do dedão, provoco seu clitóris
fazendo movimentos circulares lentamente e ela solta um gemido
que tenho certeza que Juvênia ouviu no quarto.
― Shh ― murmuro contra seus lábios. ― Não faz barulho ou eu
paro.
― Nem pense nisso!
Dou uma risada baixa quando coloco o dedo dentro dela. Alana
está pingando na minha mão e ele desliza facilmente. Começo a
movê-los, entrando e saindo devagar, ao mesmo tempo que
continuo a circundar o clitóris, prologando seu prazer. Levanto um
pouco o tórax para observar sua reação; a cabeça jogada pra trás e
sua boca aberta em um grito silencioso.
Não resistindo, baixo a parte de cima do seu pijama, libertando
seus seios. Sem parar o movimento entre suas pernas, capturo seu
mamilo entre meus lábios e gemo de deleite por finalmente sentir o
gosto de sua pele ali. Quando dou um chupão na sua carne, ela
começa a rebolar na minha mão. Com um barulho audível, largo o
seio e dou a mesma atenção ao outro, mordiscando e lambendo.
Deslizo mais um dedo em sua boceta e Alana serpenteia os seus
no meu cabelo, puxando forte de forma que a dor é prazerosa.
Levanto o olhar para seu rosto e vejo que ela está completamente
entregue ao prazer. Continuo a fodê-la com os dedos e a chupar
seus bicos duros, até sentir seu corpo começar a tremer.
― Você é tão linda, Alana ― digo contra o vale dos seios dela.
― Tão linda.
― Augusto. ― Meu nome vem como um apelo.
Com a língua, percorro a pele dentre os seus peitos até o
pescoço, alcançando seu ouvido.
― Goza para mim ― peço.
E com isso, vejo o momento em que ela explode, o orgasmo
tomando conta de seu corpo. Com a cabeça jogada para trás, seu
lindo cabelo espalhado no colchão e a expressão de quem está
saciada, ela não poderia estar mais bonita.
Meu coração e eu estamos em sérios apuros.
Continuo movimentando meus dedos dentro dela até que seus
tremores parem. Com um toque seu no meu pulso, entendo seu
pedido e retiro os dedos. Como num déjà vu, mas com papéis
invertidos, ela tenta colocar a mão em mim, mas eu a paro.
Saindo de cima dela, ajeito seu pijama e me deito ao seu lado,
puxando seu corpo contra o meu em um abraço confortável.
― Uau! Isso foi… Meu Deus!
― É pecado falar o nome dele em vão ― provoco e recebo um
tapinha no peito.
Segurando-a com força, gostaria que pudéssemos ficar assim
por muito mais tempo. Quando sinto que estou começando a dormir,
me levanto. Ela também faz isso, então a puxo novamente para um
abraço e beijo sua testa.
Em vez de pular a janela, saímos do quarto e vamos para a
porta da frente. Estamos em uma linha tênue entre silêncio
confortável e constrangedor. Quando alcançamos o portão, ela
chama meu nome em um tom que me deixa em alerta.
― Você vai nesse encontro, certo? ― pergunta, mordendo os
lábios de forma apreensiva.
― Sim, mas quero que você saiba duas coisas. ― Dou um passo
à frente, invadindo seu espaço pessoal. ― Estou fazendo isso por
você e somente porque te fiz uma promessa.
― E a outra coisa? ― questiona baixinho.
― Acho que estou começando a desenvolver sentimentos por
você, Alana, e talvez eles não vão embora tão cedo.
Capítulo 20
ALANA
Pauso o filme de porradaria ― como Mirela chama ― que estou
assistindo quando ouço o barulho do portão da garagem de
Augusto, torcendo para que ela não acorde. Fiquei de babá dela
mais uma vez enquanto ele foi em mais um encontro com a moça do
Tinder Pelo horário tarde que está chegando, acredito que tudo
tenha ocorrido bem novamente.
Logo que esse pensamento passa pela minha cabeça, sinto um
aperto na barriga que não sei explicar.
Sabe explicar sim, uma vozinha chata fala no fundo da minha
mente, principalmente depois daquela noite no meu quarto. De fato,
o clima entre nós ficou um pouco estranho desde então.
Não sei bem qual é a etiqueta e nem como me comportar
quando o alvo da sua missão te pede permissão pra sair com outra
mulher para logo em seguida te fazer gozar com os dedos. Às vezes
me arrependo de não ter lido o manual completo das missões, mas
agora não importa.
Como já ouvi a Juvênia falar, não se chora por leite esquentado.
Ou é congelado? Algo assim.
No fim das contas, o incentivei e até fingi que estava tudo bem
quando, na verdade, queria era pegar o celular dele, apagar todas
as conversas e seu perfil, e por fim deletar o aplicativo, se possível
até mudar seu número para que ninguém entrasse em contato
nunca mais. Mas não foi isso que aconteceu, muito pelo contrário.
O que aconteceu é que fiquei me remoendo aqui a noite inteira,
ansiosa.
Será que isso é ciúme? Mirela até perguntou se estava tudo bem
quando não chorei com o filme que assistimos. Mal sabe ela que
nem prestei atenção direito.
― Então, como foi? Por favor, me diz que deu certo ― pergunto
quando Augusto aparece na sala, dividida entre realmente querer
que tenha dado certo e que tenha sido um desastre.
― Infelizmente tenho péssimas notícias ― informa, ao sentar ao
meu lado no sofá.
― Droga! ― Cruzo os braços como uma criança birrenta,
chateada e, ao mesmo tempo, aliviada?
Ele tomba a cabeça pra trás e fecha os olhos, inspirando fundo.
Imito seu gesto e sinto o resquício do seu perfume.
Involuntariamente me inclino em sua direção, com a inexplicável
vontade de inalar o cheiro diretamente da sua pele de novo. De
repente ele abre os olhos e levanta uma sobrancelha, me encarando
em um misto de curiosidade e diversão. Com um sorriso sem graça,
me ajeito no sofá, tomando um pouco de distância, e pergunto o
que aconteceu.
― Ela teve uma crise alérgica e eu estava até agora a fazendo
companhia no hospital ― relata.
― Meu deus, tadinha!
― Pior de tudo é que ela não sabia que era alérgica até colocar
a primeira colherada na boca. Minutos depois começou a espirrar e
se coçar por inteira. No hospital, a médica disse que ela teve sorte
de não ter tido um choque anafilático.
― Será que te jogaram alguma maldição e ninguém me avisou?
― considero. ― Vou ter que averiguar isso com a administração.
Augusto ri fraco do meu comentário e eu imito sua posição,
também tombando a cabeça pro encosto do sofá. Como pode toda
uma sequência de encontros com pessoas diferentes sempre darem
errado? Até mesmo a única mulher que havia dado certo, agora deu
tudo errado também.
Então, é como se uma luz se acendesse na minha cabeça e eu
me endireito no sofá, encarando Augusto.
― Você! ― Aponto.
― Eu… ― prolonga a palavra, desconfiado.
― Você é o denominador comum desses encontros desastrosos.
― Gesticulo com o dedo em riste em sua direção. ― Alguém deve
estar te sabotando.
― Alana, de todas as coisas absurdas que já saiu da sua boca,
inclusive sobre o fato de ser um anjo…
― O que é verdade ― interrompo.
― Essa ganhou o prêmio de mais absurda já dita por você.
― Pensa só. ― Viro o corpo em sua direção. ― Foram mulheres
diferentes, locais diferentes, e tudo acabou dando errado. A única
coisa em comum nisso tudo é você.
Augusto abre os olhos e os direciona para mim, com um sorriso
travesso e olhar divertido. Sua expressão me lembrou demais
quando Mirela estava prestes a aprontar alguma. Tal pai, tal filha.
― Quer sair comigo? ― solta.
― A essa hora, Augusto? Vamos fazer o que na rua?
― Não ― ri. ― Quero dizer se quer ir num encontro comigo.
― O quê? Pra quê? ― pergunto, ainda sem entender onde ele
quer chegar.
― Ué, se você acha que o problema sou eu, nada mais justo
que tirar a prova pessoalmente ― responde, com um sorriso de
lado.
Augusto tem um ponto bem interessante. Eu poderia observar
de longe, mas fazendo parte talvez consiga pegar informações e
situações que podem ajudar a explicar porque tudo dá errado.
Boa desculpa, diz a vozinha chata, porque não é como se você
ficasse com um pouquinho de inveja e ciúmes das outras mulheres
que ele sai.
― Cala a boca ― murmuro.
― Eu não falei nada. ― Ele se defende, confuso.
― Não você. Essa vozinha chata que está na minha cabeça
desde que cheguei aqui. É um saco! ― Augusto me encara e dou
com a mão. ― Deixa pra lá.
― Então, o que me diz? Aceita?
Ele me encara de forma engraçada e com uma certa malícia e
presunção. Seu escrutínio me faz sentir como uma mariposa atraída
para a chama. Bem, espero que não termine me queimando.
― Sim ― respondo por fim.
― Combinado. Amanhã então. ― Dá o ultimato.
AUGUSTO
Poderia me sentir mal por meio que ter manipulado Alana a ir
em um encontro comigo? Talvez, mas no momento que ela disse
que eu poderia ser o centro de todos esses desastres, a ideia se
instalou na minha cabeça e não poderia deixar de arriscar.
A verdade é que esses encontros não dão certo porque ela não
sai da minha cabeça. Sei que é injusto com as outras mulheres e eu
até tento fazer dar certo por conta do que está em jogo para Alana,
mas uma certa anja de cabelos brancos tomou morada permanente
em meus pensamentos.
Esse último encontro que compareci, antes de todo caos da
reação alérgica acontecer, foi pra dizer pessoalmente que nada iria
acontecer, pois, já havia outra pessoa. Foi o mais justo com ela, que
parecia ter esperanças. No final, ela compreendeu e acredito que
logo encontrará alguém também. Quem sabe Alana não mexe os
pauzinhos com um de seus colegas cupidos para que a pessoa certa
não demore a aparecer?
Voltando meus pensamentos para o planejado hoje, pedi para
Alana aparecer aqui em casa por volta das oito da noite. Quando
perguntou onde iriamos, falei que era surpresa.
A verdade é que não vamos a lugar nenhum.
Termino de abotoar minha camisa a caminho da sala, parando
na entrada para observar o que organizei.
A mesa de centro está decorada com um arranjo de flores no
meio. A sala está iluminada principalmente por velas, que lançam
uma luz suave e calorosa. O aroma delas perfuma o ar. Espalhei
também almofadas no chão para ficarmos mais à vontade. Fora que
também é desculpa para estar mais perto de Alana do que se eu
organizasse tudo na mesa de jantar.
Após queimar todos os meus neurônios pensando em algum
lugar para irmos, lembrei dessa ideia de um jantar à luz de velas
meio intimista.
Para o cardápio, achei uma receita fácil de parmegiana no
TikTok. Depois que Daniela me apresentou esse lado “master chef”
da rede social, vivo salvando vídeos para quando quero cozinhar
algo prático e rápido. Já houve situações que ficou a impressão que
a pessoa não passava a receita por completo, já que o resultado
ficava diferente, mas quase sempre dá certo.
A campainha toca e quando abro, Alana está parada, linda como
sempre. Branco deve ser sua cor favorita, já que mais uma vez ela
está com um vestido dessa tonalidade, só que com estampa de
moranguinhos.
― Cadê seus sapatos? ― pergunta, olhando para meus pés
descalços.
― Não vou precisar deles.
― E vão te deixar entrar no local sem? ― ela me encara,
franzindo a testa de forma fofa.
― Não vai ser preciso porque não vamos a lugar nenhum.
Alana começa a fazer mais perguntas quando a puxo para
dentro de casa, e fecho o portão. Ao entrar na sala, solta uma
exclamação de surpresa, cruzando as mãos na altura do peito.
― Que lindo ― diz, com a voz sonhadora.
― Achei que ficarmos completamente a sós seria melhor pra
descobrir se sou a razão do fracasso ― falo, na maior cara de pau.
― E Mirela?
― Foi dormir na casa da avó hoje.
