Resp 1995458 2022 08 18
Resp 1995458 2022 08 18
Resp 1995458 2022 08 18
RELATÓRIO
VOTO
DISPOSITIVO
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro : MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : REGINALD JOSE COSTA
ADVOGADO : RODNEI MARCELINO DE CARVALHO - SP292474
RECORRIDO : ITAU UNIBANCO S.A
RECORRIDO : BANCO ITAUCARD S.A.
ADVOGADOS : EDUARDO CHALFIN - SP241287
LARISSA MARIA LEME DAS NEVES - SP336977
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, dando parcial provimento ao recurso
especial, pediu vista antecipada o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Aguardam os Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro. Impedido o Sr. Ministro Marco Aurélio
Bellizze.
VOTO-VISTA
"(...)
No caso de correntista de instituição bancária que é lesado
por fraudes praticadas por terceiros – hipótese, por exemplo, de cheque
falsificado, cartão de crédito clonado, violação do sistema de dados do banco
–, a responsabilidade do fornecedor decorre, evidentemente, de uma
violação a um dever contratualmente assumido, de gerir com
segurança as movimentações bancárias de seus clientes.
Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há
responsabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto o
serviço prestado foi defeituoso e a pecha acarretou dano ao
consumidor direto" (grifou-se).
"(...)
11. O chamado golpe do motoboy é prática criminosa que tem se
popularizado no Brasil. A verossimilhança das informações fornecidas
pelos estelionatários é cada vez maior, aumentando o número de
vítimas.
12. Embora os casos noticiados não sejam necessariamente
idênticos, a vítima, geralmente pessoa idosa, recebe uma ligação de quem
alega ser preposto de instituição bancária. O estelionatário informa que o
cartão da vítima foi clonado e solicita que ela digite sua senha
pessoal no teclado do telefone, a fim de realizar um suposto cancelamento
do cartão.
13. Em seguida, o estelionatário informa que um motoboy irá
buscar o cartão da vítima e que ela deve quebrá-lo antes de fazer a
entrega, devendo manter o chip incólume. Após a cessão, são efetuadas
diversas compras com o cartão da vítima em pouco tempo. Somente então,
ela percebe que foi alvo de um golpe e busca a instituição financeira para
efetivamente cancelar o cartão" (grifou-se).
"(...)
Entenda as etapas da aprovação das vendas no cartão
O ato de realizar uma compra por meio do cartão de crédito ou
débito dura uma fração de segundos. No entanto, até que apareça a
palavra 'autorizado' no visor da maquininha, os dados sobre o cliente
realizam uma longa viagem que o consumidor sequer imagina.
Para que sejam aprovadas pelas bandeiras e pelos bancos
emissores do cartão, informações como o saldo do cliente e o risco de
fraude são analisadas pelas instituições. As vendas no cartão que
foram realizadas por meio de parcelas, por exemplo, são liquidadas em até
30 dias.
Neste artigo, vamos explicar as diversas etapas da aprovação das
vendas no cartão que envolvem análise de dados pelos bancos. Confira!
Os clientes passam o cartão na maquininha
Em primeiro lugar, o consumidor procura efetuar uma compra em
um determinado estabelecimento. Para realizar a transação, ele passa o seu
cartão na maquininha da loja. O cartão pode ser de crédito ou débito e pode
ter sido emitido por vários bancos.
As bandeiras recebem a informação da compra.
Os adquirentes, então, solicitam autorização para a transação da
compra junto às bandeiras de cartão de débito ou crédito. As bandeiras mais
comuns dos cartões emitidos no Brasil são Visa, Mastercard e Elo. Elas
recebem as informações da compra e as enviam para o banco emissor do
cartão, solicitando a autorização para a transação.
Os bancos fazem suas análises sobre fraude e crédito
Os bancos, após receberem as informações das bandeiras
dos cartões, fazem suas próprias análises de fraudes e de crédito. As
análises incluem se o cartão ainda está ativo e se possui saldo
suficiente para efetuar a compra em questão. O banco autoriza ou
desautoriza a transação baseados nessas informações.
