Theodore Dalrymple - A Vida Na Sarjeta - Compressed
Theodore Dalrymple - A Vida Na Sarjeta - Compressed
Theodore Dalrymple - A Vida Na Sarjeta - Compressed
'A Vida
rf|.o*ép.a MORAL I APRESENTAÇÃO DE_
SO DA
na Os chiqueiros
os porcos?
Sarjeta
O que os m oradores pei
blocos de apartam entos?
urina. O s espaços público
de todos os blocos dos cc
tacionais que conheço estt
damente im pregnados d>
odo r é inextirpável. E tuc
ria ser am assado, o foi.
' Lo g o , os chiqueiros fazei
os porcos fazem os chiqu
que exista, com o meu
dizer, uma relação dialéí
o C ÍR C U L O n C JO S O D A M I S É fíJ A M O fíA L
I n t r o d u ç ã o .....................................................................................................................15
I. REALIDADE SOMBRIA
1. E a Faca Entrou.................................................................................. Tl
2. Adeus, Mundo C ru el.......................................................................37
3. Leitor, São Marido e Mulher... Infelizmente............................49
4. Um Amor de Valentão..................................................................... 59
5. Dói, logo Existo.................................................................................71
6. Festa e Ameaça................................................................................... 81
7. Não Queremos Nenhuma Educação..........................................91
8. E Chique Ser Grosseiro................................................................ 101
9. O Coração de um Mundo sem Coração.................................111
10. Não Há um Pingo de M érito.................................................. 123
11. Escolhendo o Fracasso............................................................... 135
12. Livres para Escolher.................................................................... 145
1 3 . 0 Que É Pobreza?........................................................................155
14. Os Chiqueiros Fazem os Porcos?...........................................165
15. Perdidos no Gueto.......................................................................175
16. E, Assim, Morrem ao Nosso Redor Todos os Dias........... 187
ín d ic e ....................' ................................................................................273
Apresentação
Thomas Sowell
('.ip M , "Õ Qm-Í! I’n h l i '/ . i l Ver, nesle llvit», p I << '
\|ii, ui H i m im i
Essa é a m a ra v ilh o s a to lic e d o m u n d o : q u a n d o as
cu lp a d e n o s so s p r ó p r io s e x c e s s o s — p o m o s a cu lp a
d e n o s so s d esastres n o so l, n a lu a e n as estrelas,
c o m o se fô s s e m o s ce le ra d o s p o r n e ce ssid a d e , to lo s
p o r c o m p u ls ã o ce le ste , v e lh a co s, la d rõ e s e tra id o re s
p la n e tá ria s , se n d o to d a n o s sa ru in d a d e a trib u í
d e Ja n e iro , Agir, 2 0 0 8 , p. 6 7 3 . (N .T .)
Inlr<>( lucilo
li. \ \ 1« l u I u i N i l i j H i i
e branca, i ' <11H a| ii cM ii i ,i |i li las tis mcMiM’. | Mii ili h'|.i . m ii la|% iit-sn bolasse nr
gra nos listados Unidos por m otivos soun lhanit i claro. A genclica, alem
disso, dificilm ente pode explicar tais ............................... o surgim ento, desde
o linal dos anos 1950, de um a massa, sem precedentes na história, de filhos
ilegítimos.
O papel do Estado previdenciário na elevação (se essa é bem a pala
via) da subclasse é, igualm ente, muito enfatizado. N o m áxim o, ele pode
ter sido a condição necessária para tal ascensão: tornou-a possível, não
inevitável. Estados previdenciários existiram por períodos substanciais de
tempo sem desenvolver a subclasse m oderna: obviamente, é necessário
um ingrediente adicional.
Esse ingrediente é encontrado no campo das ideias. O com por ta meu
to humano não pode ser explicado sem fazer referência ao significado
e às intenções que as pessoas dão aos próprios atos e om issões; e
possuem um Weltanschauung, umaj visão de m undo, saibam ou não
São as ideias de m eus pacientes que me fascinam - e, para ser
horrorizam -m e: eles m esm os são a fonte da própria miséria.
Suas ideias se tornam manifestas até na linguagem que empregam
A frequência de locuções de passividade é um exem plo surpreendente
Um alcoólatra, ao explicar sua conduta quando bêbado, dirá: “ A cerveja
e muito doida” . U m viciado em heroína, ao explicar seu recurso à agu
lha, dirá, “ tá tudo dom inado pela heroína” , com o se a cerveja bebesse o
alc<lólatra e a heroína se injetasse no viciado.
Outras locuções sim plesm ente possuem um a função justificativa e u
presentam a negação do agente e, portanto, da responsabilidade pcv.nal
() assassino alega que a faca entrou ou que a arma disparou. O homem qm
ataca a parceira sexual alega que “ ficou m uito d oid o” ou “ perdeu a cabi
i, a ", com o se fosse a vítim a de um a espécie de epilepsia, da qual o devei
do m édico é curá-lo. Até a cura, é claro, ele pode continuar a maltratai a
parceira pois tais violações lhe trazem certas vantagens - certo de que <•
ele, c não a parceira, a verdadeira vítima.
Passei a ver a descoberta dessa desonestidade e autoengano com o par
te c.sencial do meu trabalho. Quando um hom em diz-me, com o explica
i,.lo para seu com portam ento antissocial, que ele se deixa levar facilmente,
iiiiiin liii;iiii I
pergu n to lln se .ilgum a vez se deixou levar pelo estudo da matemática ou
do subjuntivo dos verbos franceses. Invariavelmente, o hom em com eça a
rir: o absurdo do que ele disse se torna aparente para ele mesmo. De fato,
reconhecerá que sabia o tem po todo com o era absurdo o que fazia, mas
existem algumas vantagens, psicológicas e sociais, decorrentes da m anu
tenção dessa farsa.
A ideia de que a pessoa não é agente, mas um a vítim a indefesa das cir
cunstâncias, ou de grandes forças ocultas sociológicas ou econôm icas, não
surge naturalmente, com o um a com panheira inevitável da experiência. Ao
contrário, somente em circunstâncias extremas o desamparo é experim en
tado diretamente da m aneira com o experim entam os o azul do céu. De
m odo diferente, o agir é um a experiência com um a todos. Sabemos que
nossa vontade é livre, e que tem limites.
A ideia contrária, no entanto, foi propagada incessantemente por in
telectuais e acadêm icos que não acreditam nisso no que diz respeito a eles
m esmos, é claro, mas somente no que concerne a outros em posições m e
nos afortunadas. Há nisso um elemento considerável de condescendência:
algumas pessoas não chegam à condição plena de humanos. A ampliação
do termo “ com pulsão” , por exem plo, para cobrir qualquer com porta
m ento repetido indesejável, mas m esm o assim gratificante, é um exem plo
da negação do ato pessoal que veio do m eio acadêmico e rapidamente
se infiltrou. Não m uito tem po depois que os teóricos da crim inologia
propuseram a teoria de os crim inosos reincidentes possuírem um desejo
com pulsivo pelo crim e (reforçando essas teorias com diagramas im pres
sionantes de circuitos neurais do cérebro para com prová-las), um ladrão
de carros, de inteligência limitada e de pouca educação, pediu-m e que tra
tasse de sua com pulsão de roubar carros - e, ao não receber tal tratamento,
é claro, via-se m oralm ente justificado para continuar a livrar os donos de
carros de suas propriedades.