Alana me encara por alguns momentos, antes de tomar um
lugar ao chão. Ela mexe em algo no celular e o coloca em cima da
mesa.
― O que é isso? Vai monitorar o tempo? ― brinco, mas vindo
dela, posso esperar qualquer coisa.
― Sua avaliação ― diz, séria e jogando os ombros pra trás. ―
Vou anotar tudo que você fizer para poder analisar com mais calma
depois e ver onde está errando.
― E por que eu seria o algo de errado?
― Denominador comum, lembra?
Balanço a cabeça de um lado pro outro, rindo comigo mesmo.
Antes de me retirar para a cozinha a fim de trazer a comida, dou um
beijo rápido na sua bochecha e ela dá um pulinho no lugar, surpresa.
Horas depois, os pratos estão esquecidos em cima da mesa de
centro, assim como as taças de vinho. Há muito as velas se
apagaram e a iluminação agora é da luz normal da casa.
― Eu não entendo ― diz, com o olhar voltado para o celular e
alheia que estou brincando com uma mecha do seu cabelo.
Mudamos também do chão para o conforto do sofá, para o alívio
da minha coluna que já não é mais tão nova assim.
― O que não entende? ― pergunto, com bastante interesse.
― Como seus outros encontros foram desastrosos. ― Ela segue
frustrada. ― Segundo minhas observações, você não fez nada de
errado. Muito pelo contrário. Foi bem acima da média até.
Involuntariamente, meu peito se expande ligeiramente, uma
onda de orgulho tomando conta de mim devido ao seu comentário.
― O que será que foi diferente? ― fala baixinho, como se não
quisesse que ninguém ouvisse.
― Você.
― O que tem eu? ― devolve, timidamente.
Seus olhos encontram os meus e vejo a oportunidade. Com
delicadeza, tiro seu celular da mão, colocando-o sobre a mesa, e
tomo suas mãos nas minhas.
― A culpa dos meus encontros todos darem errado é sua, Alana,
porque você não sai da minha cabeça.
Ela apenas me encara, com os olhos vidrados e a boca
levemente entreaberta. Sua reação é muito fofa porque nem parece
que, dias atrás, confessei a possível existência desses sentimentos.
― Juro que tentei ― continuo, diante seu silêncio. ― Eu
realmente tentei que tudo isso funcionasse por sua causa. Não
aguentava pensar que você estava triste com a perspectiva de não
conseguir suas asas, mas não posso mais fazer isso. Não é justo
com essas mulheres; eu estar com elas, pensando em você.
― Eu… eu não sei o que dizer. Não era para ser assim ―
declara, com a voz ligeiramente trêmula.
― Como sempre digo para a Mirela, nem sempre conseguimos o
que queremos. ― Dou de ombros, sentindo-os leves por finalmente
ter colocado essas palavras pra fora.
― Você não entende. ― Ela tenta soltar suas mãos das minhas,
mas eu as seguro firme.
― Talvez não entenda mesmo e peço desculpas, mas é assim
que me sinto. E se eu tiver alguma opinião sobre essa coisa de
companheira, eu escolho você.
― O quê?! ― exclama, a voz uma oitava mais alta.
― Foi isso que você ouviu. Eu escolho você ― friso ― para ser
minha companheira.
― Não funciona assim ― balança a cabeça, em negação.
― Que pena ― ironizo. ― Você deveria encontrar uma
companheira para mim, certo? ― Não espero sua resposta e
continuo: ― Mas no fim das contas tenho que aceitar se quero essa
pessoa. Não quero mais ninguém, Alana. Quero você. Já faz muito
tempo que não me sinto assim, desde…
― Eu sei ― diz, em tom melancólico. ― Li seu arquivo.
― Então por quê? ― falo, exasperado. ― Por que lutar contra
isso? Se tudo que aconteceu comigo me ensinou algo é que a vida é
muito curta para lutar contra as coisas que você deseja. E agora
tudo que desejo é te beijar.
Alana solta suas mãos das minhas e se levanta, tomando
distância entre nós. Ela começa a andar de um lado para outro,
perdida em pensamento e eu não tento aproximação.
Sei que é muito para digerir e toda essa declaração afeta
diretamente na sua missão, mas eu também estou envolvido. São
meus sentimentos que também estão em jogo aqui.
De repente Alana para de andar e fica estática, o olhar perdido
em algum lugar na parede. No que pareceram horas, mas se
passaram apenas alguns minutos, ela parece despertar de algum
transe. Seu olhar volta para mim e uma gama de emoções está
estampada em seu rosto.
― OK ― sussurra, ao sentar do meu lado.
― OK o quê? ― pergunto, com o coração acelerado.
― Você pode me beijar.
Logo que as palavras saem de sua boca, estou puxando seus
lábios contra os meus. Não refreio o desejo e a beijo furiosamente,
como se quisesse me perder nela e neste momento. E ela responde
com a mesma intensidade.
Meus dedos estão emaranhados em seus cabelos e os dela
agarrando a frente da minha camisa, como se quisessem me puxar
para mais perto do que estou. Sua boca tem gosto do vinho que
bebemos, mas já estou bêbado dela. Nossas línguas dançam em um
ritmo próprio e nossos lábios capturam os gemidos um do outro.
Movendo minhas mãos para sua cintura, a coloco em meu colo
sem quebrar o beijo. Posso sentir seu coração batendo rápido contra
meu peito e tenho certeza de que ela sente o meu. Nós nos
beijamos e beijamos e beijamos até que de repente ela se afasta,
respirando rápido.
― Desculpe, estou me sentindo um pouco tonta. ― Apoia a
cabeça no meu ombro.
― Está tudo bem? ― pergunto, receoso porque a última vez que
uma mulher me disse que estava tonta, acabou vomitando em mim.
― Sim, é só que… respirar e beijar ao mesmo tempo é difícil.
Não consigo segurar a gargalhada ao ouvir sua confissão. Ela
levanta o rosto e meu olhar vai direto em seus lábios inchados por
minha culpa. Não resisto e a beijo de novo, e ela se entrega sem
delongas.
Sinto descer a mão entre nós e num movimento rápido capturo
seu pulso. Por mais que meu pau reclame por privá-lo do toque de
Alana, quero ensiná-la um pouco mais sobre prazeres carnais.
Capítulo 21
ALANA
Em um piscar de olhos, Augusto me tira de seu colo e me joga
no sofá. Ele se abaixa na minha frente e, apoiando as mãos nos
meus joelhos, abre minhas pernas.
― O-o que está fazendo? ― Minha voz sai trêmula, suspeitando
das suas intenções.
― Você sabe muito bem, já que estava lendo aquele livro que te
dei. ― Dá uma piscadela e sobe as mãos por baixo do meu vestido,
deixando um rastro quente na minha pele. ― Me diga, Alana, o que
estava sonhando naquele dia que te fez chamar meu nome
enquanto dormia?
Sinto meu rosto queimar e Augusto continua a me encarar. O
mesmo sorriso safado daquele dia está em seus lábios, o que me faz
acreditar que ele sabe muito bem o conteúdo adulto que foi meu
sonho.
De repente, está difícil respirar, mas no bom sentido.
Lentamente, ele arrasta meu vestido até minha cintura, me
expondo. As pontas de seus dedos roçam nas minhas coxas,
deixando a pele arrepiada.
― Levante o quadril pra mim, Alana.
Faço o que ele pede e lá vai minha calcinha também. Meu
coração está batendo tão rápido que tenho medo de morrer de
arritmia ou algo parecido. Sei o que ele está prestes a fazer e venho
sonhando com isso há muito tempo. Literalmente.
Augusto volta a apoiar as mãos em meus joelhos, seu dedão
fazendo círculos na lateral de cada um e começo a acreditar que
esse local específico do meu corpo tem uma ligação direta com a
pulsação entre minhas pernas.
― Posso? ― pergunta, com a voz rouca e aceno concordando,
dando permissão.
Ele começa com beijos leves no meu joelho direito e sobe, e
sobe, e sobe até finalmente beijar ali. Ainda bem que Mirela está na
casa da avó porque o som que sai da minha boca quando sinto seus
lábios não é para os ouvidos de uma criança. Ou para o ouvido de
qualquer pessoa, na verdade. Mas de alguma forma Augusto gosta
do som que faço, pois posso sentir seu sorriso contra minha boceta.
Boceta. E lá vai outra palavra que nunca pensei que usaria.
O pensamento sai da minha cabeça quando sinto Augusto me
separando com seus dedos e logo sua língua viaja desde a minha
entrada até o clitóris. Ouço alguém ofegar alto e descubro que sou
eu quando repito o gesto.
Sua língua desliza em mim avidamente e os sons baixos de
deleite que faz é como se tivesse saboreando sua comida favorita.
Ele raspa os dentes contra meu clitóris, para em seguida iniciar
movimentos circulares com a ponta da língua e isso é muito melhor
do que nos meus sonhos.
Uma das minhas mãos está agarrando o braço do sofá e a outra
na sua cabeça, como se eu não quisesse que ele parasse de fazer o
que está fazendo. E do jeito que está me lambendo e chupando com
gosto, sei que não é necessário me preocupar. Meus gemidos são
tão altos que tenho certeza que toda a vizinhança pode ouvi-los.
De repente Augusto para todos seus movimentos e quando
estou prestes a exigir que continue, ele coloca um dedo em mim,
com os olhos colados nos meus. Quebro o olhar, baixando o rosto e
vendo seu dedo desaparecer e aparecer entre meus lábios. Meus
olhos voltam para ele, me contemplando com pura luxúria.
Ele acrescenta outro dedo antes de voltar a colar sua boca lá.
Agora é uma combinação de língua, lábios e dedos que me leva a
dizer coisas incoerentes. Então torce o dedo ao mesmo tempo em
que chupa forte meu clitóris e tudo explode atrás dos meus olhos.
Augusto mantém a boca em mim até meu corpo parar de
tremer. Depois de um leve beijo na parte interna da minha coxa, ele
se endireita, olhando para mim e suas mãos alisando minha pele.
Seu rosto está afogueado, seus lábios brilham do meu gozo, seus
olhos estão pesados de desejo e seu toque aumenta as chamas em
mim. Ele é magnífico.
Assim como naquela vez no riacho e no meu quarto, sei que isso
deveria parecer errado e eu deveria sentir que algum carma cósmico
está prestes a me atingir, mas tudo que sinto é… felicidade e
realização.
Ao me dizer todas aquelas coisas mais cedo, entrei em pânico.
Eu não queria acreditar em suas palavras porque não fazia sentido
pra mim. Minha missão era fazer com que ele sentisse essas coisas
por outra pessoa e não por mim. Eu não deveria sentir essas coisas
por ele, afinal minha estadia aqui é passageira.
Quando eu for embora, ele se esquecerá de mim, mas ficarei
com sua lembrança pelo resto da minha existência. Augusto não
percebeu, mas usei uma boa parte do meu poder para parar o
tempo entre nós, a fim de refletir sua declaração. Essa foi a segunda
vez que os usei a meu favor desde que caí na Terra, sendo a outra
única vez foi quando me teletransportei de seu quintal.
Não conseguia raciocinar sendo alvo do seu olhar esperançoso e
eu precisava de espaço para isso, ao mesmo tempo que não queria
deixá-lo. Uma grande confusão de sentimentos, eu sei.
Eu escolho você para ser minha companheira.
Não quero mais ninguém, Alana. Eu quero você.
Para ele pareceu apenas alguns minutos, quando, na verdade,
foram algumas horas. No fim das contas cheguei à conclusão que
tudo o que aconteceu desde que cai no seu quintal nos levou a este
momento aqui e agora. Assim como quero minhas asas, também
quero ele. E algo dentro de mim me diz que esses dois desejos não
se anulam.
É por isso que não penso duas vezes no que digo a seguir.
― Me leve para o seu quarto.
Como se esperasse por isso, ele apenas se levanta e oferece a
mão, que eu agarro. A caminho do cômodo, Augusto me beija tão
profundamente que fico tonta de novo.
