Reapcbh v.4 2017
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N. 4 | DEZEMBRO DE 2O17
REAPCBH [recurso eletrônico] /Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte,
Anual
Modo de acesso: http://www.pbh.gov.br/cultura/arquivo
ISSN: 2357‐8513
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Diagramação
Michelle Márcia Cobra Torre
A REAPCBH é uma publicação eletrônica que tem por objetivo divulgar trabalhos
científicos que contribuam para o desenvolvimento dos debates sobre a história de Belo
Horizonte, assim como o campo de estudos arquivísticos. Graças à valiosa colaboração
de diversas pessoas que aceitaram dispensar seu tempo e seus conhecimentos em
avaliações criteriosas, a Revista chega a sua quarta edição. Agradecemos a atenção
dispensada e os trabalhos realizados com empenho e dedicação.
Editorial ....................................................................................................................... 06
ARTIGOS
Relatos de Raul Tassini sobre a Pampulha: impressões que vão além do discurso da
Pampulha moderna ..................................................................................................... 08
Carolina Paulino Alcântara
Victor Tadeu de Oliveira Pereira
Eugenia e raça em Belo Horizonte: um discurso a partir da Revista Alterosa ...... 212
Ivana Morais Silva de Carvalho
Lucimar Lacerda Machado
Memória e manifestações Art Déco nas páginas de Bello Horizonte .................... 237
Carlos Eduardo de Almeida Oliveira
ENTREVISTA
Luciana Teixeira de Andrade – professora PUC Minas ............................................ 307
Resumo
Abstract
In 1897, the inauguration of Belo Horizonte materialized the Minas Gerais elite's dream
of making the new capital an advanced urban center in the state. Since then, the quest for
what could be considered contemporary went along with the life of the capital, which had
its history characterized by for the constant demolition of "the old" for the construction
of "the new". One example is the Pampulha region, geographically located in the north of
Belo Horizonte, which received several investments in the 1930s and 1940s, as an attempt
to renew the capital as a whole. In order to analyze narratives of memorialists who live
*
Mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) com estudo sobre os debates em torno
da modernidade em Diamantina, na virada do século XIX-XX. Trabalhou no setor Educativo do Museu
Casa Kubitschek, mantido pela Fundação Municipal de Cultura - Prefeitura de Belo Horizonte, entre 2014
e 2015. Atualmente, é professora de história da rede estadual de Minas Gerais e pesquisadora na área de
Patrimônio Cultural. Endereço eletrônico: carolinapalcantara@hotmail.com.
**
Graduado em História pela Uni-BH (2017). Estagiou no museu Casa Kubitschek, mantido pela Fundação
Municipal de Cultura - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, entre 2014 e 2016. Endereço eletrônico:
victorolp21@gmail.com
Introdução
Este artigo é fruto de uma pesquisa realizada, em 2015, nos arquivos do Museu
Histórico Abílio Barreto (MHAB) para a produção do evento “I Semana de Arte Moderna
da Casa Kubitschek”. O evento, promovido por meio da Fundação Municipal de Cultura
de Belo Horizonte pelo Museu Casa Kubitschek, tinha como objetivo suscitar reflexões
acerca do movimento modernista Brasileiro, dando enfoque especial às suas
manifestações em Minas Gerais.
Para as intervenções nos espaços do museu a partir de uma ação educativa,
procuramos diversos relatos de memorialistas que escreveram sobre Belo Horizonte dos
anos 1940 e 1950. Nossa proposta era resgatar as impressões de antigos cronistas sobre a
capital mineira.
Durante a pesquisa realizada no acervo do MHAB, encontramos um conjunto de
doze caixas contendo anotações diversas de Raul Tassini (1909-1992) sobre inúmeros
assuntos, que vão de poemas a informações sobre Belo Horizonte (sua construção, espaço
urbano, imigração italiana, cotidiano, entre outros), passando por biografias, assuntos
políticos, históricos, literários e musicais.
Os itens da coleção particular do autor, tanto do Museu Histórico de Belo
Horizonte (MHBH)1 quanto do MHAB, são originais da década de 1941, quando Raul
Tassini doou cerca de dez objetos. Em 1992, após a sua morte, seus familiares doaram ao
museu trinta e quatro objetos, uma coleção de caixas de fósforo, um conjunto de fichas
de ônibus e uma coleção de lápis. Quatro anos depois, em 1996, seu sobrinho, Ronaldo
Boschi, entregou ao museu um acervo documental formado por um conjunto de papéis
acumulados pelo autor contendo cartas, livros, folhetos, recortes e anotações sobre as
cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro, além de crônicas e memórias (ALVES, 2008,
1
Segundo Célia Regina Araújo Alves, Raul Tassini trabalhava no Arquivo Geral da Prefeitura, quando
Abílio Barreto manifestou a possibilidade de criar um museu para a cidade de Belo Horizonte. Tassini doou
dois antigos candelabros da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, participando da formação do
núcleo inicial do acervo do Museu Histórico de Belo Horizonte, atual MHAB (ALVES, 2008, p.117).
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9
p.118-119). Esse acervo documental é atualmente denominado por “Coleção Raul
Tassini”.
Os relatos do belo-horizontino, filho de imigrantes italianos, artista plástico,
funcionário do MHBH, antiquário e colecionador também trazem informações sobre o
cotidiano na Pampulha, desde o início da urbanização da região. O interesse pelos escritos
do autor se justifica pela forma como ele abordou a Pampulha, ora colecionando
informações que enalteciam as edificações modernas, alimentando o glamour que estava
em volta do empreendimento de Juscelino Kubitschek, ora revelando acidentes, coisas
banais do cotidiano e situações que contrastavam com a ideia de modernidade.
No livro Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Museu Histórico
Abílio Barreto (2007), os autores dos artigos utilizaram os relatos de Raul Tassini para
falar sobre a história da Pampulha, desde a sua inauguração, passando pelas décadas de
1960 e 1970. Esse e outros estudos sobre região2 demonstram como os escritos do autor
são fontes importantes para dizer sobre a memória do bairro.
Houve por parte do cronista a intenção de registrar sua vivência e impressões
sobre a cidade de Belo Horizonte. Exemplo disso são os objetos e textos colecionados por
ele em um acervo pessoal e o livro Verdades históricas e pré-históricas de Belo
Horizonte, antes Curral D´El Rey, escrito em 1947. Nessa obra, ele deixou registradas
crônicas e textos de memória feitos a partir da sua prática de atuar na cidade. Nesse
sentido, Tassini entendia que a história poderia ser contada a partir de vestígios
arqueológicos e alguns fragmentos locais e memórias de terceiros. A diferença entre Raul
Tassini e Abílio Barreto na idealização para a construção de um museu histórico para
capital consistia exatamente nessa percepção, já que Abílio Barreto procurava escrever a
história dita “oficial” de Belo Horizonte a partir da análise de documentos escritos e
governamentais.3
Nesse sentido, para analisarmos a coleção de textos do cronista, precisaremos
levar em consideração o contexto de sua produção. Pois, ao se tratar da memória, é
necessário perguntar às fontes sobre as intenções de quem as produziu, seja no desejo de
lembrar algo ou no intuito de não mencionar algum fato. Afinal, lidar com a memória na
2
Verificar os estudos: Alves (2008) e Bahia (2011).
3
Ver a entrevista de Célia Regina Araújo Alves para o projeto “Novos Registros” do Arquivo Público da
cidade de Belo Horizonte, disponível no portal da Prefeitura do município:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=33759&chPlc=33759. Para
saber mais sobre o estudo da autora, ver a dissertação de mestrado Alves (2008).
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produção da História exige identificar que sua construção se dá a partir das memórias
individuais e coletivas e os conflitos provenientes.4 De certa maneira, há em torno da
história da Pampulha disputas entre aquilo que se desejava exaltar e abafar no processo
de transformação da região nas décadas de 1940 até 1970. Como mencionado, Raul
Tassini ora fazia críticas negativas para o projeto de urbanização da Pampulha, ora
demonstrava entusiasmo ou reconhecia a grandiosidade do projeto. De toda forma, ele
escreveu sobre a história da Pampulha de modo que a sua memória fosse integrada à
memória de Belo Horizonte, contribuindo para construção da história da cidade.
Tendo em vista o que foi exposto, este artigo será dividido em duas partes.
Primeiramente, faremos um apanhado histórico sobre a criação de Belo Horizonte a partir
dos ideais e símbolos da modernidade, presentes no início da construção da capital
mineira e que eram compartilhados pelas elites urbanas de outras cidades do país e do
mundo. Para isso, analisaremos os significados atribuídos à modernidade no contexto em
questão. 5
Passados um pouco mais de quarenta anos da inauguração da cidade, a busca pelo
o que seria considerado moderno também determinou as ações de outros prefeitos, como
Juscelino Kubitschek, que idealizou e financiou a construção do complexo arquitetônico
na região norte de Belo Horizonte. Com efeito, analisaremos símbolos e discursos em
torno da Pampulha dando enfoque na sua “glamourização” como um grande centro
moderno de Minas Gerais.
Sustentamos a ideia de que existe em torno dos projetos urbanos para Belo
Horizonte uma vontade de fazer da modernidade a “vocação” da cidade. Isto é, a capital
nasceria sob a égide moderna e assim deveria permanecer, sempre se atualizando e
acompanhando o que aconteceria em outros centros urbanos do país e do mundo.
A dicotomia “antigo x novo” para pensar a história da capital mineira ao longo de
sua existência foi tema do artigo publicado por Thais Veloso Cougo Pimentel (1997). A
autora destaca que Belo Horizonte carrega consigo um estigma da cidade moderna que é
alimentado pelo “ímpeto renovador”, que acometeu diferentes gerações de políticos,
4
Para uma discussão conceitual sobre a memória e sua relação com a História, ver Pollak (1989; 1992).
5
Esta parte do artigo, que trata sobre os significados atribuídos à modernidade para contextualizar a criação
da cidade de Belo Horizonte, é baseada em análises feitas na dissertação de mestrado de um dos autores
deste texto. O tema do primeiro capítulo do estudo em questão é sobre os ideais que impulsionaram as elites
de várias cidades da América Latina, inclusive as do interior do Brasil e, no caso, de Minas Gerais, a
promover melhoramentos urbanos. Para mais informações, ver Alcântara (2015).
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empreendedores e moradores. Essa vontade de transformar em antigo tudo que
incomodava fazia com que pudesse ser “passível de ser substituído pelo moderno”
(PIMENTEL, 1997, p. 61). Para a autora, a construção do complexo arquitetônico da
Pampulha, na década de 1940, foi um elemento importante para alimentar a sensação de
que havia em Belo Horizonte muita coisa antiga. A partir de sua construção, a tônica do
desenvolvimento da capital nos anos seguintes passou a ser cada vez mais o progresso e
a modernização, elementos que marcaram a administração de Juscelino Kubitschek.
As impressões de uma Belo Horizonte que sempre buscava ser moderna não
escaparam aos olhos de diversos cronistas, como Carlos Drummond de Andrade, Cyro
dos Anjos e Pedro Nava, que deixaram percepções ambivalentes em relação às
transformações urbanas por qual a capital passou nas primeiras décadas.6 Raul Tassini,
cujos textos serão objetos de análise deste artigo, também escreveu sobre o cotidiano da
cidade por meio do qual buscou dizer sobre as transformações do espaço. Ao mesmo
tempo, procurava dizer sobre aquilo que permanecia, como os traços arquitetônicos das
edificações construídas no momento da inauguração da capital e que ainda estavam
presentes em ruas e avenidas. Segundo Célia Regina Araújo Alves, o memorialista saía
todas as manhãs à procura dos casarões condenados ao desaparecimento (ALVES, 2008,
p.118).
Dessa forma, as posições ambivalentes e contraditórias presentes na maioria dos
escritores, que vivenciaram a passagem da sociedade tradicional para a moderna nas
cidades, também podem ser percebidas em Tassini. O autor alimentava sentimentos
contraditórios, pois à medida que buscava acompanhar as modificações na paisagem belo-
horizontina, lamentava as diferenças que percebia, situação que lhe causava certo
saudosismo.
Na segunda parte deste artigo, analisaremos os relatos de Raul Tassini que tem
como tema a região da Pampulha. As impressões do cronista sobre o cotidiano informam
sobre os problemas enfrentados pela população local, revelando uma situação que
contrastava com a imagem de uma região próspera e moderna. Sendo assim, o objetivo
deste estudo é dizer sobre os impasses da modernidade local a partir da análise de seus
paradigmas e contradições.
6
O estudo de referência para pensar as diversas impressões sobre Belo Horizonte pelos modernistas é
Andrade (2004).
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Para isso, será apresentado um panorama histórico da região, destacando o início
do processo de ocupação – momento identificado por “Pampulha Velha” - para, em
seguida, abordar o seu contraste com a “Pampulha Nova”, que surgiu após o
empreendimento de Juscelino Kubitschek. Tassini comentou sobre essas diferenças
abordando como a população que vivia nas antigas fazendas e seus arredores fora excluída
do processo de modernização de Belo Horizonte.
7
Para discussões mais aprofundadas sobre os projetos de modernização no período da Primeira República
a partir das ações dos engenheiros na reforma do Rio de Janeiro, ver Kropf (1996).
8
Para saber mais sobre a reforma da antiga capital do Brasil e as imagens divulgadas sobre a cidade no
exterior, conferir Carvalho (2012) e Costa; Schwarcz (2000).
9
Geroges Eugène Haussmann (1809-1891), mais conhecido como Barão de Haussmann, foi nomeado por
Napoleão III prefeito do Departamento de Seise (1863-1870), para realizar reformas em Paris,
transformando-a em um modelo de metrópole imitado em todo o mundo. Para saber mais sobre Haussmann
em Paris e suas influências na administração de Pereira Passos no Rio de Janeiro e outras cidades, ver
Jaime Larry Benchimol (1992) e Sandra Jatahy Pesavento (2002).
10
Ver Alcântara (2015).
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“antimudancistas”, que queriam a permanência de Ouro Preto, do outro os “mudancistas”,
que discordavam entre si acerca da escolha do local para a construção da nova capital.
Após diversas discussões, o projeto arquitetônico do engenheiro Aarão Reis foi o
escolhido e a cidade de Belo Horizonte seria a nova capital do estado. (ARRUDA, 2012,
p. 92-99)
O projeto do engenheiro Aarão Reis tem semelhanças com a concepção
arquitetônica da cidade argentina La Plata. Ambas foram escolhidas após os resultados
de estudos que levaram em consideração alguns pontos como disposição cartográfica da
cidade, abastecimento de água e comida, rede de esgoto e transporte (ARRAIS, 2009,
p.71).
Dessa forma, como afirma Rogério Arruda (2012, p.112), a proposta urbanística
para a nova capital se distanciava daquela encontrada nas antigas cidades coloniais. Afinal
os traçados irregulares davam lugar a linearidade, geometrização e higienização.
Raul Tassini é um entre outros memorialistas que divulgou a imagem de Belo
Horizonte como uma capital próspera. Em suas anotações sobre a arquitetura, ele
afirmava que a cidade mineira podia “se orgulhar, de ter sido, nas suas construções
antigas, erguidas a partir de 1894, uma das mais ornamentadas cidades do mundo, ê quiça,
dentre todas, a primeira”.11
Com a fundação da nova cidade, os setores administrativos do Estado também se
transferiram e várias famílias trocaram o interior pela capital. Esse processo “gerou uma
vida social incongruente com a proposta estética que a cidade representava”, pois sua
população não estava acostumada aos modos de viver das grandes metrópoles, o que criou
certa monotonia nos primeiros anos (JULIÃO, 1996, p.79).
11
TASSINI, Raul. ARQ... [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/415.
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e ao desenvolvimento das estruturas, com melhorias urbanas a partir da pavimentação de
ruas e da construção de novas edificações.
Ao rememorar uma Belo Horizonte da sua infância para dizer das transformações
no espaço urbano, Tassini relatou que as ruas da cidade, na década de 1920, eram bastante
movimentadas, contando com a presença de automóveis, hotéis, teatros, cafés que
agitavam a vida na capital.12
Essas mudanças, que marcaram a vivência do autor, causaram sentimentos
ambíguos em Raul Tassini ao longo de sua vida. Seus escritos transpareciam emoções
que variavam entre o entusiasmo pelo novo e o saudosismo em relação ao antigo. Um
exemplo disso é o texto Avenida Afonso Pena de outrora..., escrito possivelmente na
década de 1980. Ao mesmo tempo em que exaltava com orgulho o fato de Belo Horizonte
ter se tornado a “terceira Capital” do país, reconhecida por Tassini como “Cidade
Maravilhosa” e onde era “notável progresso”, o cronista ressaltava que, frente aos
acontecimentos, “do agigantamento de Belo Horizonte” que, “em todos os sentidos,
exageradamente, a cidade antiga [ia] se arraza[ndo], pois não resta[va] lá grandes coisas”,
“recordar” não significava mais viver, mas sim “sofrer”.13
Outras fontes também deixam transparecer como Raul Tassini enxergou as
transformações da capital mineira. É o caso dos textos B.H. e Belo Horizonte...14,
possivelmente da década de 1980, e de outras anotações avulsas do autor em momentos
diversos. O texto intitulado ARQ... revela sua preocupação por resgatar a memória da
cidade a partir do seu papel de apresentar “aos olhos da população [belo-horizontina],
tudo o que mais brilhou em sua arquitetura antiga”.15
O memorialista também deixava evidente que o crescimento de Belo Horizonte,
além de modificar rapidamente os lugares da sua infância, se fez acompanhando de
problemas:
12
TASSINI, Raul. Onde está a Rua da Bahia da minha infância? [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção
Raul Tassini. Notação: RT pe 2/404.
13
TASSINI, Raul. Avenida Afonso Pena de outróra..., [1980?]. 3f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul
Tassini”. Notação: RT pe 1/016.
14
TASSINI, Raul. B.H. [1980?]. 2f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 1/017;
TASSINI, Raul. Belo Horizonte. [1980?]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”, RT pe 2/420.
15
TASSINI, Raul. ARQ... [19..]. 7f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tasini”. Notação: RT pe 2/415.
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e exgotos, que ficavam sobre a terra, ou que ninguém via, segundo um amigo
ilustre, ficaram na mesma. Santa Terêsa era o bairro mais sofisticado. Havia
sêde ali. Com o tempo, o problema se ampliou de tal forma, que até a Serra,
um dos bairros elegantes, cujas vivendas dormiam por entre árvores, passou a
sentir esse aspécto desastroso. Generalizou-se a falta de água. Quanto a luz,
estava no mesmo caso. Ineficiente, e as ruas vastas e avenidas da cidade,
passaram a penumbra. O comércio e a indústria, gritavam num côro com a
população. De súbito os elevadores paravam a meio caminho e os passageiros
ficavam presos, mais do que esperavam.16
O caos e os transtornos causados pela falta de energia foram noticiados nos jornais
e o assunto foi discutido na câmara municipal. Tassini transcreveu a fala do ex-deputado
Fabrício Soares que afirmou que tal situação era insustentável: “parece que até voltamos
a era colonial. Em Belo Horizonte, como num arraial, só se fala em lampião, vela e
lamparina”.17
Percebemos que ele procurava descrever, a partir da análise do cotidiano, os
problemas enfrentados pela população belo-horizontina, que assistia sua cidade adentrar
na modernidade. De todo modo, as análises sobre a história da capital apontam que, aos
poucos, em permanente expansão, Belo Horizonte da infância de Tassini passava a
cumprir o papel de centro político-administrativo, econômico, comercial e industrial,
abarcando para si e para seus moradores a noção de metrópole que queriam lhe atribuir,
desde os anos iniciais.
Juscelino Kubitschek, prefeito de Belo Horizonte entre os anos 1941-1945, foi
um dos principais responsáveis pela modernização da cidade. Ele asfaltou e abriu novas
avenidas, construiu relevantes edificações, como o Conjunto do Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) e a Estação Rodoviária, além de
apoiar a Exposição de Arte Moderna de 1944, que possibilitou a vinda de vários nomes
de arte moderna para a cidade.
O Museu Histórico de Belo Horizonte, idealizado por Abílio Barreto e contando
com atuação presente de Raul Tassini nos primeiros meses, foi inaugurado durante a
gestão de JK. Em meio aos projetos de modernização da capital, o MHBH surgia para
resgatar a memória do antigo Curral Del Rei e dos primeiros anos da cidade. Esse e
outros investimentos na área cultural, como a criação da Escola Guignard, em 1943, e
16
TASSINI, Raul. B. Hte Acropole das rosas ou cidade turbulenta?[1980?]. 2f. MHAB, Acervo textual
“Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/520.
17
Ibidem.
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19
a exposição de arte moderna, mencionada há pouco, propiciaram a inserção da cidade
no circuito nacional das artes plásticas (FERREIRA, 2007, p. 57).
A política de Juscelino pautava-se em ações que buscavam conciliar o novo com
a tradição, valorizando, portanto, o passado em sintonia com o pensamento moderno.
Vale ressaltar, que a busca pelo progresso e pela modernização se dava a partir da
inserção de elementos arquitetônicos e urbanísticos, o que não necessariamente significa
dizer que houve a substituição ou a renovação de velhas práticas políticas. A imagem do
tradicional político mineiro, sempre representante da elite, se sobrepunha aos projetos
inovadores, contribuindo para o paradoxo entre o moderno e a presença constante da
tradição.18
Seguindo essa linha, os anos de JK na prefeitura são marcados por um contexto
de industrialização e intervenções estatais no país, que estava em crescente expansão.
Para além dos projetos de urbanização, o ideal da modernidade estava associado ao
desenvolvimento do setor industrial e de serviços, que aqueciam o comércio a partir
do aumento do consumo.19
Nessa época, Belo Horizonte teve notável crescimento nas áreas periféricas,
tanto em termos populacionais quanto em áreas urbanizadas. Foi nesse ritmo que a
região onde se encontra hoje a Pampulha, um local ainda pouco habitado da cidade, foi
“eleita para sediar um empreendedorismo há tempos esperado e responsável por
conferir ares cada vez mais modernos à capital” (FERREIRA, 2007, p.52).
Ao menos essa era a expectativa de Juscelino Kubitschek ao realizar um
concurso para promover a urbanização da região. É curioso o fato de que o concurso
não teve vencedor, pois os projetos apresentados eram voltados para estilos
arquitetônicos tradicionais. Foi então que o ministro da educação, Gustavo Capanema,
apresentou à JK o jovem arquiteto Oscar Niemeyer. “Niemeyer fez da Pampulha um
dos maiores exemplos da arquitetura modernista do Brasil” e, em contrapartida, a
Pampulha fez com que Niemeyer logo se destacasse como um dos maiores arquitetos
do Brasil (FERREIRA, 2007, p.63).
O novo bairro logo adquiriu projeção nacional e internacional devido à
construção do complexo arquitetônico, que foi bastante inovador para a época.
18
Conferir Pimentel (1997).
19
Para saber mais sobre o governo de JK na presidência, também marcado pelo ímpeto da modernização,
ver Benevides (1991, p.9-23).
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Tomamos como exemplo a Igreja de São Francisco, considerada a primeira igreja
moderna do Brasil. Tido como um projeto ousado pela população da cidade e por
membros da Igreja Católica, a edificação angariou reações negativas e positivas. As
autoridades governamentais, reconhecendo o seu valor histórico, artístico e
arquitetônico, logo tombaram a edificação por meio do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/SPHAN (atual Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional/IPHAN). Essa e outras edificações e transformações colaboraram
para uma alta e rápida valorização dos lotes (FERREIRA, 2007, p.69).
A transformação física do espaço deveria vir acompanhada da modificação dos
costumes. Por isso, os edifícios inaugurados buscavam trazer novos locais de
sociabilidade para os moradores da cidade. O Cassino da Pampulha, chamado na época
de Palácio da Represa, é o maior exemplo disso, pois tinha como finalidade ser um
centro de vida ativa para a população e um dos pontos de atração do turismo nacional
e internacional, divulgando Minas Gerais para o Brasil e para o mundo. A decoração
luxuosa reproduzia um espaço elegante e sofisticado, que era frequentado pela elite
econômica e política do estado (FERREIRA, 2007, p.63-64). A Casa do Baile, por sua
vez, foi concebida como espaço destinado às camadas mais populares. Isso evidencia
a preocupação pela função social do espaço, que deveria tanto promover a diversão
como valorizar artisticamente a região (FERREIRA, 2007, p.65-66).
Conforme destaca Luana Maia Ferreira (2007), o plano de “aperfeiçoamento da
raça”20 com base nas práticas esportivas era a finalidade principal do Iate Golfe Clube.
A sua destinação principal eram as atividades esportivas, mas também contava com
espaços para a realização de festas e eventos no salão apropriado, no bar ou no
restaurante (FERREIRA, 2007, p.66).
Além dos espaços públicos descritos, Niemeyer construiu uma casa de
residência de campo para a família de Juscelino Kubitschek, inaugurando uma nova
forma de morar na capital mineira.
É visível que, naquele momento, a arquitetura, entendida como expressão da
contemporaneidade, conferia visibilidade à modernização implementada pelo governo.
Nesse sentido, conforme destacou Denise Bahia “a Pampulha deu forma a uma nova
prática política e de governo” no qual se daria continuidade na construção de Brasília,
20
Este termo foi usado no Relatório da prefeitura dos exercícios de 1940 e 1941.
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anos depois. Em comum, esses projetos tinham como objetivo constituir aquilo que se
entendia por identidade nacional (BAHIA, 2011, p.111).
Se de um lado a imprensa belo-horizontina vendia a imagem de uma Pampulha
sofisticada, com construções luxuosas, símbolo do progresso e desenvolvimento
mineiro21, do outro Tassini expunha os acidentes e crimes que ali ocorriam, deixando
impressões que vão para além do discurso da Pampulha moderna. É sobre esses relatos
que dedicaremos as páginas a seguir.
21
PAMPULHA, MARAVILHA DO CINQUENTENARIO, Estado de Minas, 12 de dezembro de 1947,
p. 6.
22
Ver Lemos (2006).
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22
de fato a ocupação efetiva da região a partir da construção do complexo arquitetônico
moderno, concebido por JK, em 1940.
Com efeito, Luana Ferreira (2007) enfatiza que “a história do Arraial de Santo
Antônio da Pampulha, ou Pampulha Velha, pouco contada, foi sufocada pela
monumentalidade da Pampulha Nova”, tida como “oficial” e que foi idealizada e
projetada para “satisfazer a aspirações estéticas, políticas, arquitetônicas e econômicas”
das elites políticas de Minas Gerais (FERREIRA, 2007, p. 46).
