Da_Geracao_80_na_arte_contemporanea_bras
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Da_Geracao_80_na_arte_contemporanea_bras
PUC-SP
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
São Paulo
2015
Banca Examinadora
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Trabalho desenvolvido com financiamento da bolsa CAPES-Prosup
Agradecimentos
À Capes.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, em especial ao meu professor
e orientador Guilherme Simões Gomes Jr., pelo incentivo inicial e sua dedicação.
Aos professores Agnaldo Farias e Fernanda Peixoto, pelas considerações apontadas no exame de
qualificação.
Ao Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal, bem como ao Museu de Arte
Contemporânea de São Paulo, pelo acesso à documentação e imagens.
Aos artistas, que gentilmente me receberam em seus ateliês: Ana Maria Tavares, Caetano de
Almeida, Ciro Cozzolino, Iran do Espírito Santo, Jac Leirner, Leda Catunda, Paulo Pasta, Rodrigo
Andrade e Sergio Romagnolo. E também àqueles com quem conversei por e-mail: Carlito
Carvalhosa, Luiz Zerbini, Nuno Ramos e Sergio Niculitcheff.
Aos amigos e amigas que, de uma forma ou de outra, se fizeram presentes neste exaustivo processo.
À Giovanna, que, entre tantos passeios por São Paulo, me acompanhou naquela exposição da
Adriana Varejão em 2012; e também às amigas de uma vida toda: Andrezza, Daniela, Isabella e
Marcela.
Ao Denis, pela paciência, cumplicidade e amor.
Aos meus pais, Ana e Charles, porque sem eles nada disso seria possível.
RESUMO
A pesquisa visa jogar luz sobre a produção artística brasileira a partir da década de 1980,
influenciada pela abertura política do país pós-ditadura e pelos movimentos culturais resultantes
do período, com foco na dinâmica das artes na cidade de São Paulo. A chegada de uma nova
geração no ambiente artístico, denominada pelo circuito como “Geração 80”, parece ter provocado
um sentido de ruptura com a produção artística da geração anterior, principalmente no que diz
respeito ao uso dos suportes tradicionais da arte, como a pintura, o desenho e a escultura.
O trabalho articula três frentes de análise teórico-metodológicas que procuram esclarecer os
sentidos e a atuação desses artistas na cidade de São Paulo que, em sua maioria saídos de escolas
de arte, se colocam como continuidade no processo artístico. Apresentam-se o estudo de geração
que pressupõe, junto ao contexto histórico, a herança deixada pela geração anterior, naquilo que
foi absorvido como princípio direcional para a produção artística daquele período e também no que
diz respeito aos princípios que foram negados, isto é, o caráter de ruptura da nova geração e os
conflitos internos deste grupo, sobretudo no que concerne a construção de uma identidade
geracional; a elaboração de biografia coletiva e perfil social, bem como as trajetórias dos artistas
paulistas atuantes desde a década de 1980 que constituem atualmente uma fatia do que chamamos
de arte contemporânea; e finalmente a fortuna crítica da recepção desta geração no campo da arte,
como os signos de inclusão e as categorias mobilizadas pela crítica como estratégias de legitimação
desta produção.
Investigamos as disposições sociais dos agentes que atuam no campo da arte para a produção de
contexto e de sentidos dentro do cenário cultural brasileiro.
The research aims to shed a light on the Brazilian artistic production since the 1980’s, influenced
by the country’s political opening after the military dictatorship and by the cultural movements
resulted this period, focused on the dynamic of arts in the city of Sao Paulo. The arrival of a new
generation on the art scene, called by the circuit as “Geração 80”, seems to have provoked a sense
of rupture with the previous generation’s artistic production, mostly because of the use of
traditional art medias, like painting, draws and sculpture.
This work combines three fronts of theoretical and methodological analysis that aim to enlighten
the senses and the acting of these artists in the city of Sao Paulo, mostly emerging from art schools
and take positions as continuity in the art process. It presents the study of generations, which
assumes by the historical context the heritage left by the previous generation in what was absorbed
as a directional principle to the artistic production of the period and also to the principles that have
been denied, that is, the character of rupture of this new generation and the internal conflicts of this
group, especially with regard to construction of generational identity. Also the development of
collective and social profile biography, and the trajectories of active Sao Paulo artists from the
1980s who now constitute a part of what we call contemporary art. And finally the fortune critical
reception of this generation in the field of art, such as the inclusion signs and categories mobilized
by critics as the legitimacy strategies of this production
We investigate the social dispositions of the agents that act in the field of art for the production of
context and sense in the Brazilian cultural scenario.
1 Vista geral da exposição "Grande Tela" na Bienal de 1985. Fundação Bienal de São Paulo e
Arquivo Histórico Wanda Svevo ................................................................................................... 43
3 Paulo Pasta, Série Canaviais, 1984. Lápis de cor sobre papel, 33 x 48 cm. ............................... 69
4 Paulo Pasta, Série Canaviais, 1984. Pastel sobre papel, 25 x 32 cm. ......................................... 70
5 Paulo Pasta, Série Canaviais, 1984. Pastel sobre papel, 33 x 48 cm. ......................................... 70
6 Nuno Ramos, Sem título, 1984. Esmalte sintético sobre papel kraft, 230 x 190 cm. ................ 94
7 Jac Leirner, Os Cem, 1986. Notas de cem cruzeiros, dimensões variáveis.............................. 116
8 Jac Leirner, Pulmão, 1987. Embalagens de maços de Marlboro penduradas por corda de
poliuretano, dimensões variáveis. ................................................................................................ 116
10 Sergio Romagnolo, Sem título (Batman na armadilha), 1983. Acrílica sobre tela, 101x160 cm.
..................................................................................................................................................... 120
11 Sergio Romagnolo, Casal no escritório, 1985. Acrílica sobre tela, 170 x 210 cm. ................ 121
12 Sergio Romagnolo, Rosto na caravela, 1984. Acrílica sobre tela, 126 x 166 cm. ................. 121
13 Leda Catunda, Vedação laranja, 1983. Acrílica sobre tecido, 180 x 190 cm ......................... 122
14 Instalação de Ana Maria Tavares na exposição "Pintura como Meio", 1983. Divulgação MAC-
USP. ............................................................................................................................................. 123
15 Sergio Romagnolo, Botijão de gás, 1990. Plástico moldado, 44 x 53 x 38 cm. ..................... 127
16 Sergio Romagnolo, São Jorge e o dragão atrás, 1998. Plástico modelado, 282 x 144 x 195 cm.
..................................................................................................................................................... 128
17 Vista geral da exposição de Sergio Romagnolo, Galeria São Paulo, 1993. ........................... 129
18 Leda Catunda, Vestidos, 1988. Acrílica sobre vestidos, 240 x 180 cm. ................................ 130
19 Ana Maria Tavares, Aquário, 1989. Aço carbono, alumínio anodizado e rodízios, 194 x 150 x
50 cm. Foto: Eduardo Brandão .................................................................................................... 131
20 Ana Maria Tavares, O Beijo, 1989. Aço carbono e alumínio anodizado, 120 x 60 x 200 cm.
Foto: Eduardo Brandão ................................................................................................................ 131
21 Edgard de Souza, Sem título (Vasos), 2005. Pele de vaca colada e costurada, dimensões
variáveis. ...................................................................................................................................... 133
22 Edgard de Souza, Travesseiro, 1991. Laca sobre madeira, 80 x 110 x 27 cm. ...................... 133
23 Iran do Espírito Santo, Sem título (buraco de fechadura), 1999. Aço inoxidável, 8 x 3,6 x 1,8
cm. ............................................................................................................................................... 134
24 Nuno Ramos, Cal, 1987. Colunas – sarrafos de madeira de 10 cm. e cal. ............................. 140
25 Carlito Carvalhosa, Sem título, 1987. Encáustica sobre madeira, 75 x 220 cm. .................... 141
26 Nuno Ramos, Sem título, 1989. Vaselina, parafina, óleo de linhaça, terebintina, pigmento,
tecidos, tela de nylon, feltro, cobertores, borracha, folha de ouro e metais sobre madeira, 360 ×
320 cm. ........................................................................................................................................ 142
27 Nuno Ramos, Sem título, 1989. Vaselina, parafina, óleo de linhaça, terebintina, pigmento,
tecidos, tela de nylon, feltro, cobertores, borracha, folha de ouro e metais sobre madeira, 340 ×
280 cm. ........................................................................................................................................ 143
28 Rodrigo Andrade, Sem título, 1989. Óleo sobre tela, 170 x 190 cm. ..................................... 144
29 Paulo Pasta, Sem título, 1987. Óleo e cera sobre tela, 50 x 50 cm......................................... 146
30 Paulo Pasta, Sem título, 1994. Óleo e cera sobre tela, 24 x 30 cm......................................... 147
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................9
Referências .................................................................................................................................................150
9
INTRODUÇÃO
Dentre tantas outras coisas, a vida em São Paulo me incentivou ao gosto pela arte. A
possibilidade de visitar museus quantas vezes julgasse necessário, os ingressos acessíveis e até
gratuitos fizeram com que isso se tornasse um hábito de lazer nos dias corridos da cidade grande.
Em uma das minhas visitas ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2012, me deparei pela
primeira vez com o trabalho da artista carioca Adriana Varejão (1964). A retrospectiva da carreira
da artista acontecia em momento oportuno, quando recentemente uma obra sua havia sido vendida
por US$1,7 milhão em leilão da Christie’s de Londres. “Parede com Incisões à La Fontana II” foi,
em 2011, o maior preço alcançado por obra de um artista brasileiro ainda vivo1.
A curiosidade de saber que obras eram aquelas que, além de serem vendidas a milhões de
dólares, projetavam artistas brasileiros contemporâneos na cena internacional me levou ao museu
naquela tarde. Qual não foi a minha surpresa ao ser confrontada por aqueles quadros, se é que
podemos chamá-los assim. A violência com que Adriana Varejão contava, nas primeiras salas da
exposição, a história do Brasil, com suas cicatrizes abertas que por vezes vertem vísceras, ao
mesmo tempo em que a misturava com a força expressiva dos famosos azulejos barrocos, me
deixou atônita.
Varejão despertou em mim a vontade de entender melhor o que se passava ali, em temas
tão caros à nossa história, representados de maneira explicitamente crítica, com uma poética muito
próxima ao espectador mais atento. Entender a arte produzida nos meus dias me é essencial para
tentar observar a sociedade por outras perspectivas. Assim, fiz uma pesquisa prévia sobre a artista
e seu contexto, identifiquei outros artistas contemporâneos a ela e, depois de conversas com meu
professor orientador, chegamos a um objeto que já nasceu, no seu tempo, com nome e sobrenome:
Geração 80.
Em 14 de julho de 1984 a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro,
abriu uma grande exposição que pretendia reunir em um só lugar os mais novos e destacados
artistas plásticos brasileiros de então. Intitulada “Como vai você, Geração 80?”, a mostra, com
curadoria de Marcus de Lontra Costa, diretor da instituição entre 1983 e 1987, e Paulo Roberto
1
O recorde, no entanto, foi superado um ano depois com a tela “Meu Limão”, da também carioca e contemporânea de
Varejão, Beatriz Milhazes (1960), que atingiu US$ 2,1 milhões na Sotheby’s de Nova York.
10
Leal, e sob coordenação de Sandra Maeger, reuniu trabalhos de 123 jovens artistas, na contagem
oficial, que eram considerados as promessas do fazer artístico no país, com uma produção livre e
experimental, enérgica, como se sentia a sociedade com o gradual fim da ditadura militar. A mostra
realizada no pátio e nas dependências da tradicional escola de arte carioca se tornaria a grande
vitrine desta produção, reunida ali por um sentimento de celebração do “novo”, em que tudo era
possível, devido à falta de critérios curatoriais e a ocupação indiscriminada do espaço – até os
banheiros e os cofres foram tomados por obras de arte.
Curiosamente, a ideia da mostra surgiu do Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de
Janeiro em 1983. Os salões2 são conhecidos por servirem de porta de entrada para a grande maioria
de jovens artistas, que veem na oportunidade uma maneira de se fazerem conhecidos,
principalmente entre os componentes do júri, normalmente marchands, especialistas e curadores,
que elegem um vencedor do prêmio anual, uma espécie de legitimação no campo da arte. Na
seleção de 1983, Leal e Costa faziam parte do júri e passaram a discutir sobre o que seria uma
mostra dessa geração emergente, sem os limites e regras de critérios impostos pela lógica do Salão,
como por exemplo a obrigatoriedade da tela com chassi e moldura. A contradição entre a instituição
e a produção artística recente é explicada por Paulo Herkenhoff, em um artigo no jornal Folha de
São Paulo:
A mostra carioca do Parque Lage, repleta de experimentalismos, foi uma dentre tantas
outras que formigaram por museus e espaços expositivos no país na década de 1980 com o intuito
de apresentar esses artistas e seus trabalhos. As exposições, organizadas algumas vezes pelos
próprios artistas, evidenciavam sempre o caráter experimental e inovador daquela geração de
2
Para saber mais sobre Salões de arte, ver: CATTANI, Icleia Borsa. Os salões de arte são espaços contraditórios. In:
FERREIRA, Gloria (Org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006. p. 295-
297
11
jovens que, como foi dito à época, dava um novo rumo à arte contemporânea brasileira. Esses
jovens de vinte e poucos anos, na maioria recém-formados por escolas de arte, foram festejados
pela mídia e pela crítica que, na direção da primeira exposição, amalgamaram esta recente produção
sob o rótulo de “Geração 80”.
Em consonância com as mudanças culturais que ocorriam no país com o fim da ditadura
militar, esta produção parecia refletir um sentimento de ânimo e liberdade da sociedade enfim livre
dos poderes opressores do Estado. As experimentações tomavam o lugar da arte conceitual das
décadas anteriores – concretista e neoconcretista –, e apontavam para uma espécie de retorno da
tradição, pelo uso dos suportes tradicionais da arte, como a pintura, o desenho e a escultura; e ainda
uma despolitização dos conceitos e linguagens artísticas, isto é, a ausência de uma postura explícita
de engajamento político.
Contudo, ao longo da pesquisa pude perceber que a denominação de “Geração 80” está
intimamente ligada ao núcleo da “jovem pintura” concentrado na cidade do Rio de Janeiro. Os
artistas que viriam compor boa parte3 do que foi apresentado na exposição “Como vai você,
Geração 80?” – título que remete igualmente a um aceno de boas-vindas e a um desafio para que
fossem mostrados os novos frutos da produção artística na década, numa tentativa de definição do
período – participavam especificamente dos cursos livres da Escola de Artes Visuais do Parque
Lage e tiveram como professores Luiz Áquila e John Nicholson, “militantes fervorosos da pintura”
na década de 1970, quando o suporte era visto como por demais anacrônico e “incompatível com
o intenso experimentalismo” do período (FARIAS, 2009, p.23).
O crítico carioca Frederico Morais – nome fundamental para o campo da arte no Brasil,
que atravessou gerações com o seu trabalho na diretoria do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro e em outras frentes de atuação a partir da década de 1960 – contribuiu diretamente para
promover esta geração salientando suas diferenças em relação à arte produzida na década anterior.
No início dos anos 1980, a produção artística, como vista no Rio de Janeiro, parecia mais
interessada na investigação subjetiva do artista e sua relação direta com a pintura, valendo-se de
3
A grande maioria dos participantes eram nascidos no Rio de Janeiro, sendo 67 artistas do total de 123, seguidos por
18 paulistas e apenas o restante oriundo de outros estados. (MORAIS, Frederico. No currículo da informal Geração
80, a gênese social de sua arte. O Globo, Rio de Janeiro, 14 ago. 1984.)
12
temas próprios do universo da arte, temas estes encontrados na própria pintura, com o uso da cor e
do gesto expressivo do artista.
A tendência da produção de arte contemporânea para a pintura foi sendo observada com
mais atenção desde 1982, com a realização da mostra “Entre a mancha e a figura”, no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, organizada por Frederico Morais. No ano seguinte, a tendência
seria levantada em diversas exposições: “À Flor da Pele – Pintura e Prazer”, no Centro Empresarial
Rio, na capital fluminense, com curadoria de Marcus de Lontra Costa; “3x4 – Grandes Formatos”,
também no Centro Empresarial Rio, projeto de Rubens Gerchman; “Pintura/Brasil”, no Palácio das
Artes, em Belo Horizonte (MG), com curadoria de Frederico Morais; “Pintura! Pintura!”, também
no Rio de Janeiro, na Fundação Casa de Rui Barbosa; e finalmente, em São Paulo, “Pintura como
Meio”, no Museu de Arte Contemporânea da USP. A inclinação geracional para este suporte
culminaria mais tarde em “Como vai você, Geração 80?”.
Numa edição especial da revista Módulo, que serviu como catálogo da exposição do Parque
Lage, Morais faria a famosa comparação entre a pintura do prazer da “Geração 80” e a arte racional
das vanguardas dos anos anteriores:
Para o crítico, a pintura da década de 1980 foi responsável também por restabelecer a
comunicação com o público e a sua volta a museus, bienais e galerias. Os temas e assuntos da
pintura, nascidos da experiência vital do artista, seriam mais próximos do universo de referências
do público, e essas obras não mais se comunicariam por meio de metáforas a serem decifradas. Da
mesma maneira, os jovens artistas pareciam descrentes da política e do futuro deixando as “grandes
questões de lado”:
Segundo Morais, essa atitude remete ao fim das utopias sociais e à preocupação
pragmática com o presente. A valorização do prazer e da pesquisa de materiais acarretou em uma
despolitização dos conceitos artísticos nas obras. Para o crítico Roberto Pontual (1939-1994),
escrevendo anos mais tarde sobre a celebração da pintura, “o espírito festivo e derrubador da nova
gente adaptava-se mais aos horizontes de aventura de uma cidade como o Rio de Janeiro, à beira-
mar, acostumada a pôr o hedonismo diante da reflexão” (PONTUAL, 1990, p.67).
O cenário internacional das artes viria inclusive a corroborar as tendências nacionais,
principalmente quando as ideias do crítico italiano Achille Bonito Oliva (1939) chegam ao Brasil.
Em 1979 Oliva cunha o termo “transvanguarda” para se referir a (e legitimar) um tipo de pintura
que começava a ganhar forma em seu país, fruto da sensibilidade do artista e do impulso criativo
vivencial, restrito ao espaço simbólico da tela (BASBAUM, 2001, p.300). A pintura também volta
a aparecer na produção artística da Alemanha, que seria encarada nesse momento como
“neoexpressionismo”. As tendências internacionais da pintura foram apresentadas no Brasil na
Bienal Internacional de São Paulo de 1981 e na de 1983, e estes dois movimentos especificamente
– transvanguarda e neoexpressionismo – foram confrontados com a produção nacional na 18ª
edição, em 1985, causando forte impacto nos artistas participantes ou não da polêmica mostra da
“Grande Tela”.
O movimento que foi chamado e apresentado na mídia como “Geração 80” perdeu força
pouco tempo depois de sua emergência, ainda na primeira metade da década; parecia estar por
demais absorto no prazer de pintar, sem maiores consequências, deixando também à margem a
heterogeneidade de linguagens que eram exploradas simultaneamente pelos jovens. Além disso, a
palavra “geração” era comumente utilizada para se referir aos avanços tecnológicos,
principalmente no ramo da informática. Dessa forma, o termo “Geração 80” – entre outros nomes
que tentavam rotular a produção, como “geração do rock e da tinta”, “geração McLuhan”4 e
“geração serrote”5 – acabou por funcionar como marca distintiva ao criar uma identidade para os
artistas e suas obras como um movimento que, em geral, privilegia a pintura e, portanto, demonstra
4
Em referência ao teórico canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980), estudioso dos meios de comunicação e
suas relações com a sociedade. Em um de seus trabalhos mais conhecidos, McLuhan explora a noção de que o meio é
a mensagem, isto é, os suportes midiáticos da comunicação contribuem para a produção de sentido do conteúdo
veiculado. O termo para se referir à produção artista da década de 1980 é encontrado, entre outros lugares, em uma
reportagem do jornal Folha de S. Paulo, em 12 de março de 1985, Nova pintura brasileira vai para Paris, p.40
5
“Nas demais telas, cria signos visuais que têm a forma de objetos cortantes e pontiagudos – daí a expressão que já se
começa a usar para definir a nova turma de pintores dos anos 80: geração serrote.” (MORAIS, Frederico. Como vai
você, Geração 80?. O Globo, Rio de Janeiro, 14 jun. 1984.)
14
como interesse do presente uma volta ao passado. Em contrapartida, é também um movimento que
já nasce, ironicamente, fadado à obsolescência pela valorização do presente e a expectativa da
superação futura de outras “gerações” sucessivas. Conforme o tempo passa e esses artistas
começam a investir em suas carreiras, em uma necessidade de permanência dentro do campo da
arte, o termo já passa a ser visto como anacrônico.
Daí que a dificuldade de referir-se aos artistas paulistas do período como “Geração 80”
vem de uma constatação de que a cena da arte desta geração em São Paulo foi um pouco diferente
e parece ter passado longe de uma produção em que predominava a pintura, sobretudo aquela
gerada por algum “prazer” – categoria que aparece como lugar-comum nas críticas de arte
destinadas a essa produção artística derivada da aparente postura despreocupada que foi festejada
na exposição carioca. As investigações artísticas por aqui carregavam uma matriz conceitual
marcante, presente principalmente entre aqueles que fizeram o curso de Artes Plásticas na
Fundação Armando Álvares Penteado, a FAAP, e tiveram como professores os artistas Nelson
Leirner (1932), Regina Silveira (1939) e Júlio Plaza (1938-2003); e entre os artistas que se inseriam
no campo artístico por caminhos particulares, sem passar necessariamente por cursos formais, estes
indicam em seus discursos um confronto quase físico com a tela, em uma clara tentativa de
evidenciar a diferença dentro da própria geração. Dessa forma, as controvérsias internas do grupo
geracional como um todo se dão por dois eixos: aquele que não se identifica com a “Geração 80”,
no que concerne o movimento de volta da pintura expressiva e autorreferente; aquele que, embora
resgate este suporte, não se identifica com o caráter hedonista do trabalho de pintar. Percebe-se,
portanto, um discurso de consciência profissional entre os artistas, que se opõem à ideia do prazer
enquanto descompromisso e certa atitude vista como amadora.
Embora tenha sido inspirado inicialmente pela “descoberta” de uma artista carioca, é o
circuito paulista das artes na década de 1980 que nos interessa especialmente, inclusive pela
finalidade de viabilizar a pesquisa por esta ser realizada nesta mesma cidade, sem ignorar os
intercâmbios do processo do fazer artístico.
Se por um lado os anos 1980 ficaram conhecidos como a “década perdida”, devido a crises
econômicas por que passou o Brasil em um período de alta inflação, por outro lado as
manifestações artísticas indicavam uma “década dos excessos”: abundância de cores, materiais e
atitudes que se estendiam para a vida na cidade. No contexto político e social, o país passava por
mudanças significativas derivadas, principalmente, do fim destes longos 21 anos de ditadura
15
6
"como explicou Frederico Morais, com sua 'homenagem', Oiticica considera a arte como 'revolta contra toda forma
de opressão, fosse ela intelectual, estética, metafísica e principalmente social, revolta semelhante à do bandido que
rouba e que mata, mas, também, à do revolucionário político'"(Frederico Morais. Retrato e autorretrato da arte
brasileira. In: Silvana Seffrin (org.). Frederico Morais. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. p. 57 apud FARIAS, 2009, p.21)
16
principalmente nos anos 1950 – e ainda, para o crescente número de espaços expositivos e
iniciativas culturais neste período de transição. São, portanto, objeto de estudo vastíssimo.
