Edson Alencar Silva
Edson Alencar Silva
Edson Alencar Silva
PUC-SP
São Paulo
2020
EDSON ALENCAR SILVA
São Paulo
2020
EDSON ALENCAR SILVA
São Paulo
2020
Banca Examinadora
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Agradeço a bolsa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) - processo: 142296/2018-0.
À toda a minha família, mãe, irmãs e irmão, cunhados, primos e tios e tias. Pela
inspiração e incentivo. Cada um de vocês sabem o quanto os amo.
Aos meus filhos queridos, Heitor e Heloísa e Frida pelos momentos de aprendizado,
carinho e descontração, sem vocês teria sido muito mais complicado.
E a todxs xs garotxs de jaqueta preta; axs garotxs do subúrbio, vocês não podem
desistir de viver.
Dedico este trabalho à Pedrina, Heloísa, Heitor e
Frida por serem fontes generosas de amor e
inspiração; e à memória de minha filha Stella, do
meu pai José e de Maria da Glória, querida sogra,
que seguiu para luz eterna no decorrer desta
pesquisa.
RESUMO
Esta tese foca a música gravada por punks na cidade de São Paulo de 1981 até
2019. Com base nisso, argumentamos que estas produções vinculam-se a cultura
mundializada, estabelecidas, portanto à uma forma musical específica, ao
movimento punk mundial e à sua ética de grupo Do It Yourself (DIY). Incidindo
internamente ao habitus de classe e aos pertencimentos a grupos juvenis
espalhados pela periferia da cidade de São Paulo. Essa dinâmica gerou uma série
de práticas, entre elas aquelas vinculadas à música gravada no qual vem se
apresentando sem interrupções desde 1981. Fizemos um levantamento de
produções no qual constatamos 880 produtos fonográficos elaborados punks, sendo
a maior parte delas feitas, difundidas e distribuídas pelos próprios punks paulistanos.
Neste sentido, a partir do esforço de pesquisa, sugerimos que, para além de um
sentido econômico, estas práticas estariam focadas nas redes de sociabilidade,
amizade e identidade, partilhadas punks paulistanos. O qual também favoreceu que
estes pudessem inserir suas concepções e visões de mundo, via a música gravada,
em um contexto de produção musical dominado pelas elites econômicas e culturais
do Brasil.
Palavras-chave: Punks. Música gravada. DIY. Industria Fonográfica. Periferia. São
Paulo.
ABSTRACT
This thesis focuses on music recorded by punks in the city of São Paulo from 1981 to
2019. Based on that, we argue that these productions are linked to globalized
culture, established, therefore, to a specific musical form, to the world punk
movement and its ethics group Do It Yourself (DIY). Focusing internally on class
habitus and belonging to youth groups spread across the perifhery of the city of São
Paulo. This dynamic generated a series of practices, including those linked to
recorded music, which has been performing without interruption since 1981. We
surveyed productions in which we found 880 elaborated punk phonographic
products, most of which were made, disseminated and distributed by São Paulo
punks themselves. In this sense, from the research effort, we suggest that, in
addition to an economic sense, these practices would be focused on networks of
sociability, friendship and identity, shared by São Paulo punks. Which also favored
that they could insert their conceptions and worldviews, via recorded music, in a
context of musical production dominated by economic and cultural elites from Brazil.
Keywords: Punks. Recorded music. DIY. Phonographic Industry. Perifhery. São
Paulo.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Discos lançados por punks na cidade de São Paulo entre 1981-2019 134
Gráfico 2 – Distribuição de rimos nas produções ................................................... 139
LISTA DE TABELAS
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7
1.2 Indústria fonográfica no Brasil, dos anos 1970 aos dias atuais: domínio, queda e
reorganização............................................................................................................ 29
2.3.1 Punk enquanto movimento cultural global expresso nos espaços urbanos ..... 67
3.3 Do It Yourself (DIY) como ética de grupo e a sua relação com a música gravada
................................................................................................................................ 125
4.2.4 Mulheres, negros e LGBTQI+ e os usos do hardcore punk e o punk rock ..... 168
4.3 Ação entre amigos: as coletâneas como representação de ações coletivas .... 174
4.6 As produções realizadas por bandas sem apoio financeiro, ou simbólico, selos e
distros ...................................................................................................................... 205
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 219
INTRODUÇÃO
1 Emprego o conceito de “práticas culturais” entendendo-as como “[...] o conjunto das atividades de
consumo ou de participação ligadas à vida intelectual e artística, que abrangem disposições estéticas
e participam da definição de estilos de vida: leitura, frequentação dos equipamentos culturais (teatros,
museus, salas de cinema, salas de concertos, etc.), utilizações das mídias audiovisuais, mas também
práticas culturais amadoras” (COULAGEON, 2014, p. 16).
2 Utilizaremos esta noção geral desenhada por Pierre Bourdieu, no entanto, focaremos em lidar sobre
a questão das fronteiras, trocas simbólicas e práticas culturais através do termo cena. Isto nos
permite uma maior liberdade conceitual, além de nos parecer mais adequado para tratar o presente
objeto de pesquisa.
11
como o plano de suas obras simbólicas e materiais nas suas variadas dimensões
(produção, distribuição e aquisição).
Procuramos utilizar essas noções de modo associado, dado que para o
próprio autor elas formam um tripé em que uma se liga à outra. A partir dessa visão,
pudemos compreender as ações voltadas em torno da produção e circulação da
música gravada por punks na cidade de São Paulo como um campo de interações
atrativas e repulsivas. Aqui, os agentes envolvidos dão vazão a um conjunto de
práticas sociais nas quais ao mesmo tempo em que os conforma em um mesmo
campo, também os coloca em oposição uns aos outros, em uma luta pelos capitais e
por distinção nesse espaço.
Ao se pesquisar sobre o tema da indústria cultural, torna-se quase impossível
não mencionar as contribuições da Escola de Frankfurt, especialmente de Theodor
Adorno e Max Horkheimer, apresentadas sobretudo no livro Dialética do
Esclarecimento (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Há uma série de críticas feitas às
reflexões destes autores, principalmente sobre as limitações de suas visões, que
tendem a deixar de lado como os agentes sociais atuam frente à padronização. Mas,
apesar disso, é importante reter que muito do que diagnosticaram no campo das
produções culturais ainda se mantém. Principalmente ao denunciarem que a cultura
no ocidente estaria profundamente marcada por uma racionalidade instrumental,
expressa através da massificação de produtos feitos de maneira padronizada.
Independentemente do que se possa vir a conjecturar sobre o que pensaria Adorno
sobre a música punk, essa noção nos ajudou a pensar sobre como ela se apresenta,
desde a sua origem, para o conjunto da sociedade em termos estéticos. Se há algo
que se pode dizer com propriedade é que o punk rock mudou a cara da música pop,
direta e indiretamente. Dito de outra maneira, o punk rock, senão de maneira
duradoura, conseguiu alargar as compreensões sobre a produção musical, no seio
da sociedade ocidental - sobretudo no contexto da cultura pop.
Diante dos pressupostos teóricos apresentados, buscando atingir os objetivos
descritos, foi feita uma pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico e empírico. O
material bibliográfico nos proporcionou, além de informações sobre o tema
estudado, a ampliação e aprofundamento sobre o plano teórico pertinente ao nosso
estudo. Em relação à pesquisa empírica, a ideia foi captar os diferentes significados
sobre a prática de gravação, produção e divulgação de música gravada de maneira
alternativa à lógica das gravadoras comerciais.
12
Além disso, como eixo temporal, foi estabelecido o período que se inicia em
1981 até 2019. Tal eixo visou abarcar as linhas de continuidade e de modificações
inseridas dentro do campo de produções de músicas gravadas pelo grupo aqui
tratado. Por um lado, podemos concordar que é de fato um lastro temporal
considerável (estamos falando de quase quarenta anos). Mas, por outro lado, como
se trata de uma produção de bens simbólicos de um grupo relativamente pequeno,
este eixo de tempo pôde ser trabalhado com relativa tranquilidade.
13
3É possível que haja muitos mais produções fonográficas, porém, a dificuldade se instala justamente
em encontrar esses materiais (em muitos casos, nem os próprios membros das bandas possuem
esses registros). Inclusive, algumas vezes encontramos registros que determinadas bandas julgavam
perdidas.
15
4Mas não temos a intenção de aprofundar os conceitos ou as influências de Weber nestes autores,
apenas serão sublinhados alguns pontos que julgamos fundamentais para a presente discussão.
17
capital. Dito de outro modo, esta seria uma cultura industrializada que surge com o
avanço do capitalismo no ocidente, configurando-se como uma potência que passa
a agir no modo como os indivíduos constroem e partilham as suas subjetividades na
sociedade. É no bojo desse fenômeno que a música gravada se insere. Vejamos
como os autores nos ajudam a pensá-la enquanto mercadoria. Assim, tratemos de
refletir sobre o conceito de indústria cultural e o que ele pode nos proporcionar para
então seguirmos em nossa reflexão.
Nas primeiras quatro décadas do século XX, mantendo os olhos abertos e
focalizados nas mediações que a indústria de bens culturais passava a desenvolver
no ocidente, Theodor Adorno e Max Horkheimer propuseram algumas ideias que
nos ajudam a compreender o desenvolvimento da música gravada. Não temos a
intenção de seguir exaustivamente as ideias dos filósofos frankfurtianos, mas
apenas de retirar alguns elementos da concepção de indústria cultural, a fim de
pensarmos de maneira mais adequada o fenômeno da música gravada e como ela
se desenvolveu.
Em primeiro lugar, no sentido de pensar as individualidades, a indústria
cultural seria, para os autores, a mediação que garante a produção do
comportamento de consumidor. Por meio de seus produtos, os processos de
socialização seriam modificados a tal ponto que se transformariam no centro
gravitacional da formação das individualidades. Nesse caso, mantendo esta
centralidade, e, em última instância, garantindo o comportamento de consumidor, a
indústria cultural não atende às necessidades deste consumidor. Isso porque ela
não lhe dá garantias de que o seu consumo se dê de maneira livre. Para Adorno e
Horkheimer, é patente que a ideia de que as esferas sociais apontadas por Weber
como sendo cada vez mais autônomas não se confirmaria. Na visão dos autores
estaria ocorrendo o contrário: ao invés de se desenvolver diversidade nas esferas
sociais, estaria predominando o princípio de identidade. Esse princípio, de maneira
geral, agiria como a lógica pela qual seriam produzidos os produtos culturais:
mesmo diversos em sua aparência, estas mercadorias teriam em si elementos que
as ligariam entre si. Isso causaria o efeito não de choque ou afastamento, mas de
adesão direta pelo reconhecimento. Isto é, pelo fato de já pressupor a diversificação,
a indústria cultural construiria os seus públicos já os cooptando de antemão. Nesse
sentido, a discussão de o que é arte ou não é vista apenas como um caso de
constituição de públicos diversos. Dito de outra maneira, a indústria cultural precisa
19
O fato de se poder escolher não revela o que estaria por trás do que
realmente ocorre: a manutenção da ordem hierárquica sustentada pelas posses de
bens materiais. Quem dá as cartas continua sendo o mesmo grupo social que se
21
5 O caso de maior repercussão de uso sistemático dessa prática ocorreu em relação à última eleição
presidencial dos Estados Unidos. A empresa inglesa Cambridge Analytica, especializada em análise
de dados voltados para campanhas eleitorais, foi contratada por Steve Bannon, então chefe de
campanha do candidato republicano Donald Trump. A empresa utilizou o Facebook para coletar
dados de milhões de usuários, com intuito de moldar a opinião pública. A atuação da empresa foi
determinante para a estratégia vitoriosa de Trump, dado o seu caráter agressivo de impulsionar
notícias falsas, moldadas especificamente para os perfis coletados. O programador Christopher Wylie
foi quem revelou o esquema e as intenções de Bannon, quando este o contratou para atuar frente
aos dados coletados no Facebook. Wylie afirmou em entrevista ao jornal britânico The Guardian que
"Ele [Bannon] queria armas culturais e nós podíamos construí-las para ele". O fato ficou marcado
como um escândalo e gerou forte comoção, ao ponto da Cambridge Analytica ser responsabilizada e
de Mark Zuckerberg (fundador e vice-diretor executivo do Facebook) ter de prestar esclarecimentos
ao Senado estadunidense. O caso foi amplamente coberto pela imprensa mundial, transformando-se
também em documentário lançado em 2019 pela empresa de streaming Netflix, chamado
“Privacidade hackeada”. Sobre isso, cf. o artigo “O uso ilegal de dados do Facebook pela Cambridge
Analytica. E o que há de novo”, de Murilo Roncolato. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/19/O-uso-ilegal-de-dados-do-Facebook-pela-
Cambridge-Analytica.-E-o-que-h%C3%A1-de-novo.
23
dizer com certa convicção que o que a indústria cultural realiza, como dito
anteriormente, é a administração das dissonâncias; ou melhor, das crises que ela
mesma gera. A própria crítica à indústria cultural é absorvida pela indústria, que
canaliza e transforma a crítica em produto (SAFATLE, 2009).
O que se torna patente é o fato de que o sistema produtivo não é alterado.
Isso quer dizer que, sendo a representação do capitalismo, a indústria cultural se
instala não nos produtos em si, mas no modo como são produzidos. Trata-se, como
já mencionado, de um sistema que penetra as subjetividades via socialização, o que
é potencializado pelos meios de comunicação. Isso quer dizer que na base material
da sociedade moderna o capitalismo avança com a dominação sobretudo pela
cultura. Assim, ao se mostrar dessa maneira, as resistências a ela só poderiam vir
das subjetividades. Mas, como estas também são capturadas e formatadas,
confirma-se uma vez mais o predomínio do capitalismo como mediador das relações
sociais. Assim não seria exagero dizer que:
Torre (2019) nos remete a refletir sobre o mal-entendido que é feito a partir de
uma interpretação que aposta somente na crítica de Adorno como crítica à
mercantilização da cultura. Na verdade, o importante é perceber que este filósofo
alemão mantinha a sua preocupação em refletir sobre as contradições existentes
nas relações sociais. Nestas, a noção de mercadoria cultural é um interessante
exemplo de desdobramento que apresenta a contradição básica (valor de uso e
valor de troca), pois nele se encontram a naturalização e reificação das relações
sociais. Compreender o conceito dessa forma nos aproxima de Karl Marx, o que nos
ajudaria a entender que as contradições existentes entre sujeito e objeto, que se
apresentam invertidas, não são superadas pela forma mercadoria. Nas palavras da
autora:
24
uma compreensão incorporada que pode fazer com que alguém se sinta
"descolado" (THORNTON, 1996, p. 3-4).6
6 Traduzido livremente do original “Club cultures: music, media and subcultural capital.” Hanover:
Wesleyan University Press, 1996 (p. 3-4): “Club cultures are taste cultures. Club crowds generally
congregate on the basis of their shared taste in music, their consumption of common media and, most
importantly, their preference for people with similar tastes to themselves. Taking part in club cultures
builds, in turn, further affinities, socializing participants into a knowledge of (and frequently a belief in)
the likes and dislikes, meanings and values of the culture. Clubs and raves, therefore, house ad hoc
communities with fluid boundaries which may come together and dissolve in a single summer or
endure for a few years. Crucially, club cultures embrace their own hierarchies of what is authentic and
legitimate in popular culture – embodied understanding of which can make one ‘hip’.
29
Como visto, o que buscamos realizar foi tratar a noção de indústria cultural
não de modo a esgotá-la, mas buscando retirar o que pensamos ser importante para
nos orientar. Assim, tratando a questão em Adorno e Horkheimer, a indústria cultural
nos remete à dominação ideológica e à manipulação para controlar o que o público
consumidor irá adquirir. Ela constrange o que o público deverá escolher, mas
sempre mascarando essa escolha com o discurso de que quem faz a opção é
sempre este público. Contudo, acreditamos que não é possível apontar que há uma
homogeneização do consumo, dependendo do habitus dos indivíduos o seu
consumo será orientado de maneiras diversas. Isso nos leva a outras noções, como
capital cultural e campo, elaboradas por Pierre Bourdieu que, em conjunto, nos
ajudam a perceber a questão da música gravada como um fenômeno não somente
da ordem econômica monetária, mas também de uma ordem econômica simbólica.
Como aponta o autor:
1.2 Indústria fonográfica no Brasil, dos anos 1970 aos dias atuais: domínio,
queda e reorganização
30
indústria da música gravada passaram a ser fluidos e múltiplos. Por outro lado,
percebemos que as empresas envolvidas com o negócio da música gravada não
são mais exclusivamente gravadoras. Para além destas, o que se vê é que
empresas de tecnologia da comunicação – como Google Play, Spotify, iTunes,
Deezer, entre outros – já são, há algum tempo, as responsáveis por liberar o acesso
à música via streaming. Isso significa dizer que o usuário acessa o conteúdo que
deseja sem que precise necessariamente ser assinante.
O quadro apontado resumidamente acima nos dá um caminho a percorrer, o
qual buscaremos melhor delinear. Apesar de mergulhado em uma complexa crise
que já dura anos a fio, o negócio da música gravada vem demonstrando uma grande
capacidade de reinvenção. Dentro desse cenário, buscaremos localizar as
produções fonográficas dos punks paulistanos.
Segundo o ranking da International Federation of the Phonographic Industry
(IFPI)7, somente em 2018 o mercado mundial de música gravada faturou US$ 19,1
bilhões. Dentro deste ranking, o Brasil ocupa a décima posição, tendo alcançado a
marca de faturamento de U$ 298,8 mi, o que representou um crescimento de 15,4%
em relação ao ano anterior. O que serviu também para impulsionar as vendas de
música gravada na América Latina, que atingiram um crescimento de 16,8%.
Internamente, o mercado brasileiro apresentou, ainda, queda de 10,1% nas vendas
físicas. Porém, houve uma expansão de 34% nas de streaming, que já
correspondem a 46,8% do mercado de música gravada no país. Não é segredo que
há uma queda flagrante nas vendas de formatos físicos e, em contrapartida, um
aumento da vendagem de formatos digitais.
Esses dados nos revelam tanto que não há nenhuma dúvida de que uma
indústria cultural se desenvolveu bem por aqui, como também possibilita algumas
indagações iniciais: como o país se constituiu em uma potência consumidora deste
tipo de mercadoria? Como esta indústria se estabeleceu no Brasil? Responder estas
questões nos conduzirá a pensar nos possíveis desdobramentos da indústria da
música gravada no país e os seus limites, fornecendo-nos o mote para localizarmos
e tratarmos o presente objeto de pesquisa.
A indústria cultural brasileira tem seu início e sua consolidação a partir de
meados dos anos 1960, época em que foi deflagrado o golpe civil-militar. Nesse
8 MP3 é a sigla abreviada para MPEG 1 Layer-3 (Moving Picture Expert Group –MPEG). Trata-se de
um compressor de áudio que mantém um padrão de baixa perda para o ouvido humano. Ele se
popularizou nos anos 2000, sendo hoje um formato comum nas trocas de arquivo pela internet ou nos
serviços de streaming comercializados por várias empresas.
9 O caso mais conhecido foi o do website Napster, retirado do ar em 2000, depois da banda de
trashmetal estadunidense Metallica entrar com uma ação alegando um prejuízo que chegava a U$ 10
milhões de dólares. A banda ganhou a causa e o site foi retirado do ar. Contudo, essa ação fez com
que surgissem novos sites com novas tecnologias que dificultavam até mesmo o rastreamento dos
compartilhamentos, pois já não contavam com um servidor central para servir de mediador entre os
computadores que compartilhavam arquivos. Para maiores detalhes sobre o assunto, cf. Sanches
(2007).
35
atual cenário da venda de música pela internet segue como tendência, seja por meio
de downloads, seja por streaming (nesse caso, não se disponibiliza o arquivo, mas
apenas a transmissão momentânea de dados). Nos últimos anos, este tipo de venda
ganhou relevo em detrimento dos formatos físicos (CD, DVD e BluRay). Estes já
vêm há alguns anos contabilizando quedas.
A encruzilhada é evidente e até certo ponto inevitável, dada as condições que
foram se arrolando juntamente a uma série de outros fatores suficientes para que
essa conjuntura se firmasse. De acordo com Dias (2010, p. 167), a música manteve
grande proximidade com os meios de comunicação, firmando-se como área
privilegiada da indústria cultural. Tal dinâmica foi observada ao longo do seu
desenvolvimento no século XX e também nas primeiras duas décadas dos anos
2000. Um outro fato de relevância é que a música se adaptou bem à internet,
garantindo grande visibilidade e convencionando-se a falar em música gravada, não
mais em “discos”. Como explica a autora, “A mudança no conceito, no entanto, para
além da dimensão técnica, revela uma transformação das práticas culturais, com o
fim da centralidade antes exercida pelo disco no conjunto da produção musical"
(DIAS, 2010, p. 166). Assim, o que temos hoje seria uma situação em que o produto
único (disco) é substituído por um modelo em que a música passa a ser concebida
para múltiplos canais, na esperança de que a grande indústria fonográfica consiga
recuperar algo do que foi perdido durante os anos de declínio. Ainda segundo a
autora,
Numa retrospectiva dos caminhos seguidos até aqui, temos que, em seus
variados formatos, qualidades técnicas, tamanhos e conceitos, o disco
seguiu como suporte privilegiado dos registros musicais por pelo menos 80
anos do século XX, até a chegada do CD, ele também um disco, mas que
trouxe consigo a capacidade de alterar radicalmente a situação estabelecida
(DIAS, 2010, p.167).
Se, por um lado, é evidente a perda da centralidade do disco, por outro, isso
revela outras camadas desse processo. A primeira delas se mostra através da
própria configuração atual do capitalismo. Tal configuração se dá justamente em
uma concentração ainda mais acirrada do que o verificado nos anos em que o disco
ainda era o centro gravitacional dessa indústria. Essa concentração se lança não
mais em dominar o binômio hardware/software, mas em agregar empresas de
comunicação e mídia (DIAS, 2010).
37
Como nos lembra Nicolau Netto (2011), a questão está também em perceber
como o negócio da música gravada se transforma e passa de mãos, ou seja, se
como se rearranja em termos de relações de poder. Ao longo de sua história, a
indústria da música gravada não se desenvolveu nas mãos de gravadoras, mas nas
de empresas de tecnologia que buscavam vender os aparelhos tocadores
(hardware), apoiando-se na venda de discos (software). Somente com o tempo é
que o disco passa a ter centralidade e a se mostrar como filão altamente lucrativo,
denotando que a música enquanto encerrada em um software se transforma em
uma mercadoria vendável. Com o decorrer do seu desenvolvimento, passando a ser
ofertada em formato digital, a indústria fonográfica perdeu sua força, dado que
estava no controle da produção tanto de hardware, quanto de software (NICOLAU
NETTO, 2011).
Thiago Galleta (2016, p. 101) assevera observação similar. Para o autor, com
a expansão da internet e oferta de música nas plataformas digitais de streaming, o
“disco físico” perde espaço enquanto mercadoria. A indústria do disco não consegue
êxito em suas tentativas de manter a hegemonia e vê o seu empenho em
criminalizar as novas práticas como algo inócuo. Com a desestruturação da indústria
fonográfica, causada principalmente pelos avanços tecnológicos, as gravadoras
perdem o seu caráter e se configuram em agências de gerenciamento e marketing
de produtos fonográficos.
Do ponto de vista estratégico atual, é preciso, ainda, ter em conta que em
uma nova fase as majors já não apostarão em criar uma atuação em que o disco de
sucesso seja apresentado em duas versões, a global e a local. Tal empreendimento
necessitaria de uma ação complexa, envolvendo outros media e o pagamento do
famoso “jabá” para o uso dos espaços. Com o desenvolvimento das novas
tecnologias, esse plano de negócio foi minado pelo alto custo operacional, já que se
demanda um grande investimento de capital, o que também acaba deixando o
produto final mais caro (DIAS, 2010, p. 168).
Esse processo de reconfiguração empresarial abriu espaço para que um outro
processo viesse ser posto em prática, qual seja, o processo de desvinculação do
cast de artistas das gravadoras. A cena paulistana estudada por Galetta (2016) se
apresenta como um quadro no qual que se confirma o que é verificado por Dias
(2010). Houve a diminuição do investimento destinado a manter as estratégias de
marketing que visavam gerenciar carreiras dos artistas contratados. Assim, estes
38
entre arte e negócio. Trata-se de algo que passaria tanto por uma discussão sobre
os aspectos relativos à música como um produto massivo, quanto por um
pensamento mais romântico de produção mais voltada à criatividade, e não sob a
égide do trabalho. Os punks reivindicaram o direito de serem indivíduos, e não
meros colaboradores da indústria fonográfica. Assim, para os punks ingleses e
americanos, o termo independente não se define como um negócio (GUERRA,
2014, 2015; O’HARA, 2005).
Um exemplo interessante que nos ajuda a ilustrar esse contexto é o caso da
banda anarcopunk “Crass”. Esta banda foi fundada em 1978, em Epping, nordeste
de Londres, Inglaterra. A sua proposta radical envolvia não apenas letras com fortes
mensagens políticas, mas toda uma vivência que se baseava nos preceitos políticos
e filosóficos do anarquismo (HESMONDHALGH, 1997, 1999). Eles tiveram grande
projeção na época a partir de suas ações.
Para um grupo que nomeou o primeiro álbum de The Feeding Of The Five
Thousand porque 5000 cópias era o número mínimo de prensagem e que
acreditava ser capaz de vender apenas 100 cópias, se encontrar três
semanas depois prestes a chegar ao disco de ouro, parecia que apenas o
Céu seria o limite. Mais um conto padrão rock n roll. Porém, o Crass não
seguiu o destino de seus pares, porque “a CBS produziu o Clash, mas não
foi por revolução, “foi apenas por dinheiro”. E como os membros do coletivo
por detrás do Crass não acreditavam em Céu no sentido católico, e suas
pretensões nunca estiveram centradas no sucesso fonográfico, restou
converter o sucesso comercial inicial em ativismo sério, organizado
(WAMBA, 2017, p. 22).