O banco então envia a confirmação ou a recusa à bandeira, que,
por sua vez, confirma na maquininha o resultado. Neste momento, as vendas
no cartão são autorizadas ou não são autorizadas junto à maquininha do
cartão.
O banco emissor do cartão emite a cobrança da compra
Quando chega a confirmação, em questão de poucos
segundos, consumidores e lojistas não imaginam a jornada de dados
pela qual passou a transação antes. Quando a compra é autorizada, o
banco emissor devolve a informação para a bandeira e emite a cobrança
para o consumidor. Dessa forma, o cliente paga a fatura para o banco.
A operação das vendas no cartão parceladas é liquidada
em 1 mês
As operações feitas por meio das vendas no cartão de crédito à
vista são liquidadas no Brasil em 30 dias. No caso das compras feitas com
crédito em parcelas, a liquidação é concluída parcela por parcela, a cada
mês. Existe, porém, a possibilidade de antecipação no mercado financeiro
por meio da chamada antecipação dos recebíveis.
Antes de serem concluídas e liquidadas, as vendas no cartão
passam por um processo de complexa análise de dados financeiros do
cliente. Por incrível que pareça, tais análises são feitas em questão de poucos
segundos pelas instituições financeiras. É interessante que o lojista conheça
essas etapas, que garantem a segurança da compra."
(https://www.concil.com.br/blog/entenda-as-etapas-da-aprovacao-das-ven
das-no-cartao/ - acessado em 18/7/2022 - grifos no original)
"(...)
Todas as compras feitas com cartão de crédito passam por
uma análise de dados. O objetivo é garantir a segurança das
transações feitas na plataforma.
A análise de dados é feita com base nas informações preenchidas
no formulário de compra. A partir delas, uma compra pode ser aprovada ou
não aprovada instantaneamente.
No caso das compras não aprovadas, um ou mais dados
informados não puderam ser validados e, por essa razão, não foi
possível aprovar a compra.
Como a análise da compra considera diversas variáveis, dos
dados de compra informados até o perfil de uso da pessoa titular do
cartão, não é possível informar o motivo exato que leva uma compra não ser
aprovada.
De todo modo, listamos abaixo as razões mais comuns para que
uma compra não seja aprovada:
1. Dados incorretos: um ou mais dados do cartão não foram
preenchidos corretamente. Neste caso, é preciso checar se todas as
informações fornecidas estão corretas, desde o nome da pessoa titular,
passando pelo número do cartão, data de vencimento até o código de
segurança.
2. Falta de confirmação: nosso processador de pagamentos
pode entrar em contato com a pessoa titular do cartão para checar a compra
e, quando não conseguem um retorno, a compra não é aprovada. Por isso, é
importante informar um número de telefone válido no momento da compra
para que o contato seja feito com sucesso.
3. Suspeita de fraude: em alguns casos a própria operadora
do cartão classifica a compra como uma possível fraude. Isso
acontece quando uma compra fora do padrão é feita, como, por
exemplo, uma compra de valor muito alto.
4. Limite insuficiente: quando o cartão selecionado não
possui limite suficiente para que a compra seja feita. Nestes casos, é
preciso checar com a operadora do cartão se é possível que o limite
seja aumentado ou então é preciso usar outro cartão com limite suficiente.
5. Cartão não habilitado: acontece quando o cartão utilizado na
compra não possui a função crédito ativa. Nestes casos, também é preciso
checar com a operadora do cartão se é possível habilitar essa função e tentar
novamente." (https://ajuda.sympla.com.br/hc/pt-br/articles/360056211
931/ - acessado em 18/7/2022 - grifou-se)
"(...)
Outra questão que se coloca no tema da exclusão de
responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, é a que diz respeito
ao risco de desenvolvimento, definido por Antonio Herman de Vasconcellos
e Benjamin como 'o risco que não pode ser cientificamente conhecido
no momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser
descoberto somente após um certo período de uso do produto e do
serviço. É defeito que, em face do estado da ciência e da técnica à época da
colocação do produto ou serviço em circulação, era desconhecido e
imprevisível' (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, Saraiva,
1991, p. 67).
(...)