Na verdade, a m aioria das patologias sociais apresentadas por essa
subclasse tem origem em ideias filtradas da intelligentzia. Nada é m ais verda
deiro que o sistema de relações sexuais que atualmente prevalece na popu
lação da subclasse, cujo resultado é de 70% de nascimentos ilegítim os no
hospital em que Ir.ili.ilho (um núm ero que chegaria m uito perto de 100%,
I i i I k h I iii. H ii
O clim a dc relativism o m oral, cultural e intelectual - um relativis-
iilo que com eça com o um m odism o de intelectuais - foi com unicado
de m aneira exitosa para aqueles m enos capazes de resistir aos seus de
vastadores efeitos práticos. Quando o professor Steven Pinker nos diz
cm seu best-seller, 0 Instinto da Linguagem2 (escrito, é claro, em um padrão
de inglês gram aticalm ente correto, e publicado sem erros de grafia),
que não existe um a form a gram aticalm ente correta de linguagem , que
a criança não precisa ser instruída na própria linguagem porque está
destinada a aprender a falar da m aneira adequada a suprir as próprias
necessidades, e que todas as form as de linguagem são igualm ente ex
pressivas, o autor está ajudando a enclausurar as crianças da subclasse
uo m undo em que nasceram . N ão som ente os professores dessas crian
ças se sentirão absolvidos da árdua tarefa de corrigi-las, mas rum ores
da tolerância gram atical do professor Pinker (um a versão linguística da
m áxim a de A lexander Pope, “ seja lá o que for, está certo” ) chegarão nas
próprias crianças. Elas, dali em diante, m elindrar-se-ão com o correto,
que tom arão por “ ileg ítim o ” e, portanto, “ hu m ilhante” . Eppur si muove:3o
que quer que o professor Pinker diga, o m undo exige um a gram ática e
ortografia corretas de quem quer nele progredir. Além de ser claram ente
falso que a linguagem do hom em com um é igual às suas necessidades,
um fato óbvio para quem leu as tentativas lam entáveis de as pessoas da
subclasse se com unicarem por escrito com outras, especialm ente com a
burocracia. O relativism o linguístico e educacional ajuda a transform ar
uma classe em casta - quase em um a casta de intocáveis.
Assim com o dizem não existir um a gramática ou ortografia corre
tas, da m esm a m aneira não há alta ou baixa cultura: a própria diferença
é a única distinção reconhecível. Esse é um ponto de vista disseminado
2 Steven Pinker, 0 Instinto da Linguagem: Como a Mente Cria a Linguagem. São Paulo, M ar
çõ es da autoridade. (N .T.)
liili'lll||('iil/l(i I ii I ij.>I < . M.i.i In ii.m u .I The <iiiiiiiliiin (i 11 ic I ii ii 11 >1 ,i In m i,ii I,mu n l r
I xl^ll.l, ('111 III illlc il.l I 11.111 1,Ii Ic e K",pi'll,llillldiltlc I'OIII III IS, 1 11IC Ind.I .1 pi i
pul.ic.hi livcssc iiccsso ,i all,I u i l i i i u ) li.i pou co tem po publicou him ,irily;o
m i I hc uni cvcnto cm Nov,I York descrito ii.i m anchete co m o o en c o iilio
"d ,is m .iiorcs m ciilcs d os Estados U n id o s".
Ii I p ich I s.n) css,is mai( >rcs m ciilcs dos listados LJ n idos? S u iam cicn
Ir,u s agraciad os com Prêm io N o b el, físico s e b ió lo g o s m olci u la n " , 1,',i
11,m i os m elh ores a ca d ê m ico s co n te m p o râ n eo s d os listados I inidi i\ ’ < >11
lalvrz em p resá rio s de eletrô n ica qu e tran sform aram o m u n d o na ulliiii.i
11icl,Kle do século?
Nào, algum as das m aiores m entes dos Estados U nidos perlem iam, u.i
o p in ião do Guardian, a cantores de rap co m o Puff Daddy, que c .i .iv,i!m ■
cn co n iran d o em N ova York (num a “ conferência de cú p u la", <.......... Ii\ . n
jornal) para dar fim à onda de assassinatos entre os cantores d r ni|> d.i ( \ , i
l.rsir e O este e para m elh o rar a im agem pú b lica do rap co m o yen em V ,
los dos detentores dessas m entes gigantescas acom panhavam .1 repm i.iyi ui
I i i H i m I mi Hl)
vida nos bairros pobres, esse não seria o fim da questão. Há claros sinais
de c|ue essa subclasse se vingará de todos nós.
N o m undo m oderno, más ideias e suas consequências não podem ficar
confinadas ao gueto. Am igos meus, de classe média, ficaram horrorizados
ao descobrir que a ortografia ensinada à filha na escola estava, muitas vezes,
errada; ficaram ainda mais chocados quando levaram o caso à diretora e
ouviram que isso não tinha a m enor importância, já que a ortografia estava
quase certa e que, m esm o assim, todo m undo entendera o que ela quis dizer.
Outras instituições têm sido igualm ente destruídas pela aceitação de
ideias que encorajam e m antêm a subclasse. Quando as prostitutas foram,
em núm ero considerável, para as esquinas das ruas do bairro onde m oro,
o chefe de polícia local disse, em resposta aos pedidos dos m oradores
para que fossem tomadas providências, que não poderia fazer nada já que
aquelas mulheres vinham de lares desprivilegiados e, provavelmente, eram
drogadas. Disse que não estava preparado para vitim izá-las ainda mais. Era
nosso dever com o cidadãos retirar as camisinhas usadas de nossas roseiras.
Assim é a vida sob o regim e de intolerância zero.
Pior ainda, o relativism o cultural se alastra m uito facilm ente. Os
gostos, a conduta e os costum es da subclasse estão se in filtrando na
escala social com surpreendente rapidez. O visual “ heroin chic” 4 é um a
m anifestação disso, em bora alguém que saiba realm ente quais são os
efeitos da heroína não possa achar algum a coisa chique na droga e
nos efeitos. Q uando um m em bro da fam ília real britânica revelou que
adotou um a das m odas dos bairros pobres e que colocou um piercing
no um b igo, n in guém ficou surpreso.5 N o que diz respeito à m oda do
5 R eferên cia a Z ara Phillips, filha da p rin cesa A nne c o m o cap itão M ark Phillips e
n eta m ais velha da Rainha Elizabeth II da In g laterra, q ue aos 17 an os, e m 1 9 9 8 ,
ap areceu c o m um piercing na lín gua e o u tro n o u m b ig o . A tu alm en te é u m a atleta
de h ip ism o e i.im pe.l eu ro p eia. (N .T .)
\ V i l I II MM ’ ‘ Ml |l l i l
vi".I ii.ii h I, du'. .nl< >i in f. 11 h I h h .ils c d.I m iïslr.i/^ .1 su bclasse (|iirin , dc
m o d o « icsi I■1111■. Inijii line <i I il m m > N u m .I .1111«"•. a sp iro u se .lit.111 >,.it nl
vels culturais i3o l>alx*>s.
( ) padrão desastroso de relações luunanas que existe na subclasse lam
béni tem se tornado com um na escala social mais alta. Com l.i
u d a ve/ maior consulto enfermeiras, tradicionalmente e por m uito lempo
originárias ou pertencentes à respeitável classe média baixa (ao menos,
.ipós Florence N ightingale6), que têm filhos ilegítim os de homens que, Inl
cialmente, praticaram algum tipo de abuso, e depois as abandonaram lissa
violência e posterior abandono são, em geral, m uito previsíveis dados o
histórico e a personalidade desses hom ens, mas as enfermeiras que lin.uu
tratadas dessa maneira dizem que se abstiveram de julgar o comp.mheim
porque é errado fazer juízos de valor. Se, contudo, não lóiem iap.i/i di
emitir um juízo sobre o hom em com quem viverão e com quem n i.i< i li
lhos, sobre o que emitirão juízos?
“ Não deu certo” , dizem , e o que não deu certo Inl o n I n i. i.ti• u\ih• •
que concebem com o algo possuidor de existência m deprii'li nu d i >lm
pessoas que o com põem , e que exerce uma mlluein I.in.i n.i iil> ■■■,,<
sr fosse um a conjunção astral. A vida é sorte.
N os textos a seguir tentei, prim eiram ente, d c.i n v n m di I in 11 i
realidade da subclasse e, então, revelar a origem d< v.a n 111• I nl> q ..........
propagação de ideias m ás, insignificantes e insincei.r. I l.m ................. .
dizer que um a avaliação verdadeira das causas da iiiIm i i.i d.i *.ul" 11 > >
proveitosa, caso desejem os com batê-las e, principalm ente, • \ li.u uln
ções que só agravarão esse cenário. Se traço um quadro de um i Miln d*
vida que é totalm ente sem encanto ou m érito, e descrevo nitiii.e. |n ■u
pouquíssim o atraentes, é im portante lem brarm o-nos de <|in , i.e.o h.ij.i
culpa, um a grande parte é devida aos intelectuais. N ão deveriam tei sido
tão tolos, m as sem pre preferiram evitar-lhes o olhar. Consideraram a pu
re/a das ideias m ais im portante que as reais consequências. Desconheço
egotism o mais profundo.