Apesar de Raul Tassini ter qualificado a Igreja de São Francisco de Assis como
“Coisas Exóticas” em suas anotações avulsas sobre arquitetura antiga23, a
monumentalidade do conjunto moderno da Pampulha Nova também impressionou o
memorialista, que destacou:
Assim (em 1941), o Cassino, a Casa do Baile, a Igreja formaram naquela parte
da cidade, um conjunto, numa tríade de rara imponência arquitetonicamente
falando, cujos grandes e caríssimos edifícios de fachadas erguidas a margem
do lago, espelharam nas águas tranquilas, preguiçosas. É claro que o conjunto
desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, impressiona com suas lindas
horizontais predominando.24
23
TASSINI, Raul. Coisas Exóticas [19..]. Manuscrito. 1f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”.
Notação: RT pe 2/445.
24
TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
25
TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
26
Ibidem.
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2017‐ ISSN: 2357‐8513
23
Talvez por isso Tassini não compareceu à inauguração da Pampulha, apesar de
reconhecer que foi “um grande acontecimento social na vida da capital”.27 Com efeito, os
relatos de Raul Tassini abordam um discurso diferente daquele adotado pela imprensa em
Belo Horizonte. Ele denunciou acidentes, mortes e os excessos cometidos acerca da
construção do bairro da Pampulha. Luiz Garcia, em seu texto sobre a ruptura da barragem,
apelidou Tassini de crítico de “primeira hora”, dado aos inúmeros registros deixados por
ele sobre o que acontecia na região da Pampulha (GARCIA, 2007, p.99).
Dessa forma, as anotações críticas de Tassini mostram uma disparidade entre as
duas Pampulhas (a “velha” e a “nova”). O cronista relatou que muitas famílias foram
desapropriadas de seus lares, não importando se eram “proprietários ou herança de seus
antepassados, desde os tempos coloniais, e viram-se forçados a abandonar suas terras”
para a idealização do moderno bairro.28
Era evidente que, aos olhos de Tassini, a Pampulha Nova nascia excluindo a
população mais pobre, que não tinha condições de comprar terrenos no entorno da lagoa
e/ou não podia frequentar os espaços de entretenimento, pois, além das atrações terem
custo além do que a maioria podia pagar, o acesso ao local era ineficaz. Belo Horizonte
dos anos 1940 era carente em transportes públicos e poucos bondes atendiam o novo
bairro.
Os moradores da Pampulha Velha sofriam com inúmeros problemas, que, muitas
vezes, eram abafados pela grandeza das obras modernas. Já se reclamava da falta de
escola na região e da presença de caramujos na água infestada de esquistossomose
(GARCIA, 2007, p.91). Segundo Luiz Henrique Assis Garcia (2007), o rompimento da
barragem, em 1954, foi o estopim, pois evidenciou a condição de vida dessa população.
As águas inundaram áreas residenciais e de fazendas, desmoronando casas, alagando
áreas de plantação, matando animais e causando outros transtornos, como interrupção dos
serviços de luz e telefone, além de inviabilizar a pista do aeroporto. Raul Tassini
comentou a respeito:
No sábado tomei um ônibus que me deixou na Pampulha Velha. Entrevistei
várias pessoas dali, passei pela Capela de Santo Antônio e atravessando a pista
do aeroporto alcancei a Ponte quebrada [...] no entrocamento das estradas de
Vespasiano e a direita a de Santa Luzia. (...) Fui ver as ruínas da Ponte
quebrada. A conrrenteza [caudalosa?] da represa da Pampulha, levou metade,
27
TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
28
TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
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24
dela. E lá estão 18 metros da ponte, com seus 4 vãos de balaustradas. É uma
ruína de ponte que a represa deu causa.29
Para Raul Tassini, a Pampulha perdia seu encanto. Ele buscava nos casos contados
por antigos moradores da região, que foram excluídos em parte do processo de
modernização, alguma explicação. Questionava, por exemplo, se Ana Moraes dos Reis,
citada na seção anterior como responsável pela vida religiosa da Pampulha, poderia ter
previsto o ocorrido. Conhecida como “Sá Donana da Pampulha”, ela foi rezadeira e
feiticeira. Raul Tassini indagou:
29
TASSINI, Raul. Belo Horizonte [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
30
TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
31
TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe
2/599.
32
TASSINI, Raul. [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/601.
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25
De acordo com que foi contado por Tassini, existia entre os moradores uma
explicação para a tragédia que dizia de uma maldição da época da urbanização da
Pampulha:
Considerações finais
33
TASSINI, Raul. [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/584.
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26
transformações e ocupações dos espaços. Raul Tassini procurou dizer em seus relatos
sobre as várias Pampulhas existentes e os conflitos oriundos das disparidades entre as
realidades e vivências dos moradores em ambos locais. Por isso, o acervo documental do
memorialista revela contradições e aspectos que vão além do discurso majoritário da
época, que exaltava a Pampulha como centro moderno. Dessa forma, as anotações do
cronista e as transformações ocorridas nos bairros de Belo Horizonte revelam o paradoxo
de uma capital que, nascida para ser moderna, tem sua história marcada pela constante
desconstrução do passado e a busca pelo progresso.
Por fim, que esse artigo possa colaborar com outros estudos sobre Belo Horizonte
a partir da análise de fontes históricas ainda pouco investigadas, como é o caso da Coleção
Raul Tassini presente no Museu Histórico Abílio Barreto.
Referências
Fontes documentais
Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB).
Notações: RT pe 1/015 a 019; RT pe 1/020 a 023; RT pe 1/030 e 031; RT pe 2/075 a 086;
RT pe 2/143; RT pe 2/381 a 403; RT pe 2/404 a 426; RT pe 2/427 a 474; RT pe 2/519 a
520; RT pe 2/569 a 605; RT pe 2/692 a 693; RT pe 2/733 a 746; RT pe 3/088.
ALVES, Célia Regina Araujo. Preciosas memórias, belos fragmentos: Abílio Barreto e
Raul Tassini – a ordenação do passado na formação do acervo do Museu Histórico de
Belo Horizonte (1935-1956). (2008) Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
COSTA, Ângela Marques da; SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1890-1914: no tempo das
certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (Virando séculos).
PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na
leitura do Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico Abílio
Barreto, 2007.
ROMERO, José Luis. As cidades burguesas. In: ROMERO, José Luis. América Latina:
as cidades e as ideias. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. p. 283-353.
Alessandro Borsagli*34
Resumo
Nesse artigo será realizada uma abordagem histórico-geográfica da Serra do Curral del
Rey, um dos principais marcos geográficos referenciais para a ocupação do território na
qual se construiu a nova capital de Minas Gerais. O alinhamento montanhoso é
considerado atualmente patrimônio natural de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que
sofreu inúmeras alterações antrópicas ao longo do processo de desenvolvimento urbano
da capital. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo elaborar um histórico do
alinhamento montanhoso desde a inauguração da nova capital até o rebaixamento do
perfil da serra, ocorrido entre as décadas de 1960 e 1970, assim como definir qual a
posição da sociedade perante a metamorfose ocorrida na paisagem urbana de Belo
Horizonte. A análise pretende ainda esclarecer os motivos pelos quais a Serra do Curral
não despertava a atenção da sociedade, fato que possivelmente contribuiu para o descaso
acerca dos elementos naturais no município.
Abstract
This article introduces a geography and historic approach about Serra do Curral del Rey,
one of the most important geography referential to territorial occupation of new Minas
Gerais Capital. Nowadays, this mountain is considered a natural patrimony of Belo
Horizonte, at the same time it suffered many human changes. In this sense, this article
tries understanding the factors that contributed to decrease of geographic relief, which
occurred between 1960 and 1970 decades. Besides that, this article pretends understand
the society position in front of the metamorphosis occurred in Belo Horizonte urban
space. This analysis pretends to clarify the motivations that the Serra do Curral did not
Graduado em Geografia pela PUC Minas e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Geografia/Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas. Autor do site curraldelrey.com e do livro
Rios Invisíveis da Metrópole Mineira. Email: borsagli@gmail.com
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wake up the society attention, which probably has contributed to neglecting around to
municipal natural elements.
Introdução
Belo Horizonte possui uma identidade histórica e ignorada por muitos devido ao
distanciamento das raízes ambientais, a partir da negação do convívio entre o natural e o
urbano promovida pelas sociedades modernas. Essa identidade invisível é a Serra do
Curral del Rey (Figura 01), parte de um importante complexo de montanhas que se
estendem por cerca de 93 km na direção leste/oeste, desde a região de Carmo do Cajuru
até as proximidades da cidade de Caeté, a oeste da Serra do Espinhaço.
De oeste para leste, Serras de Itatiaiuçu e Igarapé, Serra Azul, Serra dos Três
Irmãos, Serra da Jangada, Serra do Rola Moça, Serra do José Vieira, Serra da Mutuca,
Serra da Água Quente, Serra do Curral del Rey, Serra do Taquaril e Serra da Piedade.
Essas serras são transpostas por dois rios, o Rio Paraopeba, pouco abaixo da cidade de
35
VARAJÃO, C.A.C.et al., 2009, p.1410.
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Brumadinho na garganta denominada Fecho do Funil e o Rio das Velhas na altura de
Sabará, onde suas águas encontram o maciço curralense.
Nesse artigo será realizada uma abordagem histórico-geográfica da Serra do
Curral del Rey, um dos principais marcos geográficos referenciais para a ocupação do
território no qual se construiu a nova capital de Minas Gerais. A Serra do Curral, protegida
pela Lei Orgânica do município desde o ano de 199036, é vista atualmente como um
patrimônio natural e de identidade de uma capital diversas vezes reinventada ao longo do
processo de desenvolvimento urbano.
Dessa forma, busca-se ainda a compreensão dos fatores que contribuíram para o
rebaixamento do perfil da serra ocorrido entre as décadas de 1960 e 1970, bem como qual
a posição da sociedade perante a metamorfose ocorrida na paisagem urbana de Belo
Horizonte.
É de suma importância o conhecimento dos processos que culminaram na
destruição de uma porção do perfil do maciço de ferro, no qual a cidade possivelmente
assistiu à mutilação de maneira impotente e algumas vezes indiferente, visto a austeridade
do período e a crença de que a exploração mineral era necessária para a cidade e para a
evolução da própria sociedade.
A serra e a cidade
36
21 de março de 1990: Entre outras coisas: Art. 224 - Ficam tombados para o fim de preservação e
declarados monumentos naturais, paisagísticos, artísticos ou históricos, sem prejuízo de outros que
venham a ser tombados pelo Município:
I - o alinhamento montanhoso da Serra do Curral, compreendendo as áreas do Taquaril ao Jatobá;
II - as áreas de proteção dos mananciais;
37
Tais concessões datam da primeira metade do século XVIII e juntas elas formavam um complexo
minerário que se estendia desde a Serra do Mutuca até a Serra da Moeda. Muitas dessas lavras eram ilegais
e foram desmanteladas pela Coroa ou mesmo abandonadas, quando do início da decadência da exploração
do ouro. Ainda é possível identificá-las a olho nu em diversos pontos da serra.
38
BURTON, 1976, p.501.
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de 1865 e Samuel Gomes Pereira no ano de 1893, ao estudar os aspectos do arraial de
Belo Horizonte para sediar a nova capital39. O minério de ferro explorado nesse período,
por ter sido realizado de forma pontual e superficial, não acarretou em alterações
perceptíveis na Serra do Curral.
É importante ressaltar que as serras, assim como os cursos d’água, eram batizadas
de acordo com a tradição toponímica portuguesa, nas quais os elementos recebiam os
nomes de acordo com a primeira impressão que se tinha ao chegar a uma determinada
região, ou um evento extraordinário ocorrido no local ou mesmo alguma localidade ou
propriedade importante, não se esquecendo da influência indígena nos topônimos. Um
exemplo dessa influência é Congonhas40, nome de uma erva com propriedades anti-
inflamatórias que certamente se abundava na região, uma herança indígena quase
desconhecida e preservada a partir do contato dos forasteiros com os donos do solo
mineiro.
A Serra das Congonhas era considerada o marco geográfico dos arraiais de
Congonhas de Sabará e do Curral Del Rey, povoados que surgiram aos seus pés nos
primeiros anos do século XVIII. A serra desde os tempos coloniais era utilizada como
ponto de referência para quem vinha dos caminhos dos Sertões para o arraial ou para
outros arraiais e vilas que foram fundadas nas suas imediações. De maneira semelhante,
o Pico do Itacolomi representava para os viajantes a principal referência geográfica de
Vila Rica e Mariana. E pelo fato do Curral del Rey, importante entreposto entre os Sertões
e as Minas, ter se consolidado aos seus pés no início do século XVIII, o notável maciço
de ferro receberia o nome do lustroso Curral del Rey.
Sentinela dos caminhos que levavam às minas, o maciço permaneceu quase
virgem durante os áureos anos do século XVIII e durante parte do século XIX, salvo as
explorações iniciadas pela Taquaril Gold Mining Company limited, formada no ano de
1867 e pelas prospecções e transposições realizadas pela Saint John del Rey Mining
Company limited (Morro Velho), proprietária de grandes porções de terra ao longo da
Serra do Curral41.
A Serra do Curral engloba ainda outras denominações de nível local, como a Serra
do Acaba Mundo e a Serra do Taquaril, que batizavam os locais correspondentes às
39
MINAS GERAES, 1893, p.20.
40
Barbosa, 1971: Congonhas de Sabará foi à primeira denominação da cidade de Nova Lima, que também
já se chamou Villa Nova de Lima, assim batizada quando da sua emancipação, no ano de 1891.
41
BORSAGLI, 2017, p.96.
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extrações minerais nas cotas mais baixas da serra. O Acaba Mundo havia sido explorado
pela Morro Velho e o Taquaril fornecia além do tão afamado mármore, algum ouro
explorado pelos ingleses da referida Companhia, falindo poucos anos após a concessão,
na década de 187042. Certamente a serra e o próprio quadrilátero já despertaram a atenção
dos estrangeiros para o seu potencial ferrífero, a ser explorado em momento conveniente.
A Serra do Curral forneceu ainda o minério de ferro para a fábrica construída na
confluência do córrego da Serra e ribeirão Arrudas pela Companhia Progressiva
Sabarense, iniciativa que durou pouco menos de dez anos, sendo a estrutura e os terrenos
vendidos para a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), que se instalou no
arraial no início do ano de 1894.
A CCNC logo após a sua chegada deu início aos estudos necessários para a
elaboração da Planta da nova capital do Estado. Os trabalhos de topografia e geodesia
apontaram que a cidade planejada deveria ser construída ao longo das cotas mais baixas
da Serra do Curral, transpondo em alguns trechos a acentuada declividade para fins
hierárquicos, figurando o paredão da serra como beleza cênica para a urbe planejada.
Nesse contexto, quando Aarão Reis apresentou a Planta no ano de 1895 pôde se
compreender que o projeto dava maior importância à perspectiva da Serra do Curral que,
obrigatoriamente, seria vista de toda a cidade planejada encaixada entre a serra e o vale
do ribeirão Arrudas e ainda da zona suburbana, que buscava uma relativa harmonia entre
os seus arruamentos e as curvas de nível das montanhas limítrofes ao paredão43.
O Morro do Cruzeiro, ponto final da Avenida Afonso Pena, figurava como a divisa
entre o natural e o racional, destinado a abrigar o novo templo dedicado à Nossa Senhora
da Boa Viagem, no cume da cidade e no sopé das montanhas. A cruz, que aí existiu
(Figura 03), era local de peregrinação dos curralenses impossibilitados de se dirigir ao
pico do Curral del Rey e marcava o início da serra, que então não se resumia ao paredão.
42
MINAS GERAES, 1893, p.20.
43
BORSAGLI, 2016, p.52.
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35
Figura 03 – Morro do Cruzeiro no ano de 1895. À esquerda o Pico Belo Horizonte.
Fonte: APCBH acervo CCNC
Na verdade, o perímetro da nova capital fora delimitado pela CCNC entre as duas
importantes serras limítrofes ao velho arraial, ou seja, ao sul pela Serra do Curral e ao
norte pela Serra da Onça, uma importante serra atualmente urbanizada e quase nula na
paisagem, salvo o seu perfil parcialmente preservado e completamente adensado.
A Serra da Onça, com altitudes que variam entre 850 e 950 metros é o maciço
divisor das bacias dos ribeirões Arrudas e Onça, motivo pelo qual se transformou no
marco geográfico de divisão entre a cidade e as áreas rurais do município até a década de
1930, quando o tecido urbano extrapolou as montanhas granito-gnáissicas em direção aos
povoados da Pampulha, da Onça e da Venda Nova.
44
“Intocada” se refere a inexistência da exploração ferrífera em larga escala no período abordado pelo
subcapitulo (1897-1950).
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obrigatoriamente passavam pela serra, destacando-se a velha estrada para Villa Nova de
Lima, abandonada alguns anos após a inauguração da capital, devido à dificuldade da sua
conservação, no trecho correspondente ao entorno do Pico Belo Horizonte.
Nesse período as excursões e os piqueniques faziam parte do cotidiano da cidade,
cuja população aproveitava os belos finais de semana para se divertir no Alto do Cruzeiro,
ao lado da caixa d’água45 ou mesmo nas partes mais altas, uma verdadeira aventura para
os citadinos que buscavam paz em meio a uma capital de interior que se encontrava em
iminente transformação. Belo Horizonte não apresentava muitas alternativas de lazer e a
Serra do Curral, com suas águas geladas e cumes convidativos à contemplação era uma
das opções mais procuradas junto com o Parque Municipal e o Prado Mineiro. A serra
proporcionaria ainda a prática de caça, que acontecia nas proximidades da Lagoa Seca.
Até a década de 1920, a Serra do Curral (Figura 04) proporcionou não só o lazer
da população, mas também garantiu o abastecimento de água de Belo Horizonte a partir
da extensão da captação dos cursos d’água que nascem em suas vertentes na direção oeste,
correspondentes a região do Barreiro/Ibirité46.
Apesar da abundância hídrica, as águas supririam a demanda do município até
meados da década de 193047, quando a capital entrou em um déficit que só se resolveu no
ano de 1973.
45
Revista Fon Fon edição 27, p.20.
46
BORSAGLI, 2016, p.61.
47
FJP, 1997, p.90.
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37
Figura 04 - A cidade e a serra, desde o mirante do edifício Ibaté por volta de 1936.
Acervo MHAB
48
COELHO, 2001, p.19.
49
MATA MACHADO, 2003, p.6.
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Os anos seguintes se caracterizam pela flexibilização das leis que restringiam a
participação estrangeira nas explorações minerais no país. Entre trabalhos geológicos
realizados em parceria com os Estados Unidos e argumentos favoráveis à participação
estrangeira na exploração e exportação mineral, iniciaram-se os estudos visando à
exploração mineral da Serra do Curral, a partir da concessão municipal para a perfuração
de quatro túneis de pesquisa à montante da captação do córrego da Serra50, próximo das
suas cabeceiras.
É importante ressaltar que a própria Prefeitura, detentora de grandes porções de
terras ao longo da Serra do Curral altamente cobiçadas pela qualidade dos minérios de
ferro, em particular a hematita compacta que aflorava em diversos locais do maciço, já
possuía planos de explorar as terras, vistas como imprescindíveis para equilibrar o déficit
financeiro do município recém emancipado do Estado.
Quatro anos após a emancipação da capital, mais precisamente no ano de 1951,
entrou em atividade nas terras da exaurida pedreira do Acaba Mundo, a Mineração Lagoa
Seca cuja extração da dolomita, mineral cárstico encontrado na base do maciço
curralense, contribuiu para a alteração do regime hídrico do córrego do Acaba Mundo.
50
MATA MACHADO, 2003, p.7.
51
MATA MACHADO, 2003, p.17.
52
Durante a administração federal de JK foram 31 concessões dadas à Hannaco para exploração de jazidas
no Quadrilátero, todas estritamente conectadas às pretensões da companhia norte americana.
53
Revista Time, 10 março de 1958.
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últimas. Após o acordo firmado entre o mesmo grupo, foi criada a Mineração Curral del
Rey Ltda. pertencente a St. John del Rey.
Era o indício que faltava para que o Governo do Estado solicitasse ao
Departamento do Patrimônio histórico e Artístico Nacional (DPHAN) o tombamento da
Serra do Curral54. Nesse momento o Estado reconheceu a importância da Serra do Curral
para Belo Horizonte não só pela beleza cênica e paisagística, mas também cultural,
histórica e urbanística, visto que a cidade fora pensada e planejada para que se
vislumbrasse o maciço de qualquer ângulo do perímetro planejado. Nesse contexto José
Francisco Bias Fortes, por meio do departamento jurídico do Estado solicitou o
tombamento da serra como um “bem do patrimônio artístico nacional, com sua silhueta
inconfundível e bem característica, tão ligada à nossa capital” (MATA MACHADO, 2003,
p.12).
Ainda assim, os estudos continuaram de modo a possibilitar a exploração mineral
da serra, visto que o município de Belo Horizonte era o proprietário da superfície do
maciço. Ao que tudo indica o poder público municipal não estava preocupado em manter
a integridade da serra e sim em proteger as reservas de ferro de sua propriedade, mirando
a exploração futura e em consequência o incremento do sofrido erário municipal.
Tombado parcialmente o perfil da Serra do Curral e o Pico Belo Horizonte em 21
de setembro de 1960, supunha-se que a pérola serrana de Belo Horizonte estaria protegida
da voracidade mineraria que agia ininterruptamente nos bastidores da política e da própria
administração municipal que não aceitava o tombamento, apesar do perímetro de proteção
federal não abranger as terras abaixo da cota 1.200, não contrariando assim os fortes
interesses privados e do próprio poder público.
Sabendo dos planos municipais para a exploração do minério de ferro, Rodrigo de
Melo Franco, diretor do DPHAN solicitou ao chefe do 3º Distrito, Sylvio de
Vasconcellos, esclarecimentos acerca da questão noticiada pelos jornais da capital. A
resposta por parte da administração municipal veio dois meses mais tarde, contestando o
tombamento sob a justificativa de prejudicar o patrimônio do município. O procurador
geral da Prefeitura argumentou que o tombamento foi “inscrito no Livro do Tombo da
Diretoria, como se nestes sítios veneráveis serpentasse a linfa arrancada à rocha pelo
54
MATA MACHADO, 2003, p.12.
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40
bordão de Pedro ou se descobrisse numa das furnas da Serra a urna mirífica de algum
êmulo tupiniquim de Ramsés Segundo” (MATA MACHADO, 2003, p.23).
O tombamento não vedava a exploração mineral na serra e a expansão do tecido
urbano para as proximidades do paredão, como observado pelo então chefe do DPHAN
em Belo Horizonte Sylvio de Vasconcellos:
55
A prefeitura possuía 70% das ações e o restante aos acionistas.
56
Relatório do prefeito Amintas de Barros (1962), p.116.
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41
Figura 05 - Vista da Mina das Mangabeiras desde a crista da Serra na década de 1960.
Fonte: APCBH/ASCOM
57
Tribunal Federal de Recursos, processo 29.881, 1962; in: MATA MACHADO, 2003, p.30.
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42
dias antes58 Lincoln Gordon, o embaixador que “sabe fazer amigos”59 que chegou a visitar
a capital mineira, sendo recebido pelo Governador Magalhaes Pinto e por diversos
segmentos que louvavam a aliança para o progresso, motivo alegado para sua visita à
sentinela das jazidas ferruginosas.
Em meio ao impasse Hanna/Novalimense, que culminaria com a confirmação
jurídica do ato de Gabriel Passos e a busca por alternativas que viabilizassem a
exploração, o município solicitou ao DPHAN, no final de 1962, a liberação para
exploração da área denominada Mina das Mangabeiras não pertencente ao perímetro
abrangido pelo tombamento, para a qual foi atendida positivamente, entrando a mina em
funcionamento no ano de 1963 sob a gestão do prefeito Jorge Carone.
O ano de 1964 representou uma reviravolta no caso Águas Claras, nacionalizada
pelo Governo Federal a partir das irregularidades encontradas quando da liberação da área
para exploração mineral. A Cia Novalimense entrou com um novo recurso poucos dias
após a derrocada de Jango, visto as mudanças que se vislumbravam no horizonte. E entre
mudanças e revogações no Código de Minas, deu-se a associação entre a Hanna e a
Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração60 para a exploração das jazidas de ferro
pertencentes à primeira, no mês de novembro de 1964. Da associação nasce a Minerações
Brasileiras Reunidas S/A (MBR)61 que exploraria a jazida de Águas Claras (Figura 06).
Entretanto, nem todas as agressões à serra vinham através da mineração. Em meio
à metropolização e a congestão urbana da região central, o tecido urbano da capital
começou a se expandir para as partes mais altas do município, alcançando o sopé do
paredão da Serra do Curral. No ano de 1966, através do decreto 1.466 foi criado o Parque
das Mangabeiras nos terrenos em que a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração.
Com o decreto a companhia entregaria para a iniciativa privada os terrenos de sua
propriedade localizados abaixo da Mina das Mangabeiras com a finalidade da construção
de um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital.
58
Ibid., p.30.
59
Revista Três Tempos, 28 de maio de 1962, p.2.
60
MATA MACHADO, 2003, p.37.
61
Formada ainda pelas minerações pertencentes à Hannaco. Os grandes grupos de mineração foram
favorecidos a partir de 1967, com a alteração no Código de Minas e a nova Constituição.
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Figura 06 - Imagem aérea do ano de 1953 correspondente às jazidas da Ferrobel e Águas Claras.
APCBH Gabinete do Prefeito
Dias atrás, por acaso, olhei para a Serra do Curral, a serra da minha infância,
que esteve sempre presente em minha vida e levei um susto. A serra não era a
mesma, o seu rendilhado, a bela linha sinuosa e escarpada que marca o seu
encontro com o azul do céu, nada mais era do que uma reta dura e insensível,
insossa e sem alma. Era uma reta, uma reta terrível que, sem dúvida, poluía a
beleza do horizonte, mostrando que, muito em breve, Belo Horizonte terá que
mudar de nome, pois não terá mais Belo Horizonte. Eram as maquinas
terríveis, imensas escavadeiras, transportadoras transistorizadas, caminhões e
outros veículos menos votados liquidando com a paisagem da cidade,
enchendo o ar da poeira fina e venenosa do minério, poluindo, poluindo,
poluindo... (ANTUNES, 1974, p.4).
62
Jornal Opinião, fevereiro de 1974, p.7.
63
Ibid., p.7.