Por isso mesmo, este objeto foi construído por uma perspectiva teórica que leve em
consideração a dinâmica do campo da arte e os seus processos de legitimação e consagração, com
atenção especial a trajetórias artísticas de permanência, daqueles que ficaram na cena por décadas
e renovaram as suas apostas estéticas em muitas conjunturas. A ideia de permanência é importante
na construção do objeto. Em certo sentido, não há como negar que artistas, tomados
individualmente ou em grupos, tenham por objetivo permanecer, atuando no âmbito das artes em
suas trajetórias profissionais. Mas pareceu instigante pensar que a permanência pode supor
estabilização, rotina, integração no mercado; e que a permanência pode, portanto, estar em
contradição com a característica central das artes modernas, desde as últimas décadas do século
XIX, que criaram uma dinâmica de rupturas sucessivas. Uma espécie de revolução contínua no
campo das artes. Nesse sentido, as gerações deixaram de se suceder no tempo mais longo de sua
maturação e passaram a consumir-se em movimentos acelerados e agônicos, porque a lógica das
vanguardas em constante ruptura substituiu a estabilidade que, antes, o regime das academias de
arte garantia. O próprio tempo longo da formação artística nas escolas ligadas às academias ou nos
ateliês a elas subordinados, articulado ao seu poder de julgar e normatizar o gosto, faziam com que
as mudanças decorrentes dos confrontos geracionais demorassem a se instituir como um novo
padrão. Pierre Bourdieu (1930-2002), em As regras da arte, identificou com clareza esse processo
tomando como referência o âmbito da poesia, que ditou o ritmo da sucessão geracional no início
do século XX:
Por certo, nem em letras nem em artes, ocorreu no Brasil processo tão acelerado, mas é
marcante como a partir da década de 1950, nas artes visuais, em um impulso vanguardista que
culminaria nas carreiras agônicas de Lygia Clark e Hélio Oiticica. O que coincidiu, no plano geral,
com acelerações semelhantes no cinema, na poesia, no teatro e na música popular brasileira, até o
esgotamento do Tropicalismo, na década de 1970.
Os artistas que foram agrupados como “Geração 80” conviveram com mudanças no
cenário nacional nos últimos 30 anos: econômicas, políticas ou sociais, que têm alçado o Brasil à
condição de importante foco cultural para o resto do mundo. Suas obras tratam de problemas
tipicamente brasileiros, mas que também, muitas vezes, dizem respeito a toda uma configuração
social da atualidade. Há uma significativa variação de intensidade, quando toma-se cada artista
individualmente, mas no geral problemas ou referências brasileiras estão em todos, mas há também
que notar que certas características ou momentos da geração, muitas vezes, dialogam com a
atualidade das artes para além das fronteiras nacionais.
Essa análise articula-se em torno de textos críticos servidos da distância temporal e de
interpretações tardias, que contribuem para uma perspectiva geral, mas também mais aprofundada,
do ambiente artístico na década de 1980. Como exemplificou Farias (2009), os eixos de
investigação dos artistas desses anos desmentem a criação do mito da “Geração 80” como adjetivo
de homogeneização da produção plástica. Mesmo que os primeiros anos de trabalho desses jovens
tenham sido marcados por uma certa influência estrangeira, eles foram capazes de articular essas
referências com o contexto nacional no sentido de consolidar a produção de arte contemporânea
no país, como aponta nesta passagem:
As pesquisas artísticas desse período se mostram, segundo o autor, em duas frentes não
excludentes: aquelas interessadas na produção das gerações anteriores, moderna, local e
internacional, e aquelas que, como se negassem essa produção, foram incluídas como pós-
modernas. No entanto, percebe-se entre eles a possibilidade de transitar entre esses sentidos, no
regaste de manifestações artísticas e no reconhecimento de sua legitimidade e qualidade, sejam
elas modernas, modernistas, barrocas, eruditas ou populares, como explica Chiarelli. Para ele, o
amadurecimento dos artistas e de suas obras apontam para esses caminhos como “uma atitude
salutar de busca de autonomia e descolonização” (CHIARELLI, 2002, p.39).
Essas hipóteses sobre a arte contemporânea brasileira são investigadas tendo em vista a
dinâmica apresentada na teoria dos campos de Bourdieu, sobretudo do campo da arte
(BOURDIEU, 1996). O autor, ao pesquisar a gênese do campo artístico e literário na França e os
conflitos para a autonomização deste campo, chega a um entendimento de um espaço operado por
lógicas próprias de concorrência pela legitimidade e manutenção do monopólio de categorias de
apreciação e percepção artísticas. As disputas que levam a estes processos são travadas entre os
agentes interessados que ocupam posições de dominação no campo, isto é, aqueles que já
pertencem ao campo de forma estabelecida, e aqueles que desejam dele fazer parte e instituir, ou
não, as suas próprias categorias.
Esta dinâmica diz respeito também ao aparecimento de novas gerações artísticas e de
vanguardas ao longo do que chamamos de História da Arte, e, portanto, destes conflitos enfrentados
durante o processo de pertencimento e dominação. As disputas de legitimação determinam quais
posições estéticas serão absorvidas pelo campo e pela história deste campo e o que não será
considerado neste espaço. Assim, o desenvolvimento das categorias do campo, que desenham a sua
história, têm consequências diretas no desenvolvimento da linguagem artística:
7
Pode-se levantar o debate desta natureza em relação ao que pode ser a arte daqui 30 ou 50 anos, uma vez que até
agora diversas maneiras de expressão lúdica podem ser consideradas “arte contemporânea”.
8
“De fato, apenas o conhecimento da estrutura pode dar os instrumentos de um verdadeiro conhecimento dos processos
que conduzem a um novo estado da estrutura e que, a esse título, encerram também as condições da compreensão dessa
estrutura nova.” (BOURDIEU, 1996, p. 234)
21
É importante lembrar que a teoria dos campos de Bourdieu foi desenvolvida a partir da
observação de mecanismos próprios europeus, concentrados principalmente, no caso do campo da
arte e da literatura na França do fim do século XIX. Isto quer dizer que a apropriação que fazemos
do autor precisa primeiro passar por adaptações para o modelo de desenvolvimento brasileiro, com
suas particularidades e diferenças.
Para aprofundar essa discussão, ainda do ponto de vista teórico, levanta-se também a
questão dos embates geracionais e das heranças deixadas e apropriadas por um movimento
posterior como princípio direcional bem como as referências que se tornam obsoletas ou são
negadas como caráter de ruptura. Estas referências, adotadas e negadas, são de todo modo um ponto
de partida para que se desenvolvam outras maneiras de concebê-las.
A construção do objeto não poderia contemplar todas as significações que o termo geração
por si só implica. Por questões metodológicas, explicitadas adiante, o recorte foi dado a partir do
esclarecimento, primeiramente, deste conceito. Para pensar a natureza do grupo aqui investigado,
recorre-se ao estudo sociológico de gerações apresentado por Karl Mannheim (1893-1947), que
fornece uma base fundamental sobre como abordar os problemas da análise de grupos.
Para o autor, os indivíduos que nasceram no mesmo período e que, portanto, pertencem à
mesma geração, possuem uma situação comum na dimensão histórica do processo social. Isto quer
dizer que esses indivíduos têm acesso mais ou menos uniforme ao material intelectual disponível,
o que implica que sua condição de geração não está relacionada somente à situação cronológica,
mas a um contexto próprio. A similaridade de situação dos indivíduos proporciona-lhes
experiências comuns que levam a um tipo característico de “ação historicamente relevante”
(MANNHEIM, 1982, p. 71-72).
Assim, a necessidade de se formar um grupo de artistas com similaridade etária e
contextual para traçar um panorama das temáticas na arte brasileira se dá pelo fato de que, nas
22
palavras de Mannheim,
Nesta perspectiva, é de interesse verificar a herança deixada pela geração anterior, naquilo
que foi absorvido como princípio direcional para a produção artística da década de 1980 e também
no que diz respeito aos princípios que foram negados, isto é, o possível caráter de ruptura da nova
geração. Como exemplifica o autor,
Embora a geração como um todo não tenha constituído um grupo concreto, isto é, nos
termos de Mannheim, uma organização com laços de proximidade e objetivos específicos, alguns
grupos foram criados durante o período, estes sim com vínculos concretos e proximidade física.
Um caso apresentado ao longo da dissertação é do grupo Casa 7, formado por Carlito Carvalhosa
(1961), Rodrigo Andrade (1962), Paulo Monteiro (1961), Fábio Miguez (1962) e Nuno Ramos
(1960).
Da mesma forma, os artistas estudados neste trabalho, especificamente, não formam perfis
sociais muito diferentes entre si e, mesmo que todos eles não constituam grupo concreto, formal e
determinado, tampouco sejam ideologicamente coesos, podem ser investigados sob a perspectiva
da biografia coletiva e da análise sociológica.
A princípio, percebe-se que, ainda que a construção da imagem da “Geração 80” possa ter
vindo da mídia, dos galeristas e outras instâncias de poder do campo artístico (inclusive de alguns
artistas), criando uma espécie de “mito” de um movimento, esta população possui elementos de
convergência que a estabelecem como geração e que não se resumem apenas à condição etária. A
situação de geração, isto é, a experiência dos mesmos acontecimentos definidores da época em um
23
período relativamente comum da vida, é mais importante para a constituição da identidade destes
artistas do que a “unidade” de geração, conceito que pressupõe um alinhamento a correntes que se
definiram na época, sem que haja, necessariamente, contato entre os indivíduos.
A heterogeneidade da produção plástica dos anos 1980 aponta para uma tentativa de
definição precoce da década, de uma busca por uma identidade desse movimento, controverso no
seu interior, daqueles que se viam como grupo “Geração 80”, na definição que se popularizou, e
daqueles que negavam ou se distanciavam dessa vertente.
No que diz respeito à dinâmica do campo da arte, essa constelação artística da década de
1980 implica ainda as condições de permanência ou não no campo. Isto é, a existência de uma
produção que não atingiu as instâncias de legitimação e ficou concentrada, provavelmente, na
década em que surgiu e que pode ter migrado para outros campos e práticas relacionadas ou não
com as artes plásticas. O critério da permanência, portanto, é essencial para delimitar, entre os
artistas, aqueles que passaram por processos de profissionalização e se estabeleceram no campo da
arte.
Dito isso, o objetivo deste trabalho é mapear o estado do campo da arte em São Paulo na
década de 1980, sob a perspectiva de seus principais autores, ou seja, os próprios artistas – como
produtores não apenas das obras de arte, mas produtores de contexto para a circulação dessas obras
–, os seus embates e diferenciações internas dentro desta geração, também em relação à crítica e
ao mercado.
O meio das artes em São Paulo procurava articular ações e iniciativas entre artistas e
instituições. Enquanto que os artistas das décadas de 1960 e 1970 procuravam espaços de
circulação de suas obras fora das instituições, sobretudo por atuarem durante o auge da ditadura
militar no Brasil, a geração emergente nos anos 80 volta a reivindicar esse espaço. A noção de
profissionalização e reconstrução do campo artístico não é exclusiva desses artistas, mas aparece
com força na atuação dos novos como forma de se inserirem no meio, vista como uma continuação
de uma experiência universitária para alguns, que se formaram na FAAP, na USP e na Belas Artes,
principalmente. Em seus discursos atuais, esses artistas invariavelmente percebem o sistema da
arte no Brasil melhor e mais profissional do que quando começaram a atuar neste campo, resultado
de iniciativas que tiveram como embrião a atuação dos artistas contemporâneos de 1960 até os dias
de hoje.
24
arte por excelência. Ainda que seja possível perceber uma série de exposições neste período que
exibiam obras de artistas ainda emergentes no circuito, elas normalmente privilegiavam uma
produção voltada para a pintura, suporte que parecia merecer maior destaque no período e que, por
isso mesmo, essas exposições não contemplavam a heterogeneidade da produção plástica desta
geração. Por deixar obras e artistas distintos à margem, as exposições coletivas são encaradas aqui
como dados nas trajetórias profissionais, e não como critério de seleção do grupo estudado.
As primeiras exposições individuais e a frequência com que elas passam a acontecer
conforme o artista se estabelece no campo, a recepção da crítica de arte, a residência artística no
Brasil ou em outros países e, finalmente, quando passam a ser objeto de colecionismo, com obras
em acervos públicos e privados, são elementos também considerados como signos de inclusão e
permanência dos artistas no campo. Essa descrição das bases sociais e a análise de como se
distribuem índices de reconhecimento nos mostram, segundo Bourdieu (1996, p.254-255), os
fatores que condicionam o acesso às diferentes formas da condição de artista.
É importante lembrar que essa seleção não é feita por critérios estritamente rígidos, porque
contempla também artistas com trajetórias um pouco distintas, de igual interesse para a pesquisa
sociológica, como aqueles que transitam entre o campo da arte e outros campos, como o campo
acadêmico, por exemplo, e aqueles que de fato migraram para esses outros campos, na face em que
se liga ao campo artístico (arte, arquitetura, design, história da arte, filosofia, ciências sociais).
O conjunto aqui apresentado corresponde a uma amostragem do universo de artistas
plásticos paulistas que atuaram durante a década de 1980. Este grupo de artistas que foi constituído
a princípio sofreu, na fase de levantamento e coleta de dados, contratempos que incluem a
dificuldade de localizar alguns nomes e o não recebimento de resposta aos pedidos de entrevistas.
Dessa forma, chega-se ao grupo a seguir (em ordem alfabética) com quem foram realizadas as
entrevistas em seus ateliês: Ana Maria Tavares (1958), Caetano de Almeida (1964), Ciro Cozzolino
(1959), Iran do Espírito Santo (1963), Jac Leirner (1961), Leda Catunda (1961), Paulo Pasta
(1959), Rodrigo Andrade (1962) e Sergio Romagnolo (1960). Outros artistas que não puderam
conceder entrevistas e contribuíram por e-mail com informações e documentos: Carlito Carvalhosa
(1961), Luiz Zerbini (1959) e Sergio Niculitcheff (1960).
Dos integrantes do grupo Casa 7 – Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Nuno Ramos, Paulo
Monteiro e Rodrigo Andrade – foram entrevistados os artistas Nuno Ramos, em uma breve
conversa por Skype, e Rodrigo Andrade. Carlito Carvalhosa contribuiu com a pesquisa por e-mail,
26
já que mora na cidade do Rio de Janeiro. O restante do grupo não respondeu aos pedidos de
entrevista.
A metodologia da biografia coletiva, ou prosopografia, é utilizada em investigações
históricas, principalmente de elites9. Segundo o historiador Christophe Charle (2006), a biografia
coletiva permite “melhor compreender as clivagens internas dos diferentes grupos estudados e suas
dinâmicas sociais e geracionais, ou ainda as redes sociais dominantes” (op. cit., p. 9).
Ao desvelar as características comuns (permanentes ou transitórias) de um determinado
grupo social em dado período histórico, o pesquisador dá visibilidade aos nexos existentes entre
posição social, origem e formação escolar elaborando perfis sociais com destaque aos “mecanismos
coletivos de recrutamento, seleção e de reprodução social que caracterizam as trajetórias sociais (e
estratégias de carreira) dos indivíduos” (Idem).
O método das biografias coletivas consiste em aplicar ao grupo estudado um conjunto de
questões relativamente uniforme – cujas respostas podem ser obtidas em entrevistas, mas também
em depoimentos presentes em documentários ou perfis produzidos pela imprensa especializada –,
com informações do que se deseja obter a partir dos objetivos do trabalho (nascimento, ocupação
dos pais/irmãos, formação escolar, trajetória profissional, participação em eventos relevantes etc).
Esses dados são utilizados para a construção das trajetórias artísticas e para a identificação
e exploração dos conceitos artísticos que surgiram a partir da década de 1980 no Brasil,
influenciados por fatores como a abertura política após o fim da ditadura militar no país e com as
mudanças no plano da cultura que marcaram a época.
No terceiro e último capítulo levanta-se a fortuna crítica desta geração, da maneira em que
foi inserida no contexto de arte durante a década de 1980 pelos veículos de comunicação e seus
críticos formadores de opinião em ocasião das exposições realizadas em instituições com poder de
consagração e que foram, portanto, responsáveis por inserir e refletir acerca desta arte. Entende-se
o papel da crítica como momento de produção da obra de arte, de seu sentido e de seu valor
(BOURDIEU, 1996, p.197). Neste capítulo apresenta-se a análise da crítica de arte publicada nos
dois principais jornais de São Paulo, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, e em revistas
especializadas, que foram discutidas no primeiro capítulo, e como essa crítica avaliou e
recepcionou a produção artística daquele momento, e os signos de inclusão dos artistas no campo
da arte. Elabora-se também uma interpretação cruzada de obras dos artistas agrupados na pesquisa,
9
Isso porque as elites foram historicamente mais bem documentadas do que outros grupos ou classes sociais.
27
em uma tentativa de definir o conceito das obras por meio da identificação dos artefatos simbólicos
que as constituem.
Pretende-se com este trabalho contribuir para a compreensão do sistema complexo das
artes, em especial em São Paulo, por meio dos atores que, desde a década de 1980, configuram a
atualidade deste sistema.
28
1
PRODUÇÃO DE CONTEXTO:
fase inicial no ambiente artístico
10
A série Bichos, de Lygia Clark, por exemplo, criada entre 1960 e 1964.
30
11
Ao contrário, por exemplo, dos móbiles de Alexander Calder (1898-1976), que se movimentam por fatores externos
como o vento. Fica claro que essa interação desejada pelos modernistas brasileiros tem apelo sensorial corporal.
31
A autora aponta também que a iniciativa que financiou este primeiro mercado no Brasil
partiu principalmente de empresas ligadas ao comércio, e que a seleção de um artista para a galeria
era feita pelo critério de popularidade que seu nome havia alcançado.
Desse modo, as poucas galerias que existiam entre o Rio de Janeiro e São Paulo foram
organizadas em torno da chamada segunda geração do modernismo (1930-1945), artistas com
propostas estéticas moderadas e prestígio entre críticos e colecionadores. Obras de Candido
Portinari (1903-1962), Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) e de pintores do grupo Santa
Helena, como Alfredo Volpi (1896-1988), atendiam à demanda “modesta” da alta sociedade
burguesa do período, que via no consumo de obras de arte a oportunidade de adquirir capital
cultural. Junto a isso, em São Paulo predominava o perfil de galerista preocupado com a
valorização do caráter cultural e mundano de sua atividade, o que fazia com que o comércio de arte
evoluísse “a reboque dos eventos sociais”.
Com a morte de Portinari e de Guignard em 1962, houve uma valorização imediata de
suas obras e com isso o aumento da demanda por arte moderna brasileira entre os colecionadores,
que viam um nicho de investimento. As galerias se empenharam então em resgatar uma produção
já esquecida, como dos modernistas históricos, em que figuram nomes como de Tarsila do Amaral
(1886-1973) e Ismael Nery (1900-1934), artista até então marginalizado pelo mercado.
Nesse momento, o mercado de arte “orientou-se para uma estratégia de leilões, o caminho
natural para o escoamento deste tipo de produção” (op.cit., p.397), isto é, o comércio de bens de
luxo e artigos raros. Quando boa parte da produção artística consagrada se encontrava
comprometida e fora do alcance do público – ou por contratos exclusivos dos artistas com as
galerias ou por suas obras já habitarem a casa dos colecionadores particulares – os leilões sofreriam
um declínio e as galerias voltariam a dar o tom do mercado, já a partir da década de 1970 em diante.
A crítica à abstração e ao espectador passivo ganhavam força desde os anos 1950, quando
Ciccillo Matarazzo contou com a “simpatia e colaboração” de Nelson Rockefeller para criação do
Museu de Arte Moderna de São Paulo (1948) e da Bienal Internacional de São Paulo (1951):
Portanto, na década seguinte, quando foi dado o golpe militar em 1964, a necessidade de
oposição política à ditadura endureceu ainda mais a crítica à abstração, mas também à pintura e à
escultura, das formas tradicionais que até então se apresentavam (CHAIMOVICH, 2007, p.242).
O exemplo mais fecundo e emblemático que reúne estas propostas pode ser considerado
a obra “Inserções em circuitos ideológicos – Projeto Coca-Cola”, de Cildo Meireles (1970). O
artista imprimiu em garrafas de Coca-Cola – na época, feitas de vidro e retornáveis – frases como
“yankees, go home”, além de incentivos para que as pessoas fizessem o mesmo em suas próprias
garrafas, que seriam mais tarde passadas para outras pessoas. A intenção da circulação da obra
também pode ser vista no “Projeto Cédula” (1970), do mesmo artista, em que cédulas de dinheiro
foram marcadas com sentenças como “Quem matou Herzog?”, em referência à morte sob tortura
da repressão militar do jornalista Wladimir Herzog (1937-1975), e que foi anunciada oficialmente
como suicídio. Como explica Cristina Freire,
desenho) e/ou para a investigação sobre os códigos de representação do real”, em obras sempre
preocupadas com a “subversão do olhar do espectador” (CHIARELLI, 2002, p.36). Especialmente
três nomes que figuram nesse momento, Nelson Leirner, Regina Silveira (1939) e Júlio Plaza
(1938-2003) são referências fundamentais na formação técnica e conceitual daqueles artistas que
frequentaram seus cursos de artes na FAAP na década de 1980.
O sociólogo José Carlos Durand (1989, p.167) apresenta os fatores que “compreendem a
ampliação de disposições pessoais, de pretensões de carreira e de expectativas coletivas
relacionadas com consumo cultural e estilo de vida” que ficaram cada vez mais evidentes a partir
dos anos 1970. Podemos numerar brevemente alguns deles, como a expansão das classes
dominantes, a presença de capital estrangeiro, a incorporação da mulher no mercado de trabalho, a
educação pré-escolar e iniciação artística no ensino secundário, os avanços no mercado editorial,
o alargamento dos efetivos de artistas entre 1950 e 1980 e o declínio da alta burguesia na
importação e difusão cultural, com a profissionalização dos intermediários culturais, de bens de
luxo e conexos.
Os jovens que cresceram sob a ditadura militar veriam o cenário mudar lenta e
gradualmente até a abertura política. Além do espírito engajado em manifestações por abertura
política e eleições diretas no país, segmentos da juventude da década de 1980 vivenciaram diversos
fenômenos que mudariam o cenário social como um todo. O artista Sergio Niculitcheff descreve
as transformações vividas em diferentes planos:
O ambiente artístico brasileiro nessa década mostrava sua fértil produção em várias frentes
intercambiáveis de atuação cultural, com a circulação de artistas plásticos entre músicos, atores e
escritores. Em início de carreira, os artistas investiam em diferentes formas de se inserir no cenário
cultural da cidade, trabalhando com cenografia para o teatro ou com ilustrações para capas de CDs,
por exemplo13.
Apresenta-se a seguir uma tentativa de reconstituir como as instâncias do campo da arte
foram modificadas ou não, com a presença de uma nova geração de artistas em relação a suas
propostas estéticas e suas disposições no âmbito institucional.