Florence Nightingale (1820 1910) tornou so famosa .10 tr.n.ii' ilos lí-i ldn'. n.i
j.MH-i r.i da <’rlmc-la r loi .i pioneira da cnlerina^eni profisNion.il moderna ( N I )
l u l l I M ll H, H o X\
realidade
sombria
K a Faca Entrou...
17
1 — Ü um erro supor que todos os hom ens, ou ao m enos todos os in-
| gleses, q ueiram ser livres. Ao contrário, se a liberdade acarretar
i H responsabilidade, m uitos não querem nenhum a das duas. Felizes,
i roçariam a liberdade por um a segurança m odesta (ainda que ilu só
ria). M esm o aqueles que dizem apreciar a liberdade ficam m uito p ouco
entusiasm ados quando se trata de aceitar as consequências dos atos.
() propósito oculto de m ilh ões de pessoas é ser livre para fazer, sem
mais nem m en os, o que quiserem e ter alguém para assum ir quando as
coisas derem errado.
N as últim as décadas u m a p sic o lo g ia p ecu liar e característica sur-
gin na In glaterra. Há m u ito se fo ram a c ivilid ad e, a in d ep en d ên cia
firm e e o ad m irável esto icism o que con d u ziram os in gleses ao lo n g o
dos anos de gu erra. Isso fo i su b stitu íd o p o r u m a lam ú ria escu sató ria
constante, q u eix as e alegações esp eciais. O colap so do caráter b r i
tânico fo i ráp id o e co m p leto , assim co m o o colap so do p o d e rio da
(Ira bretanha.
Ao ouvir o relato que as pessoas fazem das próprias vidas, com o faço
iodos os dias, fico tomado de surpresa pela pequeníssim a parte que atri
buem aos próprios esforços, escolhas e ações. Im plicitamente discordam
da lamosa máxima de Francis Bacon de que “ o m olde da fortuna dos
hom ens csiá, piliu ipalmente, nas mãos deles” .1 Em vez disso, v m n se
com o massa nas mãos do destino.
É instrutivo ouvir a linguagem que utilizam para descrever suas vidas.
A linguagem dos prisioneiros, em especial, nos ensina m uito a respeito
do fatalismo desonesto com que as pessoas buscam explicar-se para os
outros, especialm ente quando os outros estão em posição de ajudá-las de
algum a maneira. Com o m édico que assiste pacientes um a ou duas vezes
por semana, fico fascinado com o uso da voz passiva e de outros tipos de
discurso utilizados pelos prisioneiros para indicar o suposto desamparo.
Descrevem -se com o m arionetes do acaso.
Não faz m uito tempo, um assassino foi ao m eu consultório na peni
tenciária logo após ser preso para buscar um a receita de metadona, droga
em que era viciado. Disse-lhe que prescreveria um a dose menor, e que num
espaço de tem po relativamente curto deixaria de receitá-la. Não iria receitar
um a dose de manutenção para um hom em condenado à prisão perpétua.
- E - ele disse —, sorte m inha ter vindo para cá com essa acusação.
Sorte? Já havia cum prido um a dezena de sentenças prisionais, muitas
por violência, e, na noite em questão, trazia consigo um a faca, que deveria
saber, por experiência, estar disposto a utilizar. A vítim a do esfaqueam en-
to, no entanto, é que foi o verdadeiro autor da ação hom icida: se ela não
estivesse lá, ele não a teria matado.
M eu assassino, de m odo algum , está sozinho ao explicar seu feito
com o algo que se deveu a circunstâncias além do controle. Por coinci
dência, agora existem três esfaqueadores na prisão (dois deles em prisão
perpétua) que utilizaram exatamente a m esm a expressão ao m e descrever
o que aconteceu. “ A faca entrou” , disseram , quando pressionados a recu
perar a m em ória supostamente perdida dos acontecimentos.
A faca entrou, aparentemente, não guiada por m ão hum ana. As tão
odiadas vítim as eram encontradas pela faca, e facas levadas às cenas dos
crim es não eram nada, se com paradas à força de vontade dos próprios
objetos inanim ados que determ inaram o desfecho infeliz.
1 F ran cis B a co n , Ensaios. Trad. e pref. Á lvaro R ibeiro. L isb oa, G uim arães E ditores,
1 9 9 2 , X L , p. 1 4 6 . (N .T .)
’,.111 1,111 ,|| MII11111,1 \i I', 111<I I i 1,1 ii.illll.11e, 1.11V«*/ niM CV..ÍI 1,1, lllll.l I l r l r ‘,,1 ) i'.l
(1111• .I p.ir.l 11111 >111.11 ,1 1111 >111 il.l'. vllllll.is .1 1(111,'.IS lór.l (lo c o lllliilc ilrlr'.
u iii reconhcí iiik iiIo ili i <",|><>iis.il>iIi(liicli- m uito rápid<> poderia resull.u ii< >
( ( »lapso total de seus ân im o s r, possivelm en te, levaria ao su icíd io. A evasai <
veuieiite I i.i iii I in 111111M Iil ,t 1 1<)>, ilc ( ,ii ii is e, ,m ui,I .issl 111, 11 insider,ll sr la,
I 111 K l . l 11 K M 1 1 . 1 111 K ' 1 1 1 1 ' . lllll,I III ", S I 1,1 < I < T C I I I < '
( ) l . l l o i l c I is < l l 111 11K is< is sc III I l i e l l ' . l li sleril ' ci ll .1 l'CS|)( n is, 11il IK l,l< It* tie
si ns ,iins para o iilro loc.il c ilustrada por algu m as das exp ressõ es (|iie uli
ll/am (in n m ais freq u ên cia nas consultas. A o descrever, por ex e m p lo , a
'perda tic e q u ilíb rio que os leva a agredir qu em q u er q u e os desagrade
s i i I k ien lcm cn le, dizem , “ tenho a cabeça quente” , “ perdi a cab eça” ,
( ) qu e exatam ente querem dizer com isso? Querem d i/c r q u e con
sideram so frer de um a form a de epilepsia ou outra pato lo g ia cerebral
i ii|,i única m anifestação é a fúria involuntária, e que é dever d o m édii o
i 11 i.i los. Muitas vezes, p õem -m e de sobreaviso dizendo q u e alé q u e aclie
.< cura para tal com portam ento, ou ao m enos prescreva as dro gas qm
so licitam , matarão ou m utilarão alguém . A responsabilidade, q u an d o n
li / in in, será m inha e não deles, pois sei o que farão e terei fracas.s.u li i n n
len i,ir evitar. Assim , suas doenças putativas não som ente exp licam e absi il
vem as más condutas anteriores, com o tam bém os exoneram de qu alqm i
i o m lu la im própria no futuro.
Além disso, por advertirem -m e das intenções de efetuar luturos ala
ques, colocam -se com o vítim as e não com o perpetradores. Di/em ás au
loriilades (no caso, eu) o que farão, e m esm o assim as autoridades (eu, de
novo) nada fazem. Então, quando voltarem à prisão após com clei oiilio
crim e horroroso, sentir-se-ão prejudicados pois “ o sistem a” , rcpre.seiilaili i
pela minha pessoa, m ais um a vez os decepcionou.
Se, no entanto, eu tomasse a direção oposta e sugerisse a dfieui.ilo
preventiva até que consigam controlar os temperamentos, seniii se iam
ultrajados pela injustiça da m edida. Que tal um habeas corpus? Que dl/ci da
inocência até que provem a culpa? E nada deduzem do fato de que geial
mente podem controlar os ânim os na presença de um a força suficiente
mente antagônica.