Quem deve arcar com os riscos de desenvolvimento? Responde o
fornecedor por esses riscos ou devem ser despejados nos ombros do
consumidor? A questão ainda é controvertida, havendo ponderáveis
argumentos nos dois sentidos. Tem-se sustentado que fazer o fornecedor
responder pelos riscos de desenvolvimento pode tornar-se insuportável para
o setor produtivo da sociedade, a ponto de inviabilizar a pesquisa e o
progresso científico-tecnológico, frustrando o lançamento de novos produtos.
Sem conhecer esses riscos, o fabricante não teria como incluí-los nos seus
custos e assim reparti-los com os seus consumidores.
Em contrapartida, seria extremamente injusto financiar o
progresso às custas do consumidor individual, debitar na sua cota social de
sacrifícios os enormes riscos do desenvolvimento. Isso importaria em
retrocesso de 180 graus na responsabilidade objetiva, que, por sua vez, tem
por objetivo a socialização do risco – repartir o dano entre todos já que os
benefícios do desenvolvimento são para todos. A fim de se preparar para
essa nova realidade, o setor produtivo tem condições de se valer de
mecanismos de preços e seguros – o consumidor não –, ainda que isso venha
a se refletir no custo final do produto. Mas, se a inovação é benéfica ao
consumo em geral, nada impede que todos tenhamos que pagar o preço do
progresso.
A razão neste ponto está com Antonio Herman de Vasconcellos e
Benjamin quando sustenta que o Código de Defesa do Consumidor não
incluiu os riscos de desenvolvimento entre as causas exonerativas da
responsabilidade do fornecedor, riscos estes que nada mais são do que
espécie do gênero defeito de concepção. Só que aqui o defeito decorre da
carência de informações científicas, à época da concepção, sobre os riscos
inerentes à adoção de uma determinada tecnologia (ob. cit., p. 67).
Em nosso entender, os riscos de desenvolvimento devem ser
enquadrados como fortuito interno – risco integrante da atividade do
fornecedor –, pelo que não exonerativo da sua responsabilidade.
Com efeito, o CDC só afasta a responsabilidade do fornecedor
quando provar que o defeito inexiste, consoante os arts. 12, § 3º, e 14, § 3º,
I. Logo, havendo defeito de concepção, ainda que decorrente de
carência de informações científicas à época da concepção, não há
que se falar em exclusão da responsabilidade do fornecedor. O Código
não cogitou do risco do desenvolvimento entre as causas exonerativas da
responsabilidade do fornecedor porque este, repita-se, como espécie do
gênero defeito de concepção, é defeito e, como tal, fato gerador da
responsabilidade do fornecedor. Assim, pela sistemática do CDC, o risco do
desenvolvimento só excluiria a responsabilidade do fornecedor se estivesse
expressamente prevista como causa exonerativa.
Sobre o ponto, importante o entendimento de Paulo de Tarso Vieira
Sanseverino: 'Em princípio, os riscos de desenvolvimento constituem
modalidade de defeito de projeto ou concepção do produto ou do
serviço estando perfeitamente enquadrados nos arts. 12, caput, e 14, caput
do CDC. Desse modo, a exclusão da responsabilidade do fornecedor,
nessa hipótese, deveria ter constado de maneira expressa do rol de
causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor, como ocorreu
no direito comunitário europeu' (Responsabilidade civil no Código do
Consumidor e a defesa do fornecedor, 2. ed. Saraiva, 2007, p. 335)." (
Programa de direito do consumidor [livro eletrônico], 5. ed., São Paulo:
Atlas, 2019 - grifou-se)
"(...)
1. Adentrando especificamente no objeto principal deste estudo,
como outra premissa fundamental é preciso reconhecer o fenômeno da
concausalidade, presente quando vários eventos concorrem para o
mesmo evento danoso. Estes podem ser naturais ou humanos e, no último
caso, admitem-se as condutas do próprio agente, da vítima e de
terceiros. Essas condutas podem ser culposas ou não, em uma pluralidade
de situações. A pós-modernidade acentuou as situações de concausalidade,
diante da existência de eventos complexos de responsabilidade civil.