A chegada de uma nova geração de artistas plásticos parece ter provocado um sentido de
ruptura com a produção artística da geração anterior, principalmente no que diz respeito ao uso dos
suportes tradicionais da arte, principalmente a pintura. Essa impressão parece bem clara em um
primeiro momento, quando se confrontam essas obras que, na década de 1980, retomam estes
suportes e materiais que haviam sido deixados parcialmente de lado em detrimento de uma fatura
técnica de matriz racional e, em alguns casos, engajada.
No entanto, é importante perceber que a retomada da pintura não é definitivamente
exclusiva de toda a geração – como nenhuma escolha de movimentos e estilos seja predominante
em qualquer momento – mas pode-se dizer que houve uma ação decisiva nesse sentido, quer por
parte dos artistas, quer por parte do mercado, da mídia, e mesmo de instituições, para que essa
linguagem tivesse tido mais destaque naqueles anos. Nesse sentido, a oposição entre conceito e
expressão, respectivamente entre as investigações artísticas da década de 1970 e as de 1980,
provocou uma impressão de ruptura entre estas produções, “como se as questões que os artistas
haviam investigado em um período tivessem perdido sentido no outro” (REINALDIM, 2008,
p.155). Como esclarece Reinaldim neste artigo,
13
Em 1989 o grupo “tupinãodá” espalhou pelos muros da cidade de São Paulo grafites de “mensagens cifradas” com
os dizeres “Õ Blésq Blom”, que mais tarde seriam desvendadas com o lançamento do disco homônimo da banda Titãs.
39
Enquanto que os artistas atuantes na década anterior eram em sua grande maioria
autodidatas, a “nova” geração passou por escolas de arte, um dado fundamental para o
entendimento dessa produção. Entre os artistas mencionados por Reinaldim como “essencialmente
pintores”, Eduardo Sued (1925) e Luiz Áquila (1943) foram professores na Escola de Artes Visuais
do Parque Lage, Rubens Gerchman (1942-2008) dirigiu a instituição entre 1975 e 1978 e Paulo
Roberto Leal, ao lado de Sangra Maeger e Marcus de Lontra Costa, organizaram a exposição
“Como vai você, Geração 80?”, em 1984. Não é de se estranhar, então, que muitos alunos da escola
tivessem uma predileção pela pintura. Vale notar, inclusive, que os cursos da EAV eram cursos
livres, em que qualquer pessoa, de qualquer idade, poderia se inscrever.
Em São Paulo, a Fundação Armando Álvares Penteado também reunia naquele tempo um
time de professores artistas consagrados, como Júlio Plaza, Nelson Leirner, Regina Silveira, Walter
Zanini, Donato Chiarella, Tomoshigue Kusuno, entre outros. No curso de Artes Plásticas desta
instituição particular de ensino, com bacharelado e licenciatura, voltada para uma formação
multimídia, os alunos tinham contato com variadas linguagens para a produção artística, sobretudo
aquelas que eram caras ao momento do início da década, que investiam em suportes tecnológicos,
como a xerox e o vídeo. É curioso notar que, mesmo sem frequentarem aulas de pintura
especificamente na faculdade, alguns dos artistas que frequentaram a FAAP na década de 1980
realizavam suas investigações neste suporte de maneira particular, além dos trabalhos pedidos para
o curso.
Por outro lado, mesmo que a escolha por parte da geração para a pintura aponte um resgate
da tradição, ela vem seguida de elementos típicos da experimentação, isto é, a opção por não usar
chassis e a possiblidade de utilização de materiais na composição para além da tinta – como ceras,
40
parafina, barbante e mais uma infinidade de objetos e texturas que agregam uma terceira dimensão
na superfície – e o vazamento dos limites físicos do suporte. Esta visceralidade presente nas telas
indica um afastamento da pintura como repertório iconográfico para ser entendida como meio
técnico. Isso porque a “volta à pintura” no Brasil se deu em um território ainda pouco explorado
por aqui, ao contrário de movimentos análogos em outros países, como Itália e Alemanha, que
significaram “desenterrar uma tradição riquíssima quase inteiramente dissolvida pelas vanguardas
das décadas de 1960 e 1970” (MAMMÍ, 2012, p.187). Assim, a busca de um sentido pictórico entre
os artistas brasileiros acabou se concentrando em seus próprios meios na criação de uma
linguagem.
Além disso, esta nova geração de artistas plásticos não possui caráter vanguardista, uma
vez que sua produção não pretendia negar por completo a sua herança ao impor algo novo ou
original em detrimento do que seria considerado “velho” ou ultrapassado – apesar de o fator da
ruptura ter sido importante motivador da produção em relação ao passado imediato e, por isso, ter
forte significação. Para os artistas da FAAP é a linhagem de Nelson Leirner, Regina Silveira e Júlio
Plaza a que se referem, principalmente pelo método “conceitual” que empregam na elaboração das
obras. Aluno da instituição no início da década, Sergio Romagnolo comenta que a sua atuação
como artista plástico, bem como a de seus colegas, é orientada no sentido de continuidade:
A gente não nega a arte dos anos 70, a gente continua, a gente
retoma, não contra. Em São Paulo tinha um grupo de artistas
que tinham saído da FAAP, que tinha muito a ver com essa
formação conceitualizada, que veio dos professores Nelson
Leirner, Regina Silveira e Júlio Plaza, que tinham uma questão
conceitual muito forte. A gente aprendeu assim e continuou
fazendo. (Informação verbal)
A tradição artística brasileira não é questionada pela nova geração como algo a ser
superado, mas, em certa medida, como um território amplo repleto de possibilidades de exploração,
com incursões na História da Arte ocidental. A ruptura, neste sentido, refere-se mais a uma situação
pontual em que se encontrava a produção de arte no país, e também a um sentimento que pairou a
sociedade brasileira com o fim da ditadura militar. A arte dos anos 80 aponta para uma
continuidade, sem rupturas radicais, “mas apenas uma adequação de valores e de estratégias”, como
compreende Reinaldim (2008, p.160).
41
14
Essa metodologia implica um trabalho de curadoria específico, que coloca a figura do curador em um papel de
protagonismo no espaço expositivo, tendência que começa a surgir na década de 1980 e segue até hoje com significante
importância.
42
1 Vista geral da exposição "Grande Tela" na Bienal de 1985. Fundação Bienal de São Paulo e Arquivo
Histórico Wanda Svevo
Entre os brasileiros que participaram da mostra, sete eram artistas já considerados como
“Geração 80”: Daniel Senise (1955), Fernando Barata (1951) e os artistas da Casa 7, Carlito
Carvalhosa, Fabio Miguez, Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo de Andrade.
Uma vez que a “Grande Tela” era o eixo principal da exposição, as outras obras da mostra
foram dispostas, nos termos da curadoria, em “naves laterais”, referência aos templos e igrejas,
com a intenção do “culto litúrgico de celebração da arte, Homem e Vida” (LEIRNER, 1985, p.16).
Poucos dias depois da abertura da Bienal, em 04 de outubro de 1985, a polêmica da
montagem da “Grande Tela” foi parar nos jornais. A crítica de arte da Folha de S. Paulo na época,
Radha Abramo, escreveu que as obras enfileiradas uma atrás da outra “produzem a sensação do
funeral do gestualismo pictórico” (ABRAMO, 1985, p.81). Enquanto o crítico alemão Jürgen
Harten, convidado a ajudar na montagem final da Bienal, demitia-se da organização, alguns artistas
alemães tentavam tirar suas obras do local, sem sucesso. A curadoria se defendeu no mesmo jornal
44
alegando que os alemães preferiam uma disposição tradicional, ao invés da proposta não acadêmica
da “Grande Tela”.
No entanto, o que muitos críticos e artistas reivindicaram a respeito da mostra foi o fato
de ela não deixar espaço, literalmente, para as individualidades de cada trabalho, como se eles
fossem todos frutos de uma mesma “vontade pictórica”, como escreve o artista Júlio Plaza:
O artista Rodrigo Andrade conta que quando ele e seus amigos do ateliê Casa 7
descobriram a ideia da expografia, resolveram reclamar com a curadora Leirner, sem sucesso. “A
gente muito arrogantemente e ingenuamente chegamos a cogitar de sairmos da Bienal por conta da
distância das pinturas”, reconhece o artista.
À parte toda a polêmica, percebe-se um posicionamento da mostra naquilo que lhe é
caráter inerente: o de propor o intercâmbio e a reflexão da situação da arte contemporânea. No
Brasil, a pintura foi o principal motivo que fez com que os “jovens artistas” da época fossem
lançados na mídia e ao mercado como um grupo que trazia um “respiro”, um novo alento na arte
brasileira então presa ao conceitual. Esta Bienal de 1985 desempenhou um papel importante, e sem
dúvida polêmico, a respeito da projeção desta nova geração que adentrava o campo da arte. A
característica que a geração da década de 1980 carregaria da “volta à pintura” foi corroborada pela
exposição ao identificar produções de outros países que apontavam a uma mesma direção,
evidenciando, no discurso curatorial, a sincronia das produções artísticas. Mais do que absorvidos,
os conceitos estrangeiros foram confrontados intensificando a reflexão artística no período
(FARIAS, 2009, p. 59).
O que em 1981 e 1983 foi mostrado como tendência, e de certa forma exerceu influência
sobre os trabalhos dos artistas que estavam na condição de “receptores”, em 1985 já apontava para
uma certeza da década. A Bienal deste ano serviria como um campo de prova para a dicção coletiva
45
de uma geração, o que parece ter se confirmado naquela ocasião, mas que aos poucos pode ter
perdido força.
Este período também se mostrou fértil para a produção de esculturas, que são então
entendidas como objeto, principalmente na apropriação de elementos do cotidiano, com maior ou
menor grau de intervenção. As performances e intervenções urbanas, por meio do grafite – que
naquele momento ainda carregava como elementos fundamentais a subversão e transgressão do
espaço da cidade – assim como a vídeo-arte, a partir do aumento do poder de compra e a
popularização do videocassete, foram largamente exploradas nesse universo, com os artistas
normalmente reunidos em grupos e coletivos15. Portanto, há que se constatar uma diversidade de
opções que, no entanto, não desmentem o fato de que houve uma tendência predominante no
período, centrada na retomada da pintura em seus variados suportes.
Sobre o problema das heranças artísticas presentes na geração dos anos 80, cabe observar
as proposições de Agnaldo Farias:
15
Entre muitos meios de linguagem artística, a vídeo-arte passou a ser mais explorada a partir do fim da década de
1970, com a popularização das câmeras de vídeo e dos videocassetes. Já em 1983 foi realizada a primeira edição do
Festival Videobrasil, com a proposta de reunir esses trabalhos e de criar espaços de difusão do vídeo. Ainda de natureza
bastante documental, os vídeos procuravam retratar realidades brasileiras e os artistas aspiravam a uma divulgação
ampla e popular pela televisão, proposta que não foi alcançada. Também nos anos 80 foram organizados diversos
coletivos de artistas que buscavam interferir na cidade, seja por meio da performance ou do grafite. Grupos como o
Manga Rosa, 3nós3 e o tupinãodá extravasaram os limites do fechado circuito artístico para um contato mais próximo
com o público.
46
superação do suporte realizadas pela arte “pós-moderna” dos anos 50 e 60, com a base conceitual,
da produção artística de 1970, agora despolitizada.
Além disso, o resgate dos suportes mais tradicionais, como a pintura, a escultura e, em
alguns casos, o desenho, foi recebido no campo como uma tendência a ser observada com mais
atenção porque também dizia respeito à formação cultural e social dos artistas. Isso porque esses
jovens nasceram e cresceram entre as décadas de 1960 e 1970, algum tempo depois de a televisão
ocupar o espaço do rádio como principal meio de comunicação de massa do país. A formação de
um repertório comum, a que o artista Iran do Espírito Santo (1963) vai chamar de “museu
imaginário” (CHIARELLI, 2011, p.67), retomando o conceito de André Malraux16, configura um
universo de referências muito similares, que aparecem nas obras de arte como “imagens de
segunda geração”, como formulou o crítico e curador Tadeu Chiarelli, no catálogo da exposição
homônima que aconteceu no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo em 1987. Essas imagens
estariam então disponíveis a partir dos avanços tecnológicos da reprodução e ao alcance dos
artistas em livros e revistas.
Como foi visto, do ponto de vista da produção cultural, o campo da arte em São Paulo até
os anos 80 ainda era pouco profissionalizado e baseava-se principalmente em iniciativas pontuais
não só da produção de arte de qualidade como também da criação de um meio que fosse capaz de
absorver e refletir essa produção. Ao se deparar com esse meio flutuante, a geração de artistas que
ingressam no sistema a partir de 1980 também passa a contribuir para a sua profissionalização, e
neste momento volta a buscar espaço dentro das instituições e galerias.
Com o fim gradual da ditadura militar e, consequentemente, do controle do Estado e da
censura, essas instituições tornavam-se mais acessíveis à produção artística contemporânea, assim
como a aproximação por parte dos artistas. Junto a isso, os artistas que, em sua maioria, tiveram
uma educação formal em escolas de arte possuíam uma proximidade mais natural com o ambiente,
pela convivência próxima com professores artistas já estabelecidos. As disposições e incentivos
16
MALRAUX, André. Le musée imaginaire. Paris, NRF, Gallimard, 1965.
47
dentro do ambiente universitário são elementos fundamentais de formação profissional dos artistas
em início de carreira.
Enquanto os artistas dos anos 70 procuravam este espaço fora do circuito tradicional, isto
é, fora dos espaços institucionalizados da arte, a geração de 1980 passa a reivindicar esse espaço.
Aparentemente, a arte brasileira lega como herança, a todas as gerações, a necessidade de
construção do ambiente artístico e de profissionalização do circuito.
Não foram poucas as exposições organizadas por estes jovens, ainda no período em que
estavam na faculdade ou dando início às suas pesquisas artísticas particulares. No caso daqueles
que cursaram faculdade, seja na FAAP ou mesmo na ECA-USP, encontravam ali exposições
esporádicas dentro do espaço universitário e, com o contato mais próximo com seus professores,
buscaram fazer propostas de exposições para museus, sendo principalmente acolhidos pelo Museu
de Arte Contemporânea, ligado à USP.
A exposição “Pintura como Meio” nos interessa aqui particularmente pelo fato de propor a
discussão da pintura entre os artistas paulistas e ainda por partir de iniciativa deles mesmos. Essa
exposição, realizada no MAC-USP, em 1983, foi a primeira a delinear um novo tipo de abordagem
artística que estaria ocorrendo na década, visível em São Paulo e outras capitais, como o nome já
diz, da pintura como meio de expressão. A história da idealização dessa mostra também é bem
interessante por evidenciar o estado do circuito de arte naquele momento em relação aos novos
artistas, recém-saídos das escolas de arte e, portanto, ainda pouco conhecidos.
A ideia inicial da exposição foi concebida por Sergio Romagnolo, que tinha o costume de
sempre procurar por galerias e espaços que pudessem exibir suas obras e a de seus amigos com
quem dividia um ateliê na Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo (CHIARELLI, 2012, p. 103).
Para ele, a noção da pintura como um meio vinha das experiências realizadas na faculdade, em que
percebeu que, assim como o xerox, o vídeo e a gravura, a pintura seria mais um veículo para a
ideia, o conceito que seria apresentado pela pintura.
Com a recusa das galerias, normalmente justificada pelo fato de serem ainda jovens, Sergio
foi procurar Aracy Amaral, que acabava de ocupar o cargo de diretora do museu, numa fértil e
produtiva gestão entre 1982 e 1986. O texto que ele escreveu para fundamentar a mostra
contemplava, além dos seus próprios trabalhos, obras dos seus amigos Leda Catunda, Ciro
Cozzolino, Sergio Niculitcheff e, posteriormente, Ana Maria Tavares. Segundo conta Leda
Catunda (op.cit., p.103), a diretora do MAC pensou que seria bom reabrir o museu com uma
48
exposição de artistas novos. Pode-se dizer que a acolhida pela instituição dessa nova produção
esteja atrelada ao fato de o MAC ser um museu ligado à universidade, com o propósito de colocar
em pauta a reflexão e o debate contemporâneos. A intenção de mostrar o que é novo e a liberdade
criativa e de circulação dos artistas nesse espaço reafirma essa dimensão universitária.
O fato de os próprios artistas procurarem espaços para expor e o encontrarem logo em um
museu a sua oportunidade não é usual, já que é típico dessas instituições abrigar apenas aqueles já
consagrados. Podemos dizer que isso se deve ao seu caráter universitário, de um lado, e também
ao fato de a história do MAC ter sido marcada por constante dificuldade de institucionalização. E
ainda, ao contrário do que essa chance aparente indicar, os jovens artistas da geração de 1980 não
foram tão logo absorvidos pelo mercado, como algumas análises fazem crer, uma vez que este
mercado ainda era concentrado em uma produção já consagrada, principalmente nos cânones do
modernismo brasileiro, e via com certa cautela a produção recente.
Porém, pode-se dizer que essa exposição extemporânea cumpriu um papel importante. O
tempo em que os artistas corriam atrás de galerias e de marchands como forma de vender suas
obras não demorou muito para ser substituído por um caminho de mão inversa: quem passou a
procurá-los para suas primeiras individuais foram as galerias, como veremos mais adiante.
O princípio norteador da exposição, apontado por Romagnolo, é a pintura, motivo que faria
com que os artistas da década ficassem conhecidos neste período. Por outro lado, este rótulo
serviria mais tarde como estigma, já que a geração passou a ser referida como aquela da “volta da
pintura”.
Como uma das primeiras exposições que deram espaço para a jovem produção em São
Paulo, “Pintura como Meio” teve boa repercussão na mídia, em um trabalho de divulgação conjunto
entre Amaral e os artistas, que providenciaram material com textos e fotos distribuídos nas redações
dos jornais (op.cit., p.155) e entre o público. O entusiasmo pela nova geração começava a se
mostrar, como conclui Aracy Amaral no texto do catálogo:
Dessa forma, “Pintura como Meio” funcionou também como uma vitrine para que esses
jovens entrassem de vez no circuito de arte, sobretudo sob a chancela de tão importante instituição
que os abrigara.
Ainda em 1983, o projeto “Arte na Rua 1”, também realizado pelo MAC-USP, é outro
exemplo de iniciativa vinda de artistas plásticos. Ana Maria Tavares e Mônica Nador, então com
25 e 28 anos respectivamente, procuraram Aracy Amaral e foram coordenadoras desta exposição
que convidou mais de 75 artistas de todo o Brasil, de idades e linguagens artísticas variadas, para
utilizarem outdoors como suporte, a serem espalhados pela cidade de São Paulo. Entre os
participantes, Regina Silveira, Guto Lacaz (1948), Júlio Plaza, Jac Leirner, Leonilson (1957-1993)
e Tomie Ohtake (1913-2015). O que demonstra que os jovens artistas eram bem relacionados e
sabiam se articular com remanescentes de outras gerações como Regina Silveira, Júlio Plaza e
Tomie Ohtake. As obras foram elaboradas sobre papel e coladas folha por folha, como acontece
com os outdoors comerciais, e expostas por um itinerário que passava pelas Avenidas Henrique
Schaumann, Paulo VI, Ibirapuera, Rubem Berta, José Maria Whitaker, Avenida dos Bandeirantes,
Washington Luís, Onze de Junho, Altino Arantes e Luís Góes. A iniciativa deu certo e foi
reproduzida depois no Rio de Janeiro e em Brasília.
50
Para essa exposição, o grupo de amigos se organizou em várias frentes de ação, como
conta Ana Maria Tavares:
a década seguinte: Arte em São Paulo (1981-1984), Arte em Revista (1979-1984), Galeria (1986-
1997) e Guia das Artes Plásticas (1986-1994).
Já no caso da crítica de jornal, a princípio o lugar por excelência da crítica de arte no
Brasil, esta gradativamente foi sendo substituída pelo “jornalismo cultural”, marcado
principalmente por notas de serviço mais do que a própria crítica, que foi direcionada para
suplementos culturais dos grandes veículos e que circulavam normalmente aos finais de semana.
O Folhetim, caderno da Folha de S. Paulo, passou por mudanças editoriais em 1982, de um caráter
social e acadêmico para realizar leituras críticas e mais aprofundadas da cultura contemporânea,
inclusive do cenário das artes plásticas. Essas medidas foram tomadas principalmente no período
em que o jornalista Mario Sergio Conti (1954) e, posteriormente o crítico Rodrigo Naves (1955),
comandaram a editoria do suplemento.
Ainda assim, mesmo que controverso, o crítico de arte exerce um papel fundamental de
legitimação e consagração da produção sobre a qual reflete e escreve. Os críticos e jornalistas dos
principais jornais de São Paulo, Folha e Estado de S. Paulo, além da principal revista de circulação
nacional, a revista Veja, atuavam nos suplementos e também paralelamente nas revistas
especializadas. Este é o caso, entre outros, de Márion Strecker Gomes, Wilson Coutinho, Olívio
Tavares de Araújo e Casemiro Xavier de Mendonça.
Essa safra de críticos atuantes na década veio em parte dos cursos de Estética oferecidos
pela Universidade de São Paulo, principalmente a partir da implantação dos cursos de pós-
graduação no início dos anos 1970, quando
A própria crítica Aracy Amaral colabora para esta reflexão incluindo também a sua
contribuição para a formação do meio, quando passa a assinar textos críticos no Suplemento
Cultural do jornal Estado de S. Paulo, na década de 1960. Já nos anos 80, observa-se uma expansão
nesse tipo de profissional e de pesquisa acadêmica voltada para as artes, com reflexos também no
jornalismo paulista. Nesse período surgem nomes atuantes como Tadeu Chiarelli e Annateresa
Fabris, vindos da Universidade de São Paulo, e Sheila Leirner assume a coluna crítica do Estado
52
de S. Paulo e “nos fornece uma crítica diferenciada daquela até então conhecida, por seu discurso
cool, buscando uma abordagem objetiva da criação artística” (op.cit., p. 247). Entre os jornalistas,
vale destacar nomes como de Antonio Gonçalves Filho, Márion Strecker Gomes (1960) e Lisette
Lagnado (1961), que figuram em diversas iniciativas de divulgação e crítica de arte.
Em 1983, a socióloga Lisbeth Rebollo Gonçalves publica um artigo em uma das revistas
especializadas do período, Arte em São Paulo, sobre a situação da crítica de arte em São Paulo. A
autora destaca, além desta, outra publicação segmentada importante, a Arte em Revista, e discute a
contribuição de ambas revistas e de autores particulares interessados na crítica de arte
contemporânea (GONÇALVES, 1983).
A revista Arte em São Paulo parece muitas vezes ser feita artesanalmente, tanto em sua
forma física quanto seu conteúdo. A publicação se valia de contribuições espontâneas e não
encomendava artigos. Seus colaboradores normalmente faziam parte também do time de leitores,
em sua maioria universitários, professores, graduandos e pós-graduandos, mas também ao lado de
pessoas ligadas ao mercado. Por ter sido auto gestada, era vista como uma revista de autor,
enquanto seus textos proporcionavam não apenas um espaço de divulgação, mas de intercâmbio de
ideias e diálogos no meio da arte. Esta organização da revista é seu principal ponto de diferenciação
de outras publicações tradicionais:
Criada pelo artista plástico Luiz Paulo Baravelli (1942) em 1981, Arte em São Paulo teve
sua última edição em 1984. Juntamente com Baravelli, as jornalistas Márion Strecker Gomes e
Lisette Lagnado dividiram a editoria da revista.