O primeiro disco lançado pelo grupo foi editado em 1978 pelo selo
independente “Small Wonder Records”. Contudo, houve um problema ao ser
prensado, pois o conteúdo da faixa "Reality Asylum" foi considerado profano demais
pelos trabalhadores da fábrica que prensava os discos. A letra, vista como ofensiva,
atacava o cristianismo e a figura de Jesus Cristo. Com isso, o disco acabou por ser
lançado sem a faixa, deixando vagos os minutos que seriam ocupados por ela. A
banda intitulou ironicamente tal lacuna como "The Sound Of Free Speech". O
episódio os levou a querer fazer as coisas por eles mesmos. Assim nasceu a “Crass
Records”, em 1979, que, posteriormente, lançaria o álbum completo. Para as
gravações, houve parcerias com o engenheiro de computação, John Lauder,
proprietário da “Southern Records”. Para distribuição dos discos, a parceria se deu
com “Rough Trade”. Vale notar que nem a “Southern Records”, nem a “Rough
Trade” mantinham afinidades políticas estritas com o anarquismo do Crass. Mas
41
havia certa simpatia, o que para o momento bastava. Com uma postura de
afastamento ao mainstream e voltados à ação direta10, os registros sonoros do
Crass mantiveram um padrão: produção de baixo custo e arte feita em preto e
branco utilizando colagens. A intenção era apresentar as suas ideias e fazer
propaganda pelo ato das noções anarquistas. Com as parcerias, obtiveram grande
sucesso na Inglaterra, vendendo mais de 250.000 cópias do segundo disco “Stations
of The Crass”. Isso os levou a manter a distribuição somente com a “Southern
Records”. Esta, por sua vez, fechara um acordo para distribuição dos discos do
Dead Kennedys, lançado pelo selo Alternative Tentacles Records, do vocalista da
banda, Jello Biafra.
Para a “Crass Records” as questões que envolviam a ideia de
empreendedorismo não se encaixavam (HESMONDHALGH, 1999). Nas palavras de
Penny Rimbaud, 77, escritor, poeta, filósofo, pintor, músico, ativista e ex-baterista da
banda, “[...] não estávamos interessados em lançar discos, mas em fazer manifestos
e, os discos foram uma forma de fazer o que queríamos” (RIMBAUD, 2017, p. 127).
Assim, eles buscaram ter controle sobre as etapas de produção, difusão, distribuição
e venda de seus produtos. Com essa proposta de atuação, a “Crass Records”
lançou outras bandas. Vale notar que isto era feito com ausência de contrato, ou
qualquer tipo de formalidade, em relação às negociações. Isto posto, há não apenas
um discurso que se organiza, mas uma prática que aponta para fazer o que se
pretende, burlando o aparato burocrático estabelecido nesse tipo de transação.
Essas ações imediatamente influenciaram outras pessoas em diversas partes
do mundo, tanto localmente, como do outro lado do Atlântico. Especificamente nos
Estados Unidos já havia certa movimentação em torno da criação de meios
alternativos de atuação frente a música gravada. Como apontado acima, a “Southern
Records” firmou parceria de distribuição dos materiais lançados pelo selo
estadunidense “Alternative Tentacles Records”. Este selo foi criado por Jello Biafra e
10 De acordo com George Woodcock (2002, p. 34), a ação direta é um dos pilares éticos do
anarquismo. É sobre ele que se dão as táticas de luta social e econômica conta o Estado capitalista.
Nas palavras do autor: “Os anarquistas, portanto, baseiam suas táticas na teoria da "ação direta" e
afirmam que os meios que utilizam são essencialmente sociais e econômicos. Tais meios incluem
uma grande variedade de táticas, que vão desde a greve geral e a resistência ao serviço militar até a
formação de comunidades cooperativas e uniões de crédito - com a finalidade de dissolver a ordem
vigente e não apenas preparar a revolução social, como assegurar-se que, uma vez iniciada, ela não
tomará rumos autocráticos”. De acordo com essa concepção, a diferença dessa maneira de se
contrapor à ordem vigente com os movimentos de esquerda está no fato de que a participação é
voluntária e não há distribuição de responsabilidades, regras de conduta ou obediência ao partido.
42
[há um] ambiente de informalidade que orbita nas negociações entre selo e
artista. Não há contratos ou advogados envolvidos, nem nunca houve.
Acordos são feitos via e-mail e verbalmente. E a relação com os grupos se
restringe ao lançamento de discos única e exclusivamente. Não interferindo
nas gravações, agendamento de shows, etc. No caso de uma banda do selo
sair em turnê, parte do trabalho como provedor de discos é realizar o envio
dos fonogramas a estas localidades, assegurando que as pessoas
dispostas a assistir a uma apresentação do grupo em questão, tenha fácil
acesso a sua música, sendo em estabelecimentos comerciais
especializados ou no próprio show. Quando há lucro sobre as vendas, é
dividido 50–50; quando há prejuízo o selo assume 100%. Reforçando a
confiança que as bandas depositam no Dischord e seu pessoal, assim como
a missão que lhes cabe: lançar discos apenas. Quando existe a
necessidade de rompimento ou de se desfazer um acordo, isso é feito com
43
acordo com a autora, algumas ações ganharam certo destaque devido à sua
projeção. Obtiveram algum sucesso discos como o de Zé Ramalho, em 1972,
“Peaberu”; o projeto do “Disco de Bolso”, lançado pelo jornal “Pasquim”, em 1972; e
em 1977 o disco intitulado “Feito em Casa”, elaborado pelo pianista Antônio Adolfo.
Por outro lado, a autora aponta que a pesquisa Disco em São Paulo mostrou
que existiam em São Paulo uma série de empresas de pequeno e médio porte que
poderiam ser consideradas independentes. No geral, estas empresas apresentavam
uma organização com um número pequeno de pessoas. Elas se dividiam em várias
funções, que iam desde a parte mais técnica até a administrativa, envolvendo
também o artista, a depender do seu tamanho. Sobre a origem dessas empresas,
Dias (2008) sugere que elas podem ter surgido a partir de lojas de discos. Ou seja,
como o desdobramento de uma ação que já contemplava a participação com as
grandes gravadoras. O que de fato facilitaria o contato para prensagem e
embalagem dos discos. Contudo, essas ações, como nos revela a autora, não foram
contemporâneas à movimentação dos independentes, dificultando ainda mais a
compreensão do que venha a ser independente no Brasil.
12Vale notar que essa discussão sobre a soberania da música brasileira, remete pelo menos aos
anos 1960. No auge do debate houve até uma passeata em 1967, em São Paulo, contra a introdução
da guitarra elétrica. Essa manifestação pública contou com artistas como Elis Regina, Jair Rodrigues,
Zé Keti, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, dentre outros.
47
sua música, há uma maior proximidade entre artistas e o público, assim como há
uma diversidade de oferta musical. As apresentações ao vivo se multiplicam e
geram uma cena independente que se pinta com cores mais vibrantes do que
anteriormente. Se já se vislumbrava um cenário de profissionalização para os
chamados indies, o que se tem hoje é uma maior colaboração e interação entre
artistas e destes com o seu público. O que serve também para demonstrar que há
uma quebra com a lógica das grandes gravadoras. Como veremos adiante, há uma
série de apontamentos que revelam que os artistas punks da capital souberam
aproveitar bem esse momento para dar seguimento em suas empreitadas, que
seguem desde o início dos anos de 1980.
Após esse apanhado geral sobre os significados das possíveis ações dos
independentes, é importante apresentar uma conceituação geral desses
empreendimentos, para então pensar os seus limites. Para Dias (2008, p. 136), “[d]e
maneira geral, são consideradas independentes todas as iniciativas de produção,
gravação, e difusão que acontecem fora do circuito das grandes [gravadoras]”.
Mesmo considerando que algumas experiências são diferenciadas, a autora afirma
que independentes são, basicamente, os empreendimentos que orbitam em torno
das grandes gravadoras, agindo na maioria dos casos como captadoras de bandas
e músicos promissores. Haveria, ainda, uma complementaridade que se apresenta
da seguinte maneira:
Isto quer dizer que estas empresas, dentro da divisão social do trabalho
contemporâneo, desempenharam um papel totalmente dependente do ponto de
vista das suas práticas. Até certo ponto, elas tiveram suas pretensões comerciais,
mas depois passando o bastão para as empresas de maior porte. Estas contariam
com todo um aparato tecnológico e econômico para produção, distribuição e difusão
dos fonogramas muito mais estruturados. Portanto, verifica-se que há uma relação
de complementaridade entre as majors e as pequenas empresas. Este processo
49
congregava polos distintos dentro do mesmo setor da indústria cultural. Assim, entre
os chamados indie existiria um sem número de iniciativas que vão desde as
propostas individuais e gravações caseiras, até pequenas e médias gravadoras e
selos.
Buscando apresentar a sua visão do que poderia ser considerado como
independente, Eduardo Vicente (2006, p. 3) aposta em uma concepção um pouco
mais abrangente. Para ele,
O que Vicente indica vai ao encontro do que Galetta nos apresenta. Como
citado anteriormente, para este último, os empreendimentos independentes hoje
ocorrem descolados da ação das grandes empresas. As facilidades de produção,
gravação e distribuição das músicas produzidas pelos diversos artistas inseridos na
cena de música paulistana possibilitam pensar que a questão se alargou. O espaço
aberto pelas novas tecnologias digitais gerou possibilidades de se atuar de diversas
maneiras em termos de música gravada. Se antes poderíamos falar em indies
orbitando as majors, hoje temos que deslocar o sentido para pensar estas ações
vinculadas às plataformas digitais e às empresas de tecnologia, como Apple,
Google, Spotify, dentre outras.
Estas conceituações são importantes na medida em que distinguem as linhas
gerais que separam os empreendimentos pequenos e médios dos grandes. No
entanto, elas ainda parecem ser insuficientes para dar conta do conceito, justamente
porque deixam fios soltos. São consideradas como independentes as gravações que
se estabelecem apenas na zona proximal das grandes gravadoras, trabalhando em
conjunto com elas ou buscando disputar espaço de mercado. Contudo, as
produções que parecem fora dos termos acima descritas não são consideradas
como participantes da cena independente. O que nos leva a considerar que o fator
mercado é preponderante para o tipo de reflexão que fazem os autores. Mas, se
pensarmos em mercados paralelos ao hegemônico mercado capitalista, será que
50
Esta é uma estratégia de venda que gera um vínculo direto entre o artista e
público, dado que comprar o produto diretamente com quem o produziu e tendo
você mesmo participado da gravação na plateia é um diferencial dificilmente
alcançável pela indústria da música. Isso se torna possível no circuito como o do
tecnobrega, devido à criatividade que os produtores lançam mão. Silva (2014) nos
revela outra alternativa que os produtores desenvolveram para escoar a sua
14Mais adiante trataremos com maiores detalhes sobre esse ramo do punk. Por ora, basta
compreender que esta vertente trouxe consigo maior radicalidade à cena, inserindo pautas políticas
que antes eram tratadas muita lateralmente entre os punks da capital paulista.
56
mas de todo modo verificável nas práticas desses agentes, o “fazer você mesmo”
revela uma postura que procura atuar de maneira ativa frente às dificuldades que se
apresentam a cada grupo. Entretanto, as similitudes com o punk param por aí.
Nesse sentido, cabe dizer que mesmo que nesses grupos o DIY não apareça como
elemento agregador, como veremos com o punk, é importante destacar que
encontramos certa homologia entre as práticas desenvolvidas nesses espaços.
Um trabalho relativamente recente é exemplar na tratativa da questão da
música gravada se mostra diferente punk. Trata-se do livro “Punk Record Labels and
the Struggle for Autonomy” (2008), escrito por Alan O’Connor. O que é interessante
deste trabalho é o fato de que para a análise o pesquisador utilizou os construtos
teóricos desenvolvidos por Bourdieu. Assim, noções tais quais classe social e
habitus operacionalizados deram conta de revelar que nos EUA e Canadá esses
empreendimento estava mais vinculados à pessoas de classe média. O autor
demonstra através de vários exemplos empíricos e entrevistas com proprietários de
pequenos selos que estes estão calcados em redes de amizade e sociabilidade e
não agem como negócios nos moldes capitalistas. Assim, equivaleria dizer que
esses pequenos selos punk mantém como diferença ações anticapitalistas, e
voltadas para a manutenção da própria cena, mas não vinculados à indústria do
disco tal qual os selos como o mundialmente famoso Dischord, citado acima. Longe
de ser regra, estes empreendimentos de renome mundial seriam a exceção. O que
se mostra no trabalho de O’Connor é que na cena americana e canadense o que
impera são empreendimentos microscópicos que poderíamos chamar de selos DIY.
Mas como essa lógica poderia ser pensada no contexto brasileiro, em especial o
contexto da cena punk paulistana? Com vistas a isso, seria importante refazer o
caminho verificando os elementos constitutivos desta cena.
58
(DIY). O que apresentaremos a seguir são argumentos sobre como esse processo
pode ser compreendido. Para tanto, lançaremos mão da contribuição de estudiosos
que se debruçaram sobre o punk fora e dentro do Brasil. Não intentamos com isso
apresentar todas as visões, mas captar aquelas que nos ajudam a lidar com a
produção de música gravada por punks na cidade de São Paulo.
Nesse sentido, no presente capítulo pretendemos, principalmente, apresentar
o panorama histórico dos elementos simbólicos que dão base para que uma música
específica possa surgir. Buscaremos, ainda, apresentar como a estética e ética punk
se fundem em elementos e práticas simbólicas específicas e localizadas que são
partilhadas, sobretudo (mas não exclusivamente), entre uma parcela de jovens
moradores da periferia da cidade de São Paulo. A partir disso, a intenção é
apresentar como as atuações frente à música gravada se cristalizaram ao longo dos
anos entre os punks de São Paulo. Em última instância, procuramos responder a
questão sobre por que estas realizações sobrevivem e quais foram suas estratégias.
Para tanto, faz-se necessário investigar como os elementos estéticos do punk
circularam e se mundializaram.
Um dos primeiros trabalhos de peso sobre o punk enquanto grupo foi feito por
Dave Laing (1978). No artigo “Interpreting Punk Rock”, o autor discorre sobre a sua
percepção sobre o punk enquanto forma musical, no qual faz um balanço sobre as
bases que deram sustentação ao movimento na Inglaterra. São elas: os movimentos
contraculturais dos anos 1960, e a mensagem do “Glam Rock”, em um segundo
momento. Assim, apresenta alguns apontamentos históricos sobre o cenário musical
inglês do final dos anos 1970, que ficou marcado pela existência de bandas
descoladas de suas realidades sociais, voltadas para si mesmas e distantes de seu
público. O punk surge aí, no eixo das contradições ocorridas com a música popular
inglesa, como resposta a uma situação de domínio irrestrito das gravadoras. Nesse
sentido, a novidade punk é apresentada como uma música da moda. No entanto,
segundo o autor, é mais do que isso. Sendo um gênero musical, ele reintroduz com
maior assertividade questões políticas em suas letras, em comparação às bandas
folk surgidas nos anos de 1960. O conteúdo é mais direto e envolve o cotidiano de
vida das classes populares. Temas como desemprego, críticas à rainha, embates
com a polícia são alguns dos elementos explorados por bandas como The Clash e
Sex Pistols, dentre outras. Mas há também um apelo aos temas de corte sexual, o
que faz transparecer uma visão de mundo popular e sexista.
Na realidade, tudo isso se mostra próximo do dia a dia das classes populares.
Não obstante, tratar desses assuntos nas letras rendeu às bandas visibilidade e
censura de lojas de discos e emissoras de rádio. Esse modus operandi das bandas,
baseado na hostilidade, acabou por ser uma marca da estética da música punk.
Esta, como aponta Laing (1978), estabelece-se no tripé: 1) rejeição ao status quo,
que se estabelece na captura dos artistas pelo capital; 2) rejeição da excelência
artística, isto é, uma recusa a apresentar-se musicalmente de maneira técnica, sem
erros; 3) acionamento constante do DIY, como maneira de se contrapor a atuação
das grandes empresas do ramo fonográfico.
Outro aspecto interessante denotado por Laing (1978) é a ideia de que o punk
surge na esteira dos desdobramentos que se expressa esteticamente através do
choque. Apoiado teoricamente em Walter Benjamin, o autor trabalha as ideias de
efeito de lazer e efeitos de choque para compreender o punk. Para ele, os dois
efeitos estão presentes neste. Os efeitos de lazer se apresentam já de antemão em
produtos culturais produzidos em larga escala, mas também se espraiam em relação
aos itens elaborados dentro do escopo do efeito de choque. Neste caso o efeito de
61
Desse modo, poderíamos dizer que a estética descrita pelo autor está
atravessada por uma intencionalidade e reposicionamento de códigos e símbolos de
modo a ressaltar uma urgência em mostrar o seu descontentamento. Apesar de nos
levar a compreender esse horizonte de práticas, o autor dá pouca ênfase à música
enquanto texto. Sua aposta é focalizar o contexto das subculturas, tendo como
orientação o embate entre cultura hegemônica e cultura subalterna (TAGG;
CLARIDA, 2003, p. 83 apud GUERRA; QUINTELA, 2018, p. 28).
De um outro ângulo, Reynolds Simon (2005), assinala que a palavra punk é
polissêmica e traz consigo várias significações. A primeira delas está mais voltada a
contradição, mantendo alguma unidade no que tange à sua postura frente aos
63
valores da classe dominante, mas sem fazer dela um trampolim para propor-se
enquanto movimento de transformação da sociedade. Há uma emotividade inerente
ao punk que se visualiza com facilidade com que expõe seus sentimentos pelos
veículos de comunicação que utiliza. Por outro lado, este movimento empresta a
várias outras manifestações as suas cores, sendo um grande doador de sentido e
posturas. Soma-se a isso ao fato de que ele é direcionado a ser pensado como uma
espécie de reforma de si mesmo, dado que teve a sua guinada quando ocorreram as
crises. Assim, teríamos, para autor, uma palavra que se assume problemática em
termos de significações, mas que lança para o futuro as suas preocupações.
De modo a compreender o punk de modo mais abrangente, Augusto Santos
Silva e Paula Guerra (2015), no livro “As palavras do punk: uma viagem fora dos
trilhos pelo Portugal contemporâneo”, propõem uma visão tripartida (que não é
senão uma caracterização). Os autores, por esse ângulo, fornecem-nos bases com
as quais podemos abordar o fenômeno. Nesses termos, eles propõem que o punk é
uma forma musical; um movimento cultural; e uma cena. Enquanto forma musical,
ele trouxe à lume uma nova maneira de lidar com a lógica de cooptação,
característica da indústria cultural. Essa maneira, além ser uma inovação, é também
a continuidade com o que ocorreu anos antes com os movimentos contraculturais.
Dentro dessa dinâmica, propõe-se uma ruptura com a noção de especialização
musical: qualquer um poderia ser músico, criar a sua própria música, bastava se
mostrar disposto a isso. Aqui encontramos o cerne do DIY, isto é, um chamamento à
prática através de uma concepção que se volta às raízes e à simplicidade de se
expressar pela música.
Entretanto, é também um movimento cultural. O punk surge dentro da esteira
do processo que veio a se desenvolver no pós-guerra, no qual os jovens tornaram-
se sujeitos de sua própria história. Ou melhor, tornaram-se os protagonistas da
emergência de uma cultura popular de caráter internacional, conhecida como cultura
pop (MIRA, 2009). Vale ressaltar, no entanto, que os punks se distinguem dos outros
grupos por serem radicais em suas propostas e visões de mundo, mantendo-se no
underground e tendo no DIY a sua pedra de toque no que tange às práticas culturais
e às ações político-performativas. Em último lugar, ver o punk como uma cena
permite vislumbrar a complexidade das partilhas simbólicas organizadas em torno de
interesses e significados comuns. Dessa maneira, é possível compreender as
práticas, hábitos de consumo e lazer que servem como interação, agregam-se,
64
grupo frente às investidas da cultura de massa. O que não deixa de ser curioso,
dado que parte dessa cultura já faz parte da cultura de massa, pois é veiculada por
ela, mas luta para não ser totalmente absorvida.
Enfim, no geral, estes trabalhos buscam verificar o punk sob o olhar de uma
cultura juvenil urbana, dotada de sentidos político-estético-performáticos. Vemos aí
que trata-se de um fenômeno multifacetado e que dificilmente poderia ser visto
apenas por um ponto de vista. De todo modo, podemos dizer que há uma ênfase em
tratar, aqui no Brasil, esta subcultura como algo restrito apenas à juventude.
Contudo, como já demonstrou Andy Bennet (2006), essa ideia não se aplica, dado
que as ligações com o punk perduram durante a vida adulta, e inclusive moldam as
suas condutas posteriores a juventude (GUERRA, 2013).
2.3.1 Punk enquanto movimento cultural global expresso nos espaços urbanos
A questão apontada por Ortiz nos remete a verificar que há toda uma
complexidade de trocas simbólicas que se dão no seio de uma sociedade
globalizada. As fronteiras tornam-se porosas, fazendo com que haja uma fluidez
maior do que em outras épocas. As realidades urbanas, apesar das suas diferenças
locais, apresentam elementos familiares a qualquer viajante, que, acostumado
sensorialmente com símbolos culturais mundializados, reconhece-se nestes, sem
choques ou dificuldades. Entre estes componentes, a colagem e descolagem de
códigos e o seu reposicionamento é uma constante.
O punk, enquanto movimento cultural, pode ser pensado dentro dessa
dinâmica apontada por Ortiz. Inicialmente, podemos dizer que este guarda certa
influência das vanguardas artísticas do século XX, das vivências geradas nas
classes sociais dos extratos mais baixos e do aprendizado da vida nas ruas das
grandes cidades do globo. Os antecedentes históricos que culminaram no punk
apontam para a ampliação da visibilidade e surgimento do jovem enquanto sujeito
70
Não obstante, dentro dessa visão, podemos dizer que este é o caso do rock’
n’roll. Enquanto gênero musical ele atravessa o cotidiano da vida contemporânea no
mundo ocidental, ocupando estes mesmos espaços. Paula Guerra (2014a), dirá que
o rock’n’roll circula de tal maneira que possibilitava identificações e a criação de uma
espécie de memória coletiva translocal. Ao que parece, é por esta seara que o punk
rock se infiltra e vai se colocando como “novidade” dentro do próprio rock’n’roll. Ele o
71
Algumas vezes me foi dito que o Movimento Punk não seria algo
"brasileiro". Contudo, há pessoas que se dizem punks no Rio, em São Paulo
e Juiz de Fora, fala-se desses punks nas mais diversas mídias a nível
nacional (rádios, vídeos, TV, revistas, jornais). O fato é que isso que existe
no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Finlândia, na Holanda, na
Alemanha, na França, no México, na Itália, na União Soviética e onde mais
talvez não se saiba - isso eclodiu aqui também, acoplado a outros
fenômenos, infletindo-se de outros modos, operando de um jeito próprio que
é possível descrever. As sociedades ocidentais vivem uma velocidade cada
vez mais acelerada de desterritorialização em que a delimitação das
fronteiras não é tão simples. O rock mesmo tendo sido uma dessas canções
planetárias que varam a Terra aparecendo aqui e ali, deslocando os ritmos
autóctones e produzindo fenômenos que ultrapassam as histórias locais.
Essas afirmações gerais nos sãos úteis na medida em que permitem
perceber que o que há, de imediato, são variações em séries diferenciadas,
cada qual com exercícios específicos e repercussões diferentes. Entre
essas variações, algumas favorecem a ilusão de um segmento global e
homogeneizante (por exemplo, a "nação" a 'língua-mãe") por permitirem que
se levante a questão da "genuinidade". Em outras se evidencia desde o
início a multiplicidade das práticas em qualquer sociedade, em qualquer
língua, ao bel-prazer do desejo, "tantas línguas quantos desejos houver".
Entre estas o rock, pelo seu constante estrangeirismo, por nunca
"pertencer" ao lugar onde está e constituir assim um local privilegiado onde,
em detrimento de critérios como "autenticidade", se afirma imediatamente a
variação. Assim o Movimento Punk, por se apoiar também nesse alienismo,
estaria pronunciando a sugestão, tão difícil de aceitar, de que existem vários
desejos (CAIAFA, 1985, p. 21).
Apesar de usar alguns termos que parecem ter sentidos diversos, como
“autóctones” e “alienismo”, a pesquisadora percebeu elementos que vão ao encontro
das concepções anteriormente apresentadas. O rock’n’roll, enquanto ritmo musical
mundializado, proporcionou um veículo importante para que pudessem se adaptar
através dele uma série de identidades de grupo, como é o caso do punk. Nesse
sentido, é interessante verificar como essa sonoridade serviu como suporte para que
a cena punk de São Paulo pudesse surgir.
Em meados dos anos 1970, na capital paulista, já havia uma cena protopunk
que consumia discos de bandas que hoje são consideradas precursoras do punk,
tais como “MC5” (EUA) e “The Stooges” (EUA). Mas há também outras, tais como
“Howkwind” (UK) e “Pink Fairies” (UK), como nos contou o músico, agitador cultural
e poeta, Ariel Invasor, 58, em entrevista concedida em outubro de 2018. Para ele,
72
essas bandas eram consideradas como o “lado B” do rock, por soarem mais
“nervosas” e se tornarem prediletas entre o grupo de “rockers” que ele frequentava.
O fato descrito é interessante, pois nos mostra que o rock’n’roll como ritmo que se
espalhou pelo mundo encontrava aqui jovens dispostos a consumir até mesmo o
que era considerado fora do circuito das grandes bandas. Portanto, tinham uma
menor circulação e exposição midiática em comparação a bandas como “Led
Zeppelin”, “Pink Floyd” e “Kiss”, por exemplo. Paiva e Nascimento (2016, p. 61)
relatam que:
A visão dos autores nos dá uma ideia de como o gosto pelo rock’n’roll e a
busca por algo mais radical deu acesso a esse rol de bandas.