2. A exemplo do seu antecessor, o Código Civil de 2002 trata da
concausalidade ao prever que, presente mais de um autor para o evento
danoso, todos respondem solidariamente (art. 942, parágrafo único). Essa
realmente deve ser a regra, em especial se não for possível verificar qual a
contribuição de cada um dos envolvidos para o evento danoso. Todavia, nos
termos dos arts. 944 e 945 do Código Civil, é possível distribuir a
responsabilidade civil de acordo com as respectivas contribuições causais.
3. Assim, é viável juridicamente atribuir a culpa ou o fato
concorrente em relação aos agentes, levando-se em conta as concorrências
efetivas do agente e da própria vítima. Se houver responsabilidade
objetiva, fala-se em risco concorrente, sendo o verbete principal do
presente estudo: a responsabilidade civil objetiva deve ser atribuída e
fixada de acordo com os riscos assumidos pelas partes, seja em uma
situação contratual ou extracontratual.
4. Em sede de Direito Comparado, a fixação da indenização de
acordo com as contribuições causais é utilizada em países como Alemanha,
Itália, Portugal, Espanha e Argentina. Do último país, cite-se a afirmação de
Mosset Iturraspe, no sentido de que não se pode mais pensar a
responsabilidade civil com a construção de culpabilidade total de certos
indivíduos. Um sistema justo, equânime e ponderado de direito dos danos é
aquele que procura dividir os custos do dever de indenizar de acordo
com os seus participantes e na medida dos riscos assumidos por
cada um deles.
5. Constitucionalmente, o estudo está amparado na tríade
isonomia-razoabilidade-proporcionalidade, retirada do art. 5º, caput, da
Constituição Federal de 1988, e na premissa de que a lei deve tratar de
maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais, de acordo com
as suas desigualdades. Como a atribuição das responsabilidades é
feita segundo os riscos assumidos pelos participantes da relação
jurídica, o que se busca é um tratamento qualificado e específico de acordo
com as características do caso concreto. Constata-se, portanto, que o
presente estudo se enquadra na linha dos posicionamentos expostos a
respeito do tratamento diferenciado pós-moderno e do que se espera do
razoável, do adequado.
6. Como fundamentos legais infraconstitucionais para este estudo,
podem ser citados os arts. 944 e 945 do Código Civil, segundo os quais a
indenização mede-se pela extensão do dano e pelo grau de culpa dos
envolvidos. Havendo excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, o juiz poderá reduzir equitativamente a indenização. Em sede
doutrinária, previa o Enunciado n. 46 do Conselho da Justiça Federal,
aprovado na I Jornada de Direito Civil, que tais dispositivos não se
aplicariam à responsabilidade objetiva. Todavia, na IV Jornada de Direito
Civil foi aprovado o Enunciado n. 380, suprimindo do enunciado
doutrinário anterior a menção de não subsunção à responsabilidade
sem culpa. O último enunciado doutrinário foi proposto por este autor, como
preparatório para o estudo aqui apresentado. Em suma, os dispositivos não
só podem como devem subsumir a responsabilidade sem culpa. Nesse
contexto, três argumentos principais podem ser citados. Primus, a questão
da atribuição da responsabilidade sem culpa não se confunde com a fixação
do quantum debeatur, uma vez que os momentos jurídicos são distintos.
Secundus, se nas hipóteses de responsabilidade objetiva é possível alegar a
culpa exclusiva da vítima para afastar o dever de indenizar, também é viável
alegar a culpa ou o risco concorrente para atenuá-lo. Tercius, a questão
envolve a amplitude do nexo de causalidade, que pode ser diminuído de
acordo com a causalidade adequada.
7. Muito além dos simples fundamentos legais, a teoria do risco
concorrente está amparada na equidade, na ideia do justo e na busca da
justiça do caso concreto. Ora, quando alguém assume o risco em
contratar um objeto que seja perigoso, tem a consciência - declarada
ou não - de que o infortúnio pode ocorrer. Ilustrando, se alguém compra
fogos de artifício, sabe que, quando for operá-lo, é possível que tenha a mão
queimada. Esse também será o pensamento para uma situação
extracontratual, eis que, se alguém busca o lazer por meio de um esporte
radical, caso, por exemplo, do paraquedismo, sabe perfeitamente que é
possível que o pior aconteça. O perigo, nas situações expostas, é a
essência daquilo que é buscado pela parte da relação intersubjetiva.