Crim inosos violentos muitas vezes usam um a expressão auxiliai a
"p e rd e r a cabeça” ao ex p licar seus atos: “ não estava em m im ” . Eis o "psl
e o lo g u ê s ” dos b airros pobres, eis co m o a doutrina do “ verdadeiro e u " é
refletida pelas lentes da degradação urbana. () “ verdadeiro e u ” não guarda
M i m ll, ti li ti S i l l l l l ll I I I I ll I I II H I l l l l l l l l II
relação algum a com o "eu fen om ên ico” , aquele “ e u ” que toma as bolsas
das senhoras, entra nas casas das pessoas, espanca a m ulher e os filhos ou
que bebe dem ais frequentem ente e se envolve em brigas. N ão, o “ verda
deiro eu ” é um a concepção im aculada, intocada pela conduta hum ana:
é aquele inexpugnável núcleo de virtude que perm ite m anter o respeito
próprio, não im portando o que faça. O que sou não é, de m odo algum ,
determ inado pelo que faço, e enquanto aquilo que fizer não tiver nenhum
significado m oral, caberá aos outro garantir que o m eu “ eu fen om ên ico”
aja conform e o “ verdadeiro eu ” .
Por isso os detentos am iúde usam outra expressão: “ precisar pôr a
cabeça em ordem ” . A im agem visual que têm de suas m entes, suspeito, é a
de blocos de montar, em pilhados de m aneira desordenada, que o m édico,
ao rem exê-los dentro do crânio, tem a capacidade e o dever de colocar
em perfeita ordem , assegurando que, dali em diante, toda a conduta será
honesta, obediente à lei e econom icam ente vantajosa. Até que essa arru
m ação seja feita, sugestões construtivas - aprenda um ofício, m atricule-se
num curso por correspondência - esbarram no refrão: “ Farei, quando ti
ver posto m inha cabeça em ord em ” .
N o centro de toda essa passividade e recusa de responsabilidade está
um a profunda desonestidade - o que Sartre teria cham ado de m á-fé. M ui
to em bora os crim inosos violentos possam tentar culpar outras pessoas,
e m esm o que consigam transmitir qualquer aparência de sinceridade, sa
bem , ao m enos por um tempo, que o que dizem é falso.
Isso fica claro no hábito de viciad o s em d rogas de, reiteradam ente,
alterar a lin g u agem segun do o interlocutor. C om m éd ico s, assistentes
sociais e agentes de liberd ade co n d icio n al - com todos os q u e possam
se m ostrar úteis, p or receitar ou p or ter capacidade de dar testem u
n ho —, eles enfatizam o desejo esm agador e irresistível pela d roga, a
in to lerabilid ad e dos efeitos da abstinência, os efeitos deletérios que a
droga tem sobre o seu caráter, sobre a capacidade de ju lgam en to e o
com portam ento. Entre os viciad o s, no entanto, a lin g u agem é bem d i
ferente, otim ista, em vez de abjeta: versa sobre on de se p o d e con segu ir
um a droga de m elh o r q ualidad e, on de a droga é m ais barata e com o
aum entar os efeitos.
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I1!!:. qui' vrm ,i lini.i .1 1111111 <111 1.1 miIiIiiiiIii.ii <1.1 lllosolla marxista .1
in II, ,1(1 (!(' (llll' 11.11 I I .1 I I HIM 11'III 1.1 (1(1 III il I HI 11 quo del (Till Ill.l .1 OXlMeil
I 1,1. 111.is, .KI et ml 1,11 in, .1 ex 1st cm 1.1 MK'i.il c| lie determ ina a conscient la Sc
I .r.'.ini, os homens .mula deveriam morar em cavernas, mas c liasi.inlc
vi’ iossim il para abalar a confiança das classes médias que o crim e 1 nin
I>1 <iblcma moral e não um problem a de disposição de ânimo.
Nessa rica mistura de incerteza e equívoco, os historiadores sociais im
dem .1 acrescentar um a pitada de provocação, assinalando que as classes me
dias viam o crim e com o um problem a m oral desde o século XVIII, quando
I mi ,1 muitos malfeitores a situação era realmente outra, já que, nessa ópih .1.
nimias vezes o único m odo de conseguir alimento era roubar. Afirm ar Issi 1,
I' 1 Iam, é negligenciar a mudança fundamental nas oportunidades de vida
.pu m orreram desde então. Na Londres georgiana, por exem plo, a expet
taiiv.i de vida ao nascer estava em torno de 25 anos, ao passo que hoje esta
1111 / S anos. N o auge da era vitoriana, a expectativa de vida da família real
II a '>()% mais baixa que a das parcelas m ais pobres da população de hoje
( Vriamente, agarrar-se a explicações que podem ter tido certa força, mas
que não são mais plausíveis, no sentido m ais literal, é ser reacionárit >.
O próprio m odo de explicação oferecido pelos progressistas para
crim e m oderno - que parte das condições sociais direto para o compni
lamento, sem passar pela m ente hum ana - oferece aos crim inosos uma
desculpa perfeita; desculpa cuja falsidade é percebida com ,1 panela dt
inteligência que possuem mas que, no entanto, é útil e conveniente p.u 1
lidar com a burocracia.
Por fim , consideremos o efeito popular da constante repclli.ao da
injustiças realizada pelos m eios de comunicação. As pessoas, loup dt >,<
acharem extremamente afortunadas se comparadas a todas as populai.m
anteriores, passam a acreditar que vivem nos dias atuais na pior das épi 11 as
1 sob os mais injustos regimes. Cada convicção errônea, cada exem plo dt
( 1 mduta ilegal da polícia são tão alardeados que até os criminosos pr<iflssli 1
nais, mesmo aqueles que cometeram os atos mais horrorosos, devem api n >
rislicamente sentir que podem ter sido tratados com injustiça ou hipocrisia
li a noção dissem inada de que a desigualdade material é, em si, um
sím bolo de injustiça institui ionall/ada também ajuda a fom entar o crim e
1994
\ \ li III U M M t U j i I n
1 ma das enferm arias do hospital onde trabalho é destina
pacientes que se envenenam deliberadam ente por overdose. Trata
y m os cerca de 1.200 casos por ano, de m odo que a cada dia de
i rabalho tenho a firm e convicção de que até aquele m om ento já ouvi todas
as lolices, todas as depravações, todas as fraquezas e toda a crueldade que
os seres hum anos têm a oferecer em form a de narrativa. A cada dia que
passa, no entanto, m inha fé na capacidade de os seres hum anos arruina
rem totalmente suas vidas é renovada: não foi à toa que LeonTolstói escre
veu no início de ./lima Karenina que todas as fam ílias felizes se parecem enln
si; as infelizes são infelizes cada um a à sua maneira. E claro que pode ,< i
um exagero cham ar os arranjos sociais em que vive a m aioria de meus pa
cientes de fam ílias, mas, ainda assim, o argum ento é válido. Sincera nu ni<
as formas de m iséria hum ana são infinitas.
Façam os um retrato p an orâm ico da enferm aria e exam inem os o
que pescam os no dia anterior nesse grande oceano de infelicidade que
nos circunda.
Na prim eira das seis camas está um a jovem , descendente das índias
( )cidentais, 21 anos, cabelos tingidos de laranja e unhas pintadas de ama
relo brilhante. Diz-me que fora professora da escola de enfermagem , mas
depois “ caiu doente” de um mal cuja natureza seria indelicado perguntar,
|á que o produto, e não a preeondição de receber auxílio-doença dos cofres
públicos, é um a total fraude. Ela tem um tremendo olho roxo e um grande
inchaço na testa. Conta que tom ou um a overdose depois que o ex-namorado,
de dezenove anos, a espancou.
- Por que ele fez isso? —perguntei.
-T elefo n ei para ele - respondeu. - Disse que não queria que lhe tele
fonasse nunca mais.
- Então ele voltou e bateu em você?
-É .
- Ele sem pre bate em você?
- N ão - disse - , norm alm ente, ele m e dá um a cabeçada.