Algumas bandas citadas são amplamente conhecidas como representantes de uma
época em que a chamada contracultura foi se tornando paulatinamente mais
radicalizada. Apenas para citar algumas, do lado estadunidense, tanto “MC5”,
quanto “The Stooges”, produziram obras contestatórias, agressivas para a época. O
“MC5” manteve uma postura política ativa e fortemente ligada às causas sociais. Já
“The Stooges” apostaram em uma performance agressiva e provocativa,
principalmente do vocalista Iggy Pop, que incitava o público com as suas
manifestações no palco que iam desde insultar a audiência até a automutilação. O
“Television”, além de ser um grupo com uma proposta musical menos crua, contava
com as letras e a expressividade do baixista Richard Hell, que já demonstrava uma
“atitude punk” em suas vestimentas e cabelos. O “The Ramones” cravaram a
tendência rítmica: rapidez e simplicidade, que se tornou posteriormente uma marca
do punk rock (MCNEIL; MACAIN, 2014). Do lado inglês, a “Howkwind” é comumente
apontada como uma das bandas fundadoras do gênero space rock. A sonoridade e
as letras são inspiradas em temas como viagens espaciais e ficção científica. Já o
73
“Pink Fairies” manteve uma série de ações de agit prop16, com performances
gratuitas e ações com base nos princípios políticos da anarquia. As letras falavam
da vida urbana e certa urgência em agir. De fato, estas e outras bandas ajudaram a
criar um certo clima de inconformismo. O que, certamente, veio a contribuir para
uma maior aceitação e identificação com as bandas de punk rock que surgiram
posteriormente.
Os ritmos executados pelos grupos musicais citados nos atestam que estes
jovens estavam interessados em sonoridades mais simples e diretas, como o garage
rock, o glam, o rockabilly, e, por fim, o punk rock17. No final dos anos 1970,
precisamente no ano de 1977, o punk ganhou as manchetes mundiais por se
mostrar um movimento juvenil radical, tornando-se amplamente conhecido. Parte da
reputação que veio a compor todo um imaginário popular sobre esse fenômeno foi
composto pelo quadro de grupos musicais que davam o tom para toda essa
movimentação. O impacto da presença do punk rock no mundo da música mundial
foi tal que já em 1977, no Brasil, foi lançado o LP “A revista POP Apresenta o Punk
Rock”, através de uma parceria entre a Revista POP e a gravadora Phonogram
(Polygram), através do selo Phillips. O LP apresenta várias bandas consideradas
punk ou associadas ao movimento. Em termos fonográficos podemos dizer que foi o
disco que lançou oficialmente as bases sonoras do punk no Brasil, em especial na
cidade de São Paulo. A sua importância se deu justamente por balizar o que poderia
ser considerado ligado ao movimento. Embora elaborado e lançado por uma revista,
o alcance dessa publicação gerou aderência e auxiliou a configurar um terreno
comum para as aderências à cena punk paulistana. A capa tem um fundo branco
com as frases “A revista POP apresenta”. Embaixo dessa inscrição, há as palavras
punk rock em caixa alta, repetidas três vezes em uma nuance de coloração que vai
do tom mais escuro até o mais claro. Elas são atravessadas por uma faixa irregular
16 No livro Agitprop: cultura política, Estevam, Costa e Villas Boas (2015) trazem uma série de
experiências analisadas que nos dão uma noção mais abrangente do que é o conceito de “agitação”
e “propaganda” defendidos na linha do pensamento marxista-leninista. A ideia principal, no entanto, é
que o agitprop se constitui em práticas e métodos de ação de propaganda política, mantendo um viés
marxista, tendo como aporte a cultura e suas vias. É nesse sentido que as ações da banda se
organizaram.
17 Todos os ritmos listados (garage, glam e rockabilly) mantêm em comum a simplicidade que
executam a música. Assim, as diferenças são marcadas de maneira mais pontual, tal como o uso de
pedais de distorção, como o fuzz, que satura o som, e é mais voltado ao garage rock. Enquanto no
glam rock a parte visual tem um maior destaque, lançando mão de maquiagens, sapatos com salto
alto e outros adereços voltados à moda feminina (HICKS, 1999). Já o rockabilly aposta nas origens
do rock’n’roll, sua sonoridade é mais dançante, com guitarras e pouca distorção. O figurino é retrô, na
linha do que era moda entre os jovens estadunidenses dos anos 1950.
74
modo, contribuiu para auxiliar como uma espécie de ponte entre aquilo que estava
ocorrendo fora e o que acontecia no contexto brasileiro, em especial na cidade de
São Paulo.
Fonte: https://www.discogs.com/Various-A-Revista-Pop-Apresenta-O-Punk-Rock/release/3349367
77
Como membro importante da cena até os dias de hoje, Gordo descreve que o
contato com o conteúdo do LP lhe abriu possibilidades de estar ligado diretamente a
algo que ocorria no mundo todo. Era algo “moderno” o som dos Ramones, uma
novidade. No entanto, facilmente reconhecível. Essa consciência de pertença é um
ponto importante, dado que é por esse caminho que são tecidos os laços mais
profundos em relação às trocas simbólicas partilhadas localmente e
“trasnslocalmente”. Por outro lado, remete ao rock’n’roll como gênero musical que dá
base à música pop internacional.
Tratando-se da música, fica claro que a influência do rock’n’roll é evidente.
Começando pela música, as variações sonoras do punk atualmente são muitas. Há
algumas mais próximas de suas origens no final dos anos 1970, passando pela
mescla com outros ritmos, tais como o heavy metal, o ska, o raggae, o rap, dentre
outros. Todavia, diante desta profusão de elementos sonoros, manteve-se uma linha
de desenvolvimento que remete diretamente aos seus primórdios.
Não obstante a isso, podemos igualmente afirmar que em termos de
influência musical são vários os artistas que iniciaram as suas carreiras no punk, ou
simpatizam com a sonoridade. A lista seria enorme, mas, para ficar em alguns
nomes de relevo internacional, temos bandas como “The Smiths”, “Metallica”,
“Mortorhead”, “Ozzy Osbourne”, “Suicidal Tendencies”, “Megadeath”, “The Strokes”,
“Nirvana” (apesar de alguns considerarem esta banda como pertencente ao punk),
“Pearl Jam”, etc. O espectro sonoro é diverso e demonstra a versatilidade e
possibilidades criativas que remetem à música punk. Nos exemplos dados, algumas
bandas regravaram as músicas de seus ídolos punks. Eddy Vader, vocalista do
Pearl Jam, chegou a acompanhar a última turnê dos Ramones e registrou isso em
18Mais adiante retomaremos novamente essa coletânea para pensar a influência do punk na música
popular brasileira.
78
19 Sobre isso, cf. a reportagem de Katia Abreu, “Qual a origem do nome das bandas de rock?”.
Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-a-origem-do-nome-das-bandas-de-
rock/.
79
20 Como dito acima, vale relembrar que o músico João Gordo, vocalista da banda paulistana “Ratos
de Porão”, pioneira na cena punk da capital, em várias ocasiões, inclusive em seu livro autobiográfico
Viva la vida tosca (2016), relata que teve o primeiro contato com o punk por meio de uma reportagem,
no caso da extinta revista “Pop”. Além disso, foi por efeito das publicações e movimentações feitas
em parceria com punks da capital paulista que o jornalista e escritor Antônio Bivar repercutiu o
movimento punk de São Paulo, o que garantiu projeção mundial.
21 Para maiores detalhes, cf. Paulo (2001).
22 Esse termo foi concebido por Michel Foucault para designar um estado em que um indivíduo se
apresenta adestrado para ser economicamente dominado e politicamente anulado. “É dócil um corpo
que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2004b, p. 126).
80
O filme The Warriors, sobre uma briga entre gangues de Nova York,
Gramercy, Rogues e Warriors, batalha que se espalha por toda cidade, foi
um sucesso entre a molecada brasileira. Clemente assistiu umas quinze
vezes. Cada vez que saía do cinema, comprava um canivete diferente. Saía
pela cidade com os amigos de canivete e corrente no bolso. Se a polícia
passasse, jogava tudo do outro lado do muro da casa ao lado. Se não
desse tempo, era prisão, uma noite na cadeia: porte de arma branca
(PAIVA; NASCIMENTO, 2016, p. 49).
23 Inaugurado em 1946 através do Decreto-Lei n° 9.853, esta entidade é bancada pelos empresários
das áreas de comércio, bens e serviços, tendo atuação em todo território brasileiro. O seu foco de
ação é propor assistência e bem-estar para os trabalhadores deste setor e seus familiares. Para
maiores informações acesse o seguinte endereço eletrônico. Disponível em:
https://www.sescsp.org.br/pt/sobre-o-sesc/quem-somos/apresentacao/. Acesso em: 21 out. 2019.
81
hoje (ARAÚJO, 2016). Temos uma série de documentário importantes que retratam
as experiências das bandas ou cenas específicas, entre estes há alguns bastante
representativos: “The Decline of Western Civilization (1981)”; “Another State of Mind
(1984)”; “Punks - (1984)”; “Rota ABC - (1991)”; “Hated: GG Allin and the Murder
Junkies (1994)””End of the Century: The Story of the Ramones (2003)”; “Afro-Punk -
(2003)”; “American Hardcore: The History of American Punk Rock 1980–1986
(2006)”; “Guindable: A Verdadeira História do Ratos de Porão (2008)”; “Punk in
Africa (2012)”; “A Band Called Death (2012)”; “Los Punks: We Are All We Have
(2016)”; “Viver Para Lutar - Punk, Anarquismo e Feminismo: as minas dos anos 90
(2019)”, apenas ficarmos em alguns exemplos.
Há que se destacar que também no cinema o punk se fez presente,
mantendo-se apenas como sendo um movimento que gera curiosidade e aderência,
mas também por ser plástico ao ponto de ser alvo de interesses diversos. O cinema
já foi tratado por diversos autores de formas variadas, seja por abordagens sobre
recepção, instituições, seja pelas análises internas. Não pretendemos aqui fazer
uma discussão sobre as obras em si, mas destacar que, como linguagem
mundializada, também pelo cinema o punk foi veiculado, tanto em sua estética,
quanto em sua atitude. O fato é que vemos aí também um dos eixos de continuidade
que ajudam manter certo nexo identitário entre as várias cenas ao redor do mundo.
Dito de outra maneira, gostaríamos de destacar aqui que a linguagem
cinematográfica agiu e ainda age tal como o rock’n’roll, isto é, ajudou a sedimentar
também um imaginário imagético para além da música.
Vimos que o punk deixou sua marca no cenário internacional, trazendo à baila
elementos importantes e radicalizando as experiências de sociabilidade através da
música. Sendo estes elementos aquilo que deu margem a adesões e adaptações do
punk na cidade de São Paulo. Mas, internamente, qual seria o impacto gerado por
ele na música brasileira? Fazendo alguma comparação rápida, a princípio,
poderíamos dizer que houve pouco impacto. Isso se mirarmos o fato de que não há
grandes inserções, campeões de venda ou ícones do punk figurando como um
nome da MPB. Quando muito, vemos ligações com o rock brasileiro, que, diga-se de
83
este defendia que as raízes da música popular brasileira apontavam para o século
XVIII, mas, ao mesmo tempo, Tinhorão acusava o colonialismo da MPB a partir dos
anos 1960, o que incluía a Bossa Nova, A Tropicália, e o Rock Brasileiro.
O autor relembra igualmente a análise um tanto elitista de Luiz Tatit, que
sustenta que parte da música popular brasileira é pouco requintada, especialmente
os ritmos mais populares, ao passo que relativiza a contribuição de bandas do
chamado Brock (Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso). Ele também faz
menção às ideias de Jairo Severiano sobre a continuidade da música brasileira, que
serve de contraponto às noções de José Ramos Tinhorão. Por último, Padro (2019)
traz para a discussão a concepção de Marcos Napolitano, que critica a parcialidade
nos estudos de música popular brasileira, no sentido de que deixam de lado
cruzamentos e produções populares em defesa de uma visão pouco abrangente de
música popular brasileira. Dentro dessa trajetória, o livro busca localizar os
encontros e desencontros registrados nos “punkzines”24, defendendo a tese de que
os punks deram uma parcela de contribuição para a continuidade da Música Popular
Brasileira e para o momento político vivido na década de 1980. Nas palavras do
autor:
antes do punk em termos de música rock “pesada” (ou seja, música extrema, com
linhas de guitarra distorcidas ou saturadas, assim como arranjos de bateria velozes
e cheios de energia). Isso quer dizer que a maioria das bandas de thrash metal ou
metal da época beberam na fonte gerada pelos punks de São Paulo. Na realidade,
havia bandas que se influenciaram mutuamente, como é o caso de “Sepultura” (Belo
Horizonte) e “Ratos de Porão”. Além disso, em São Paulo, a “Korzus”, formada em
1983, surge dentro da esteira de novas bandas de sonoridade extrema que formam
uma cena em São Paulo. A própria “Ratos de Porão” se abriga nesta cena após as
perseguições e desilusões sofridas no meio punk (BARCISNSKI; GORDO, 2016).
Em outro momento, precisamente dos anos de 1990 em diante, encontramos
o denominado BRock, já absorvido pelo espectro da MPB. Ele tinha a sua imagem
associada, em grande medida, às questões simbólicas oriundas das demandas da
MPB. Ao mesmo tempo que o punk, produzido sobretudo pelos jovens das periferias
(destaco o caso de São Paulo), coloca-se como parte constituinte do campo da
produção de música brasileira, ele também está dentro de uma rede internacional-
popular do que podemos chamar de movimento punk. Por outro lado, nesse período,
existe igualmente uma dinâmica de ritmos regionais que se organizam em torno da
noção de diversidade. Estes ritmos estão inseridos dentro de um processo histórico,
social, identitário e político mais amplo e dinâmico, comportando em si uma série de
ritmos indígenas, afro-brasileiros e europeus. Aqui, o punk é resgatado como uma
parte que é acionada como uma estratégia para legitimar a diversificação das
identidades musicais regionais de uma certa brasilidade. Como aponta Ortiz (2010),
brasilidades estas que estão em disputa, o que nos leva até a colocar em xeque
uma nomenclatura como BRock, pois é datada.
discos importados que circulavam entre jovens rockers, como já citado. Em termos
de organização das percepções que recaíram sobre o fenômeno punk, é importante
destacar a ação da mídia impressa, em conjunto com a indústria fonográfica,
concretizada na coletânea “A revista Pop apresenta o Punk Rock”. Esta, já em 1977,
tornou conhecida uma série de bandas punks ou ligadas ao movimento. Isso fez
com que se popularizasse, entre uma parcela dos jovens daquela época, todo um
arsenal sonoro que foi acionado por alguns indivíduos para criar as suas próprias
versões desse ramo do rock por aqui.
Não que não existissem bandas de rock circulando em São Paulo. Pelo
contrário, havia uma série de grupos e artistas que se movimentavam desde a
segunda metade dos anos 1960. Destacavam-se artistas ligados a “Jovem Guarda”,
as bandas “Os Mutantes”, “Made in Brazil”, e, já no início dos anos 1970, “Joelho de
Porco” (tida como uma banda protopunk), “Casa das Máquinas” e “Tutti Frutti”.
Contudo, é a partir dos anos de 1980 que surgem muitos grupos musicais. Com
isso, constitui-se uma cena do rock mais ampla, na qual serão abrigadas várias
vertentes desse gênero nas décadas seguintes. A coletânea “A revista Pop
apresenta o Punk Rock” aparece justamente em um período crucial tanto para a
cultura, quanto para a política brasileira. Como já dito, nesse contexto se inicia a
saída “lenta, gradual e segura” da ditadura civil-militar, instalada a partir de 1964 no
país. Portanto, esta coletânea traz algo inovador para o campo da cultura pop
brasileira, com ligações simbólicas importantes para o momento e, de alguma
maneira, contribui para a participação política através das artes, em especial para a
música. Isso lhe garantiu, ainda hoje, uma aclamação tanto por participantes da
cena punk paulistana, quanto por artistas que, na época, foram inspirados por ela
como um lançamento essencial, praticamente como um marco. No artigo “‘A Revista
Pop Apresenta o Punk Rock’ derreteu os nossos cérebros” (publicado no portal de
notícias “Yahoo Notícias”, em comemoração aos 40 anos de lançamento do disco), o
crítico musical Regis Tadeu aponta, a partir de sua perspectiva pessoal, a recepção
desta coletânea e como ela influenciou jovens da época. Vejamos o que ele ressalta:
Não tenho a menor dúvida de que a coletânea foi muito mais que a porta de
entrada para que milhares de roqueiros no Brasil adentrassem ao universo
daquele estilo. Foi o bilhete – só de ida – para que viajássemos para um
mundo em que a gravidade e a velocidade parecessem funcionar ao
contrário do que nosso cérebro percebia aqui na Terra. Tudo ali era uma
novidade tão grande que não dava pra assimilar a coisa toda logo de cara.
Era preciso ouvir várias vezes para entender o que estava fincado naqueles
sulcos do LP. Nem era preciso pedir: a gente não conseguia parar de ouvir
o disco. Eu mesmo fiquei 20 dias só ouvindo aquilo. Era viciante de uma
maneira como nenhum de nós havia sentido…
Para começar, todas as noções de como uma canção deveria soar foram
derretidas de maneira acachapante. E o repertório? Tente imaginar o
impacto que tivemos ao ouvir em pleno 1977 algumas canções de bandas
das quais a gente aqui no Brasil nunca tinha ouvido falar: Ramones, Sex
Pistols, Ultravox, The Jam, Runaways, Eddie and the Hot Rods…
Quem ouviu o disco tratou logo de montar sua banda. Gente como Edgard
Scandurra, que montou um trio chamado Subúrbio e chamou um jovem
baterista iniciante apelidado de “Orelha” – que décadas depois mais tarde
passou a ser conhecido como “Regis Tadeu” – só para tocar tudo o que
fosse possível encontrar de Sex Pistols, Ramones, The Clash e mais umas
canções próprias que mais tarde foram reaproveitadas quando a banda
mudou de nome para Ira! e passou a ter um vocalista chamado Nasi. Gente
de São Paulo como Clemente, que formou imediatamente os Inocentes, da
mesma forma que outros garotos não demorariam a montar grupos como
Ultraje a Rigor, RPM, Titãs; um pessoal de Brasília que logo se reuniu para
formar bandas como Aborto Elétrico, Plebe Rude, Capital Inicial, Paralamas
do Sucesso e Legião Urbana (TADEU, 2017).
produtor cita bandas que foram contratadas por grandes gravadoras25 e tiveram
destaque de vendas de discos nos anos de 1980.
Ele mesmo, como agente da indústria fonográfica, faz questão de destacar a
sua participação em uma das bandas, buscando dar maior credibilidade ao que
escreve e unindo-se a essa trupe de jovens talentosos arrebatados pela sonoridade
dos três acordes. Com isso, o texto jornalístico deixa claro o seu foco na música
gravada e seu impacto para o nascimento de um nicho de mercado na indústria
fonográfica, voltado exclusivamente para os jovens. Destarte, gostaríamos de insistir
que é preciso pensar um pouco mais sobre o que artigo deixa de mencionar, pois
isso é importante para a nossa reflexão. Alguns dados podem ser levantados a partir
do que apresenta o escrito de Tadeu. O primeiro deles é o fato de que, com exceção
dos “Inocentes”, todas as outras bandas são compostas por jovens de classe média.
Sobre a representatividade de negros, encontramos apenas dois: Clemente, 56,
músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador, vocalista e
guitarrista da banda “Inocentes” e Renato Rocha da “Legião Urbana”. A
representação feminina é nula entre as bandas citadas. Outro dado que se revela é
o “apagamento” de bandas punks envolvidas no surgimento da cena paulistana que
foram igualmente influenciadas pela coletânea e até já conheciam parte das bandas
que apareceram nela, como Ramones. À época do lançamento do LP, foram
formadas, ainda no final de 1970, o “Verminose” (1977), “Restos de Nada” (1978),
“AI-5” (1978), “Cólera” (1979), “Olho Seco” (1979), “Ulster” (1979), “Condutores de
Cadáver” (1979). Nenhuma foi contratada por grandes gravadoras, a maioria dessas
bandas foi lançada através de recursos próprios apenas anos depois de sua
formação, ou através de pequenos selos, de propriedade de membros das próprias
bandas. Se voltarmos para as canções, há mais indícios que nos remetem para as
preocupações de cada grupo. Por um lado, temos o uso de uma estética mais
romântica e poética, apontando para ligações com a literatura e toda uma bagagem
simbólica voltada à cultura dominante, além de uma sonoridade mais amena e com
andamentos mais compassados. Podemos notar isso ao passar por algumas
músicas de trabalho dos primeiros discos das bandas citadas por Tadeu:
25Suburbio (1979) (não deixou registro) / Ira! (1981) - Warner (1985) / Inocentes (1981) - Warner
(1986) / Ultraje à Rigor (1980) - Warner (1983) / RPM (1983) - CBS (Sony Music)(1984) / Titãs (1982)
– Warner / Aborto Elétrico (1978) (não deixou registro) / Plebe Rude (1981) EMI (1985) / Capital Inicial
(1983) Polygram (1986) / Paralamas do Sucesso (1982) EMI (1983) / Legião Urbana (1982) EMI
(1984).
90
Ultrage à rigor (Inútil - Disco Nós Vamos Invadir sua Praia): A gente não
sabemos escolher presidente/ A gente não sabemos tomar conta da gente/
A gente não sabemos nem escovar os dente/ Tem gringo pensando que
nóis é indigente/ Inútil!/ A gente somos inútil/ Inútil!/ A gente somos inútil.
Titãs (Sonífera Ilha - Disco - Titãs): Não posso mais viver/ Assim ao seu
ladinho/ Por isso colo o meu ouvido/ No radinho de pilha/ Pra te sintonizar/
Sozinha numa ilha/ Sonífera Ilha/ Descansa meus olhos/ Sossega minha
boca/ Me enche de luz [...].
Legião Urbana (Será - Disco - Legião Urbana): Tire suas mãos de mim/ Eu
não pertenço a você/ Não é me dominando assim/ Que você vai me
entender/ Eu posso estar sozinho/ Mas eu sei muito bem aonde estou/ Você
pode até duvidar/ Acho que isso não é amor.
Já, por outro lado, temos letras que remetem, de maneira incisiva, à realidade
de violência e descaso a qual a periferia estava envolta. Essas canções trazem
reflexões mais agudas, que denunciam a situação de vida nas periferias, com ênfase
na vida dos jovens naquele momento:
26 Apenas para ficar em dois exemplos, podemos apontar, nesta mesma época, a banda “Paralamas
do Sucesso” e o cantor “Cazuza”. Os primeiros têm influência de bandas inglesas punk como The
Clash, mas também The Police (grupo este que iniciou como uma banda punk e depois se enveredou
cada vez mais por ritmos jamaicanos). A banda lançou em 1986 o álbum “Selvagem?” (1986), que
vendeu cerca de 540 mil cópias. A obra está repleta de referências à MPB, trazendo, ainda, uma
parceria entre a banda e o cantor Gilberto Gil, nome consagrado da MPB. Tal parceria resultou em
um sucesso no LP: “A novidade”, embalada ao ritmo de reggae. Também regravaram a canção
“Você” de Tim Maia, cantor de soul music, com vasta obra musical e ligada à MPB. Outra canção que
fez sucesso neste trabalho foi “Melô do Marinheiro”, que, musicalmente, é um reggae e na letra traz
referência a canção popular “Marinheiro Só”, gravada integralmente em 1969 por outro nome
expressivo da MPB, Caetano Veloso. A produção de “Selvagem?” foi assinada por Liminha, tal como
o disco “Cabeça de Dinossauro”, dos Titãs. O segundo nome, Cazuza, ex-integrante da banda de
rock “Barão Vermelho, lança o álbum “Ideologia” em 1988. A capa desta obra é composta por
bricolagem que lembra a estética punk, e contém até uma representação do “A na bola”, símbolo do
anarquismo e largamente utilizada pelos punks no mundo todo. O LP é composto por canções que
remetem tanto para o blues, rock e power pop. No entanto, contém forte tom crítica social que
transparece de maneira explícita na canção “Brasil”. Ele mantém coerência estética com a MPB
92
Habitar numa mesma cidade que engendra dentro dela tanto afastamentos,
quanto encontros, possibilitava que jovens de origens diferentes nesta época (anos
1980) tivessem acesso a materiais fonográficos e informações mais rapidamente,
em comparação a outras regiões. Há quem diga que o movimento punk no Brasil
começou em Brasília, pois, na mesma época que ocorria em São Paulo as primeiras
manifestações, o “pessoal de Brasília” já tinha discos de bandas punk inglesas que
compravam durante viagens ao exterior (MARQUETTI, 2001; MAGI, 2013).
Entretanto, esta é uma controvérsia que evidencia ainda mais a relação de classe
entre o acesso à música e a experimentação de ser atuante em um movimento
cultural. Os punks de São Paulo – muito mais pobres – diziam que em Brasília não
havia punks de verdade, pois eram playboys, filhos de pessoas importantes na
administração pública federal, que não entendiam o que era o movimento. Em
concordância com essa afirmação, Magi (2013, p. 84) aponta que “Em Brasília, as
bandas foram formadas por adolescentes de classe média alta, filhos de diplomatas,
de professores universitários e de altos funcionários do governo federal”.