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45
Em meio ao cenário desolador, betuminoso, cinzento e agora coberto de poeira
férrea, poucas não eram as vozes que se levantavam em meio à submissão pública e de
alguns meios de comunicação. Carlos Drummond de Andrade, ao receber uma matéria
publicada no jornal Estado de Minas (1976)64, se despediu da cidade que o recebera em
sua juventude através do poema Triste Horizonte, que serviu de alerta para quem ainda
ignorava as perdas ambientais sofridas não só pelo município, mas também pelo Estado
e pelo próprio país:
Figura 07 - Jornais Opinião e O Jornal de Minas (Diário de Minas) nos anos de 1973 e 1974, periódicos
que denunciaram os transtornos decorrentes da exploração mineral na Serra do Curral.
Fonte: Hemeroteca Histórica de Minas Gerais
64
Pela jornalista Maria Cristina Bahia Vidigal, impedida de subir a Serra do Curral por um funcionário da
MBR no ano de 1976, sob alegação de que a mesma pertencia à companhia, e ainda retrucando à indagação
da jornalista, que alegou que a serra pertencia à cidade “pois agora não sobem mais”.
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46
Figura 08 - Rebaixamento do perfil da Serra do Curral no ano de 1974 visto
desde o cruzamento da Avenida Brasil e Rua Cláudio Manoel.
Fonte: Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos/ EA-UFMG
Considerações Finais
Referências
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Horizonte: Secretaria Municipal de Cultura, 1998.
BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva; história média. v.2.
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de Belo Horizonte. Belo Horizonte, PerSe, 2017.
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Paulo: Edusp, 1976.
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Relatorio apresentado a S. Ex. Sr. Dr. Affonso Penna, Presidente do Estado, pelo
engenheiro civil Aarão Reis. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893b.
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MIRANDA, E. E. de; COUTINHO, A. C. (Coord.). Brasil Visto do Espaço. Campinas:
Embrapa Monitoramento por Satélite, 2004. Disponível em:
<http://www.cdBrasil.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 29 Out. 2016.
PENNA, Octávio. Notas Cronológicas de Belo Horizonte. Fundação João Pinheiro, Belo
Horizonte, 1997.
TULIO, P. R. A. Falsários d’el Rei: Inácio de Souza Ferreira e a Casa da Moeda Falsa
do Paraopeba (1700-1734). Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em
história, Universidade Federal Fluminense, 2005.
Jornais e Revistas
Resumo
O artigo a seguir pretende provocar a reflexão sobre o espaço urbano, o espaço público e
o fenômeno da territorialidade. Discute-se os tipos de sociabilidade e as formas de
controle existentes nos espaços públicos da cidade de Belo Horizonte. O artigo pretende,
também, mostrar como as prioridades da esfera pública e as políticas de gentrificação
influenciaram os dinamismos que transformam a arquitetura urbana da cidade em seus
120 anos. Finalmente, este artigo traz como objeto de pesquisa o cenário da 1ª Seção
Urbana, no qual elementos como o Parque Municipal, o Viaduto Santa Tereza, a Praça da
Estação e seus entornos, oferecem materiais suficientes para reafirmar que são locais onde
as diferenças se tornam públicas e geram confronto social e político.
Palavras Chave: Espaço Urbano; Gentrificação; Territorialidade.
Abstract
The following article aims to provoke reflection on urban space, public space and the
phenomenon of territoriality. Discuss the types of sociability and the existing control
forms in the public spaces of the city of Belo Horizonte. Show how the priorities of the
public sphere and gentrification policies influenced the dynamos that transform the urban
architecture of the city in its 120 years. Finally, this article brings as a research object, the
setting of the 1st Urban Section, in which elements such as the Municipal Park, the Santa
Tereza Viaduct, Station Square and its surroundings, offers enough material to confirm
that they are places where the differences became public and generate social and political
confrontation.
Keywords: Urban Space; Gentrification; Territoriality.
*
Aluno de graduação do 5º período em História pela UFMG. Estagiário no Arquivo Público da Cidade de
Belo Horizonte. Email: ccostagabriel@live.com.
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Considerações Gerais
65
Salvador (1549), Teresina (1852) e Aracaju (1855) são as três capitais planejadas antes de Belo
Horizonte.
66
JULIÃO, L. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna; 1891-1920. Belo Horizonte, 1992, p. 68
(Dissertação, Mestrado em Ciências Políticas).
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Comissão Construtora da Nova Capital compreende uma região muito restrita. Estamos
falando de uma organização urbana pequena e simples com um núcleo central delimitado
pela Avenida do Contorno, dispondo também de fazendas periféricas responsáveis pelo
abastecimento da cidade.
O atual centro da cidade é formado pela 1ª, 2ª, 3ª e 4ª seções urbanas compostas
respectivamente por 34, 35, 36 e 34 quadras do projeto da Comissão Construtora da Nova
Capital. Especificamente, esse é o cenário no qual nessa discussão tentamos compreender
o uso do espaço urbano e suas prioridades. Sendo assim, faz-se a seguir uma breve
descrição desse espaço seguindo o projeto de Aarão Reis.
Segundo o projeto, a 1ª seção urbana, mesmo sendo ao centro do território, é a
principal entrada para a cidade. Sendo o transporte ferroviário o mais eficiente do período,
o ramal férreo da 1ª seção urbana, onde hoje funciona o Museu de Artes e Ofícios, recebeu
boa parte do material usado na construção da cidade e, após a inauguração da capital,
funcionou como uma essencial estação ferroviária.
67
CVRD. Parque Municipal - Crônica de um século. Belo Horizonte: 1992. 132p.: il.
A Avenida do Tocantins funcionava como uma dessas vias que saía do coração
do Centro e ia diretamente para os bairros. Por inconveniência do projeto de Aarão Reis,
o trajeto da avenida possuía dois obstáculos: o ribeirão Arrudas, solucionado com uma
precária ponte, e a saída do Ramal Férreo.
Fonte: Omninbus: Uma História dos Transportes Coletivos de Belo Horizonte. 1996.
68
CVRD. Parque Municipal - Crônica de um século. Belo Horizonte: 1992. 132p.: il.
A sua escolha deveu-se principalmente por se tratar de uma região que sofreu
intensa transformação durante os mais de cem anos da cidade, portanto foi o
espaço de uma enorme variedade de usos, desde os grandes equipamentos
urbanos, como a estação ferroviária, o mercado inicial da cidade, em seu lado
oposto, até o local das primeiras industrias a se implantarem na cidade. A
região sofreu uma mutação muito expressiva, podendo em seu interior ser
identificadas construções de todas as épocas da produção do espaço urbano da
cidade.69
Da mesma maneira que uma reforma em casa altera definitivamente sua vivência
nela, qualquer intervenção no espaço urbano gera consequências e afeta diretamente à
sociedade.
69
Fundação João Pinheiro: Um olhar para o século XX: arquitetura civil na área urbana da cidade
planejada por Aarão Reis - representação dos testemunhos criação de bancos de dados georreferenciados.
- Belo Horizonte, 2003. 68 p.
Quanto mais nos aproximarmos do tempo presente mais intensa ficará essa
repressão, e os casos se multiplicam enquanto a desigualdade aumenta. Os anos mais
recentes da história do Viaduto Santa Tereza registram casos que se poderiam se comparar
aos relatados aqui se não fosse pela escala muito maior e por uma repressão muito mais
marcante.
Atualmente, a baixada do Viaduto Santa Tereza e seu entorno ainda concentram
um aglomerado volumoso de moradores de rua que vivem desse espaço, que também
acabou se tornando sede principal da maior expressão do movimento Hip Hop na cidade,
projetando artistas como Mc’s, Grafiteiros, skatistas, dançarinos, poetas, etc. para o
mundo. Eventos como o Duelo de Mc’s e o Game of Skate são idealizados e realizados
pelo coletivo Família de Rua, junto com a resistência de incontáveis artistas que persistem
em deixar suas marcas no espaço, mesmo que entre as insistentes camadas de tinta cinza
que o poder público acredita ser mais apropriado ao espaço.
O princípio da territorialidade se dá muito mais ao caso cultural do que físico. Seja
qualquer indivíduo, ou grupo, que ocupe um determinado local dando uma determinada
identidade a ele, pelo modo como o indivíduo ou grupo age naquele território. Essa
identidade que determinado local recebe de acordo com as pessoas que o frequentam se
denomina territorialidade.
O Viaduto Santa Tereza possui uma história de resistência que vai além de seu
valor como simples edificação. Ao ultrapassar das décadas, a cidade teve diferentes
propósitos e consequentemente o cenário se alterou com o tempo. O Viaduto Santa Tereza
é um espaço resultado da intervenção do espaço da cidade e as pessoas que por ali
convivem, construíram, a partir disso, a identidade do local. Identidade essa
fundamentada por uma história de descaso social e de resistência, formando ali um
genuíno espaço de ocupação. Incomparavelmente às intervenções do poder público que
aconteceram ali, o que impressiona é que esse espaço foi ocupado pela sociedade, que
dirige suas próprias intervenções no local e define o propósito daquele espaço.
A territorialidade atribuída a certos locais como o Viaduto Santa Tereza devido às
ocupações dos espaços públicos por grupos marginais da sociedade não é bem vista pela
comunidade local e, por consequência, torna-se um problema para o poder público. Os
processos de gentrificação que pretendem “higienizar” esses locais, privando
determinadas territorialidades, podem ser observadas no caso do Viaduto. Os grupos que
ocupam o local e dão identidade a ele enfrentam barreiras que dificultam o mantimento
de suas manifestações artísticas, como a tentativa da prefeitura de cobrar 33 mil por ano
para a execução do Duelo de Mc’s e, principalmente, o fechamento do Viaduto às
vésperas da Copa do Mundo tentando dissolver esses grupos.
Referências
Acervos Documentais
AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Conhecer o arraial de Belo Horizonte para projetar
a cidade de Minas: a Planta Topográfica e Cadastral da área destinada à Cidade de
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ANDRADE, Luciana Teixeira de, JAYME, Juliana Gonzaga, ALMEIDA, Rachel de
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BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva - história média. v.2.
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Fundação João Pinheiro: Um olhar para o século XX: arquitetura civil na área urbana da
cidade planejada por Aarão Reis - representação dos testemunhos criação de bancos de
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LEITE, R. P. (2002). Contra-usos e espaço público: notas sobre a construção social dos
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PERDIGÃO, João. Viaduto Santa Tereza. Belo Horizonte: Conceito, 2016.128p
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Janeiro, H. Lombaerts e C., abr. 1895. p.12.
Renata Lopes*
Resumo
Resumen
Este artículo busca analizar la construcción de la memoria y el olvido del barrio Lagoinha
en el contexto de las conmemoraciones del centenario de Belo Horizonte. Para realizar
esa propuesta se tomó como objeto el Proyecto Lagoinha, idealizado en 1994 por el
*
Licenciada em História. Professora renatalopespinto01@gmail.com.
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alcalde de la ciudad, Patrus Ananias. El proyecto tenía como objetivo realizar la
recalificación del barrio en sus aspectos físicos, económicos, resignificar los aspectos
culturales y la propia memoria del lugar. Como fuentes se utilizaron las materias de los
periódicos Estado de Minas y Hoy en día, que repercutieron la propuesta, la
implementación y el cierre del proyecto. Se pudo comprobar que el Proyecto Lagoinha
no fue ejecutado de la forma propuesta, siendo finalizado sin que sus acciones fueran
completamente concluidas
1. Introdução
Há cento e vinte anos, a capital de Minas Gerais deixava de ser a antiga Ouro
Preto e era transferida para uma cidade nova. Belo Horizonte foi planejada em um
contexto republicano, no qual se desejava romper com as tradições monárquicas. A
nova Capital de Minas foi projetada e construída na transição entre Império e
República, buscando romper com o tradicionalismo herdado da monarquia. A cidade
foi edificada nos moldes de Paris, La Plata e Washington para ser moderna, arrojada e
inovadora. Cabe ainda ressaltar o higienismo, organização das ruas, avenidas e
setorização da cidade como marcas do projeto da Comissão Construtora70.
A construção de uma nova capital, localizada no centro geográfico do estado
facilitaria o governo, na medida em que possibilitava a comunicação entre as distintas
regiões do estado. A proposta republicana desejava promover o progresso de Minas
70
A comissão Construtora foi instituída pelo decreto nº 680 pelo governo do Estado de Minas Geras, em
1894, onde a comissão seria dirigida pelo Engenheiro Aarão Reis. Fonte: <https://goo.gl/qeTVnz > acesso
em 10 out 2016. às 15:10.
O nome deste bairro é mais antigo do que o próprio arraial de Curral Del Rei,
conforme tivemos ensejo de ver pela carta de sesmaria de João Leite da Silva
Ortiz, pois na designação da divisa das terras concedidas àquele bandeirante,
no cercado, já o local figurava com o nome de Lagoinha, que assim se chamou
pelo fato de ter existido ali, outrora, uma lagoa mais ou menos no local em que
hoje ficam as ruas Diamantina, Itapecerica, Adalberto Ferraz e Formiga
(BARRETO, 1995, p. 270).
Para Cláudia o fato de haver apenas três linhas de ônibus que atendem a
Lagoinha é uma prova do descaso com a região. Não há conexão entre elas, o
que provoca desarticulação interna. E o pior, ressalta a arquiteta somente a
71
Para verificar mais informações sobre os impactos sofridos e a recuperação do bairro Lagoinha,
consultar Machado, 1997, p. 40 – 46.
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partir de 1950, telefone, esgoto, coleta de lixo e as linhas de ônibus. “Nada foi
feito diretamente para a região”, finaliza (HOJE EM DIA,1997).
Pode-se dizer que o espaço físico material estava sendo utilizado como suporte
para a consolidação de uma memória coletiva imaterial, em que a monumentalização
A primeira parte do Projeto Lagoinha foi redigida pelo escritor e jornalista José
Maria Cançado73. O autor disserta sobre ambiguidades do local, como o contraste da
72
Dados retirados Relatório de Atividades da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte de 1997.
Disponíveis em: https://goo.gl/1nuCX8. Acesso: 5 set 2016 às 14:20.
73
José Maria Cançado, mineiro de Belo Horizonte, era jornalista e foi secretário-adjunto de Cultura de Belo
Horizonte em 1993, no governo de Patrus Ananias.
Belo Horizonte está condenada a ser moderna”, afirma José Maria Cançado,
coordenador do projeto BH 100. “A historia da cidade coincide com a historia
do século”, acrescenta e diz: “ O que houve de bom e de ruim”. [...] Celebrar
os cem anos da capital significa celebrar o reencontro da cidade com sua
história (ESTADO DE MINAS, 1995)
4. O Projeto Lagoinha nas páginas dos Jornais Estado de Minas e Hoje em Dia
74
Informações sobre o jornal disponíveis no site:
<http://www.diariosassociados.com.br/home/veiculos.php?co_veiculo=29> Acesso: 08/10/16 às 19:58.
75
Informações disponíveis em artigo escrito por FERREIRA, em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete‐tematico/estado‐de‐minas‐o> 08/10/16 às
10:12
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O jornal Hoje em Dia foi fundado em 1988 pelo então governador de Minas
Gerais, Newton Cardoso para rebater as denúncias feitas pelo jornal Estado de Minas,
as quais, considerava perseguição. O controle do diário ficou com o mesmo até 1991,
quando deixou o governo e o vendeu ao grupo Record.
Conforme explicitado acima, os dois jornais apresentam divergências a respeito
de seus posicionamentos políticos. Tal característica permitiu verificar, através da
análise da periodicidade da reportagem, tamanho da manchete, forma de escrever,
editor, data de publicação, entre outros, os posicionamentos em torno do Projeto
Lagoinha.
Durante a análise dos jornais, várias Lagoinhas emergem de suas páginas. São
trazidas à tona memórias individuais e coletivas, o cotidiano dos moradores e
frequentadores do bairro, as transformações do lugar bem como elementos do Projeto
Lagoinha.
Uma das imagens que apareceu foi a da Lagoinha como a “Lapa mineira”, uma
vez que o lugar pode ser considerado um reduto boêmio da capital, pelo menos até
meados da década de 1970. “Antigo reduto boêmio, o bairro da Lagoinha tornou-se
conhecido como a “Lapa Mineira”, envolto sempre em imagens de prostituição,
marginalidade, vício e transgressão, que se fixaram na memória da cidade76”.
Entretanto, ao mesmo tempo em que a região é apresentada como espaço
“idílico-etilico-transgressor”, também permanece uma Lagoinha habitada por famílias
e por pessoas trabalhadoras, que ali residiram desde o início das obras de construção
da capital”.
76
Conf. JANUZZI, 13/06/1990, n.p).
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Em outras reportagens publicadas pelo jornal Estado de Minas fica evidente o
papel do Mercadinho como lugar de memória.
Pode-se analisar a fala do jornal em relação aos moradores não terem problemas
com as obras, no entanto, existem embates relacionados aos acordos feitos entre
moradores e prefeitura. Os locais “selecionados” para demolição pertenciam a pessoas
que faziam parte da história do bairro e de certa maneira iriam deixar suas lembranças
para reconstruir a sua vida em outro lugar determinado pelo poder público.
Se de um lado é possível mostrar a intenção do projeto no que diz respeito à
preservação da memória por meio da preservação de suas construções, por outro reside
a contradição com a destruição de outras. Alguns imóveis foram escolhidos para serem
preservados, como exemplo, o Mercadinho, acima mencionado. A outros, porém, restou
a demolição e a consequente perda da identidade do lugar. Diferentemente da Lagoinha
que existiu, hoje existe uma outra - a do complexo - com as alças dos viadutos dando
passagem aos automotores. A boemia ficou na lembrança ou no esquecimento, depende
de quem hoje a olha.
Para o governo de Patrus Ananias, as obras desenvolvidas na Lagoinha eram de
imensa importância, visto a ressonância do projeto de ampliação da Avenida Antônio
Carlos amplamente divulgado. Segundo o prefeito, desejava-se finalizar o que outras
administrações não alcançaram, ainda fazendo menção à requalificação integrada.
5. Considerações Finais
Fontes:
A Lagoinha não será a mesma, diz Patrus, Estado de Minas, 26 set. 1995, Caderno
Cidades.
Demolição - Moradores da Lagoinha fazem protesto hoje. Hoje em Dia, 04 mai. 1994.
JANUZZI, Déa. Lagoinha agora é só uma doce lembrança no coração dos boêmios.
Estado de Minas, 13 jun. 1990.
Obras vão resgatar função original do antigo Mercadinho da Lagoinha, Estado de Minas,
03 mar. 1995.
Referências:
AGUIAR, Tito Flávio. Vastos subúrbios da nova capital: Formação do espaço urbano
na primeira periferia de Belo Horizonte. (18 de ago. 2006. 443 folhas) Tese
(Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
PIRANI, Denise. Lagoinha - Bonfim: seus corpos, seus corpos, seus caminhos tortos.
Bruna Hausemer *
Resumo
Abstract
This work proposes reflections about the process of social disorganization of the
hypercentral region of Belo Horizonte until the 1980s through the analysis of its
documentary memory, in the light of the main sociological theories that interpret the
development of social disorganization from its environmental components, that allows us
to examine the problematic of the evolution of this phenomenon under a different
perspective regarding the role of documentary memory in understanding the social
transformations of this complex urban space that has great social, economic and symbolic
importance for the capital of Minas Gerais.
*
Bacharel em Ciências do Estado com ênfase em Estado Democrático e Contemporaneidade pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
bruna.hausemer@gmail.com.
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Introdução
Como surge uma cidade? É possível planejar sua estrutura viária, residencial e
comercial a partir de um “lugar” vazio? Quais os limites e desafios do planejamento no
que diz respeito à organização e controle da cidade? A capital federal do Brasil, assim
como Belo Horizonte, são exemplos de tentativas de se construir uma cidade a partir do
“nada”. Mas junto com a questão estrutural, vem toda uma organização social que deve
se adequar: interferindo, moldando, afetando e “desviando” todo o planejamento
inicialmente pré-concebido.
No início do século XX, surgiu entre os pesquisadores norte-americanos um
grande interesse em investigar a relação entre as cidades e o comportamento humano.
Esses estudos, denominados de ecologia humana (PARK, 1915; BURGESS, 1925,
MCKENZIE, 1924), estabeleceram relações entre a organização dos espaços urbanos
com a organização social. Nas décadas seguintes, Shaw e McKay (1942) conduziram um
grande corpo de pesquisas sobre a desorganização social e as características
socioespaciais dos grandes centros urbanos, conhecido atualmente como teoria da
desorganização social.
A partir dos anos 60, com o aumento da criminalidade, as diferentes formas como
o planejamento urbano poderia interferir na organização da sociedade e na ocorrência de
crimes foram intensamente exploradas, se tornando referencias para os trabalhos de
Jacobs (1961), Newman (1972) e Jeffery (1977). Essa tradição da Sociologia de investigar
a relação entre a transformação do ambiente urbano e o comportamento hurmano,
principalmente o criminal, atravessou o século e perdura até os dias atuais.
Devido a estes estudos, sabemos que o crescimento acelerado, comum nas cidades
modernas, afeta profundamente a sua dinâmica organizacional. Esse fenômeno é ainda
mais acentuado quando se analisa as áreas centrais. Frequentemente, esses espaços
acabam sendo ocupados por um grande volume de estabelecimentos e atividades ligadas
ao comércio e ao entretenimento (PARK, 1984). Como consequência, esse processo
provoca a migração dos residentes com renda mais elevada para lugares mais calmos e
afastados (BURGESS, 1925), sendo acompanhados pelos estabelecimentos que oferecem
produtos e serviços refinados, formando os chamados “subcentros” (GIDDENS, 1997).
Da idealização à década de 30
77
O núcleo corresponde à região da Rodoviária, Av. Santos Dumont e Praça da Estação.
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intencional que privilegiaria a construção de hotéis, bares e pequenas lojas (VILLAÇA,
2001).
Em contraste com a elegante e funcional zona urbana, a zona suburbana era
caracterizada pela ausência do planejamento em padrão geométrico, revelando um
traçado assimétrico, e distribuição irregular de serviços. Nela, foram morar os
trabalhadores usados para a construção da cidade e os antigos moradores locais (COSTA,
1994).
Devido ao crescente número de imigrantes, operários e trabalhadores da
construção civil que chegavam ano após ano em Belo Horizonte para ajudar na sua
construção e em busca de outras oportunidades de emprego, em 1912, a zona suburbana
já abrigava 68% da população da capital, que era formada por 38.000 habitantes. Alguns
historiadores afirmam que ela fora construída exclusivamente para abrigar a classe baixa,
o que facilitaria a manutenção do higienismo na zona urbana (SEVCENKO, 1983).
Já neste período, pode-se notar o descaso do Poder Público em relação aos
cidadãos de baixa renda, que seriam obrigados a residir nesta região que carecia de
infraestrutura por ser a única na capital com valores imobiliários acessíveis a eles.
A forma como Belo Horizonte foi planejada agrava o fenômeno da segregação
social adicionando a ele um elemento físico. A segregação socioespacial resultante faz
parte do processo de diferenciação em agrupamentos econômicos e culturais que dá forma
e caracteriza a cidade. Segundo Burgess (1925), essa segregação ofereceria ao grupo um
lugar e um papel na organização geral da vida urbana e formaria áreas naturais, cuja
tendência seria atrair determinados tipos de indivíduos, tornando-as cada vez mais
diferenciadas.
A concepção elitista e excludente de gestão do espaço público durante este período
da história Brasileira foi muito estudada por Nicolau Sevcenko (1983), que a sintetizou
em quatro princípios básicos: condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória
aos populares; negação de todo e qualquer elemento da cultura popular que pudesse
macular a imagem civilizada da sociedade dominante; um cosmopolitismo agressivo,
profundamente identificado com a vida parisiense; e políticas de expulsão dos grupos
populares da área central da cidade, destinada para o desfrute exclusivo das camadas
superiores.
O planejamento urbano resultante da adoção desses princípios gerava cidades
onde se verificavam configurações socioespaciais distintas das cidades americanas dos
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anos de 1910 e 1920 estudadas pela Escola de Chicago, as quais frequentemente
apresentavam o modelo The Loop (BURGESS, 1925), segundo o qual, o desenvolvimento
urbano ocorre através de zonas concêntricas, formando cinco áreas com características
distintas: a primeira era constituída pelo centro comercial; ao seu redor, a zona de
transição, marcada pela visível deterioração, intensa rotatividade de moradores e que
sofre com a eminente invasão por parte do comércio e pequenas manufaturas; a terceira
área era habitada por trabalhadores que fugiam da degradação, mas ainda queriam
permanecer próximos aos seus trabalhos; e, na periferia, havia a área residencial onde
residiam as classes altas.
Todavia, representando uma exceção na morfologia social da capital (LEMOS,
1988, p.99), na região situada entre o Mercado Municipal e a Praça da Estação, havia
áreas cujo planejamento se diferenciava do restante da área urbana, deixando espaços no
tecido urbano que desde o início apresentaram sinais de degradação em relação ao seu
entorno e possibilitaram a instalação de habitações de cidadãos oriundos das classes mais
baixas (LEMOS, 1989). O entorno da Praça da Estação também apresentou aspectos
indesejados do ponto de vista dos planejadores: hotéis e pensões baratas. Estes
estabelecimentos haviam se desenvolvido frente à demanda das centenas de recém-
chegados que desembarcavam diariamente na Estação. Ao seu redor, desenvolveram-se
o comércio dos turcos e judeus, os botequins, salões de dança e os bordeis – formando
um ambiente de catarse para os moradores da capital. Um espaço para a extravagância e
onde a fuga dos padrões morais não seria condenada, uma zona moral78.
Apesar do minucioso planejamento para que o centro de Belo Horizonte pudesse
ser mantido como um espaço requintado, recepcionando apenas os hábitos e a cultura da
classe alta, a região foi progressivamente assumindo moldes distintos dos esperados. Mas
por que isso ocorreu?
A resposta a essa questão pode ser encontrada na teoria proposta por Robert E.
Park (1915) na qual ele afirma que a cidade teria suas raízes nos hábitos e costumes
daqueles que a povoam, consequentemente, ela teria não apenas uma organização física,
como uma organização moral que seria impossível de ser controlada através de meros
planejamentos institucionais. Essas duas formas de organização, por sua vez, interagiriam
78
Termo utilizado por Park (1979) para se referir a zona de perdição e vício das grandes cidades, cujos
frequentadores não necessariamente residem ali, mas se reúnem e compartilham seus gostos e
temperamentos desviantes.
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e se modificariam mutuamente. O anonimato e, consequentemente, o enfraquecimento
dos laços sociais, fenômenos comuns nas grandes cidades, reduziriam as inibições
individuais e propiciaria, em alguns lugares específicos, o aumento do vício e do desvio.