Em seu quarto, tiramos nossas roupas em um silêncio
reconfortante, ficando nus um na frente do outro. Pela primeira vez
desde que vim à Terra, me sinto um pouco consciente do meu
corpo. É apenas carne e pele, mas o modo como seus olhos viajam
para cima e para baixo me deixa um pouco tímida.
Faço o mesmo com ele. Meu olhar começa em seu cabelo
bagunçado, e depois vai para seu pescoço, ombros, onde agora vejo
uma leve cicatriz branca em contraste pele marrom. Descendo, há o
tal do caminho da felicidade que li naquele livro que ele me deu de
presente. E então, quando chego ao ponto que importa, não consigo
evitar que minha boca se abra em surpresa.
Eu já peguei o pênis dele na mão e o senti nas minhas pernas
antes, mas nunca vi e é…
― Grande ― digo e ele ri.
Quando percebo que falei em voz alta, sinto meu rosto
esquentar, mas ele me puxa pela cintura.
― Você é tão linda, Alana. ― Traça a lateral do meu rosto com o
dedo. ― Tão, tão linda.
― Você também. ― Devolvo o elogio.
Eu o puxo para um beijo e talvez esteja um pouco viciada em
seus lábios. Ele nos leva até a cama, colocando seu corpo em cima
do meu. Abro as pernas para se acomodar melhor, e gemo ao sentir
sua ereção contra minha entrada. Giro meus quadris e ele
interrompe o beijo, encostando o rosto no meu pescoço.
― Se você fizer isso de novo, tudo vai acabar mais cedo do que
gostaria. ― Mordisca a pele ali e gemo baixinho.
― Isso não é um problema. Li que existem outras maneiras de
dar prazer um ao outro, como o que você fez comigo na sala.
― Você leu, hein? ― pergunta, o canto do lábio subindo
levemente. ― Naquele livro que te dei?
― E em outros livros que Juvênia tem ― confesso e ele beija a
ponta do meu nariz.
― Sim, existem muitas outras maneiras, mas o problema é que
― agarra minha orelha entre os dentes ― não quero que isso acabe
rápido.
Ele começa a depositar beijos no meu pescoço, na minha
garganta, na curva do meu ombro. Descendo, captura meu mamilo
entre os lábios, sugando com força e depois circulando ao redor com
a língua, voltando a sugá-lo. Dá o mesmo tratamento ao outro, e se
diverte entre eles, ao mesmo tempo que aperta e massageia meus
seios.
Quanto a mim, estou à sua mercê. Tento colocar meu braço
entre nós, mas ele agarra os dois pelo punho, prendendo-os acima
da minha cabeça com uma das mãos. Sinto seu sorriso contra meu
peito enquanto continuo movendo meus quadris, tentando
convencê-lo a entrar em mim de uma vez por todas.
― Alana, Alana… Quem diria que você seria impaciente ― diz,
mordiscando meu lóbulo.
― Não é… ― paro de falar quando sinto o dedo dele provocando
meu clitóris ― justo. Você nem me deixa te tocar. ― Minha voz falha
quando ele começa a movimentar a digital. ― Eu só preciso…
― O quê? ― Levanta a cabeça, me encarando ansioso. ― Diga.
― Você. ― Minha resposta sai como uma súplica. ― Eu preciso
de você. Por favor.
Ele me beija vorazmente e liberta minhas mãos. Agarro seu pau
e um grunhido reverbera em seu peito quando coloco a cabeça na
minha entrada.
― Espera! ― exclama, um pouco exasperado.
― O que foi agora? ― Não escondo minha frustração na minha
voz.
― Precisamos de proteção.
― Proteção? Pra… ah! Tudo bem, não precisamos disso.
― Tem certeza?
― Sim ― respondo, empurrando meus quadris contra ele.
Dói um pouco quando começa a entrar, mas logo a dor forte se
transforma em uma dor boa. Augusto coloca minha perna em volta
de sua cintura, me preenchendo cada vez mais. Parece que estamos
prendendo a respiração até que esteja totalmente dentro de mim.
Seus primeiros movimentos são lentos e suaves. Ele se retira por
completo, exceto a ponta, e volta com tudo, fazendo de novo e de
novo. Eu me ancoro agarrando seus ombros enquanto nossos
gemidos se misturam no quarto. Me sentindo um pouco ousada,
mordo de leve seu mamilo e ele puxa o ar pelos dentes.
― Mais ― gemo, beijando o espaço na altura do seu coração.
Algo parece clicar entre nós e nosso ritmo acelera. Com uma
mão ele segura minha perna e a outra está na minha cintura, me
segurando contra o colchão. Devido os movimentos frenéticos, a
cabeceira da cama bate na parede, o som oco se misturando com o
encontro dos nossos corpos, gemidos e respiração ofegante.
Ele empurra forte e rápido, atingindo um ponto dentro de mim
que inicia um formigamento gostoso ao longo do meu corpo.
Quando isso acontece, arrasto as unhas ao longo de suas costas,
arrancando um grunhido seu.
Entre os barulhos, o ouço dizendo o quanto sou linda, como me
encaixo perfeitamente nele, como ele deseja estar para sempre
dentro de mim. Meu cérebro esqueceu de formar outras palavras,
exceto “mais”, “sim”, “por favor” e “não pare”.
Augusto continua suas estocadas até que eu seja uma
supernova explodindo, gritando seu nome. Eu o seguro com força
enquanto as ondas do meu corpo vão diminuindo. Logo seu corpo
está tremendo, com ele encontrando seu prazer também.
Capítulo 22
ALANA
― Anjos fazem sexo? ― Augusto pergunta, de repente.
Estou com a cabeça em seu peito enquanto ele brinca com meu
cabelo. Já é tarde, mas não me sinto cansada nem com sono. Pelo
contrário, estou mais viva que o normal. Sinto que poderia correr
uma maratona. Ou começar uma briga com um unicórnio ― eles são
conhecidos por serem bem fortes ― e acho que Augusto sente o
mesmo.
― Sim ― respondo. ―, mas é diferente dos humanos. É algo
místico e colorido… difícil explicar em palavras. É uma experiência
diferente, mais sensorial que contato físico.
― Então você não era virgem?
― Sim e não.
― O que quer dizer? ― ouço a confusão na sua voz.
― Esse corpo ― friso ― nunca fez sexo antes, mas eu já.
― Tô confuso ― ri.
― Como eu disse, sexo dos anjos é diferente do sexo humano.
Não é a mesma experiência.
― Quando você disse que não precisávamos de proteção…
― Não podemos ter filhos quando estamos na Terra ―
respondo. ― Além disso, só após ganharmos asas é que temos essa
opção.
― Como vocês nascem então? ― Seu tom de voz é de uma
curiosidade genuína
― Da energia cósmica liberada durante o sexo, caso os anjos
envolvidos queiram… Pare de rir! ― Dou um tapinha no seu peito e
sua gargalhada aumenta, me contagiando. ― Eu sei que parece
loucura, mas é isso que acontece.
― Desculpe, mas tudo parece muito… papo de gente lombrada.
― Isso é porque o cérebro humano não está desenvolvido o
suficiente para entender como funciona ― rebato, defensiva.
― E o seu é? ― diz, em tom zombeteiro.
― Obviamente! Tenho duzentos anos. Eu já vi e vivi muito.
― Nossa! Isso significa que estou na cama com uma mulher
muito mais velha que eu, com idade pra ser minha tataravó.
― Você tem algum problema com isso? ― finjo estar ofendida.
― Não ― diz, nos virando no colchão, me cobrindo com seu
corpo e enrolando uma mecha branca em seus dedos. ― Sempre
achei cabelos brancos um charme.
― Já?! ― exclamo quando sinto sua ereção pulsar entre nós.
― Estou sempre assim quando você está por perto ― declara
antes de me beijar.
A luz do sol incomoda meus olhos quando os abro, mas não foi
isso que me despertou. Foram as batidas na porta seguida de uma
voz bem animada.
― Papai, papai!
― Droga! ― Levanto em um pulo e sacudo o homem ao meu
lado. ― Augusto! Augusto! Acorda!
― Que foi? Que horas são? ― pergunta, desorientado.
― Não sei, mas Mirela está aqui ― respondo, apreensiva e
encarando a madeira da porta.
― Papai, papai!
― O papai deve estar dormindo, Lela. ― uma voz feminina
comenta.
― Com sua mãe! ― sussurro, exasperada.
Levanto de um pulo, procurando minha roupa. Ouço mais alguns
sussurros vindo por detrás da porta, até que escuto passos se
afastarem.
― Quê? Minha mãe nunca a traz antes…
Ele se vira e sussurra algo para sua Echo Dot, que responde no
mesmo tom.
― São dez e meia ― diz, em meio a um bocejo.
Uau! Desde que cai na terra nunca acordei tão tarde assim. Faz
sentido termos perdido o horário já que ficamos até altas horas
explorando o corpo um do outro.
― Não se preocupa. ― Ele se espreguiça e por uns segundos
fico hipnotizada pelos músculos de suas costas ― Mirela sabe que
não pode entrar aqui sem permissão se a porta estiver fechada.
Termino de colocar meu vestido, mas Augusto continua como
veio ao mundo. Não é uma visão nada ruim, mas o momento não
me permite apreciar.
― Vamos, Augusto! ― Jogo a bermuda em sua direção. ― Se
veste logo antes que sua filha volte e abra esse quarto.
― Ela não vai fazer isso ― declara, com confiança.
― Quer mesmo arriscar explicar para uma criança de cinco anos
o que você faz pelado no quarto com a pessoa que supostamente
deveria encontrar uma companheira pra você, também sem roupa?
Mal digo as palavras e ouvimos Mirela chamar pelo pai
novamente, dessa vez mexendo no trinco. Levanto uma sobrancelha,
colocando a mão na cintura. Ouvimos dona Leila chamar a neta que,
pela zoada no piso, sai correndo.
― Você está certa.
― Palavras que toda mulher gosta de ouvir ― declaro, um
tantinho presunçosa.
― Você está mesmo se acostumando com os costumes
terrestres, hein…
Estou terminando de trançar meu cabelo quando ele me puxa
pela cintura.
― Qual a parte da sua filha conseguir um trauma para toda vida
ao entrar aqui que você não entendeu?
Tento me desvencilhar de seu abraço, mas Augusto não me
solta. Ele ignora minha observação e me dá um beijo rápido.
― Eu explicaria pra ela que o papai estava com a namorada
dele.
― Namorada? Eu? Nã…
Ele me corta novamente com mais um beijo rápido.
― Sim, namorada. Companheira. Qualquer palavra que você
queira usar ― diz, passando meu cabelo por trás da minha orelha.
― A gente tem que conversar sobre isso, mas não agora. Vá lá
encontrar sua filha antes que ela volte.
Não resistindo, dessa vez eu que dou um beijo rápido nos seus
lábios e consigo sair dos seus braços. Antes que ele possa fazer algo
pra me distrair de novo, me teletransporto.
AUGUSTO
Acho que você esqueceu algo aqui
ALANA
Acho que não
Em seguida manda foto da minha calcinha e então lembro que
ela ficou na sala quando nós, é… você sabe.
AUGUSTO
Por sorte chutei pra debaixo do sofá
antes que Mirela encontrasse
ALANA
E sua mãe?
AUGUSTO
Ela com certeza viu ;)
Gemo frustrada, jogando meu telefone na cama e olho para o
teto, repassando tudo o que aconteceu na noite passada. Não só as
partes safadas, mas tudo, principalmente o que Augusto falou.
Não me arrependo, mas não sei o que isso significa para minha
missão. E devo admitir; estou com um pouco de medo.
Quando voltei esta manhã, Juvênia não estava em casa; ela foi
passar o dia com a filha e sua família. Para minha sorte, ela já tinha
feito o almoço, deixando só no ponto de esquentar a comida.
Segundo ela, sou um perigo na cozinha.
― Você é capaz de queimar água ― me disse uma vez.
Tiro uma soneca longa à tarde após comer o assado de panela.
Meu último pensamento antes de pegar no sono é como algo pode
ser assado numa panela.
Quando acordo, já é início da noite de domingo e, como dizem
os humanos, a bad do término do fim de semana vem junto. Saio do
meu quarto, seguindo o som da TV e encontro Juvênia assistindo a
algum programa.