Nesse sentido, à época, São Paulo já contava com articulações tecidas desde
o final dos anos 1970, seja na culminância de uma movimentação de pessoas (a
cena paulistana contava com um contingente de bandas e de jovens ligados ao
movimento numericamente superior à cena brasiliense), seja na realização de
trabalhos fonográficos de todos os tipos. Soma-se a isso o fato de que desde o início
as ações promovidas por punks de São Paulo foram responsáveis pela projeção
mundial do punk brasileiro (BIVAR, 2007). De qualquer forma, a fama das bandas
paulistanas se espalhou e lhes garantiu um ar de maior legitimidade perante às
outras cenas, influenciando bandas como “Plebe Rude”, de Brasília, e “Replicantes”,
do Rio Grande do Sul – apenas para citar dois exemplos de grupos contratados por
gravadoras. Mas as bandas formadas em Brasília foram as que tiveram projeção
localmente, contando com altas cifras de vendas de discos. Elas estavam em
evidência tanto nos grandes veículos de comunicação, quanto na mídia
especializada.
Em São Paulo, várias bandas, como informado por Régis Tadeu, tiveram a
sua sonoridade afetada pelo punk rock. Entre estas, a que melhor traduziu aquilo
enquanto gênero musical, dadas às referências e temáticas escolhida nas letras. Neste trabalho, o
cantor formou parceria com o cantor “Gilberto Gil”, contribuindo para a consolidação da relação de
continuidade entre o BRock e os artistas da MPB.
93
que estava ocorrendo internamente foi a banda “Titãs”, através do disco “Cabeça
Dinossauro” (1986).
Figura 2 – Capa “Cabeça Dinossauro”
Esse encontro entre as bandas parece ter gerado alguma influência nos
trabalhos de ambas. Alguns punks da primeira onda, que conviveram de perto com
os “Inocentes” na época, dizem que os “Titãs” fizeram um disco com o som dos
“Inocentes” e vice-versa. Objetivamente falando, é possível notar essa influência de
ambos os lados. Como já dito acima, o punk rock é marcante em “Cabeça de
Dinossauro” e no “Pânico em SP”. Apesar de não se mostrarem diretamente na
sonoridade, as canções têm a marca de uma produção que buscou “arredondar” o
som, deixando-o mais próximo da visão de uma gravadora “vendável”, mas sem
retirar a energia empregada pela banda. O resultado prático disso foi que o primeiro
disco, como apontado anteriormente, se torna um “divisor de águas” e outro apenas
uma produção de baixo impacto, tanto pelo mercado, quanto pela mídia.
A capa do compacto “Pânico em SP” é uma fotografia dos membros da
banda, com o nome da banda estilizado em vermelho, como se estivesse sido
escrito com um pincel. Não aparece o símbolo da banda, que é uma cruz quebrada
atravessada pelo nome da banda. São “meninos de jaqueta preta”, como na letra da
95
música “Leva pra 40” da banda “Setembro Negro” (1982). A referência remete não
apenas à gangue “Carolina Punk”, mas revela um elemento distintivo, amplamente
utilizado por punks no mundo todo, que é o uso do aparato. A fotografia mostra-os
andando por uma construção abandonada, à guisa de escombros, o que representa
mais um elemento que remete à cultura punk: o apreço por imagens que retratam
decadência, ruína, como forma de denunciar a própria situação caótica da
sociedade. A contracapa apresenta as letras das canções, com trechos recortados e
colados em uma fotografia de fundo que representa o que seria o topo de uma
viatura policial em patrulha à noite, podendo ser deduzido pelo giroflex ligado e pelas
luzes dos postes. De ponta a ponta, pode-se notar que é um trabalho que carrega as
marcas do punk. A seguir temos os títulos das canções que compõem esse disco: 1-
Rotina / 2- Ele Disse Não / 3- Não Acordem A Cidade / 4- Salvem El Salvador / 5-
Expresso Oriente / 6- Pânico Em SP.
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Inocentes-P%C3%A2nico-Em-SP/master/919545.
Fonte: https://www.discogs.com/Inocentes-Adeus-Carne/release/3333266.
em uma escola pública que se tornou famosa pelos punks que ali estudaram
(EETAL - Escola Estadual Tarcísio Álvares Lobo - Zona Norte de São Paulo).
Clemente acessou empregos mais qualificados à época, como o de bancário
(PAIVA; CLEMENTE, 2017). Não é de se espantar que tenha logrado êxito enquanto
músico e trilhado um caminho próximo de outros garotos de classe média,
moradores de bairro “do outro lado da ponte”. Mesmo sendo negro e estando dentro
de uma lógica desfavorável às minorias, conseguiu pela música seguir um caminho
diferente do que a maioria de seus amigos da Vila Carolina.
Não obstante, diferentemente do disco dos “Titãs” que tem a questão da
violência policial como quase que incidental (visto que a crítica à polícia se baseou a
partir de um episódio de prisão por porte de heroína de dois integrantes da banda),
os “Inocentes” trabalham temas que faziam partes de suas vidas enquanto pessoas
que cresceram nas bordas da cidade, submetidas a uma série de abusos, privações
e violência policial. Esteticamente falando, é preciso denotar que as percepções
desses jovens, apesar de terem sido impulsionadas pelo mesmo veículo, são
diferentes. Elas encontram no punk um canal para dar vazão às suas angústias,
experimentadas em um contexto social e político movediço, mas ainda assim
marcadamente autoritário.
Entre os jovens de classe média, em um sentido geral, salvo exceções, o
punk foi experimentado enquanto moda (COSTA, 1992) e sob o aspecto da forma
musical (GUERRA, 2015). Entre os mais pobres, ele foi absorvido não apenas sob
esses dois aspectos, mas sobretudo como uma via de participação cultural dentro do
que estava ocorrendo no Brasil (contexto de abertura política). Essa participação os
levava também a se conectarem com o que acontecia na cultura mundializada, ao
mesmo tempo que dialogava com práticas já conhecidas. Legitimava-se, com isso, a
sua situação de classe, dando-lhes um lugar social para que pudessem desenvolver
uma série de práticas culturais e políticas diversas daquelas impostas pelas classes
dominantes. Nesse sentido, o punk vivenciado por estes jovens das periferias os
colocava no “centro do mundo”, sem que eles precisassem se desprender
totalmente dos seus modos de vida. É claro que não estamos aqui defendendo que
essa divisão seja plasmada, pois há contaminações de lado a lado. Haja vista que,
como veremos abaixo com o depoimento de Antônio Bivar, havia uma circulação e
trocas estabelecidas entre os jovens de periferia e os de outras classes sociais,
frequentadores de bares e casas noturnas da cidade de São Paulo nos anos 1980.
99
Um dos principais locais era o teatro “Lira Paulista”, um espaço ícone dedicado a
abrigar apresentações das bandas que estavam surgindo (OLIVEIRA, 2002). No
entanto, é preciso compreender de modo geral o que propiciou o fato de que, por
aqui, o punk prosperou entre os mais pobres, enquanto foi abandonado, como
movimento cultural, pelos mais abastados.
das classes sociais menos abastadas, favorecia uma certa aura de autenticidade
aos jovens das bordas da cidade.
Contudo, isso também contribuiu para um afastamento paulatino de jovens de
outras classes sociais. De todo modo, o que podemos retirar dessa relação é que o
punk, enquanto forma musical, e até parte da sua atitude raivosa, foi absorvido por
uma parcela dos novos candidatos a figurar no panteão da chamada MPB. Ao passo
que estes artistas (membros de bandas de rock brasileiro) não se enquadram nem
na cena, nem no panorama da cultura punk.
Gostaríamos de insistir um pouco mais sobre a questão do distanciamento
tomado por estes jovens em relação às práticas e às ideias elaboradas por artistas
vinculados à MPB. Primeiramente é preciso dizer que ele é, em certa medida,
calculado. Para a maioria dos punks, estar vinculado à música popular brasileira
seria algo como a morte do movimento. Certamente isso era mais forte na década
de 1980, mas com o tempo essa noção foi se diluindo como uma concepção que foi
se deslocando do embate mais ou menos aberto e passando para um desprezo
mútuo pelo que ambos os grupos viessem a produzir. Por um lado, podemos notar
que durante cerca de dez anos aproximadamente o movimento punk deixou de ser
tratado em termos culturais ou musicais nos grandes veículos da mídia. Nos anos
1990, quando mundialmente houve um revival do punk, passou-se a resgatar velhos
nomes da cena, o que possibilitou dar vazão ao que estava acontecendo no
underground paulistano. No entanto, sobre as aderências musicais, aqui e ali
apareceram referências de alguns encontros possíveis dentro do escopo da música
popular brasileira. A aproximação se dava mais em relação ao cenário de rock
brasileiro que, por seu turno, estava em baixa popularidade. Com isso, foi se
transformando em um caldeirão de afastamentos em que caberia muita coisa. Mas,
de modo geral, em relação aos punks, podemos identificar uma recusa aos símbolos
nacionais, à estética oriunda da Tropicália e ao mercado fonográfico. Já para os
artistas ligados à MPB há um aproveitamento mais ou menos explícito da música
punk, mas uma recusa da vivência do movimento, de seus valores, e, portanto, de
suas práticas culturais.
Para uma grande parte dos primeiros punks, como denota Bivar acima, os
artistas da MPB representavam uma miscelânea de elementos que eles
desprezavam. Podemos notar que é muito próxima a associação de que a MPB
representa na música as elites culturais, econômicas e políticas, e por isso merecem
101
todo o desprezo possível. A visão média desses jovens ao mesmo tempo rompia
com ideia de convívio relativamente pacífico dos músicos e bandas com o Estado e
o mercado de música gravada.
Essa postura foi sedimentada ao longo dos anos e se constituiu em uma
prática de relativa esquiva à “cultura brasileira”. Dos anos 1980 ao ano de 2020, o
país viveu momentos de altos e baixos, demonstrando que grande parte das letras
das canções, ações e opiniões continuam coerentes com esta situação.
Gostaríamos de discutir, a partir disso, alguns pontos que julgamos importantes para
compreender a relação estética e ética que ao mesmo tempo formam o gosto punk,
e marcam um distanciamento com aquilo que está estabelecido como estética
brasileira. Para tanto, partimos do que é caro a esse trabalho: os discos, tendo como
eixo teórico a noção de habitus e estratégias em Pierre Bourdieu.
A postura de atacar os símbolos da MPB pode ser vista como uma estratégia
dos grupos punks, no sentido empregado por Pierre Bourdieu. Isto é, sendo ou não
um cálculo consciente, é realizada de modo a fazer prevalecer a sua versão da
realidade vivida.
Nos discos produzidos por punks na cidade de São Paulo, de seus primórdios
até os dias atuais, há pouquíssimo espaço para aderências, mantendo o desprezo à
maioria das pautas e música feita pelos artistas ligados à MPB. Há praticamente
uma ideia de repulsa aos signos que marcam certa brasilidade condensada nas
canções listadas à sigla. Há referências diretas e indiretas, que vão das capas dos
discos, passando pelos títulos destes até as letras de canções e muitas sátiras
gráficas, marcando distanciamentos e posicionamentos contrário aos signos
nacionais. O que esses elementos nos contam vai além do que expressam
explicitamente. Arriscamos a dizer que se inserem na lógica do que é pensado como
legítimo em termos culturais no país. Pelo gosto punk contido nestas obras,
pudemos notar desprezo pelo establishment, repulsa à ideia de música popular
brasileira (e a toda música popular, a MPB), aos seus grandes ícones, crítica aos
102
pilares sonoros de uma dada brasilidade e à indústria fonográfica. Isso denota uma
postura de enfrentamento simbólico à cultura feita pelas classes médias e a toda
política de apaziguamento dos conflitos de classe. Ou seja, um enfrentamento ao
silenciamento da voz dos oprimidos (feito de forma direta ou não) promovido pela
complacência com o status quo. Selecionamos algumas referências que marcam
essa postura assumida pelos punks. A primeira delas são publicações em jornais,
seguidas pela reação à música “Punk da periferia”, de Gilberto Gil.
Mas antes seria interessante apresentar um marco dessa relação, escrito por
Clemente, 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador,
vocalista e guitarrista da banda “Inocentes” em 1982, para a revista Gallery Around e
disponibilizada na íntegra no livro Meninos em Fúria: o som que mudou a música
para sempre.
sobretudo, o que se tem entre os punks é uma maneira de criar a sua própria versão
dos fatos através da música, sem ter que recorrer aos cânones do cenário musical
hegemônico.
Há que se mencionar alguns pontos de intersecção que ilustram o que foi dito.
Durante os anos 1980 isso se deu em parte devido às circunstâncias estruturais
determinados pela conjuntura abertura política. O cantor Chico Buarque à época
haveria dito a frase que se tornou emblemática no documentário “Botinada: a origem
do punk no Brasil” (2006): “Se o punk é o lixo, a miséria e a violência, então não
precisamos importá-lo da Europa, pois já somos a vanguarda do punk em todo o
mundo”. As palavras de Buarque se coadunam com a letra de outro artista da MPB,
Gilberto Gil, que além de geograficamente se referir ao bairro da Freguesia do Ó,
como o primeiro abrigo do punk no Brasil, diz o seguinte: “Das feridas/ Que a
pobreza cria/ Sou o pus/ Sou o que de resto/ Restaria aos urubus/ Pus por isso
mesmo/ Este blusão carniça/ Fiz no rosto/ Este make-up pó caliça/ Quis trazer
assim/ Nossa desgraça à luz”. Mesmo não sendo aceito pelos punks, como
ressaltou Bivar (2006), citado anteriormente, a letra trata de pontos sensíveis em
relação à vida desses jovens moradores da periferia da capital paulista. Além disso,
serve como ilustração do impacto que a cena já havia gerado no cenário da música
popular brasileira. Assim, dois dos mais representativos membros da chamada MPB
se manifestaram em relação ao que ocorria. O primeiro por meio de uma nota, e o
outro por meio da música gravada, ressaltando aquilo que visualizava como mais
urgente no punk: os aspectos do cotidiano de uma vida de pobreza e a revolta dada,
via estilo para as demandas de classe.
Para Bivar (2006), os punks da cena de São Paulo “sentiam-se como donos
da marca Punk”, isto é, havia um sentimento de que qualquer um que não fosse
considerado punk não teria legitimidade para tratar sobre o movimento, mesmo se
isto fosse feito a título de elogio. O fanzine “Lixo Cultural” (1983) – o mesmo no qual
encontra-se a entrevista com João Gordo que marcou, segundo o próprio, a fama de
traidores – traz na sua capa um desenho de um punk de óculos escuros, com o
dedo do meio em riste, e com dois balões de diálogo. O primeiro diálogo posicionado
no canto esquerdo, no meio da página, com o nome do cantor (Gilberto Gil) em
caixa alta, como se fosse um grito, já o segundo na parte inferior direita da página,
também em caixa alta e com uma das frases da canção de Gil: “AQUI PRÁ VOCÊ!!”.
Internamente, encontramos um depoimento de “Tonhão” membro da banda
105
“Neuróticos”: “Um cara que passa a maior parte da sua vida na praia, debaixo do sol,
de frente para o mar e de costas para a desgraça do país, não tem direito algum de
vir falar sobre os punks da periferia de São Paulo. Por isso Gil, vá se foder na
Bahia”.
Esse movimento de atração e repulsa condensa uma série de
posicionamentos que reforçam o que apontamos anteriormente. Trata-se de uma
estratégia que visava marcar posição dentro do campo de produção cultural da
época, ao mesmo tempo em que esses jovens se apegavam à possibilidade de
falarem por si mesmos. Por outro lado, há ainda uma questão que quase nos escapa
sobre a mensagem de Tonhão que é a dimensão do preconceito contra nordestinos,
tão comum na cidade de São Paulo. Sem falar a menção pejorativa que remete à
suposta vida de Gil próxima ao mar. Para muitos punks da primeira onda, São Paulo
era como uma espécie de Londres tropical. Uma grande metrópole, fria, ainda
contando com garoa constante que, na visão deles, demonstrava semelhança com a
capital do Reino Unido. A imagem de uma cidade desenvolvida, industrializada,
contrastava com o atraso de outras partes do país. Entretanto, é preciso também
dizer que o ataque proferido por Tonhão aparece mais como uma maneira de
demonstrar a relevância dos punks paulistanos, marcando posicionamento
internamente, do que propriamente se indispor com Gil, dado o alcance de
circulação do fanzine.
“Kleiderman”, formado pelo trio paulistano Branco Mello, Sérgio Britto e Roberta
Parisi apostou em uma continuação do disco da banda “Titãs” e “Little Quail and The
Mads Birds” – esta última chegou a gravar a música “Samba do Arnesto”, do
compositor Adoniran Barbosa. Todas essas bandas tinham em comum uma
sonoridade marcadamente punk. Apesar de ter tido vida curta, o selo conseguiu
marcar a presença dessas bandas como expoentes do rock brasileiro durante a
década.
É interessante notar, ainda, que a influência do punk paulistano se espalhou
por vários lados. Podemos notar como um exemplo importante o movimento
“Mangue Beat”. Este reuniu uma série de bandas (no geral, da cidade de Recife) que
procuraram por eles mesmos criarem uma cena que pudesse ser global e local ao
mesmo tempo, que fosse autossustentável. Como aponta Glaucia Peres da Silva
(2008, p. 30),
27 Em entrevista à jornalista Sofia Lucchesi, em 2018, Neiton revelou o seguinte: “Eu não tinha
dinheiro pra comprar uma guitarra legal, então era mais barato construir. Acho que toco mal pra
cacete, mas, talvez, se eu tivesse dinheiro, poderia ser que minha forma de tocar não me
108
O primeiro disco da banda “Mundo Livre S/A”, “Samba Esquema Noise”, foi
editado em 1994 pelo selo “Banguela”, braço da gravadora WEA (Warner). Os
“Devotos” gravaram pelo selo “Plug”, pertencente à BMG o disco “Tá valendo”, em
1997. E por último “Cheque Girls”, da “Texticulos de Mary e Banda das Cachorras”,
foi lançado pela “Deckdisc”, em 2002. Esta última surge como a primeira banda
assumidamente gay do Brasil. Todas estas bandas foram contratadas por selos
atuantes no mercado brasileiro nos anos 1990. E até mesmo a banda de maior
sucesso no seio do movimento “Manguebeat” traz consigo vestígios do punk, seja
em sua sonoridade, seja nas letras do vocalista Chico Science. Estes exemplos
atestam ainda mais a penetração não apenas de uma sonoridade punk, mas
também a atitude de buscar criar com aquilo que se tem em mãos.
Dentro do mesmo panorama, durante essa época despontaram uma série de
bandas que, além de renovar o cenário, trouxeram uma série de outras maneiras de
lidar com o rock’n’roll, colocando em várias de suas músicas sons oriundos não
apenas da MPB, mas também do repertório regional. Bandas como “Raimundos”,
misturando hard core punk com forró e repente; e também “Pato Fu”, um trio mineiro
que não negava as suas raízes, tendo gravado até mesmo uma canção da banda
punk paulistana “Excomungados” (Vida de Operário), com arranjos com viola e
sotaque caipira. Ainda em Minas Gerais, temos outras bandas como “Tia Nastácia”,
que mantém como influência em suas músicas o punk rock; e “Jota Quest”, com
regravações em seu álbum de estreia de músicas dos cantores “Hyldon” e “Tim
Maia”, nomes ligados à MPB, mas que se destacaram pela sonoridade soul music.
No Rio de Janeiro, “Los Hermanos”, misturando hard core melódico, ska e samba.
Todas essas bandas foram grandes vendedoras de discos, mesmo em uma época
de declínio das gravadoras (DIAS, 2008), podendo também ser encaixadas dentro
do escopo do termo diversidade. Suas escolhas sonoras se deram a partir da
disponibilidade de signos que foram sendo criados ao longo dos anos e que
compõem o arcabouço simbólico de brasilidade (ORTIZ, 2013).
Nas décadas seguintes, esse processo se acirra e é possível notar o espectro
do punk rondando o cenário não apenas do rock feito por brasileiros, mas sobretudo
em um cenário de práticas culturais diversas. Com o declínio das gravadoras,
ampliaram-se as redes de apoio mútuo entre músicos e espaços para que
identificasse, eu poderia ser mais um que quisesse tocar igual à forma como um americano toca. Aí é
que está a questão”.
109
pudessem circular sem a grande indústria dentro da música popular brasileira. Tanto
na concepção, quanto na execução de suas propostas, esses coletivos se
organizam como redes DIY. Ou seja, como atuação horizontal, na qual a busca por
espaços e locais de apresentações visava criar um circuito em que bandas diversas
pudessem mostrar as suas criações. Para além disso, esses circuitos “alternativos”
estiveram centrados em dar suporte à gravação e lançamento de bandas. Como
pudemos mostrar anteriormente, o DIY se mostra no punk como uma ética de grupo,
mas não se restringe, obviamente, a ele. Contudo, é interessante dar relevo ao fato
de que a própria ideia de coletivo cultural, tal como a compreendemos, é algo que
nos leva às experiências desenvolvidas por hippies e punks, com suas propostas de
organização horizontal e economicamente solidária. Mesmo que não se refiram
diretamente a elas, o fato é que esses precedentes ocorreram entre os punks desde
os seus primórdios: a música como catalizadora, o viés político e contestatório, a
resistência à lógica da indústria cultural. Além disso, a sonoridade que embalou uma
boa parte das bandas do chamado “rock alternativo” que compuseram o quadro
desses coletivos também remete ao punk.
Ao contrário de outros ritmos “subalternizados” – como por exemplo o rap, e
posteriormente o funk carioca, que se mostraram paulatinamente como
componentes constitutivos de um cenário de uma nova geração de artistas ligados à
MPB – o que percebemos é que os punks inicialmente participaram ativamente da
criação de uma cena underground em São Paulo. Eles emprestaram alguns de seus
elementos simbólicos (sobretudo o gênero musical e a atitude frente a este) sem, ao
mesmo tempo, serem inseridos totalmente dentro da movimentação que se tendeu
chamar de BRock, ou rock brasileiro. Isto se deu em parte por questões da própria
constituição da cena punk, quanto por elementos estruturantes que remetem à
dinâmica deste movimento cultural. Contudo, a questão de classe não pode ser
negligenciada, dado que ela também compõe um quadro de atrações e repulsas.
Deste modo, se não é possível definir totalmente essa relação, podemos ao mesmo
compreender que os punks que compõem a cena da cidade de São Paulo
conseguiram com relativo sucesso trilhar a sua própria versão de música brasileira.
E isso hoje se dá de tal maneira que, deixadas de lado algumas de suas estratégias,
eles conseguiram abraçar em suas produções uma relação não de subordinação,
mas de relativo diálogo tanto com a dita MPB, quanto no eixo das sonoridades
regionais.
110
Assim, não houve mais o suporte das gravadoras para elaboração de seus produtos.
Vale dizer que esse processo trouxe com ele a possibilidade dos artistas gerirem as
suas próprias carreiras e ter controle sobre a sua produção – seria a vez dos
independentes. Além disso, houve uma série de práticas moldadas através dos
avanços tecnológicos para produção e gravação dos fonogramas (DIAS, 2008;
VICENTE, 2006).
É nesse contexto que surge uma ramificação importante na cena paulistana
que influenciará bastante as atitudes e as ideias partilhadas, os anarcopunks.
Diferentemente da primeira onda, os anarcopunks vão apostar em práticas mais
radicais e intensas de viverem o punk. No livro de memórias de um dos
cofundadores do “Movimento Anarco Punk” (MAP), Valo Velho, 47, professor de
inglês, músico e agitador cultural, narra um pouco como era andar nas Grandes
Galerias nos anos de 1990, período posterior ao que o movimento havia sido
exposto como ameaça à sociedade.
Lembro-me que era proibido em uma época andar de Moicano nas galerias,
e isso era sustentado pelos seguranças das lojas. Como éramos ainda uma
maioria esmagadora, andávamos por onde queríamos.
Os donos das lojas da galeria eram muito cínicos; achavam melhor os
punks não andarem de visual porque evitava problemas com as gangs, e a
gente sempre era reprimido pelos dois lados até 90, desta época em diante
o número de punks que andavam de visual, por estímulo dos Anarcopunks,
cresceu muito e as galerias tinham que tolerar nossas calças rasgadas e
moicanos em pé onde achássemos agradável a nosso parecer, já que não
tínhamos necessidade de comprar seu lixo fonográfico de quinta qualidade
(GANGZ, 2019, p. 60).
o “movimento punk” tomou nos anos 1980 em diante. A nível de influência mundial,
foi a partir de suas atividades que o anarquismo no punk se tornou uma doutrina
política cada vez mais aceita. Assim como uma postura radical em relação à
produção, distribuição e venda de seus produtos, apostando sempre em uma lógica
anticapitalista (GLASPER, 2006; O’HARA, 2005). Dessas experiências surgiram
várias bandas e coletivos que ainda hoje atuam, propondo shows, protestos de rua,
debates, documentários, fanzines e todo tipo de ação que se paute na luta social
libertária.
No Brasil, essas ideias ganharam forma embrionária entre jovens habitantes
da periferia sul da cidade de São Paulo. Daí surgiram bandas e coletivos
organizados em torno das temáticas acima descritas. Foram pioneiros em tratar
pautas antirracistas, anti-homofóbicas e antimachistas. Os próprios punks se
chocaram com suas atitudes, não deixando a sua presença ser esquecida ou
desprezada, angariando, assim, muita simpatia e muitos inimigos, dentro e fora da
cena (GANGZ, 2019).
Contrários ao “ganguismo” e à lógica territorialista de uma parcela
considerável dos indivíduos e grupos da cena, mantiveram uma atitude crítica em
relação à violência nesses termos. Ao mesmo tempo, não se mostraram moralistas
ao uso desta como recurso de autodefesa ou instrumento de ações diretas, como a
tática black bloc. Eduardo Ribeiro (2018), em matéria jornalística sobre o
anarcopunk em São Paulo, intitulada “Uma história oral do anarcopunk em São
Paulo” e dividida em quatro partes, escreveu que a movimentação se deu por várias
vias: escrita, sonora e de militância anarquista.