A permissividade aliada à multiculturalidade encontrada no meio urbano criaria uma via
para que as excentricidades, normalmente recalcadas ou controladas no ambiente das
pequenas comunidades, escapassem e se desenvolvessem ao fornecerem oportunidades
para que os indivíduos, que compartilham idiossincrasias se reunissem, formando essas
“zonas morais”. Estabelecimentos como bordeis, cassinos e bares, por sua vez, surgiriam
justamente da oportunidade de explorar os impulsos humanos que naquele turbulento
meio urbano aflorariam com menor dificuldade (PARK, 1915).
Esses fatores começam a se agravar durante a década de 1920 com o crescimento
da indústria de bens de consumo e a implantação de empresas siderúrgicas pelo Estado.
Nesse período, a capital passa por um grande desenvolvimento impulsionado pela
aceleração econômica e a crescente oferta de empregos atrai um enorme número de
migrantes (FIEMG, 2009). Nestes anos, o setor terciário também se expande e passa a se
concentrar cada vez mais na área central, ocupando espaços que antes eram
exclusivamente residenciais (BELO HORIZONTE, 2015).
Segundo McKenzie (1924), essas grandes migrações populacionais para a cidade
causam expansão no desenvolvimento da comunidade que, excedendo a sua capacidade
natural, resultam em uma situação de crise ou desorganização. A região central de Belo
Horizonte não escapou desse processo. No núcleo e no entorno da Praça Sete, em
particular, aparecem as primeiras sedes bancárias mineiras – o Banco do Comércio e
Indústria em 1923, Banco da Lavoura em 1927 e Banco Mineiro em 1928 – o que ocorrera
juntamente com um aumento expressivo do comércio (BELO HORIZONTE, 1989).
Ainda, segundo a literatura utilizada nessa análise, devido ao rápido aumento do
uso comercial em uma região tradicionalmente residencial, acelera-se o processo de
junking, caracterizado pelo aumento da degradação ambiental e sua desvalorização
imobiliária (BURGESS, 1925). Desmotivados pela progressiva deterioração do entorno,
a manutenção do corpo edificado passa a ser negligenciada e os proprietários dos imóveis
são colocados sob o impulso econômico de alugar suas propriedades para serviços
parasitários e transitórios – que podem ser economicamente rentáveis e lucrativos, mas
são socialmente indesejados e frequentemente considerados vergonhosos para a
comunidade tradicional (MCKENZIE, 1924).
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Fazendo um paralelo com o Centro, pode-se dizer que a região passou exatamente
por esse processo já na década de 1920, período em que quarteirões residenciais foram
permeados pelo comércio e alguns imóveis passaram a exibir uso misto e a alugar espaços
juntos aos andares inferiores para uso comercial, comprometendo a estética de suas
fachadas.
Em 1930, a capital já possuía 120.000 habitantes e não apresentava sinal de
inflexão da tendência de crescimento (BELO HORIZONTE, 2015). Localizada entre as
principais vias da cidade e serviços públicos, a Praça Sete era a principal referência
simbólica e econômica da capital e passa a abrigar o principal ponto de bondes do centro
– um serviço público que atua como forte centralizador e indutor de atividades (BELO
HORIZONTE, 1989; SANT’ANNA, 2008).
Ao longo desta década também foram construídas na região central as Faculdades
Federais de Direito, Arquitetura, Odontologia, Filosofia e Engenharia, o que atraiu os
estudantes e desencadeou a construção de pensionatos para mulheres e repúblicas
estudantis (BELO HORIZONTE, 2015).
O ingresso abrupto de uma enorme população em uma determinada área urbana
tem o efeito semelhante ao de uma onda, inundando as áreas em que há menos resistência
por parte dos moradores, que normalmente se deslocam para a zona seguinte e assim por
diante, até que a força da onda se exaure (BURGESS, 1925). No meio biótico, diria que
esse processo é caracterizado por etapas de invasão, conflito, dominação e sucessão
(BURGESS, 1925; MCKENZIE, 1924).
A expansão em ritmo acelerado pela qual a capital passava impedia que fosse feito
um controle estrito de como o seu solo era ocupado, o que vinha ocorrendo de forma
desordenada aos olhos dos gestores (PLAMBEL, 1979). Na tentativa de fazer com que a
cidade não saísse mais dos moldes do planejamento original, o governo municipal
elaborou um plano que objetivava ordenar o uso do solo. Segundo ele, a região central
estava permeada por vazios e passou a ser adotada a ferramenta urbanística de valorização
virtual do solo para estimular a ocupação e o adensamento da região, o que acabou
impulsionando o seu processo de verticalização (PLAMBEL, 1979).
Para Jacobs (1961), a cidade é um território de relações no qual cada cidadão busca
satisfazer suas necessidades e realizar seus quereres, uma realidade viva e pulsante que
compõe uma complexa rede de fluxos de pessoas, mercadorias, matérias e energias em
constante movimento que seguem uma lógica natural própria. Logo a imposição de
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planejamentos rígidos pautados em normas urbanísticas que surgem “de cima para
baixo”, como a valorização virtual do solo adotada pela Prefeitura de BH para estimular
o adensamento populacional no centro, configuraria uma doutrinação da dinâmica urbana,
sendo nociva para a população e para a organização da própria cidade.
As primeiras décadas da história de Belo Horizonte acabaram provando que a
cidade tende a assumir uma organização que não segue moldes de planejamento e
dificilmente pode ser controlada. Sua organização, assim como a da maioria das grandes
cidades modernas é, pois, determinada pelas predileções dos indivíduos, pela
conveniência, pelas vocações e pelos interesses econômicos que, inevitavelmente, vão
segregando e classificando as populações (PARK, 1915; BURGESS, 1925,
MCKENZIE,1924; PARK., 1984). Isto é, por uma dinâmica socioestrutural que
ultrapassa os limites arquitetados e previstos em sua concepção original.
79
Esse fenômeno será explicado ao abordarmos a teoria da desorganização social. Ver sessão 2.3. “Da
década de 70 aos anos 80: Um grande centro urbano com grandes problemas”.
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Durante a década de 1960, a intensa expansão da cidade desencadeou a
conurbação com os municípios circundantes e os espaços urbanos foram mais
modificados em favor da circulação do crescente número de automóveis (BELO
HORIZONTE, 2015).
Ao longo do processo de desenvolvimento urbano, os anos 60 abarcaram
transformações que causaram o redirecionamento na forma como ocorria a ocupação do
Centro. O mercado residencial já não demonstrava mais interesse em fazer investimentos
na região (LEMOS, 1988) e a grande concentração de serviços e facilidades intensificou
a preferência do setor terciário pela ocupação das áreas que haviam sido destinadas ao
uso residencial (VILELA, 2006).
Por conta disso, o centro passou por uma profunda reconfiguração que consistiu
por um lado em um decréscimo populacional e, por outro, pela alteração do perfil
daqueles que ocupavam a região. Ao mesmo tempo em que a região central perde sua
característica de área residencial, as transformações urbanas desde sua concepção até esse
período permitiram que o Centro se consolidasse como espaço dos movimentos sociais,
principalmente das reivindicações populares e das manifestações políticas (LEMOS,
1988, BOSI 1983; MACHADO DA SILVA, 1978).
O edifício Maletta – prédio de uso misto formado por uma galeria que abrigava
bares, restaurantes e livrarias sob um gigantesco conjunto de apartamentos simples –
traduzia a efervescência da época do ponto de vista moral e político. Ele congregava os
mais diferentes grupos sociais, da “juventude coca-cola” aos grupos de intelectuais,
homossexuais e profissionais do sexo (MACHADO DA SILVA, 1978).
Toda essa efervescência acabou despertando ainda mais insatisfação nos
moradores tradicionais, que optaram por adquirir novas residências na região Sul da
capital, deslocando os investimentos do setor imobiliário e do comércio de luxo. As
classes mais altas também deixaram de frequentar a região central (MACHADO DA
SILVA, 1978; LEMOS, 1988; FREITAS, 2006).
O resultado dessa substituição territorial de um grupo social por outro é
denominada na ecologia humana de sucessão (MCKENZIE, 1924). Esse fenômeno
inicia-se com a invasão, quando indivíduos se mudam para um bairro habitado
majoritariamente por integrantes de um grupo social distinto do deles. A resistência à
invasão depende do tipo de invasor e da solidariedade entre os membros do grupo
primário. De acordo com McKenzie (1924), o invasor indesejável costuma penetrar
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através dos pontos de alta mobilidade e baixa resistência. A invasão por grupos
socialmente indesejáveis geralmente acarreta desvalorização da terra e gera incômodos
aos antigos moradores que, sentindo-se repelidos, tendem a mudar para outras regiões.
Com o aumento no número de membros do grupo invasor no bairro ocorre a dominação
da região e, consequentemente, a sucessão do antigo grupo residente (MCKENZIE,
1924).
É possível fazer um paralelo entre essa discussão e o processo pelo qual Belo
Horizonte estava passando durante a década de 1960. A invasão por diferentes grupos
sociais causou repulsa por parte dos residentes tradicionais e impulsionou a sua saída da
região. Devido ao crescimento da capital, a intensificação da atividade comercial e da
prestação de serviços na região, espaços exclusivamente residenciais foram sucedidos
pelo uso comercial, formando segmentos de ruas exclusivamente comerciais. Ambos os
fenômenos foram acompanhados pela diminuição no valor imobiliário da região (BELO
HORIZONTE, 2015).
A partir dos anos 60, não se observava mais apropriação social do espaço público
central pelas classes elevadas, que passaram a utilizá-la apenas como lugar de passagem
(Lemos, 1988). A área central se torna cada vez mais utilizada como ponto de
desembarque e baldeação de linhas de ônibus municipais e intermunicipais, aumentando
massivamente o número de transeuntes e acelerando o processo de desgaste da região.
Com a crescente deterioração do ambiente urbano central, tanto o capital privado quanto
o Poder Público procuraram novas regiões para os seus investimentos, e as atividades
administrativas, o comércio nobre e os edifícios de luxo não ampliavam mais a sua taxa
de incidência no centro da cidade (LEMOS, 1988; MACHADO DA SILVA, 1978;
VILELA 2006; FREITAS, 2006).
A arquitetura desse período se direcionou para a construção de apartamentos bem
pequenos, estilo quarto-e-sala, acompanhando a mudança no perfil de seus habitantes e a
tendência a rotatividade que a região estava assumindo:
2. Da década de 70 aos anos 80: Um grande centro urbano com grandes problemas
A função passagem, que não é uma função central, está sufocando a função
“destino” que confere vida ao Hipercentro, ficando a centralidade cada vez
mais comprometida. A perda da acessibilidade faz com que as atividades
típicas dos grandes centros migrem para suas periferias, sendo substituídas por
atividades de comércio e serviços típicos dos centros de bairros.
(HORIZONTES, 2005, p.14)
80
O termo awareness space foi criado por Paul e Pat Brantingham (1981) para designar a região familiar
de um ofensor em potencial. Eles se baseiam na concepção de que os ofensores, como qualquer outra
pessoa, tendem a permanecer próximos às ruas que conhecem bem, que em sua maioria são aquelas que
compõem seus trajetos para a realização de atividades rotineiras, dificilmente se arriscando a delinquir fora
desses limites (Bichler et al, 2011; Ratcliff, 2006; Felson, 2006).
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Considerações Finais
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Resumo
* Doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora visitante do Departamento
de História da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: cmcapanema@gmail.com.
81
A ideia deste artigo originou-se das pesquisas empreendidas no Arquivo da Cidade de Belo Horizonte
para a elaboração do Catálogo de Fontes: Arborização na Legislação Municipal de Belo Horizonte quando
estava no exercício das funções de técnica em tratamento, arranjo e descrição de acervos permanentes na
referida instituição, entre 2014 e 2016.
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Abstract
Introdução
82
A capital do estado de Minas Gerais originou-se na região da freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem
do Curral del Rey, criada na primeira metade do século XVIII. Em 1890, o decreto estadual nº 36 alterou a
denominação da localidade para Belo Horizonte. A lei estadual nº 2, de 14 de setembro de 1891, confirmou
a criação do distrito de Belo Horizonte, então vinculado a Sabará. Em 1893, foi elevada à categoria de
município e capital, com a denominação de Cidade de Minas, pela lei estadual nº 3, de 17 de dezembro
daquele ano, e decretos estaduais nº 716, de 05 de maio de 1894 e 776, de 30 de agosto de 1894,
desmembrando-se do município de Sabará. A capital foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897. Pela lei
estadual nº 302, de 01 de janeiro de 1901 o município e capital passou novamente a denominar-se Belo
Horizonte. BARBOSA, 1995, p.46-47; IBGE. Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/belohorizonte.pdf. Acesso em: 21/07/2017.
83
Neste trabalho, assume-se o conceito de áreas verdes como qualquer área vegetada, englobando praças,
jardins públicos, parques urbanos, canteiros centrais de avenidas, trevos e rotatórias de vias públicas,
excetuando-se as árvores que acompanham os leitos das vias públicas, pois as calçadas são
impermeabilizadas. FERREIRA, s.d, p. 12.
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pelo “estudo e preparo do solo”, tinha como uma de suas funções os serviços de
ajardinamento e arborização, com o objetivo de garantir a salubridade e a beleza estética
da capital. O parque municipal84, a principal área verde planejada da cidade, ficou a cargo
da terceira divisão, que era encarregada, em sua terceira seção, da “confecção dos projetos
de edifícios, monumentos, jardins, avenidas e mais construcções architectonicas, que
tivessem que ser executadas na nova Capital” (CCNC, 1895a, p.56; CCNC, 1895b, p.13).
As áreas verdes, portanto, tiveram espaço privilegiado nas discussões sobre o
planejamento da cidade.
Aos olhares contemporâneos, os referidos investimentos em arborização e
planejamento das áreas verdes poderiam aparentar um compromisso da administração
pública com questões ambientais. Mas estudos históricos sobre a temática, como aquele
elaborado por Duarte (2007), assinalam que as preocupações institucionais com as
árvores da cidade vão muito além do interesse ambiental e mostram que o espaço público
foi, e ainda é, lócus privilegiado para negociações e imposições de determinados projetos
políticos e sociais85.
Este artigo visa apontar temas para investigações sobre arborização, gestão das
áreas verdes e as relações entre sociedade e natureza no espaço urbano, de uma forma
ampla, no Catálogo de Fontes: arborização na Legislação Municipal de Belo Horizonte86
(ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE, 2017)87. As
considerações que se seguem alinham-se às perspectivas da história ambiental, que
compreende a natureza como um problema histórico, como uma das variáveis que
compõe a tessitura da história e, portanto, passível de estudos no que concerne às
interações que com ela homens e mulheres estabelecem no tempo.
Com os apontamentos aqui registrados pretende-se subsidiar pesquisas nas mais
variadas áreas do conhecimento, tais como História, Arquitetura, Geografia,
84
Atualmente denominado Parque Municipal Américo Renné Giannetti, em homenagem ao prefeito que
geriu o município entre 1951e 1954.
85
Sobre o tema ver também DUARTE; OSTOS, 2005; MESQUITA, 2013; OLIVER, 2008.
86
Doravante referido apenas como Catálogo de Fontes.
87
O instrumento de pesquisa, editado pelo Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, apresenta o
resultado do levantamento de dados sobre arborização urbana na Coleção Legislação Municipal, Estadual
e Federal referente ao Município entre os anos de 1891 e 1986. O trabalho que resultou no Catálogo de
Fontes foi desenvolvido mediante uma parceria entre o grupo de pesquisa História e Natureza, da
Universidade Federal de Minas Gerais, coordenado pela Profª. Regina Horta Duarte, e o Arquivo Público
da Cidade de Belo Horizonte (APCBH). A primeira etapa da pesquisa foi realizada pelos bolsistas do grupo
História e Natureza entre os anos de 2010 e 2011, sendo finalizada pelos técnicos do APCBH em 2015, ano
em que também se elaborou a revisão e editoração do produto. O catálogo pode ser consultado online no
endereço eletrônico www.pbh.gov.br/cultura/arquivo.
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Administração Pública, Sociologia, Engenharia Ambiental, entre outras. Não se propõe
uma análise conclusiva sobre os variados temas apresentados, mas apenas indicar
temáticas passíveis de aprofundamento analítico. A metodologia utilizada baseia-se na
indicação, para cada assunto abordado, de uma ou mais disposições legais que subsidiem
as discussões iniciadas88. Assim, pretende-se atuar como um ponto de partida para
investigações que terão no Catálogo de Fontes seu ponto de apoio.
88
As disposições legais são citadas apenas pelo número e data, pois podem ser consultadas no Catálogo de
Fontes, que é organizado cronologicamente e fornece um resumo de cada item documental. O texto
completo das leis, decretos e portarias citados está disponível no sítio da Câmara Municipal de Belo
Horizonte: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao.
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Figura 1 – Despesas parciais da CCNC em 1894.
89
À época do planejamento da nova capital, Belo Horizonte, então chamada Cidade de Minas, “foi ordenada
em um arranjo tripartite, composto por três zonas concêntricas. No núcleo, estaria a área urbana, a cidade
por excelência, o centro da vida urbana. Delimitada pela Avenida do Contorno, essa área urbana seria
envolvida pela zona suburbana, o arrebalde, os subúrbios, espaço de transição entre a cidade e o campo.
Por fim, essa zona suburbana seria circundada pela zona rural do município, ou seja, o campo”. Este arranjo
foi estabelecido apenas como forma de estabelecer referências úteis à Comissão Construtora da Nova
Capital na condução dos serviços se obras e mais tarde na gestão urbana, mas permanece oficialmente até
os dias de hoje, embora poucos belo-horizontinos tenham conhecimento disso ou façam uso dele. AGUIAR,
2006, p.22.
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da cidade, alfeneiro, bauhínia, escumilha-africana, espatódea, ipê-rosado, magnólia,
munguba, sibipiruna e tipuana.90
Em 1976, o Decreto n. 2.940, de 27 de setembro, declarou algumas árvores da
cidade imunes ao corte ou derrubada devido à sua “beleza, raridade ou localização”. Entre
elas, destacam-se algumas: uma paineira situada na Av. Bernardo Guimarães por
caracterizar-se como uma “árvore majestosa, de grande porte”, com aproximadamente
sessenta anos; um jambo do Pará situado na Rua Espírito Santo, por ser o “único exemplar
desta espécie existente nas ruas de BH”; várias “árvores adultas” localizadas na Praça da
Igreja da Boa Viagem; mangueiras da Avenida Carandaí e Alfredo Balena, por serem “as
últimas mangueiras restantes das centenas que foram plantadas nas ruas da cidade”; entre
outras. Vinte anos depois, em 1996, algumas espécies foram objeto de tombamento pelo
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município (DOM, 12/04/1996;
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, s.d.). As espécies tombadas
foram paineira, pau d’óleo, pau-Brasil, jequitibá, ipê branco, jambo do pará, sapucaia,
pau-ferro, sibipiruna, angico, esponjinha, pau rei, cássia.
As duas iniciativas citadas, que dão valor patrimonial a algumas espécimes de
árvores em Belo Horizonte, se dão em um período (décadas de 1970 e 1990) marcado por
alterações significativas na concepção de patrimônio cultural, com a instituição do
conceito de patrimônio ambiental urbano, que resultou na incorporação de novas
categorias, tais como os chamados “bens naturais” (SCIFONI, 2006, p.68).
Entre os principais argumentos para justificar o tombamento das árvores, em
1996, estão as questões da raridade e da importância histórica das espécies contempladas,
quando poucos remanescentes restavam na malha urbana (PREFEITURA DE BELO
HORIZONTE, s.d.). Em seu texto sobre a arborização de Belo Horizonte a partir da
análise das perspectivas de dois autores do início do século XX – Abílio Barreto e Raul
Tassini –, Graciela Oliver (2008, p. 108) identificou uma tradição na capital mineira de
valorização dos espécimes históricos de árvores. As centenárias eram mais valorizadas,
pois, associadas à hierarquização da própria sociedade, eram como as tradicionais
famílias mineiras, que teriam presenciado a chegada da modernidade ao local.
90
Disponível em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&app=meioambiente&tax=11020&pg
=5700&taxp=0&idConteudo=67167. Acesso em: 11/02/2016.
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As escolhas feitas pelos poderes públicos representam, portanto, significados
políticos, sociais e culturais atribuídos à natureza no espaço urbano. Os exemplos citados
acima mostram que naqueles contextos, tanto no caso do decreto de 1976, quanto no caso
do tombamento de 1996, a valorização do verde se deu pelos seus aspectos estéticos,
históricos e de raridade. Nesses casos, a questão ecológica e a importância da preservação
de espécies pelo seu valor biológico e de manutenção do bioma em que está inserida a
cidade é pouco ou nada considerada.
A criação de uma relação identitária entre a cidade e sua arborização, sua natureza,
já é clássica nas análise sobre a cidade (DUARTE, 2007; OLIVER, 2008), mas nem
sempre a arborização foi vista sem ressalvas. No relatório de atividades do prefeito
Cornelio Vaz de Mello, de 1917, os problemas causados pelas árvores à vida pública
cotidiana se destacam, e o administrador chega a ironizar o título de cidade “vergel”:
A arborização da cidade, gabada por todos quantos a vêm e que lhe dá, na
realidade, aspecto gracioso e alegre, não deixa de ter seus inconvenientes, em
rasão [sic] da especie das arvores que a formam e da sua collocação nas ruas.
(...) Em sua maioria, a arborisação [sic] é constituida de magnolias, cujo
crescimento é exaggerado [sic] e além disso as folhas caducas e sementes são
em tão grande quantidade, que a respectiva remoção acarreta não pequena
despesa (PREFEITURA MUNICPAL DE BELO HORIZONTE, 1917, p.11)91
91
Os relatórios de prefeitos de Belo Horizonte (1899-2005) estão disponíveis em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=24201&chPlc=24201.
Acesso em 31/07/2017.
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127
Florestas92, e outros através da abertura de concursos.93 A legislação constante do
Catálogo de Fontes também mostra a criação de campanhas educativas de valorização
das árvores em âmbito municipal, tal como a instituição do prêmio “Pio Corrêa”94, que
premiava o aluno que elaborasse a melhor composição sobre árvores, e o prêmio “Álvaro
da Silveira”95, conferido ao melhor estudo ou pesquisa, de caráter inédito, feito por
estudantes do ensino básico sobre a utilização e preservação de recursos naturais no
país.96 Em 1971, o decreto n° 2.067, de 24 de setembro, instituiu uma campanha educativa
de proteção às árvores nas escolas municipais.
De acordo com Duarte; Ostos (2005, p.79-83) foi justamente na segunda metade
do século XX, época em que o surto industrial passou a pressionar fortemente as árvores
e matas do município, que se intensificaram as comemorações em torno do Dia da Árvore
em Belo Horizonte. Iniciativas de campanhas de plantio de árvores e distribuição de
mudas, entre outras, foram comuns na década de 1970, em Belo Horizonte (Figura 2).97
De acordo com Duarte (2007), o verde foi um elemento fundador de um sentido comum
para os habitantes de Belo Horizonte e as árvores da cidade foram investidas do
significado de um patrimônio coletivo. Assim, o seu corte – incentivado pelo
desenvolvimento urbano do período – gerou inúmeros debates e reações por parte da
população e da imprensa.
Diante de tal configuração histórica – de valorização do verde por parte da
população e sua consequente supressão pelas políticas de urbanização – não seria
92
Lei n. 1.627, de 31 de março de 1969; Resolução n. 445/80, de 04 de julho de 1980.
93
Abertura de concurso público para arborização da Av. Afonso Pena .Lei n. 1.144, de 21 de outubro de
1964.
94
Manoel Pio Corrêa (1874- 1934) foi “naturalista, botânico, geólogo e pesquisador, nascido na cidade do
Porto, em Portugal, filho do editor e livreiro Ignacio Corrêa, dedicou-se ao estudo da botânica aplicada,
ressaltando aspectos científicos, econômicos e industriais das plantas. Membro de mais de uma dezena de
instituições científicas. Os trabalhos desenvolvidos por este naturalista deram origem a importantes
publicações, dentre as quais os seis volumes do Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas
Cultivadas, publicados a partir de 1926 pelo Ministério da Agricultura. Sua bibliografia completa inclui
cerca de 150 trabalhos. Quando faleceu, era pesquisador do Museu de História Natural de Paris”. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Pio_Correia#endnote_1. Acesso em 14/07/2017.
95
Álvaro Astolfo da Silveira (1867-1945), mineiro de Passos, formou-se engenheiro de minas na Escola de
Minas de Ouro Preto, mas teve destacada produção no meio botânico e geográfico. Foi autor de estudo
pioneiro sobre a arborização de Belo Horizonte, publicado em 1914. Cf. SILVEIRA, 1914. Atuou em
instituições de destaque em Minas, como a Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, obtendo
reconhecimento nacional. Viajou e classificou inúmeras espécies vegetais no estado, publicando livros
como “Flora e serras mineiras” (1917), “Memórias corográficas” (1922), “Fontes, chuvas e florestas”
(1923) e “Geografia do Estado de Minas Gerais” (1929), entre outros (FILHO, 1947, p.115-116).
96
Decreto n. 2.067, de 24 de setembro de 1971 e Decreto n. 2.067, de 24 de setembro de 1971,
respectivamente.
97
Para uma interpretação histórica sobre as políticas de arborização no período, ver DUARTE; OSTOS,
2005.
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128
incongruente o investimento da administração municipal em campanhas de arborização e
na divulgação intensiva das mesmas, como documentado no acervo fotográfico constante
do fundo “Assessoria de Comunicação Social do Município” (ASCOM) do Arquivo
Público da Cidade de Belo Horizonte98.
Oswaldo Pieruccetti, prefeito entre 1964-1967 e 1971-1974, que teve suas gestões
marcadas por programas de urbanização intensos da cidade, como a canalização de rios e
o asfaltamento (MESQUITA, 2013), na figura 3 posa para fotografia no mês em que se
comemora o dia da Árvore. Na foto, posa em uma atitude nitidamente publicitária, que
alude a uma vontade de construir uma imagem de administrador público que “coloca a
mão na massa” e se identifica com os interesses do povo.
98
A Assessoria de Comunicação Social do Município (ASCOM) foi criada na estrutura organizacional da
prefeitura de Belo Horizonte em 1992, depois de antigos órgãos e setores com atribuições semelhantes
sofrerem inúmeras alterações. O órgão tem a finalidade de planejar e coordenar as atividades de
comunicação social da administração municipal, dentre elas a divulgação, cobertura e distribuição do
material jornalístico, assistência ao Prefeito e aos setores vinculados à gerência pública, além de coordenar
a política de comunicação externa e interna da administração. O fundo documental homônimo (ASCOM),
sob a guarda do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, possui itens datados de 1947 a 2015, e
contém documentos textuais e iconográficos, como fotografias e cartazes, dentre outras tipologias
documentais. MIRANDA, 2015, p.100; ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE,
2016, p.31-35.