De perfil mais acadêmico e ligada ao Centro de Estudos de Arte Contemporânea da USP,
a Arte em Revista surgiu em 1979 fruto de um grupo de pesquisa dirigido pela professora Otília
Arantes, que ocupava a cadeira de Estética da Faculdade de Filosofia. Com edições temáticas,
A revista Galeria também figurou no campo de arte em São Paulo já na segunda metade
da década de 1980. De perfil mais comercial do que as outras, e de feitura industrial nos moldes
das revistas de grandes editoras, tinha também maior circulação. O time de editores orbitava entre
os críticos Wilson Coutinho, Lisette Lagnado e Casemiro Xavier de Mendonça. As colaborações,
mais flutuantes, mudavam a cada edição, mas importantes nomes do meio de arte e dos jornais
passaram pela publicação, como Rodrigo Naves, Sheila Leirner, Aracy Amaral, Olívio Tavares de
Araújo, Tadeu Chiarelli, Márion Strecker Gomes, Agnaldo Farias, Alberto Tassinari, Ricardo
Basbaum, Paulo Herkenhoff e Norval Baitello Junior, este último responsável por uma seção
chamada “Minidicionário das artes”, em que explicava didaticamente os “ismos” e “istas” dos
movimentos artísticos. O diretor da revista, durante o período em que foi produzida, de 1986 a
1992, foi o empresário Laerte Padilla Junior, que em um breve momento dividiu a diretoria com o
artista e galerista Marcantonio Vilaça.
Por alcançar um público maior, a revista Galeria tinha como preocupação divulgar o
trabalho de artistas, consagrados ou jovens. Em suas primeiras páginas, exibia o perfil de um artista
escolhido, seguido de uma crítica e imagens de obras. Muitos jovens artistas daquele período foram
retratados em suas páginas. Além disso, trazia entrevistas com galeristas e seções com o serviço
das exposições que aconteciam em São Paulo.
Ao contrário do que possa parecer a princípio, o alvoroço em torno da “Geração 80” era
visivelmente mais concentrado na produção artística desenvolvida sobre o suporte da pintura. E é
igualmente evidente que os artistas desse período não se resumiam a quadros, mas atuavam em
grande uma diversidade de linguagens e suportes.
As instituições de consagração dividiam espaço com o mercado e as galerias de arte na
promoção desses artistas ainda desconhecidos e na discussão de suas propostas. Enquanto alguns
grupos se dirigiam diretamente aos museus, principalmente o Museu de Arte Contemporânea de
54
São Paulo e à Pinacoteca do Estado, que abrigou em 1981 a primeira exposição individual de Ester
Grinspum, então com 26 anos, e no ano seguinte recebeu também para suas primeiras individuais
Edith Derdyk e Ana Maria Tavares, com 27 e 24 anos respectivamente. Em um momento posterior,
as galerias é que procuravam os artistas com o intuito de investir nas novidades da década.
Uma das galerias que mais apostaram nestes jovens artistas pintores foi a Subdistrito
Comercial de Arte. Ela foi fruto de uma associação entre o marchand carioca João Manuel
Sattamini (1943-1992), ex-sócio de Regina Boni na Galeria São Paulo (outra referência em venda
de arte na época); o arquiteto Ruben Breitman (1932-2001), diretor do Parque Lage entre 1979 e
1983, responsável pela Escola de Artes Visuais; o também arquiteto e ex-diretor do Parque Lage,
o cenógrafo paulista Felippe Crescenti (1953), convidado para a montagem da Bienal de 1985; e o
comunicador visual londrinense Carlos “Paraná” Ziccardi (1947-1988). A galeria ocupava um
galpão de 400 m2 no bairro de Pinheiros, que naquela época era considerado o extremo do bairro
Cerqueira César e habitado principalmente pela classe média paulistana, indicando em certa
medida a proposta do empreendimento. A inspiração para um espaço grande e aberto, sem paredes
internas, veio das galerias nova-iorquinas, que passavam a ocupar galpões industriais na cidade
norte-americana.
Desde a sua inauguração, em 16 de maio de 1985, a galeria, localizada na Rua Arthur de
Azevedo 401, já tinha definido quais seriam os seus rumos, de preferência que acompanhassem a
emergente produção artística no país, adotando claramente uma postura estética baseada na
inflacionária pintura gestual da década. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, na ocasião da
abertura do espaço, João Sattamini afirma:
Seguindo este princípio, a galeria foi a principal porta de entrada para muitos desses jovens
artistas e aparentemente a aposta do marchand João Sattamini estava gerando seus frutos. Com
contratos de exclusividade com o ateliê Casa 7, com o pintor carioca Daniel Senise, entre outros, a
55
galeria já era chamada de “avenida Marquês de Sapucaí das artes” (MIRANDA, 1985), em
referência ao famoso sambódromo do Rio de Janeiro:
Para se ter uma ideia da dimensão do negócio, duas telas do pintor Fábio Miguez expostas
na Bienal de São Paulo daquele ano já estavam vendidas. Além dele, outros pintores da Casa 7,
grupo que havia feito uma coletiva em 1985 na galeria, inclusive, ganharam espaço mais tarde para
as suas primeiras exposições individuas. A oportunidade de Rodrigo Andrade aconteceu em 1986
e no ano seguinte foi a vez de Carlito Carvalhosa. A casa recebeu também as primeiras individuais
de Luiz Zerbini, 198517, e Ciro Cozzolino, em 1987.
O público alvo, segundo Sattamini, era o colecionador de arte “muito mais do que o
investidor preocupado em comprar para especular” (GONÇALVES FILHO, 1987). Além disso, a
galeria também abrigou um leilão de obras de 29 artistas em benefício da campanha de Fernando
Henrique Cardoso ao Senado, em 1986. (Painel. Folha de S. Paulo. 20 out. 1986, p. 4).
O cenário começa a mudar já no início da década de 1990. Logo que o presidente Fernando
Collor de Mello foi eleito, nas primeiras eleições com voto direto no país depois da abertura
política, ele lançou um pacote de medidas que viriam prejudicar o mercado de arte. O famoso
“Plano Collor” cancelou o patrocínio proveniente de recursos liberados pela Lei Sarney, legislação
de incentivo à cultura que concedia, além do abatimento do Imposto de Renda, a possibilidade de
a empresa lançar o valor destinado a um projeto cultural como despesa operacional – beneficiando-
se ainda mais da renúncia fiscal. O impacto no mercado de arte foi imediato. As exposições teriam
17
A referência é à primeira individual do artista em São Paulo. Luiz Zerbini fez a primeira individual de sua trajetória
em 1982, na Galeria de Arte da Casa do Brasil, em Madri.
56
que ser bancadas pelos próprios galeristas e artistas, assim como os materiais adjacentes, tais como
os catálogos e despesas de transporte das obras.
Uma saída criativa encontrada pela Subdistrito, em seus últimos anos de funcionamento,
foi a montagem de uma exposição baseada no “invendável”. Como já não tinha recursos para trazer
peças novas, o galerista Sattamini resolveu reunir, em comemoração ao seu aniversário, tudo que
tinha de melhor, mais radical e mais caro, em uma mostra intitulada “Unidos na crise”:
“Já que não vamos vender nada mesmo, vamos expor o que a
gente gosta. É uma exposição bonita e comercialmente
inviável, de propósito”, diz Sattamini, que cancelou as
formalidades, como convites e catálogos. (SCALZO, 1990)
A galeria chegou a abrir também uma filial carioca, no bairro da Lapa, em 1986. Em
decorrência da crise econômica, seguida pela morte do marchand João Sattamini em 1992, a galeria
Subdistrito foi fechada. Ao longo dos anos de funcionamento, o primo do marchand, também João
Sattamini18, comprou grande parte das obras ali expostas (COUTINHO, 1984). A sua coleção
atualmente é abrigada pelo Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em regime de comodato. A
má conservação das peças no museu, porém, foi motivo para o colecionador não renovar o seu
contrato até o momento.
Luísa Strina (1943), dona de uma das mais importantes galerias do Brasil atualmente,
estava começando seus negócios por volta da década de 1970, vindo a se firmar no meio nas
décadas seguintes. A princípio, Luísa começou a vender trabalhos de seus amigos artistas, Wesley
Duke Lee, que foi seu marido, Carlos Fajardo, Luiz Paulo Baravelli, José Resende e do polonês
18
João Leão Sattamini Neto (1936)
57
Babinski. Em 1974, abriu a galeria que leva seu nome, no antigo ateliê de Duke Lee, na rua Padre
João Manuel, nos Jardins, zona nobre de São Paulo, onde permanece até hoje.
Desde o início da galeria, as apostas da marchande são as vanguardas contemporâneas.
Na década de 1980, portanto, Luísa investiu principalmente em pintura e escultura, seguindo as
tendências do período, o que a fez abrigar trabalhos de artistas jovens, não depois de certa
resistência. O artista Sergio Romagnolo costumava levar seus trabalhos em diversas galerias,
inclusive mostrou alguns para Luísa Strina ainda em 1982: “A Luísa disse para eu continuar, que
estava bom. Quer dizer: não tinha a menor ideia de expor jovens” (CHIARELLI, 2011, p.154). Foi
só em 1986 que Romagnolo apresentou no espaço a sua primeira exposição individual, quando
tinha 29 anos. Leda Catunda e Monica Nador também expuseram individualmente na galeria, em
1987 e 1988, respectivamente. Alguns nomes da geração dos anos 80 só figuram na galeria por
volta da próxima década, como Caetano de Almeida e Edgard de Souza (1962), que fizeram suas
primeiras individuais em 1990.
O “olho clínico” da marchande a estabeleceu como uma das mais importantes galeristas
do Brasil, e a 65ª no ranking dos cem mais poderosos da arte pela revista britânica “ArtReview”,
no meio já há 40 anos apontando os nomes mais cobiçados por colecionadores e aclamados pela
crítica, “um caso raro de galeria comercial capaz de chancelar a carreira de um artista da mesma
forma que uma exposição num museu” (MARTI, 2014).
Além da Subdistrito e de Luísa Strina, outro marchand interessado em arte contemporânea
brasileira na década de 1980 foi Thomas Cohn (1934). O marchand nasceu em Beuthen, na antiga
Alemanha Oriental e atual Polônia, foi criado no Uruguai e se radicou no Brasil em 1962, quando
começou a colecionar obras de arte ao lado da sua então esposa Myriam Tenenbaum (1939).
Concentrado principalmente na cena carioca, a galeria Thomas Cohn Arte Contemporânea, aberta
em 1983, tinha como principais objetivos descobrir e lançar jovens artistas no Brasil e no exterior,
assim como promover a arte brasileira no exterior, possibilitando também a vinda de artistas
estrangeiros para o país.
Thomas Cohn foi dos primeiros galeristas a promover a internacionalização da arte
brasileira e também a sua circulação dentro do próprio país, em um momento em que o circuito era
muito concentrado entre Rio de Janeiro e São Paulo, ao ponto de, como explica o marchand,
58
colecionadores não comprarem obras de artistas de uma ou outra cidade, e os artistas não
encontrarem espaço para expor entre as capitais19.
Na época em que abriu a galeria, conta que “era um desaforo lançar artistas de 20 e poucos
anos”, o que lhe rendia prejuízos não apenas financeiros, mas na imagem da galeria. Ainda assim,
a galeria de Thomas Cohn foi responsável por abrigar boa parte da produção da chamada “Geração
80”, como Leda Catunda e Leonilson20. Os dois artistas de São Paulo fizeram suas primeiras
individuais na galeria em 1983 e, no ano seguinte, foram levados pelo marchand à exposição
“Como vai você, Geração 80?”.
A exposição de Leonilson, em 1983, é um caso curioso sobre o mecanismo de
funcionamento das galerias de arte. Segundo o marchand, ao ver os desenhos do artista, que tinha
então 26 anos, não teve dúvidas da excepcionalidade de suas obras, porém diz que a mostra causou
o maior prejuízo de sua vida:
Apenas dois anos depois, Leonilson mostrava seus trabalhos na Bienal Internacional de São
Paulo, confirmando a aposta de Thomas Cohn. Já na segunda metade da década, ele foi responsável
por incentivar a pintora carioca Adriana Varejão em suas investigações acerca do barroco –
temática com que trabalha por muitos anos – e também realizar a primeira exposição individual do
paulista Caetano de Almeida, em 1988.
A relação de Cohn com os artistas era de proximidade, no sentido de seguir e acompanhar
os passos de investigação individualmente. Caetano de Almeida conta que o marchand, quando
vinha a São Paulo, visitava seu ateliê e “ficava acompanhando, ia montando lá uma estratégia na
cabeça dele, de linguagem” (Informação verbal).
19
Informação verbal. Entrevista ao programa Metrópolis da TV Cultura. São Paulo, publicado em 03 fev. 2012.
Disponível em: http://mais.uol.com.br/view/xiddtuwnvlqs/metropolis--entrevista-thomas-cohn-e-fabio-cimino-
04024C9B306EE0A12326?types=A
20
A exposição de Leonilson em 1983 foi a sua primeira individual no Brasil. Em 1981 e 1982 o artista expôs na
Espanha e na Itália, respectivamente.
59
Alguns anos se passaram para que o trânsito do marchand com a cena paulistana se
firmasse na abertura de uma filial na cidade. A galeria criada em sociedade com o colecionador e
também galerista Joel Edelstein abriu em 1997 e ocupou um espaço de 600m2 no bairro dos
Jardins. Em 2012 Thomas Cohn fechou sua galeria de arte por considerar que estava se repetindo,
prerrogativa que sempre questionava nos artistas que representava, de que um artista precisa
“sempre acrescentar alguma coisa”21.
21
Informação verbal. Entrevista concedida a Adriano Pedrosa em ocasião de Laboratório Curatorial da feira SP-Arte,
publicada em 26 jun. 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4bZV8OUnRIk
60
2
ARTISTAS E TRAJETÓRIAS:
biografia coletiva e perfil social
22
Entrevistas realizadas com os artistas em seus ateliês: Ana Maria Tavares (1958), Caetano de Almeida (1964), Ciro
Cozzolino (1959), Iran do Espírito Santo (1963), Jac Leirner (1961), Leda Catunda (1961), Nuno Ramos (1960), Paulo
Pasta (1959), Rodrigo Andrade (1962) e Sergio Romagnolo (1960). Artistas que não puderam conceder entrevistas e
contribuíram por e-mail com informações e documentos: Carlito Carvalhosa (1961), Luiz Zerbini (1959) e Sergio
Niculitcheff (1960).
Outra fonte de levantamento de dados são matérias publicadas em jornais e revistas, textos de catálogos e,
principalmente, o dossiê “Jovens Artistas Paulistas” organizado por Tadeu Chiarelli e publicado sob o título No calor
da hora (CHIARELLI, 2012). Enquanto foi pesquisador da Seção de Artes Plásticas da Divisão de Pesquisas do Centro
Cultural São Paulo, entre 1986 e 1987, Chiarelli empenhou uma pesquisa sobre o momento da arte em que vivia
naquele período, com a emergência de jovens artistas no circuito paulista. As entrevistas que colheu com esses artistas,
que tinham então entre 20 e 30 anos de idade, foram fundamentais para a construção desse trabalho.
61
23
O grupo “Tupinãodá” foi criado em 1981 e passaram por ele José Carratu, Carlos Defino, Jaime Prades, Rui Amaral
e Ciro Cozzolino. Em 1987 trocaram os muros da cidade e expuseram obras na Subdistrito Comercial de Arte.
62
Por outro lado, considera que “apareceu” no circuito em um segundo momento, mais para os
últimos anos da década, “que eu acho que é um momento mais reflexivo dos anos 80”. E continua:
Em entrevista ao crítico Tadeu Chiarelli em 1986, quando tinha então 27 anos, Pasta
comentou sobre um suposto movimento de retorno à tradição que parece surgir na produção de arte
em São Paulo:
O artista encara esse movimento de geração naqueles anos como reflexo da juventude e
que demandava amadurecimento e desaceleração, coisas de que só o tempo se encarregaria.
Da mesma forma, Sergio Romagnolo atribui à “Geração 80” a criação de um mito que
surgiu em virtude da exposição carioca “Como vai você, Geração 80?”, mostra capaz de reunir
artistas e obras heterogêneos, mas que em sua maioria pintavam. Sua proposta de “Pintura como
Meio”, um ano antes no MAC de São Paulo, levantava a questão do conceito dentro da pintura,
mas não obteve tamanho sucesso quanto a exposição carioca, também por conta do tamanho
desproporcional entre elas, e do empenho publicitário em torno da primeira.
Na ocasião, o trabalho da crítica em distinguir essa geração que se apresentava no Rio de
Janeiro da precedente contribuiu para a identificação e criação de um movimento em que a pintura
gestual se mantivesse como principal característica das obras dos artistas. Romagnolo e seus pares
em São Paulo buscavam desfazer esse sentido em debates com os críticos da época:
Não tinha espaço pra exposições, pra música ou pra teatro. [...]
quando acabou a ditadura em 84, começou a ter um pouco de
liberdade, de você poder mostrar ou expor o que você quer, o
que tá pensando sem paranoia de ser preso ou torturado. Na
época da ditadura eu não conhecia outra realidade, aquilo já
parecia que era normal, e não é normal alguém te prender24.
(Informação verbal)
24
Ela mesma conta ter sido presa duas vezes quando era adolescente, uma delas porque viajou para Minas Gerais sem
autorização dos pais: a delegacia de São Paulo dizia que não precisava da autorização, a de Minas, que precisava, então
ficou presa uma semana.
64
reflexão mais atinada com as questões relativas ao campo artístico do que com suas condições
externas.
Para ela, “o mérito dessa geração é a insistência da obsessão e de não querer menos” do
sistema de arte, no sentido de exigir e contribuir para a profissionalização das partes envolvidas
em matéria de arte, da concepção de exposições, do transporte de obras e da gestão de instituições.
Questão essa que não está dissociada do trabalho de produção de obras de arte. E completa:
Embora estivesse incluída na exposição “Como vai você, Geração 80?”, Tavares diz que
não estava diretamente empenhada na relação do retorno à pintura: “desde o início eu estou fazendo
uma relação que é muito mais complexa do que só o olhar para um objeto específico”, explica.
Para além das linguagens e da escolha de suportes, “a Geração 80 é geração de fortalecer o
sistema”.
Essa visão é compartilhada por Caetano de Almeida, que identifica apenas o Salão Paulista
de Arte Contemporânea como oportunidade institucional no começo da década. O mercado de arte
era sustentado mais até por colecionadores particulares do que por galerias. A circulação de obras
dependia dos artistas e de marchands interessados, como é o caso de Thomas Cohn que, para
Almeida, foi importante interlocutor e incentivador do trabalho do artista.
Outro artista que não se identifica com a própria geração como um todo é Iran do Espírito
Santo. Mesmo que considere ter sido influenciado no começo do trabalho pela imagética da cultura
de massa e dos quadrinhos, bastante comuns entre seus pares, Espírito Santo diz que se sentia um
“peixe fora d’água” e sua preocupação sempre foi procurar “algo mais esquemático”, numa
orientação voltada para a arte conceitual. Talvez por isso mesmo que a inserção do seu trabalho no
circuito tenha sido mais demorada.
Esse sentimento de não pertencer à geração data ainda da década de 1980 quando, aos 23
anos, em 1986, o artista comentou em entrevista a Chiarelli que já não se sentia parte desse
panorama, salvo alguns elementos comuns de formação que ele identificava no período, como o
65
Algumas características que o artista aponta nos seus contemporâneos durante a década
de 1980 são a alienação voluntária (“era legal ser alienado, que isso eu acho a pior coisa da minha
geração”) e uma certa negação da cultura nacional, uma vez que algumas obras pareciam repetir a
arte de outros países.
Por outro lado, há ainda no grupo artistas que, embora retomem a pintura e a linguagem
expressionista, se colocam em situação de oposição ao hedonismo da pintura carioca. Esse é o caso,
por exemplo, dos artistas do ateliê Casa 7. Ao mesmo tempo em que acontecia a exposição no Rio
de Janeiro, Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade apresentavam no Paço das Artes, em
São Paulo, uma mostra de painéis que foi recebida com entusiasmo pela crítica local. Andrade
conta que só ficou sabendo da exposição “Como vai você, Geração 80?” por meio do crítico
Casimiro Xavier de Mendonça. Sobre o fenômeno geracional que eclodiu naquele ano, o artista
comenta:
reprodução social que caracterizam as trajetórias sociais (e estratégias de carreira) dos indivíduos”
(CHARLE, 2006, p.9).
2.1 Descoberta
Desse grupo de 13 artistas que investigamos neste trabalho, três nasceram no interior do
estado de São Paulo e apenas um é nascido em outro estado. Caetano de Almeida nasceu em
Campinas em 1964. Durante a adolescência frequentou cursos técnicos na Escola de Desenho da
cidade e fazia projetos arquitetônicos quando podia. Por influência de amigos arquitetos, o artista
mudou-se para São Paulo e fez curso pré-vestibular voltado para Arquitetura. O seu contato com
artistas plásticos surgiu daí e o levou ao curso de artes:
Ele começou a fazer Arquitetura e Artes Plásticas ao mesmo tempo, mas logo abandonou
o primeiro e formou-se na FAAP em 1988. Na tentativa de construir uma linguagem própria e
desenvolver técnicas para a sua produção artística, iniciou sua pesquisa pelos livros e enciclopédias
que tinha na casa da família. Em alguns desses primeiros trabalhos, Almeida recupera imagens de
animais, como as reproduzidas pelas enciclopédias, por exemplo, em desenhos sobre papel, sua
primeira série de trabalhos chamada “Bestiário”.
Iran do Espírito Santo, nascido em Mococa, em 1963, conta que sua cidade tem certa
tradição artística por possuir um patrimônio arquitetônico e por ter sido também a cidade natal do
escultor modernista Bruno Giorgi (1905-1993). A cidade abriga esculturas de Giorgi e possui um
pequeno museu de arte, com gravuras de Tarsila do Amaral e alguns outros modernistas. Seu
interesse por pintura começa pela série “Gênios da Pintura”, coleção bem popular nas duas últimas
décadas, e também pelas idas à igreja local, onde podia ver pinturas nas paredes, “que não eram
afrescos, infelizmente”, e pensar nas relações entre elas e o espaço. Além disso, começou a
68
desenhar ainda criança, inspirado pelos desenhos da irmã mais velha, que não veio a se
profissionalizar no ofício. Na adolescência, o artista trabalhou como copista de projetos
arquitetônicos e também como assistente de um estúdio fotográfico. Essas duas experiências, do
desenho de projeção tridimensional no plano e dos processos de revelação e gradação de tons de
cinza da imagem preto-e-branco, contribuem para singularizar as questões do artista, segundo o
crítico e curador Felipe Chaimovich (CHAIMOVICH, 2000, p.8).
A decisão de prestar Artes Plásticas foi, como ele mesmo conta, “umas das poucas certezas
que tive na vida, nunca quis ser outra coisa”. Daí que sua vinda para São Paulo aconteceu para
fazer curso pré-vestibular, quando Espírito Santo tinha 17 anos. Não encontrou tanta resistência na
sua família, afora o fato de pensarem que arte “era uma coisa que não dava futuro, aquelas histórias”
(CHIARELLI, 2010, p.58), mas ele veio sozinho e, sem recursos para manter-se na capital, logo
começou a trabalhar com desenhos e ilustrações em um pequeno estúdio de artes gráficas, onde
aprende referências e a base instrumental para o seu trabalho. Suas encomendas variavam de
desenhos de embalagens, estandes de feiras de exibição a capas de livros. Apesar de não gostar
tanto do trabalho, da perspectiva protocolar, de não criar coisas próprias, conta que conseguiu se
sustentar nesse período. No vestibular, tentou a USP, na Escola de Comunicação e Artes, e a FAAP,
onde passou e se graduou em 1986.