:iii \ V l l l n MM M f t l j H H
N .1 |il t )h111l.i >.1111,1 h lllii', illii.i yarola e'.yuiia île 1111111 / r .uni'. I Js.l mil
li.lliilll Vrim rlllii VIVI i i 11 >1111.1'. Iiclll |IISl.lS, CIK Ile SC de «<>1111<I.I e depuis
viimil.i tudo |.i «'ï 11 >u il’. |ni l-.< >s cm diversas ocasioes loinou as |il 111 l.r.
h
aiil h oagulantcs do padrasto, que precisa torná- las, pois sofreu uma eu ui
y;ia cardíaca, li uma criança problemática e foi levada ao hospital pela mai-
11 hno se losse um saco de batatas. O gesto suicida da fi Ilia a atrasara para . i
bmyo. Fazendo beicinho e sem pre à beira de um ataque de birra.a menina
di/ (|iie não quer voltar para casa.
Por causa da sua mãe e do seu padrasto? —perguntei.
Não —diz ela.
Nao quer voltar para casa porque fora estuprada há três meses cm
ah;iini\lugar do conjunto habitacional onde m ora e, desde então, aparei <■
iam algum as pichações dizendo que ela gostara de ser estuprada e <111< c
uma "piran ha” (ou seja, um a m enina de virtudes m ais fáceis que a média,
.1 levarmos em conta a idade, classe social, o nível educacional, etc.). I ss<
c um ponto de vista com o qual a m ãe concorda plenam ente, e por isso a
paciente decidiu sair de casa e viver nas ruas, em vez de voltar para ( asa
líla também não quer ir para o abrigo m unicipal de m enores, e na< >
posso culpá-la. Diz querer ser descoberta por um a fam ília do serviço de
acolhim ento familiar, mas a assistente social inform ou-m e que não só ■
■liIh il arranjar um a fam ília às pressas, mas que, um a vez que a família di
acolhim ento conheça seu histórico — as constantes faltas à escola, a buli
mia, os pulsos cortados —não concordarão em ficar com ela. A única ■<du
çao possível seria viver com a tia (irm ã da m ãe), onde vivera ante. i Ima
lao léliz que se com portara bem. A mãe, porém , exercendo seus dm u< r
para não dizer deveres, parentais, proibiu, de m odo específico, que ,i lilli i
\ ivesse lá exatamente porque, suponho, na tia, a filha se comportara bem
A mãe queria livrar-se dela tanto quanto ela queria livrar-se da mãe, ma-,
a mãe também queria manter a ilusão de que esse desejo decorria unit a
mente do m au com portam ento da filha. Para disfarçar sua parcela de culpa
nessa situação e a indiferença que nutria pela própria prole, era imperii>si >
que não fosse encontrado nenhum lugar que fosse tão agradável à filha a
I » mio de lazê la m elhorar de c<>mp<irtamento.
N.10 l!i/ m u ito sen tid o co n tin u a r essa co n versa, p o rta n to , p assem o s
11.11.1 o p róxim o leito. N ele está um a m ulher m agra de 27 anos, origi
11.111.1 d.is índias O cidentais, que bebeu m eio vid ro de m etadona. lil.i
......seguiu com um am igo, que con seguiu com outro am igo (a pesso.i
p.11.1 quem , na verdade, a substância foi receitada é com o um ancestral
disi.m ie, que som ente um diligente genealogista pod eria esperar desco
In ir) lila tom ou a m etadona para ajudá-la a largar o crack, que já vinha
ii'..mdo muitas vezes ao dia, p or dois anos. V ivia em casa com a m ãe e .1
11111.1 de nove anos.
li o pai da sua fdha? - perguntei delicadamente, com o se estivesse
mvesligando seu histórico de doença venérea.
Não tenho m ais nada com ele.
lile ajuda, de algum a maneira, a filha?
As vezes, ele a vê.
Com que frequência?
Quando tem vontade.
() crack gratuito não durou para sempre, é claro, e logo ela teve de pagai
I■. por icr perdido o em prego, a única maneira de pagar foi aceitar o que o
New liii(|l(iinl (oiirnal of Mcili« n«'1 1 1 Tlir l iincii agora chamam de “ trabalhe>sexual"
A mãe da m oça, que tom a conta de sua filha, chega à enfermaria. Tem
uns cinquenta anos, veste um tailleur azul e um chapéu fora de m oda com
véu e luvas brancas. Com o um a pessoa de m uito respeito, dona de casa e
m em bro da igreja que aos dom ingos fala em línguas, está profundam ente
aflita com a vida dissoluta de vícios da filha, em bora faça um grande es
forço para disfarçar tamanha e profunda angústia. Assim, enviam os a filha
para um centro de reabilitação de drogados.
N o últim o dos seis leitos da enferm aria está um a m enina de dezoito
anos olhando para o teto. Tom ou sua overdose, diz-m e, p orq ue detesta a
vida. De acordo com a m inha experiência, contudo, pessoas que detes
tam a vida dificilm ente se preocupam tanto com a própria aparência,
donde deduzo que algo m ais específico a está incom odando. Saiu de casa
e foi viver com um a am iga. Tom ou um a overdose após um a briga com o
nam orado, dez anos m ais velho do que ela, um ex-soldado dispensado
do exército de m aneira desonrosa por fum ar m aconha. Há nove meses
ela é sua nam orada (por toda a sua vida sem iadulta), e até agora ainda
não foi m orar com ele. Ele, no entanto, tem m uitos ciúm es dela. Quer
saber onde ela está a cada m inuto do dia, e a acusa de infidelidade, visto
ria suas coisas, checa suas atividades quando ela está ausente e exam ina
a sua bolsa. Apesar de ainda não ter batido nela, p or vezes ameaça. Agora
ela tem pavor de ir a qualquer lugar sem ele, pois tem e sua reação. Se
saem juntos, ela nunca som e de vista.
-V o cê sabe alguma coisa a respeito das ex-namoradas dele? - perguntei.
- Ele estava vivendo com um a delas, mas ela o deixou quando desco
briu que ele estava saindo com outra.
- O que m ais interessa o seu nam orado, a não ser você? - perguntei.
- Na verdade, nada.
- E quais são os seus interesses? - perguntei de novo.
- N ão m e interesso por nada. - ela respondeu.
\ \ | i ! m m m ! <m i |i M i
H.i i l r i i ’ ,1.1 i i I 1111111 I ' n m.il i c i h i i n c r . iilii ( Itic ii.u i .1 I i ,i
11' ( 111< - 1 11 t i 11111111
hi li> Lu lc I -, Iii v i Hi I n.ii 1111 1<- cl,I Ici 1 11.1 algum a habilidade 1.1 iam ui .1 CM I ill
i , i 111 q u e p ô d e , e m b o r a e u c o n s i d e r e q u o H a to m tu n a i n t e l i g ê n c i a a c l m a
Il.t media, lim todo caso, Ha nunca se esforçou por estudar porque iss< i nau
i ia MH ialmente aceito. Em suma, disse-lhe que sempre optara pelo iiienoi
i slorço, e com o advertira W illiam Shakespeare, “ de nada sairá nada" 1
() que devo fazer? - perguntou-m e.
O seu nam orado a aprisionará - disse-lhe. - Ele dom inará m
plci.unciiic a sua vida e, se você for viver com ele, ficará violento. Voo
pav.ará muitos anos sendo m altratada e sofrendo abusos; por fim , você o
deixará, mas não terá sido um a vítim a. Ao contrário, terá sido coaulora
da própria desgraça, porque agora eu lhe disse o que você deve esperai
ilcv.c relacionam ento, da m esm a m aneira que seus pais e am igos a acon
■.filiaram.
Mas eu o amo.
Você tem dezoito anos. A lei diz que você é adulta. Você deve decidii
Aqui está meu núm ero de telefone, ligue para m im se precisar de ajuda
Nosso passeio pelos seis leitos term inou: nada incom um ou fora do
comum hoje, na rede só pescamos um a m édia de patologia social, desco
iiliei iinento das realidades da vida e busca voluntária pela angústia. Ama
iilia c outro dia, mas a mesma maré de infelicidade baterá em nossas p< n i.r.