Diante do seu fundamento na equidade, perde relevo a crítica que poderia
ser feita à teoria do risco concorrente no sentido de prejudicar a proteção dos
vulneráveis, caso dos consumidores e dos trabalhadores, no âmbito da
responsabilidade civil contratual. Ademais, como se viu, o verbete proposto
pode até ser mais favorável aos vulneráveis negociais. Em outras palavras, a
sua concepção no ordenamento jurídico pode, inclusive, implicar maior tutela
ou proteção de tais direitos.
8. Ainda no que toca à equidade, os novos caminhos da
responsabilidade civil indicam a distribuição dos custos conforme as
contribuições das partes. Não se pode mais imaginar a responsabilidade civil
com personagens que detêm papéis estáticos, ou seja, o ofensor como
reparador puro e a vítima como pessoa a ser indenizada. No caso de
contribuição da última, haverá, sim, dever de indenizar, mas de
acordo com a sua conduta de contribuição, notadamente com o risco
assumido.
9. A teoria do risco concorrente mantém relação direta com
a tese da responsabilidade pressuposta, desenvolvida por Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka. De início, porque valoriza a questão do risco
assumido por alguém em sua atuação continuada, a gerar a sua
responsabilização independentemente de culpa. A teoria do risco
concorrente tem incidência direta justamente na responsabilidade
objetiva, incluindo as hipóteses de criação de um risco pela atividade
desenvolvida, ou seja, de mise en danger. Ademais, se o risco deve
incidir na conduta do agente para a sua responsabilização, também
deve ser critério a ser aplicado ao lesado, que igualmente pode atuar
de forma arriscada em determinada situação, devendo a
responsabilidade da outra parte ser atenuada de acordo com o risco
assumido. Segundo a equidade, que também fundamenta a
responsabilidade pressuposta, a responsabilidade civil deve ser
dividida entre os participantes do evento, tendo-se como parâmetro
os correspondentes riscos assumidos. Os atos das partes - agente,
culpado e eventual terceiro - devem ser considerados substanciais para a
determinação das respectivas responsabilidades e do quantum debeatur. A
boa-fé entra em cena como arcabouço da equidade, eis que, mormente nos
casos de responsabilidade contratual, a informação a respeito do risco tem
um papel incrementador das responsabilidades dos envolvidos.
10. Partindo para a concretude do estudo, ou seja, para a sua
efetivação prática, várias são as hipóteses de incidência da teoria do risco
concorrente, a saber: a) nas situações de responsabilidade objetiva do
Estado, em que o próprio cidadão lesado contribui para o evento danoso,
assumindo o risco de prejuízo; b) nos casos de responsabilidade objetiva
do empregador, seja indireta ou direta, a incluir a novidade de incidência do
art. 927, parágrafo único, do Código Civil; c) nas hipóteses relativas à
responsabilidade objetiva do empregador, havendo regra específica que trata
do fato concorrente da vítima para atenuação do nexo causal e que ampara a
premissa proposta de assunção de risco pela vítima (art. 738, parágrafo
único, do Código Civil); d) em casos que envolvem o contrato de seguro, pela
aplicação do conceito inerente à boa-fé objetiva, que impõe ao credor a
mitigação do próprio prejuízo (duty to mitigate the loss); e) nas atividades de
saúde, em que o paciente
assume o risco, por ato declarado ou não (vide a questão do consentimento
informado); f) nos infortúnios que decorrem das diversões e dos esportes
radicais ou perigosos, em que o risco é inerente; g) nas hipóteses de recall
ou convocação dos consumidores para troca de peças ou produtos, havendo
assunção de risco por parte dos vulneráveis que são comunicados mas não
atendem à chamada dos fornecedores; h) na problemática jurídica que
envolve o cigarro e o tabagismo, amplamente debatida pela doutrina e pela
jurisprudência nacionais na contemporaneidade, sendo o risco concorrente
meio adequado para a atribuição das responsabilidades de acordo com os
riscos assumidos pelos envolvidos. Em todos os cases expostos, o dever de
reparar e o correspondente quantum debeatur são fixados conforme as
contribuições de causalidade, principalmente se considerados os riscos
assumidos pelos personagens do evento na responsabilidade objetiva." (
Teoria do risco concorrente na responsabilidade objetiva. Disponível em
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-30042013-1510
55/publico/Flavio_Murilo_Tartuce_Silva_parcial.pdf - acessado em
20/7/2022 - grifou-se)
"(...)