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129
Regulação urbana
99
Lei n. 226, de 2 de outubro de 1922; Lei n. 264, de 9 de outubro de 1923.
100
Decreto n. 8, de 6 de fevereiro de 1925.
101
Decreto n. 10, de 24 de junho de 1925.
102
Sobre o tema, ver DUARTE, 2007, p.27; OLIVEIRA, 2014, p.18.
103
Decreto n. 165, de 1º de setembro de 1933.
104
Lei n. 2.662, de 29 de outubro de 1976; Decreto n. 3.073, de 7 de junho de 1977; Decreto n. 3.074, de 7
de junho de 1977.
105
O Decreto n. 170, de 10 de janeiro de 1946 e a Lei n. 85, de 9 de junho de 1949, proíbem os feirantes de
utilizarem os troncos e galhos de árvores para quaisquer fins. Já o Decreto n. 2.437, de 26 de outubro de
1973 regulamenta as feiras de artes e artesanato de Belo Horizonte. Em seu parágrafo único diz: “Não se
admitirá a instalação de "stands" de exposição nas áreas verdes e floridas de parques, avenidas ou jardins,
sob nenhum pretexto. Na organização de seus "stands" de exposição, o expositor: a) - não poderá colocar
letreiros, cartazes, faixas ou outros processos de comunicação visual dependurados em postes, árvores ou
gramados”.
106
Lei n. 62, de 14 de outubro de 1912.
107
Decreto n. 1.368, de 5 de março de 1900; Decreto n. 1.369, de 5 de março de 1900, respectivamente.
108
Lei n. 60, de 14 de outubro de 1912; Resolução nº 49, de 18 de fevereiro de 1937. Em âmbito federal, o
tema também vinha sendo foco de legislação. Em 1918, com o intuito de intensificar a cultura de essências
florestais no Brasil, principalmente o eucalipto, uma lei estabeleceu uma recompensa por árvore plantada.
Cf. COLEÇÃO DAS LEIS DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS BRASIL, 1919, p.105-7 apud
CAPANEMA, 2006, p.56.
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de áreas florestais em Belo Horizonte, como a “Coleção dos relatórios anuais de
atividades da Prefeitura de Belo Horizonte – 1899-1987”. No “Relatório apresentado aos
membros do Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Dr. Olyntho Deodato dos Reis
Meirelles”, em 1912, a devastação das florestas e matas do município é abordada, sendo
contraposta à suposta exuberância da arborização da cidade:
109
Lei n. 78, de 21 de outubro de 1914.
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se constata na legislação essencialmente florestal vigente: Serviço Florestal do Brasil,
criado em 1921 (Decreto n.4421, de 28/12/21) e organizado em 1925 (Decreto n.17042,
de 16/09/25); Código Florestal (Dec. n. 23.793, de 23/01/1934) (CAPANEMA, 2006,
p.56). Em 1926, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio publicou o Mappa
Florestal do Brasil (CAMPOS, 2000), que vem reforçar a valorização do tema à época110.
Em Belo Horizonte, uma resolução datada de 1937 previa o incremento do
reflorestamento do município, incentivado através do estabelecimento de recompensa por
árvore plantada na área rural111. A ligação entre a disponibilidade hídrica e as matas pode
ser observada em outros dispositivos legais quando vincula, por exemplo, a função de
conservar as matas à conservação e fiscalização de adutoras e mananciais.112 Outros
dispositivos legais referem-se à aquisição de áreas de terrenos necessários à proteção de
mananciais de córregos (Mutuca ou Cristais e Fechos) que abasteciam a capital113.
110
Sobre o tema florestal no Brasil, ver também DRUMMOND, 1998/99.
111
Resolução nº 49, de 18 de fevereiro de 1937.
112
Portaria n. 316, de 4 de setembro de 1930.
113
Decreto n. 511, de 8 de Setembro de 1956.
114
Lei n. 304, de 11 de outubro de 1952
115
Lei n. 356, de 7 de dezembro de 1953; Lei n. 525, de 3 de dezembro de 1954
116
Lei n. 306, de 11 de novembro de 1952
117
Decreto n. 633, de 17 de dezembro de 1957.
118
Decreto n. 264, de 2 de outubro de 1953; Decreto n. 267, de 6 de outubro de 1953.
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134
Departamento de Parques e Jardins, bem como 1958 e 1959. Mas qual seria o motivo? A
pouca disponibilização de verbas regulares? Ou um maior investimento real no setor? Ou
outros setores também teriam recebido maior incentivo?
Para uma análise da dotação orçamentária do município é necessário que o
pesquisador compreenda a legislação pertinente à matéria, que define a legalidade,
regularidade, possibilidade de aplicação de verbas, acréscimos e limites de investimento
em cada setor. Atualmente, a lei orgânica de Belo Horizonte dispõe sobre os gastos
prioritários do município, entre os quais se inclui a proteção ao meio ambiente. De acordo
com o artigo 130, “a lei orçamentária assegurará investimentos prioritários em programas
de educação, saúde, habitação, saneamento básico e proteção ao meio ambiente”.
Grande parte dos dados disponibilizados na legislação municipal refere-se a dados
quantitativos. Vale ressaltar que em alguns anos as receitas e despesas não foram citadas,
o que prejudica a pesquisa, como a partir de certo período em que cada setor da prefeitura
passa a ser identificado apenas por números e, por isso, os dados não foram selecionados
para o Catálogo de Fontes devido à dificuldade de identificação. Em outros casos, os
índices de receitas e despesas não são mencionados na legislação anual, como nos casos
dos ano de 1938, 1943, 1947 e 1952. Já em outro, os orçamentos anuais não fazem
menção a gastos com arborização ou temáticas afins, tais como os anos de 1937, 1939-
1940, 1942, 1944 a 1946, 1948 e 1950.
Esta ausência constitui outra perspectiva de pesquisa que se abre mediante a
consulta ao Catálogo de Fontes. A partir de uma análise aprofundada dos dados anuais,
unidos à observação de dados semelhantes em outros anos e em outros acervos
municipais, o pesquisador pode levantar os motivos que levaram a um maior invetimento
em uma área em um determinado período em detrimento de outras.
119
Os dois movimentos pressionam os poderes públicos a criarem parques nas áreas de remanescentes
verdes nos bairros que dão nome aos movimentos: Planalto e Jardim América. O tema foi amplamente
divulgado nas mídias locais e redes sociais. Disponível em: http://hojeemdia.com.br/horizontes/moradores-
protestam-e-pauta-sobre-a-mata-do-planalto-sai-da-reuni%C3%A3o-do-comam-1.393319;
http://cidadeludica.com.br/2016/11/04/em-bh-moradores-resistem-e-lutam-para-criar-o-parque-jardim-
america/; https://www.facebook.com/salveamatadoplanalto/; https://www.facebook.com/ParqueJAbh/.
Acesso em: 31/07/2017.
120
Disponível em: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/indice-de-area-verde-passa-para-645-m2-por-
habitante/25525; http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/novo-mapa-revela-aumento-de-areas-verdes-na-
cidade/25193. Acesso em: 31/07/2017.
121
Disponível em: http://www4.goiania.go.gov.br/portal/goiania.asp?s=2&tt=con&cd=1265. Acesso em:
31/07/2017.
122
Disponível em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&
app=meioambiente&tax=38428&lang=pt_br&pg=5700&taxp=0&. Acesso em: 12/02/2016.
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unidades de conservação em área urbana e arborização urbana. Este último conceito, por
exemplo, corresponde aos elementos vegetais de porte arbóreo na cidade. Árvores
plantadas nas calçadas fazem parte da arborização urbana, mas não integram os sistemas
de áreas verdes, como parques, jardins e praças (FERREIRA, s.d, p.11-12)123.
Nesse sentido, faz-se necessário relativizar os coeficientes de áreas verdes dos
centros urbanos. Muitos parques urbanos foram criados em diversas partes do mundo
valendo-se do discurso ambientalista, mas em muitos casos desempenham apenas função
estética e de lazer, pela insignificância do seu conteúdo natural. Ainda assim, são
utilizados para construir os índices de verde por habitante (GOMES, 2014, p.85).
Nem sempre a criação de uma praça significa a proteção de uma área verde, às
vezes a vegetação em uma praça pública é desprezível ou trata-se de uma área
impermeabilizada, como é o caso da Praça Rui Barbosa (Praça da Estação) em Belo
Horizonte (Figuras 4 e 5). Em artigo publicado na Revista Eletrônica do Arquivo Público
da Cidade de Belo Horizonte, Carlos Alberto Oliveira (2017, p.10) destaca o equívoco
conceitual na definição de praças no Brasil, comumente confundidas com jardins e
parques.
Figuras 2 e 5: Praça Rui Barbosa (Praça da Estação), Belo Horizonte/MG, sob duas perspectivas.
Como alerta Gomes (2014, p.82), no caso específico dos parques urbanos,
“difundem-se que estes equipamentos contribuem para a proteção da fauna e flora, são
importantes para o aumento dos índices de áreas verdes, além de estarem voltados ao uso
das massas e, consequentemente, à melhoria das condições de vida do homem urbano,
123
Para uma definição pormenorizada dos termos, consultar FERREIRA, s.d., p.11-13.
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independentemente de sua classe social. No entanto, não se atentam para as disparidades
socioespaciais que induzem”. Na verdade, muitas vezes os parques contribuem para o
aumento da desigualdade socioespacial, pois alteram o preço da terra e se voltam a um
público restrito, por terem localização privilegiada. Geralmente os discursos
supostamente ambientais divulgados por instituições públicas e mídia não consideram os
conflitos, as disputas pelo solo urbano e a apropriação desigual dos “espaços verdes”
existentes nas cidades (GOMES, 2014, p.84-86).
Esta é uma perspectiva de análise fecunda que poderia ser aplicada aos parques
urbanos de Belo Horizonte. Quais seriam os reais objetivos da criação dos parques da
cidade? A que ideais políticos, econômicos e sociais estariam submetidos? Atualmente,
de acordo com dados disponibilizados pela Prefeitura de Belo Horizonte na plataforma
digital BHMap124, a capital possui 73 parques municipais, sendo 6 parques na Regional
Venda Nova, 15 na Regional Pampulha, 5 na Regional Norte, 13 na Regional Nordeste,
2 na Regional Noroeste, 1 na Regional Leste, 9 na Regional Oeste, 18 na Regional Centro-
Sul e 4 parques na Regional Barreiro.
A Figura 6 indica a desigualdade na distribuição espacial dos parques municipais
da cidade, não apenas quantitativamente, mas também em extensão. A Regional Centro-
Sul, que possui parques municipais em maior número e extensão, também apresenta a
maior concentração de riqueza da capital. Enquanto 4,8% da população residente em Belo
Horizonte possui renda mensal declarada superior a dez salários mínimos, na região
Centro-Sul este percentual é de 22,6%.125
124
Disponível em:
http://bhmap.pbh.gov.br/BHMap/mapa/#zoom=0&lat=7799871.0925&lon=614126&layers=B0FFFFFFF
FFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFF. Acesso em: 01/08/2017.
125
Dados baseados no Censo de 2010. Disponível em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=54009&chPlc=54009&v
iewbusca=s. Acesso em: 01/08/2017.
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2017‐ ISSN: 2357‐8513
138
Figura 6: Mapa dos parques
municipais de Belo Horizonte.
Fontes: PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE, s.d.;
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MINAS GERAIS, 2014.
126
Ver também Lei n. 2.264, de 17 de dezembro de 1973.
127
Dado disponível em: http://belohorizonte.mg.gov.br/local/servico‐turistico/espaco‐para‐
evento/aberto/parque‐municipal‐fazenda‐lagoa‐do‐nado. Acesso em: 31/07/2017. Sobre o Parque Lagoa
do Nado, ver também o decreto n. 3.568 de 14 de setembro de 1979 e a Lei n. 3.842, de 21 de agosto de
1984.
128
Ver decreto n. 1.466, de 24 de outubro de 1966, e lei nº 2.403, de 30 de dezembro de 1974,
respectivamente.
129
Dado disponível em: http://www.belohorizonte.mg.gov.br/local/entretenimento‐cultura/parque‐
praca/parque‐municipal‐ursulina‐de‐andrade‐mello. Acesso em: 31/07/2017.
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141
possibilidades que se abrem à pesquisa das políticas de criação de parques, praças e
jardins na cidade.
130
Lei n. 620, de 19 de junho de 1957.
131
Decreto n. 1.923, de 16 de novembro de 1970.
132
Os organogramas da “Evolução da Estrutura Administrativa da Prefeitura de Belo Horizonte” estão
disponíveis em: http://www.pbh.gov.br/evolucaodaestrutura/organogramas.htm. Acesso em:
31/07/2017.
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142
competências dos órgãos públicos, assim como a transferência de
competências de um órgão para outro - o que, muitas vezes, implica na
necessidade de transferência de documentos de um local para outro – são
situações vivenciadas na administração pública que também impactam a
política municipal de arquivos (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE
BELO HORIZONTE, 2016, p.22).
Outro fator importante a ser observado é que nem sempre os assuntos ligados à
arborização e temas afins estão ligados apenas a um setor específico. Muitas vezes as
funções se dividem em mais de um departamento. Em 1948, por exemplo, o Horto
Municipal, que tinha como uma de suas funções o cultivo de espécies vegetais para a
arborização da cidade, estava ligado à Seção de Serviços Agronômicos, apesar de haver
uma Seção de Arborização no Departamento de Abastecimento na estrutura
administrativa municipal133. Portanto, é possível coincluir que a distribuição de funções
a cada órgão administrativo está ligada a fatores que não são objetivos, mas que possuem
relação com as concepções específicas de natureza em cada momento.
Com a instalação da Cidade de Minas (Belo Horizonte) pelo decreto nº 1.085, de
12 de dezembro de 1897, o governo da nova capital, que até então estava submetido ao
estado, foi reorganizado134. Até então, os órgãos responsáveis pelo planejamento das
áreas verdes, aos quais nos referimos no início do texto, estavam subordinados à
Comissão Construtora da Nova Capital (1894-1898), que teve sua estrutura adminitrativa
definida pelo decreto estadual nº 680, de 14 de fevereiro de 1894.135
O decreto nº 1.208, de 27 de outubro de 1898, organizou a estrutura da prefeitura
da Cidade de Minas e a manutenção e conservação das áreas verdes da cidade passaram
133
Lei n. 51, de 21 de novembro de 1948.
134
No período inicial, de acordo com dados da Prefeitura de Belo Horizonte, não havia uma estrutura
administrativa legal, apenas uma divisão de serviços e atribuições de competências aos cargos. Ver:
http://www.pbh.gov.br/evolucaodaestrutura/pbh_I_01.htm. Acesso: 31/07/2017.
135
“A Comissão Construtora da Nova Capital de Minas / CCNCM foi um órgão criado pelo governo do
Estado de Minas Gerais (Decreto Estadual nº 680, de 14 de fevereiro de 1894, complemento à Lei nº 3,
publicado pela então Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas) com
a atribuição de tomar todas as providências, consultivas e executivas, para a construção de uma cidade que
serviria de sede para a administração do Estado. Aquele decreto estabelecia as atribuições e a estrutura
administrativa da CCNCM, organizada em 06 divisões de acordo com as tarefas que lhes caberiam, e tendo
a chefia técnica e administrativa de um engenheiro-chefe. O paraense Aarão Leal de Carvalho Reis,
nomeado engenheiro-chefe, contava com total apoio do presidente Afonso Pena (...) Comissão Construtora
era diretamente subordinada à Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas . Para tarefas rotineiras
e determinadas funções ( compras de imóveis, de materiais, assinaturas de contratos etc.) a CCNCM, atuaria
como representante do Governo do Estado de Minas Gerais”. Disponível em:
http://www.acervoarquivopublico.pbh.gov.br/acervo.php?cid=474. Acesso em: 31/07/2017.
136
Decreto n. 1.208, de 27 de outubro de 1898.
137
Decreto n. 86, de 5 de setembro de 1930.
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2017‐ ISSN: 2357‐8513
144
Em 1983, o decreto n. 4453, de 07 de abril, estabeleceu a reestruturação do
Departamento de Parques e Jardins da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e, alguns
meses depois, em 16 de junho, a Lei nº 3.570 reformulou a estrutura administrativa da
prefeitura e criou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, cujas competências foram
estabelecidas pelo decreto n° 4534, de 12 de setembro daquele ano. O Departamento de
Parques e Jardins continuou a pertencer à estrutura administrativa, mas agora vinculado
à nova secretaria.
Conclusão
Referências
AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Vastos subúrbios da nova capital: formação de
espaços urbanos na primeira periferia de Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História).
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais,
2006.
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el médio, la cultura y la
expansión de Europa. Traduccíon de Roberto Elier. México: Fondo de Cultura
Económica, 2000.
Resumo
*
Graduando do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Bolsista do PIBID pela CAPES
fernando.h.roque@hotmail.com
Graduando do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Bolsista do PIBID pela CAPES e monitor do
Laboratório de Práticas de Ensino e Pesquisa pela PUC-MG. jacksmorais@hotmail.com
Graduanda do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Estagiária do Centro de referência a Juventude de
Belo Horizonte/MG. lanamarx4@gmail.com
Graduanda do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Estagiária em Geoprocessamento e Meio ambiente
na Azurit Engenharia LTDA. reginab127@hotmail.com
Graduanda do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Estagiária da PUC-MG no setor de Patrimônio,
Limpeza e Conservação. winnieparreira@gmail.com
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2017‐ ISSN: 2357‐8513
150
Abstract
Segundo Borsagli e Medeiros (2013), a Avenida Afonso Pena foi uma das que
mais se destacou ao longo das primeiras décadas do Século XX. Ela é considerada, por
muitos, a mais importante de Belo Horizonte, não só por ser a via mais arborizada, mas
também por ser definida como um dos principais pontos de encontros. Considerada eixo
monumental da cidade, pois além de sua morfologia urbana revelou por meio de suas
edificações a monumentalidade arquitetônica da época. Tinha como principais
características: ser o principal eixo de ligação de pontos distintos na cidade, logo sendo
passagem obrigatória para o deslocamento; um dos principais locais de verticalização e
congestão urbana no centro; direcionar o crescimento urbano do centro à periferia.
A Avenida Afonso Pena é uma via responsável pela maior parte do deslocamento
do fluxo viário e populacional proveniente de diversas regiões da capital mineira. A
região que denominada “Baixa Afonso Pena”, segundo o Mapa 1, inicia-se na Rodoviária,
e estende-se até o Othon Palace Hotel, que se localiza na própria avenida no número 1050.
Essa primeira região foi, desde sua origem, uma das mais movimentadas e dinâmicas da
capital. O fluxo de pessoas e a presença de um comércio significativo tiveram início ainda
no final do século XIX.
Em 1965 o prédio foi demolido para a construção do, até então, primeiro terminal
rodoviário do Brasil, inaugurado em 1971. Com isso a Afonso Pena se consolida como
Avenida de grande fluxo da capital. O grande comércio se localiza na parte "mais baixa"
Considerações finais
Referências
BRITO, Fausto; SOUZA, Joseane. Expansão Urbana nas Grandes Metrópoles. São
Paulo em Perspectiva, 2005. 63 p.
CARLOS, Afa. O lugar no/do mundo. São Paulo, Editora Hucitec. 1996
CARLOS, Ana. F. A. O Espaço Urbano: Novos Escritos sobre a Cidade. São Paulo:
FFLCH, 2007, 123p.
Kelly Rabello*
Resumo
Abstract
The article is aimed to present the history of the brotherhood of our lady of the rosary
from Contagem/mg, explaining the participation of the black community in the
sisterhood. This paper is divided in accordance with the cutouts of primary documents
used. Thus, it first analyzed the foundry of the association, in 1867, and the building of
the chapel. Posteriorly the inconstancy of the institution at the turn of the century xix to
the xx, and the restructuring of the sisterhood in context of the 1970s, closing the text
with a mention for demolition of the our lady of the rosary chapel in 1973. The study
presents as conclusive elements the idea that for a century the black community was left
*
Mestranda em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora. Graduada em História pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista CAPES. kellyarabello@yahoo.com.br.
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169
on the fringes of the organizational structure of the sisterhood, although active in its
festive activities. Later it gained representativeness, however its chapel was destroyed,
showing the neglect of its values before the local authorities.
Através desta negociação, as festas de coroação aos reis negros, prática comum às
Irmandades de nossa senhora do rosário, foram difundidas no Brasil ao decorrer do século
A Irmandade do Rosário da paróquia de São Gonçalo [de Contagem] além de ser tardia,
foi mais paternalista que aquelas erigidas, no século XVIII, em arraiais voltados para a
atividade mineradora, por ter apresentado uma ingerência muito grande das elites na
devoção dos pobres. Diferentemente da Irmandade do rosário dos pretos do distrito
diamantino, ou mesmo de sua congênere de vila rica, organizada já no primeiro quartel
do século XVIII, o rosário da Contagem, já nas origens, contou com o estrangulamento
econômico dos cativos da região. Esta falta de recursos é claramente explicitada no
próprio estatuto da Irmandade, de 1868, pois a maior parte dos irmãos instituidores, ali
presentes, pertencia à nata da sociedade (...). (ANASTASIA; CAMPOS, 1991, p.113).
Nos estudos sobre as Irmandades dos homens negros do período colonial, Julita
Scarano questiona:
Que motivos levariam os brancos a ingressar numa confraria de homens de cor? Embora
não deixassem de invocar para tanto razões piedosas, parece inegável que a sua presença
valia ali por um meio de controle, que acabava por tirar dos irmãos muito de sua
independência. (SCARANO, 1976, p.131).
Boschi explica que a presença maciça de brancos nos cargos administrativos das
Irmandades das minas coloniais estariam relacionadas à necessidade de se ter pessoas
alfabetizadas, que pudessem se responsabilizar pela escrituração de seus livros internos,
bem como os termos de mesa e as petições, os registros nos livros de receita e despesa e
afins. Isso porque todo este material correspondia às exigências clericais da época e
poderia ser controlado pelas visitas eclesiásticas, ou pela prestação de contas através dos
ouvidores das comarcas. Neste sentido, dificilmente estes cargos poderiam ser ocupados
pelos escravos (BOSCHI, 1986, p.138). O autor (1986, p.139) ainda pontua que “a
presença de brancos nos cargos de destaque da administração das Irmandades de negros
demonstra a dominação ideológica a que estes estavam sujeitos.”
Neste sentido, na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Contagem também
se torna evidente que, por um lado havia a posição de controle que era exercida pela elite
branca, enquanto por outro os negros podiam exercer seus ritos de devoção à padroeira,
mas em espaços limitados. Assim, de acordo com gomes e pereira (1988, p. 148): “as
Irmandades do rosário de Contagem seguiram os modelos dos compromissos redigidos
no século XVIII. Os negros ocupavam os cargos não deliberativos como rei, rainha, juíza
por devoção ou mordomos de mastro.” Os autores citados (1988, p. 149) ainda enfatizam
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176
que: “o negro escravo estava antecipadamente impossibilitado de eleger-se para os cargos
de maior importância. Na maioria das situações ele não era inserido entre as pessoas
devotas com possibilidade de arcar com as despesas.”
Curioso é que o compromisso da Irmandade redigido em 1867 apresenta uma
abertura para a inserção de membros, independentemente de sua condição social. Isto
pode ser lido no capítulo 1º, artigo 1º: “a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, ereta
nessa freguesia de Contagem, é associação religiosa de todos os fiéis de um e outro sexo
– sem exceção de qualidade ou condição”. (COMPROMISSO, 1867). Embora à primeira
vista a instituição pareça ser receptiva aos diferentes tipos de grupos sociais, o corpo do
texto apresenta rígidas deliberações quanto ao emprego de fundos financeiros. Logo no
artigo 2º do capítulo 1º, é lido que: “será admitido irmão, todo aquele, que dirigindo-se
ao tesoureiro, lhe entregar a quantidade de hum mil réis de sua entrada.”
(COMPROMISSO, 1867). A pontuação pode ser ainda completada com as taxas anuais:
“cada um irmão que se alistar nesta Irmandade, pagará anualmente a quantia de
quinhentos réis”. (COMPROMISSO, 1867). Além disso, os irmãos que não cumprissem
com suas obrigações financeiras, seriam, por ordem, desligados da associação. Sendo
assim, estas exigências delimitavam os contornos daqueles que poderiam apenas se
agregar como irmãos do rosário, ou dos que poderiam atingir os cargos mais altos.
Outro documento que aborda as taxas entregues pelos irmãos é o Livro de receita
e despesa da Irmandade, que traz informações sobre o fundo financeiro da instituição,
entre os anos de 1888 a 1890. Conta-se que alguns irmãos faziam pagamentos adiantados
de seus anuais, como é o caso de: “Manuel de Matos Pinho, pg. Annuais até 1890, 7
anos.” (LIVRO DE RECEITA E DESPESA, 1889). É importante ressaltar que
geralmente os irmãos que se antecipavam na quitação, compunham a mesa da Irmandade
e detinham recursos financeiros ou eram pessoas influentes, como é o exemplo da citação
transcrita. Manuel de matos pinho atuou como prefeito de Contagem algumas décadas
mais tarde, de janeiro a fevereiro de 1933, o que demonstra o seu poder econômico e
status social.
Ainda no compromisso, se faz possível identificar que para a mesa administrativa
era eleito um juiz, um secretário, um tesoureiro, um procurador, doze mesários, e um
andador. Além dos cargos da mesa, também eram eleitas duas irmãs, um rei, uma rainha,
uma juíza por devoção, dois mordomos de mastro e doze irmãs de mesa. Esses últimos
É rigoroso dever da Irmandade fazer solenizar com a maior pompa que for
possível, o Terço da primeira Dominga de outubro, ajudando aos Juízes que
forem nomeados para ele, porque se lucram muitas graças e indulgências,
concedidas pelo Sumo Pontífice aos Irmãos do Rosário. (COMPROMISSO,
1867).
Dados sobre estas celebrações também são identificados através dos registros de
gastos apontados pelo livro de recibos, onde anota-se tanto sobre a reza do terço, quanto
à festa do reinado. Em relação ao primeiro, há:
O cancelamento das eleições pode ter sido uma estratégia eficaz para a liderança
dos mais favorecidos e a manutenção das famílias tradicionais de Contagem nos cargos
dirigentes, como é o caso da família Camargos, que, como já mencionado, foi marcante
na história da cidade dentro do cenário da oligarquia local. O termo de abertura deste
Livro de Atas fala ainda sobre uma reorganização da associação:
Além disso, Boschi explica que no final do século XVIII e no início do século
XIX, a situação financeira e institucional das Irmandades apresentava problemas que
culminaram em um quadro de decadência destes grupos. Segundo o autor (2007, p.65),
entre as situações encontradas neste contexto estavam: “suspensão de ofícios religiosos;
redução de despesas com celebrações, inclusive festas em homenagem aos santos
padroeiros; dispensa dos serviços de músicos, artistas e artífices de nomeada (...)”.