A atitude suicida - tam bém conhecida com o “ parassuicídio" ou
"m aus (ratos intencionais” , esforço vão de encontrar um term o científico
pcrléito — é a causa m ais com um de entradas nas em ergências dos hos
pilais na Inglaterra entre mulheres e a segunda causa mais com um entre
homens. Há mais de 120 m il casos por ano, e a Inglaterra ostenta um dos
índices mais altos desse com portam ento no m undo. O índice de suicídios
II impletados, no entanto, é bastante baixo para os padrões internacional',
Não creio que isso indique um a queda geral comparativa na competência
técnica dos ingleses (“ Made in England” , afinal, não indica mais qualidade c
\ V i l l i l l l i i ' >t|l ji h i
A :. I c y M il.ii 11 1 . 1 1 11 • I .in -.in .r., < I n ) t l i c i t I, I I .I < m i , I , -.1 t i l i l l / . i t I . I -. I < H 11
|n '.m i ,f. I’m f xt i 11| >lt I, o m iiiit'Ki tlf pat ifiilc s t|iif ingressaram n.i ini'.
I fn it I m aria tlim iiniiii tlf m od o arrebatador durante os p rim eiro s di.f,
■la (Ju crra do G o llo f durante os cam peon atos eu ro peu s de luiebol A',
p. ..I i.i', eslavam absortas, durante u m p erío d o , em assuntos diferentes d r
I nu '.mas para pensar em su icíd io — se b em qu e viam televisão. () tédio
.In riisim csm a m en to é, portanto, u m dos p ro m o to res das atitudes sim i
.1,1-., r lit ar ligado p o r u m tem po em u m m o n ito r card íaco ou tom ar uma
in lir.ao intravenosa p e lo b raço ajuda a aliviá-lo. Sou tratado, logo existo.
Padrões tam b ém são discern íveis n o flu x o d iário de um a ala hospila
lai .it.irelada. Há, por exem p lo , a overdose p ré-co m p arecim en to ao tribunal,
. ii n uim elrada para evitar precisam en te o com p arecim en to d o su jeito no
I i.iii i o dos réus e calculada para evocar co m p aix ã o qu an d o ele íin alm en tr
11 m ipareter, ofertan do, ao m e sm o tem po, u m a h istória psiquiátric a. Qual
<11ii i um to m h istó rito p siq u iátrico , provavelm ente, não deve ser m uito
11 .|)t ins.ivel pelas p ró p rias ações e, p o r isso, p o d e esperar recebi'r a t< >riv.
pm itlente redução de sentença.
D epois tem os a overdose pré-em p reg o. U m n ú m ero s u rp re e n d n ilr dr
p f.s o a s d esem p regadas qu e, p o r fim , eneontram u m a o cu pação tom am
uma overdose na n oite da vésp era do p rim eiro dia de trabalho. O nat >11 mipa
u i m ifiito na m anhã segu in te os p õ e na ru a antes m esm o de c thiu i. i h iii
r assim ingressam , m ais u m a vez, nas fileiras de desem pregadi >■.
I'! então tem os, novam en te, as jovens indianas que tom am ovniliiu p.u i
iii
11M ,|| I 111i.i ni i li i ImmI ,i h Ul i Hl iU It il 11i.i I ili III 11111' l.r. 1.11'. |ii ' Mi.r.
I I IIII Hl l VIIII 111<I 11,11,1 , , 11 Lu II >
11,111 III ||| IS |ICÍ.M 1,1 Is I .1 IIII I ".'.II L|| Ir I II
iL m 111 do iiin in tiiiii, i ii.iiLi i ui, iis lortr, porem mais inconstante, <|iu ,i
ui 11 .'.K Lide e o (leseji >sem ,is amarras da obrigação.
Inlcli/.m ente, os caprich o s de duas pessoas raras vezes coin cidem
V im, as vidas em o cio n ais dessas pessoas — qu e, lem b rem o s, têm poit
■111i'. .i 11ias coisas qu e tragam co n fo rto o u atraiam o interesse estão rcpci i
■Lmienle cm crise. São as estrelas das p ró p rias novelas. U m a overdose com ,i
■' 11e/a de que a ajuda está à m ão - sem pre é o m e io m ais fácil de alivi.u ,r,
i oiii inuas crises de suas vidas. O hospital é caloroso e acolhedor, a equ ip e.
i dinprocnsiva. N o m u n d o que descrevi, para onde m ais p o d e m recorrer?
I J.i m aio ria das vezes os pais são hostis e os am igo s estão n o m esm o barco
A m aior parte dos que to m am overdose — n em todos, é claro - vivem
..... vazio existencial. São vozes que b rad am de u m abism o — um abism o
i i i.iilo, em gran de parte, pela ideia, vend id a p o r gerações de intelectuais,
iL (|uc a segurança m aterial e relacionam entos h u m an o s sem qualqiiei
iip o de am arras necessárias torn ariam a h um an id ad e livre, m u ito além dos
Mm lios das incultas e m en o s afortunadas eras do passado. Ser ou não ser?
i >s qu e optam p ela overdose esco lh eram u m a terceira via.
I9‘>/
ser láo p rofun da e realista quanto a fam osa descrição de Karl Mai di
ru m o seria a vida sob o regim e com unista, um a vez que a ■•(» i< <la< !•
ri ao estaria m ais d ividida em classes concorrentes. N a sociedade m n n i
ilista, escreveu M arx, n in gu ém teria u m a esfera de atividades exclusiva
em vez disso, o h o m em p od eria caçar pela m anhã, pescar à Urde. ,i
noile dedicar-se à criação de gado, criticar após o jantar, exatariieiile
de acordo com a p ró p ria vontade, sem que jam ais se “ torne caçador,
pescador, pastor ou c rítico ” .1 Sob o m ulticulturalism o, a pessoa pode
1 K.u l M arx e F rie d rich Fngels, A Ideologia Alemã. Trad. R. Enderle, N. Selincidci i l
Marli ira ui >. São Pau In, Uc liirm pn , 7 ,007, p. 38. (N. T.)
voltar-se a M eca pela m anhã, sacrificar um a galinha de tarde, r ir à
m issa de n oite sem jam ais tornar-se m uçu lm an o, anim ista ou católico.
Com o um m édico que trabalha num bairro pobre com muitos im i
grantes, vejo o multiculturalismo de baixo para cima e não do alto da teoria
para baixo. E claro que, pelo que assisto quase todos os dias, nem todos os
valores culturais são compatíveis ou podem ser conciliados pela enunciação
de lugares-comuns. A ideia de que todos podem os viver bem juntos, sem
a lei ter de distinguir favoravelmente um conjunto de valores culturais de
outro, é mais do que simplesmente falsa, e não faz nenhum sentido.
D eixem -m e dizer, de um a vez por todas, que acredito na im igração
com o um fenôm eno saudável, especialmente para um a nação com o a Grã-
-Bretanha que, caso contrário, seria insular e introversa. Em geral, os im i
grantes são trabalhadores incansáveis, em preendedores, e enriquecem a
vida cultural —isto é, desde que não lhes deem a distinção social de vítim a
ex officio e a cultura deles não seja do m esm o tipo de patrocínio condescen
dente com que o Estado Soviético tratava as m inorias.
U m grande núm ero de im igrantes, de fato, consegue viver m uito bem
em duas culturas ao m esm o tempo: não porque alguém lhes diz para agir
assim, mas porque querem e porque precisam.
Apesar de tais sucessos, contudo, muitas vezes surgem conflitos entre
indivíduos e grupos por causa de padrões culturais, crenças e expectati
vas diferentes. Para nós, esses conflitos podem ser resolvidos ao apelar
m os para o princípio superior, profundam ente arraigado na lei, de que
os indivíduos têm direito (dentro de lim ites definidos) de escolher com o
viver. Essa noção ocidental de individualism o e tolerância não é, de m odo
algum , vista da m esm a m aneira em todas as culturas.