― A noite passada foi boa, hein ― brinca, quando sento ao seu
lado.
Não há necessidade de negar, então fico quieta sentindo meu
rosto esquentar. Assistimos em silêncio algumas pessoas dançando
no programa até ela desligar.
― É estranho você ficar quieta assim. ― Vira atenção pra mim.
― Desembucha.
― Você é um anjo, certo? ― pergunto e ela acena, revirando os
olhos com minha pergunta óbvia. ― Como foi que permaneceu na
Terra?
― Bem, há alguns anos vim pra cá em uma missão, como você.
Não o mesmo tipo, já que eu era de outro divisão. Ao final, me
apaixonei por alguém e por isso decidi ficar por aqui.
Sua resposta me pega de surpresa. Eu sabia que a Juvênia já
morava aqui há muito tempo, inclusive foi assim que conheceu a
mãe de Augusto, mas não sabia que tinha decidido por vontade
própria não voltar para o céu. A senhora pega o porta-retratos ao
lado do sofá e sua expressão se suaviza, perdida nas lembranças.
― Eu era muito parecida com você quando era jovem e vim pra
cá. ― Coloca o porta-retrato no lugar. ― Também ansiava por
minhas asas, mas então conheci meu falecido marido e, bem… o
resto é história.
― Então… você desistiu de suas asas por ele? ― pergunto,
receosa de sua resposta.
― O quê? ― exclama, num misto de surpresa e confusão. ―
Não! Ganhei minhas asas, fiquei com o homem, e arranjei um novo
emprego.
― Isso é possível? ― pergunto, uma centelha de esperança se
acendendo no meu peito.
― É, sim. Eles não te contaram? ― Joga um olhar desconfiado e
eu nego. ― Interessante.
Pelo tom da sua voz e o sorrisinho nos lábios, ela parece estar
bem satisfeita com a minha resposta.
― O quê? ― Dessa vez, eu que fico desconfiada com sua
reação.
― Nada ― desconversa.
― Foi assim que você se tornou guia? ― continuo meu
interrogatório.
― Sim, eles me ofereceram esse emprego quando decidi ficar
aqui. A outra pessoa queria se aposentar.
Juvênia decide que nossa conversa está encerada quando liga a
TV novamente. Ficamos em silêncio, mas minha atenção está longe.
Algo que ela disse está martelando no fundo do meu cérebro, mas
não consigo descobrir o que é.
Capítulo 23
AUGUSTO
É segunda-feira. As aulas da Mirela começam hoje e nós dois
não estamos preparados para isso, principalmente ela. Minha filha
está ainda mais mal-humorada, mas espero que fique mais feliz
quando chegarmos à escola.
Por enquanto, só tivemos drama. Drama para tomar banho.
Drama para colocar o uniforme. Drama para arrumar o cabelo.
Tenho um momento para respirar quando, depois do café da manhã,
ela vai escovar os dentes.
― Já sou grandinha, papai. Posso escovar os dentes sozinha ―
me disse quando tentei ajudá-la.
Estou terminando de colocar o lixo fora quando vejo Alana se
aproximar. Ela traz uma sacola de papel pardo na mão, então
acredito que esteja voltando da padaria. Ao me dar um sorriso, já
sinto meu humor melhorar. Coloco novamente a cabeça para dentro
de casa, lembrando a minha filha que ela vai se atrasar.
― Péssima hora? ― pergunta, olhando de soslaio para o portão
de alumínio aberto.
― Sim ― respondo e explico o drama matinal.
Alana abre a boca provavelmente para dizer alguma palavra de
consolo, mas ela não tem chance quando a puxo pela cintura.
Meu nome em forma de reclamação é a última coisa que diz
antes que eu a beije. Foi ontem que ela saiu da minha cama, mas
sinto falta dela. Bastante. Alguns podem me chamar de emocionado
que não me importo.
Além da mensagem que enviei sobre sua calcinha, decidi dar um
pouco de espaço e esperar que me procurasse. Sabia que ela tinha
que digerir o que aconteceu entre nós e tudo mais. Não esperava
que pudéssemos nos encontrar tão rápido assim, mas também não
vou reclamar.
Por mais que eu quisesse passar horas beijando a mulher nos
meus braços, eu a solto visto que Mirela em algum momento pode
aparecer e nos flagrar. Acredito que ela seria capaz de soltar fogos
ao saber do meu envolvimento com a anja, mas primeiro preciso ter
certeza até onde isso vai nos levar para poder abrir o jogo com
minha filha.
― Mirela, vamos ― grito novamente, já impaciente.
Alana dá um leve aperto na minha mão antes de tomar uma
distância respeitável entre nós dois.
― Mas eu não quero… ― choraminga.
Tenho certeza que Mirela está vindo batendo o pé e a cabeça
pra trás, de cara emburrada. A própria rainha do drama.
Ela ainda está fazendo bico quando aparece na entrada da sala.
Sua expressão muda rapidamente quando vê Alana e grita seu nome
ao correr em sua direção.
― Ei… ― A anja se agacha para aceitar o abraço.
― Diz pro papai que não quero ir ― choraminga.
― Não quer ver seus amigos? ― Alana instiga. ― Você me disse
que estava sentindo saudade deles.
― Sim, mas também vou sentir saudade sua ― responde,
fazendo bico e balançando o corpo de um lado pro outro.
― Estarei aqui quando você voltar.
― Promete? ― Mirela pergunta, esperançosa.
Vejo Alana hesitar diante o pedido da minha filha, mas logo ela
acena, concordando.
― Vamos, Mirela. Senão vamos nos atrasar ― aviso.
― Alana pode ir com nós? ― direciona a pergunta a mim.
― Conosco ― a corrijo.
― Sim, com nós.
― É… outro dia, tá bom? ― Alana desconversa, se endireitando.
― A Juvênia me esperando ― explica, indicando a sacola de papel
em sua mão.
― Tá bom ― ela responde, fazendo bico.
― Vai ser divertido, você vai ver ― passa a mão carinhosamente
no seu cabelo.
― Pegou tudo? ― pergunto para minha filha.
― Peguei. ― Balança a mochilinha.
― Tem certeza?
Ela para pra pensar e logo sai correndo para dentro novamente.
Aproveito o pouco tempo para ter Alana junto a mim de novo. Ela
devolve o abraço com o braço livre, respirando fundo no meu
pescoço, me causando um arrepio da cabeça aos pés.
― Quer passar aqui na hora do almoço? ― sugiro.
Sinto-a balançar a cabeça, concordando. Não preciso ser
nenhum leitor de mentes para saber que Alana está prestes a
explodir se a gente não conversar sobre tudo que rolou no final de
semana. Dou um beijo no topo da sua cabeça, apertando o abraço
um pouco antes de soltá-la.
― Agora sim, to pronta papai! ― Minha filha grita, parando de
correr ao chegar na porta
― Mirela, o que eu f… ― Aperto a ponte do nariz e ouço Alana
dar uma risadinha ― Deixa pra lá. Vamos?
AUGUSTO
― Qual filme a Mirela colocou que te fez chorar? ― pergunto
assim que Alana abre a porta e vejo seus olhos lacrimejados.
― Monstros S.A. ― Ela dá uma fungada e limpa as lágrimas da
bochecha. ― O final, com Sully tentando se despedir de Bo.
Eu a puxo para um abraço e ela derrete contra mim. Nossa
situação é um pouco complicada, mas desde a conversa que tivemos
na semana passada, sinto-a mais tranquila.
Não vou mentir que gostei muito de chegar em casa e tê-la
aqui. Não é como nas outras vezes em que estava cuidando de
Mirela. Desta vez pareceu diferente; parecia certo e acolhedor, como
se eu pudesse esperar que isso acontecesse todos os dias a partir de
agora.
Ouço Mirela correndo e acho que Alana também, porque se
separa de mim. Agora que sei que estamos firmes em nosso
relacionamento, falarei com a Mirela e em breve.
Sem ralhar com ela dessa vez sobre correr dentro de casa, me
agacho e Mirela se joga nos meus braços, me dando um abraço
forte. Pelo canto de olho, vejo Alana se dirigindo para ir embora e
me levanto, com Mirela nos braços.
Não quero que ela vá, então penso rápido.
― Eu estava pensando ― digo para minha filha, mas sei que a
Alana está ouvindo ― que poderíamos mostrar à Alana aquela
hamburgueria que você gosta.
― Aquele que vende o hambúrguer roxo? ― pergunta, com os
olhos brilhando e aceno, concordando. ― Eba! Tu vai adorar, Alana.
― Os hambúrgueres de lá têm pão colorido ― explico.
― Eu… ahn… ― a anja balbucia.
― Vamos lá, Alana. Por favor ― Mirela pede.
― Sim, por favor ― imito minha filha, colocando-a no chão.
Alana parece considerar, mas no final concorda. Mirela a abraça
pela cintura e ela me encara como se soubesse o que fiz. Eu apenas
dou meu melhor olhar inocente, encolhendo os ombros. Fazer o que
se quero passar mais tempo em sua companhia, assim como junto
da minha filha?
O tempo voa na hamburgueria e vejo que Mirela e Alana se
divertem muito. E tenho certeza que é por causa da presença da
anja que minha filha não faz manha quando temos que ir embora.
Ao voltarmos para casa, Alana está se despedindo quando Mirela
pergunta se ela poderia contar ler um pouco pra ela antes de ir. Juro
que a vejo ficar emocionada com o pedido quando ela concorda.
Enquanto minhas duas garotas estão ocupadas escolhendo a
leitura, tomo um longo banho. Ao me dirigir para a sala e passar
pela porta aberta do quarto de Mirela, vejo Alana sentada no chão
ao lado da sua cama. Sorrio comigo mesmo ao ouvi-la fazer as vozes
diferentes para cada personagem.
Após verificar que todas as portas e janelas estão fechadas,
espero até que Alana termine de contar a história para entrar e dar
um beijo de boa noite em Mirela.
― Eu me diverti muito hoje, papai. A gente pode fazer isso mais
vezes?
Olho rápido para Alana, que parece bem interessada nas
bonecas de Mirela. Dou uma resposta vaga envolvendo bom
comportamento e como é prejudicial ficar comendo sempre
hambúrguer do pão roxo. Mirela parece aceitar, pois não argumenta.
Assim que deixo o quarto, ouço Mirela chamar por Alana,
perguntando em seguida:
― Tu já conseguiu suas asas?
Com a curiosidade falando mais algo, fico encostado na parede
perto da entrada, não querendo que eles me vejam. Sei que é
errado escutar, mas não consigo evitar.
― Ainda não ― ela responde.
― Não se preocupe, tu vai ganhar. Meu papai prometeu que
ajudaria e ele nunca quebra uma promessa. Ah! ― ela exclama. ―
Talvez o povo do céu tenha enviado elas para um endereço errado.
Ouço Alana rir e sorrio também. Mirela é muito criativa.
― Talvez ― Alana concorda e posso ouvir a tristeza em sua voz.
Nesses últimos dias, sempre que estamos juntos, evito tocar no
assunto, exceto caso ela inicie a conversa. Sendo sincero, não sei se
estou mais preocupado com isso ou o fato que ela vai embora ao
ganhá-las.
― Papai sempre reclama que o correio aqui é uma merda ― fala
a última palavra num sussurro que, para os níveis vocais de Mirela,
não é tão baixo assim.
― Mirela! ― Alana exclama. ― Isso é uma palavra feia.
― Desculpe ― Mirela responde, mas consigo ouvir o sorrisinho
travesso em sua voz e sei que ela não está nem um pouco
arrependida.
Tomo cuidado para não xingar perto de Mirela, mas talvez ela
esteja ouvindo mesmo quando penso que não está.
― Tu gosta do meu papai? ― desvia o assunto.
― Você gosta ― Alana a corrige.
― Claro que eu gosto ― ela responde ― E tu?
― Também.
― Muito muito? ― Mirela insiste e consigo visualizá-la fazendo a
pergunta com os olhos arregalados curiosos.
― Muito muito ― Alana responde e Mirela começa a rir alto.