Para além dessas questões, partindo especificamente para a realidade política de
Contagem, há que se considerar que o início do século XX representou uma alternância
da dependência da localidade em relação a outras regiões, através do desligamento de
Sabará após duzentos anos, e vinculação à atual Esmeraldas, conforme já citado.
Portanto, o quadro geral apresentado na região durante este período era de instabilidade
e, dentro disto, as questões religiosas, que até então estavam interligadas com as questões
políticas, consequentemente foram revisadas a partir da separação dos dois setores.
Assim, possivelmente essas transformações ocorridas em Contagem foram fatores
que, se não foram determinantes, ao menos foram influentes para que houvesse traços de
fragmentações ou interrupções na atuação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
Quanto à atuação dos negros nesta associação, o que foi possível identificar no
livro de atas, trata-se de uma reunião datada de 1958, em que a Irmandade demonstrava
preocupação perante à autoridade diocesana quanto à atuação do Congado:
Toma conta da Capela, o Snr. Capitão José Aristides de Salles, que é o Chefe
Supremo do Congado no Brasil. As festas consistem em uma Missa às 10
horas, seguindo-se o terço cantado pelas ruas, o resto é dançar, pular, sapatear.
Levam o Rei e a Rainha debaixo do Pálio; os negros vão dansando na frente.
Por fim, segue o Capitão, vestido de vermelho com cauda e caudatárias; usa
manípulo no braço direito, corôa e cetro. Tudo isso é proibido pela Cúria, mas
não há vigário que os enfrente.... Durante as festas levantam 5 mastros, que no
fim das mesmas põem abaixo. Na última “procissão”, o Capitão vai debaixo
de uma umbrela, de cor vermelha e azul. Diz o povo que isso é feitiçaria.
Durante as “procissões”, não é permitido rir, senão, o capitão castiga
duramente. Mas, neste ano, os “Candongueiros” não tiveram sorte, pois a
chuva foi tão grossa que se apagaram as luzes, toda a noite. (FONSECA, 1978,
p. 100).
138
ARQUIVO DA CASA DE CULTURA NAIR MENDES MOREIRA. Estatuto da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário de Contagem. 1972.
Geraldo Fonseca (1978, p,100) indica que “os rumores acerca da demolição da
centenária capela começaram por volta de 1971.” Ainda no ano de 1970 foi expedida uma
carta pelo presidente da Câmara Francisco Pena, ao Senhor Arcebispo D. João de
Rezende Costa, solicitando medidas para preservação da capela que se encontrava em
ruínas. Neste ofício, Francisco Pena relata sobre as verbas recebidas para os reparos do
templo, que foram desviadas para as obras da matriz, e que outros dez mil cruzeiros foram
novamente concedidos para a Capela do Rosário, mas que, no entanto, não foram
aplicadas. Além disso, o documento demonstra o estado de descuido em que se
apresentava o imóvel:
4. Conclusão
Referências Documentais
Referências
Bruna Michels*
Rafaela Patente*
Resumo
Abstract
The present work aims to identify the frequency of use and the needs of the students or
researchers of the history course of Federal University of Minas Gerais (UFMG), who
make use of the Public Archive of the City of Belo Horizonte (APCBH). For the
development of this research, it was questioned the fact that there was a decrease in the
number of users of the History course in APCBH, being the main hypothesis raised for
*
Graduanda do 8º período do Curso de Arquivologia da Escola de Ciência da Informação da Universidade
Federal de Minas Gerais. Forma da História pela Universidade Federal de Santa Catarina.
*
Graduanda do 8º período do Curso de Arquivologia da Escola de Ciência da Informação da
Universidade Federal de Minas Gerais. Formada em Biblioteconomia pela mesma instituição e servidora
do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. http://www.acervoarquivopublico.pbh.gov.br/.
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this, the cancellation of the offer of the discipline Archives and Historical Museums. It
was therefore sought to investigate, through analysis of research questionnaires in the
APCBH and interviews with students of the history course of the Faculty of Philosophy
and Human Sciences (FAFICH) who are the users of the archive graduated or graduated
in History, to know what uses they make of the archives It was found that the non-offer
of the subject in question did not influence the search for research topics in the APCBH,
but modifies the student's perception of new research themes and uses of institutions such
as archives.
Deste modo, é imprescindível conhecer o que o usuário busca para melhor atendê-
lo. Por esse motivo, avaliar o perfil de usuário que acessa esses arquivos e conhecer suas
necessidades informacionais é fundamental. A intenção do nosso trabalho foi de avaliar
que tipo de pesquisa o usuário está buscando dentro da temática história e, assim,
conseguir disponibilizar ao mesmo tempo um material de forma eficiente e eficaz para
este estudante/pesquisador. Assim, segundo Pinheiro, “para que [os estudos de usuários]
possam ser desenvolvidos a nível de profundidade, é imprescindível fazer descrições do
comportamento do usuário, definir conceitos e teorizar relações” (PINHEIRO, 1982,
online).
Das etapas indicadas por Dias e Pires (2004), identificar o usuário neste universo
de pesquisadores do APCBH, dentre eles podemos destacar arquitetos, cidadãos,
estudantes do curso de História, Geografia, Pedagogia, Arquivologia, Biblioteconomia,
foi importante para oferecer novos serviços prestados pelo arquivo para suprir suas
necessidades informacionais. Esses pesquisadores poderão estar à procura dos mais
variados temas, desde que estejam vinculados a necessidades de fontes informacionais
contidas no APCBH.
O Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte foi criado por meio da aprovação
às das Leis n. 5.899 e n. 5.900, de maio de 1991, que dispõem respectivamente sobre a
política municipal de arquivos públicos e privados, e sobre a criação do Arquivo Público
da Cidade de Belo Horizonte, além de prever a criação do Conselho Municipal de
Arquivos. A criação do APCBH foi fomentada a partir do Seminário de Bases para a
implantação de um arquivo moderno139.
Há vinte e seis anos, o APCBH cumpre a função de guardar, organizar, conservar
e dar acesso à documentação produzida pelo poder municipal, preservando a memória da
cidade. Em 2017, o Arquivo promoveu palestras, além de preparar obras para publicação,
139
Definindo-se como um arquivo moderno desde sua gênese, as ações da instituição sempre tiveram em
conta seu papel na gestão dos documentos da Prefeitura de Belo Horizonte. Sua atuação foi orientada pela
Lei Municipal n. 5.899 de 20 de maio de 1991, que dispõe sobre a política municipal de arquivos públicos
e privados e que se aproxima bastante da norma nacional.
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195
por meio da série “O Arquivo e a Cidade”. Neste período, o APCBH desenvolveu
diferentes trabalhos de preservação do patrimônio documental da capital, modernização
da gestão de documentos na administração pública municipal, educação patrimonial e
desenvolvimento e difusão do conhecimento científico sobre o município.
A principal preocupação que nos chamou a atenção para o desenvolvimento dessa
pesquisa foi o fato de haver uma diminuição do número de usuários do curso de História
da Universidade Federal de Minas Gerais no APCBH, sendo a principal hipótese
levantada para isso, o cancelamento da oferta da disciplina Arquivos e Museus Históricos,
ofertada para esses alunos. Por esse motivo, levantamos a hipótese de que a possibilidade
de o estudante de História conhecer a entidade custodiadora diminui bastante sem a oferta
dessa disciplina, acontecendo de visitá-la, possivelmente, somente no caso de fazer
estágio nesta instituição arquivística ou na ocasião de realizar alguma pesquisa, nem
sempre durante o percurso acadêmico. Procurou-se investigar, então, quem são os
usuários do APCBH formados ou graduandos em História, para conhecer quais usos que
os mesmos fazem dos arquivos da instituição e, assim, responder a esse questionamento.
Metodologia da pesquisa
Coleta de dados
Figura 1 - Durante a graduação você foi contemplado com alguma bolsa?
Figura 4 - Com que frequência você foi ao APCBH realizar a sua pesquisa?
Cerca de 40% dos entrevistados foram ao APCBH uma vez por semana para
realizar a sua pesquisa. Cerca de 20% foram uma vez ao mês ou uma vez ao ano. Somente
10% dos entrevistados foram ao APCBH mais de uma vez por semana realizar a sua
pesquisa. Isso pode demonstrar o caráter da pesquisa, caso seja para o desenvolvimento
de um Trabalho de conclusão de Curso - TCC, uma pesquisa de mestrado, uma pesquisa
de doutorado ou uma iniciação científica e seu grau de dificuldade.
1 2 3 4 5 6
Não se
Opções de Resposta Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo TOTAL
aplica
1. Atendimento no Arquivo 80% 20% 0% 0% 0% 0% 100%
8 2 0 0 0 0 10
2. Infraestrutura para pesquisa 40% 30% 30% 0% 0% 0% 100%
na Sala de Consultas 4 3 3 0 0 0 10
3. Infraestrutura para o usuário 40% 50% 10% 0% 0% 0% 100%
8 2 1 0 0 0 10
4. Instrumentos de Pesquisa 20% 70% 10% 0% 0% 0% 100%
(índices, inventários, 2 7 1 0 0 0 10
5. Obtenção de dados quanto 30% 50% 10% 0% 0% 10% 100%
ao assunto pesquisado 3 5 1 0 0 1 10
6. Rapidez na busca e 40% 50% 0% 0% 0% 10% 100%
disponibilização do material 4 5 0 0 0 1 10
pesquisado
Resultados da pesquisa
Considerações finais
O que podemos pontuar com as análises dos dados coletados e com as entrevistas
feitas com os alunos do curso de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
(FAFICH) foi que apesar da disciplina Arquivos e Museus Históricos deixar de ser
ofertada, isso não impediu ou fez ocorrer a diminuição do número de estudantes de
história ao APCBH. Isso porque, analisando o número de visitas dos estudantes de
história, antes e depois da oferta desta disciplina, não observamos diminuição da
frequência desses estudantes, mas sim do grande público. Se questionarmos os números,
essa constatação não fornece um resultado positivo, uma vez que se mantendo o número
de visitas desse público, podemos chegar à conclusão de que os interesses que haviam ao
frequentar o arquivo mantiveram-se, ou seja, não aumentaram mesmo havendo um
exercício para isso com a oferta de um conteúdo que, em suma, deveria estimular ainda
mais o comparecimento dos discentes ao APCBH, pois promoveria pesquisas e
discussões a respeito desses espaços e acervos.
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205
Por ser uma disciplina ofertada apenas para a formação em licenciatura, pudemos
chegar a mais uma conclusão: o interesse referente a visitas ao APCBH não se trata da
formação do aluno em licenciatura ou bacharelado, mas sim, das temáticas de pesquisas
nas quais está interessado, independente de se este é voltado à licenciatura ou não.
Mesmo com a diminuição de visitas do público em geral, a consulta ao acervo da
Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana aumentou durante os anos de análise
desta pesquisa, sendo este o acervo mais consultado do APCBH. As plantas e os projetos
arquitetônicos são documentos probatórios, sendo muito consultados por arquitetos e
advogados em processos judiciais e reformas, que necessitam dessa verificação.
O objetivo do trabalho foi alcançado, pois identificamos que a questão da
diminuição dos estudantes de História da UFMG não ocorreu por conta da não oferta da
disciplina Arquivos e Museus Históricos. Há possivelmente outras razões atreladas às
necessidades de pesquisa em seus mais variados níveis acadêmicos, além do interesse
pessoal do pesquisador que procura o APCBH.
Com relação ao público pesquisado também podemos salientar os temas das
dissertações e teses da pós-graduação em História da UFMG que hoje estão mais voltados
para temas do século XVII e XVIII sendo que o acervo do APCBH se concentra nos
séculos XIX e XX, levando-se em conta que Belo Horizonte tem somente 120 anos de
vida. A diminuição da frequência de visitas do historiador no APCBH pode estar
relacionada também com a disponibilização dos acervos via web para a consulta. Esse,
porém, já seria foco para uma próxima pesquisa, não abrangendo o tema estipulado e
trabalhado nesse momento.
Apresentação da Pesquisa
O preenchimento do questionário é individual e direcionado ao pesquisador que já visitou
o APCBH e utilizou seus serviços de arquivo. Suas respostas contribuirão para um
trabalho realizado na Disciplina Usuários da Informação, do curso de Arquivologia da
Escola de Ciência da Informação da UFMG. Servirá para identificar e caracterizar
interesses e necessidades de informação dos alunos de graduação e pós-graduação do
curso de História da UFMG.
7. Qual é o seu grau de satisfação em relação aos itens abaixo considerando que: Ótimo: 5
Bom: 4 Regular: 3 Ruim:2 Péssimo: 1
Apresentação da Pesquisa
O fornecimento de informações para essa pesquisa é individual e direcionado ao
aluno/pesquisador que pretende visitar o APCBH e utilizará seus serviços de arquivo.
Suas respostas contribuirão para um trabalho realizado na disciplina Usuários da
Informação, do curso de Arquivologia da Escola de Ciência da Informação da UFMG.
Servirá para identificar e caracterizar interesses e necessidades de informação dos alunos
de graduação e pós-graduação do curso de História da UFMG no uso do APCBH.
1. Nome:
2. Idade:
3. Nível de escolaridade e período:
[ ] Graduação [ ] Mestrado [ ] Doutorado
3.1 Período:
7. Já consultou o acervo do APCBH? Qual foi a primeira vez que isso ocorreu?
DIAS, Maria Matilde; PIRES, Daniela. Usos e usuários da informação. São Carlos:
Edufscar, 2004.
Resumo
A década de 1930 ficou marcada pela vigência dos regimes totalitários, e pela presença
do discurso de raça e eugenia nas sociedades da época. Em Belo Horizonte, a Revista
Alterosa, um periódico que circulou na capital mineira entre 1939 e 1964, fez um forte
diálogo com as questões políticas do momento, trazendo em suas publicações contextos
com ideologias nazifascistas, o que aponta para a presença do discurso de raça e eugenia
em sua sociedade. Assim, a proposta deste artigo é pensar e entender como a capital
mineira, através da análise de exemplares da Revista, entre os anos de 1939 a 1945, se
inseriu no contexto de guerra, e como o discurso de raça e de eugenia se fez presente em
sua sociedade.
Abstract
The 30´s was marked by the totalitarian regimes, and by the race speech and eugenics in
the society of that time. In Belo Horizonte, the Alterosa Magazine, a periodic that ran in
the capital of Minas Gerais between 1939 and 1964, had a strong dialog about the political
questions of the moment, bringing on its publications Nazi-fascists ideological contexts ,
*
Historiadora – Centro Universitário Estácio de Belo Horizonte; Pós- graduanda em Teologia - Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia; Pós-graduanda em Memória e Historiografia: identidades e patrimônio
cultural em Minas Gerais – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Auxiliar Administrativo;
ivanamoraiss@gmail.com.
**
Orientadora – Profa. Ms., docente no Centro Universitario Estacio de BH -
lucimar.machado@yahoo.com.br
1. Introdução
140
Veja sobre Totalitarismo em Bobbio (1983).
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213
caracterizaram seu governo, o que ocasionou o afastamento das elites civis e militares do
poder. O país passou então por mudanças radicais: de agrário a exportador, buscando a
industrialização e almejando se transformar em uma nação urbana. Além disso, Vargas
procurou implantar um forte sentimento de identidade nacional.
Em Minas Gerais, Benedito Valadares (1892 – 1973) é nomeado interventor em
1933 por Getúlio Vargas, exercendo o poder até a queda do Estado Novo em 1945. Nessa
mesma época, Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) foi nomeado prefeito de
Belo Horizonte por Valadares, governando de 1940 a 1945 fazendo uma administração
inovadora. Assim, enquanto no Brasil o presidente Vargas concebia um projeto nacional
de modernização do país, na prefeitura de Belo Horizonte Kubitschek modernizava
demonstrando empreendedorismo o que aponta para uma sintonia de Minas com o
processo político e econômico vigente no país, na época.
O discurso resultante desse tempo esteve presente em publicações da época como
jornais, revistas e propagandas. No mesmo período, surgiu em Belo Horizonte a Revista
Alterosa, um periódico mensal141 que circulou entre 1939 e 1964 na capital mineira, e que
fez um forte diálogo com as questões políticas do momento, trazendo inclusive, em suas
publicações contextos nazifascistas, o que evidencia a presença de alguns discursos de
raça e de eugenia no pensamento de parte da sociedade mineira.
Através de pesquisa realizada no acervo do Arquivo Público da Cidade de Belo
Horizonte - APCBH, este artigo foi elaborado a partir da análise de exemplares da Revista
Alterosa, dentro do recorte temporal de 1939 a 1945, onde foram selecionadas
propagandas, reportagens, recortes, textos que permitiram pensar e entender como que,
através de uma revista, parte da sociedade de Belo Horizonte se inseriu nesse contexto de
guerra e como o discurso de raça e eugenia se fez presente.
141
A revista inicialmente tinha uma tiragem mensal, mas a partir de 1953 passa a circular
quinzenalmente, até julho de 1960. (RODRIGUES, 2013).
Portanto,
A vitória do bolchevismo produziu novos medos e provocou a transformação
de movimentos de critica ao capitalismo em movimentos contra-
revolucionários. Ao anticapitalismo, acrescenta-se o antimarximo na
composição das doutrinas fascistas, na situação de crise provocada pela guerra
e pelo temor da revolução comunista, setores das elites tradicionais e da classe
média passaram a ver a política fascista como alternativa para os problemas da
sociedade (MILZA, 1985 apud CAPELATO, 1995, p.90).
A grande crise que a Alemanha passou após a Primeira Guerra, é tida como fator
preponderante para explicar o surgimento do nazismo. No entanto, a Europa também
estava em crise, e, em muitos países, surgiram líderes fascistas e ideologias de direita,
mas “em nenhum país foi elaborado e implementado um projeto como o de Hitler”
(CAPELATO, 1995, p.83). No plano nazista, regras básicas de convivência foram
violadas, valores foram invertidos e a maioria da população aceitou, envolveu-se e
legitimou essas ações, pois acreditavam que fosse bom para a comunidade. A ideia do
nazismo era embelezar o mundo tirando o feio, o sujo, o impuro e, para isso, usou as
ideias de beleza, pureza e harmonia, já presentes na cultura alemã, impondo em nome
delas o ódio, a violência, a destruição, a morte. (CAPELATO, 1995). Portanto,
Dentro desse panorama, Hitler também trazia, em seu discurso, ideias de eugenia,
conceito que esteve presente no pensamento europeu desde meados do século XIX e que
se baseava em teorias que tentavam explicar como se dava o processo de transmissão de
características entre as gerações (CONT, 2008).
Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade
humana, cuja explicação visava a produção de nascimentos desejáveis e
controlados; enquanto movimento social, preocupava-se em promover
casamentos entre determinados grupos e – talvez o mais importante –
desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade (SCHWARCZ,
1993, p.60).
A Alemanha nazista, entre 1936 e 1939, iniciou no Brasil uma ofensiva comercial
conseguindo alcançar o lugar de segundo parceiro comercial com acordos que
propiciaram uma aproximação comercial e militar maior entre os dois países. Uma das
estratégias usadas pelo governo alemão foi influenciar os países com colônias alemãs
através dos grupos nazistas locais, e o Brasil era o país que melhores condições oferecia
para os projetos de expansão dessa influência alemã nas Américas. Até o início da
Guerra, o governo brasileiro tolerava e ignorava os alemães e sua infiltração, mesmo
porque a ideologia alemã era compatível com os objetivos e com a ideologia vigentes no
país (GAMBINI, 1977). Desse modo o nacionalismo alemão foi então inspiração para a
criação de um Estado forte, nacional e uniformizado.
Assim, é mostrada a preferência ao branco, belo, forte, viril e dócil. Forte para
suportar o trabalho, viril para gerar muitos brasileiros eugenizados, e dócil para não
contrapor o Estado (TEIXEIRA, 2011).
A eugenização dos mais pobres surgia também como uma justificativa para as
desigualdades sociais que eram explicadas pela desigualdade racial o que aumentava o
poder do Estado. A realidade brasileira, no entanto, moldou a eugenia priorizando o
controle do comportamento no lugar do embranquecimento, mesmo porque,
embranquecimento em uma população tão mesclada como a brasileira se tornava difícil
ou quase impossível (TEIXEIRA, 2011). A eugenia se voltou também para os sadios e se
aliou à cultura física que era uma forma do povo brasileiro evoluir:
O Estado fez uma ampla divulgação desses hábitos, e a educação física passou a
ser uma ferramenta para disciplinar a sociedade e acabou por ser instituída como parte do
Sistema Educacional. As escolas, inclusive, eram usadas pelo governo para divulgação
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da ideologia estadonovista, e, dentro dessa lógica, a atividade física era muito estimulada,
até mais que a educação intelectual. Além disso, assim como na Alemanha, que investia
em lazer para os trabalhadores, no Brasil, fora da escola, eram promovidas atividades de
lazer com jogos, escotismo, colônias de férias, todas oferecidas pelo Estado (TEIXEIRA,
2011).
Podemos observar, então, que o governo Vargas, assim como o nazismo na
Alemanha, fez um uso intenso dos meios de comunicação para divulgar as diretrizes do
seu governo, e dentro dessas diretrizes e ideologias esteve presente o discurso de raça e
de eugenia.
142
A Coleção da Revista Alterosa está disponível no site do APCBH.
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sua população, o que proporcionou uma ampliação dos espaços de convivência na cidade.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial e a posterior entrada do Brasil ao lado dos
Aliados, podemos perceber uma mudança no comportamento de parte da sociedade da
capital que, impulsionada pelos acontecimentos mundiais, tentou se inserir nesse
contexto, inclusive com uma maior participação feminina. A Revista Alterosa, em suas
publicações, apontou essas mudanças fazendo um diálogo com a conjuntura da época.
A cidade de Belo Horizonte almejava crescer, e o esporte se apresentou como um
elemento de construção desse desenvolvimento. Essa relação foi mostrada no primeiro
número da revista, em agosto de 1939, em uma matéria na qual o Minas Tênis Clube é
enaltecido como uma das “mais notáveis praças de esportes da América do Sul”, e em
que se evidencia também a ideia de eugenia, mostrando ser este um pensamento presente
em uma parcela da sociedade mineira.
Na imagem acima, o enunciado diz ser o “Minas Tênis Clube um templo de cultura
e de aperfeiçoamento da raça”, e “uma das mais vastas realizações da energia mineira”
numa clara alusão ao conceito de eugenia. E a reportagem reitera essa ideia quando
declara:
143
Uma das mais vastas realizações da energia mineira. REVISTA ALTEROSA nº 01. Agosto de
1939, p. 51. Matéria não assinada.
144
O sexto aniversário do Minas Tênis Clube. REVISTA ALTEROSA N. 21. Dezembro de 1941, pp.
90-91. Matéria não assinada.
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comportamentos que eram exigidos pela burguesia, objetivando, assim, a transformação
da nação (PEREIRA, 2011). Além disso, ambicionava-se, pela prática da educação física,
estimular a “consciência nacional e o espírito a obediência das novas gerações”
(TEIXEIRA, 2011, p.169).
Os pensamentos que vigoravam no período estudado se moldaram ao ideal de
modernização pretendido pelo governo Vargas no Brasil. Em Belo Horizonte a busca pela
modernização não se deu apenas na materialidade e nas suas estruturas, porque desde a
sua fundação a capital mineira “representava o esforço da imersão em uma nova época”
(JÚNIOR, 2011, p.87).
Assim, em busca dessa modernidade pretendida e na tentativa de se incorporar ao
pensamento vigente na época e propagado nacionalmente, na década de 1940, o esporte
passou a ser valorizado e, aos poucos, começou a ser inserido na cultura urbana da cidade,
sendo os espaços esportivos cada vez mais prestigiados. A prática esportiva, sinônimo de
beleza, saúde e progresso, acabou por legitimar o discurso de raça e eugenia que alcançou,
assim, um grande crescimento. (SCHETINO, 2013).
Nesse período, com o mundo em guerra, a Revista Alterosa começou a fazer
alusão ao conflito, numa tentativa de inserir seus leitores nos acontecimentos mundiais.
Em 1941, nas páginas da revista, há alguns tímidos flagrantes do conflito, e ainda
presente, uma defesa da ideologia nazista. Isso pode ser evidenciado na reportagem “A
Alemanha e a religião cristã” em que Hitler e seu governo são mostrados como aliados à
Igreja Católica. Segundo a reportagem,
145
A Alemanha e a religião cristã. REVISTA ALTEROSA n. 21. Dezembro de 1941, pp. 102-103 –
transcrito do “Deutsche Rio-Zeitung” de 13 de setembro de 1941.
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Há então um claro posicionamento em defesa do nazismo e uma justificativa para
a exclusão da Igreja do comando político do país, que caberia somente ao Führer, e, à
instituição religiosa, somente a evangelização. Ao mesmo tempo se nega a total separação
entre Igreja e Estado, fazendo ainda uma provocação à França e aos Estados Unidos. A
reportagem finda fazendo alusão ao reconhecimento de bispos e do papa a Hitler, numa
clara tentativa de humanizar o governo alemão, uma vez que a propaganda antialemã
começava a se fazer presente.
Isso é evidenciado em 1942 na reportagem “Caridade na Paz e na Guerra”
(novembro de 1942, n. 31) na qual há informações sobre o curso emergencial de
enfermagem da Cruz Vermelha e uma verdadeira conclamação para o envolvimento da
sociedade na guerra ao lado dos aliados e contra os alemães.
146
Caridade na paz e na Guerra. REVISTA ALTEROSA n. 31. Novembro de 1942, pp. 14-15-77-78.
Matéria de Marcelo Coimbra Tavares
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Figura 4: Revista Alterosa, ano IV, nº 22, 1942
Assim, a guerra que era travada na Europa começava a surtir efeitos no Brasil e,
consequentemente, em Belo Horizonte, fazendo com que parte da população se
envolvesse e, da sua maneira, participasse do conflito.
Podemos perceber então que esse tipo de situação causava estranheza e não
aceitação por parte da sociedade, o que demonstra uma insinuação de racismo quando se
é aventada a hipótese de “manchar o bom nome dos seus avós” (grifo nosso) e quando é
mencionado “criolinhos de cabelos anelados e duros” e “família ariana”, todas essas falas
muito envolvidas dentro dos conceitos de raça e de eugenia. Mesmo sendo um texto em
forma de galhofa denotando humor, e piada, não se pode negar a clara presença desse tipo
de preconceito presente em parte da população. Mas, ao mesmo tempo o conto, no final,
mostra a sua preferência pela nossa mistura racial uma vez que enaltece e mostra até uma
torcida para o sucesso do namoro nas palavras “torcendo pela morena”, e ainda mostra
uma valorização do brasileiro ao alemão quando diz “a família ariana vai ser vencida pela
graça da mestiça invencível” numa clara alusão à Guerra como se fosse uma subjugação
dos alemães ao Brasil e à sua mistura étnica.