Trajetória parecida tem Paulo Pasta, natural de Ariranha, onde nasceu em 1959 em uma
família de origem humilde. Pasta conta que seu pai queria ter sido pintor e seu tio era pintor, “então
[a pintura] não era algo completamente longe do gosto da minha família”. Além disso, desde a
adolescência Pasta gosta muito de ler e acredita que a literatura “alimenta o espírito e dá uma
dimensão de alma para o mundo”, e nesse sentido funciona como uma referência para a sua
produção plástica.
Ele conta que sempre soube que faria alguma coisa ligada à arte, mas ainda sem saber o
quê. Foi quando sua mãe passou a colecionar os fascículos de “Gênios da Pintura” que teve certeza
do que iria ser, aos 13 anos: “foi quando o mundo se abriu para mim”. Os livros apresentavam
reproduções de pinturas clássicas da arte ocidental e despertaram seu interesse pelos “mestres” e a
inspiração para, assim como eles, pintar as paisagens ao seu redor. As primeiras aquarelas de Pasta
remetem a canaviais silenciosos e bucólicos típicos da região, grande produtora de cana-de-açúcar
em São Paulo.
69
3 Paulo Pasta, Série Canaviais, 1984. Lápis de cor sobre papel, 33 x 48 cm.
70
Decidido a entrar na FAU-USP, veio para São Paulo aos 17 anos e se matriculou em um
curso pré-vestibular, onde foi aluno de Carlos Fajardo e Luiz Paulo Baravelli. Na hora de fazer a
inscrição optou por Artes Plásticas sem contar a ninguém da nova escolha – apenas seu irmão mais
velho, José Antônio Pasta Júnior25, então estudante de Letras na mesma universidade, sabia da
decisão. Quando saiu o resultado, Pasta conta que seus pais não se surpreenderam tanto, afinal
arquitetura e artes não pareciam matérias tão distantes e, para o seu pai, o importante era “fazer
algo que fosse bonito para você” e não necessariamente seguir carreiras tradicionais como
engenharia e direito. A vinda para a capital, segundo Pasta, “já cumpriu o papel da viagem
internacional” na vida do artista, e a sua relação com a pintura é de intimidade e vocação, como ele
mesmo diz:
Pasta começou a cursar Artes Plásticas na USP em 1978 e já no ano seguinte começou a
dar aulas e a trabalhar como monitor na Pinacoteca do Estado, para poder se manter.
A única artista do grupo que não nasceu no estado de São Paulo é Ana Maria Tavares,
natural de Belo Horizonte, Minas Gerais. Ela nasceu em 1958 e teve uma educação tradicional na
capital mineira, que incluía passeios pelas cidades históricas organizadas pelo colégio, em que
percorria principalmente as igrejas barrocas. Sua criação se dá nos arredores do Parque da
Pampulha, projeto de Oscar Niemeyer, e daí vem sua inquietação com a arquitetura moderna e seus
valores, em contraposição a uma tradição barroca muito presente na região.
Nas missas que frequentava na Igreja da Pampulha, era a pintura de Portinari que lhe
chamava mais atenção. Quando passava os fins de semanas no PIC, Pampulha Iate Clube, podia
ter uma visão geral do complexo da Pampulha – “natureza construída e carregada de ideologia” –
e da relação desta arquitetura modernista com a cidade e com as pessoas ao redor.
Talvez por isso mesmo a artista pensava, ainda jovem, que iria cursar Arquitetura. Na hora
da inscrição optou por Belas Artes, na Universidade Federal de Minas Gerais. A reação da família
25
Crítico literário e professor de Literatura da USP.
72
não foi de muita surpresa, mas uma preocupação em relação à carreira, uma vez que arte era vista
como forma de lazer, “uma visão super-romântica do artista”, e não como profissão. No entanto,
em pouco tempo cursando a faculdade, Tavares percebeu que aquilo não era bem o que esperava.
Assim como relatam alguns de seus pares, a faculdade de Artes Plásticas se mostrou, a princípio,
algo traumatizante, presa a conceitos ultrapassados, na sua visão, que privilegiavam o desenho e a
pintura nos “códigos de representação renascentista”, saber desenhar o mundo no papel. As únicas
aulas que gostava de acompanhar eram as de composição, ministradas pelo escultor Amílcar de
Castro (1920-2002). A busca por algo com que se identificasse levou a artista a estudar literatura
em inglês, como disciplina optativa.
A figura do pai de Ana Tavares é bastante recorrente em seu relato, sendo ele o principal
responsável por motivar a artista a vir para São Paulo estudar Artes Plásticas na FAAP. Vendo que
ela estava infeliz com o curso na UFMG,
Foi somente em São Paulo, quando começou a FAAP, que a estudante passou a conhecer
melhor o universo da arte, de forma categorizada. Passou também a frequentar a Bienal, que
considera uma das principais fontes de informação sobre arte, sobretudo naquele período dos anos
80 em que o trânsito de informações acontecia de forma um pouco mais lenta no Brasil, no que diz
respeito também a publicações e revistas relacionadas à arte.
Também por influência do pai é que Ciro Cozzolino passou a se interessar por arte. O
artista nasceu em São Paulo, em 1959, e desenha desde a infância, quando fazia histórias em
quadrinhos, principalmente. Quando criança, diz que passava horas assistindo a desenhos animados
na televisão, “era pirado em TV”, e este hábito, conservado até os dias de hoje, transparece na sua
obra, pelo reconhecimento imediato a personagens famosos de desenhos e a constante referência a
este universo. O maior contato com arte se deu por meio dos fascículos “Gênios da Pintura”, que
colecionava junto com seu pai e depois copiava as imagens, “para agradar o pai”. Além disso, com
15 anos, Cozzolino fazia ilustrações para revistas como freelancer, quando ainda estudava Desenho
de Comunicação no Instituto de Arte e Decoração, colégio técnico conhecido como Iadê, junto
73
com seu amigo e também artista Sergio Romagnolo. Para ele, a escola foi fundamental e mais
importante até do que a faculdade, mais tarde.
A proposta do curso do Iadê, que então ocupava alguns andares de um edifício na esquina
das avenidas Angélica com a Paulista, era formar técnicos para trabalhar em publicidade,
arquitetura e design, por exemplo. Os professores se dividiam em engenheiros, arquitetos e artistas
plásticos, entre eles Luiz Paulo Baravelli.
A ida para a faculdade de artes plásticas foi, então, natural. Cozzolino optou por cursar na
Instituição Belas Artes, tradicional escola paulistana. Pouco tempo depois, o artista se viu
decepcionado com o ensino muito tradicional e “careta” da faculdade:
Foi então que decidiu que iria viajar e foi a Paris, desta vez cursar a École des Beaux-Arts,
na França.
Outro artista que fez a opção de estudar Artes Plásticas na Belas Artes de São Paulo foi
Sergio Niculitcheff, nascido na capital paulista em 1960. O despertar para a arte, principalmente
para a sua facilidade de desenhar, aconteceu ainda no ginásio. O professor de “Desenho”
(equivalente hoje à Educação Artística) precisou se ausentar da sala de aula e improvisou uma
cadeira com um guarda-chuva aberto sobre a mesa e pediu para que os alunos desenhassem a cena
para a próxima aula:
Na época do colégio, o artista foi estudar no Iadê, onde teve seus primeiros contatos com
disciplinas relacionadas às artes plásticas, de forma prática e teórica. Foi nesse período, entre 1975
e 1978, que Niculitcheff começou a desenvolver o seu trabalho, em paralelo aos exercícios
didáticos propostos pela escola, e mandá-lo para Salões de Arte. A vontade de dar continuidade
“no aperfeiçoamento plástico e nas técnicas pertinentes a essa linguagem” direcionou o artista para
fazer o curso de graduação na Belas Artes, “porque era mais barata e também porque oferecia
cursos mais demorados” (CHIARELLI, 2010, p.331), e ainda frequentar de maneira informal as
aulas na FAAP.
Entre os amigos de Cozzolino e Niculitcheff, Sergio Romagnolo esteve presente desde os
tempos da escola Iadê. Romagnolo nasceu na Mooca, bairro da Zona Leste da capital paulista.
Naquele tempo, o bairro era mais afastado do centro da cidade e tinha características de cidades do
interior, como campos de várzea e uma convivência próxima com a vizinhança. “Quando você ia
para o centro, você falava que ia para a cidade”, conta o artista. Quando criança, seus principais
passatempos era criar coisas (“eu tinha vontade de ser inventor também”) e fazer brinquedos (pipas,
brinquedos de madeira, arame, papel etc.), desenhar e assistir televisão. A referência à televisão,
inclusive, é uma das características mais marcantes à primeira vista do trabalho do artista, com os
recorrentes personagens de seriados, como Batman e Robin, em suas primeiras pinturas. Mais e
antes de propor uma discussão sobre cultura de massa, Romagnolo reitera a relação destes trabalhos
com sua biografia:
Na sua família “ninguém sabia o que era arte”, e foi essa inclinação ao desenho e à
invenção que o levou a pensar em trabalhar com publicidade, tentativa que se mostrou frustrada
porque ele “tinha uma coisa inquieta que não conseguia ficar numa mesa o dia inteiro”. Fez o
primeiro colegial na Mooca mesmo, curso técnico em Desenho de Publicidade, mas não se adequou
à grade, que incluía uma disciplina de contabilidade. Já o segundo e o terceiro anos passou no Iadê,
todo voltado às artes plásticas.
75
No terceiro ano do Iadê, os professores fizeram uma proposta à Bienal de São Paulo de
1977, cujo projeto coletivo integrava trabalhos de professores e de alunos, inclusive Romagnolo.
O projeto foi aceito e, paralelamente, o então estudante mandou outra proposta, individual, de um
happening. Com 20 anos Sergio Romagnolo apresentava dois trabalhos em sua primeira Bienal.
Ainda tentando procurar uma posição que incluísse seus interesses, o artista prestou
vestibular para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, não passou e tentou depois
Filosofia, na mesma universidade, e também não passou. Conta que demorou três anos para
descobrir o curso de Artes Plásticas na FAAP, onde finalmente completou a graduação em 1984.
Leda Catunda é paulistana nascida em 1961, filha de Geraldo Gomes Serra, arquiteto e
professor da FAU-USP, e Vera Catunda Serra, também arquiteta e paisagista. Desde criança,
Catunda conta que ia buscar o pai no trabalho e ressalta a convivência próxima com a arquitetura
moderna, indo visitar as obras de arquitetura dos amigos do pai, entre eles Paulo Mendes da Rocha
e Ruy Ohtake. Também por conta dos pais, tinha costume de visitar exposições e bienais.
Como sempre gostou de desenhar, seus presentes de Natal costumavam ser papel, guache
e lápis, além de também colecionar os fascículos “Gênios da Pintura”. A inclinação para o mundo
da arte começou a ser mais explorada nas escolas vocacionais que frequentou durante a infância e
adolescência, primeiro o Liceu Eduardo Prado e, mais tarde, o colégio Equipe, “que era totalmente
alternativo no meio dos anos 70, era uma ilha de resistência da ditadura militar”. Nesta escola,
conviveu com apresentações de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Alceu Valença, organizadas pelo
chefe do grêmio na época, o atualmente apresentador de televisão Sergio Groisman, fez aulas de
teatro “com os filhos da [atriz] Ruth Escobar, os filhos do [ator Gianfrancesco] Guarnieri”, e
considerou até seguir carreira na música, porque queria ser cantora. “A minha formação foi cheia
de informação”, sentencia a artista, que primeiro tentou vestibular para Arquitetura, depois Cinema
e finalmente optou por Artes Plásticas, quando entrou na FAAP em 1980 e graduou-se em 1984.
Foi inclusive no mesmo colégio Equipe que começou uma frutífera amizade entre os
meninos que mais tarde formariam o ateliê Casa 7. Em entrevista com o artista Rodrigo Andrade,
que integrou o grupo desde a sua fundação, ele conta que, assim como muitos dos seus pares, como
foi visto, desenhavam desde criança: “Era tipo uma criança obsessiva por desenhar. E desde que
eu me lembro já queria ser artista”. E assim, o paulistano nascido em 1962, produzia principalmente
histórias em quadrinhos, enquanto fantasiava também em ser jogador de futebol, piloto de Fórmula
1 e astronauta, “essas coisas que criança quer”. Além disso, recorda-se dos livros de arte que tinha
76
que eu tive”. O mais marcante e decisivo desta viagem, segundo ele, foi a convivência nos museus,
e a descoberta de obras de arte e artistas com os quais cria afinidades. “Acho que dessas
experiências ficou uma noção de que as questões da História da Arte diziam respeito a mim,
pessoalmente. Uma ligação com a história da arte que eu diria visceral”, diz.
Foi em Paris, junto com o amigo Fabio Miguez, que tiveram a ideia de voltar ao Brasil e
montar um ateliê em conjunto. Surgia então o famoso ateliê Casa 7.
Foi no ateliê de Sérgio Fingermann que primeiro se reuniu o futuro grupo: Fábio Miguez,
Carlito Carvalhosa e Paulo Monteiro também tinham passado por lá para estudar gravura. Depois
do colegial no Equipe, Carvalhosa e Miguez se encontrariam no curso de arquitetura da FAU-USP,
concluído em 1980. Paulo Monteiro, também se forma em 1980 no curso de Artes na Belas Artes
de São Paulo.
Já o artista Nuno Ramos interrompeu o colegial no Equipe para poder ter mais tempo para
ler. Paulistano nascido em 1960, Ramos é o caçula de três irmãos filhos de Vitor Ramos, que foi
professor de francês da Universidade de São Paulo. O artista já quis ser jogador de futebol, mas
foi, por incentivo do pai, amigo do crítico literário Antonio Candido (1918), que se tornou um leitor
voraz. Na adolescência, quando saiu do Equipe para um “colégio mais fácil”, dedicava de cinco a
seis horas de leitura por dia. Como escreve Bruno Moreschi em um perfil publicado na revista
piauí, “Um dia, disse à mãe que havia feito uma conta: a da quantidade de páginas que deveria ler
por dia, até completar 25 anos, para ter a cultura de Antonio Candido na mesma idade”
(MORESCHI, 2010).
Seu interesse por artes plásticas só foi estimulado mais tarde, depois de tentativas
frustradas de se inserir no mundo literário, pelo amigo e também artista José Roberto Aguilar
(1941), de quem ganhou tintas e os primeiros materiais para pintar. Do grupo Casa 7, Nuno Ramos
é o único que não frequentou o ateliê de gravura de Sérgio Fingermann. Ele se formou em Filosofia,
na USP, em 1982.
A trajetória do artista Luiz Zerbini, nascido em São Paulo em 1959, é marcada por sua
mudança para a cidade do Rio de Janeiro em 1983, elemento que faz sua carreira ter se constituído
principalmente na cidade carioca, mas ainda com trânsito entre artistas, galerias e críticos na capital
paulista.
Ainda com 14 anos, ele estuda pintura com José Antônio Van Acker, com o objetivo de
fazer sua pintura repercutir os insights que tinha quando andava na rua, como ele mesmo explica:
78
Do seu professor, ouviu que esses insights ocorriam porque ele era um artista, mesmo que
ele nunca tivesse ido a uma Bienal (op.cit., p.89). Procura então um caminho para a sua pintura que
contemplasse simultaneidade, sincronicidade e detalhe. Em 1978, aos 19 anos, entra para o curso
de artes plásticas da FAAP, que frequenta no período da noite, e abandona em 1982, faltando
apenas um semestre para se formar.
Percurso mais individual no meio de arte em relação aos seus pares de geração teve Jac
Leirner. A artista nasceu em São Paulo, em 1961, em uma família tradicionalmente ligada ao
ambiente artístico: seus pais são Adolpho e Fúlvia Leirner que, juntos com seu tio-avô Isai Leirner,
são importantes colecionadores de arte no Brasil; sua tia-avó, Felícia Leirner, as tias Giselda
Leirner e Jeanette Musatti, o tio Nelson Leirner e a irmã Betty Leirner são artistas; a prima Sheila
Leirner é crítica de arte; e o tio Bruno Musatti é marchand (NELSON, 2013, p.31). Mesmo com
toda proximidade com a arte, e as frequentes visitas a exposições que fazia principalmente junto
com os pais – por conta própria, só durante a faculdade – o seu interesse específico por artes
plásticas veio mais tarde.
Assim como muitos dos colegas, a artista desenha desde criança, um gosto que mantem
até os dias de hoje. Ela tentou vestibular para a FAU e para FAAP, e foi nesta última que entrou e
se graduou em Artes Plásticas em 1984. Já no primeiro semestre de faculdade, Leirner conta que
se apaixonou pelo assunto.
A música também sempre esteve presente na vida da artista e foi inclusive um fator
decisivo na escolha por estudar artes plásticas:
O interesse pela música remete à vida familiar, em que seus pais, também amantes de
música, ouviam em casa de música clássica à popular, e frequentavam salas de concerto. “A música
sempre me proporcionou experiências estéticas muito fortes”, comenta a artista (Idem), que em
meados dos anos 1980 integrou uma banda de punk, como baixista do grupo “u k c t”. Como ela
diz: “Eu não acho que o punk rock seja música, eu acho que é mais uma filosofia de vida, uma
estética super específica e eu gostava muito daquele espírito”. A relação de Leirner com o punk em
São Paulo e ao mesmo tempo com o ambiente de arte que se construía naquele momento foi bem
formulado por Adele Nelson nesta passagem:
Donato Ferrari, Regina Silveira e Walter Zanini, na mesma turma de Jac Leirner e de Leonilson
(FARIAS, 2010, p.153). Da sua amizade com Leonilson (1957-1993), com quem morava junto,
dividia o ateliê e viajava constantemente a Maresias, litoral norte de São Paulo, passou a questionar
mais o próprio trabalho e fez contato com integrantes do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o
Trombone, e aí começou a se envolver com o teatro e a desenhar os cenários das peças do grupo.
Segundo Farias,
26
A Casa do Brasil em Madri é um um “Colegio Mayor” pertencente ao Governo do Brasil e subordinada à Universidad
Complutense de Madrid. Foi criada em 1962 quando firmou-se o Acordo Cultural Brasil-Espanha e tem como
finalidade a divulgação da língua, da cultura e da civilização de outros países. Serve de residência para estudantes e de
espaço para realização de exposições de artes, conferências, lançamentos de livros, exibição de filmes brasileiros e
outros eventos relacionados à comunidade brasileira na Espanha. (Informações: http://casadobrasil.org/ e
http://madri.itamaraty.gov.br/pt-br/a_casa_do_brasil.xml)
81
Também nesse período da década de 1980, os ateliês coletivos passaram a ser muito
comuns entre os artistas, como forma principalmente para eles, ainda jovens em formação,
dividirem o aluguel. Os lugares funcionavam como casa e estúdio, não necessariamente nessa
ordem.
Paulo Pasta trabalhou um tempo em um ateliê que dividia com artistas também
interessados em pintura, Felipe Andery (1954) e José Spaniol (1960). O artista recorda dos debates
que tinha no ateliê com os críticos, que visitavam com frequência o lugar. “Na minha época tinha
uma coisa muito legal. Quando o mercado não era forte, o que era forte era a relação dos artistas
com a crítica”. Nomes como Rodrigo Naves, Alberto Tassinari, Lorenzo Mammì e Tadeu Chiarelli
passaram a circular entre os artistas, uma prática facilitada também pelo ateliê coletivo. Como
comenta Cozzolino, trabalhar em grupo cria uma força de imposição maior no circuito e, quando
um crítico ou curador visita esses espaços, encontra trabalho não apenas de um, mas de vários
artistas ao mesmo tempo.
Contudo, para Paulo Pasta, essa dinâmica do ateliê em grupo funciona justamente nesse
momento em que os artistas são jovens e ele, atualmente, não dividiria o seu ateliê: “Acho que esse
contágio entre trabalhos e ideias é muito próprio da juventude”.
Talvez o caso mais ilustrativo do trabalho em ateliê coletivo dos jovens artistas dos anos
1980 é o do grupo Casa 7. De volta de Paris, Fabio Miguez e Rodrigo Andrade convidaram outros
amigos artistas para integrarem o grupo: Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro e Antônio Malta. O
lugar do estúdio seria a Casa 7 de uma vila na rua Cristiano Viana, no bairro de Pinheiros, que
pertencia à família de Andrade, justamente a casa em que ele passou a infância. Pouco tempo
depois, quando Malta deixa o ateliê, entra o artista Nuno Ramos, o que intensificou as discussões
conceituais do grupo, como conta Andrade:
As primeiras experiências no ateliê que dariam maior destaque ao grupo, fazendo com que
os artistas fossem convidados para a 18ª Bienal Internacional de São Paulo, com idades entre 23 e
25 anos, se deram com o uso do esmalte sintético sobre papel kraft, materiais de baixo custo que
82
permitiam por isso mesmo as diversas experimentações. Foi na Beaux-Arts de Paris que Andrade
aprendeu a técnica para produzir a própria tinta27 que era usada pelo grupo todo. Além de serem
materiais baratos, “tinha o aspecto vulgar que interessava esteticamente a nós. [...] acabou se
tornando uma espécie de uma linguagem meio comum e que deu uma identidade”, explica o artista.
Carvalhosa também relata seu tempo no ateliê Casa 7 como um período de
experimentações e descobertas dentro do próprio trabalho: “Na época a presença de outros artistas
muito próximos foi importante para que o trabalho não ficasse ensimesmado, de certa forma era
como trabalhar em público. Acho que quando se está começando isso ajuda muito”, escreveu.
Quando o ateliê foi convidado a participar da Bienal de São Paulo em 1985, o crítico
Alberto Tassinari, que conheceu Nuno Ramos durante a faculdade em um grupo de estudos sobre
a “Crítica da Razão Pura” de Kant, escreveu o texto de apresentação do grupo para o catálogo da
mostra. Mais tarde, Rodrigo Naves28 e Lorenzo Mammí também se aproximaram dos artistas e
continuam até os dias de hoje como importantes interlocutores de suas obras. Esse diálogo e
convívio com a crítica especializada contribui para o melhor entendimento e desenvolvimento de
uma produção de arte e a formação de um meio cultural fortalecido. Segundo Nuno Ramos, a
importância da crítica para o grupo foi de colocar “certa resistência ao nosso trabalho”
(CHIARELLI, 2011, p.220), resistência essa que não parecia vir do circuito de arte e da mídia,
cada vez mais interessados nessa produção.