Inclino o corpo um pouco pra frente e vejo que a anja está
fazendo cócegas na minha filha.
― Eu gostaria que tu fosse namorada dele. Aí ficaria aqui com a
gente pra sempre ― Mirela declara, em meio a um bocejo.
― OK, agora é hora de dormir ― Alana desconversa. ― Senão
seu pai vai brigar comigo.
― Tá bom. Boa noite, Alana.
― Boa noite, meu amor.
Ouço o barulho de um beijo estalado e a luz se apaga, apenas o
abajur ilumina o quarto. Alana sai da sala e encosta a porta, sem se
surpreender ao me ver.
― Vi sua sombra ― fala, apontando pro chão.
― Culpado. ― Dou de ombros, sem me sentir intimidado por ter
sido flagrado.
― Você ouviu tudo? ― pergunta e aceno, concordando. ― Então
sabe que não pode xingar perto de Mirela.
― Como diz minha mãe, essa menina tem o ouvido fino pra tudo
― digo. ― Menos quando digo pra ela não ficar correndo dentro de
casa.
Alana faz menção de se virar para a saída do corredor e num
movimento rápido eu a abraço por trás.
― Onde você pensa que está indo? ― pergunto, dando uma
pequena mordida na orelha dela.
― Ahn… ― Ela parece estar tentando encontrar as palavras. ―
Embora.
― O que te fez pensar que quero que você vá embora? ―
continuo a provocá-la, dessa vez com um beijo a curva do seu
ombro.
Antes que Alana responda, eu a pego no colo e ela dá um
gritinho de surpresa, e nos dirijo em direção ao meu quarto. Ao
entrar, coloco-a no chão e fecho a porta, passando a chave. Mirela
sempre dorme a noite toda como uma pedra, mas não quero arriscar
a possibilidade de sermos flagrados como da outra vez.
― Uau! Você é forte ― Ela aperta meu bíceps quando me
aproximo.
― Por que diz isso? ― sorrio, curioso.
― Temos quase a mesma altura, Augusto ― responde, revirando
os olhos.
― E? ― Quando não fala nada, insisto: ― O quê?
― É que… ― Alana desvia o olhar para baixo, encabulada. ― Já
li nos livros o homem poder carregar a garota nos braços, mas elas
sempre são bem mais baixas que eles. Nunca pensei que isso
aconteceria comigo.
Apoio o indicador em seu queixo, levantando seu rosto. Em seu
olhar há uma vulnerabilidade misturada com paixão e entrega, que
acerta em cheio no peito. Alana me dá um sorriso tímido e
segurando seu rosto em minhas mãos, trago sua boca de encontro à
minha. O que começa como apenas um tocar de lábios suave, logo
se torna um beijo ardente.
― Augusto, não podemos fazer sexo enquanto sua filha dorme
no quarto ao lado! ― protesta e desço beijos pelo seu pescoço. ― E
se ela acordar? Quer repetir a mesma situação daquela manhã de
domingo?
― Ela não vai acordar, a menos que haja um barulho bem alto.
― Sento na cama e a puxo entre as pernas. ― E pelo que me
lembro, você faz barulhos bem altos, então tem que ficar bem
quietinha esta noite, ok?
― Eu vou… ― Sua respiração falha quando chupo seu mamilo
através da blusa ― tentar.
― Boa garota.
Deito na cama, levando Alana comigo, que cai montada no meu
colo. Minhas mãos descem pelas suas costas até alcançar sua bunda
enquanto ela me beija ferozmente. Ao girar os quadris contra minha
ereção, aperto suas nádegas, puxando-a mais para junto do meu
corpo. Ela continua a rebolar, se esfregando no meu pau, e empurro
o meu quadril contra o seu, fazendo-a gemer contra meus lábios.
Logo nossas roupas estão no chão. Eu nos viro na cama, ficando
por cima, e começo a descer beijos pelo seu pescoço e colo. Foi
necessária aquela única noite para descobrir o que ela gosta. Como
agora, quando mordo um pouco forte seu mamilo e o som
estrangulado que solta me diz que realmente está tentando não
fazer barulho.
Quando movo meu quadril junto ao seu, esfregando meu
membro em seu centro e ela morde o lábio inferior, tentando abafar
seu gemido. Sua excitação baba meu pau e eu não vejo a hora de
poder estar dentro dela novamente.
Seguro minha ereção e arrasto lentamente a glande entre suas
dobras, finalizando com uma batida rápida da cabeça do meu pau
em sua boceta. Alana pega um travesseiro e coloca no rosto,
abafando outro gemido alto.
― Não ria! ― me bate com o objeto e tento segurar a
gargalhada. ― A culpa é toda sua.
Tiro o travesseiro da sua mão e, segurando seu rosto, começo
um beijo calmo.
― Adoro estar perto de você, Alana ― sussurro contra seus
lábios ―, mas amo estar dentro de você.
Minha mão percorre seu ombro até chegar em seu seio, dando
um aperto. Depois, desço até encontrar sua entrada molhada e
deslizo facilmente um dedo.
― Quero adorar o seu corpo ― digo enquanto começo a mover
o dedo e ela abre a boca em um gemido silencioso.
Acrescento outro dedo e com a ponta do polegar circundo seu
clitóris. Observo-a entregue ao prazer, com os olhos colados nos
meus.
― Quero ser o único a te dar o prazer que merece ― Torço meu
dedo dentro dela, encontrando seu ponto G e seus quadris começam
a se mover rápido contra minha mão. ― O único a dar todos os
prazeres carnais que você deseja.
Com isso, ela levanta o corpo e me beija com força, e engulo
todos os seus gemidos enquanto goza.
Retiro meus dedos e os lambo, com o olhar fixo no dela. Como
se estivesse possuída pelo gesto, ela me agarra pelos ombros e cola
sua boca na minha, me beijando como se quisesse expressar todo o
desejo e tesão que está sentindo. De repente, suas pernas estão em
volta da minha cintura e em um movimento rápido sou eu quem
está deitado de costas na cama. Porra, isso é sexy pra caralho.
Sua boceta quente contra meu pau é uma doce tortura. Ela sobe
as mãos pela minha barriga até os ombros, depois descendo pelos
braços, ao final entrelaçando nossos dedos. Quando ela rebola na
minha ereção, agora sou eu que tento controlar meus ruídos.
Com um sorriso lascivo nos lábios que realmente combina com
ela, Alana coloca a mão entre nós, agarrando meu pau. Meus
quadris se movem no mesmo ritmo do seu movimento de vaivém. E
então, de repente, ela chupa meu mamilo e sibilo de desejo.
― Gosta disso? ― pergunta, com um olhar curioso e atrevido.
― Aparentemente sim. ― Então ela faz de novo e eu puxo o ar
pelos dentes. ― Acho que irei gozar se você continuar fazendo isso.
― Não. Você não pode ― demanda, autoritária e parando todos
os movimentos, e eu a encaro com a sobrancelha levantada. ―
Quero tentar algo.
E com isso, Alana sai do meu colo e se acomoda nas minhas
coxas, com meu pau ainda nas mãos. Estou ansioso pelo que está
prestes a fazer.
Primeiro ela dá uma leve chupada na cabeça, depois traça desde
a base até a cabeça novamente com a língua. Ela olha para mim,
como se esperasse alguma confirmação, e eu aceno.
Sinto como se tivesse ido para o céu quando coloca a boca em
mim. Com a ajuda das mãos, ela me chupa com avidez. Em alguns
momentos, se atrapalha um pouco no ritmo, principalmente quando
tenta engolir todo e acaba se engasgando.
Eu e meu pau ficamos tristes quando ela o tira da boca,
recuperando a respiração, mas então ela volta a colocá-lo na boca,
dessa vez sua língua rodeando toda a extensão. Quando raspa os
dentes na pele e sinto minhas bolas apertarem, a seguro pelos
ombros, parando seus movimentos.
― Que foi? Eu estava gostando. ― Ela faz beicinho.
― Eu também, mas definitivamente ia gozar se você continuar
fazendo isso.
Agarro-a pela cintura e a coloco novamente no colo. Alana
coloca meu pau na sua entrada e começa a descer. Sua boca está
aberta em um gemido silencioso e agora é a minha vez de querer
colocar o travesseiro no rosto devido à sensação maravilhosa de
estar dentro dela.
Ela coloca as duas mãos no meu peito como apoio enquanto
começa a cavalgar em mim. Seus seios balançam com o movimento
e levanto um pouco o tronco para senti-los bater no meu rosto.
― Vem cá ― digo enquanto a puxo contra meu peito.
Nossas bocas se encontram em um beijo bagunçado e
selvagem. Sei que desta posição ela pode esfregar o clitóris contra
mim, e é isso que ela faz. Dessa vez está mais ousada, quando deixa
minha boca e começa a beijar e morder minha mandíbula e meu
pescoço; lambe a coluna da minha garganta de forma lasciva e
prendo os lábios entre os dentes para não fazer barulho.
Alana endireita o corpo novamente, as mãos no meu peito, os
quadris acelerando em busca do clímax e movo o meu de baixo para
cima, fodendo-a no mesmo ritmo. Ela joga a cabeça para trás e vejo
o momento em que atinge o orgasmo, cravando as unhas curtas no
meu tórax.
Agarrando-a pela cintura, eu nos viro na cama, continuando a
meter fervorosamente. Levantando o tronco, abro suas pernas e
observo meu pau entrando e saindo de sua boceta.
Alana está de olhos fechados, alternando seus murmúrios entre
“não pare” e “não aguento mais”. Com o dedão, estimulo seu clitóris
e logo sinto-a contrair os músculos no meu pau, gozando
novamente. Seu segundo orgasmo é o suficiente para me levar ao
limite.
Retiro meu pau de dentro dela e ejaculo na sua barriga. Com a
mão, bombeio até sair a última gota. Sento-me de joelhos e meus
olhos se fixam em Alana, seus cabelos brancos espalhados na minha
cama, enquanto tenta recuperar o fôlego. Meu esperma em sua
pele, como se a marcasse como minha.
Eu quero você pra sempre na minha vida, meu coração parece
dizer.
Depois de nos limparmos, voltamos para a cama e Alana é a que
faz conchinha com meu corpo. Posso sentir sua respiração
desacelerando, fazendo cócegas no meu pescoço, e sei que ela está
prestes a dormir.
― Me deixa te levar em um encontro decente ― digo.
― Por quê?
Reflito as razões e não tem outra a não ser o que vou dizer.
― Porque eu quero ― respondo, dando de ombros.
Exceto aquele encontro falso na minha casa, tive mais encontros
com outras mulheres do que com ela.
― É importante para você? ― Aceno, concordando e ela beija
minha bochecha. ― Tá bom. Mas nada de filmes que me faça
chorar.
ALANA
Desperto e, pela fresta da cortina, vejo que lá fora ainda está
escuro. Acredito que faltam algumas horas para o amanhecer.
Augusto está dormindo profundamente ao meu lado, de barriga para
cima, o silêncio do quarto sendo quebrado apenas pela sua
respiração.
Virando de lado, coloco as duas mãos embaixo da cabeça e o
observo. Meus olhos viajam desde os cabelos crespos no topo da
cabeça até o seu caminho da felicidade, que nesse momento não
tem nada de felicidade já que o lençol está cobrindo o restante do
seu corpo.
É nesse momento de paz, da leveza que sinto ao estar do seu
lado, que percebo que o amo.
Solto um suspiro aliviada, como se dar voz a esse sentimento
tirasse um peso de dentro de mim. E tenho certeza que, não importa
o que aconteça daqui pra frente, meu coração sempre pertencerá a
ele.
Augusto vira de lado, ficando de frente pra mim. Mesmo
inconsciente, me procura, com seu braço envolvendo minha cintura.
Pensando em uma posição melhor para nós dois, me viro no colchão
e colo minhas costas em seu peito. E é assim, de volta ao calor de
seu corpo, que volto a dormir.
Capítulo 25
AUGUSTO
Enquanto Daniela ainda não chegou para tomar conta da minha
filha, aproveito para conversar com Mirela sobre Alana e eu. Sei que
ela gosta da anja e tenho certeza que ela vai ficar feliz ao saber que
estamos juntos.