Com o fim da guerra, em 1945, as publicações da Revista se inserem nesse
contexto, atendendo também à expectativa do público consumidor, uma vez que esse era
um assunto em alta no momento. Assim a paz se faz presente nos assuntos da Revista,
fazendo um diálogo com os leitores, e demonstrando certo alívio nessa conquista. Na
revista de outubro, por exemplo, em uma reportagem sobre o surgimento de um novo
bairro da capital essa ligação é demonstrada:
147
Sedas e Plumas. REVISTA ALTEROSA n. 49. Maio de 1944, p. 48. Redação.
148
Surge o novo bairro na capital. REVISTA ALTEROSA n.66. outubro de 1945, pp. 112-113. Matéria
não assinada.
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Quando essa reportagem emprega as frases “Belo Horizonte, como todos os
centros adiantados do país” e “crise de habitações decorrente da situação anormal do
mundo”, podemos perceber uma tentativa de se inserir os leitores na conjuntura mundial
e nacional, o que vinha de acordo com a modernização vivida na época, produzida pela
dinâmica atuação do prefeito Juscelino Kubistchek.
Assim, a partir do fim da guerra, todas as publicações e propagandas se voltaram
para essa situação mundial, mas, em novembro de 1945, em uma propaganda de um creme
dental, mais uma vez a alusão à eugenia se fez presente. O creme dental Gessy é mostrado
com toda a sua eficácia e elogios estampados na foto de uma criança sorridente, e, ao final
da propaganda, a frase “50 anos a serviço da eugenia e da beleza”, sugerindo que, mesmo
após a guerra, esse conceito ainda se fazia presente no pensamento de parte da sociedade
belorizontina.149
149
Propaganda creme dental Gessy. REVISTA ALTEROSA n. 67. Novembro de 1945, p.7
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Figura 8: Revista Alterosa, ano VII, nº 67, 1945
5. Considerações finais
Referências
CAPELATO, Maria Helena Rolim. O Nazismo e a produção da guerra. Revista USP. São
Paulo, volume 26: p. 82-93, jun/ago. 1995.
CONT, Valdeir Del. Francis Galton: eugenia e hereditariedade. Scientiæ zudia. São
Paulo, volume 6, n. 2: p. 201-18. 2008.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo:
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LENHARO, Alcir. Nazismo, o triunfo da vontade. São Paulo: Editora Ática, 2006.
LOSSO, Tiago. Estado e Democracia no discurso oficial do Estado Novo. Dossiê: Política
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PANDOLFI, Dulci (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora Fundação
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PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Getúlio Vargas: e estadista, a nação e a democracia. In:
BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; FONSECA, Pedro Cezar Dutra (orgs.). A Era Vargas
Desenvolvimento, Economia e Sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2011. Cap. 5, p. 93-
120.
RODRIGUES, Carla Corradi. Quem detém a mídia, detém o poder? Jornalismo e política
nas páginas da revista Alterosa (1962-1964). Dissertação. Departamento de História,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
Resumo
O artigo analisou a coleção de revistas Bello Horizonte, das décadas de 1930 e 1940,
disponibilizadas ao público através do site do APCBH. As revistas circularam, sobretudo,
na capital mineira. O periódico publicava contos, textos, crônicas e poemas em suas
páginas, que falavam do cotidiano em Belo Horizonte. A partir de uma leitura
generalizada, foi possível selecionar alguns exemplares e compará-los visual e
textualmente. A análise visual levou em consideração aspectos do design gráfico. A
análise textual focou no tipo de texto e conteúdo. Concluiu-se que o deslocamento do
centro urbano de Belo Horizonte, em 1936, foi um marco na transição de uma cidade com
função puramente administrativa para a metrópole atual, bem como para o
amadurecimento do conteúdo da revista e, consequentemente, seus aspectos gráficos.
Resumen
*
Graduado em Artes e Design pela UFJF. Mestrando em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG.
E-mail: kadu.olliveira@gmail.com
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Introdução
150
Conforme publicado no site do APCBH, “as revistas Belo Horizonte chegaram à custódia do Arquivo
Público da Cidade de Belo Horizonte através de recolhimento realizado na Secretaria Municipal de
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primeiros números da revista não estão catalogados, portanto, não foi possível identificar
precisamente os motivos da criação da revista. Contudo, na edição comemorativa do
sétimo aniversário, o editorial afirmava que a revista “fundada para bem servir a’ terra
montanheza” era o “espelho da vida mineira” (BELLO HORIZONTE, n.107, 1939, p.3).
Foram analisadas as revistas de número 12, 18, 73, 82, 93, 107, 111, 148, 166 e
188; e especificadas quanto ao conteúdo e estética. Ambas as análises perceberam
mudanças significativas a partir do momento em que o centro urbano de Belo Horizonte
se deslocou do “Bar do Ponto” para a Praça Sete. O que não mudou foi a manifestação da
cultura local em suas páginas. As pessoas de Belo Horizonte, os que chegavam, os que
nasciam, os ilustres e as inaugurações sempre foram retratadas pela revista ao longo do
tempo. Levando em consideração a função “memorialística” da revista na atualidade,
estética e texto se somam nas páginas, transformando a coleção de exemplares num
arquivo a ser lido e descoberto por aqueles que se interessam pela cultura local e pelos
costumes da primeira capital planejada do Brasil.
Cultura em 1994. A coleção está incompleta e é composta por 52 revistas produzidas em Belo Horizonte
e editadas semanalmente.”
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passado (e esse futuro) pode ser visto através de histórias. A memória cultural é, pois,
“um ato de imaginação e interconexão” (TAYLOR, 2013, p.128), que pode ser construída
através de rastros deixados pela coleção em questão. É nesse sentido que as revistas
funcionam como um arquivo.
O que reforça tal teoria é a definição do termo dada por Foucault em seu trabalho
intitulado “A Arqueologia do Saber”. Nele, o filósofo afirma que o arquivo é,
inicialmente, a lei daquilo que pode ser dito (um sistema que rege o surgimento de
enunciados enquanto acontecimentos singulares); num segundo momento, o arquivo é
aquilo que permite que todas as coisas ditas não se amontoem numa massa amorfa. Ele é,
portanto, aquilo que define o sistema de enunciabilidade desde o princípio de sua
formação, e que é capaz de diferenciar os discursos em sua múltipla existência e, ao
mesmo tempo, especificá-los (FOUCAULT, 1987, p.149). É isso o que, de certo modo,
uma revista faz. Ela determina quais personagens e quais notícias podem aparecer e
pertencer ao seu mundo, prezando por certa coerência entre os elementos distintos, que
não permite a eles serem vistos pelo leitor como uma massa de textos desconexos.
Ao falar do cotidiano da capital, a revista Bello Horizonte se torna um espaço onde
assuntos diversos convergem para a formação de um arquivo das décadas de 1930 e 1940.
A Belo Horizonte de outros tempos pode ser reconstruída a partir da leitura das páginas
de Bello Horizonte, uma vez que o arquivo serve como um local de apoio e
armazenamento das memórias.
A revista Bello Horizonte teve como foco a vida na capital de Minas Gerais. De
início, suas crônicas e poemas giravam em torno do centro urbano, sobretudo nas
imediações da Avenida Afonso Pena com a Rua da Bahia. Conforme a cidade crescia, a
revista evoluía: as reportagens ganharam mais espaço, fatos de outras cidades apareceram
em suas páginas, a publicação se tornou mensal, e seu design mudou – sem perder o foco
na capital, em seus “moradores ilustres” e nas transformações urbanas ao longo dos anos.
Na edição comemorativa de sete anos da revista, uma reportagem apresentou
alguns dados estatísticos. Em 1900, por exemplo, Belo Horizonte contava com 13.472
moradores; já em 1938, a população era de 208.177 habitantes – em 1905 eram 3.213
prédios na capital; em 1938, a cidade possuía 29.605 edifícios erguidos. Dentre as novas
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edificações, em outra reportagem, a revista destacou algumas imagens da usina da firma
Ulysses Vasconcelos. O edifício, em estilo Art Déco, foi composto dentro das regras
clássicas da arquitetura deste período: janelas amplas em grade de ferro e vidro formando
uma malha geométrica retangular; linhas horizontais e verticais ressaltando o efeito de
escalonamento; e a platibanda ocultando o telhado, esse considerado “feio” à época por
não ser uma tecnologia moderna. Além das imagens, um depoimento da revista sobre o
senhor Vasconcelos demonstrou o valor dado ao cidadão belo-horizontino:
Os cinemas da Capital têm um horário para dar começo á sua primeira sessão. Entretanto,
elle não é obedecido á risca, como devêra ser. Porque, afinal de contas, Bello Horizonte
não é nenhum logarejo do interior, onde se condiciona o inicio das “soirées” á
circumstancias de haver um determinado numero de pessôas para assisti-las (BELLO
HORIZONTE, n.18, 1934, p.5).
Esse ângulo reto formado no coração de Bello Horizonte pela rua da Bahia e pela avenida
Affonso Penna, em todo o esplendor de sua beleza elegante, já está celebre na memoria
da nossa cidade moderna. Ali, a cidade genuflecte-se, como numa procissão de fé. E´a
ronda das mulheres mais bellas e elegantes, que passam numa espuma de sedas e numa
onda de perfumes, na hora macia da tarde, quando até o ar parece mais leve. O encontro
dessas ruas elegantes, até faz lembrar o reflexo de fadas encantadas passando por dois
espelhos, como nas nossas historias de creança. Quanta belleza, quanto esplendor nesse
vae e vem constante (BELLO HORIZONTE, n.12, 1933, p.8).
Entretanto, esse ainda não era o período máximo do evoluir da cidade. A fase de mais
intenso progresso desta começou em 1935, com a sua transfiguração decorrente de uma
série imensa e grandiosa de melhoramentos, realizados no período administrativo do
Prefeito Otacílio Negrão de Lima, mandatário da confiança do Excelentíssimo Senhor
Governador Benedito Valadares. Em seguida, [...], tivemos a dinâmica e arrojada fase
governamental do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, fortemente prestigiado pelo
Excelentíssimo Senhor Governador Benedito Valadares [...] (BELLO HORIZONTE,
n.166, 1944, p.42).
A tipografia de estilo Art Déco, por ter sua construção baseada nos princípios
geométricos, aparenta ser de fácil execução, o que levou, em diversos momentos, a ser
executada por pessoas com pouca intimidade com os procedimentos do desenho
tipográfico, resultando em exemplares com formas no mínimo curiosas, que apresentam
também soluções únicas de aplicação, geralmente para possibilitar que um tamanho
determinado de letras se encaixe no espaço físico disponível, ou de outros procedimentos
que variam caso por caso (D’ELBOUX, 2013, p. 281).
Imagem 3: Revista Bello Horizonte. Edições de 19 de Fevereiro de 1934, Maio de 1937 e Janeiro de
1939, respectivamente. Transição estética das ilustrações em cores sólidas para ilustrações, contos e
logotipo. Capas. Fonte: site do APCBH.
Páginas internas
Conclusão
Referências
BENJAMIN, Walter. Sobre o Conceito da História. In: O Anjo da História. Org. e Trad.
João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 8-20.
DERRIDA, Jaques. Mal de Arquivo: Uma Impressão Freudiana. Trad. Cláudio de Moraes
Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 6-38.
LEMME, Arie Van de. Guia de Arte Deco. Tradução: Eduardo Saló. Lisboa: Estampa,
1996.
LUPTON, Ellen. Pensar com Tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes.
São Paulo: Cosac Naify, 2006.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 1, n. 12, 16 nov. 1933.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 1, n. 18, 19 jan. 1934.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 4, n. 73, 30 out. 1936.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 4, n. 82, 12 jun. 1937.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 5, n. 93, 3 jun. 1938.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 7, n. 107, set. 1939.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 7, n. 111, jan. 1940.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 10, n. 148, jan. 1943.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Augusto Siqueira (Dir.), a. 12, n. 166, jul./ago. 1944.
Bello Horizonte. Belo Horizonte: Miguel Chalup (Dir.), a. 14, n. 188, dez. 1947.
Resumo
Este artigo busca refletir sobre a experiência de uma oficina criada pelo Arquivo Público
do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) que relaciona educação patrimonial, ensino de
história e relações de gênero. Para tanto, é feita uma revisão da bibliografia sobre estudos
de gênero na historiografia e sua recente apropriação pelo campo do ensino de história
buscando entender o contexto e a pertinência de ações educativas que relacionem os dois
temas. Por fim, a oficina Desvendando o Arquivo Público é descrita e analisada,
procurando refletir sobre suas possibilidades e potencialidades enquanto ação educativa
problematizadora da história das relações de gênero a partir do patrimônio documental
do APERS.
Abstract
This paper seeks to reflect about the experience of an workshop created by the Arquivo
Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) which relates heritage education,
history teaching and gender relations. Therefore, a review of the bibliography on gender
studies in historiography and its recent appropriation by the field of history teaching is
made, aiming to understand the context and the pertinence of educational actions that
relates the two themes. Finally, the workshop Desvendando o Arquivo Público is
described and analyzed, seeking to reflect on its possibilities and potentialities as
educational action problematizing the history of gender relations from the documentary
heritage of the APERS.
Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-
mail: tiagovm.t@gmail.com.
REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de
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253
Debates sobre as relações de gênero e feminismo vêm tomando um espaço cada vez
maior na opinião pública, na mídia e na escola, se considerarmos os últimos anos. Tais
discussões vêm mobilizando a sociedade brasileira na qual diferentes grupos enfrentam-
se, tomando posições diversas. A educação, enquanto campo próprio de disputas político-
ideológicas, é um tema que tem recebido grande atenção desses grupos no que diz respeito
ao papel das professoras/es e da escola em incitar (ou interditar) os debates de gênero.
Nesse sentido, vimos surgir movimentos que tentam inserir pautas conservadoras em
programas educacionais no país, a saber, o projeto “Escola Sem Partido” e a cartilha
intitulada “Ideologia de Gênero” que pauta diversos outros projetos conservadores. Ao
mesmo tempo, observamos o emergir de um movimento estudantil – principalmente
secundarista – sob a forma de ocupações das escolas em diversas partes do país, desde a
segunda metade de 2015. Dentre suas características principais, estava um visível
protagonismo feminino e o desenvolvimento de atividades dentro das ocupações que
tratavam das temáticas de gênero, feminismo, fascismo e movimentos sociais (AQUINO
et al., 2015).
Considerando-se esses fatos, podemos dizer que os debates sobre relações de gênero
e educação tornaram-se “imperativos do tempo presente” (CUBAS; ROSSETO, 2016, p.
213). Em conexão com esses processos, as instituições de ensino não formais como
museus, arquivos e memoriais passaram a elaborar ações educativas e a promover eventos
que também têm como centro as questões de gênero. É o caso do Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul (APERS) que, em 2016, criou uma oficina cujo objetivo é
fazer os participantes refletirem sobre as relações de gênero numa perspectiva histórica,
denominada Desvendando o Arquivo Público: relações de gênero na história151.
Este artigo busca refletir sobre essa ação educativa à luz do diálogo entre estudos de
gênero, ensino de História e educação patrimonial. Especificamente, busco entender em
que medida a oficina permite problematizar as relações de gênero na História a partir do
patrimônio documental do APERS. Dessa forma, inicio apresentando os debates teóricos
que articulam estudos de gênero e ensino de História; em seguida, descrevo a proposta e
o funcionamento da oficina, bem como suas aproximações e disparidades com os estudos
151
No segundo semestre de 2016, pude participar, enquanto oficineiro, de diversas atividades práticas
relacionadas a esta oficina em razão da disciplina de Estágio em Educação Patrimonial. É com base nesta
experiência que busco construir a reflexão a seguir.
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de gênero; por fim, busco refletir sobre a potencialidade da mesma enquanto ação de
educação patrimonial.
Por volta dos anos 1960, uma crise atingia a historiografia ocidental. Seu caráter
historicista era criticado já desde os inícios do século XX por diversas correntes e
movimentos intelectuais. As críticas dos seguidores da Escola dos Annales e dos
historiadores marxistas britânicos já vinham pautando os apagamentos históricos de
grupos minoritários, como pobres e operários. No contexto de finais dos anos 1960,
impulsionadas politicamente pelo movimento feminista e pela entrada de mais mulheres
na academia, as historiadoras feministas também passaram a arrolar a invisibilidade das
mulheres nesta historiografia pretensamente objetiva e neutra. Surgia, assim, na senda
dos Estudos das Mulheres e de Gênero, uma História das Mulheres como um novo campo
de estudo que acrescentaria novos temas e objetos, além de criticar a forma como o
trabalho científico vinha sendo realizado.
Passadas quase duas décadas do início deste movimento, a historiadora
estadunidense Joan Scott assumiu a tarefa de fazer um balanço da produção das
historiadoras feministas até então. Assim, apontava, em hoje clássico texto, que a estas
caberiam a função de não somente inscrever as mulheres na história, mas também de
propor uma nova metodologia que resultaria em uma nova história (SCOTT, 1995). Para
avançar, tornava-se necessário questionar as bases epistemológicas na qual a
historiografia (e a ciência) moderna havia se assentado. Nesse sentido, contestava o
caráter pretensamente universal e neutro do sujeito ocidental, que havia sido o objeto
privilegiado da historiografia até então. Sem questionar seu caráter essencialista, os
historiadores tomavam não somente o sujeito, mas também as bases conceituais e
epistemológicas da historiografia desde uma lógica masculina. Assim, propunha operar
uma mudança epistemológica que colocasse o gênero como uma categoria de análise
histórica (SCOTT, 1995).
Ao fazer tal proposição, Scott estava se dirigindo não somente aos historiadores
tradicionais, mas também às historiadoras feministas que vinham buscando teorizar sobre
Desde 2008, o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul realiza oficinas de
educação patrimonial numa parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
152
Durante a Primeira República (1889-1930), as mulheres que tinham trabalhos assalariados, como
operárias, lavadeiras e engomadeiras recebiam o apelido de “mulheres públicas”. Elas eram mal vistas
socialmente, pois segundo os valores da época, a mulher deveria apenas se ocupar dos afazeres domésticos.
Essa alcunha afetava, principalmente, as mulheres mais pobres que precisavam trabalhar para sustentar suas
famílias. Para mais, ver: FONSECA, Cláudia. Ser mulher, mãe e pobre. In: DEL PRIORE, M. (org.)
História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. Na oficina analisada, o caso das mulheres
públicas é comparado com a história de Ida Kerber, mulher de classe média, que passou por um processo
de desquite.
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3. Patrimônio e identidades
4. Considerações finais
Busquei, ao longo deste texto, refletir sobre a oficina Desvendando o Arquivo Público
a partir das interações entre estudos de gênero, ensino de História e educação patrimonial.
Ressaltei que a historiografia das relações de gênero lança luz sobre a historicidade das
experiências masculinas e femininas e o modo como estas são construídas
hierarquicamente. Também relatei como a categoria gênero ainda é pouco apropriada nas
aulas de história, restando ainda silêncios sobre a história das mulheres. Por fim, tentei
mostrar como a educação patrimonial pode auxiliar no trabalho de questionar e visibilizar
as experiências femininas historicamente.
Desta forma, entendo que a ação educativa analisada lida de modo muito eficaz com
as questões de gênero, estando em conexão com as reflexões teóricas levantadas. Na
oficina, as relações de gênero não são tomadas numa perspectiva identitária fixa (as
mulheres como naturalmente reprimidas, por exemplo), mas sim, procura, num trabalho
processual, incluir as mulheres na História, colocando em questão e historicizando suas
experiências. Sendo assim, acredito que esta oficina se torna uma importante aliada das
professoras e dos professores que buscam construir um Ensino de História
problematizador das diferentes relações de poder. A ação educativa do APERS dá
visibilidade às histórias de mulheres, apresentando suas atuações em diferentes contextos.
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263
Possibilita, assim, um trabalho continuado em sala de aula que questione o conhecimento
histórico escolar produzido, permitindo oferecer outros olhares, possibilitando criar
outras Histórias.
Referências
AQUINO, Francieli; HUBNER, Laura; MEDEIROS, Tiago. “Lute como uma menina”:
uma análise das ocupações escolares a partir das relações de gênero, 2015. [no prelo].
CUBAS, Caroline; ROSSETO, Luciana. Imperativos de um Tempo Presente: Ensino de
História e Gênero em um projeto desenvolvido por bolsistas do Pibid. Revista História
Hoje, Florianópolis, v. 5, n. 10, p. 211-230, 2016.
FONSECA, Cláudia. Ser mulher, mãe e pobre. In: DEL PRIORE, Mary. (org.) História
das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. p. 510-553.
GALLI, Laura S. Mulheres na História de Porto Alegre: uma reflexão sobre educação
patrimonial e ensino de História a partir de experiência com caixa pedagógica do museu
Joaquim Felizardo. Porto Alegre: UFRGS, 2015. (Trabalho de Conclusão de Curso).
MIRANDA, Anadir. Reflexões sobre mulheres, gênero e aprendizagem histórica.
Historiae, Rio Grande, v. 4, n. 2, p. 103-114, 2013.
PEDRO, Maria Joana. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia
contemporânea. Topoi, Rio de Janeiro, v. 12, n. 22, p. 270-283, jan.-jun. 2011.
POSSAMAI, Zita. Patrimônio e identidade: qual o lugar da história? In: GASPAROTTO,
A.; FRAGA, H.; BERGAMASCHI, M. Ensino de História no CONESUL: Patrimônio
cultural, territórios e fronteiras. Porto Alegre: Evangraf, 2013. p. 87-98.
RODEGHERO, Carla; BRANDO, Nôva; ALVES, Clarissa (org.). PEP em revista: o
Programa de Educação Patrimonial UFRGS-APERS. Porto Alegre: UFRGS/APERS,
2015.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade,
Porto Alegre,v. 20, n. 2, p. 71-99, jul.-dez. 1995.
SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 1992. p. 63- 95
WASZAK, Aline. História das Mulheres, Gênero e Educação: reflexões sobre o Ensino
de História no Brasil (1998-2015). Curitiba: UFPR, 2015. (Trabalho de Conclusão de
Curso).
Resumo
O intuito deste artigo é apresentar como as ações educativas realizadas pelo Museu Casa
Kubitschek, desde agosto de 2016, vêm sendo desenvolvidas. Optou-se por fazer uma
breve contextualização da instituição, passando pelas abordagens e práticas que
possibilitaram o andamento do trabalho, apresentando também alguns resultados. Como
parte deste projeto, implementou-se ações que visam a aproximação do público e sua
apropriação do espaço, bem como, a elaboração de materiais educativos que servem de
apoio às atividades. Entendemos o museu enquanto espaço de diálogo e aberto para o
exercício da cidadania, local propício para a formação de sujeitos responsáveis pelo meio
em que vivem, cientes do valor dos bens culturais e da importância de sua preservação.
Abstract
The purpose of this article is to present how the educational actions carried out by the
Casa Kubitschek Museum, since August 2016, have been developed. It was decided to
make a brief contextualization of the institution, through the approaches and practices
*
Mestranda em Ciência da Informação pela UFMG, Especialista em História da Cultura e da Arte pela
UFMG, Bacharel e licenciada em História pelo Centro Universitário de Belo Horizonte-UNI/BH. Técnica
em Patrimônio Cultural da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. akbernardes@gmail.com
**
Mestranda em Educação e Docência com graduação em Museologia, ambas pela Universidade Federal
de Minas Gerais. pollyanna.mus@gmail.com
153
As fontes documentais disponíveis não fornecem com exatidão este período/dado.
Ano Público
2017 29.825*
2016 32.278
2015 15.381
2014 10.588
Bordando Memórias: Tendo como inspiração a Sra. Juracy Guerra e suas intervenções
no mobiliário que atualmente são do acervo do MCK, foram realizados encontros mensais
para bordar temas relacionados ao MCK. Serviram como molde para os bordados
Rota Alternativa - o museu de fora para dentro: Esta ação busca se aproximar dos
caminhantes que praticam atividades físicas na orla da Lagoa e que desconhecem o
Museu. Com eles propomos um desvio no percurso durante algum tempo para entrarem,
conhecerem e explorarem a instituição.
Águas da Pampulha tour: É um passeio com foco no meio ambiente e chama a atenção
dos participantes para as questões ambientais e para a importância da preservação dos
recursos naturais, buscando refletir acerca do modo de ver e tratar este assunto, além de
nos engajarmos na construção de políticas mais efetivas para a nossa cidade. Em parceria
com o CEA/PROPRAM154, o passeio explora os desafios e problemas que afetam a Bacia
Hidrográfica da Pampulha.
Por Outro Ângulo: Esta atividade busca proporcionar ao público uma experiência
diferenciada de visitação ao Museu como casa e espaço de pertencimento e sociabilidade,
explorando cada cômodo e seus mobiliários. São feitas pequenas intervenções nos
ambientes que se diferenciam e destacam frente às práticas cotidianas da instituição. Esta
atividade acontece esporadicamente, com um grupo pequeno de visitantes.
Diálogos Possíveis: Este projeto trouxe para o espaço museal rodas de conversa com o
público e personalidades de destaque, sobre temas importantes para a cultura e a cidade
de Belo Horizonte, criando um ambiente saudável para o debate de opiniões e o
surgimento de novas ideias acerca dos usos e apropriação da cidade e dos espaços
culturais.
Como pôde ser visto, a maior parte das atividades vai além da temática
estritamente selecionada pela curadoria da exposição, se desenvolvendo, inclusive, fora
dos espaços expositivos. Acreditamos que essa proposta favorece não só a percepção do
mundo que nos cerca, considerando as diferentes vivências e experiências que cada
sujeito carrega, como também auxilia para uma compreensão mais ampla do universo
sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que estamos inseridos.
154
Centro de Educação Ambiental do Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia
da Pampulha.
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Com a ampliação das ações e o intuito de atingir um público diverso,
desenvolvemos materiais que auxiliam as visitas mediadas e oficinas propostas pelo
Educativo (estes materiais pretendem, em algum momento, promover o acesso para
todos). Parte do material desenvolvido ainda se encontra em fase de teste e/ou de
implantação. A intenção é desenvolver atividades e materiais que possam atender às
diversas demandas existentes.