Sou procurado por um grande núm ero de m oças jovens, cujos pais
vieram da índia ou do Paquistão para a Inglaterra, mas perm aneceram
profundam ente arraigados aos valores que vigoravam nas aldeias remotas
de onde em igraram há vinte ou trinta anos. Até m esm o é possível que,
não obstante o espírito em preendedor que os fez sair da terra natal, se
jam , culturalmente, ainda mais conservadores que os compatriotas que
perm aneceram no país de origem , visto que m igrar m eio m undo é m uito
estressante e desorientador. Dessa maneira, os costumes antigos tornam se
>i) \ \ l l l f l H M ! <HI ( M m
I I I I .1 . i l l ' l l I I ' . 11 I I I J ' l , l I I I I I > • 111 • I III I U I 1 1 II I ' . 1 11 III 11 II 1.1 ‘ . . I I I 1 1 . 1 1 .1 . 1 . 1 I 1 . 1111 , .1 I H I
!.r|,l «'OHIO I'H, .I'. 11 111, r. 1 11 ", ' , rs 11II i g r a n t I'S, |)ol I n cl 11 c r e s t l< l< > i'll I I III I
II m i o t nil in .11 <I1I<1<11IC, 11.111 a c e i t a m m a is o s c o s t ill I i c s a " ' . <|i iai s o s p a r . •.<
III 11.mi com tanla tenacidade c <]ii<' llics par<‘<cm tão ii)(|iirslioi)avi'lmrnli
1 1 Hiriiis r naturais. O conflito norm alm ente gira em torno <l<■ assuntos
■omo rstiulo, carreira e amor.
lim a jovem m uçulm ana de dezesseis anos foi me encaminhada poi
■ini linha com eçado a urinar na cama à noite. Estava acompanhada d "
pai, um operário sem m aiores qualificações de origem paquistanesa, >
111 ■lamente vestida em cetins e sedas, com os tornozelos e pulsos cobertos
dl pulseiras e braceletes de ouro. O pai relutava em deixar ela que lalassi
......... go sozinha, mas por insistência minha, por fim , perm itiu.
I )r imediato, percebi que a jovem era altamente inteligente <■ prolun
da mente infeliz. Por conta da m inha experiência em casos conn >esse, na< i
di morou m uito para que descobrisse a fonte de sua infelicidade.
1 ) pai decidira que ela tinha de casar dentro de alguns meses com um lio
um 11 um prim o - de quem ela nada sabia. A moça, por outro lado, desejava
continuar a estudar para ingressar no curso de Literatura Inglesa na Univri
adade e, depois, tornar-se jornalista. Conquanto ela se controlasse bem
nas circunstâncias, heroicamente - não havia dúvida da intensidade passi< mal
IIr seus desejos e do desespero. O pai, no entanto, nada sabia a respciii >div.i i
p< irquc se soubesse, provavelmente, a trancaria em çasa e a proibiria d< s.m
•.alvo sob a rigorosa vigilância de um acompanhante. N o entendei do p.u
instrução, carreira e a escolha do marido não eram assunto para u n »,a-.
A jt)vem assistia ao desenrolar sem fim da vida futura dianIe <11 s i, \ t.1
.se <asada com um hom em que não amava, realizando tarefas d<um .10 1
ui;; ralas não só para ele, mas para os sogros, que, segundo o cost unir, vivi
II am c(>m o casal, ao passo que ela perm aneceria sonhando com um 1111111
■li 1 muito m aior que tão breve e tentadoramente vislum brou na csc<>la
lintrevistei o pai tam bém , sozinho. Perguntei o que ele achava estai
ei rado com a filha.
Nada - respondeu. Ela é um a m oça norm al e feliz. Só está urinan
d< 1 na cama.
S \ li In n u H |i M i
11 > i i >v<>ii I ) . i 11 c h i (li.inic, ii.mcou ,i cm casa, constantemente a surrava e a
11ui■miava com isqueiro, líla conseguiu tugir, em bora o m arido tivesse dito,
:1111c1., (|uc se algum dia a pegasse tentando fugir ou depois que fugisse,
ele i m.ilaria, para que ela pagasse na m esm a m oeda a hum ilhação que
el.i o li/,era passar na com unidade. A jovem voltou para a casa da m ãe que,
horrorizada pelo com portam ento da filha, disse que a m oça devia im e
diatamente voltar para o m arido (m esm o que ele fosse assassiná-la) para
pieservar o bom nom e da família. Suas outras filhas não conseguiriam
ui,iis se casar, caso a com unidade ficasse sabendo que esse era o tipo de
i (Hiduta a que a fam ília estava propensa. Se a m inha paciente não voltas-
'.e para o m arido, ela - sua m ãe - iria com eter suicídio. Dividida entre a
■iineaça de suicídio da m ãe e a perspectiva de ser assassinada pelo m arido,
« l.i escolheu a forca.
Na cidade, no m eu quarteirão, existe um a agência de detetives espe
cializada em localizar m oças im igrantes que fugiram dos m aridos ou dos
p.iis. Um a vez encontradas, provavelmente serão sequestradas por parentes
ou por um m em bro do com itê de vigilância da localidade — um a expe
riência que várias de minhas pacientes já viveram . E espantoso com o as
pessoas, hoje em dia, não reagem ao ver um a pessoa ser arrancada à força
de um local e jogada dentro de um carro - ninguém qiier se envolver nos
problemas dos outros. E a polícia, em geral, é m enos diligente nas investi
gações de tais casos por m edo de ser criticada com o racista.
Com frequência encontro jovens cujos pais, em flagrante desrespeito à
lei, proíbem as filhas de frequentarem a escola. Os pais recorrem a uma v.i
i icdade de subterfúgios para proteger as filhas da contaminação das idci.is
ocidentais. M édicos com placentes, do m esm o grupo étnico e cultural, <•
que partilham dos m esm os interesses dos pais, dão atestados m édicos para
doenças fictícias, seja para a criança seja para a m ãe da criança, que exi
gem a presença da criança em casa. Outra técnica é mandar a mciiin.i p.ii.i
.1 escola apenas um a semana por m ês, para manter os inspetores cseol.iri".
.ilástados. Estes, tam bém , agem cautelosamente, com m edo das acusaçi
de preconceito racial.
Uma paciente foi, desse m odo, m antida fora da escola após os
ou/e anos de idade por medo de contaminação pelas ideias ocidentais
S \ iilll MH h t l ji I I I
1 1III 11.li I I u i I <1 li t i l l , III ll I lii'ii 11111' 11 111, .1 I 11 III 11.1 III Ti l l III ill I.II I l f I ", 1,1m f l l l | i r
I ill,|i|( IS IIIIII l.l 11 ll,l i I 111111111 ,| I I ini I ,i ,| I l f g c I ui il I l.l I >| II cssiv. l r I l eg í I II 11,1
A if.ilid.ulf, '.f yum |i I 111 li 11i.i experiência, f inn I,mln ililrt'cnlc I'm
I hi m Iili I, ,i re I.ii, .li) m l re imigrantes il<) sul it I ml i lie Ilie i nili,I ii<) f d,i J.im.ii
1 .1, .in meiK is ii.i m inIia cidade, muitas vc/cs está longe de ser am igável, e a
In i'.i ilid.idf é extensiva às gerações nascidas na Inglaterra. As famílias lim
ilii1. 11u.ise sempre ficam consternadas (para usar um termo gentil) <pi,in
■In as lillias escolhem por amante um jamaicano. Sei de duas que li ira m
...... . por parentes próxim os para redim ir a honra da família aos olhos
il,i 11 imunidade. A prim eira, enforcada em casa; a segunda, levada de volta
p.ii.i o Paquistão, onde foi espancada até a m orte, e a polícia local conside
n mi iv,<i ii procedim ento correto, dadas as circunstâncias.
/\ tolerância religiosa não é um valor universalmente admirado. Não
M11 l.i ii.io é imitada ou praticada, assim com o o ceticism o polido, ou seja,
.1 indicação de um a absoluta falta de fé, é visto por m uitos com o anátema.
V, ielações entre hindus sikhs e os hindus m uçulm anos, por exem plo, s.io
particularmente tensas, e dificilm ente há desastre m aior num a família
ai r. i ilhos das respectivas com unidades - que um de seus jovens se apaixi i
in- por outro de religião diversa. As em oções telúricas suscitadas por tais
iclaçües muitas vezes acabam em violência. E difícil-um a semana cm que
nao tome conhecim ento de um caso trágico ou terrível.