Mas por quanto tempo?, uma voz dentro da minha cabeça me
lembra. Alana ainda não conseguiu suas asas, e vejo como isso a
está consumindo por dentro. Quer dizer, ela cumpriu sua missão,
mas parece que ainda falta alguma coisa.
Ao entrar em seu quarto, minha filha está no chão brincando
com suas bonecas.
― Mirela, podemos conversar? ― sento ao seu lado.
― Fiz alguma coisa de errado? Juro que não fui eu ― se
defende, agitada.
― Não, Lela, você não fez nada. Eu só quero falar sobre Alana
― ela fica olhando para mim e tenho certeza que agora pode ver
minha alma. ― Sobre Alana e eu.
― Tu finalmente pediu que ela fosse sua namorada? ― ela diz,
com a ousadia que só uma criança de cinco anos pode ter.
― É, algo assim… ― Coloco-a no meu colo.
― Já era hora! ― exclama, olhando pro teto e jogando os
braços pro ar, quase acertando meu nariz. Tenho certeza que ela
aprendeu isso com minha mãe.
― E como você se sente com isso? Com o papai tendo uma
namorada?
Por mais que eu saiba que Mirela adora Alana, desde sempre ela
teve a minha atenção constante.
― Eu tô muito feliz ― exclama, jogando os braços por
novamente, mas dessa vez consigo me esquivar. ― Eu gosto muito
muito dela. Alana é engraçada e me faz rir, mesmo quando está
chorando assistindo a um filme. Ela até sabe fazer vozes diferentes
ao ler uma história para mim, assim como você. Além disso, ela é
um anjo. ― De repente para de falar, parecendo refletir algo e então
pergunta: ― Tu ama ela?
Sua pergunta me pega de surpresa. Nunca pensei sobre amor
ou estar apaixonado depois que Jéssica morreu. Aí veio Alana, e
bom… tudo mudou. Mas se eu a amo? Talvez esteja muito cedo para
esse sentimento, mas acho que sim.
E nesse momento decido que direi essas palavras pra ela hoje
mesmo. Alana pode ir embora quando receber suas asas, mas
partirá sabendo o quão profundo é meu sentimento.
― Espero que o povo do céu mande asas para ela logo ― Mirela
comenta, me despertando. ― Acho que mandaram para o endereço
errado, assim como o carteiro que sempre deixa suas cartas na casa
da dona Juvênia.
― Eu também espero, Lela ― dou um beijo no topo da sua
cabeça.
A campainha toca e deixo Mirela de volta com suas bonecas.
Quando abro a porta, perco o fôlego.
― Olha quem encontrei vindo aqui ― cantarola Daniela.
Desta vez, Alana está usando um vestido vermelho simples que
realça sua pele retinta e seus cabelos brancos estão trançados em
um ombro. Quando nosso olhar se cruza, é como se o mundo ao
nosso redor desaparecesse. Acho que nunca vou me acostumar com
a obra de arte que é sua beleza.
― Não quero ficar a noite inteira de vela aqui não ― Dani
brinca. ― Onde está Mirela?
― No quarto dela ― respondo, sem tirar os olhos da anja.
― Sabe… ― Daniela se vira para Alana ― Você é linda demais
para meu amigo aqui.
― Obrigada? ― ela responde, me olhando de soslaio, confusa.
― Você não tem nenhum amigo anjo que esteja solteiro e queira
também misturar com um humano? ― pergunta, cutucando Alana
com o cotovelo e fico na dúvida se ela está falando sério ou
brincando.
Alana encara Daniela com um olhar engraçado no rosto e depois
dá um sorriso doce, como se só ela soubesse de um segredo.
― Não, mas logo alguém vai entrar na sua vida ― declara.
Daniela fica atordoada por um momento, confusa, e eu também
fico sem entender nada.
― Vou ver o que Mirela tá fazendo. As crianças nos dias de hoje.
Você nunca sabe o que estão fazendo quando tudo está quieto,
certo? ― diz, ao passar por mim, entrando na casa ― Divirtam-se!
Usem proteção.
― Ela sabe que não precisamos de proteção? ― Alana pergunta
quando ficamos sozinhos, mas ignoro sua colocação.
― Você está linda ― digo enquanto pego a mão dela.
― Obrigada ― diz, um pouco tímida ― Você também.
Ela dá um passo à frente e me dá um beijo rápido. São apenas
nossos lábios se encontrando, mas todo o meu corpo ganha vida.
Quando nos separamos, beijo suas bochechas, suas sobrancelhas, e
a ponta do nariz, o que a faz rir.
É, Mirela… eu a amo.
ALANA
Diário de bordo ― dia… da missão
Já faz algumas semanas que eu e Augusto estamos oficialmente
juntos e ainda não ganhei minhas asas. Talvez a administração
esteja apenas esperando para ver se não estou trapaceando e ele
está me ajudando.
Como falei para Mirela e Daniela no começo, não seria tão fácil
assim ser uma namorada de mentira. Os chefões possuem olhos em
todos os lugares.
Às vezes, quando estou sozinha na cama no meio da noite,
penso que essa demora das minhas asas talvez seja algum tipo de
punição pelo nosso envolvimento. Porém, verdade seja dita, nunca
fui tão feliz em toda a minha existência.
ALANA
É meio da noite e algo gelado percorre minha espinha, que me
faz pular na cama, acordando de repente. Sento-me, assustada, e
pelo canto do olho vejo Augusto se mexer.
― O que foi? ― pergunta, sonolento. ― O que está
acontecendo?
Passo a mão na nuca, como se tentasse aquecer o local
enquanto olho para a parede à minha frente.
― Alana, o que há de errado? ― insiste, seu tom de voz um
tanto alarmado.
― Não sei. ― Esfrego o rosto com as mãos e em seguida, as
levo para a cabeça. ― Acordei com essa sensação ruim.
― Foi apenas um pesadelo.
Não lembro de ter tido um, nem de ter sonhado, mas não digo
nada. Não foi apenas um sonho, foi algo diferente.
Com um braço na minha cintura, Augusto me puxa com carinho
de volta para o colchão e me abraça por trás. Tento dormir, mas não
consigo. Passo o resto da noite acordada, pensando nesse
sentimento. É por isso que desta vez não preciso do alarme para
acordar.
Toda vez que durmo com Augusto, sempre saio antes da Mirela
acordar e coloco um alarme para isso. Ela está mais que feliz por eu
ser namorada do seu pai, mas não quero confundi-la.
Desta vez, ele não acorda quando eu me levanto e também não
o acordo. Apenas dou um beijo na testa dele, troco de roupa e saio
do quarto.
Antes de ir, faço uma rápida parada no quarto de Mirela. Ela está
dormindo profundamente e é tão fofa vestindo seu pijama rosa,
segurando um ursinho de pelúcia. Entro na ponta dos pés e, assim
como fiz com o pai dela, dou-lhe um beijo na testa.
Quando volto para a casa de Juvênia, me deito na rede na
varanda, apenas olhando para o céu da manhã e tentando entender
esse sentimento. Logo ela se junta a mim, com uma xícara de café
bem fumegante nas mãos e sentando em uma cadeira ao meu lado.
― Nunca te vi de volta tão cedo ― constata, me observando por
cima da xícara.
― Alguma coisa vai acontecer, Juvênia ― aviso, ainda olhando
para o céu. ― Posso sentir isso.
Percebo que estou esfregando o mesmo local na nuca. Desde
que acordei de madrugada estou com a sensação de que jogaram
um balde de água fria no meu corpo.
― Algo bom ou ruim? ― instiga.
― Não sei.
― Seja o que for, você está preparada, Alana ― declara.
Volto a atenção para a senhora, que tem um sorriso orgulhoso
em seu rosto e os olhos cheios de admiração. Ela estende a mão em
minha direção e a seguro, sentindo os olhos lacrimejarem.
Por que estou com essa terrível sensação que minha estadia
aqui está próxima do fim?
― A senhora também vai esquecer de mim? ― pergunto,
chorosa.
― Não ― responde, com um sorriso tenro. ― Eu nunca esqueço
os anjos que ajudei.
Diante sua resposta, uma lágrima escorre pela minha bochecha.
Saber que pelo menos ela se lembrará de mim me serve de consolo,
mas ainda assim não aplaca a tristeza que envolve meu coração.
ALANA
Estou de braços levantados para proteger meu corpo, até
perceber que não é necessário.
― Está tudo bem, Alana ― uma voz calma diz.
Abro os olhos e abaixo os braços, desconfiada. Só então percebo
que estou sentada em uma cadeira confortável em um escritório de
paredes brancas e bem iluminado. Do outro lado da mesa, está
Naya'il, responsável pela divisão de missões dos anjos. A seriedade
de suas feições angulares é quebrada por um sorriso acolhedor.
Se algum dia Naya'il pisasse na Terra, diriam que poderia fazer
cosplay de alguma elfa devido sua pele alva e metade dos cabelos
loiros presos em um rabo de cavalo.
― Você viveu uma aventura e tanto ― diz, em um tom calmo e
um sorriso brando.
― Eu falhei, isso sim ― bufo.
Cruzo os braços de maneira birrenta, tal qual tantas vezes vi
Mirela fazer. E só de lembrar da pequena, meu coração dói.
― Como assim falhou? ― pergunta.
Naya'il inclina a cabeça levemente para o lado, me analisando.
Em sua expressão, há um misto de confusão e curiosidade. O seu
escrutínio faz com que eu me remexa na cadeira, incomodada. A
essa altura, toda a administração já deve saber o rumo que tomou
minha missão, então não tem razão para adiar mais as coisas.
― Acabei me envolvendo demais com o alvo e por isso não
consegui cumprir o objetivo ― confesso.
Meus olhos ardem e dou uma fungada, fazendo de tudo para as
lágrimas não caírem. Falhei na minha missão e, com isso, não
ganharei minhas asas. Agora que voltei para o céu, Augusto e Mirela
vão se esquecer de mim.
― Acho que você está enganada, Alana ― Naya'il diz, sorrindo
de forma quase condescendente.
Abro a boca para argumentar quando sinto a mudança. Primeiro
um ardor leve, seguido de um peso diferente em minhas costas e
por fim, a leveza.
― Não… ― gaguejo. ― Não é possível.
Levanto de supetão, dando um rodopio no lugar e as mexendo.
Dessa vez não consigo segurar a emoção. Eu ganhei minhas asas!
Respiro fundo, esticando-as atrás de mim. Naya'il pede para que
eu feche os olhos e, quando o faço, começa a projetar uma imagem
na minha mente. Eu, parada no meio do escritório, e minhas asas
pairando ao meu redor.
Envolvo-as em meu corpo, saboreando a sensação macia delas
contra minha pele. Ouço uma risada baixa, vinda de Naya’il. Abro os
olhos e então percebo que estou chorando, mas dessa vez de
alegria.
Ainda extasiada, ajeito minhas asas antes de me sentar
novamente. Mil perguntas rondam na minha cabeça, mas só consigo
falar:
― Mas… eu… como, Naya’il?
― Você não falhou, Alana. Muito pelo contrário, você foi bem
sucedida.
― Mas não encontrei uma companheira pro Augusto ―
argumento, olhando pro meu colo e brincando com a barra do meu
vestido branco. ― Tomei o lugar que era pra ser de outra pessoa.
― A sua missão foi um sucesso, Alana ― Naya’il rebate, com um
sorriso definitivamente condescendente.
― Não foi ― insisto. ― Estava bem claro no papel que recebi.
Encontrar uma companheira para ele. E não me tornar sua
companheira.
― Você leu o manual todo? ― pergunta, espirituosa.
― Sim ― Naya’il continua me encarando com um olhar que diz
não acreditar e eu cedo, envergonhada. ― Não.
Com um estalar de seus dedos, o manual aparece em cima da
mesa e dou um pulinho na cadeira com o barulho que ele faz. Se eu
pudesse fazer uma equivalência com qualquer livro terrestre, diria
que ele é do tamanho de um tal de Vade Mecum[6].