Os contatos com os rudimentos da anarquia estão dispersos no início do
movimento mundial. Isso é inegável. Basta olharmos para as referências a essa
vertente política nas primeiras letras de bandas como o “Sex Pistols”, nas inscrições
em textos de fanzines ou no vestuário da época. São muitos os indícios que
comprovam esse alinhamento. Entretanto, o que no início era algo pontual e
utilizado para chocar, passou a ser pensado com maior seriedade. Na Inglaterra pós
“Sex Pistols”, bandas como “The Clash” se alinharam de vez ao socialismo, e, ao
mesmo tempo, tornou-se um grupo de mainstream, lotando estádios por onde
passava. Outras bandas aderiram de vez ao pós-punk e se afastaram do
movimento. Isso fez com que o alcance midiático do punk caísse drasticamente.
Este foi um período de gestação e sedimentação de alguns valores, com o
115
surgimento de novas práticas. Como dito por Clark (2003), o punk saiu das ruas para
o mainstream e depois voltou para as ruas e se renovou. Dito de outra maneira,
nesse deslocamento, encontrou novas maneiras de se expressar. Essa ideia é
interessante no sentido de que aponta para um caminho complexo e dialeticamente
marcado dessa subcultura.
Em termos musicais, no período que compreende o final dos anos 1970 e ao
longo dos anos de 1980, surgiram bandas importantes para a consolidação do
anarcopunk. Esses grupos sustentavam um estilo sonoro radical, recheado de letras
politizadas. Na esteira do “Crass”, vieram outras bandas que inclusive foram
lançadas pelo selo Crass Records, como “Flux of Pink Indians”, “Poison Girls”,
“Subhumans”, só para ficar em alguns exemplos. Essas bandas mantiveram uma
postura avessa à indústria da música, editando os seus próprios materiais e
mantendo o controle sob sua produção. Como desenvolvimento de suas ações
nesta seara, surgiram subgêneros musicais: o crust punk29 e o d-beat30.
No Brasil, após a “dispersão” ocorrida por conta da exposição do punk como
algo nocivo e socialmente reprovável – momento denominado como “período
caverna” pelo historiador Antônio Carlos de Oliveira (2006, 2015) – alguns punks
passaram a se interessar mais sobre o tema e seus desdobramentos. O retorno do
Centro de Cultura Social (CCS), em 1985, importante núcleo anarquista situado no
centro de São Paulo, contribuiu bastante para essa gestação. Este centro era ligado
diretamente aos anarco-sindicalistas do início do século XX, que tiveram um papel
fundamental nas greves e organização sindical desse período, destacando-se a
grande greve geral de 1917. O CCS foi fundado em 1933, majoritariamente por
trabalhadores imigrantes (italianos, espanhóis e portugueses), como
desenvolvimento do que já havia se multiplicado na Europa. Os centros culturais
sociais foram importantes centros de cultura. Eles organizavam bibliotecas, eventos
teatrais e musicais, teatro, ações políticas, publicações e serviam como espaços de
29 Este estilo é marcado pela rapidez como são executados os instrumentos e pelos vocais guturais.
Outra característica marcante é o uso de elementos de outros subgêneros musicais, como o metal
extremo, algumas referências à sonoridade do pós-punk (principalmente à atmosfera sombria) e, por
estar próximo, também do grindcore e do d-beat.
30 O d-beat refere-se às bandas que popularizaram a batida característica da bateria que tem a letra
“D” no início do seu nome (Discharge, Disarm, Doom, Disfear). Além da bateria marcada dessa
maneira, as guitarras estão mais aproximadas do heavy e thrash metal. No Brasil, a banda Ratos de
Porão, mesmo não assumindo plenamente o “d-beat”, aderiu logo em seu início a esta maneira de
executar a música punk.
116
Em 86, por meio dos lambe-lambes que o Coletivo Libertário fazia no Centro
de São Paulo, tivemos conhecimento de que o CCS (Centro de Cultura
Social) daria um curso sobre anarquismo na Vila Buarque (Escola de
Sociologia e Política da USP32). Fomos, e lá conhecemos o recém-
inaugurado CCS e toda a turma de anarquistas das antigas. Os que fizeram
a ponte do anarquismo do começo do século até aqueles dias. Jaime
Cubero, Martinez, Morelli e Zeca Orsi Morel (esses dois, integrantes mais
recentes). Eu e meu amigo Cícero tivemos contato com toda a cena
anarquista naquele momento. E começamos a frequentar o CCS, na rua
Rubino de Oliveira, número 85. Eram palestras, debates e seminários sobre
anarquismo, ecologia, antimilitarismo, anticlericalismo.
O lugar já era frequentado por outros punks. Não éramos muito entendidos
pelos velhinhos do CCS, que desconfiavam de nossa estética, nosso visual
e nossa radicalidade. Tivemos aprendizados e problemas. Criamos o
coletivo NAAR (Núcleo Anarquista Ação Radical), e um zine:
Desobedecendo. Começamos a partir da COB (Confederação Operária
Brasileira), uma organização anarco-sindicalista, inicialmente dentro do
CCS, e depois, após um racha, passamos a atuar fora do CCS. Na COB,
começamos a ter problemas com a falta de compreensão da parte dos
anarco-sindicalistas sobre nossa cultura. Dentro da COB, fomos a vários
estados montar as Juventudes Libertárias e muitas vezes encontrávamos
punks nos rolês e já conversávamos sobre punk e anarquismo, porém nada
sistemático, que envolvesse o anarcopunks (RIBEIRO, 2018).
uma importante instituição de ensino superior com grande tradição no ensino de Ciências Sociais no
país. Foi fundada em 1933, mantendo atividade junto à Universidade de São Paulo, com o status de
instituição autônoma. Por ela, passaram nomes como Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Donald
Pierson, entre outros. Para maiores detalhes, acesse o site da instituição. Disponível em:
https://www.fespsp.org.br/.
117
“visual” carregado e agressivo entre estes sempre foi algo que não se restringia
apenas aos dias de eventos, ou aos protestos de rua. Isso marca outra diferença
sobre como essas pessoas experimentaram o punk. A sua vivência transparecia
uma radicalidade política que se mostrava de várias maneiras. Estes indivíduos
foram os primeiros a criar espaços coletivos de convivência e moradia, já no início
dos anos 1990, sob influência de como eram praticados na Europa. Tratam-se dos
squats, ou okupas, que remetiam a práticas ocorridas desde o pós-guerra, e que se
intensificou nos anos 1960 com o avanço dos movimentos contraculturais. Manteve-
se a proposta de “ocupar e resistir” imóveis vazios sem o consentimento dos seus
proprietários para manter um convívio de moradia autogestionária. As bases desses
movimentos apontam para as práticas anarquistas de luta por moradia e justiça
social (PRUIJT, 2012). Com relação a isso, em depoimento dado à Eduardo Ribeiro,
Jeremias (2018) aponta o seguinte:
Verdade seja dita, no final dos anos 80, início dos 90, nenhuma das bandas
precursoras da cena punk no Brasil que ainda estavam na ativa se diziam
punks. Todas tinham um discurso mais ou menos parecido com "a gente
começou no meio punk, mas hoje evoluímos e não queremos mais ser
vinculados a nenhum rótulo". É só pegar as entrevistas de nomes como
Ratos de Porão, Inocentes, Garotos Podres e outras, dessa época, e
constatar isso. Nenhuma delas se assumia punk. O punk era algo que havia
feito parte da história dessas bandas, mas que havia ficado num passado
distante. Havia muitas diferenças entre a primeira cena punk brasileira e a
cena anarcopunk. O anarcopunk assumia explicitamente uma postura
política, o anarquismo, e aos poucos foi aprendendo mais sobre o assunto,
se aprofundando até se tornar, de fato, um grupo – embora ainda
contracultural – de atuação política. Lógico que esse caminho foi percorrido
lentamente, entre muitos erros e alguns acertos. Mas esse é o principal
diferencial para mim entre os grupos punks e os grupos anarcopunks:
enquanto os punks se reuniam para organizar os sons, fazer os zines e
outras coisas mais relacionadas especificamente à cena underground, os
coletivos anarcopunks, além de fazerem tudo isso, também organizavam
manifestações e protestos políticos, palestras anarquistas, fundavam
bibliotecas, criavam distribuidoras de livros, alguns viviam em comunas
(espaços de convivência coletiva) autogestionárias, planejavam boicotes,
atuavam com outros grupos políticos (não necessariamente anarquistas,
desde que tivessem uma postura apartidária), procuravam atuar em
parceria com diferentes coletivos anarcopunks e anarquistas de forma
federativa e tinham, de fato, um aspecto de célula política, ao ponto de até
aceitarem como militantes, dentro de seus próprios coletivos, pessoas que
não eram punks, mas que desenvolviam uma militância anarquista. Lógico,
deixando bem frisado aqui, nada disso era perfeito. Existiam vários
equívocos, principalmente no início, mas o objetivo principal (para mim, o
que fez toda a diferença) era a iniciativa de ter uma atuação política
(JEREMIAS, 2018).
119
(2007), da posição ocupada no espaço social por estes jovens, em sua maioria
oriundos das classes populares. Assim, isso denotaria um modo de circunscrever a
realidade vivida como uma expressão do gosto de classe. Estaríamos, então, na
esteira do que o autor chama de gosto de necessidade, isto é, um gosto que é
construído a partir da posição ocupada no espaço social do qual eles são também
produto.
Dessa maneira, o que é visto como um sinal invertido se ajusta como uma
estratégia dentro de um horizonte mais amplo das práticas sociais executadas por
estes jovens no espaço social. À sua maneira, a percepção desses indivíduos de
sua condição de classe se move, é canalizada e externalizada pela aderência ao
punk. Mesmo que esta verificação não seja totalmente compreendida por estes
indivíduos, como apontado acima, a questão se faz presente em seu cotidiano e se
dá em suas práticas.
Na visão de Antônio Bivar (2007), o punk poderia ter surgido em qualquer
lugar do mundo, até mesmo no Brasil, dada as circunstâncias que viviam os jovens
ocidentais da época. Apesar de parecer uma afirmação que pode nos levar a crer
que o movimento punk seria um fator eminente, o fato é que, historicamente,
podemos notar que os elementos que caracterizam o punk partem sobretudo do eixo
anglo-saxão, mas também há contribuições de vários pontos do globo. Em outras
palavras, teríamos que pensar em uma cena “global geral”, se assim podemos
conceber este movimento cultural, já que ele contém muitas contribuições tanto dos
estadunidenses, quanto dos ingleses. Tais contribuições circulam e se adequam
bem às dinâmicas locais, nas quais cada cena devolve as suas próprias
contribuições e as lança para outros países em uma dinâmica colaborativa de troca
de informações e sobretudo música gravada. Desta maneira, em cada lugar esta
(sub)cultura tem um sentido lato, foi ressignificada a partir da própria realidade local.
Isso reforça a ideia de atuar como um elemento que transita na órbita internacional,
122
3.3 Do It Yourself (DIY) como ética de grupo e a sua relação com a música
gravada
Como vimos acima, é necessário ter em mente que não há como distinguir os
princípios incorporados que guiam as condutas dos indivíduos em determinado
grupo (ethos) das questões de escolha e do gosto, incorporados ao longo das
histórias individuais e coletivas dos indivíduos (habitus). É imprescindível, portanto,
compreender as relações que se estabeleceram durante os anos entre as várias
esferas envolvidas nesse processo.
33Na concepção do autor “trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a
oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não
mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial; ele é reconhecido em seu conjunto pelos
usuários habituais. A noção de circuito também designa um uso do espaço e dos equipamentos
urbanos – possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade por meio de encontros,
comunicação, manejo de códigos –, porém de forma mais independente com relação ao espaço, sem
se ater à contiguidade, como ocorre na mancha ou no pedaço. Mas ele tem, igualmente, existência
objetiva e observável: pode ser identificado, descrito e localizado”. Para maiores informações, cf.
Magnani (2010).
126
34Utilizamos este termo no sentido dado após os acontecimentos pós Maio de 68. Isto é, as práticas
e movimentos que ganharam relevo de luta contra o sistema econômico global, expresso em lutas
identitárias e ações diretas promovidas por grupos libertários. Como sugere Moysés Pinto Neto
(2018), em contraposição à proposta de Boltanski e Chiapello em que este período fez surgir o
127
fonográfico tenham feito muito dinheiro com o punk, ironicamente, desde os seus
primórdios que apontam para os anos de 1970, as pessoas deste movimento
procuraram meios de se expressar sem ter que recorrer às grandes empresas do
ramo fonográfico (BIVAR, 2007; O’HARA, 2005). Essa vontade de fazer diferente e
romper com o que estava estabelecido dá o pontapé inicial para que outros jovens
no mundo possam se expressar utilizando a música como o seu estandarte principal.
Em um movimento de ida e vinda, o punk sai das ruas e depois vai para as
gravadoras. E, sendo expulsos delas, ele volta para as ruas, onde se reinventa
(CLARK, 2003) e passa a produzir de maneira mais ativa do que antes.
Como dito anteriormente, os punks radicalizam a ideia de produção
independente, pois, em sua maioria, não estão abertos a negociações. No entanto,
há de se ponderar, já que existem muitos exemplos de bandas punk que assinaram
contrato com pequenas e grandes gravadoras. O que assevera Dylan Clark (2003),
quando argumenta que esta é uma das contradições existentes no punk: oscilar
entre o underground e o mainstream. A começar pelos grandes ícones da primeira
onda punk, temos o “Sex Pistols” e o “The Clash”. Os “Sex Pistols”, formados em
1975, assinaram no ano seguinte um contrato com a EMI, A&M Records e, depois,
com a Virgin Records, por onde sai o polêmico disco “Never Mind the Bollocks:
Here’s the Sex Pistols”, em 1977. O single deste LP é a canção “God Save the
Queen”, que ironizava o jubileu da rainha Elizabeth e atacava o governo britânico,
emplacando quatro músicas nas paradas de sucesso britânica entre 1976 e 1977. O
“The Clash”, por sua vez, deu início às suas atividades em 1976, e foram
contratados pela gravadora CBS no mesmo ano. O álbum de estreia, “The Clash”,
lançado em 1977 apenas no Reino Unido, foi bem recebido tanto pelo público,
quanto pela crítica. Isso os alçou ao estrelato. Consta-se que “The Clash” foi a
primeira banda punk a tocar em estádios.
Mais recentemente, no contexto estadunidense, temos bandas representantes
do punk californiano, como “Green Day”, formada em Berkeley (CA) em 1986. A
banda ficou mundialmente famosa em 1994 através do seu terceiro álbum
denominado “Dookie”, lançado pelo selo “Reprise Records”, da gravadora Warner. O
“espírito de um novo capitalismo”. Se este surge de fato, o que vem com ele é uma reação, ou seja, o
novo anticapitalismo, dotado de práticas que vão além dos sentidos estéticos exclusivamente.
128
disco foi um sucesso de vendas, recebendo disco de ouro e platina35. Outro exemplo
é a também californiana “Offspring”. Após ser contratada pela gravadora
independente “Epitaph”, ela se tornou o álbum de maior número de cópias vendidas
por um independente, ganhando disco de ouro e platina36. Um dado interessante é
que a banda, apesar de ter obtido grande sucesso, só assinou com uma grande
gravadora (no caso, a Sony Music) em 1997. O que revela, com ressalvas, certa
atitude de resistência, mesmo para aqueles que obtiveram sucesso de vendas.
Mas há também vários exemplos de bandas que, ao se tornarem mais
conhecidas, passaram a ser acossadas pelas gravadoras e não assinaram com
nenhuma delas. No cenário global, há um caso emblemático que serviu e ainda
serve como modelo de atitude frente à indústria da música gravada. Trata-se da
banda “Crass”, já citada anteriormente, conhecida pela postura radical tanto em suas
apresentações, quanto ao defender as suas convicções políticas. Ela recebeu nos
anos de 1981-82 propostas excelentes para assinar contrato com a EMI, mas não o
fez em nome de manter o controle sobre a sua produção artística (O’HARA, 2005, p.
155). Inclusive mantinham fortes críticas às bandas que seguiam este caminho. Na
letra “Punk is dead”, do disco “The Feeding of the 5000”, fazem uma severa crítica
ao movimento punk e ao “The Clash”.
Sim, isso mesmo, o punk está morto / é apenas mais um produto barato
para a cabeça dos consumidores./ Bubblegum rock em transistores de
plástico / Sedição de estudantes apoiada por grandes promotores./ A CBS
promove o Clash / / apenas por dinheiro (...) (CRASS, 1978)37.
35 O “Green Day” vendeu mais de 10 milhões de cópias somente entre 1994 e 1995, de acordo com a
The Recording Industry Association of America (RIAA). Disponível em: https://www.riaa.com/gold-
platinum/?tab_active=default-award&ar=GREEN+DAY&ti=DOOKIE. Acesso em: 16 jun. 2019.
36 O álbum “Smash” vendeu cerca de 6 milhões de discos entre 1994 e 2000.
37 Traduzido livremente da canção Punk is Dead contida no disco "The
Feeding Of The Five Thousand" (1978) : Yes that's right, punk is dead/ It's
just another cheap product for the consumers head./ Bubblegum rock on
plastic transistors,/ Schoolboy sedition backed by big time promoters./ CBS
promote the Clash,/ But it ain't for revolution, it's just for cash. (...)
129
relação à música estão pautadas pela radicalidade. Isto é, a relação com a música e
com o mercado da música se torna conflitante justamente por ir de encontro com os
valores do DIY. Ter controle sobre o que se produz torna-se algo preponderante no
meio. Assim, podemos dizer que não bastaria apenas soar musicalmente punk,
como revelam os exemplos citados das bandas de sucesso dentro deste eixo. Mas
seria preciso atuar frente à sua produção, de modo que seja possível ser
reconhecido entre os seus pares como algo legítimo e, portanto, aceito. As
contradições dadas entre underground e mainstream representam, ainda, o
processo de cooptação do punk, mas também a sua resistência e reinvenção
(CLARK, 2003).
No Brasil, essa querela ganha outras tonalidades. O embate entre
underground e mainstream pouco se desenvolveu por aqui, dado que as poucas
bandas que conseguiram contratos com gravadoras e não saíram do underground –
no caso, dentre as pioneiras, trata-se de Ratos de Porão38 e Inocentes39. Embora
haja vários grupos que mantenham uma sonoridade punk, estas não são
reconhecidas na cena e nem se pretendem punks. Em outras palavras, aceitam a
estética musical, mas não se afinam com a ética de grupo e se aproximam mais da
visão de rockstar, tão facilmente identificável. A título de exemplo, poderíamos citar
algumas, como “Holly Tree”, “CPM 22”, “For Fun”, dentre outras que surgiram em
São Paulo nos anos 1990 e tiveram alguma projeção nacional. Entretanto, é notório
o caso da banda “Cólera”, que foi assediada por gravadoras nacionais e se recusou
a se submeter a elas, buscando manter sempre o controle de sua música – o que
ocorre ainda hoje. A banda foi formada em 1979, e lançou 9 álbuns de estúdio, 6 “ao
vivo”, 2 EPs, participou de 2 coletâneas e 17 compilações. O terceiro álbum de
estúdio da banda, “Pela paz em todo mundo”, lançado em 1986, de maneira
autônoma – conforme indicado por Pierre, 55, administrador e músico, baterista da
banda em entrevista concedida em agosto de 2019 – vendeu cerca de 25 mil cópias,
um sucesso até para os padrões de hoje, e ainda mais por se tratar de uma banda
punk.
Voltando à questão dos lançamentos fonográficos Do It Yourself, mesmo já
praticando-o, mas sem ser plenamente compreendido ao menos em visão mais
38Ataque Frontal (BRA), Baratos Afins (BRA), Cogumelo Records (BRA), Paradoxx (BRA), Punk Rock
Discos (BRA), Peculio discos, Beat Generation (ESP), Roadrunner (EUA), Alternative Tentacles
Records (EUA), F.O.A.D (ITA), Records, Bruak! (EUA).
39 WEA, Paradoxx, Devil Discos, Eldorado, Camerti, Abril Music, Substancial Music, RDS Fonográfica.
130
aprofundada como uma “vivência”, pode ser também estendida ao que se passava
por aqui. Acompanhando o que ocorria no mundo em torno do punk, discos e mais
discos são lançados de maneira análoga. Houve, por exemplo, a coletânea “Grito
Suburbano”, em 1982, seguido por outra intitulada SUB (1983), passando pelos
discos das bandas Olho Seco (“Bota, fuzis e capacetes” - 1983), Ratos de Porão
(“Crucificados pelo Sistema” – 1984) e Cólera (1992 – em K7). Isso só para ficar em
alguns álbuns considerados clássicos na cena punk da metrópole paulistana que
são bancados pelos próprios artistas. O que indica que a prática tinha sido absorvida
também por aqui.
Assim, o que se verifica como prática corrente entre os punks é a busca por
criar produtos de maneira autônoma e autogerida. Ao contrário do que ocorreria com
os empreendimentos vinculados ao pós-punk, na Inglaterra; ao rock alternativo, nos
EUA; e, no Brasil, ao movimento dos independentes iniciados nos anos de 1980.
Dito de outra maneira, para os punks, o DIY é equivalente a uma ética de grupo
(GUERRA; SILVA, 2014). É o canal por onde a sua criatividade e criticidade frente à
sociedade de consumo se demonstra. Nesse sentido, a características das suas
ações em torno da música gravada parecem nos levar a crer que não são exemplos
de empreendedorismo, no sentido empregado nos dias de hoje, isto é, de ações
voltadas à realização de um negócio economicamente viável. Mas ações que
expressam uma crítica justamente a esse espírito empreendedor, ao mesmo tempo
em que demonstra força suficiente para se manter viável ao longo do tempo.
Como ressalta O’Hara (2005, p. 152), o punk desenvolveu uma lógica
particular de lidar com os seus negócios, criando redes de apoio mútuo e canais de
expressão e sociabilidade. Dito de outra maneira, o autor trata de como os punks
tendem a agir em relação às suas práticas comerciais que visam se contrapor às
práticas das grandes gravadoras. As bandas que não se enquadram dentro desses
princípios são prontamente descartadas como participantes desse grupo, ou, no
melhor dos casos, perdem parte de sua legitimidade.
De uma maneira bastante peculiar a todos os grupos punk do globo, é
predominante a chamada atitude Do It Yourself. Tendo isso em vista, esta prática
parece resistir invariavelmente ao suporte em um discurso que perpassa os anos e
se instala como um ethos no seio desse grupo social (GUERRA, 2013). Somado a
131
isso, há o fato de que o punk vem se mostrando como uma subcultura40 resistente
ao próprio discurso subcultural. Isso porque, em grande medida, ele ultrapassou nos
dias atuais as demandas dos pioneiros deste movimento, lançando mão de uma
aposta maior na busca por uma vivência autêntica (CLARK, 2003). Ou seja, nesse
meio, a questão política é preponderante. O que nos leva crer que, ao se
contraporem ao sistema capitalista, todos os seus produtos estão impregnados de
referência à luta e resistência anticapitalista, demonstrando que é quase impossível
separar a arte das posturas combativas.
Até aqui buscamos localizar, entre algumas maneiras de atuar frente à
produção, distribuição e venda de música gravada, as produções que consideramos
marginais. Para tanto, fizemos uma discussão sobre a noção de indústria cultural.
Além disso, resgatamos alguns elementos da sociologia de Pierre Bourdieu para
pensar outras formas de produção. Estas, dentro das suas especificidades,
mostram-nos que há uma gama de maneiras distintas para lidar com a música
gravada fora do circuito das empresas do ramo fonográfico. Dentro dessas
produções foi destacado o caso do punk. Com isso, argumentou-se que este se
configura como um exemplo de referência empírica justamente por ser uma cena já
sedimentada, com práticas similares de produção, gravação e distribuição de
fonogramas a outros grupos ao redor do mundo. No próximo capítulo, buscaremos
aprofundar a reflexão sobre as práticas desenvolvidas por punks, partindo dos seus
princípios éticos, estéticos e políticos. Apontaremos também a história e o
desenvolvimento das gravações de música punk na cidade de São Paulo através de
suas produções.
40 Por subcultura entendemos as culturas que apresentam distanciamentos em relação aos modos de
vida dominante, mas sem empreender uma ruptura radical com eles.
132
Gráfico 1 – Discos lançados por punks na cidade de São Paulo entre 1981-2019
evento. O fato é que com maior visibilidade e aceitação para os elementos sonoros
desta manifestação, agora o punk se apresentava de maneira mais “acessível” aos
consumidores de música pop. As bandas supracitadas são exemplares também por
este motivo, isto é, conseguiram encontrar saídas sonoras comerciais sem abrir mão
das características musicais do punk (simplicidade melódica e poucos acordes).
Surgiu-se daí a vertente pop punk.
É interessante notar que essa “saída” já havia sido testada pela banda
“Nirvana” anos antes com o disco “Nevermind”, de 1991. Com elementos musicais
que remetiam diretamente ao punk, essa banda se tornou mundialmente conhecida
por canções que equilibravam uma estrutura melódica pop com guitarra e vocal
marcadamente mais agressivos. Essa fórmula tornou-se um grande sucesso de
vendas, somando cifras impressionantes. Só nos Estados Unidos as vendas
chegaram a 28 milhões de discos41. Somadas às vendas em outros países, a
estimativa é que tenham vendido cerca de 78 milhões de discos. Quando a banda foi
desintegrada após a trágica morte do vocalista e líder do grupo, Kurt Cobain, o
mercado fonográfico, ao que parece, passou a vasculhar bandas com potencial
similar. Isso fica mais evidente quando percebemos como bandas californianas de
punk rock e hardcore melódico ganharam evidência no cenário da música popular
daquele país e no mundo logo em seguida.