A diferença do ateliê Casa 7 em relação aos outros espaços de artistas em conjunto parece
se dar na questão da dinâmica de grupo. Os artistas da Casa 7, enquanto durou o ateliê, utilizavam
basicamente os mesmos materiais, faziam suas pesquisas juntos e os diálogos entre os trabalhos
costumam ser bem próximos, o que na época chega a configurar uma dimensão coletiva entre as
obras. Talvez em decorrência disso que o grupo tenha sido classificado pelo circuito como
neoexpressionista ou transvanguardista, em um momento em que os próprios artistas não sabiam
bem como definir a produção. Por outro lado, pode-se identificar uma posição do grupo Casa 7 em
27
Com pigmento e óleo, os artistas misturavam a tinta com espátulas, um processo artesanal que não garantia a moagem
e a mistura perfeita do pigmento no óleo. “A gente comprava [o pigmento] ali no Canindé, em lugar de compra de
leilão da Polícia Federal, de importação irregular e tal, e ia no ‘cafundó dos judas’ comprar óleo de linhaça clarificada,
um botijão de 18 litros, e o ateliê era uma sujeira absurda. Eu até ganhei um muque de tanto amassar tinta. ” (Rodrigo
Andrade, Informação verbal)
28
Em 1983, quando era editor do suplemento Folhetim, do jornal Folha de S. Paulo, Rodrigo Naves publicou um artigo
de Nuno Ramos sobre Arnaldo Antunes, que inclusive é seu cunhado. (MORESCHI, 2010)
83
oposição à pintura hedonista que estava em voga naquele momento. Os embates e as dificuldades
técnicas transparecidas na pintura são considerados características da identidade desses artistas.
Entre os artistas que passaram por cursos em escolas de arte, três declararam-se frustrados
com a experiência. Para Ciro Cozzolino, tanto o curso da Belas Artes paulistana quanto o da
francesa eram muito “caretas” e ultrapassados em relação à realidade que o artista vivia nos galpões
ocupados em Paris que faziam vez de ateliê e “galeria”. Nos anos 1980, os chamados “yuppies”,
jovens executivos e abastados que investiam em arte e bens de luxo, iam diretamente a esses lugares
comprar obras de arte de artistas ainda desconhecidos ou emergentes no circuito. “Eles eram
garotos como nós, comprando obras de artistas jovens com preço bom”, comenta Cozzolino, que
viu obras do norte-americano Jean Michel Basquiat (1960-1988) serem vendidas a preços módicos
e que hoje atingem a cifra dos milhões de dólares no mercado de arte internacional. O clima era,
segundo ele, de caça de talentos, de busca por apostas e investimento. E também por isso, pela
dinâmica das relações diretas entre os jovens artistas e os jovens colecionadores, que os exercícios
da escola de Belas Artes não pareciam tão interessantes aos olhos do artista, dinâmica esta facilitada
pela própria escola, que não exigia presença frequente nos cursos.
Além disso, o fato de estar na Europa investindo em uma linguagem própria que ganhava
cada vez mais espaço nestes países fez com que o trabalho do artista fosse impulsionado por um
sentimento de sincronicidade, pioneirismo e de reafirmação da escolha pela arte:
Na escola parisiense, apesar dos meios mais tradicionais empregados nas aulas, chegou
inclusive a acompanhar o curso de Pierre Alechinsky (1927), pintor belga que foi integrante do
grupo COBRA (1948-1951), movimento artístico de vanguarda no pós-guerra europeu. Mas
também lá não chegou a concluir o curso, voltando ao Brasil por volta do 1988, em função do seu
contrato com a galeria do marchand Thomas Cohn, para fazer uma exposição no Rio de Janeiro e
também por uma questão de ter o seu espaço: “Lá você é um dos cem mil artistas que querem se
dar bem. Aqui eu já tinha um passado, fazia parte de um movimento já, dos artistas dos anos 80”.
O pintor Luiz Zerbini também relata não ter gostado da experiência na faculdade de Artes
Plásticas e, no seu caso, devido a um distanciamento da sua linguagem com as propostas que
observava por ali e o desinteresse dos professores do curso pela pintura:
Em 1982, depois de abandonar o curso da FAAP, Zerbini viaja à Alemanha e decide então
que queria visitar o ateliê do artista Joseph Beuys (1921-1986), na cidade de Dusseldorf. Ele
consegue o telefone do artista e é atendido pelo próprio. Quando chega no ateliê, Beuys o recebe
pessoalmente e Zerbini aproveita para lhe mostrar seus trabalhos. O alemão aconselha Zerbini a
voltar para o Brasil, porque na Europa não havia mais nada para se fazer. Na volta para o Brasil, o
artista passa pelo México, para ver os murais de Diego Rivera, no Palácio Nacional da Cidade do
México.
Paulo Pasta é outro artista que não encontrou interlocução da sua pintura dentro do curso
de Artes Plásticas, que fazia na ECA-USP. Ele entrou na faculdade em 1978, quando a escola vivia
o fim da arte conceitual, baseada na crise do suporte e na obsolescência da pintura. As aulas que
mais lhe interessavam eram as de gravura, que contemplavam o “fazer”, o processo de produção
da obra, e por isso se aproximou mais do professor Evandro Carlos Jardim (1935). Pasta conta
ainda que cumpriu o curso burocraticamente e foi pintar. Quando saiu da faculdade, em 1983, o
cenário já se mostrava cada vez mais aberto à pintura.
Desde que entrou na faculdade, ele não parou de dar aulas. Primeiro começou a dar aulas
para crianças e, logo que se formou, para faculdades de artes plásticas. Como exigência do
85
Ministério da Educação para dar continuidade à sua carreira como professor, concluiu o mestrado
em Artes, na ECA-USP, em 2002, sob orientação de Carlos Fajardo.
O trio de professores Regina Silveira, Júlio Plaza e Nelson Leirner são nomes que
aparecem invariavelmente nas entrevistas com os artistas que fizeram seus cursos na FAAP.
Caetano de Almeida, por exemplo, ressalta a importância de Nelson Leirner para sua escolha por
linguagens distintas, nesse caso o objeto. Já direcionado para as artes plásticas, depois de um
período que passou cursando Arquitetura, o artista experimenta vários suportes, primeiro o
desenho, que sempre gostou de fazer, depois a gravura, que aprendeu com Evandro Carlos Jardim,
e também o objeto. O interesse pelo objeto se deu, segundo o artista, pela necessidade de se
distanciar de vícios de formação que adquiriu enquanto estudava desenho e das aulas sobre
tridimensional que teve com Nelson Leirner na FAAP (CHIARELLI, 2010, p.207).
O artista Sergio Romagnolo relata ter achado a experiência universitária positiva para a
formação profissional, sobretudo no que concerne à participação e circulação no meio de arte e à
criação de vínculos com professores e artistas. Durante o curso, dividiu ateliê com Leonilson e Ciro
Cozzolino, enquanto moravam juntos, mas a parceria não se estendeu para a produção artística.
Paralelamente, Romagnolo dava aulas de arte para o ensino fundamental. Para ele, “a faculdade é
um lugar de experimentação e de encontro”, comenta, ao citar professores que marcaram a sua
formação na FAAP, entre eles Walter Zanini, que dava aulas de História da Arte.
As Bienais de São Paulo de 1981 e de 1983 foram organizadas por Zanini e o processo de
montagem dessas exposições foi acompanhado mais de perto pelos seus alunos, como ressalta Leda
Catunda. Dessa forma, os processos do sistema de arte não pareciam muito distantes desses artistas
ainda jovens e em início de carreira, que puderam conhecer como este sistema funciona na prática
e que, talvez por isso mesmo, tivessem eles interessados em intervir diretamente na produção do
meio.
Além disso, para Catunda a experiência na faculdade foi mais valorizada ainda pelo
interesse que todos demonstravam ali. O fato de ter bons e exigentes professores e alunos
interessados, impulsionou o ambiente e a produção de arte naquele tempo:
Foi inclusive por incentivo do amigo, e mais tarde marido, Sergio Romagnolo, que a
artista começou a mandar suas obras para salões e a procurar exposições:
A artista Jac Leirner foi a única entrevistada a citar o nome do professor Donato Chiarella
(1946), com quem teve aulas no primeiro semestre da faculdade. No seu curso, aprendeu sobre a
teoria da cor, tema que desperta seu interesse até os dias de hoje. “Eu falo que eu faço escultura
com a cabeça de pintora, descobri ali a potência das cores. Ele foi realmente fundamental na minha
formação”. Do início da faculdade até o fim, Leirner foi monitora de Chiarella e por isso circulava
pela faculdade durante todo o dia, fazendo contato com alunos dos turnos da manhã e da noite.
Em 1981, aos 20 anos, a artista passou um mês nos Estados Unidos, em Nova York, e um
mês viajando pela Europa. A viagem foi um mergulho em arte e cultura para a artista, onde teve
contato direto com um repertório que já vinha de casa e a fez pensar melhor no trabalho plástico
que iria desenvolver:
Já em São Paulo, a artista conseguiu vender algumas de suas obras, mas também precisou
trabalhar para se manter. Ela fez desenhos para arquitetura e também paste-up para uma gráfica,
tarefa que consistia em colar letras, fotos e linhas impressos em papel fotográfico, para a
87
composição de cada página de um livro para ser então reproduzido. Como ela diz, “os dois
trabalhos que eu tive antes, profissionais para ganhar dinheiro, são obsoletos hoje, não existem
mais. É o que hoje o computador faz”.
O professor Chiarella também aparece no discurso de Mônica Nador (1955), e com ele a
artista aprendeu a desencadear seu próprio processo criativo, a ser sujeito do seu discurso
(CHIARELLI, 2010, p.34). A artista teve atritos com alguns professores, mas se identificou mesmo
quando teve aulas com Regina Silveira e Júlio Plaza, já no sétimo semestre do curso. Mesmo com
seu interesse por pintura, Nador encontrou interlocução nesses professores para entender o próprio
trabalho em desenvolvimento. “Acho impossível a gente fazer pintura sem entender os anos 70”
(op.cit., p.35). Silveira inclusive foi responsável por motivar a aluna a mostrar o seu trabalho para
o público de fora da FAAP, e quando precisou fazer um trabalho para a disciplina de Plaza, um
painel dentro da escola, ele sugeriu que fosse um outdoor. Essa mostra de outdoor de Nador parece
ter sido o embrião para a exposição que dois anos mais tarde iria coordenar ao lado da amiga Ana
Maria Tavares, “Arte na Rua”, em 1983.
Durante o curso na FAAP, Tavares havia trabalhado como monitora de Regina Silveira e
criou uma forte relação com a professora e artista. Ela fala do dia em que se conheceram, quando
Silveira viu seus trabalhos no ateliê de gravura da faculdade e pediu para se encontrarem: “A
Regina fala nesse dia pra mim: você é uma grande artista, você tem que levantar duas bandeiras
por dia, porque primeiro você é mulher, e segundo você é artista no Brasil”. Os professores do
curso eram grandes entusiastas de seus alunos e estimulavam que eles saíssem e mostrassem seus
trabalhos em exposições e salões.
Na faculdade, Tavares conta ter encontrado um eco para suas inquietações, um
entendimento do artista como pesquisador, e não necessariamente como especialista em técnica. A
possibilidade de transitar entre linguagens e universos artísticos sem precisar se ater a um “mundo
rotulado em pintura-escultura-gravura” foi aprendida com os professores artistas da geração
anterior à sua. “O meu legado é Regina [Silveira], Júlio [Plaza] e Nelson Leirner, basicamente”,
sentencia.
Depois do curto período em que deu aulas na FAAP, Tavares vai para os Estados Unidos,
em 1984, fazer mestrado em artes plásticas na School of the Art Institute of Chicago:
Nos três primeiros anos da década de 1980, grande parte desses artistas pesquisados ainda
estava na faculdade, mas isso não impediu que participassem de exposições e mandassem suas
obras para salões de arte.
Ao lado de seus professores, a turma da FAAP participou de diversas exposições, a
maioria delas realizadas no Museu de Arte Contemporânea da USP, entre elas “Foto/Ideia”, de
1981, a primeira exposição coletiva de que participa Ana Maria Tavares, e “Arte & Mulher”, de
1982, resultado do primeiro Festival das Mulheres nas Artes, promovido pelo mesmo museu e a
primeira coletiva com trabalhos de Leda Catunda, ainda estudante29. Nesse mesmo ano, Ana
29
Em 1981, Ana Maria Tavares participa da exposição “Foto/Ideia”, no MAC-USP, ao lado dos seus professores na
FAAP Regina Silveira e Júlio Plaza, e outros colegas contemporâneos como Rafael França e Hudinilson Júnior. Nesse
mesmo ano, Ciro Cozzolino, Luiz Zerbini e Sergio Niculitcheff realizam exposições coletivas na Casa do Brasil em
Madri, na Espanha, como resultado de suas residências artísticas realizadas no país por três meses. Em 1982, Ana
91
Tavares realiza sua primeira individual na Pinacoteca do Estado de São Paulo, “Objetos e
Interferências”. Fora do circuito comercial, a galeria Tenda realiza a primeira exposição individual
de Jac Leirner.
Em 1983, as exposições coletivas foram grandes pontos de encontro naquele ano. Ana
Tavares, Leda Catunda, Sergio Romagnolo, mais Sergio Niculitcheff e Ciro Cozzolino, que vinham
da Belas Artes, foram reunidos no projeto da exposição “Pintura como Meio”, organizado por
Romagnolo e apresentado à diretora do MAC, Aracy Amaral. A exposição repercutiu nos grandes
meios de comunicação, como o jornal Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e ganhou ainda uma
página na revista Veja, de circulação nacional, em virtude de um trabalho de divulgação dos artistas
– que levaram às redações dos jornais textos e fotos da mostra – e do empenho de Aracy Amaral
em promover a exposição no circuito (CHIARELLI, 2011, p.155). Segundo Romagnolo, foi
Leonilson quem comentou sobre essa exposição com o marchand Thomas Cohn, que logo ficou
interessado no trabalho desses jovens e procurou conhecê-los, relação que no ano seguinte leva
esses artistas ao Rio de Janeiro para exposições na galeria (op.cit., p.156).
A turma da FAAP também integrou o projeto “Sobre Videotexto”, apresentado pelo
professor Júlio Plaza à Bienal de São Paulo daquele ano. Entre os nomes incluídos por Plaza,
estavam diversos de seus alunos, além dos já citados, Mônica Nador e Jac Leirner. Regina Silveira
também apresentou sua leitura de videotexto no projeto de Plaza. Nesse caso, pode-se perceber
como os professores do curso de Artes Plásticas se empenhavam em exibir e integrar obras e
trabalhos de seus em alunos em seus próprios projetos artísticos.
Mas foi em 1984 que, de fato, muitos desses artistas se viram inseridos no meio. Os amigos
que vinham do curso da FAAP – Ana Maria Tavares, Leda Catunda, Leonilson, Mônica Nador e
Sergio Romagnolo – mais Ciro Cozzolino e Sergio Niculitcheff, foram até o Rio de Janeiro
participar da mostra “Como vai você, Geração 80?”, acompanhados também por Luiz Zerbini, que
já morava na cidade30. O convite para a exposição, embora não fosse condição para expor
Maria Tavares participa também de outra mostra coordenada por sua professora Regina Silveira juntamente com Rafael
França, chamada “Artemicro”, que aconteceu no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, passou pelo Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro e foi exibida em Lisboa e Coimbra, em Portugal. Na Espanha, Luiz Zerbini faz sua
primeira individual ainda na Casa do Brasil em Madri. No ano de 1983 apenas Paulo Pasta fazia uma exposição
individual, a primeira de sua carreira, na galeria DHL.
30
Outros paulistas que participaram da exposição “Como vai você, Geração 80?” são: Carlos Matuck (1958), Esther
Kitahara (1954), Felipe Andery (1954), Fernando Stickel (1948), Jeanete Musatti (1944), Roberto Micoli (1953),
Manoel Fernandes (1944). A artista Ester Grinspum (1955), embora nascida em Recife (PE), mudou-se para São Paulo
ainda jovem e fez FAU-USP. (REINALDIM, 2012, p.250-253)
92
trabalhos31, veio em função de outra mostra, realizada na galeria do marchand Thomas Cohn pouco
tempo antes, chamada “Stand 320: Jovem pintura brasileira”32. Ao chegar ao Rio de Janeiro, esses
artistas paulistas, além de conhecer e fazer amigos de outros estados, foram apresentados a esse
“movimento” de “Geração 80” e identificados como tal por uma semelhança de suas propostas
artísticas, ainda em fase de desenvolvimento.
Sobre a sua participação nas duas exposições, primeiro em São Paulo e depois no Rio de
Janeiro, Sergio Romagnolo comentou, em 1986:
Para ele, naquele tempo, os artistas e as obras foram diminuídos para que outras coisas
fossem valorizadas, justamente pela criação de um marco no meio de arte, a que ele compara à
Semana de 22 e a um salão, por se caracterizar como um agrupamento de obras, sem conceito que
as fizessem dialogar (Idem, p.159).
Em paralelo à mostra carioca, galerias de São Paulo e do Rio de Janeiro, como a Thomas
Cohn e a galeria Luísa Strina, aproveitaram a oportunidade para exibir obras de artistas que
participaram do evento no Parque Lage em coletivas. Segundo Mônica Nador, a aceitação de jovens
artistas por parte das galerias remonta a essa exposição: “ela só existiu porque havia uma
predisposição para aceitar a moçada indiscriminadamente”33 (Idem, p.42).
Ao mesmo tempo em que a pintura gestual e “emocional” tomava conta da Escola de Artes
Visuais carioca, o Paço das Artes, na Universidade de São Paulo, recebia uma coletiva
exclusivamente de pintura, mas que parecia não dialogar com a produção vista no Rio de Janeiro.
31
A exposição “Como vai você, Geração 80?” se mostrava como um espaço aberto para alunos e não alunos da Escola
de Artes Visuais exporem qualquer tipo de trabalho artístico nas suas dependências.
32
Participaram da mostra na galeria Thomas Cohn: Ciro Cozzolino, Cláudio Fonseca (RJ, 1949-1993), Hilton Berredo
(RJ, 1954), Leda Catunda, Leonilson e Sergio Romagnolo.
33
O depoimento de Nador continua: “Liguei pra Regina Boni, da Galeria São Paulo, aí ela perguntou: o que você já
fez? Eu respondi: fiz isso, aquilo, fiz a “Geração 80”. Ah, “Geração 80”? Então vem me mostrar os trabalhos.”
(CHIARELLI, 2011, p.39)
93
Já organizados no ateliê Casa 7, Nuno Ramos, Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro exibiram seus
painéis enormes de papel kraft e tinta acrílica e lá mesmo ficaram sabendo da exposição carioca
por meio do crítico Casimiro Xavier de Mendonça. Foram recebidos com entusiasmo pela crítica
local, e também pelo mercado – o colecionador Fernando Millan comprou todos os trabalhos
(MORESCHI, 2010) – numa mostra que parecia sinalizar o convite para que o ateliê participasse
da Bienal Internacional de São Paulo no ano seguinte. Nesse ano de 1984 Nuno Ramos recebeu o
Prêmio Viagem ao Exterior, do Salão Nacional de Artes Plásticas, e o Prêmio Aquisição do Salão
Paulista de Arte Contemporânea. Seu parceiro de ateliê, Rodrigo Andrade, foi premiado no mesmo
salão pela Secretaria de Estado da Cultura como artista revelação.
A 18ª edição da Bienal, em 1985, reuniu artistas jovens e pouco conhecidos ao lado de
artistas já consagrados na montagem da “Grande Tela”. Além da Casa 7, outros jovens brasileiros
vistos como “Geração 80” – e que tinham integrado a mostra do Parque Lage – apresentaram suas
obras ao lado de pintores do mundo todo: Daniel Senise e Fernando Barata. Ao redor da “Grande
Tela”, outros contemporâneos foram expostos, como Leda Catunda, Leonilson, Rafael França e
Guto Lacaz.
É possível dizer que a experiência precoce de expor em uma Bienal pode ser o motivo de
uma permeabilidade das inclinações artísticas internacionais nos jovens brasileiros, mas que
também serviu como impulso para se repensar o próprio trabalho. O carioca Daniel Senise aponta
para uma necessidade de tomar outras posições no meio, uma vez que o artista sentia, na ocasião
da Bienal, de estar “no lugar certo, na hora certa” e que “aquilo não podia continuar” (FARIAS,
2009, p. 59).
94
34
Dissolução simbolizada também pela demolição da casa que ocupavam. A vila no bairro de Pinheiros, zona oeste de
São Paulo, foi vendida para uma construtora na época, em 1986, e já não existe mais.
95
finalmente realizar a sua individual na galeria Luísa Strina, depois de tentar inúmeras vezes contato
com a marchand, que até aquele momento não parecia interessada em exibir artistas jovens
(CHIARELLI, 2011, p.154). Sergio Niculitcheff é premiado com viagem no Brasil no VIII Salão
Nacional de Artes Plásticas.
Também Iran do Espírito Santo, no seu ano de formatura, participa da exposição “A Nova
Dimensão do Objeto” ao lado de importantes nomes “veteranos” da arte brasileira. No ano anterior,
o artista havia participado da mostra “E o desenho?”, realizada em uma galeria dentro de uma loja,
Humberto Tecidos, em São Paulo, que tinha como mote justamente questionar o espaço do desenho
dentro de um cenário que vinha privilegiando a pintura.
No ano seguinte, em 1987, Espírito Santo foi chamado pelo curador Tadeu Chiarelli para
a exposição “Imagens de Segunda Geração”, no MAC-USP. A mostra procurou lançar um ponto
de vista crítico sobre a produção artística emergente na década, com especial atenção aos artistas
paulistas e suas condições de formação. A hipótese de Chiarelli, explicitada no dossiê “Jovens
artistas paulistas”, organizado pelo crítico, diz respeito à construção de um repertório comum entre
os artistas, oriundo principalmente de reproduções de imagens veiculadas pela televisão, jornais e
revistas, que fizeram parte de suas formações sociais e profissionais. Na mesma exposição foram
incluídos seus contemporâneos Caetano de Almeida, nesta que seria sua segunda exposição em
instituição (a primeira foi em 1985 na Pinacoteca), Felipe Andery, Leda Catunda, Alex Flemming
(1954), Roberto Micoli (1953), Sergio Niculitcheff, Sergio Romagnolo, Edgard de Souza (1962),
prêmio “Casa do Artista” do IV Salão Paulista de Arte Contemporânea, Florian Raiss (1955) e
Paulo Pasta.
Neste ano, a Bienal de São Paulo tinha como tema norteador “Utopia versus Realidade” e
apresentou trabalhos de alguns “jovens”, como Ana Maria Tavares (prêmio revelação nesse ano
pela Associação Paulista de Críticos de Arte e que fazia parte da Comissão de Arte e Cultura da
Fundação Bienal), Ângelo Venosa, Georgia Creimer (1964), Karin Lambrecht (1957), Luiz
Hermano (1954), Luiz Zerbini e Sergio Romagnolo.
Na segunda metade da década começavam a ser realizadas as primeiras exposições
individuais do grupo Casa 7: Rodrigo Andrade, em 1986, na Subdistrito; Carlito Carvalhosa em
1987 na mesma galeria, um ano depois de ser premiado com viagem ao exterior pelo Salão
Nacional de Artes Plásticas; e Nuno Ramos, também em 1987, na Funarte do Rio de Janeiro e no
MAC-USP, consequência da premiação com a primeira bolsa Emile Eddé35 de Artes Plásticas,
concedida pelo museu.
35
A bolsa Emile Eddé era concedida para artistas jovens que ainda não tinham realizado uma primeira exposição
individual. O segundo artista contemplado foi Paulo Pasta, em 1988, e depois Mário Pastore, em 1990, ano em que foi
cancelada.