Em geral, usamos objetos já existentes ou confeccionados pela própria equipe,
com materiais básicos disponibilizados pela instituição. Dentre eles, destacamos a
utilização de uma maleta composta por itens lúdicos: fichas com desenhos do mobiliário
existente no acervo (neste caso utilizamos as fichas como jogos de adivinhação), jogo da
memória, quebra-cabeça, cubos com diferentes elementos arquitetônicos, exemplares de
discos de vinil, entre outros.
Para além dos materiais supracitados, produzimos uma Caderneta de Campo que
pode ser utilizada durante ou após a visita, tanto nos espaços expositivos, quanto pelos
jardins. A ideia desta Caderneta é deixar fluir as percepções e dar autonomia para o
visitante, propiciando o exercício do olhar livre das intencionalidades que dão sentido ao
que nos acontece. Ela foi pensada como um material mais propositivo. Nela é possível
desenhar, escrever, utilizar outros recursos (colagens; coleta de amostra dos jardins de
sementes, folhas secas; pintura, etc.). Pensamos que este formato pode ser o início de uma
contribuição para a democratização do acesso e da inclusão, uma vez que, por exemplo,
não é necessário que todos saibam ler ou escrever para utilizar o material. Em uma das
experiências que tivemos, percebemos como foi positiva a reação de uma das crianças
com espectro autista. Acreditamos que à medida que conseguirmos aperfeiçoá-lo,
poderemos alcançar melhores resultados.
Com o intuito de deixar com que, em alguma medida, as coisas aconteçam no
tempo de cada um, permitindo uma dose de autonomia, ao visitar o MCK o visitante nem
sempre sairá com todas as informações disponíveis. A ideia é que ele possa voltar, pois,
(...) que, para além de suas funções tradicionais, reconhece, promove e exerce
um papel educador na vida dos sujeitos, assumindo como desafio
permanente a formação integral de seus habitantes. Na Cidade Educadora, as
diferentes políticas, espaços, tempos e atores são compreendidos como agentes
pedagógicos, capazes de apoiar o desenvolvimento de todo potencial
humano”. (CIDADES EDUCADORAS, 2017).
Por fim, mesmo que de forma embrionária e experimental, as ações têm sido bem
avaliadas pela equipe e recebido um bom retorno do público. Embora não seja nosso único
Referências
Ana Carolina*
Bernardo Guimarães*
Bryan Martins*
Gustavo Dias*
Gustavo Matos*
Marco Antônio*
Náthalekaren Oliveira*
Scarlath Ohana*
Tamires Celi da Silva*
Resumo
155
O presente artigo é fruto do trabalho final da disciplina, T.I.G. III, orientado pelo professor Luís Filipe
Arreguy Soares.
* Ana Carolina - Graduanda em História pelo UNI-BH; ac.corrako@gmail.com
*Bernardo Guimarães - Graduando em História pelo UNI-BH; bernardoguimaraes93@gmail.com
*Bryan Martins - Graduando em História pelo UNI-BH; bryanmartins@outlook.com
* Gustavo Dias - Graduando em História pelo UNI-BH; gustavodias75@yahoo.com.br
* Gustavo Matos - Graduando em História pelo UNI-BH; gustavomsc94@gmail.com
* Marco Antônio - Graduando em História pelo UNI-BH; marcospsj78@hotmail.com
* Náthalekaren Oliveira - Graduanda em História pelo UNI-BH; nathalekaren@hotmail.com
*Scarlath Ohana - Graduanda em História pelo UNI-BH; scarlathohanaf@hotmail.com
* Tamires Celi da Silva - Graduanda em História pelo UNI-BH; tamiresceli@hotmail.com
Abstract
Recently included in the list of World Cultural Heritage, the Pampulha Modern Ensemble
is one of the postcards from the state of Minas Gerais and one of the references in the
imaginary built on Brazilian modernity, public policies and artistic expressions. This
article is the result of a work developed with the students of the 3rd year of High School,
who study in a school near the Pampulha Modern Ensemble. The purpose of this study
was to seek students' views on heritage and to understand the relationship they establish
with the architectural group, in order to, from their experiences, work on questions about
heritage, preservation, memory, alterity and heritage policies, understanding that heritage
education involves deep questions about the existence and construction of the social
subject.
1. Introdução
Quando falamos em patrimônio histórico logo nos vem à mente os lugares que fazem
parte de uma memória coletiva e que adquiriram valor histórico ao longo dos anos,
normalmente associado a edificações tombadas e a cidades históricas.
Essa é uma visão que tem raízes na chamada história metódica, desenvolvida no
século XIX e que elegia como fonte de caráter histórico somente o que tinha relação com
o oficial (normalmente político)156. Essa perspectiva influenciou as primeiras políticas
patrimoniais, incluindo as brasileiras, que tiveram início na década 1920 associando valor
histórico a prédios públicos e a templos religiosos (os chamados patrimônios de pedra-e-
cal).
Tanto as concepções de História e suas fontes como as concepções de patrimônio
passaram por profundas transformações ao longo do tempo. Destacamos a influência da
Nova História que, em síntese, defende que toda ação humana é história.
156
Essa concepção histórica se desenvolveu na Alemanha do século XIX, momento em que era de
interesse promover a unificação da nação por meio da formação de uma identidade nacional, por isso é
comum a recorrência a documentos diplomáticos, pois esses eram interpretados como verídicos e,
portanto, fonte de uma história inquestionável.
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É possível perceber que hoje as políticas patrimoniais procuram abranger muito
mais do que prédios públicos e templos religiosos e reconhece como patrimônio não só
aquilo que possui caráter oficial, mas também o que é do cotidiano como elemento
formador da cultura. O conceito de patrimônio se estendeu, nas palavras de Umberlino
Peregrino:
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como
a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a auto-justificação,
pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão que é o câncer
do relacionamento entre os seres humanos. (MORIN, 2012, p.8).
A região da Pampulha, diferente de outros espaços de Belo Horizonte, tem sua história
marcada por ser uma área planejada que recebeu obras arquitetônicas que adquiriram
importância artística e se configuraram como um dos marcos de Minas Gerais, e que no
ano de 2016 recebeu o título de Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.
O projeto iniciado na gestão do prefeito de Belo Horizonte, Otacílio Negrão de Lima,
que tinha como objetivo o represamento do ribeirão Pampulha, não contemplava a
inclusão do conjunto arquitetônico, que foi incluído somente na gestão posterior pelo
prefeito Juscelino Kubitschek e construída entre os anos de 1942 e 1944.
Segundo Fernandes (2016), em seu artigo “PAMPULHA: atualização simbólica de
uma paisagem modernista”, antes da construção do conjunto que veio a se tornar cartão
postal de Minas Gerais, a região foi indicada pelo urbanista Agache para abrigar uma
Para realizar este trabalho, tomamos como uma atividade primária, conhecer o olhar
dos alunos que iriam participar do projeto. Conhecer a escola, seu entorno, os lugares
frequentados por eles, para assim conhecer o que os alunos entendem por patrimônio.
Pensando neste olhar, a escolha da região da Pampulha se fez atrativa, pois no ano de
2016 seu conjunto arquitetônico foi declarado “Patrimônio da Humanidade”. Mas,
mesmo tendo esse título, ainda se apresentam muitos desafios para a efetiva
democratização do uso do espaço na região, visto que ela é ocupada por bairros nobres e
cercada por áreas de menor Índice de Desenvolvimento Humano. O mesmo se aplica a
alunos de escolas próximas, que passam por lá todos os dias e constituem o cotidiano
daquela região.
Localizada na Av. Dom Pedro I, no bairro Santa Branca, em Belo Horizonte,
escolhemos para a realização do projeto a Escola Estadual José Heilbuth Gonçalves. Em
2012, a escola passou por obras de intervenção que reformularam seu espaço físico,
perdendo parte de seu pátio para o alargamento da Avenida D. Pedro I. Com isso, o muro
que faz frente à avenida ficou a cerca de 1 metro de distância das janelas das salas de aula,
criando um desconforto sonoro para professores e alunos.
É uma escola próxima ao Conjunto e se enquadrou nos critérios para realização
do trabalho que são:
Possibilidade de compreender o olhar que os alunos possuem sobre o tema
Patrimônio;
Perceber as relações estabelecidas entre os alunos e o Conjunto;
Estimular uma reflexão acerca da democratização dos espaços, uma vez
que nem todos estabelecem uma relação de apropriação com o mesmo.
(...) pode ser entendido como formas de mediação que propiciam aos diversos
públicos a possibilidade de interpretar objetos de coleções dos museus, do
ambiente natural ou edificado, atribuindo-lhes os mais diversos sentidos,
estimulando-os a exercer a cidadania e a responsabilidade social de
compartilhar, preservar e valorizar patrimônios com excelência e igualdade.
(GRINSPUM, 2000, p.29).
Tendo como base a reflexão de Grinspum, adicionamos ainda que essa mediação
e essa interpretação não se restringem somente aos bens de natureza material, podendo
ser utilizadas também para lidar com os bens patrimoniais de natureza imaterial.
Com isso, entendemos que a educação para o patrimônio possibilita a adoção de
diversas metodologias de trabalho e adequação das mesmas à realidade do público
trabalhado. Optamos como ponto de partida o uso do conceito de memória, envolvendo
as histórias da cidade, como construção e idealização, bem como associando a isso os
conjuntos patrimoniais materiais edificados que a região oferece, buscando uma
articulação com as experiências dos alunos.
4. O Encontro
157
O material paradidático referido é uma cartilha com informações sobre patrimônio cultural, conceitos e
etapas do processo de registro e tombamento. As informações foram trabalhadas durante as discussões em
sala e durante a visita.
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construção da história. Alguns citaram lembranças de viagens a cidades como Ouro Preto,
outros logo indicaram o Conjunto da Pampulha, e poucos se lembraram de outros
elementos, como o queijo.
Depois da conversa inicial, os alunos se sentiram mais à vontade para definir tal
conceito. Ainda era presente a ideia de patrimônio que privilegia elementos arquitetônicos
e cidades históricas, que destaca os Prédios Públicos e Oficiais.
Essa discussão situou os alunos sobre as políticas patrimoniais atuais e passadas,
o que permitiu com que junto a eles concluíssemos que esses elementos produzidos pelo
homem se mantêm vivos na memória, e se refletem no cotidiano das pessoas, em seus
valores, atitudes e posicionamento. Partindo desta reflexão, tornamos a indagar: Para
vocês, o que é patrimônio?
Usando uma definição de dicionário que interpretava patrimônio como um bem
herdado pelo pai ou pela mãe e contextualizando as transformações sociais ocorridas nas
últimas décadas, tanto no campo da história, como no campo das políticas patrimoniais,
que vêm dando protagonismo aos diversos agentes da história, propusemos uma reflexão
sobre o conceito de patrimônio associado à visão metódica, e demonstramos as novas
possibilidades de se pensar o patrimônio e as políticas patrimoniais.
Uma discussão sobre o patrimônio enquanto formador de identidade foi levantada
partindo do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, que se localiza próximo à escola e os
alunos rebateram, descontruindo a visão apresentada.
Uma aluna disse que o Conjunto Arquitetônico da Pampulha não diz nada sobre
ela e que a Pampulha retratava algo fora da realidade deles e que aquilo era “lugar de
gente rica”. Muitos desses alunos moram nos bairros que ficam em torno do conjunto, e
alguns relataram que dificilmente frequentam o espaço que é conhecido por ser uma área
nobre da região. Além disso, verificamos que o acesso se torna mais difícil devido a
barreiras econômicas, já que o potencial turístico do local torna mais altos os preços de
produtos e de entradas em alguns espaços. Outra aluna rebateu essa ideia, defendeu que
muitos lugares são gratuitos, mas complementou dizendo que nem sempre parecem
interessantes.
Alguns alunos defenderam que o Conjunto só merecia a posição que ganhou,
porque guardava uma arquitetura que “eles devem achar bonita”, evidenciando que a
escolha partiu de um desejo do Estado e não da população. Outros disseram que aquilo
5. A visita
O museu conta com atividades como visitas mediadas além de eventos com artistas. Informações
158
Legenda: Imagem 01- Debate no Museu de Artes da Pampulha. Belo Horizonte 31 de Maio de 2017.
Arquivo Pessoal.
159
Informações obtidas em: <http://belohorizonte.mg.gov.br/atrativos> Acesso em: 31/05/2017.
(...) vários estudos no país têm mostrado que a violência afeta a população de
modo desigual, gerando riscos diferenciados em função de gênero, raça/cor,
idade e espaço social. (SOUZA; LIMA, 2006, p.2).
Legenda: Imagem 02. Casa do Baile. Belo Horizonte, 31 de Maio de 2017. Arquivo Pessoal.
160
Informações obtidas em: <http://belohorizonte.mg.gov.br/atrativos> Acesso em: 31/05/2017.
Legenda: Imagem 03 Igreja da Pampulha. Belo Horizonte, 31 de Maio de 2017, Arquivo pessoal
161
Informações obtidas em: <http://belohorizonte.mg.gov.br/atrativos> Acesso em: 31/05/2017.
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292
Lá os alunos ficaram intrigados com o tamanho da casa (que era a casa para uso
nos finais de semana) e com a beleza e o luxo. Eles interagiram bastante com os objetos
da casa, alguns totalmente desconhecidos para eles, outros mais conhecidos. A disposição
dos cômodos também foi questionada: na casa havia dois quartos integrados, falamos
sobre os possíveis valores da época, levantamos hipóteses de situações vividas pelos
moradores da casa.
Do lado de fora da casa, falamos com os alunos sobre o passeio, sobre o nosso
lugar na sociedade, sobre a necessidade de se conhecer e de reconhecer onde você é visto
e onde sua voz é silenciada.
É importante salientar que durante o passeio os alunos não demostraram um
sentimento de identificação com o conjunto patrimonial e que a Pampulha apresentada
naquele conjunto não reflete a existência desses alunos e moradores em sua totalidade.
Ainda assim, o conjunto serve como instrumento para se pensar politicamente, para
entender a construção e a valorização da arte no Brasil, fazendo com que eles percebam
que eles são agentes sociais e atuantes e, por isso, devem buscar ocupar os espaços e se
apropriar da sua história e lançar luzes aos que foram lançados ao escuro do
esquecimento, além de valorizarem aquilo que eles têm como patrimônio e o que pertence
a grupos que sofreram invisibilidades na história e na sociedade e que também constituem
a história plural e diversa de Minas e do Brasil.
Na quarta e última etapa do projeto, os alunos se organizaram em grupo para
elaborar textos que foram utilizados na produção do “Jornal Mural”, que foi uma
iniciativa do Professor de História dos alunos, e que nos convidou para ajudar na produção
do mesmo junto aos alunos usando como tema o projeto “(Re) Descobrindo a Pampulha”.
Servindo-se do material paradidático recebido no primeiro encontro, resgatando as
problematizações feitas no passeio e debatendo entre eles, os alunos produziram textos,
quadrinhos e o editorial da revista.
Conversando com os alunos, descobrimos que no ano de 2016 a escola participou
do movimento de ocupações e os alunos que participaram do projeto estavam presentes.
Concluímos com eles que essa ação política pode se repetir em outros ambientes, como
na apropriação do patrimônio, exercendo assim a sua cidadania na busca pela
democratização dos espaços públicos.
Pontuamos também a história enquanto discurso e que o discurso contado nas
primeiras ações de patrimonialização era pautado em ideais que buscavam apresentar o
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293
progresso do país em aspectos políticos, econômicos e sociais – eles pontuaram várias
vezes o descontentamento. A segunda conclusão que tivemos junto aos alunos foi que
através do conhecimento dos ideais do Estado e do seu passado é que se torna possível
perceber e problematizar a história e a política.
O que já está patrimonializado demonstra essa história marcada pela segregação.
Apagar esses registros silencia ainda mais as desigualdades, precisamos saber lidar com
nosso passado e reconhecer nele as permanências e as rupturas. Tratando das rupturas,
apesar dos ideais defendidos por anos, houve uma mudança na perspectiva e na
abordagem da história. Hoje a disciplina não trabalha mais com a valorização dos ditos
heróis, e nem com o sofrimento dos chamados vencidos, mas é abordada numa
perspectiva que procura valorizar as relações a nível macro e o sujeito em nível micro
buscando aqueles que por anos foram negligenciados pela História e pelo Estado.
E, por fim, pontuamos a história das políticas patrimoniais e da inserção de novos
objetos que foram registrados e tombados nos últimos anos construindo a terceira e última
conclusão junto aos alunos.
Legenda: Imagem 04 Jornal Mural, Belo Horizonte, 1 de Junho de 2017. Arquivo Pessoal
6. Considerações finais
O presente trabalho teve por finalidade levar os alunos a conhecer uma “nova
Pampulha”. É preciso destacar que o grupo descobriu um olhar inédito sobre o mesmo
espaço e um novo olhar sobre o patrimônio. Chegamos lá esperando ouvir histórias
Referências
PROPOSTA PEDAGÓGICA 1
Autores:
Douglas de Freitas
Disciplina: História.
Interdisciplinaridade: Artes, Geografia e Português.
Transversalidade: Relações de gênero, identidade, direitos humanos, temas locais,
pluralidade cultural, ética.
Gênero:
Instituição de guarda:
Objetivos da atividade:
Conteúdo:
Procedimentos/estratégia de ensino:
o O que é um bairro?
o Como surgiram os bairros em BH?
o Exibição de mapa e fotos antigas de Belo Horizonte.
o Quem conhece a história do bairro Confisco?
o Por que o nome Confisco?
Exemplos de questões:
Quando o grupo dos Mariquinhas chegou ao bairro as casas deles já estavam prontas
para recebê-los.
O nome da escola é Anne Frank porque ela doou o terreno para a escola através de seu
testamento.
Conteúdo:
A segunda aula tem como objetivo a reflexão acerca do que foi apresentado na primeira,
através de um jogo de revisão. A intenção é que os alunos possam demonstrar o que
aprenderam sobre a história do bairro Confisco. Espera-se assim, que os alunos possam
desenvolver maior domínio sobre o conteúdo apresentado, uma vez que o jogo privilegia
o debate e o raciocínio.
Nos primeiros minutos da aula será feita uma revisão do conteúdo dado na aula anterior,
guiado pelas perguntas:
Regras do jogo:
Os membros dos grupos terão alguns minutos para discutir entre si sobre a questão;
Cada grupo deve escolher um representante para levantar a placa escolhida (V ou F);
Recursos necessários:
-Documentos utilizados.
Referências:
NEVES, Lúcia Maria Bastos P.; MOREL, Marco; FERREIRA, Tania Maria Bessone
(orgs.). História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de
Janeiro: DP&A; FAPERJ, 2006.
Documento 1
Título: Livro Registro de Sepultamentos
Gênero:
X textual (formatos: folha avulsa, encadernação, panfleto, flyer, folder, folheto, jornal,
convite)
__ iconográfico (formatos: fotografia, desenho, cartaz, cartão-postal)
__ cartográfico (formatos: projeto arquitetônico, planta, mapa)
__ micrográfico (formato: microfilme)
Instituição de guarda:
Objetivos da atividade:
Propor uma inter-relação entre o conteúdo dos livros do registro dos sepultamentos e o
espaço do Cemitério do Bonfim da cidade de Belo Horizonte
Procedimentos/estratégia de ensino:
Entretanto essa ação educativa vem, desde junho de 2012, se estendendo a outros
segmentos da sociedade belo-horizontina através de uma ação de extensão que promove,
em parceria com Fundação de Parques Municipais, FPM e o Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico, IEPHA, visitas mensais ao cemitério com o intuito de
instigar o interesse, despertar o gosto pelo turismo cemiterial e ao mesmo tempo
promover a educação patrimonial. Estas atividades têm a cada dia incrementado de modo
considerável a visibilidade naquilo que se refere ao espaço e consequentemente à
necessidade de ampliar o conhecimento acerca do acervo e história do cemitério.
Para a realização dessa atividade é importante que sejam planejadas duas visitas: uma ao
Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, para análise e escolha dos livros que serão
mapeados e analisados e outra ao Cemitério do Bonfim, ocasião em que os dados colhidos
na primeira visita possam ser confrontados. Nessa visita, inclusive, sugere-se além das
anotações o uso de máquina fotográfica para captação de imagens e registro das
investigações a serem realizadas em campo.
Referências:
ALMEIDA, Marcelina das Graças de. Morte, Cultura, Memória: Múltiplas Interseções –
Uma interpretação acerca dos cemitérios oitocentistas situados nas cidades do Porto e
Belo Horizonte. 2007. 404 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
AVELAR, Bruna Dalva e ALMEIDA, Marcelina das Graças de. PROJETO CEMITÉRIO
DO BONFIM: ARTE, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL. EDITAL: 01/2013.
Belo Horizonte: Escola de Design/UEMG, 2013. 23 p. Relatório de pesquisa PAPq.
TRIGUEIRO, Ana Carolina Zegarra e ALMEIDA, Marcelina das Graças de. Relatório
Final de Pesquisa Projeto Cemitério do Bonfim: Arte, História e Educação Patrimonial.
Edital 04/2014 Belo Horizonte, ED/UEMG, 2015.
Apresentação
A Trajetória do Projeto Novos Registros do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, 2017.
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Luciana Teixeira de Andrade responde: Essa questão pode ser abordada de diferentes
perspectivas. Vou tratar aqui da dimensão socioespacial. Belo Horizonte, cidade
planejada no final do século XIX, sob os ideais da modernidade e cujo principal modelo
à época era Paris, antecipou as reformas urbanas pelas quais passariam outras capitais
brasileiras mais antigas. Tais reformas tiveram como foco principal a mudança
urbanística e social do centro histórico, recuperando-o para as classes de mais alto status,
com a consequente expulsão dos mais pobres para as favelas ou periferias. O
planejamento de Belo Horizonte destinou diferentes espaços para os diversos grupos
sociais. Se alguns foram privilegiados com a garantia de ocupação de um espaço dotado
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de infraestrutura e tiveram até mesmo as suas casas construídas, como foi o caso dos
funcionários públicos, outros, como os construtores da cidade, não tiveram a mesma sorte.
Restaram-lhes as favelas, que surgiram antes mesmo da cidade ser inaugurada, ou a
ocupação da zona suburbana, ainda carente de infraestrutura.
O que se percebe aí é o tratamento diferenciado dos grupos sociais, com a exclusão
da política habitacional justamente dos que dela mais precisavam. Aliado à questão da
moradia, houve também um maior controle dos usos dos espaços públicos centrais da
cidade. Várias medidas, como os códigos de posturas, reprimiam o comportamento tido
como “não civilizado” nas áreas centrais da cidade, constrangendo e mesmo
criminalizando os usos dos espaços públicos para o trabalho e o lazer dos mais pobres. Já
os cronistas da época convidavam os habitantes da cidade (apesar do tom geral do convite,
ele se dirigia apenas àquela parcela que lia os jornais) para ocuparem as ruas largas e
vazias da cidade com atividades como o footing e a frequência aos cinemas, teatros,
lanchonetes e restaurantes. Ou seja, alguns comportamentos eram identificados como
próprios à cidade moderna e, portanto, legitimados, enquanto outros eram criminalizados
com os rótulos de vadiagem, desordem e mendicância. O planejamento de Belo Horizonte
não produziu uma cidade mais igualitária e justa. Algumas parcelas da população
puderam usufruir dos seus benefícios e outras não, o que mostra que, nesse aspecto, da
ordem socioespacial, a Belo Horizonte planejada não difere de várias outras capitais
brasileiras.
Passados 120 anos, não é possível dizer que a cidade tenha se tornado mais
igualitária. Tomando mais uma vez o aspecto socioespacial, o que as pesquisas mostram
é a contínua expulsão dos mais pobres para as áreas mais distantes do centro, seja para as
bordas da cidade, seja para os municípios da região metropolitana. Isso não significa dizer
que nada mudou. Belo Horizonte se modificou imensamente, seja em termos
populacionais, superando em muito as expectativas de seus planejadores, seja na forma
de ocupação do espaço, na sua paisagem e nas formas de sociabilidade. Indicadores
sociais de acesso aos serviços urbanos como água, luz, serviços sanitários, urbanização,
entre outros, melhoraram significativamente, como de resto em todo o país. A
verticalização excessiva alterou a paisagem da cidade, sua qualidade de vida e as formas
de sociabilidade. Some-se a isso a ocupação das ruas pelos carros, o que transformou as
tão faladas ruas largas e vazias, em espaços claustrofóbicos. A partir dos anos 1980, a
violência vem alterando as formas de sociabilidade nos espaços residenciais e nos espaços
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públicos. Casas se fecham para as ruas, com a construção de muros, colocação de cercas
elétricas e concertinas. Uma paisagem de guerra com a qual vamos aos poucos nos
acostumando. Crescem as formas de controle privado nos espaços públicos e
semipúblicos com a utilização de seguranças privados cuja “proteção” é continuamente
questionada. Ou seja, a continuidade das políticas públicas repressivas e focalizadas em
determinados grupos sociais, com a complementação dos controles privados, produz uma
cidade ao mesmo tempo mais vigiada e mais insegura. Essas mudanças são fruto de
muitas tensões e conflitos entre os diferentes interesses dos grupos que vivem e atuam na
cidade.
As mudanças na infraestrutura das periferias são produtos de lutas sociais, muitas
vezes trocadas por votos. A verticalização e a destruição de espaços públicos e de áreas
verdes encontraram resistências que culminaram ora em vitórias dos preservacionistas,
ora dos interesses imobiliários. O mesmo se pode dizer em relação ao patrimônio
histórico, uma política que se construiu com derrotas e vitórias e muitas tensões entre os
diferentes interesses. Uma parte positiva dessas tensões foi ter resultado em uma
ampliação considerável do seu escopo inicial, seja em relação aos espaços da cidade, seja
em relação aos tipos de bens protegidos, materiais e imateriais.
Se em seus primórdios BH foi representada como uma cidade ambivalente,
moderna no plano urbanístico, mas tradicional nos costumes de seus moradores, hoje suas
tensões se amplificaram e suas representações se tornaram mais complexas com a
emergência de novos atores e novas reivindicações de direito. Mas se entendemos o
tradicionalismo como uma força contrária ao ideal moderno da democracia e dos direitos
da cidadania, Belo Horizonte, como outras cidades do país, vive a tensão que parece não
ter fim, entre uma certa modernidade e um imenso atraso social.
2017, ano que Belo Horizonte completou 120 anos, foi um ano difícil para o país
e para a cidade. Tempos de perdas de direitos, de desmobilização e de acirramento sociais,
de abusos autoritários e de intensificação da mercantilização da vida, de retrocessos nos
valores democráticos, morais e culturais. Como é comum às comemorações, as falas sobre
o seu aniversário, revelaram um grande afeto dos moradores pela cidade. A esperança é
que esse afeto, elemento importante nas lutas sociais, se converta em um aliado às lutas
por uma cidade mais igualitária, mais justa e plural.