Naya’il vai passando página por página até encontrar o que
estava procurando.
― Leia aqui ― pede, ao virar o manual em minha direção.
Eu me aproximo da mesa e leio o texto. A cada palavra, tenho
certeza que meus olhos vão arregalando e ao final estou de boca
aberta.
XV DCLXXIV[7] ― DAS RELAÇÕES COM SERES HUMANOS
Há casos que o anjo em missão pode se envolver romanticamente
com seu alvo ou com outro ser humano.
Ver orientações abaixo:
Caso 1: envolvimento romântico com o alvo
Confirmada veracidade e profundidade dos sentimentos,
a missão pode ser dada por completa.
Caso 2: envolvimento romântico com outro ser humano
Confirmada a não-influência negativa no ritmo da missão
ou na relação do anjo com o alvo,
não há com o que se preocupar.
Em ambos os casos, o anjo em missão deve entrar em contato
com a direção ou superior imediato para futuras orientações.
― Mas… mas… ― Estou sem palavras novamente. ― Como?
― Por isso que enfatizamos tanto para todos os anjos em
missão lerem o manual por completo ― diz, em tom jocoso.
― Isso é comum? ― Naya’il assente e continuo. ― Por que
ninguém fala disso na orientação? Isso é omissão de informação
valiosíssima!
Sim, estou um pouco ultrajada por não saber desse detalhe,
mas também assumo parte da culpa já que não li o manual todo.
― Porque não queremos que vocês sejam influenciados ―
explica. ― Em toda nossa história, sempre foi normal anjos se
apaixonarem por humanos. Como você acha que nasceram os
nefilins que residem na Terra?
― E agora? O que acontece?
― Bem, isso só depende de você. ― Cruza as mãos em cima da
mesa e com um tom conspiratório, diz: ― Temos uma proposta que
pode te interessar.
AUGUSTO
Já passaram dois meses que Alana se foi. Dois meses nos quais
sinto que meu coração foi arrancado do peito, feito picadinho e
jogado na beira da estrada.
Alana disse que voltaria, mas não disse quando. Seria hoje?
Amanhã? Daqui a dez anos? Não saber está me matando.
Desde que desapareceu com aquele cosplay de Galadriel[8],
acordo sempre na esperança que já tenha voltado. Nos primeiros
dias não sei quem ficou mais triste; eu ou Mirela. Voltamos à nossa
rotina, mas nada parece igual sem a anja de cabelos brancos.
Entretanto, há algumas semanas, Mirela se esgueirou na minha
cama no meio da noite. Antes de voltar a dormir, ela disse:
― Ela vai voltar, papai. Eu sei que vai. Ela prometeu.
Desde este dia, Mirela está de bom humor. Quanto a mim, ainda
continuo mal-humorado e com o coração despedaçado.
― A anjinha te pegou de jeito hein, Zé… ― minha amiga
provoca, batendo com o pé na minha coxa.
― Não enche, Daniela ― bufo.
― Uuuiii… chamando pelo nome todo. Tu tá de mau humor
mesmo.
Reviro os olhos e volto a prestar atenção no filme na televisão.
Mirela foi passar o final de semana na casa com seus avós maternos
e minha melhor amiga não quis me deixar ficar sozinho na deprê
nesse sábado à noite. Foi o que ela disse quando chegou, uma hora
atrás, com duas garrafas de tiquira[9] na mão, anunciando que
iriamos ficar bêbados maratonando os filmes do John Wick.
A parte do bêbado ela já conseguiu. Estou encarando a
televisão, mas sem assimilar muita coisa do filme. Se alguém me
perguntar do que se trata, eu só consigo dizer que é sobre o Keanu
Reeves descendo o pau em todo mundo.
Pelo menos não é um filme de chorar, como minha anjinha
costumava falar. E com esse pensamento, a saudade de Alana volta
com força e intensificada pela bebida.
Às vezes, acordo no meio da noite sentindo um perfume de
jasmim no nariz, apenas para ficar decepcionado ao abrir os olhos e
não ver fios brancos e olhos cinzas me encarando.
De canto de olho, eu vejo Dani se ajeitar no sofá, ficando do
meu lado.
― Ânimo, Zé! ― Bate carinhosamente o seu ombro no meu.
― Era isso que eu queria evitar, Dani. Essa dor no peito
novamente. ― Fecho a mão em punho na altura do coração.
― Ela não disse que ia voltar? Tenha fé, homem!
Passo a mão no rosto e em seguida, me sirvo de mais um pouco
da bebida. A tiquira deixa um rastro quente na minha garganta
quando viro de uma vez.
Daniela não comenta mais nada e ficamos em silêncio pelo resto
do filme. Vejo que a garrafa quase toda já se foi quando me sirvo
novamente. Penso se não é bom pedir alguma comida para evitar
que entremos em coma alcoólico.
― Estou saindo com alguém ― Dani dispara, me fazendo
engasgar com a bebida.
― É o quê? ― consigo exclamar, com a voz arranhada.
Antes de continuar a falar, Dani pega o copo da minha mão e
vira o resto do líquido.
― Foi a coisa mais bizarra do mundo. ― Para de falar e parece
refletir sobre algo. ― Bem, não tão bizarro quanto um anjo cair no
seu quintal, mas nesse nível.
― Para de enrolar, Daniela!
― Lembra aquele dia que fiquei de babá da Mirela e a anjinha
falou o negócio de alguém… ― Estala os dedos, como se isso fosse
reativar a memória. ― Alguém entrar na minha vida. Naquela voz
bem estilo mãe Dinah… Eu juro, Zé! Literalmente no outro dia, esse
cara entrou na minha dm no Instagram.
― “Entrar na minha dm no Instagram”? Isso por acaso é alguma
gíria nova sobre sexo?
Daniela começa a gargalhar da minha colocação e acabo rindo
também. Desde que Alana foi embora, fazia tempo que eu não
soltava uma risada de doer a barriga.
― Ai, ai… ― Limpa o canto do olho. ― Pior que tem cara
mesmo né, dessas gírias dos adolescentes, mas não é não. Cê
lembra do Cadu?
― Não… ― respondo, quando tento associar o nome com
alguém que eu conheço.
― A gente teve um rolo uns dois anos atrás, nada sério… ―
explica, dando com a mão, como se fosse algo sem importância.
― Peraí! ― Me endireito no sofá. ― Tá falando do Cadu que te
deixou assistindo todas as adaptações de Orgulho e Preconceito
acompanhada de uma tonelada de chocolate depois que ele foi
embora?
― Esse mesmo ― afirma, encabulada.
― “Nada sério”, hein ― provoco, fazendo sinal de aspas.
― Ai, Zé! Não enche, vai! Tu sabe que eu era apaixonada por
ele.
Dani começa a narrar como se deu essa reaproximação, que
iniciou com uma postagem dela no Instagram dizendo estar lendo
um livro chamado Pachinko e ele perguntou se ela já tinha conferido
a série adaptação da história. Ao final do resumo das últimas
semanas, ela dá um suspiro apaixonado.
― Acho que agora é pra valer.
― Que bom, Dani ― Aperto sua mão. ― Espero que dessa vez
dê certo.
― Eu sei que vai. Sabe por quê? ― Não espera minha resposta.
― Porque eu tenho certeza que isso tem dedo da Alana. Essa anja
até do céu continua bancando o cupido.
― Sinto tanta saudade dela ― confesso, tristonho, tal qual uma
criança que perdeu seu brinquedo favorito.
― Ela vai voltar, José Augusto. E é capaz de ser do mesmo
jeitinho que apareceu na sua vida na primeira vez.
ALANA
Puta que pariu, que unicórnio maldito!
Minhas costas encontram o chão em um baque alto, me
deixando com falta de ar por alguns instantes.
Sim, estou de volta à Terra e até parece um déjà vu, eu
estatelada no quintal de Augusto. Pelo menos dessa vez não perdi a
consciência, já que minhas asas amorteceram a queda.
― Vocês se acham os bonzões, hein seus cavalos de um chifre
só!? Mas um dia ainda vão ver ― grito, para os céus.
Devagar, me levanto, sentindo meu corpo todo estralar. Acho
que vou ter que ir na tal UPA de novo, mas pelo menos dessa vez
não estou pelada. Não que, dessa vez, Augusto fosse reclamar do
meu estado sem roupa, mas por via das dúvidas fico feliz de terem
sobrevivido essa viagem de volta.
Estico minhas asas e dou uma sacudida, verificando se não
quebrei nenhuma pena. Segundo relatos dos anjos mais antigos,
quebrar uma pena da asa é a pior do mundo, só perdendo para a
dor de parto normal ― nem me pergunte como sabem disso.
Estou terminando de espanar a poeira do corpo quando uma
vozinha que pensei que nunca mais ouviria grita meu nome.
Mirela corre em minha direção e me agacho, pronta para abraçá-
la. O impacto do seu corpinho no meu faz doer em alguns lugares,
mas não importa. Voltei e ela se lembra de mim. Meus olhos se
enchem de lágrimas e meu coração parece que vai sair do peito de
tanta felicidade.
― Você voltou ― diz, segurando meu rosto.
― Claro que voltei. ― Passo a mão de forma carinhosa em seus
cachos. ― Eu disse que voltaria.
― Eu senti tanto sua falta. E meu papai também. Ele estava
realmente muito triste, mas eu sempre disse a ele para acreditar que
tu voltaria.
Mirela me abraça novamente e fecho os olhos, suspirando de
alegria. Ao abri-los, vejo Augusto vindo em nossa direção. Em seu
olhar há alívio e confusão. Solto Mirela e me levanto.
― Você tem que parar com essa mania de cair no meu quintal ―
diz, com um sorriso de lado.
― Não tenho culpa se os unicórnios não respeitam a sinalização
celeste.
Augusto encurta nossa distância e me pega em seus braços, me
abraçando forte. Ele enterra o rosto no meu pescoço, inspirando
fundo e sinto seu corpo relaxar contra o meu. Quando me beija,
ouço a risada da Mirela e não poderia estar mais feliz. A menina se
enfia entre nós dois, nos fazendo rir. Só percebo que estou chorando
quando Augusto passa o polegar na minha bochecha e solto um riso
anasalado.
― Alana, Alana, mostra suas asas de novo. ― Mirela pede.
Uma brisa leve balança seus cachinhos quando faço minhas asas
aparecerem. Assim como da outra vez, seus olhos brilham de
entusiasmo.
― Eu disse que tu ia conseguir as asas. ― Mirela me abraça pela
cintura. ― Meu papai sempre cumpre as promessas.
― Eu nunca tive dúvidas ― comento, encarando o homem na
minha frente.
Passada a euforia, só então percebo o cansaço estampado em
seu rosto. Pelas minhas contas, se passaram dois meses na Terra
durante a minha ausência. Enquanto, para mim, foram quase dois
anos de muito treinamento e burocracia.
Não foi nada fácil aguentar todo esse tempo longe, sem ter a
certeza que estavam me esperando ou se me esqueceram. Nas
primeiras semanas eu só conseguia chorar de saudade e estava indo
muito mal no treinamento. Até que, um dia, Naya’il se compadeceu
da minha situação e informou que eles estavam me aguardando.
Seus olhos me fitam de modo carinhoso e apaixonado, mas
consigo ver as mil perguntas que se passam em sua cabeça.
― Mas como? ― Em duas palavras ele resume todas as suas
dúvidas.
― Então… sabe aquela história sobre eu não ter lido o manual
todo?
MIRELA
Quatro anos depois…
― Tá acordado? ― pergunto ao colocar a cabeça no quarto.
― Vai me contar uma história? ― a voz responde, muito
animada.
― Vou sim ― digo, entrando e fechando a porta em silêncio
Não deveria estar aqui já que Guto e eu deveríamos estar
dormindo. Mas se tornou uma espécie de tradição entre nós dar um
pulo no seu quarto antes de pegarmos no sono.
― Afasta pra lá ― peço, subindo na sua cama.
Tudo aconteceu quando meu pai e minha nova mãe Alana
decidiram ter um filho. Como ela não queria engravidar, decidiram
adotar. Quando me disseram que iria ganhar um irmão mais novo,
não poderia ficar mais feliz.