Tal exposição no exterior coincide com uma “retomada” do punk em São
Paulo, ou pelo menos uma maior exposição. Como mostram os números levantados,
há o início de uma curva ascendente na produção de discos, o que nos leva a
verificar que também surgiram muitas bandas novas no período. Esse movimento foi
antecedido por uma retração, ocasionada pelos veículos de mídia hegemônicos no
país, devido à exploração negativa do punk no início dos anos 1980. A partir dessa
situação, houve uma divisão no movimento que culminou na divisão interna e no
afastamento de pessoas ligadas à cena, no caso, os carecas do subúrbio e
congêneres, e os straight edges. Desprendeu-se daí também os anarcopunks que,
como dito anteriormente, reforçaram a aposta em práticas e posturas políticas
através dos princípios anarquistas de propaganda pelo ato.
andamento mais lento dos seus tempos musicais e o segundo mais acelerado, com
batidas de bateria mais seriados e agressivos. Há várias variações de um e de
outro, contudo, no geral, mantém essas características mais visíveis. Outro ponto
relevante é que um remete ao outro, o punk rock está ligado raízes do gênero e à
ruína do primeira leva de bandas, o hardcore se liga ao ressurgimento e apoteose,
ou se preferirem, de consolidação do punk enquanto movimento cultural.
Todos esses fatores se coadunam e servem para compreender o pico de
produções ocorridas no período que vai de meados dos anos 1990 até 2013.
Particularmente, na segunda metade dos anos 1990, percebemos que os ritmos
mais explorados foram o punk rock encontrado em 37,3% das produções e o hard
core respondendo por 65,7% destas. Sendo minoritária a ocorrência de outras
vertentes presentes na música feita por punks, tais como o crustcore, d-beat,
grindcore. Estas são sonoridades menos usuais, aparecendo em cerca de 13,4%
das gravações. O que nos mostra que há pouca aderência a estas que são
representações musicais extremas, apesar de que, paradoxalmente, principalmente
bandas estrangeiras dessa vertente, são particularmente apreciadas entre os punks
de São Paulo. Em sua grande maioria, os membros da cena estão mais voltados à
escuta e ao consumo de hardcore e punk rock. Enquanto ritmo, o hardcore se
mostra mais ruidoso do que o punk rock, mas não tanto quanto outras vertentes
informadas acima. Internamente a ele, podemos encontrar o hardcore melódico, o
post hardcore. Contudo, por aqui, há a predominância do hardcore punk e o metal
core, ou hard core novaiorquino (que se funde também com elementos do thrash
metal - crossover trash). De modo geral, há uma predominância dos tempos
acelerados de bateria e de guitarra, alternando o vocal natural ou gutural. Já o punk
rock tem um apelo maior em se comunicar, já que os vocais, na maioria das vezes,
ocorrem de maneira natural, sem o uso da técnica do vocal gutural na maioria dos
casos. Os tempos musicais são mais lentos e compassados. Em ambos os casos,
as letras predominantes tratam de crítica sociais ou pontos de vistas pessoais sobre
assuntos políticos ou polêmicos.
139
42 Fora de São Paulo, na baixada santista, região litorânea a cerca de 80km de distância da capital,
floresceu nos anos 1990 uma cena hardcore revelando uma série de bandas que ampliaram o escopo
de usos do ritmo e sedimentando também o hardcore melódico. Há vários exemplos de bandas como
“Garage Fuzz”, “Sociedade Armada”, “Safari Hamburgers”, “Sonic Sex Panic”. Esta cena é retratada
de maneira interessante por muitos dos seus protagonistas no documentário “Califórnia Brasileira - O
Hardcore Punk em Santos 1991 - 1999”, disponível em serviços de streaming e DVD.
141
surgem uma série de bandas que são atravessadas por temáticas oriundas de
grupos minoritários (negros, mulheres, LBTQI+).
Assim, ao nos voltarmos à escuta das obras, percebemos que há uma maior
heterogeneidade em comparação ao que é apresentado nos catálogos, selos e
próprias menções dadas pelas bandas em encartes dos materiais lançados. Isso
ultrapassa a lógica dicotômica que reduz a percepção das produções das bandas,
mas, por outro, lado serve para demarcar territórios simbólicos partilhados entre os
diversos grupos que se relacionam entre si. O que nos leva pensar primeiramente
nos acordos que foram feitos dentro do horizonte de escolhas estéticas feitas pelos
indivíduos envolvidos com a cena paulistana. Há um desdobramento de sentido que
reconhece o hardcore como levada musical predileta dos grupos que se mostram
menos propensos à estética do rock’n’roll. Isto é, afastam-se de um plano musical
mais agradável aos ouvidos, no sentido que Adorno e Horkheimer concebem. Se,
por um lado, isto torna mais hermética a comunicação externa, por outro, cria
internamente maior adesão pelo compartilhamento de sentidos, práticas e disputas.
Tanto para o músico que executa o hardcore, quanto para aqueles que
compreendem a mensagem sonora, há uma série de habilidades que se desenrolam
em uma competência mais geral em lidar com esse tipo de música. O que queremos
dizer com isso é que, abrigados no “guarda-chuva” chamado “música punk”, em
termos gerais, há gradações entre os usos do punk rock e do hardcore. Via de regra,
podemos apontar que essas escolhas estéticas passam em certa medida pela
necessidade que as bandas têm em dar relevo, ou apresentar com maior clareza
uma dada mensagem através da voz (punk rock). Sendo o hardcore mais veloz e
mais agressivo, a sua mensagem é passada pela execução musical propriamente
dita. Em muitos eventos acompanhados por nós, não raro nos deparamos com
introduções e narrações breves (quase pequenos discursos políticos) antes de cada
canção a ser apresentada por bandas de hardcore. Em muitos casos, a falta de
espaço para o entendimento da letra força os vocalistas das bandas (geralmente são
eles que fazem isso, mas pode ser feito também por outro membro) a introduzirem
ao público as letras das canções de maneira resumida (às vezes tal introdução é
mais extensa e em formato de recitação). Isso pode ser notado tanto pela dinâmica,
na qual a voz se apresenta em meio aos outros aparelhos, quanto pelo fato de se
proceder propositalmente a distorção da voz, utilizando recursos como as técnicas
guturais em um plano agudo ou grave. Tomemos alguns exemplos.
142
Fonte: https://www.discogs.com/Inocentes-Mis%C3%A9ria-E-Fome/master/407570.
De acordo com Clemente, 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor,
radialista, apresentador e baixista, vocal de apoio e um dos compositores da banda
à época, a intenção era lançar um disco com mais canções (onze no total). Contudo,
a censura implantada pelo governo civil-militar desde 1964 impedia a livre
“circulação de ideias subversivas”. O artista contou como se deu o processo em
entrevista concedia à Gastão Moreira, durante o programa “Em Kaza”, postado dia
15/05/2017 no canal “Kazagastão”:
Clemente: É que nessa época para você lançar um vinil, você tinha que
submeter as letras à censura, né. Porque estávamos na época da ditadura
militar. Então, todo disco que se fosse fazer você tinha que mandar para
Brasília e tal. E aí, pô, mandei as letras para Brasília, a gente ia gravar
ainda, né e tal. “Pô, vou adiantar, né, Callegari [guitarrista da banda à
época]”. Mandamos e tal, e veio tudo com um carimbo vermelho:
Censurado! (risos)
Gastão Moreira: O quê que pegou, o que pegou exatamente?:
Clemente: Letras, né, tudo... “Miséria e fome” ...
Gastão Moreira: Mas eles implicavam com coisas que não são tão
explícitas. Eles implicavam com coisas também...
Clemente: Ah, sim. No nosso caso era tudo. E aí, tanto é que a última frase
de “Miséria Fome”: “não estou culpando ninguém, não estou acusando
ninguém...”, eu fiz para passar na censura, né.
Gastão Moreira: Entendi, cara. Então, o que aconteceu? Eram quantas
músicas e sobraram 4 músicas?
Clemente: É, é isso aí. Era para ser um disco inteiro. Chegamos a agravar
tudo, né (...) na esperança de que fosse passar. Mas eu mandei e falei:
“meu, deixa eu já mudar isso daqui”. Quando veio, eles recusaram, né, eu
falei “ih”. Mas a gente foi gravar: “vamos gravar”. Mudar, vou dar um jeito...
“Miséria e Fome” eu tive que mudar o nome.
Gastão Moreira: Virou “Eu apenas conto o que vi” (CLEMENTE, 2017).
144
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Inocentes-Mis%C3%A9ria-E-Fome/master/327631.
Na mesma entrevista citada acima, Clemente, 56, músico, produtor musical, dj,
compositor, escritor, radialista, apresentador, informou que, em sua concepção,
tratava-se de um disco com sonoridade hardcore. O curioso é que esse produto foi
lançado cerca de um ano antes do cultuado “Crucificados pelo sistema”, disco de
estreia da banda “Ratos de Porão”, lançado em 1984. Em 2017 este LP foi eleito
como o melhor disco de “punk rock nacional” pela “Revista Rolling Stones”43. Não
obstante a isso, ele ganhou fama mundial por ser um disco de hardcore. Ouvindo o
disco, percebe-se que, das dezesseis faixas que compõem a obra, quatro delas são
punk rocks. São elas: Lado A: 4 - Agressão Repressão / 5 - Que vergonha (esta
canção apresenta uma mescla de punk rock e hardcore); Lado B: 2 - FMI / 5 - Não
43 Para maiores, cf. o artigo da Rolling Stone “Os dez maiores discos do punk rock nacional”.
Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/noticia/os-dez-maiores-discos-do-punk-
nacional/#imagem10. Acesso em: 11 out. 2019.
145
me importo. A seguir apresentamos todo setlist das canções do disco, assim como a
capa e contracapa.
Fonte: https://www.discogs.com/Ratos-De-Por%C3%A3o-Crucificados-Pelo-Sistema/master/226070
A pergunta que fica no ar é: por que discos com sonoridades tão próximas se
distanciam em suas concepções? O próprio Clemente, 56, músico, produtor musical,
dj, ator, escritor, radialista, apresentador, nos dá pistas sobre isso. Ele diz que os
“Inocentes” “incorporou o hardcore” e que os “Ratos de Porão”, ao contrário, em
suas palavras, “são assumidamente só hardcore”. O que equivale dizer que, dentro
do horizonte de possibilidades musicais oferecidas pelo punk, a banda do
entrevistado, de acordo com ele próprio, não se ancorou apenas em uma
nomenclatura, mesmo tendo feito um disco praticamente só de hardcore. Ao passo
que os Ratos de Porão assumiram apenas a associação musical com o hardcore,
mesmo elegendo o punk rock como ritmo de algumas de suas canções. O que
podemos notar aqui é que há um processo de distinção no qual os agentes
configuram para si e para outros lugares sociais. O que deixa patente também que,
ao se expandir, o movimento punk gerou subgêneros musicais, causando rachas e
divisões e vice-versa. Foi nesse sentido que a banda “Ratos de Porão”, durante
146
44 Posteriormente, já no início dos anos 2000, essa formação voltou a se reunir sob o nome de
“Periferia S/A”. Ela ainda se mantém e lançou dois discos, o “Periferia S/A” de 2005, lançado pelos
selos Dirty Faces, Ataque Sonoro, Red Star Recordings e o “Fé + Fé = Fezes”, em 2014.
147
45 Os pedais de modulação geram efeitos sonoros que soam com dobras, atrasos e leves
desafinações. As diferenças estão na saída do som, no caso do chorus o efeito mais audível é o de
uma leve desafinação. Músicas como “This Charming Man” dos “The Smiths” (chorus), “I will Follow”,
do U2 (delay), "Bring On the Dancing Horses" dos “Echo and Bunnymen” (vibrato), são um bom
exemplo para verificarmos o uso dos referidos pedais.
149
[...] no início vamos dizer 80-1980, as bandas de punk, né, não sabiam
tocar, entendeu? Aquela aparelhagem bem precária, e [...] tentando
aprender a tocar, né. Então aquela batida tradicional dos anos 80. E com o
tempo foram aprendendo a tocar melhor, né. Então... E no caso o Olho
Seco, eu tentava fazer um som um pouco mais rápido, hoje eu escuto era
lento demais. Só para você ter uma ideia. E as bandas de punk era mais
lenta ainda. E quando gravamos o Grito Suburbano aí eu mandei... eu tinha
um contato com o pessoal lá de fora, né, principalmente dos Estados
Unidos. Aí eu mandei para Maximum Rocknroll é uma revista, um Fanzine -
eu acho que existe até hoje - para eles fazerem algum tipo de comentário,
né. Aí eu mandei esse disco para o pessoal e uma das pessoas tem várias
pessoas que faziam comentários, né. Uma das pessoas [era o] Jello Biafra,
né. Mas eu sempre mandava para o... eu não sei se ele é dono, mas é uma
das pessoas principais da Maximum Rocknroll: não sei se ele foi o fundador
não me pergunta porque eu não vou saber sobre isso, Tim Yohannan. E ele
curtiu para caramba. Falou: nossa! Aí veio o comentário, né. Saiu na revista,
aí falaram que Inocentes - eu não lembro direito agora - é aquele Punk [que]
parece um punk em inglês. O cólera, um som com a guitarra mais pesada,
um punk, não sei, não lembro. E o Olho Seco, o que eles falaram: “Olho
Seco é uma banda de hardcore. Eu nunca tinha escutado a palavra
hardcore, né? [...] no som, né, no rock. Aí eu até falei, mas nossa, a gente
faz punk, o que é esse hardcore, né. Aí eu fui pesquisar é um som mais cru,
mais distorcidos né. E aí ficou esses... punk rock e aí começou a aparecer
as bandas de hardcore. Então, eu acho que é isso, né (ZVONAR, 2019).
O artista nos mostra que não havia uma pretensão direta em executar
especificamente o hardcore, a ideia era soar mais rápido, como estratégia de
distinção. Na visão de Fábio foi como uma espécie de desdobramento “natural”, o
que se tinha em mente era buscar um som mais pesado, sem saber que esse som já
150
tinha até nome. A confirmação e respaldo para o que estava produzindo lhe deu a
certeza que estava seguindo um caminho diferente. Isso fica claro também na
maneira como ele apresenta o que Tim Yohannan comentou dos outros grupos,
dando destaque ao comentário que este fez de sua banda. O que o levou a procurar
informação sobre a sonoridade que estava experimentando, colocando-o como um
pioneiro da cena punk em termos de execução do hardcore. Abaixo o primeiro disco
da banda “Botas fuzis capacetes” (1983), trata-se de um compacto contendo três
canções de hardcore punk: “1- Nada/ 2- Muito Obrigado/ 3- Botas, Fuzis, Capacete”:
)
Figura 8 - Capa e contracapa do disco “Botas fuzis capacetes” (1983)
Fonte: <https://www.discogs.com/Olho-Seco-Botas-Fuzis-Capacetes/master/264701>
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/C%C3%B3lera-Tente-Mudar-O-
Amanh%C3%A3/master/226037.
Ao passo que o hardcore se firmou aos poucos, o punk rock, por motivos
óbvios, manteve seu lugar preservado. Após o declínio da primeira onda, os eventos
se tornaram escassos e o punk adentrou ainda mais na periferia da cidade de São
Paulo. Se antes havia uma exposição midiática favorável, a pecha de delinquência
aderira à cena. Da metade dos anos 1980 até início dos anos 1990 a cena cresceu
nas bordas e reestruturou as suas bases. A música nesse sentido foi primordial. O
hardcore punk se fundiu com outros sons derivados de outros ritmos dentro do rock
mais pesados.
153
Fonte: https://www.discogs.com/Ratos-De-Por%C3%A3o-Feijoada-Acidente-Brasil/master/76003.
“Escorbuto”, “Kaaos”, “Poison Idea”, “Vibrators”, entre outras. O resumo geral é que
as escolhas feitas pelo “Ratos” não são de forma alguma aleatórias. Elas foram
minuciosamente pensadas e nos ajudam também a perceber o que de fato fazia
parte do horizonte simbólico que a banda partilhava com grande parte da cena
paulistana. O gosto por punk rock e por hardcore se misturam, assim como a
aproximação com bandas estadunidenses e europeias, o que demonstra profundo
conhecimento dos meandros desse estilo musical. O conceito do disco é uma sátira
que faz referência ao disco de covers, a maioria de bandas punk, feita pelo grupo
estadunidense de hard rock “Guns n’ roses”, lançado em 1992, marcando também a
“era de ouro” da banda. As capas dos dois discos trazem a representação dos
respectivos pratos que dão nome às produções.
De maneira bastante interessante, o “Ratos do Porão” apresenta no disco as
várias faces do punk como gênero musical. Mostram, ainda, que este é marcado por
uma diversidade interna, que, por seu turno, revela-se como um movimento
internacional popular (ORTIZ, 1988). Esse trabalho concretizado em um disco duplo,
aproximou o “Ratos de Porão” às suas origens. O que os levou a serem novamente
vinculados ao punk, uma vez que haviam se afastado desta cena e se aproximado
da cena de metal extremo da capital, na qual a sua sonoridade ficou mais próxima
ao thrash metal. Isso está expresso também na contracapa do disco que traz uma
fotografia em que aparecem João Gordo, Jabá, Mingau e Jão. Os dois primeiros de
costas, João Gordo com a face voltada para o lado, nas suas jaquetas lemos os
nomes de bandas que, à época, estavam despontando como representantes da
segunda onda do punk: “Anti-sect” (UK), “Discharge” (UK), “Riistetyt” (FIN), “Anti-
cimex” (SWE), e “GBH” (UK) na camiseta de Jão. Curiosamente, são bandas que
apostam em um hardcore com influência também do metal, estilo adotado pelo
“Ratos do Porão” em toda a sua trajetória. Boa parte delas faz parte da vertente
anarcopunk. A força desse duplo lançamento foi “ajudada” com a maior visibilidade
do punk vivida nos anos 1990 e ajudou de certa maneira a potencializar a cena local
que já estava em uma espiral de crescimento em termos de produções fonográficas,
mesmo que não tenham planejado isso. O fato é que o lançamento coincidiu com
essa curva de crescimento. Quando olhamos para os números levantados sobre a
produção de música gravada por punks no período demonstrados no Gráfico 1,
percebemos que, a partir de 1995 (ano do lançamento duplo), as gravações
aumentaram exponencialmente.
155
Tem um pouco de diferença, sim. [...] Se você pegar algumas bandas mais
tradicionais de punk rock por exemplo, tem um pouco de... não vou dizer
uma mente fechada, né. Mas tem um, certo… [...] preconceito com
hardcore, né. E tipo, a galera acaba não querendo se misturar tanto. Isso
nos mais tradicionais mesmo. Mas a galera que é do hardcore em si, esses
não, cara. Esses eles até gostam de punk rock e tal, [mas] acabam não
levando mais o punk rock musicalmente, vamos dizer assim. Acaba indo
para o hardcore mais por causa [...] da porrada [sonora] que é mesmo, né.
Um som um pouco mais pesado, um pouco mais rápido, né. Então acaba
tendo esse lado mais para o hardcore. A galera que eu convivo, assim, a
cena que eu tenho mais feito parte, acho que ela tá bem legal, assim, com
as ideias, saca, tipo tem uma postura melhor, assim, né. Se você for para
galera mais do punk rock, pegar show que você vai de bandas por exemplo
Vírus 27, mano, você pega essas bandas mais assim, [agregam] até uma
157
galera um pouco mais “reaça”, mano. Sinceramente falando para você, [...]
porque, [...] o cara quando fala que é punk 77, meu, já fico não com um pé
atrás, eu fico com os dois, cara. Porque você já vê que o cara tem uma
ideologia um pouco mais direitista, é um pouco mais coxinha, vamos dizer.
Esse tipo de banda eu acabo desvinculando um pouco assim até da minha
vivência, né. Então, até assim, vamos generalizar um pouco. Esses punks
mais das antigas, cara, a ideologia deles já é meio furada, né. [...] Isso eu
falo mais pelo meu ponto de vista mesmo e da galera que eu tenho seguido,
né, mano, que anda junto comigo. Então tem um pouquinho, sim, né de um
de um certo lado tem, sim, mas de outro não, né. Se você pegar a galera
mais do hardcore galera até do grindcore que começou a sua vida no punk,
até esses cara já tem tudo mais ou menos a mesma ideologia, né. Já é mais
antifascista mesmo, né [...] já tem uma postura mais igual, assim, né. Agora
a linha punk old school, vamos dizer assim, esses old school esses caras já
tem uma opinião pouco mais direitista mesmo, infelizmente, né (FECCHIO,
2019).
muito apreciado pela cultura skinhead inglesa (HEBDIGE, 2018 [1979]). O street
punk remete à cultura de rua oriunda das grandes cidades inglesas. Surge como
uma espécie de reação ao new wave, reivindicando um rock mais direto e menos
lento. Eles tratavam de questões como diversão, nacionalismo, futebol e uma série
de assuntos que remetia à lógica de diversas gangues de rua. Como conta Teixeira
(2007, p. 49-50):
O Oi foi uma invenção semi patrocinada pelo jornal inglês Sounds, que
através de um de seus colaboradores, Garry Bushell, teve a idéia de manter
vivo o “espírito Punk” inicial (76, 77). A estória do Oi começa como um
movimento musical, com algumas bandas que ainda se dominavam “punks”,
tocando em bairros ou casas noturnas em redutos de Skinheads. Garry
Bushell impulsionou a definição Oi, empresariando o grupo Cockney Rejects
(rejeitados da classe baixa). A partir do refrão de uma canção desse grupo
intitulada Oi, Oi, Oi, que no lugar de um, dois, três (comum no punk rock,
para dar iniciação ou ritmo à música) era substituído pelo Oi. Com as
constantes apresentações do grupo pelos subúrbios londrinos e um público
marcado por punks e skinheads, em quase todas suas canções o grito Oi,
Oi, Oi era soado e correspondido pela plateia (como uma espécie de hino
cantado em estádios de futebol europeus). Nesse sentido, a conotação Oi
foi ganhando força e se transformando em um grito de guerra entre
skinheads e “punks rueiros”. Ao contrário do que se pretendia, o movimento
Oi acabou indo para um lado oposto do esperado, criando uma espécie de
“miscelânea”. Difundiu-se por ideias confusas e contraditórias, tendo um
apelo maior voltado para o nacionalismo, para a violência, atos de
vandalismo, brigas, confusões generalizadas e intolerância. O movimento Oi
conseguiu reunir contraditoriamente inúmeras vertentes do underground
inglês: Punks, Street Punks (punks rueiros), Skinheads nacionalistas e
Nazifascistas, Hooligans, (torcedores violentos e fanáticos pelo futebol),
Red Skins (dissidência dos Skinheads, considerados Skins vermelhos:
anarquistas ou comunistas), SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice)
Skinheads Contra o Preconceito Racial - outra dissidência dos skinheads -
que procuraram dissociar-se da postura nazista e racista deles, mas se
mostraram preconceituosos em outros aspectos, sobretudo aos
homossexuais e ideias nacionalistas. A influência do National Front foi muito
significativa dentro do Oi, pois estava interessado em atrair jovens para sua
causa nacionalista, conseguindo uma grande adesão de skinheads que se
identificavam com esses atributos. Algumas bandas, principais expoentes
do Oi: Skrewdriver, Four Skins, Infa Riot, Partisans, Last Resort, The
Business, Strike e Cock Sparrer, constituíram uma nova fase de bandas que
se identificavam com sentimentos nacionalistas ou racistas.
35 anos em média, mantendo uma postura mais libertária, isto é antifascista, anti-
homofóbica e pautada eticamente pelo DIY. Quando Simon utiliza a expressão old
school - um termo presente em diversas áreas da cultura pop, que designa uma
prática, grupo ou outro elemento que remeta ao passado e que, nos dias atuais,
transformam-se em objetos de distinção e culto -, ele remete às práticas que
considera “furadas”, “direitistas”, “reaças”, “coxinha”, justamente por se apresentar
de modo a discriminar outras manifestações culturais. Dito de outra maneira, no
caso narrado, a expressão é evocada pelo depoente para dar ênfase às atitudes que
se traduzem em práticas próximas ao fascismo, que atualmente estão amplamente
disseminadas pela sociedade brasileira, gerando aderências e repúdios. Contudo,
vale reforçar que não se trata de uma dicotomia pura e simples, mas de gradações
que se organizam por meio de aderências, práticas e mensagens difundidas e
trocadas entre as bandas e os seus públicos. Há muitas pessoas dentro da cena que
se identificam com o punk rock que não se alinham à ideias reacionárias ou alhures,
como é o caso de Fábio Rodarte, 39, professor de história na rede pública de ensino
do Estado de São Paulo e músico, baixista da banda “Sarjeta”, inclusive se
assumindo como anarquista. Com uma bagagem grande de participação em bandas
clássicas assumidamente de punk rock, tais quais Lixomania e Excomungados, fez
parte de uma das formações da banda “Invasores de Cérebros”, que utiliza o
hardcore para se expressar musicalmente, ele diz o seguinte sobre a sua
identificação com o punk rock:
hardcore faz toda a diferença. A partir do que os dados obtidos indicam, é possível
arriscar dizer que constitui-se uma adequação à construção e à legitimação de uma
“postura punk” associada e representada por uma musicalidade mais áspera. Assim,
quanto mais próximo desta, mais próximo de uma imagem ou práticas aceitas como
tais. Como outro depoente nos contou em entrevista concedida, Luiz, 41, baixista e
baterista, professor de geografia e história na rede de ensino do Estado de São
Paulo, “se você quer que as pessoas ouçam as letras das suas músicas, a melhor
opção é o punk rock. Se quer apresentar um som mais agressivo, aí é com um som
mais pesado, estilo hardcore, grind, mesmo” (MAQUIAVEL, 2018). Outro
entrevistado, Alfredo Frido, 36, professor de geografia para o ensino básico, músico
e ativista, diz o seguinte:
Então, há um resgate do punk rock (...), na minha opinião por dar mais
espaço para a fala, as letras são fortes e contundentes. A maior parte das
bandas hoje são formadas por pessoas mais maduras, dificil ver bandas de
adolescentes, e isso se reflete nas letras, sem contar que é uma era de
informação, então o poeta quer que a poesia seja escutada(...) (FRIDO,
2019)
46O noisecore está dentro de uma categoria sonora chamada de “anti-música”. Ela abarca uma série
de estilos musicais que são marcados pelo experimentalismo da música industrial e outros sons. Indo
do jazz, passando pela música erudita e chegando no rock. A variante noisecore apresenta-se
também como grindcore que em São Paulo toda tem uma cena noisecore. Bandas brasileiras são
representantes mundiais deste estilo, algumas delas oriundas do punk, como é o caso do “Brigado do
Ódio”, uma das pioneiras no mundo.