97
Embora tenha investido sua arte na pintura no momento em que esse suporte era
privilegiado nas montagens de exposições, Paulo Pasta é um artista que começa a circular no
cenário de São Paulo mais para o fim da década, bastante tempo depois da sua formatura na ECA-
USP, em 1983. No início de carreira, ele participou de vários salões de arte, sendo os mais
importantes o Salão Nacional e o Salão Paulista. Em 1987, ele ganhou o prêmio de pintura do V
Salão Paulista de Arte Contemporânea, em 1988 foi contemplado com a segunda bolsa Emile Eddé
e, em 1989, foi premiado com viagem pelo Brasil no XI Salão Nacional.
Na Bienal de São Paulo que fechou a década de 1980, em 1989, participaram alguns
artistas da geração, como Ester Grinspum (1955), Flávia Ribeiro (1954), Daniel Senise, Fábio
Miguez, Nuno Ramos e Jac Leirner. Naquele momento, a relativa distância temporal permitiu
observar que o trabalho desses artistas havia avançado tanto na pesquisa como no domínio artístico,
o que era um sinal de maturidade. Como escreve Farias, essa 20ª edição da Bienal apresenta “os
primeiros notáveis frutos resultantes da maturidade artística dos jovens da Geração 80” (FARIAS,
2009, p.65).
coisa meio clichê do artista que vai para Paris, meio século atrasado, mas tudo bem”, ironiza.
Depois de formado, Espírito Santo foi para Londres, convencido por um amigo que já morava na
cidade e que, portanto, facilitaria alguns processos, como encontrar residência. Em 1987 ele se
muda para a capital inglesa, onde permaneceu por dois anos e conseguiu um emprego em artes
gráficas para arcar com suas despesas. O artista trabalhava praticamente só com ilustrações de
embalagens, marca que também é presente na sua obra plástica de certa forma, como ele mesmo
comenta: “As questões de invólucros persistem até hoje, não sei se vem bem daí, talvez seja um
repertório, não seria uma motivação assim” (Informação verbal). Além de frequentar os museus de
Londres, como a Tate Gallery e a National Gallery, fez algumas poucas viagens pelo continente.
Conheceu a Holanda e a Áustria, e considera que houve uma “imersão” cultural, porque teve
contato pela primeira vez com arte produzida nesses lugares de vários momentos da História da
Arte.
De volta ao Brasil, o artista não deixou de trabalhar com ilustrações e conta que o desenho
pagou suas contas por um longo tempo. Mesmo em 1999, quando já era artista de uma importante
galeria, a Camargo Vilaça, e depois de ter sido indicado para representar o Brasil na Bienal de
Veneza, ao lado de Nelson Leirner, Espírito Santo ainda fazia suas ilustrações para ganhar dinheiro.
Ele conta que quando chegou da viagem sentou-se para desenhar embalagem de cimento,
encomenda que deveria entregar naquele mesmo dia. O artista diz que só foi viver exclusivamente
de arte aos 40 anos.
Tão logo as pinturas da Casa 7 começaram a ganhar maior espaço no circuito, com a
participação na Bienal de São Paulo em 1985, os artistas do grupo conseguiram recursos para
manter a produção e a pagar parte de seus custos de vida com alguma facilidade. Já na segunda
metade da década o mercado de arte passou por uma crise, motivada principalmente pela alta
inflação do período, e muitos deles foram procurar emprego.
Durante toda a década de 1990, Nuno Ramos trabalhou na empresa Suzano Papel e
Celulose. “Sua função era redigir cartas para os chefes com argumentos para lançar novos tipos de
papéis” (MORESCHI, 2010). Como era um emprego de meio período, Ramos continuou a
trabalhar com arte paralelamente.
Já Rodrigo Andrade, por exemplo, conta que pagou suas contas no ano de 1987 com o
dinheiro que recebeu por uma música que compôs enquanto tinha uma banda. Chamada
Metrópolis, a banda contava com Paulo Monteiro, também artista da Casa 7, e atuava no circuito
99
Por isso Tavares considera que não é necessário que o artista esteja na universidade, mas
antes que ele trabalhe na construção de conhecimento e de um repertório que permita a elaboração
de conceitos e ideias sobre a obra de arte. Além disso, sua experiência em sala de aula remete a um
processo de transmitir conhecimento para outras gerações e compartilhar um modo de pensar e
construir um universo comum. Atualmente dá aulas e orienta trabalhos na graduação e pós-
graduação em Artes na Universidade de São Paulo.
A artista e colega de Tavares, Leda Catunda também foi professora de Artes na USP, mas
há pouco tempo resolveu se dedicar exclusivamente ao seu trabalho de ateliê. Ela também chegou
a dar aulas por muitos anos na Faculdade Santa Marcelina. Na FAAP ficou de 1984, ano de sua
formatura, até 2006 lecionando. Nesse caminho, trabalhou com comunicação visual, mas, como
sempre gostou de estudar e “o mercado de arte não era tão aquecido”, fez doutorado direto, sem
passar pelo mestrado, sob orientação do professor Júlio Plaza, concluído em 2003. No entanto,
achou complicado manter as duas frentes de trabalho, também porque a universidade, com o
formato de tempo integral, impossibilitava a dedicação à sua produção plástica.
Para Sergio Romagnolo, o trânsito do artista entre o meio da arte e o meio acadêmico
possibilita que ele tenha uma certa independência do mercado. Por estar acostumado a escrever
sobre o seu trabalho e a trabalhar conceitos, e também por influência indireta dos professores
artistas que também ocupavam lugares na academia, tomou a iniciativa de escrever uma espécie de
Trabalho de Conclusão de Curso para a FAAP, não obrigatório, com bolsa de iniciação científica
do CNPq. Só dez anos depois de formado, em 1995, que o artista resolveu se inscrever no mestrado
em Artes, orientado por sua professora Regina Silveira. “Achei que o lugar do artista na
universidade é muito natural, porque na universidade todo mundo é meio artista”.
Romagnolo dá aulas no curso de Artes da Unesp desde 2007 e seu envolvimento com o
curso se dá em todos os níveis, dando aulas e ajudando a construir o ambiente universitário, que,
segundo ele, está crescendo no ensino de arte. As aulas ajudam o artista a refletir sobre o próprio
trabalho e meio:
101
O artista inclusive já passou por muitas universidades dando aula de pintura: foi professor
na FAAM, Faculdade de Arte Alcântara Machado, na FASM, Faculdade Santa Marcelina, na
Universidade Mackenzie, na FAAP e também na USP. No entanto, preferiu a exclusividade do
trabalho no ateliê e atualmente continua apenas com seu curso livre de pintura no Instituto Tomie
Ohtake, em São Paulo, que só recebe alunos já iniciados e selecionados por portfólio. “Eu só dou
aula porque sou pintor”, explica.
Assim como Romagnolo, Pasta cita a importância de dialogar sobre arte e sobre pintura
durante os cursos, sobretudo depois de mais velho, em que “você vai perdendo certas confusões de
mocidade e vai ganhando falsas certezas, algum conhecimento maior” para transmitir aos seus
alunos. “Certas questões do mundo da arte estão mais claras e isso ajuda a clarear também o
universo artístico, cultural, para eu poder dar aula”, conta.
102
Também por exigência das instituições de ensino é que Sergio Niculitcheff começou a
trilhar seu caminho no mundo acadêmico. Depois do mestrado na Unesp, ele fez doutorado na
Universidade Estadual de Campinas.
Sobre a experiência em sala de aula, dessa vez como professor, Niculitcheff diz que é
difícil mensurar quanto uma atividade informa a outra, já que são trabalhos de natureza distinta.
Enquanto a pintura é “individual, e na maioria das vezes um trabalho isolado e solitário”, a
dinâmica da atividade de professor envolve “questões interpessoais com o coletivo” e a troca
constante de informações.
Ainda assim, o diálogo entre as práticas é, mais do possível, necessário:
É interessante notar como esse trânsito para a universidade tem por motivação uma
preocupação profissional, também como forma de alguma “garantia” de trabalho. Fato é que a
realidade do sistema de arte brasileiro, dada a instabilidade e a precariedade, no sentido de
consolidação do circuito e das instituições, contribui para essa situação. Contudo, esta não parece
ser uma condição isolada, como escreve Bourdieu em As regras da arte:
Por outro lado, o autor não esquece de mencionar os “proveitos subjetivos oferecidos por
a dupla condição”, como a circulação nos meios específicos onde se estabelecem relações, se
adquirem proteções e se conquistam posições de poder, no sentido do reconhecimento e da
manutenção das estratégias de legitimação.
103
3
OBRAS:
exame e fortuna crítica
Dentre os atores sociais presentes no campo da arte, destacamos o papel do crítico de arte
como agente de inserção, legitimação e consagração de obras e artistas e de construção do meio de
arte. É através da crítica e da veiculação de suas ideias do estado do campo da arte que o crítico
constrói noções acerca do seu desenvolvimento e contribui para a consolidação e autonomia do
campo. Entendemos a crítica de arte como prática social no campo da arte, com contribuição na
produção da obra e também na sua veiculação, entendimento e construção. De acordo com
Bourdieu,
A obra é feita não duas vezes, mas cem vezes, mil vezes, por
todos aqueles que se interessam por ela, que têm um interesse
material ou simbólico em a ler, classificar, decifrar, comentar,
reproduzir, criticar, combater, conhecer, possuir. (1996, p.198)
Para a construção dessa análise, levantei artigos em jornais e revistas que discorrem ou
sobre a geração de artistas como um todo, em sua maioria utilizando-se do termo “Geração 80” de
forma abrangente e generalizada, ou sobre obras, exposições e artistas, em particular. Esse material
tem origem nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, em matérias publicadas por jornais
de outros estados, aos quais tive acesso em uma pesquisa no arquivo da Fundação Bienal, e nas
revistas Veja e Galeria, esta última especializada em arte. É notável, entretanto, em muitos textos
publicados nesse período, o deslocamento da crítica de arte para um tipo de jornalismo cultural
interessado em reportagens e matérias informativas e, em alguns casos mais destoantes, na vida
pessoal do artista. Fato é que lidamos com textos que, no entanto, não apresentam uma teorização
crítica sobre essa produção, carência que já era sentida no meio desde a sua emergência, como é
possível perceber neste texto escrito pelo artista Ricardo Basbaum em 1988, em que observa a
tendência da pintura no Brasil e em outros países:
A crítica e historiadora Aracy Amaral, que foi responsável por divulgar grande parte do
trabalho dessa população de artistas da década de 1980, também salienta a dificuldade do circuito
em absorver e refletir sobre as obras de arte produzidas nesse novo tempo. Ainda em 1987, de
acordo com Amaral, a crítica não estava em condições de acompanhar, no nível teórico, o
“deslanche da problemática da criatividade brasileira na área das artes visuais”. E continua:
Neste ponto, cabe levantar nomes de críticos contemporâneos aos artistas que ao longo da
década se aproximam deles e se alinham às suas produções, como Rodrigo Naves e Alberto
Tassinari, que passam a frequentar, principalmente, o grupo de artistas do ateliê Casa 7. Com o
espaço reduzido para a crítica especializada nos jornais, eles vão escrever principalmente em
catálogos de exposições desses artistas.
Tendo em vista a produção e os jovens artistas como um todo, procura-se entender como
a crítica de arte, no período da década de 1980, se mobilizou em torno da geração de artistas
emergentes e suas obras. A análise dos textos críticos tenta evidenciar os signos de inclusão desses
artistas no meio e as categorias nativas dos críticos que foram utilizadas para a construção de
sentido dessa produção e sua posterior legitimação.
As categorias críticas foram divididas por palavras-chaves que aparecem nos textos e que
podem ser agrupadas como “otimismo e ruptura”, em que predominam comparações da nova
geração em relação às anteriores e o sentimento de expectativa do meio de arte sobre essa produção;
“arte e vida”, com a crítica direcionada a avaliar fatores internos da obra de arte e também externos
107
Quando a crítica de arte passou a se interessar mais pelos jovens que surgiam na cena
artística do país naquele momento, seus escritos se direcionaram em uma tentativa de ressaltar
elementos dessa produção que servisse de contraponto à geração de artistas imediatamente
anteriores. A noção de ruptura surge de fatores vindos do contexto social e político da década, a
saber, o gradual fim da ditadura militar e a abertura política, e de fatores internos da obra de arte,
como a linguagem e as sintaxes propostas.
108
A exposição “Pintura como Meio” teve bastante repercussão na mídia paulista e, mesmo
sendo uma mostra pequena, de artistas desconhecidos, contou com o empenho de divulgação da
diretora do MAC, Aracy Amaral. Nos textos críticos dessa mostra, publicados em veículos de
grande circulação, já começam a se delinear os sentidos atribuídos a esses jovens artistas antes
mesmo de serem chamados por “Geração 80”.
Em sua crítica no jornal Estado de S. Paulo, Sheila Leirner hesita em comparar
diretamente os “novos” aos “velhos”, mas direciona seu entendimento das obras no sentido
apresentado pelo próprio nome da exposição, da pintura como um meio, como linguagem em que
se procura características primárias, “da mesma forma como o fariam com qualquer meio
contemporâneo, como o vídeo, performance, xerox, etc., ou seja, “isentos dos vícios formalistas da
arte objetual”, e continua:
Por outro lado, atribui um sentido de vanguarda quando sugere que mesmo se tratando de
uma linguagem tradicional, a pintura dos jovens artistas apresenta elementos – tais como o uso da
ironia em “traços divertidos” e a representação do “novo cotidiano” – que indicariam uma vontade
de transformação do mundo daqueles que foram criados em um ambiente “de cores dramáticas”,
ou, em outras palavras, da tirania militar que viveram na infância e adolescência.
Mais tarde, a referência à ditadura militar entre as décadas de 1960 e 1980 seriam cada
vez mais frequentes nas críticas destinadas a essa emergente produção artística, principalmente
enquanto duraram os efeitos da exposição “Como vai você, Geração 80?”, em 1984. Mais do que
a experiência vivida por esses anos, a crítica buscou ressaltar as diferenças entre as produções
artísticas que viveram sob o controle do Estado e aquelas que representariam a tardia liberdade.
O crítico Frederico Morais, ao escrever que a arte da década de 1970 é predominantemente
“hermética, purista e excessivamente intelectual”, projeta a produção contemporânea, já sob o
nome de “Geração 80”, como um movimento de reação no sentido da subjetividade artística. E
continua:
Para ele, a arte dessa geração é uma “luta contra toda forma de autoritarismo” (op.cit.,
p.226). O tom otimista do texto, publicado primeiramente numa edição especial da revista Módulo,
que servia de catálogo para a exposição, procura um sentimento comum entre os artistas e aponta
para elementos que poderiam configurar um movimento artístico naquele momento, como mostra,
por exemplo, essa passagem:
O fim dos “anos de chumbo” resultaria então em uma necessidade de liberdade e busca
pelo prazer. O crítico não descarta que existia um sentimento de expectativa em torno da geração
artística do período em relação à produção de arte anterior, à “evolução política interna” do país –
em que cita a anistia, as eleições para governadores e a campanha das Diretas Já – e também em
face às tendências internacionais da arte (MORAIS, 1984).
No entanto, mesmo que questões políticas informem a produção artística naquele
momento, para Frederico Morais elas não apareciam nas atitudes nem nas obras desses artistas de
maneira direta. Pelo contrário, a posição que eles pareciam tomar era de indiferença ao cenário
artístico e/ou político:
Enquanto que para Frederico Morais o dado do não engajamento das obras de arte é visto
com certa empatia, Paulo Herkenhoff, crítico e então diretor do Instituto Nacional de Artes
Plásticas da Funarte, aponta para esta contradição na seguinte passagem de um texto publicado no
jornal Folha de S. Paulo sob o título Também para a “Geração 80”, alegria é a prova dos nove:
Para ele, a falta de interesse dos artistas para os assuntos da vida se justifica por uma
preocupação com a arte internamente, com a sua especificidade. Sobre “Como vai você, Geração
80?”, Herkenhoff critica a maneira como o circuito recebeu a mostra, uma vez que, para ele,
“alguns críticos insistem em transformar a mostra em momento de consagração da transvanguarda,
do neoexpressionismo e da pintura energética do Brasil”, explica, citando passagens recorrentes
entre os textos publicados na ocasião, e continua: “Isto seria ignorar, para alcançar os efeitos de
retórica ou resultados de mercado, a maior parte dos artistas participantes. A mostra pretende
sempre consagrar a diversidade, que evidentemente não está no elenco dessas tendências”. A
questão do mercado reaparece quando o autor comenta que um livro para a exposição foi editado
com patrocínio de galerias, “sintoma de um senso novo de responsabilidade entre marchands”.
Também na ocasião dessa exposição no Rio de Janeiro é que Sheila Leirner caracteriza a
geração de artistas como agentes em sincronia com a produção artística internacional e nega que
esta produção seja, portanto, fruto unicamente dos processos políticos do momento brasileiro. Para
ela, o discurso artístico da década de 1980 não diz respeito à libertação política, “explosão luminosa
do pós-obscurantismo”, mas à liberdade da alma, “a verdadeira motivação dos jovens artistas” no
Brasil e no exterior (LEIRNER, 1984).
É então com bastante otimismo que Leirner avalia os artistas reunidos na mostra do Parque
Lage, uma geração que “possui claros e estimulantes caminhos a serem percorridos” e que ainda
corresponde ao estado presente do pós-modernismo, enquanto apresentam a possibilidade do
nomadismo estilístico, temas que ela levantaria no ano seguinte no texto introdutório como
curadora da 18ª edição da Bienal Internacional de São Paulo.
112
Leirner, em sintonia com seus pares também críticos de arte, caracteriza a diferença entre
a arte dos anos 80 e a dos anos anteriores como resultado de uma atitude consciente por parte dos
artistas, em uma tomada de posição no campo artístico:
Não é apenas na exposição do Parque Lage que a pintura de jovens artistas seria vista com
otimismo pelo circuito crítico. Em São Paulo, o grupo de amigos do ateliê Casa 7, Nuno Ramos,
Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade, mostravam seus painéis de “estética trágico-vulgar-
neoexpressionista”, nas palavras de Andrade, no Paço das Artes e já foram considerados como
“artistas amadurecidos” pela crítica Radha Abramo, em texto publicado na Folha de S. Paulo. No
entanto, Abramo não investe em uma classificação definitiva da tendência que observa nesses
trabalhos, ao contrário, por exemplo, da crítica à exposição “Como vai você, Geração 80?”, que
procurou nas tendências internacionais uma chancela para a produção brasileira. Para ela,
Os três pintores do Paço das Artes não são nem abstratos, nem
construtivos ou figurativos. São livres, estão fora da ortodoxia
artística que imperou durante décadas, impedindo o artista de
expressar-se com desenvoltura. (ABRAMO, 1984)
113
No ano seguinte, a Casa 7 apresenta seus trabalhos em uma exposição no MAC-USP, pouco
antes de integrarem a Bienal Internacional de São Paulo daquele ano e, mais uma vez, são elogiados
por Radha Abramo, para quem suas obras representam “a melhor e a mais promissora das
manifestações plásticas da pintura atual” (ABRAMO, 1985). Para ela, o grande mérito desta nova
pintura é a individualidade que os artistas elegem como dado fundamental para expressar suas
imagens, e as posições que tomam no ambiente artístico:
Assim como a exposição que batizou a “Geração 80”, Aracy Amaral também privilegiou
seu olhar às manifestações pictóricas no suporte da pintura nos primeiros anos da década. Os muitos
artistas que investiam em outras linguagens emergentes no período, como a vídeo-arte, o grafite e
a performance, só passam a ganhar espaço no circuito de exposições e na mídia a partir no fim da
década de 1980, quando finalmente se apresenta o pluralismo de produções artísticas do período
tão faladas até então. Da mesma forma, artistas que investiam em investigações conceituais e
114
produções voltadas para o objeto demoram a figurar na crítica de arte, mesmo que espaços do
circuito, principalmente museus e instituições, já apresentassem seus trabalhos.
Em ocasião da primeira exposição individual de Jac Leirner em uma galeria do circuito
comercial do Rio de Janeiro, a Petite Galerie, em 1987 – em que a artista apresentou uma de suas
obras mais famosas, a série chamada “Os Cem” – Marcos Augusto Gonçalves, então editor do
caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo, ressalta que a artista tenha ficado à parte da movimentação
em torno de seus contemporâneos:
As obras de Jac Leirner têm forte inspiração na arte conceitual dos anos 60 e 70 no Brasil.
“Os Cem” consiste em uma série de trabalhos em que a artista coletou cerca de 70 mil cédulas de
cem cruzeiros durante um ano e meio. Em período de alta inflação como o da década de 1980, as
notas já não tinham mais valor real e foram colecionadas e organizadas pela artista em 14 obras da
série. Nelas, Leirner tira o dinheiro da circulação para colocá-lo em um ambiente de arte e, no caso
dessa individual, o da galeria de arte. Como escreve Gonçalves, o trabalho é permeado por
ambiguidades e ironias,
É interessante notar que o trabalho mais barato da série estava sendo vendido por Cr$ 42
mil, o que faz com que, de acordo com Gonçalves, o comprador troque “dinheiro pequeno por
dinheiro grande”.
115
Em 1987 a artista expõe sua nova série de trabalhos chamada Pulmão36, que consiste em
obras feitas a partir do material das embalagens de maços de cigarro, como o papel e o celofane,
que ela juntou ao longo dos anos. Dessa exposição, o crítico Nelson Ascher sentencia a sua herança
conceitual e aproxima a produção de Jac Leirner à geração de artistas anteriores a ela:
A investigação conceitual dos objetos do cotidiano feita por Jac Leirner perpassa toda a
década de 1980 e em 1989 ela apresenta mais uma série de trabalhos da mesma natureza dos
anteriores. Dessa vez, a artista coleciona sacolas plásticas de lojas e museus e as dispõe organizadas
sobre uma parede, instalação que não pretendia ser um ambiente e que foi exibida na Bienal
Internacional de São Paulo naquele ano.
36
Duas obras dessa série foram vendidas ao Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, em 1991.
116
8 Jac Leirner, Pulmão, 1987. Embalagens de maços de Marlboro penduradas por corda de poliuretano,
dimensões variáveis.
117
O desvio da trajetória da artista em relação a seus pares – ela não participa de mostras que
privilegiam o caráter de novidade ou ruptura da geração – é apresentado na crítica escrita por
Marcos Augusto Gonçalves, que, entretanto, considera elementos de sua obra que a distinguem da
tradição conceitual:
Uma parte das temáticas encontradas nas obras de arte desse período faz referência ao
mundo da vida. A noção de “arte e vida” neste caso não se apresenta no sentido de aproximação
da arte com a práxis vital, como propuseram movimentos da vanguarda histórica europeia
(BÜRGER, 2012), que supunham a crítica da autonomização e a retomada da relação da arte com
a vida social na condição de agente de sua transformação. A aproximação entre arte e vida aqui
aludida se dá na ordem das referências e símbolos que são comuns ao ambiente do cotidiano e,
portanto, próximos da vida do público espectador. As incursões da produção da década de 1980 na
história da arte ocidental aliada a recursos e materiais do cotidiano produzem sintaxes na linguagem
artística que a aproxima do público.
Além disso, podemos observar também o livre trânsito de referências e a investigação dos
nexos entre cultura erudita e cultura popular – problema que remete aos primórdios do movimento
modernista brasileiro e que parece persistir pelo menos até o fim do século passado.