― Sempre quis ser irmã mais velha ― disse, com orgulho,
abraçando os dois.
Gustavo entrou na nossa vida há dois anos, quando ele tinha
três anos e eu, sete. O quarto dele fica ao lado do meu, então na
sua primeira noite aqui, eu o ouvi chorar baixinho quando passava
pela sua porta.
O meu destino era assaltar o pote de biscoito sem ninguém
descobrir, mas acabei voltando para meu quarto e pegando meu
urso de pelúcia favorito. Meu pai disse que ele foi um presente da
minha mãe Jéssica, que está no céu, e quando eu era bebê só
parava de chorar ao segurá-lo.
Guto não é mais um bebê, como gosta de nos lembrar, mas eu
sabia que daria certo. Então, voltei ao seu quarto e dei para ele.
Primeiro ele ficou desconfiado, mas aceitou o presente. Sentei na
sua cama e fiquei do lado dele até parar de chorar, então nós dois
adormecemos. No dia seguinte, Alana nos encontrou e foi ela quem
chorou.
Anjos. Tão emocionados.
Amanhã é o primeiro dia de aula do Guto e sei que ele está um
pouco apavorado. Eu também estava. Como somos da mesma
escola, posso estar ao lado dele sempre que precisar. Somos tão
parecidos com nossa pele marrom e cabelos cacheados que
podemos passar por irmãos de verdade. Não, na verdade podemos
passar por irmãos biológicos porque ele é um irmão de verdade para
mim, não importa nossas origens.
― Era uma vez um príncipe chamado…
― Guto ― exclama, um pouco alto demais e faço sinal para ele
falar mais baixo.
― Era uma vez ― reinicio ― um príncipe chamado Guto…
Então, de repente, um grande rugido ecoa, e conheço muito
bem esse barulho. Foi o barulho que mudou a vida do papai e a
minha. Zizi, nosso cachorro, começa a latir lá da cozinha.
― Vamos, vamos, Guto! ― chamo, pulando da sua cama.
― O quê? ― diz, amedrontado.
Não falo nada enquanto o arrasto até a janela, puxando as
cortinas para o lado. Ela está fechada, mas é feita de vidro. A lua
está cheia no céu e bem brilhosa, o que nos permite ver o que há no
meio do nosso quintal. Melhor, quem está no meio do nosso quintal,
ajoelhado sob uma perna de cabeça tombada pra frente com longos
cabelos azuis escondendo seu rosto.
Viro em direção a Guto, esperando sua reação e quando
finalmente cair a ficha. Uma das primeiras histórias que contei pra
ele foi a de como a mamãe Alana chegou aqui.
― Aquilo é… ― não termina a pergunta.
― Sim! ― respondo, dando um pulinho.
― Uau! ― exclama, deslumbrado.
― De novo, não! ― ouvimos nosso pai reclamar e nós dois
rimos. ― Alana, você tem visita!
Epílogo II
ALANA
Alguns anos depois…
Hoje é aniversário da Juvênia e fiz um bolo para ela. Por ter me
descoberto uma formiguinha aqui na Terra, eu adquiri o hobby de
fazer doces, principalmente bolos confeitados. Estou terminando de
dar os últimos toques na cobertura quando sinto dois braços me
abraçarem por trás.
― Você se superou, Alana ― Augusto diz, apoiando o queixo no
meu ombro, nos balançando levemente de um lado para o outro.
― Obrigada ― respondo, orgulho enchendo meu peito ― Acha
que a Juvênia vai gostar?
― Ainda tem dúvidas? Me diz algo que você faça que aquela
senhora não goste. Ele está com uma cara bem gostosa. ― E
baixando a voz, completa: ― Igual a você.
Já se passaram dez anos que decidi ficar na Terra e com
Augusto, e ele ainda consegue fazer minhas pernas tremerem
quando diz essas coisas.
Coloco o decorador na mesa e me viro em seus braços,
passando os meus em seu pescoço. Augusto sempre foi bonito, e
agora está começando a mostrar alguns fios grisalhos no cabelo,
dando um charme a mais. Quanto a mim, meu cabelo sempre foi
branco, o que ele gosta muito de zombar, ainda mais porque não
pareço nem um dia mais velha desde que caí em seu quintal.
No começo, tive medo de que ele partisse antes de mim, já que
meu envelhecimento não é igual ao dos humanos. Entretanto, de
alguma forma, no fundo do meu coração, sei que estaremos juntos
até o fim de nossas vidas; dois velhinhos de pele enrugada, um ao
lado do outro.
― O que foi? ― pergunta, com uma expressão engraçada que
faz seus olhos enrugarem no canto.
― Nada ― sorrio.
Ele abaixa a cabeça e me beija suavemente, enquanto sua mão
até minha bunda e a aperta. Depois de todos esses anos, ainda não
me acostumei com esse sentimento maravilhoso e quente sempre
que nos beijamos.
― Eca! Vocês dois! Arrumem um quarto! ― Ouço Mirela
reclamar e Gustavo fingindo vomitar.
Augusto dá um beijo estalado em meus lábios antes de nos
separarmos e ouço nossos filhos reclamarem novamente. Zizi, nosso
cachorro caramelo, deita ao pé de Mirela, que ela se agacha,
fazendo cócegas em sua barriga. Guto abre a geladeira, de onde
retira uma maçã.
Observo os dois, lado a lado, pensando como o tempo passa
rápido. Parece que foi ontem que adotamos Gustavo e Mirela ficou
extremamente feliz por ganhar um irmãozinho. Agora, ela está com
quinze anos e conversando sobre garotos e continua super protetora
do irmão mais novo. Guto completou nove anos mês passado, mas
ainda pede colo nos dias de chuva com trovoadas e raios. Apesar da
diferença de idade, os dois são bem unidos.
― Todo mundo pronto? ― Augusto pergunta. ― Vocês sabem
que dona Juvênia odeia atrasos.
― Mãe, será que não poderia… sei lá… nos teletransportar para
lá? ― Guto diz, movimentando os dedos em minha direção.
― Nem tente. ― Mirela avisa, se aproxima da mesa e pega um
pouco de glacê no dedo. ― Cê sabe que ela não vai fazer isso.
― Isso mesmo. Eu até poderia, mas não vou, como você bem
sabe, Gustavo. ― Lanço o meu melhor olhar de mãe.
― Sim, sim, os poderes são apenas para emergências. ― faz
uma imitação fajuta da minha voz. Ele dá uma mordida e de boca
cheia, continua: ― Qual a vantagem de se ter uma mãe anjo com
poderes se ela não quer usar eles?
― Como é aquela frase do tio Bom? ― pergunto aos dois.
― Tio Bom? ― Guto diz, confuso.
― É… do herói que é uma aranha.
― Quer dizer o tio Ben? O tio do Homem-Aranha? ― Mirela
sugere, segurando o riso.
― Isso! ― Estalo os dedos. ― O que ele fala?
― “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. ―
Meu filho responde. ― Mas tentar chegar com esse bolo intacto no
aniversário da vó Juvênia não é uma emergência e um pouco de
grande responsabilidade?
Desde que Guto conheceu Juvênia, ele a chama de vó e ela o
trata como se fosse um neto verdadeiro, com direito a muitos
mimos.
― Boa tentativa, rapazinho ― rio.
― Bem, eu tentei ― Dá de ombros, encarando Mirela.
Mesmo depois que ganhei minhas asas e me tornei um anjo
completo, meus poderes aqui na Terra continuaram limitados. Não
os usei muito e sinto que eles ficam mais fracos a cada ano que
passa, mas tudo bem. Não preciso deles para ajudar os anjos que
vêm em missão. Como Juvênia me disse, só preciso dar orientação e
apoio.
― Esse bolo tá tão lindo, mãe ― Mirela fala. ― Fico até com
pena de quando forem cortar.
― Obrigada, meu amor.
― Como ninguém falou nada ― Augusto começa ―, acho que
todos estão prontos. Vamos que não quero pegar engarrafamento.
Atualmente, Juvênia mora com a filha, num bairro do outro lado
da cidade. Há dois anos, a senhora caiu em casa e graças a Deus
nada de ruim aconteceu. Ela apenas machucou a bunda, o que a
deixou mais mal-humorada. Porém, sabemos que ela não está
ficando mais jovem. Mesmo depois de vir morar com o Augusto,
ficava algumas vezes lá, mas não era a mesma coisa. Então, ela
vendeu a casa e foi morar com a filha e sua família.
Às vezes sinto muita saudade de deitar na sua rede e ficar de
papo, com ela sentada ao meu lado, tomando seu café.
― Rá! Tá bom! ― Mirela dá uma risada seca, bem característica
de adolescentes. ― Como se a gente não soubesse que tu não quer
dona Juvênia pegando no seu pé se chegarmos atrasados, pai.
Todos rimos e Augusto apenas resmunga algo inaudível. No
fundo, ele sabe que ela pegando no seu pé é sua linguagem de
amor. Dou um beijo rápido em sua bochecha e ele me dá um
sorrisinho.
― Para a informação de vocês, sua mãe que vai dirigir ―
anuncia e vejo os dois fazerem uma careta de dor.
― Agora eu quem gostaria que ela nos teletransportasse ―
Mirela murmura para o irmão, não tão sutil.
― Ei! Sua mãe não é má motorista. ― Mirela e Guto o encaram.
― Quer dizer, ela não é tão ruim assim…
― José Augusto! ― exclamo, ligeiramente ofendida.
― Me desculpa, Alana, mas eles têm razão ― se defende,
levantando as mãos em rendição.
― Já que estão todos contra minha direção, você ― aponto pra
Augusto ― dirige. Mirela, você vai me ajudar com o bolo. Guto,
ajeite o Zizi.
Guto chama o cachorro e ele o segue, mas Mirela ainda está
parada, passando a mão no jeans.
― Acho que esqueci meu…
― Celular ― a interrompo, já sabendo o que iria dizer. Passa o
tempo, mas ela não deixa de ser um pouco esquecida. ― Vá buscá-
lo e depois direto para o carro. ― E levantando a voz, anuncio para
Gustavo ouvir: ― Vocês dois e o cachorro.
Pego todas as louças sujas de cima da mesa e levo para a pia.
Isso é tarefa para a Alana do futuro se preocupar.
― Cê sabe que eu tava brincando, né? ― Augusto diz, se
apoiando ao meu lado na bancada, cruzando os braços e por alguns
segundos me deixo distrair por seus bíceps.
― Sim, mas você ainda vai dirigir. ― Dou dois tapinhas
condescendentes no seu peito.
― Alana… ― Tenta, falando meu nome de um jeito doce que me
faz derreter, mas não cedo. Com um suspiro resignado, concorda. ―
Tudo bem. Pelo menos você não se teletransportou para longe de
mim dessa vez.
― Considere-se com sorte. ― Caminho até a mesa. ― Venha,
me ajude com esse bolo, senão vai ser no meu pé que a Juvênia vai
pegar.
― Rá! Até parece! ― diz, chegando atrás de mim. ― Ela
provavelmente vai me culpar de qualquer maneira.
― É por isso que temos que ir…
Augusto me interrompe com um longo beijo e admito; nunca
vou me cansar dele e de seus lábios.
― Já disse que te amo?
― Hoje? ― provoco e ele concorda com a cabeça, um sorriso
fácil nos lábios. ― Não.
― Pois bem. Eu ― me dá um selinho ― Te ― e mais outro ―
Amo.
― Eu também te amo. Por toda a minha existência e além.
Sobre a autora
Nascida em São Luís ― MA, bacharel em Ciência da
Computação, influenciadora literária (e agora) escritora nas horas
vagas.
Aquariana, mas não 100%, ainda não aprendeu a distinguir
esquerda e direita em momentos de pressão. Viciada em chocolate,
livros, séries, músicas, filmes e chocolates, encontrou na escrita uma
forma de vivenciar outras histórias.
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LEITURA RECOMENDADA PARA MAIORES DE 18 ANOS. CONTÉM
CENAS DE SEXO EXPLÍCITO E LINGUAGEM OBSCENA.
Notas de rodapé