161
(1998), um split com bandas “Amor, Protesto y Odio” e “Abuso Sonoro” que
apresenta as seguintes faixas:
Fonte: https://www.discogs.com/Abuso-Sonoro-Amor-Protesto-Y-%C3%93dio-Inf%C3%A2ncia-
Armada/master/507767.
Figura 13 – Capa e contracapa do disco “...eis que a justiça não tarda a consolidar-se”
162
Fonte: https://www.hhv.de/shop/de/artikel/amor-protesto-y-odio-septicemia-split-717295.
Fonte: https://www.discogs.com/Abuso-Sonoro-Amor-Protesto-Y-%C3%93dio-
Inf%C3%A2ncia-Armada/master/507767
Essas obras foram totalmente custeadas pelos membros das bandas. O que
nos mostra, ainda, o caráter distintivo no que se refere à aposta em frisar
distanciamentos. Diego Duenhas, 39, designer, fotógrafo, analista de suporte,
músico, atuou em várias bandas entre elas “Vala Negra” sobre a questão reflete da
seguinte maneira:
Diego ressalta alguns aspectos das produções propostas por anarcopunks, mas não
deixa de apontar para as questões que envolviam a escolha de com quem se
envolviam. Entretanto, como já dito anteriormente, os anarcopunks introduziram uma
série de práticas mais radicalizadas de acordo com os princípios anarquistas,
contribuindo assim para um tensionamento das posturas éticas e estéticas na cena
paulistana. Em termos sonoros, apesar das diferenças e originalidade de cada
banda, há uma predominância de vocais guturais, que são divididos entre graves e
agudos (nas bandas “Amor, protesto y Ódio” e “Abuso Sonoro”, há vocais femininos
marcantes). Estes estão sobrepostos à massa musical, na qual, aos ouvidos não
164
acostumados, podem soar como um único som, daí o caráter mais associado a
ruídos (noisecore) ou barulhos. A bateria marca o ritmo de maneira frenética e
agressiva, numa mistura de rapidez e fúria. Nada lembra o caráter mais marcializado
do punk rock.
A escolha por uma música extrema não se dá de modo aleatório. Ela é
produto da luta que se travava dentro da própria cena. Soma-se a isso a menção
contrária às práticas de preços abusivos. Desta maneira, ao mesmo tempo, temos
aqui elementos associados que os conecta às práticas realizadas por uma série de
outras bandas europeias e americanas, tais como “Sin Dios” (ESP), “Oi Polloi” (UK),
“Nausea”(EUA). Estas bandas, estão dentro do escopo internacional anarcopunk e,
da mesma maneira, destacam em seus trabalhos o alerta para que o consumidor
não pague mais do que o preço justo. Em relação à cena local, no caso do disco
“Infância Armada”, destaca-se o afastamento às lojas e aos locais de venda de
materiais, em especial a “Galeria do Rock”, no centro da cidade de São Paulo.
Não obstante, ainda que haja ainda hoje indivíduos empenhados em ações
mais sectárias, há aqueles que verificam os usos sonoros de um ângulo distinto,
como é o caso de Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo e
distribuidora DIY. Em entrevista concedida ele nos diz o seguinte:
Ao apontar para elementos que estão na música, mas que vão além dela,
Ramos (2019) sustenta a ideia de que é preciso manter coerência entre o que se
executa e o que se produz para a cena. Isso, em sua visão, independe da
sonoridade, seja ela mais rápida ou mais lenta, contanto que seja algo feito por
punks com o compromisso de fortalecer e expandir o movimento. O próprio Ramos
(2019) já passou por bandas que utilizaram diversos ritmos dentro das paletas de
cores fornecidas dentro da cena. Hoje é membro de uma banda de punk rock,
chamada “Tuna” e mantém em suas letras uma visão coerente com o seu
depoimento, ao mesmo tempo em que esforçam-se em propor novas experiências
sonoras. As temáticas poéticas das letras parecem ter sido feitas exatamente para
serem cantadas, buscando a comunicação verbal e não apenas performática. Na
descrição de sua página na plataforma de streaming “Bandcamp” lemos o seguinte:
“Punk rock sensual, pró mistura de suor, pró intimidade, pró autoconsciência…”. A
proposta gráfica também se mostra de acordo com essa visão, se nos dois primeiros
trabalhos apostaram no clássico preto e branco como cores dominantes e com
figuras de animais. Na capa do seu último trabalho – o EP “Grão”, um split lançado
167
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/The-Renegades-Of-Punk-Tuna-
Gr%C3%A3o/release/9693193.
Nos últimos anos (ao menos de 2010 para cá) surgiram (e continuam
surgindo) uma gama de bandas que vêm utilizando majoritariamente como meio de
expressão o hardcore punk e punk rock – embora também haja aquelas que se
enveredam por outras sonoridades mais extremas como crossover, crustcore ou
grindcore – para manifestar as suas posturas frente a um quadro de violência, medo,
injustiças, além de expor outras lutas e resistências. Nestas bandas a palavra tem
um maior destaque. Ouve-se melhor as mensagens e os argumentos que carregam.
Elas estão associadas a alguns marcadores que, há pelo menos duas décadas,
tornaram-se cada vez mais fortes. Bandas com temáticas feministas, LGBTQI+ e
raciais que tratam de várias questões caras ao imaginário punk. Há, por exemplo, as
veteranas do “Dominatrix”, as novatas da “Sapataria”, “Charllote Matou um Cara”,
“Ratas Rabiosas”, “Útero Punk” e “Punho de Mahim”, apenas para citar algumas. Tal
fenômeno é exposto por Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo
e distribuidora DIY. Esses grupos mantêm os pés fixos em um som característico e
comum à cena. Utilizam os efeitos de distorção (overdriver, distortion) ou saturação
(fuzz) no som das guitarras. A bateria é cadenciada, veloz, quase marcial em alguns
casos, com linhas de baixo que acompanham as harmonias ditadas pelo som da
guitarra. Somando-se a isso, não o vocal gutural, mas vozes naturais, mesmo
quando gritadas, não soam com intenção de causar qualquer efeito de distorção na
voz.
Tais bandas surgem em um momento particular da vida política e social do
Brasil. Trata-se de um período em que as chamadas políticas afirmativas ganharam
espaços gradativos, ocorrendo no país de maneira mais acentuada desde 1995. Não
tanto pela ação do poder executivo, mas por pressão parlamentar de representantes
das minorias (CARDOSO, 1998; SANTOS, 2007) e mobilização popular
paulatinamente. Com essa ação política, ganharam mais espaços e visibilidade em
169
47O termo distro, tanto em inglês no underground, quanto em português, significa distribuidora de
música gravada. Mais adiante trataremos do tema.
171
estava em sua casa?/ Estava no ônibus e foi molestada/ A culpa é sempre da vítima/
É o velho ditado conservador [...]”. Na canção “kings é o caralho”, as “Ratas
Rabiosas” denunciam o machismo no punk paulistano: “Diz que é libertário, mas na
verdade é um boy otário [...] Expõe a intimidade pagando de comedor/ Não percebe
o machismo que beira ao terror. Jubiladas Anarquistas, Punks Feministas não
aceitamos a violência, sua crew é incoerência”. De uma maneira diferente, mas com
o mesmo teor, as letras (encomendadas por Tati) que compõem a coletânea tratam
da difícil realidade em que vivem as mulheres no Brasil.
Ao ser perguntada por que escolheu o punk rock para expressar as suas
ideias e indignação, Tati respondeu que este é um ritmo de revolta que “possibilita
jogar para fora toda a sua raiva e inconformismo com o sistema”. Ao que parece,
neste caso, a escolha não é fortuita, pois trata-se de um ritmo menos marcante da
parte instrumental e sem o uso de técnicas de distorcer a voz. Há, portanto, a
primazia da palavra, que ganha destaque em detrimento às outras sonoridades mais
agressivas. Assim, a ideia é que a comunicação se mostre mais fluida entre a banda
e os seus ouvintes. Desta maneira, o que temos, musicalmente falando, é uma
coletânea que mantém uma predominância do punk rock, com pitadas de hardcore
aqui e ali.
Já a coletânea “Grls SP”, lançada pelo selo “Crasso Records”, apresenta dez
bandas com mulheres como vocalistas. Nesta coletânea, diferentemente do que
ocorreu com “Útero Punk - Mulheres em Perigo”, há seis bandas formadas apenas
por mulheres. Ao passo que, na coletânea anteriormente descrita, apenas a banda
“Ratas Rabiosas” era formada apenas por integrantes do sexo feminino. Apesar de
ser uma coletânea enquadrada no estilo sonoro punk rock, há uma diversidade
musical interessantes. Lá, encontramos hardcore, garage rock, grunge e até uma
versão acústica de uma canção típica de hardcore, executada pela banda “Gritando
HC”. Um traço interessante desta coletânea é o fato de ela ser composta por bandas
veteranas e outras que se formaram nos últimos anos. Entre as veteranas, temos
“Gritando HC” e “Cosmogonia”. Estas são bastante conhecidas na cena punk
paulistana, mas estão mais ligadas a uma série de outras bandas que se utilizam do
hardcore para se expressar, mas não são necessariamente punks. De todo modo,
transitam bem no meio. No caso do “Gritando HC”, apenas o vocal é feminino, o
restante são integrantes masculinos.
173
Outro traço interessante é que a maioria das bandas não foi formada na
periferia de São Paulo. O que denota um traço distintivo em relação à coletânea
capitaneada por Tati Góis. Apenas a banda “Ratas Rabiosas” é formada por
mulheres oriundas das bordas da cidade de São Paulo. Sonoramente, o disco é bem
acabado e mantém uma coesão musical que lhe dá estrutura, o que pode se
perceber independentemente da diversidade sonora deste “disco”. Nesse sentido, é
de se supor que foi tratado em um estúdio profissional, contando com aparato para
tratar e corrigir as imperfeições e ajustar as pistas. Isso requer investimento e parte
das horas de estúdio são destinadas somente a esse processo, o que influencia no
processo final do produto.
Fonte: https://open.spotify.com/album/65X6oQujkZqqLYYzI8ZHQi.
Tabela 1- Ocorrência de coletâneas produzidas por punks na cidade de São Paulo - 1982 -2019
Esses registros nos trazem uma série de elementos que nos ajudam a
compreender as intenções, os discursos e as contradições que envolviam esses
indivíduos. Ajudam-nos também a perceber que, como nos aponta Clemente, 56,
músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador, São Paulo,
[...] as abordagens são muito diferentes entre si. Cada uma faz o punk do
seu jeito, sonora e temática. É só ouvir as bandas. [...] por ser um
movimento adolescente, musical e artístico. Não havia uma "bíblia" a seguir,
tipo “O Capital de Marx”, não existe "O punkismo" (risos). São só garotos
revoltados se expressando de maneira parecida, mas não igual. Não é
homogêneo como todo mundo acha, que todos têm exatamente a mesma
opinião sobre tudo, pelo contrário. Essa diversidade que traz o pluralismo
temático e musical, mas todos com um fio condutor que é o punk.
Podemos perceber isto também nas letras de canções, mas não somente
nelas. As obras todas estão eivadas de elementos que remetem ao cotidiano vivido
por estes jovens (ABRAMO, 1994). Uma passada de vista nos títulos das canções já
nos dão pistas que reforçam a ideia. Nas capas e contracapas dos registros sonoros
podemos ver fotografias, inscrições e títulos de canções que exemplificam bem a
estética própria do punk, que remete ao minimalismo e à bricolagem. Em termos
gerais, é possível notar uma linha de continuidade que nos ajuda a perceber que
essa plasticidade reverbera ao longo dos anos. Com isso, não queremos dizer que
são trabalhos que expressam uma homogeneidade de aparência. Longe disso, as
suas nuances deixam transparecer como as ramificações e subdivisões se mostram
mais como uma força do que uma fraqueza em termos identitários.
A título de exemplos, separamos alguns registros que se mantêm como
marcos importantes na história da cena paulistana. Privilegiei as coletâneas, pois
elas se tornaram um meio de divulgação de uma quantidade maior de bandas. Além
disso, foi a partir delas que bandas se tornaram mais conhecidas, gerando para si
certa distinção dentro da cena. Nos LP “Grito Suburbano” (1982), “SUB” (1983) e “O
começo do fim do mundo” (1983), encontramos como tema principal a crítica social e
da percepção ácida sobre as condições de vida partilhado pelos jovens periféricos.
Nas entrevistas realizadas, elas apareceram em praticamente todos os exemplos
solicitados, mesmo que tenham sido em alguns casos alvo de críticas também, essa
aceitação demonstra que há uma historicidade aceita pelo conjunto da cena. Isto é,
nos mostra que são aceitos como trabalhos importantes do ponto de vista do que foi
seguindo posteriormente aos seus lançamentos. “Todos nós ‘amamos’, o ‘Começo
176
do fim do mundo’, ‘Sub’ e ‘Gritos Suburbanos’, pois foram as primeiras que nos
mostraram que ‘podemos fazer por nós mesmos’”, diz Jaaka, 35, músico, produtor,
agitador cultural (GREENFIELD 2019).
O que se seguem no LP “Cenas Anarcopunks Vol. 1” (1995), que coloca no
centro das preocupações a luta social, no CD “SP Punk vol. 1” e “Chaos Day Vol. 1”,
veremos uma mescla desses primeiros momentos. Todos eles expressam uma
orientação textual próxima, mas são manifestações distintas dentro da própria cena
paulistana. Abaixo há uma breve descrição dos discos, assim como os títulos das
canções e as imagens da capa e contracapa dos mesmos para que seja permitido
uma melhor ideia do que estamos tratando.
O LP “Grito Suburbano” teve como destaque o fato de ter sido o primeiro
registro de punk rock no Brasil, além de conter si uma série de princípios que foram
posteriormente amplamente utilizados em outras experiências. Por isso, o disco
mantém até hoje o status de registro sonoro cultuado. Ele foi lançado em 1982 a
partir da iniciativa de Fábio Zvonar, 68, músico, produtor e comerciante e vocalista
da banda “Olho Seco”, que, em entrevista concedida em 14 setembro de 2019,
contou-nos o seguinte:
Eu fui o cara que fez o primeiro disco de punk rock no Brasil. Daí eu reuni
as três bandas que tinha na época, que era (sic) o Olho Seco, Cólera e o
Inocentes. E foi gravado em um estúdio da Continental, Gravodisc, ali numa
travessa da avenida São João. [...] A capa do Grito Suburbano eu tinha
bastante foto da época. Eu falei pô, seria legal fazer até uma homenagem a
galera que vai nos shows e daí eu fiz a arte da capa e da contracapa.
da capa, sendo esta atravessada pela palavra “SUB”, escrita em caixa alta,
parecendo ser recortadas a mão e coladas sobre o fundo vermelho. A contracapa
exibe fotografias recortadas com os membros das bandas. São garotos com
jaquetas pretas, calças jeans desbotadas, camisetas pintadas à mão, patches
bordados nas calças, cabelos espetados, ao menos um com o cabelo descolorido.
Nas poses, ora chegam a transmitir certa indiferença ao serem fotografados, ora
aparentam procurar assumir teatralmente posturas mais agressivas, ruidosas. Os
nomes das bandas parecerem ser colagens, já os títulos das canções estão
grafados com fontes utilizadas em máquina de escrever: datilografadas.
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Various-SUB/release/1838707.
paulistana, com o intuito de selar a paz entre os punks da cidade de São Paulo e do
ABCD. Contudo, ele acabou em uma pancadaria generalizada. A sua capa é
composta por uma fotografia que captou o momento do show, dando uma noção da
quantidade de pessoas que participaram do evento. Sonoramente, a gravação não é
das melhores, mas retrata a energia das bandas e das execuções ao vivo de suas
canções. Na contracapa exibe colagens de vários líderes mundiais da época. Os
responsáveis pelo trabalho gráfico foram “Calegari”, ex-membro do “Condutores de
Cadáver” e dos “Inocentes”, e “Meire”48, que inclusive aparece na capa do disco.
Fonte: https://www.discogs.com/Various-O-Come%C3%A7o-Do-Fim-Do-Mundo/release/1838729.
Outro álbum que ganhou grande expressão no meio punk paulistano foi o
“Cenas Anarcopunk - Vol 1”, lançado com recursos próprios das bandas e
organizado por Josimas, 47, músico, ativista anarcopunk, produtor musical,
eletricista, coproprietário de selo DIY, em 1995. A importância do álbum se dá por ter
48Como membra atuante da cena, Meire teve papel de destaque tanto na organização de eventos,
quanto no contato com punks de outros países. Houve pouco destaque para as suas ações, mas
verificando a sua participação na cena pudemos perceber que houve uma espécie de silenciamento
de suas ações, o que não deixa de ser curioso, dado a sua postura ativa em várias frentes.
180
Fonte: https://www.discogs.com/Various-Cenas-Anarco-Punks/master/717557.
A coletânea “SP Punk vol. 1”, editada em 1996, é mais um exemplo que
atesta certa continuidade, em termos estéticos e éticos, em relação aos trabalhos
anteriores. A proposta foi executada pelo coletivo “Ação e Anarquia”, cujos ativistas
responsáveis pela organização da coletânea foram “Zorro” e “Ariel”, ambos também
membros da banda “Invasores de Cérebros”. Eles participaram de outras duas
bandas pioneiras da cena: Zorro fez parte do “Condutores de Cadáver” e Ariel das
bandas “Restos de Nada” e “Inocentes”. A partir do selo criado pela dupla, o
“Desculpe Aturá-los!!!”, a coletânea contou com a participação de várias bandas da
cena paulistana, misturando veteranos (como o “DZK” e o próprio “Invasores de
Cérebros”) com outros estreantes (como “Deserdados” e “Colisão Social”). Um dado
interessante é a participação da banda feminina “Menstruação Anárquica”. Apesar
de haver participações femininas em outras coletâneas, este registro ficou
182
especialmente marcado por conter uma banda exclusivamente feminina, algo raro
até então.
Assim como as outras coletâneas esta foi organizada dentro dos ditames do
Do It Yourself (DIY), mas com a organização e administração centralizada pelo selo.
As bandas não participaram diretamente do gerenciamento e da organização,
contribuíram apenas com as canções e os valores respectivos à divisão dos custos
de gravação, edição e material gráfico. A capa traz o desenho de um punk de
moicano, com um lenço no rosto com o característico “A na bola” (símbolo
anarquista amplamente conhecido), rasgando a bandeira do Estado de São Paulo. A
contracapa não possui desenho, apenas os títulos das canções e nomes das bandas
em um fundo preto e a inscrição “SP Punk”, com letras na cor amarela, estilizadas
em formas pontiagudas na parte superior esquerda. Possui um encarte interno
contendo um texto de apresentação e agradecimento e as letras das bandas. Não
há fotografias das bandas.
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Various-SP-Punk-Vol-1/release/13247531.
1- Pogo Punk (Luta Armada)/ 2- Dust and Ruins (Luta Armada)/ 3 - Caos
(Herdeiros do ódio)/ 4 - Violência Sonora (Herdeiros do ódio)/ 5 - No war
(Atos De Vingança)/ 6 - Escravidão mental (Atos De Vingança)/ 7 -
Guerrear (Dizcontrole)/ 8 - Grito feminino (Dizcontrole)/ 9 - Caindo de
bêbado (Filhos Da Revolta)/ 10 - A engrenagem (Filhos Da Revolta)/ 11 -
Seja você mesmo (Dívida Externa)/ 12 - Meninos de guerra (Dívida
Externa)/ 13 - Morre Brasil (Pé Sujos)/ 14 - Punk Rock do Subúrbio (Pé
Sujos)/ 15 - Fim do mundo (Má Postura)/ 16 - Bosta (Má Postura)/ 17 - Siga
o punho ao alto (Revolta Armada)/18 - Pais do Carnaval (Revolta Armada)/
19 - Anomalies (Acid Rain)/ 20 - Sonhos morreram (Acid Rain).
49 Palavra de origem inglesa que significa retalho ou pedaço de tecido. Grosso modo, trata-se de um
pedaço de tecido com algum emblema ou desenho. No meio punk é amplamente aceito e pode ser
tanto feito à mão, quanto estampado em silk screen, contendo inscrições de frases, nomes de bandas
e outros desenhos representativos da simbologia punk.
50 Refere-se a uma espécie de botão redondo manufaturado em plástico ou metal, com um alfinete
acoplado para ser prendido em roupas. É um item também bastante apreciado entre os punks,
seguindo a mesma orientação pictórica dada aos patchs.
186
outros escritos – e em suas vestimentas, que são as partes mais visíveis. Esses
componentes apontam para uma crítica ao establishment, que integra outra práticas
simbólicas, como protestos de rua e outras intervenções artísticas e performáticas. O
eixo principal de tal posicionamento se concentra no ataque ao Estado e aos seus
componentes, em especial às forças repressivas (polícias e exército), assim como às
questões relativas à luta de classes. Outros pontos de destaque são as questões
que giram em torno do racismo, gênero, pacifismo, veganismo e causas ambientais.
Entretanto, é preciso dizer que esses pontos não são defendidos de maneira
homogênea por toda cena. Apesar de haver uma espécie de orientação à anarquia
como direcionamento político, há várias gradações e aderências políticas partilhadas
entre os punks da capital paulista. Acompanhando as redes sociais, em especial o
Facebook, mas também em conversas com vários indivíduos, pude verificar que há
várias tendências políticas. Há desde os mais reacionários, defendendo pautas
contrárias às questões de gênero e raça, por exemplo, e aqueles que estão no eixo
mais combativo do anarquismo.
De todo modo, vale ressaltar que para os punks, de modo geral, a arte e a
atuação política não se separam. O músico Clemente, em depoimento concedido a
nós, dirá que “o punk é político, mas não é política”. Para este, deve-se fazer uma
separação ao se confundir o movimento com algo que esteja dentro do jogo político
partidário, mas que não se isenta da sua postura política. O que se quer dizer com
isso é que o punk é algo latente e facilmente identificável, pois é externado
abertamente e de maneira explicitamente radical. Desta maneira, “fazer você
mesmo” é algo político e intrínseco à subcultura punk. Diante disso, seria
interessante agora tratarmos do DIY como expressão estética e ética. Essa visão
particular é notada e associada à percepção de que o consumo por meio do DIY é
um elemento identitário, que se transforma em uma competência, ou seja, em um
habitus (BOURDIEU, 2017). Nesse sentido, a identificação acaba ocorrendo pela
partilha, não de produtos adquiridos em lojas, mas pela capacidade de mobilizar
uma série de habilidades em produzir suas próprias roupas, fanzines ou músicas por
si mesmo enquanto sujeito ativo e inserido na subcultura e, assim, ser reconhecido
pelos seus pares enquanto tal. Essa capacidade de ver e ser visto dada pela prática
cultural se enraíza de maneira intensa nas vidas desses indivíduos e pode ser
verificada de maneira muito forte na música gravada e na maneira como ela também
é consumida por estes indivíduos. Há um embaralhamento das fronteiras entre
187
Com isso em mente falaremos agora das gravações lançadas por selos,
distribuidoras ou totalmente DIY. Para dar vazão aos seus projetos e posteriormente
seus produtos, ao contrário do que ocorre em outras cenas, a maioria das bandas
contam apenas com elas mesmas. No Brasil não se estruturou como negócio uma
rede de pequenos selos voltados para a música punk. Isso obviamente ocorreu por
diversos motivos. Mesmo nos dias de hoje os pouco selos ativos e em pleno
funcionamento precisam lançar mão de várias estratégias criativas que envolvem o
lançamento conjunto com outros selos e vendas de outros produtos para manterem-
se vivos. Muitas vezes injetando dinheiro desviado para pagamentos de contas
elementares para manutenção de suas subsistências, os envolvidos em projetos
fonográficos ainda amargam o fato de ter produtos encalhados, com poucas
perspectivas de escoamento rápido. O que pode ser verificar é que há uma
persistência em manter essas atividades custe o que custar, ultrapassando a lógica
meramente do cálculo econômico. Isso porque as bases dos cálculos e interesses
estão voltados para outra lógica simbólica. Alan O’Connor defende que os selos e
pequenas gravadoras envolvidas com a música punk nas cenas, como nos EUA e
Canadá, se configuraram como uma redes de afinidades. Como aponta o autor:
O mesmo poderíamos dizer sobre a cena paulistana que atua dessa maneira
com ou sem selos. É por estas redes que se organizam os lançamentos. Essa lógica
social é o que se impõe como marca maior e como um direcionamento das ações.
Como já demonstrado acima as afinidades musicais encerram a aproximação com o
188
Tal qual um fã faria, eles entravam em contato com a banda pelo endereço
exposto nos discos ou até em fanzines que lhes chegava. Os “contratos” eram
firmados por carta e com uma mera autorização para reprodução do disco. Como
dito acima, esses contatos era precários e lhes dava poucas garantias de que
fossem firmados pela outra parte. O que ocorreu com a banda inglesa “Exploited”,
em que a matriz sonora para reprodução não foi enviada após o pagamento. E com
isso precisaram “piratear” um disco comprado somente para isso. Por outro lado
também demonstra que esses contatos eram realizados sobretudo na base da
confiança e na ajuda mútua com caráter transnacional.