Em algumas ocasiões a crítica de arte vê nas obras dos anos 80 um caráter narcisista, isto
é, um excesso de individualismo em produções que remetem a experiências particulares, ambientes
e relações autobiográficos. O crítico Reynaldo Roels Jr. aponta para essa característica e outras que
fizeram com que a geração, tomada como um movimento nascido no Parque Lage, se enfraquecesse
apenas dois anos depois da exposição “Como vai você, Geração 80?”:
O diálogo entre cultura de massa e arte clássica é percebida nos trabalhos de Ciro
Cozzolino como combinações, aposta do artista neste período e que resiste até os dias de hoje. Em
muitas de suas obras o artista combina imagens conhecidas da história da arte habitadas por
personagens da cultura de massa, entre eles os desenhos animados da Disney, por exemplo. Uma
de suas obras de 1983, “Trompe l’oeil”, faz uso do artifício da ilusão, comum em pinturas do
renascimento e do barroco, com Mickey Mouse em uma cena também popular nas animações, em
que a intervenção desenhada no ambiente a torna real dentro deste universo.
120
10 Sergio Romagnolo, Sem título (Batman na armadilha), 1983. Acrílica sobre tela, 101x160 cm.
121
11 Sergio Romagnolo, Casal no escritório, 1985. Acrílica sobre tela, 170 x 210 cm.
12 Sergio Romagnolo, Rosto na caravela, 1984. Acrílica sobre tela, 126 x 166 cm.
122
A representação aparece nas telas de Sergio Niculitcheff como construção poética ligada
à abstração informal, e a imagem pré-concebida é utilizada também por Leda Catunda, que expôs
nesta mostra no MAC-USP duas obras sem título, semelhantes na técnica usada.
Catunda se vale de tecidos estampados industrialmente para a partir deles criar suas obras,
na vedação ou intervenção em cima dessas imagens existentes. Está presente em seu trabalho a
relação entre a indústria e a artesania, uma vez que a artista utiliza, em um primeiro momento,
tecidos estampados produzidos pela tecnologia da indústria têxtil com a intervenção do trabalho
manual. A referência à vida doméstica fica por conta dos suportes escolhidos, além dos tecidos,
tapetes, cortinas e peças de roupas.
O trabalho de Ana Maria Tavares foi incluído na mostra por se tratar de uma instalação
com pintura. A artista coloca questões da construção do espaço interno e externo concebida pelo
espectador a partir das imagens que percorrem os painéis em branco montados para a exposição.
A discussão do espaço para Tavares chega a uma investigação crítica da modernidade, em seus
valores e concepções do espaço.
14 Instalação de Ana Maria Tavares na exposição "Pintura como Meio", 1983. Divulgação MAC-USP.
Uma certa dicção coletiva não impede que as investigações artísticas encontrem
potencialidades e motivações suficientes para uma produção de qualidade. Araújo ainda, em um
momento de extremo otimismo, precocemente declara que “o corpo vestido”, ou seja, a obra de
cada artista da exposição “já está bem firme e forte”.
Já no ano seguinte, em decorrência da exposição do Parque Lage, Sheila Leirner retoma a
questão da “contemporaneidade” nas obras de arte, mas nesse caso em desacordo com Araújo. Para
ela, a “Geração 80” hedonista e despreocupada da exposição no Rio de Janeiro direciona seu
entendimento da arte para uma reprodução simbólica do mundo com interesse antropológico:
Esse movimento de desilusão da arte na modernidade é refletido com ironia das obras
desse período, segundo o organizador da mostra carioca, Marcus de Lontra Costa. Ele identifica
uma aproximação com o debate pós-moderno:
pintores aboliam os chassis, para mostrar o espírito lúdico e a ironia que “estavam em alta”. “Valia
tanto a pintura acabada quanto a anotação. Aliás, a anotação era a pintura acabada” (GALVÃO,
1988). Para ele, os mandamentos da transvanguarda de Bonito Oliva permitem combinações das
mais imprevisíveis: Bad painting37 e Marcel Duchamp. Expressionismo e baianidade. Circo
Voador38 e Paris-Texas39. Regina Casé e Nastasia Kinski40.
Além do uso de imagens prontas, as relações com o corpo, a artesania e a indústria
parecem relevantes nas investigações artísticas e são apresentadas em uma exposição no Museu de
Arte Moderna de São Paulo, chamada Arte Híbrida, de iniciativa dos próprios artistas, em 1989. A
“turma” da FAAP, Leda Catunda, Ana Maria Tavares, Mônica Nador e Sergio Romagnolo, já unida
desde o início da década, se organiza para apresentar suas obras no museu de São Paulo e também,
mais tarde, na Funarte no Rio de Janeiro, e no Espaço Cultural BFB, em Porto Alegre.
Sergio Romagnolo, como em outras situações semelhantes, faz as vezes de crítico e
procura sistematizar a ideia da exposição. O hibridismo da arte brasileira, segundo o artista,
Romagnolo aproxima seus trabalhos do que ele vai chamar de “artesanato da indústria”,
característica que também pode ser vista nas obras de seus colegas na mesma exposição. Deixando
de lado, nesta segunda metade da década de 1980, as pinturas sobrepostas, Romagnolo trabalha
com plástico moldado à mão e constrói objetos do cotidiano, como vasos e violão – e mais tarde,
botijão de gás e chinelos – e também de imagens religiosas, como São Jorge, que culminam depois
em releituras de obras já conhecidas como os profetas de Aleijadinho. Essas obras feitas em plástico
não mascaram o efeito de inacabado e as marcas da mão do artista e, de acordo com Aracy Amaral,
são evidenciadas rudemente e expõem a incoerência do processo (AMARAL, 2006b, p.198).
37
Ou “pintura feia”, nome dado à tendência da pintura figurativa nos Estados Unidos na década de 1970, que seria
deliberadamente feia, no sentido de causar reações estéticas específicas.
38
Tradicional espaço cultural do Rio de Janeiro criado em 1982, no bairro da Lapa.
39
Referência ao filme de 1984 dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders.
40
Atriz alemã que atuou em Paris-Texas.
127
16 Sergio Romagnolo, São Jorge e o dragão atrás, 1998. Plástico modelado, 282 x 144 x 195 cm.
129
A crítica Sheila Leirner escreveu sobre essas peças de Romagnolo no ano anterior, quando
o artista abriu sua segunda exposição individual na galeria Luísa Strina. Para Leirner, Romagnolo
atua no papel do não-artista, isto é, do homem comum,
18 Leda Catunda, Vestidos, 1988. Acrílica sobre vestidos, 240 x 180 cm.
131
O valor comunicativo das obras dessa geração chega ao público e o leva a exposições
diversas, que repercutem na mídia local e nacional. A “hibridez” de trabalhos que resgatam o
conceito na obra de arte que é representado na sua forma e matéria cruas, em imagens já conhecidas
e comuns, aproximam a experiência do artista à do público.
Em alguns casos, essa aproximação pode se dar também pelo estranhamento causado pelo
objeto ou referência cotidiana. Em Edgard de Souza, por exemplo, os elementos conhecidos são
subvertidos sem perder suas características de identidade, como na obra “Travesseiros”, de 1991,
em que o artista reproduz o objeto em madeira e o dispõe como um quadro na parede. Souza
também foi aluno de Regina Silveira na FAAP, entre 1980 e 1984, e é possível perceber nos
trabalhos do artista elementos que remetem aos métodos e obras de Silveira, como em Vasos, de
2004. Parte da identificação com a vida e o público acontece em função da ironia de que essas
obras são carregadas. Em Iran do Espírito Santo, essa ironia pode vir seguida, em algumas obras,
de uma discussão quase platônica das formas conhecidas, como copos, pratos e até um buraco de
fechadura reconstituído em aço inoxidável que reflete aquele que tenta observar através.
133
21 Edgard de Souza, Sem título (Vasos), 2005. Pele de vaca colada e costurada, dimensões variáveis.
23 Iran do Espírito Santo, Sem título (buraco de fechadura), 1999. Aço inoxidável, 8 x 3,6 x 1,8 cm.
135
Por conta da repercussão da exposição “Como vai você, Geração 80?” e da consequente
mobilização do circuito em torno dos “jovens artistas”, alguns críticos apontaram na época para o
apelo publicitário que seguia a criação do mito da “Geração 80” e a instabilidade deste cenário para
artistas que estavam em início de carreira. Nos textos escritos sobre a exposição do Parque Lage,
é pertinente a questão do consumo desta produção e da imagem de seus produtores.
Mesmo Sheila Leirner, que mantém tom elogioso ao longo de seu escrito sobre a mostra,
manifesta cautela tanto na recepção dos artistas quanto no exame interno de suas obras:
No entanto, segundo Leirner, esses fatores não teriam tanta influência a longo prazo, com
o amadurecimento dessa produção artística:
Muitos artistas que ficaram conhecidos em função da mostra carioca eram retratados nas
páginas dos jornais como celebridades, em fotos em que pareciam formar bandas de rock, e
matérias que diziam mais sobre os artistas pessoalmente do que sobre os seus trabalhos. A ideia de
que esses artistas vivenciavam as propostas de sua arte fez surgir uma analogia da obra de arte
136
como vestimenta para o corpo que reflete também um estilo de vida. Nas palavras de Frederico
Morais,
O hedonismo das atitudes artísticas era refletido nas obras, despreocupadas com estilos, e
a sensação de que tudo seria possível. É por isso também que, segundo Morais, o futuro não parecia
ser uma questão naquele momento para os artistas:
Já para Reynaldo Roels Jr., essa atitude não deixa de ser ingênua e responsável pelo
arrefecimento do que se entendia por um movimento artístico da “Geração 80”. O crítico entende
que os artistas tenham sido levados pela moda sem muita reflexão sobre aquilo que estavam
fazendo:
Ele aproxima ainda essa produção da sua dimensão do consumo, em um momento em que
as galerias passaram a apostar nos jovens para o aquecimento do mercado que, segundo ele, “depois
de anos entre comercializar o atraso ou comercializar o intangível, os marchands tiveram algo de
137
mais substancial para propor a seus clientes”, em referência ao mercado de arte brasileiro voltado
para a venda de pinturas dos modernistas históricos (“o atraso”) e a dificuldade com a inserção da
produção conceitual no mercado. Já com os trabalhos dos artistas da década, em sua maioria
pintores, a inserção das obras foi mais rápida do que a sua reflexão:
Após a abertura política, o país se viu frente a uma realidade socioeconômica na qual o
consumo ampliou-se de forma exponencial, inclusive no âmbito dos bens simbólicos, o que
modificou a maneira como os brasileiros, artistas ou não, relacionavam-se entre si. Essas
transformações repercutiram na produção artística sob formas individualizadas e subjetivas. O
138
consumo não só foi discutido nas obras como também surgiu para formalizar as relações entre os
artistas e os aparatos culturais pela necessidade institucional de se fazerem vistos e serem vendidos.
É possível afirmar que a atuação se dá, portanto, na interface entre mercado e instituição.
Por outro lado, artistas como Iran do Espírito Santo, Edgard de Souza e Caetano de
Almeida, por exemplo, embora sejam contemporâneos e tivessem integrado exposições durante a
segunda metade da década de 1980, só serão tratados pela crítica e expostos na mídia em meados
dos anos 1990. Como boa parte dessas exposições aconteceu em salões ou em instituições, como
o MAC-USP e a Pinacoteca do Estado de São Paulo41, esses artistas são primeiro reconhecidos
nesses espaços antes de figurarem na crítica de jornal, especificamente. Não apenas a natureza de
seus trabalhos e o tempo de maturação da obra podem explicar esse movimento na contramão em
relação a outros artistas do mesmo período – que apareciam nos jornais enquanto simultaneamente
procuravam voz em seus primeiros trabalhos –, mas também o esgotamento do interesse da mídia
por artistas que já não eram tão novos assim. A questão da obsolescência colocada nos primórdios
da “Geração 80” já mostra seus efeitos, pelo menos em relação à exposição midiática, em que
surgem gerações sucessivas de artistas.
3.4 Intelectualidade
Pode até ser que a crítica tenha acertado em alguns casos ao colocar obras e artistas dos
anos 80 como anti-intelectuais e voltados para uma atitude hedonista do presente. Porém, ao
aprofundar-se a interpretação de seus contextos e seus trabalhos, a tônica intelectual, quer ou não
conceitual, se faz presente nas pesquisas e investigações artísticas, pictóricas e/ou teóricas,
traduzidas nas obras. As características de anti-intelectual e antirracional, construídas
principalmente depois do evento no Parque Lage, são desmentidas quando alguns artistas começam
41
Edgard de Souza participa do Salão Paulista de Arte Contemporânea nos anos de 1984, 1985 e 1986. Em 1985,
Caetano de Almeida também expõe no mesmo Salão Paulista e em uma coletiva na Pinacoteca do Estado, “A
Sinhazinha, o Mulato, o Negão e o Carrasco”. Iran do Espírito Santo integra a coletiva “Arte na Rua”, em 1984, e “A
Nova Dimensão do Objeto”, em 1986, ambas no MAC-USP. Os três artistas participam em 1987 da exposição
“Imagens de Segunda Geração”, também realizada no MAC. Em 1989, o marchand Thomas Cohn abre as primeiras
individuais de Caetano de Almeida e Edgard de Souza. Iran do Espírito Santo só expõe individualmente em 1991, na
galeria Plug-In, em Winnipeg, no Canadá.
139
a ser tratados de maneira particular. Eles então são vistos pela crítica como casos raros dentro da
constelação de seus pares, mesmo que já tivessem sido incluídos em análises da geração como um
todo. Essa interpretação individualizada aparece, em sua maioria, já nos últimos anos da década de
1980 e decorre não apenas da natureza dos trabalhos, mas da maturidade que aos poucos chegava
a essa produção e aos próprios artistas. Nas palavras do crítico João Cândido Galvão,
É de Nuno Ramos a obra que Galvão atribui como monumento à luta dessa geração de
artistas. A coluna de madeira recheada de cal virgem é vista, pela sua fugacidade e pelos seus
materiais, como “uma pungente profissão de fé na sua arte”. Esta obra de Ramos, inclusive, faz
parte de uma série de trabalhos realizada pelo artista depois da superexposição a que foram
submetidos – ele e outros jovens artistas – com a polêmica mostra da “Grande Tela”, na Bienal de
São Paulo de 1985.
140
A “ressaca” na produção artística provocada pela Bienal foi explorada nos jornais,
principalmente em relação aos artistas do ateliê Casa 7, em textos que procuram estabelecer uma
relação de causa e consequência entre os trabalhos neoexpressionistas que fizeram a fama do grupo
e as novas experimentações, e ainda dar identidades individualizadas a cada um do grupo.
Em uma matéria publicada na Folha de S. Paulo em 1986, em ocasião da primeira
individual de Rodrigo Andrade, Wilson Coutinho afirma que o ateliê “está de pernas para o ar”,
uma vez que aparentemente as coisas tenham mudado radicalmente por lá depois da “Grande Tela”:
Paulo Monteiro aposenta por um tempo seus pinceis para trabalhar com esculturas com ferro
galvanizado; Nuno Ramos investiga questões da matéria pura, nesse caso a cal; Rodrigo Andrade,
141
“o primeiro a expor publicamente o estado de crise que abalou os alicerces estilísticos do grupo”,
busca a simplicidade tornando cada tela “uma espécie de sítio arqueológico dos procedimentos
contemporâneos”, com o uso de papelão, jornal, tinta óleo e esmalte sintético; Carlito Carvalhosa
explora técnicas de encáustica e Fábio Miguez procura saturar as cores fortes de suas pinturas
(COUTINHO, 1986).
No ano seguinte, Carlito Carvalhosa abria também sua primeira individual, que fez com
que a jornalista e crítica Lisette Lagnado atestasse qualidades individuais no grupo do ateliê. Nessa
mostra, Carvalhosa apresentou seus primeiros trabalhos experimentais com cera derretida que,
segundo Lagnado, “conseguem contornar o impasse que a onda neoexpressionista colocou”.
Bastante otimista com as jovens promessas, a crítica sentencia que “nunca mais se falará que os
artistas da Casa 7 dividem a mesma paleta” (LAGNADO, 1987).
25 Carlito Carvalhosa, Sem título, 1987. Encáustica sobre madeira, 75 x 220 cm.
Com o passar dos anos e com as oportunidades de expor individualmente, aos poucos cada
artista da já extinta Casa 7 passa a ganhar reconhecimento na mídia e entre os críticos. Em 1988,
Fábio Miguez e Nuno Ramos abrem exposições que já apontam seus caminhos particulares e
diferentes. A jornalista Vera de Sá escreve que nas mais recentes telas de Miguez não se encontram
mais nenhum dos elementos figurativos presentes nas suas obras anteriores. E completa:
A dimensão intelectual do grupo só se torna mais evidente com a distância física e estética
dos trabalhos. Enquanto investiam em experimentações a partir dos mesmos materiais disponíveis
no ateliê, a pesquisa e os interesses de cada um dos artistas eram menos aparentes. Depois da
dissolução do grupo anos antes, em 1988, Nuno Ramos produz telas que ultrapassam o espaço
bidimensional com carga visceral a partir dos inúmeros materiais utilizados: além da cera e da
parafina, Ramos vale-se de linhaça, feltro, corda, pano e até gavetas.
27 Nuno Ramos, Sem título, 1989. Vaselina, parafina, óleo de linhaça, terebintina, pigmento, tecidos, tela
de nylon, feltro, cobertores, borracha, folha de ouro e metais sobre madeira, 340 × 280 cm.
O então crítico de arte do jornal Folha de S. Paulo, Nelson Aguilar, compara as obras de
Nuno Ramos a dois importantes artistas brasileiros: José Resende (1945), pelo uso da parafina
como matéria e luz ao mesmo tempo, e Mira Schendel (1919-1988), a quem Ramos dedica uma
obra neste ano de sua morte, pela polifonia móvel e espacial das peças (AGUILAR, 1988).
Os atritos entre as muitas camadas de materiais dessa série de trabalho de Nuno Ramos
produzem, de acordo com Rodrigo Naves, uma “diferenciação radical em relação às imagens do
144
28 Rodrigo Andrade, Sem título, 1989. Óleo sobre tela, 170 x 190 cm.
145
Neste mesmo texto, Araújo comenta obras de outro contemporâneo da geração de Rodrigo
Andrade, o artista cearense Luiz Hermano (1954). Nessa exposição de que trata o crítico, Hermano
apresenta gravuras criadas dentro de um universo lírico com figuras de uma mitologia pessoal do
artista. Por serem obras bem mais fáceis de entender, segundo Araújo, provam que a boa arte não
corresponde a uma fórmula, em alusão às tendências artísticas surgidas no início da década,
principalmente à transvanguarda italiana de Bonito Oliva. De acordo com o crítico, Rodrigo
Andrade e Luiz Hermano teriam trabalhos igualmente contagiantes, mas “opostos pelo vértice”:
Assim como os artistas do ateliê Casa 7 conseguiram encontrar voz própria dentro da
produção contemporânea, outros que antes eram considerados expoentes de uma tendência de
geração passam a se distinguir dos seus pares. Muito dessa interpretação se dá em função da
referência conceitual que remete à tradição por onde se apoiam esses trabalhos.
O trabalho de Paulo Pasta é visto pela crítica como o mais próximo exemplo de artista
que transita entre a tradição e as questões contemporâneas do fazer artístico. Em 1989, Pasta foi
contemplado com a segunda bolsa de estudos Emile Eddé, concedida pelo MAC-USP, e a
exposição decorrente do prêmio recebeu uma das poucas críticas de jornal durante a década de
1980 a discutir o trabalho do artista. Marco Veloso, também artista plástico, escreve que
Mais tarde, Paulo Pasta seria ainda comparado a Alfredo Volpi, considerado um os
grandes mestres da pintura no Brasil. O crítico Antonio Gonçalves Filho sentencia que Pasta é um
artista que honra seus predecessores e a herança pictórica brasileira para a construção de seus
trabalhos, “provas de um autêntico compromisso com o projeto moderno e uma atitude respeitosa
com o passado da pintura” (GONÇALVES FILHO, 1991). Além disso, a pintura de Paulo Pasta
desponta como o oposto daquela tendência que, no início da década, foi chamada de “Geração 80”.
Isso porque Pasta trabalha uma pintura mais silenciosa, em que o tempo de depuração é mais longo
do que o “gestual impulsivo” atribuído a grande parte de seus contemporâneos. Como escreve
Gonçalves,
29 Paulo Pasta, Sem título, 1987. Óleo e cera sobre tela, 50 x 50 cm.
147
30 Paulo Pasta, Sem título, 1994. Óleo e cera sobre tela, 24 x 30 cm.
A menção aos professores do curso da FAAP segue seus alunos e discípulos muitas vezes
como chancela de qualidade a esses trabalhos. Os métodos aprendidos na faculdade levam alguns
artistas a desenvolverem suas pesquisas na interface com a academia, movimento no qual
sistematizam os conceitos explorados para então atribuir hipóteses ao trabalho plástico,
característica marcante na produção de Ana Maria Tavares, por exemplo, que conduz suas
pesquisas entre o campo da arte e o campo acadêmico.
O sentido de profissionalização e a acolhida institucional não minimizam a perspectiva
crítica dos artistas, das relações contextuais com o ambiente e do lugar da obra de arte na
contemporaneidade. Além da discussão museológica ou mesmo da análise interna de algumas
obras, um caso exemplar é visto, por exemplo, na atuação social da artista Mônica Nador. Ela deixa
o “grande circuito” comercial para atuar em conjunto com comunidades carentes de serviços e
interesse públicos, principalmente da periferia de São Paulo. Seu projeto do Jardim Miriam Arte
Clube, o JAMAC, fundado em 2004, promove uma aproximação da população que vive no bairro
com a arte e os processos artísticos que visam uma transformação do ambiente a partir da
apropriação da arte como elemento decorativo dos muros e paredes das casas desta região.
O resgate cronológico e temático das críticas de arte aponta que, com o passar dos anos,
o guarda-chuva polissêmico de “Geração 80” mostrava-se vago e generalizante para tentar definir
uma heterogeneidade de produções artísticas que estavam sendo exploradas nesse momento,
também porque essa definição se referia mais a uma necessidade de criar um movimento do que
149
propriamente uma aproximação pictórica e/ou ideológica entre esses artistas contemporâneos. No
processo de seleção e amadurecimento dos artistas no campo, a denominação sai aos poucos de
cena para dar lugar a interpretações mais densas e aprofundadas acerca desta produção. Os
interesses dos artistas são percebidos por parte da crítica de arte, em uma abordagem mais
individualizada que aponta elementos biográficos de formação e desenvolvimento profissional –
como a formação técnica e universitária e o contato com publicações especializadas em arte,
normalmente estrangeiras – que direcionam suas pesquisas artísticas.
No caso dos artistas atuantes em São Paulo, a elaboração conceitual da produção artística,
como aprendida por seus professores, é a tônica das investigações pictóricas e teóricas, e
desmentem o caráter de ruptura que essa produção possa apresentar em relação a sua herança
artística. Os assuntos explorados nas obras de arte rementem igualmente à problematização de
questões como as relações entre o que chamamos de baixa cultura e cultura erudita, a artesania e a
indústria. Seja pela apropriação de elementos cotidianos, seja pela estranheza causada por aquilo
que seria comum, essas obras se aproximam do público e da experiência deste público na vida
cotidiana, sem perder de vista os processos históricos que contextualizam essas experiências, como
a própria História da Arte ocidental e o contexto brasileiro.
150
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