A objetivação da responsabilidade despreza o elemento subjetivo
culpa. São protagonistas deste tipo de responsabilidade o dano, sem o qual
não há dever de indenizar, e o nexo de causalidade. Deve necessariamente
haver um elo que ligue o agente ao dano e, sendo encontrado, exsurge o
dever de reparação, pois é direito básico do consumidor que sejam tomadas
medidas para a reparação integral do dano sofrido.
Entrementes, a conduta exclusiva da vítima é capaz de afastar a
responsabilidade civil do agente, haja vista romper o nexo causal, pois, o
distancia do liame que liga causa e dano, isto é, não guarda relação com o
agente, mas tão somente com a vítima.
Situação não rara é o fato de a contribuição da vítima não ser
suficiente para eximir o agente do dever de indenizar, por não romper o nexo
causal. Nada obstante, sua conduta é tão forte e determinante que
claramente se enxerga dano distinto, não fosse aquele determinado
comportamento, ou seja, a concorrência das causas foi fator
determinante para produzir o dano verificado no caso concreto.
A concausalidade é fator relevante para atenuação do
dever de indenizar, mesmo nos casos de responsabilidade objetiva,
mesmo havendo obrigatoriedade de prevenção dos riscos pelo agente.
Chega-se a tal conclusão tomando por corolário a equidade que deve imperar
aos casos em que ocorre a concorrência de causas. É o que o legislador do
código civil quis ao estabelecer, no parágrafo único do artigo n. 944 e no
artigo n. 945, que o montante da indenização deve ser fixado levando-se em
consideração o grau de contribuição da vítima, numa análise da gravidade
da culpa e o dano, agindo-se, assim, de forma equitativa.
O posicionamento atual do STJ é o de que a concorrência de
causas não exclui a responsabilidade civil do fornecedor de serviços. O
Princípio da reparação integral do dano, fica mitigado em função da
contribuição evidente da vítima, capaz - não de afastar o nexo
causal, mas de atenuar o valor de indenização para reparação dos
danos, levando em conta a relevância da causa.
A questão é tão importante que foi alvo de discussão no Conselho
da Justiça Federal. Num primeiro momento, o Enunciado nº 46 estabeleceu
que, de fato, é possível haver a redução da indenização em decorrência do
grau de culpa do agente, contudo, excluindo-se as hipóteses de
responsabilidade objetiva. Entretanto, houve evolução da doutrina e
jurisprudência. Em razão disso, o enunciado nº 380 deu nova
redação ao enunciado nº 46, deixando claro aplicar-se a hipótese da
concorrência de causas também aos casos de responsabilidade
objetiva.
Deve ser ampliada a visão sobre o risco concorrente, pois várias
são as situações em que a vítima pode antever que sua conduta
potencializará o risco de vir a sofrer danos. Ela assume-o
conscientemente, embora não se possa descartar o grau de
responsabilidade do agente fornecedor de produtos ou serviços. É o
que acontece nos casos de a vítima contratar empresa para realizar esportes
radicais; quando a vítima, sendo notificada sobre recall em seu veículo não
comparece à concessionária; quando a vítima invade estabelecimento de
produtos pirotécnicos." (ob. cit. - grifou-se)
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro : MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. OSNIR BELICE
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : REGINALD JOSE COSTA
ADVOGADO : RODNEI MARCELINO DE CARVALHO - SP292474
RECORRIDO : ITAU UNIBANCO S.A
RECORRIDO : BANCO ITAUCARD S.A.
ADVOGADOS : EDUARDO CHALFIN - SP241287
LARISSA MARIA LEME DAS NEVES - SP336977
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, inaugurando a divergência e o realinhamento do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, a
Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial. Participaram do
julgamento a Sra. Ministra Nancy Andrighi e os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,
Ricardo Villas Boas Cueva e Moura Ribeiro. Impedido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.