Em termos de dificuldades enfrentadas, como apontou acima o depoimento
de Strongos, estas são superadas em parte pelo apoio mútuos e pela rede de
relação. Essa dinâmica ao que pudemos apurar vem seguindo desde então. Nos
dias de hoje ela se torna mais forte, devido às quedas nas vendas de música
gravada em suportes físicos, o que acarreta em um desinteresse em se consumir
música gravada em suportes físicos. Nesse sentido, já mais recentemente temos um
outro selo paulistano que mantém-se dentro da lógica de apoiar lançamentos e nos
mostra como são realizados lançamentos e como são financiados:
da banda. Que é o que fica com mais cópias do disco, sabe? (CARDOSO,
2019).
Como narra Júlio Pelloso, 33, músico, professor de música, não foi possível
fecharem um acordo para custeamento total do projeto, mas conseguiram fechar
acordos com os selos possibilitou que a banda passasse para frente cento e
cinquenta cópias. De acordo com Pelloso, a banda ainda detém um pouco mais da
metade dos CDs prensados. Estes geralmente são levados à eventos e vendidos ou
trocados com outras bandas ou distribuidoras DIY.
Dos selos acima mencionados, o “Werduo Discos” e “Feio Records”, foram
criados nos últimos anos, o primeiro em 2017 e o segundo em 2014. Contam com
poucas produções e não funcionam como pequenas empresas ou algum tipo de
negócio formalmente organizado. O propósito é agir como no caso do disco da
“Geração Suburbana” dando algum suporte para bandas com quem mantém contato
de amizade ou afinidade musical, mas servem também para lançar os seus próprios
materiais e comercializar outros. Não possuem websites ou outro página que possa
viabilizar compras online. Como eles, existem uma série de outros, que se mantém
da mesma maneira e que ajudam a fazer circular.
Pudemos verificar através do levantamento realizado que os discos lançados
por selos foram responsáveis cerca de 65% dos lançamentos, ou seja, foram os
responsáveis por grande parte da música gravada produzida por punks na cena de
São Paulo. Percebe-se que, numericamente falando, mantiveram representatividade
expressiva e incontestável. Em entrevista a nós concedida, Pedro Padron, 33,
músico, técnico em informática, proprietário do selo DIY “Weirduo Discos” e baixista
da banda “Weirduo” atesta o seguinte:
Pedro é proprietário do selo “Werduo Discos”, que utiliza para os lançamentos das
músicas gravadas de sua banda (Weirduo) e para apoiar outras bandas. O depoente
reforça o que foi dito por Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo
e distribuidora DIY, acima. Mas vai um pouco além em relação ao papel
desempenhado pelos selos. Em suas palavras, os selos se organizam tal qual uma
cooperativa, com custos e responsabilidades compartilhadas. Esse modo de
atuação é algo distante do que é praticado no mercado fonográfico. Na realidade, ao
que parece, é sua antítese, no sentido de que apontam para modos de
financiamento e organização distintos do que são praticado pelas empresas do
ramo. A ideia de apoio mútuo perpassa as falas dos agentes, revelando que o nexo
desses empreendimentos está na partilha entre pessoas com afinidades musicais
em comum.
Contudo, é preciso denotar que esta não é a única maneira de se lançar
discos pelos selos. Há uma série de outras formas que se modificam a depender de
cada projeto.
punks, o selos paulistanos ao longo dos anos optaram por tiragens modestas. Como
descrito acima por Abreu (2019), mas corroborado também por Strongos (2020)
quando nos disse quando teve acesso aos números de vendas do EP “Pânico em
SP” dos “Inocentes”, quando de seu lançamento:
(...) A gente falou “o Inocentes está vendendo vinte, trinta mil discos,
caramba!” O Cólera, meu, uma vez fez uma prensagem de 3.000, acho que
do “Pela Paz” [álbum]. Cheguei pro Renato Filho, né, que era do [selo]
“Ataque Frontal” e falei: Renato, você tá louco! Você vai fazer três mil
discos? [ele respondeu]: “eu não vou fazer três mil.”. Ele levou um tempo
para vender os três mil, mas ele vendeu mil em uma semana – o [disco]
“Pela Paz” foi um sucesso quando saiu, em termos independentes. Mas
você já pensou, as gravadoras [eles não ficaram contentes com trinta mil
do inocentes. Você acha? Três mil, [o Cólera] vendeu, [para] os caras... era
ridículo, mas pra gente era um absurdo. [a gente] falava: “nossa, meu, você
tá louco em fazer três mil discos, Renato”. Ele fez e vendeu. Eu falei:
porra!(...) (STRONGOS, 2020).
Strongos, faz menção ao disco icônico “Pela paz em todo mundo”, lançado pela
banda “Cólera” em 1986, pelo selo “Ataque Frontal”, no qual “Redson”, vocalista e
guitarrista da banda era um dos sócios. O disco obteve uma boa vendagem à época.
Para os parâmetros de vendas na cena três mil cópias era algo impensável. Por isso
a cautela e descrédito de Strongos. Acostumado com a dureza de fazer escoar a
produção de maneira paulatina e espaçada, daí a sua admiração revela a surpresa
das vendas.
Visitando o website do selo “Absurd Records”, especializado em variações
mais agressivas e rápidas da música punk (hardcore, crustcore, d-beat) e metal, nos
deparamos com o seguinte relato do seu fundador e proprietário na seção “sobre”:
Ainda nos anos 1980, montar um selo era algo que me fascinava de
verdade: poder lançar a música que curtia aliada às ideias que me
influenciavam; o que condizia muito com minha experiência no meio
underground até então. Tentei lançar algumas demo tapes e discos nessa
época, mas não deu nada certo.
Já em 1997, tendo como inspiração o livro “O mito de Sisífo” de Albert
Camus, finalmente minha ideia de ter um selo tornou-se possível. Nascia
então a Absurd Records.
Visando principalmente dar oportunidade a novas bandas (que na época
tinham muita dificuldade para divulgar seu material) a Absurd lançou e
também participou do lançamento de vários discos, distribuídos (entre 300 e
1.500 cópias de cada título) de forma independente e alternativa.
197
Esse pequeno relato nos dá uma ideia das pretensões de Batista em lançar o
seu selo. Da criação passando pela quantidade estimada de número de cópias por
título vemos números bastante modestos. Mas é preciso notar também que o
mesmo destaca o fato de oportunizar que as bandas possam gravar e lançar o seu
material sonoro. Esse dado é importante, pois denota ainda mais que a ênfase está
nas pessoas e não nos negócios.
Até quando verificamos empreendimentos que contam com exposição
midiática e uma certa fama do seu proprietário, percebemos que a questão se
vincula à lógica aqui delineada. O selo “Nada Nada Discos”, que também funciona
como uma loja de discos, editou entre 2009 até hoje, 61 discos, sendo a maioria
relançamentos de gravações antigas das primeiras bandas que surgiram na cena.
Em entrevista concedida ao jornalista Rafael Gregório (2019), do periódico eletrônico
“Folhapress”, Mateus Mondini, 36, diz que o intuito dos lançamentos feitos pelo selo
não tem como objetivo ganhar dinheiro, mas empatar os custo. Na entrevista, o
jornalista aponta que a fonte de renda de Mondini vem do trabalho como fotógrafo e
com a comercialização de discos em sua loja. Em suas palavras:
"Vasculhar acervos nas casas dos punks é um trabalhão, mas acaba sendo
uma ótima desculpa: sou apaixonado pelo punk brasileiro dos anos 1980.
Sem falar em quando algum músico vê uma foto sua ou ouve um som seu
que não conhecia; a sensação é de dever cumprido (Mondini, 2019)."
Eu não sou contra das bandas procurarem meios de divulgação, não é isso.
(...) que foi um pouco pro lado que muitas pessoas levaram quando nós da
NGNM escrevemos o texto. Nós questionamos. Tipo: olha, o punk surgiu
tomando de volta o controle da música, o controle de distribuição da música,
eliminando as multinacionais da vida delas e tal. E de repente as bandas
punks voltaram a apoiar essas empresas. Entendo também que isso possa
ocorrer porque é muito difícil lançar discos. Mas não só isso; elas passaram
a fazer propagandas dessas empresas (...) as pessoas não param mais
para ouvir uma música, sentar numa cadeira com os amigos, pegar um
encarte ver a capa e observar. É tudo muito como uma simples trilha sonora
de algo que você está fazendo. O momento em si de ouvir música, de parar
para ouvir a música vai sendo deixado de lado, justamente por esse
refinamento que transforma tudo de fácil digestão. Hoje em dia todo mundo
espeta um fone no celular, paga por um aplicativo, que vai mostrar para
você o que você tem que ouvir e sai ouvindo. Mas na verdade você está
indo para o trabalho, você está correndo num ônibus, você está sei lá...
fazendo mil coisas, menos dando esse tempo para você degustar a música.
E com o vinil é impossível você fazer isso. Porque você precisa colocar ele
na vitrola, mesmo que você estiver fazendo outras coisas vai ter que virar o
lado, você vai ter que pegar naquela capa, que é uma coisa palpável - é
sobre a produção palpável sobre aquilo que você consegue tocar, pq aqui
que vc consegue tocar é muito menos destacável. É por isso que nós
preferimos o disco de vinil. É uma forma de você valorizar aquilo que foi
produzido, que foi feito com tanto esforço, com carinho, com proposta... que
você escreveu ali (...) (RAMOS, 2019)
199
Se é possível dizer que a cena punk de São Paulo comporta uma série de
grupos que compõem um mesmo espaço de disputas, é igualmente possível dizer
que há uma série de aproximações afetivas que fortalecem e dão coesão a esta
cena. A música é uma catalisadora nesse sentido. É por ela que, na maioria dos
casos, os indivíduos mantêm o primeiro contanto com a cultura punk. Há vários
exemplos que nos fornecem elementos para explicitar esta lógica que atravessa
diacronicamente toda a cena. Partamos de dois exemplos recentes. As bandas
“Cólera”51 e a “Geração Suburbana”52, em 2018, usaram a plataforma de
financiamento coletivo (crowdfunding) “Cartase” para levantar recursos para a
produção e gravação de seus trabalhos. Esse tipo de financiamento coletivo vem se
popularizando no Brasil, mas ainda é uma novidade no meio punk. Funciona da
seguinte maneira. O grupo entra em contato com o site, faz o cadastro e lança a sua
campanha, divulga nas redes, acompanha o resultado. Para que o projeto possa
ocorrer, é requerido, por parte dos financiados, um trabalho árduo de divulgação da
campanha, no qual Wendel Barros, 33, serigrafista e músico e também vocalista da
banda Cólera, nos informou em entrevista com postagens constantes em várias
redes sociais, como Facebook e Instagram, explicando e motivando os possíveis
apoiadores a financiá-los. Além disso, fica a cargo do grupo a preparação de
“recompensas”, que é a contrapartida pela ajuda. Tais recompensas, são colocadas
51 https://www.catarse.me/colera
52 https://www.catarse.me/cdgeracaosuburbana
200
Então, o nosso disco nós fizemos um Catarse, né. E o Catarse e foi super
bem sucedido, né. Então ele bancou completamente, assim totalmente, a
produção do disco. É mas tem um diferencial que há uns anos atrás mesmo
quando nós lançamos o “Pela Paz”, se fosse [lançado] na época, esse disco
já teria vendido umas quatro mil cópias, como o “Pela Paz” [que] vendeu 20
mil, quase 20 mil [discos]. Mas hoje não, hoje em dia a gente grava, faz uma
puta produção, faz um trampo e vende mil cópias para vender na nossa
mão (PINHEIRO, 2019).
53A imagem e os títulos das canções encontram-se na seção sobre punk rock e hardcore.
54RJ com 31 apoiadores; PR com 24; 13 em DF; 12 em RS; 9 em MG e SC; 8 em GO; BA, CE e PE
com 5 cada; PB e ES com 2 cada; TO, MS, SE, RN, AL, AC com 1 cada.
201
55 É interessante apontar que esse grupo foi o pioneiro da prática de viabilizar campanhas virtuais
para a arrecadação de fundos no Brasil, servindo de modelo para outros que variam nas práticas e
nas taxas (6,04% no “Vakinha” a 15% no “Entropia Coletiva”, de acordo com informações dos
respectivos sites) cobradas, mas mantendo coerência com a organização das campanhas virtuais por
arrecadação de fundos.
56 Val se refere ao álbum “Pela Paz em todo Mundo” (1985). Não é possível dizer ao certo se na
época vendeu a quantidade de 20 mil discos. Contudo, David, ex-sócio do pioneiro selo punk
brasileiro “New Faces Records”, nos informou que acompanhou o lançamento do disco de perto,
dada a amizade tanto com Redson, quanto com o seu sócio no selo “Ataque Frontal”. E, segundo nos
informou, a primeira tiragem foi de 3000 cópias. Algo impensável na época para um disco lançado por
punks sem o aporte de uma grande gravadora. Hoje alcançar essa marca seria ainda mais
improvável, um sonho distante. Principalmente com o mercado na atualidade cada vez menos aberto
para vendas de suportes físicos como o CD.
202
Esta banda já havia buscado financiar outro projeto no ano de 2015, pela
plataforma “Kickante”57. A campanha foi lançada no valor de R$ 2.000,00.
Conseguiram levantar 40% (R$ 800,00) do valor, que utilizaram para a produção do
EP "Vamos quebrar tudo e construir de novo", que conta com seis faixas, sendo
distribuído pelo selo “Corsário Discos”.
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Lixomania-Viol%C3%AAncia-
Sobreviv%C3%AAncia/release/194275
Fonte: https://www.discogs.com/C%C3%B3lera-European-Tour-87/master/418693
Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Execradores-Demo-96/release/8288518
Fonte:https://www.discogs.com/Various-Um-Passo-Para-Revolu%C3%A7%C3%A3o/release/8016027
Fonte: http://www.alakumarra.com.br/discography/desgraca/
Foi em 2004 eu acho. [A banda] era [um power] trio ... Eu Gil e André.
Gravamos os instrumentos tudo junto, depois só o vocal por cima... no
211
estúdio do Jão no Imirim, bem simples. Nem existe mais esse estúdio. Era
bom, duas salas, mas para gravação nem tanto...E a gente tb não sabia
tocar... [...]. [As cópias foram feitas em] [...] CDR; gravava no PC e iámos
repassando pra galera. [...]. Não contamos quantos foram distribuídos. Mais
de cem chutando alto. Porque a gente gravava dez, ia passando... depois
gravava mais... Eu cobrava uns dois reais [relativos ao custo] do CDR e do
xerox [do encarte] … e dava cópias para os caras de outras bandas pra
divulgar e chamar a gente pra tocar. A ideia de vender barato, era comprar
mais mídias e fazer mais CDs. A venda nem era para repor [o investimento
com a gravação] mas sim para comprar mais matéria prima (MAQUIAVEL,
2018).
[...] a gente tinha banda, tipo de garagem, tal - isso moleque tipo com
catorze, quinze anos - e a gente gravava com gravadoras, tipo de cassete.
Apertava o “REC” e gravava. E às vezes... não posso dizer que era
comercializar, mas a gente trocava com outras pessoas por
correspondência as gravações de ensaios. Que a gente sempre achava que
estava ok, assim, que estava bom. E depois fomos descobrir que era uma
qualidade péssima. Só que para a gente era um pouco aquilo que
funcionava. Tipo, o fato de ouvir o som ali registrado já era pra gente
bastante coisa, já era uma coisa muito importante [...] (AUGUSTO, 2019).
Acho que foi por algum conhecido, por alguém que participou de um ensaio.
Porque ia muita gente nos ensaios. Ia o pessoal da Carolina, o pessoal da
cidade, o pessoal de Pirituba. E frequentava o ensaio, as portas eram
abertas, apesar de ser na casa do guitarrista. E a gente recebia todo
mundo. Viam várias pessoas... passavam por ali. E ouviam aquilo e
começavam também a divulgar. Isso também foi importante. Os registros da
banda eram praticamente [feitos] nos ensaios, né. Ensaiavam [juntos] Ratos
de Porão e Fogo Cruzado. E aí era aquela febre de bandas punk em São
Paulo. Toda molecada queria ter uma banda punk, né. E a gente começou
lá também em Pirituba, Vila Mangalot, né. Eu comprei uma bateria Pinguim -
uma bateria mirim [infantil] - um comprou um baixo, o outro comprou uma
guitarra, enfim. Aí começou a rolar. Já tinha uma vivência do rock'n roll, do
rock pauleira, na Vila Mangalot e em Pirituba. E aí o punk surgiu em 78, 79.
[Falamos] Vamos montar uma banda punk. Qual o nome dessa banda?
Olhando o trem, olhando em volta, essa banda vai se chamar "Suburbanos".
[...]Os registros eram caseiros [...] Alguém, conhecia da tecnologia da época
para registrar [e o fazia]. Ali no ensaio no quarto, no fundo da casa. Os
registros eram caseiros. Mas eles foram fundamentais para ter essa história
e para se avançar, isso tudo aí. Depois, algumas bandas foram conhecer
estúdios, conhecer outros lugares, outros equipamentos. Mas a gente
[Suburbanos] era caseiro. Era somente um amplificador somente, um
gravador. Muitas vezes era um gravador somente. Algumas vezes um
gravador mínimo, simplesmente um gravador. Grava-se um som e ia
embora. E se gravava em nas fitas cassetes e a gente ouvia muito bem
naquela época. Hoje não. Hoje ouvir uma fita cassete [dizem] nossa que
coisa tosca, mas era um registro [...] (MARÇAL, 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
meio não é uma operação aleatória e que foi escolhida previamente por outras
pessoas simplesmente. Ela se dá no horizontes de possíveis e se estabelece
também dentro de hierarquias sociais. O habitus como princípio gerador de condutas
contribui para isso, acompanhando também a maneira como são consumidos
determinados bens culturais. Daí que podemos perceber também os gostos, as
escolhas estéticas e os cruzamentos realizados a partir disso. E isso incluiu tais
quais as disputas e tomadas de posição a partir das trocas realizadas entre os vários
agentes envolvidos. Essa leitura cruzada nos permitiu perceber que a questão é de
ordem dupla: econômica monetária e econômica simbólica.
Feito isso, traçamos um histórico do desenvolvimento da indústria fonográfica
no país, retendo desse desenvolvimento os aspectos que balizaram a pesquisa. Isto
é, a discussão sobre onde se encaixariam as produções do punk paulistano.
Pudemos assim, apontar, a partir da bibliografia existente que até mesmo quando
voltávamos os olhos para os selos independentes a questão nos escapa. Isto porque
as iniciativas desenvolvidas por punks na área da música gravada, em sua grande
maioria, não enquadra como um negócio nos moldes capitalistas. Trata-se portanto,
de empreendimentos anticapitalistas calcados em uma outra lógica que não a
monetária.
E esta lógica aponta para as redes de sociabilidade e amizade ocorrida nas
mais variadas cenas punk do mundo. Eticamente pautadas pela a ética de grupo
“faça-você-mesmx” DIY. Diante disso, a tarefa se desdobrou no segundo e terceiro
capítulo em compor um quadro no qual fosse possível compreender como o punk se
desenvolveu enquanto uma rede mundial. Nesse sentido, lançamos mão de um
repertório de trabalhos acadêmicos que nos possibilitaram verificar isso interna e
externamente. Assim, não como uma caracterização do punk, mas ao menos com
alguns parâmetros, foi possível corroborar com os estudos de Silva e Guerra (2015)
que defendem que trata-se uma forma musical, de um movimento cultural e de como
uma cena musical. Do pós-guerra, época de consolidação da juventude como
consumidora e também como agente de movimentações sociais e políticas, o punk
surge com uma mensagem de reação ao estabelecido, seja economicamente
falando ou em termos simbólicos. A radicalidade da sua mensagem se espalhou e
frutificou entre jovens do mundo todo.
E de fato, pudemos apontar que essa radicalidade se calca na ética de grupo
DIY. Essa ética permitiu criar um nexo de sentido que é partilhado entre várias
217
cenas ao redor do mundo, sem que com isso implique em uma imposição. No Brasil
esta floresceu nas periferias, tendo a cidade de São Paulo como aporte inicial. Para
compreender como o fenômeno foi se desenvolvendo por aqui buscamos verificar
através das lentes emprestadas pelos conceitos de mundialização da cultura
desenvolvido por Renato Ortiz (1988). Ser punk implicava em fazer parte de algo
que é mundial ao mesmo tempo em que permitia que se pudesse se manifestar
dentro de suas vivências mais arraigadas. No caso de São Paulo, o punk se adaptou
à lógica de uma metrópole caótica e altamente violenta. A lógica das gangues em
um primeiro momento deu o tom ajudou de certa maneira a dar corpo a uma cena
incipiente. A partir dessa aderência à música e à toda estética simbólica que estava
em circulação foi se desenvolvendo a própria cena que também forneceu elementos
para a cena mundial.
A música produzida por punks, neste sentido, também se mostrou importante
internamente. Ela possibilitou que jovens da periferia da cidade de São Paulo,
apresentassem a sua produção cultural. Isso em um primeiro momento gerou
aderências, que foi facilitada pela conjuntura política e social do contexto da ditadura
civil-militar que ainda no início dos anos 1980 perdurava. Mas que em um segundo
momento, foi sendo abandonadas as ligações de lado à lado. Por seu turno, o punk
paulistano permaneceu criando, difundindo e escoando a sua produção de música
gravada por seus próprios meios: fanzines, pequenas lojas e selos, de mão em mão
e através de todas as ferramentas que lhe caía à mão. Isso foi se sedimentando em
uma cena pungente a partir de 1990, que mesmo com suas lutas e contradições
internas, se consolidou e se mostrou resistente.
As redes de sociabilidades e de amizade que se constituíram a partir desse
processo são os pilares que sustentam a cena. Não se trata, portanto, de um
negócio rentável, mas de uma série de práticas sociais que se estabeleceram em
torno da música gravada e que forneceram e fornecem sentido e identidade à uma
série de indivíduos envolvidos com ela. Como aponta O’Connor (2008) manter um
selo DIY não é um negócio, mas uma maneira de estar em contato com pessoas. O
mesmo se aplicam aos empreendimentos pessoais que são feitos apenas pelas
bandas. Estar em contato com as pessoas, as suas ideias e as suas histórias, entre
os punks é o que mais conta. Obviamente, que se houver algum lucro, ou ao menos
empatar com os custos da produção sempre será bem-vindo, mas não se trata disso
como já dito.
218
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Acesso em 05/09/2019.
VAZ, Gil Nuno. História da música independente. São Paulo: Brasiliense, 1988.
WAMBA, Velot. Prefácio “Crass, os outros & eu”. in Eles nos devem uma vida -
Crass: Escritos, Diálogos e Gritos. Imprensa Marginal & No God No
Masters.(Orgs.) Trad. Imprensa Marginal, Gláuber Néspoli e Léo Vinícius. Itanhaém:
Imprensa Marginal & No God No Masters.
WITT, Stephen. Como a música ficou grátis: os fim de uma indústria, a virada
do século e o paciente zero da pirataria. Trad. Andrea G. de Castro Neves. Rio de
Janeiro: Editora Intrínseca, 2015.
Discografia
Älä Kumarra. Desgraça. [São Paulo]: Sem gravadora, 2018, streaming.
Amor, Protesto y Odio” e “Abuso Sonoro. Infância Armada. [São Paulo]: Sem
gravadora, 1998, 1 LP.
Amor, Protesto Y Ódio e Septicemia. ...eis que a justiça não tarda a consolidar-se.
[São Paulo]: Bloody Noise Records. 1999, 1 LP.
Cazuza. Ideologia. [Rio de Janeiro]: Philips, 1988,1LP.
Cólera. European Tour '87. [São Paulo]: Sem gravadora, 1988, 1 LP.
Geração Suburbana. Vivemos presos. [São Paulo]: Sem gravadora, 2018, 1 CD.
GIL, Gilberto. Punk da periferia. In.: GIL, Gilberto. Extra, 1983. Warner Bros. 1 LP.
Faixa 6.
Inocentes. Miséria e Fome (Apenas conto o que eu vi (o que vivi)). Punk Rock
Discos, 1983, 1 EP 7”.
230
Lixomania. Violência & Sobrevivência. [São Paulo]: Sem Gravadora, 1982. 1 EP 7”.
Olho Seco. Botas Fuzis Capacetes. [São Paulo]: Sem Gravadora, 1983. 1 EP 7”.
Pé Sujus. Era do burrismo. [São Paulo]: Sem gravadora, 2019, 1 CD, MP3.
The Renegades Of Punk e Tuna. Grão. [São Paulo]: No Gods No Masters, 2016, 1
EP 7”.
Vários artistas. A Revista Pop Apresenta O Punk Rock. [Rio de Janeiro]: Phillips,
c1977.
Vários artistas. Grls SP”. [São Paulo]: Crasso Records, 2020, c streaming.
Vários artistas. Grito Suburbano. [São Paulo]: Sem gravadora, 1982, c 1 LP.
Vários artistas. Mulheres em Perigo. [São Paulo]: Sem gravadora, 2014, c 1 CD.
Vários artistas. O Começo Do Fim Do Mundo. [São Paulo]: Sem gravadora, 1983, c
1 LP.
Vários artistas. Um Passo Para Revolução. [São Paulo]: Sem gravadora, c 1998, 1
CD.
Entrevistas:
GÓIS, Tati. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva em
20/09/2019.
GOMES, Danilo. Depoimento. São Paulo: São Paulo. Entrevista concedida a Edson
Alencar Silva em 05/09/2019.
FRIDO, Alfredo. Depoimento. São Paulo: São Paulo. Entrevista concedida a Edson
Alencar Silva em 03/05/2019.
LEITE, Márcio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva
em 23/12/2019.
PAULA, Everton de. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar
Silva em 18/07/2019.
232
POZZI, Pierre. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva
em 17/08/2019.
ULIANA, Ariel. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva
em 10/11/2018.