Uma m oça sikh sim pática e inteligente, de dezoito anos, a pedido d.i
I.iniíIia, foi fazer com panhia à avó idosa, levando-a para casa de táxi, para
reiornar, depois, no m esm o carro. A com panhia de táxi era gerem i.nl.i
por sikhs, que não só trabalhavam transportando público em geral, m,e.
também atuavam com o vigilantes e guardiões da honra da com unidade
i ) m otorista em questão relatou ao irm ão da m oça ao deixá-la cm i asa
que, durante a viagem de volta, ao passarem por um bairro de maioria
m uçulm ana, ela acenara para um rapaz m uçulm ano. O irm ão, temendo
o pior, cham ou-a ao seu quarto e perguntou se a jovem , de fato, li/,era
aquilo. A m oça negou, mas ele não acreditou na irm ã. Pegou o bastão
de beisebol (um esporte que praticamente não é praticado na Inglaterra,
mas m uitos bastões são vendidos com o armas e detectores de mentira) e
tentou extorquir o que achava ser a verdade. M ais tarde, a m oça apareceu
\ \ i < I n i i /i S n r j r l n
I ll.ui I >.i 1 .1 1111 h lit I d iiimAIum I''' I ill 111h >*i iluevlvi nli". ilr um ,I i.ii.i
I \| ni h I-n I r x I ll li, .li I
N.m estou, ilr u i.uh 11 ,i algum a, I lu'g,null I ,i c I mi Ins,hi ilr <11U’ .is I nl
II il .is 1 1 esses 11. li lei I lei. u.n > | h issm mi m il Hi is, de 11 lie na< > 11 , 1 I i.k l.i ( |lle pus
s.mu is .ipi'ender com el,is (poi exem p lo , sobro o papel da so lidaried ad e
la mi I i.u ao possibilitar (|ue m u ilas crianças, qu e vivcm cm co n d içõ es li
su ai I i c i iie pobres, con sigam frequentar a esco la), ou m e sm o de q u i' não
lia nada qu e possa ser dito em favor da escala de valores q u e defen dem
<.Miando falo co m pais qu e acreditam nessas escalas de valores, m uilas ve
•i s lalam co m bastante elo q u ên cia e in teligên cia a resp eito da devastação
social qu e veem ao redor, na subclasse dos brancos, para os quais os re
......... nam entos h u m an o s são m u táveis co m o caleid o scó p io s, e cujas vidas
sai ' construídas sobre as areias m ais movediças. Com preendo perfeitamen
ii que aquilo que veem somente reforça a decisão de viver segundo as
IhI iprias crenças, e o que não desejam é ver suas crianças se transformand< >
naquela subclasse.
Não obstante, persiste o fato doloroso e inescapável de que muitos
aspectos das culturas que tentam preservar são incom patíveis, não só c< >m
I is costum es de um a dem ocracia liberal, mas com seus fundam entos ju
ridicos e filosóficos. N ão há dem onstração de preocupação ou eulém is
mos suficientes que possam alterar esse fato. Perm itir que certos grupos
se recusem a enviar as filhas para a escola, com o fundam ento de que
não faz parte da cultura deles, é dar a tais grupos um a espécie de direito
corporativo que, inevitavelm ente, resultará em um a guerra civil crônli a
com todo e qualquer grupo que reivindique tais direitos. Os indivíd..... .
tam bém terão de renunciar por com pleto às liberdades acreditadas pela
dem ocracia liberal ocidental.
A ideia de que é possível fundamentar um a sociedade sem nenhum
pressuposto cultural ou filosófico, ou alternativamente que todos os pros
supostos sejam tidos com o iguais de m odo que não se faça nenhuma es
colha, é absurda. Os im igrantes enriquecem - e enriqueceram nossa
cultura, mas o fazem por adição, e não por subtração ou divisão.
I 'm
Um a m oça que não absorvera nada na escola tinha, contudo, assim ila
do o jargão do politicam ente correto e, em particular, do fem inism o.
- Mas é um fato sim ples, direto e inescapável - respondi.
- É sexista - a garota reiterou com firm eza.
<>o \ \ I i I m MM 1 *111 j H t l
‘ Li li u i . it I< „111 In u i n u I ,n I 11 in ll IS / 0" ii I li'li". let I'lllt l IId l l r ( <I I I If Ii l Mill
,il)'iini .ili> d' vi' ilt in 1.1 tit nnt lit.I Apt)', t'slilt Iin .ii . fsl I. mjMiI.u oil .iprn.t:.
I'.in I n.itpii'l.is t|iic .Ivmii,i .ip.nt tfin nos registros m édicos com o comp.i
nlit'li.e., (omam uma overdose ao menos por um desses três m otivos, e às
vi i s, pelos três: para evitar com parecer ao tribunal; para chantagear emo
i ii in.ilmeiile suas vítim as; e para m ostrar que sua violência é uma circuns
i.iiMt.i médica, sendo dever do m édico curá-la. Das pacientes femininas
• 1111* tentam suicídio, uns 70% sofreram violência doméstica.
I i.id.is as circunstâncias, não é de surpreender que agora possa afirmar
num sim ples relance - com um bom grau de acurácia - , que um homem
■ violento para com os que considera im portantes (isso não significa, é
i Lm i, <111e possa dizer quando um hom em não é violento com sua com
I unhe ira). Na verdade, os indícios não são particularm ente sutis. Um.i
i il>et,',i hem raspada com muitas cicatrizes, fruto de pancadas com garralàs
■ai t tipos; nariz quebrado; tatuagens azuladas nas m ãos, braços e pescoço,
II >m mensagens de amor, ódio ou protesto, mas, sobretudo, um a expres
Hi làci.il de m alignidade concentrada, egoísm o indignado e desconfiança
li i.il ludo isso para não m ostrar logo o jogo. De fato, não analiso mais os
li illicit >s e deduzo a conclusão: a propensão de um hom em para a violência
i Imediatamente identificável no rosto e no com portam ento, assim com o
i|u.ilt|uer outro traço de caráter.
() que m ais m e surpreende, no entanto, é que as enferm eiras peru
linn as coisas de m aneira diferente. N ão veem a violência no rosto, nos
P tos, na conduta e nos adornos corporais do sujeito, m uito emhor.i n
uli.uii a mesma experiência que tenho com os pacientes, ouçam t|ii.r.i
i mesmas histórias, vejam os m esm os sinais, entretanto, não la/cm "
m esmos juízos. E m ais ainda, parecem nunca aprender. A experiênt i.i
com o a sorte, no fam oso dito de Louis Pasteur - só favorece os espíi In >■
preparados. E quando, num olhar rápido, adivinho que um hom em é um
inveterado espancador de esposas (utilizo o term o “ esposa” bem Iivh
m ente), elas ficam estarrecidas com a brusquidão de m eu julgam ento, ale,
mais uma vez, eu provar estar certo.
Isst >não é só um a questão de m ero interesse teórico para as enfermei
i .is, muilas delas, nas vidas privadas, são vítim as complacentes de homens
o i A V id n iiii S n r j r l n
ii.im orado ou m arido; e não há m otivo para supor que m eu hospital seja
i Illim ité de qualquer outro hospital local, que junto com o m eu oferecem
,u rudim ento m édico à m etade da população da cidade. Nos últim os cinco
,iiios lratei de, pelo m enos, uns dois m il hom ens que foram violentos com
su,is mulheres, nam oradas, amantes e concubinas. Parece-m e que tamanha
vi( ilência, em tão grande escala, não poderia ter sido facilm ente negligen-
(1,1 da em épocas anteriores —m esm o por m im . \
Existe um a excelente razão por que esse tipo de violência deve ter
.minentado durante a nova dispensação sexual. Se as pessoas procuram
liberdade sexual para si m esm as, m as fidelidade sexual da outra parte, o
i estiliado é a excitação do ciúm e, pois é natural supor que aquilo que um
l.i/,, está sendo feito da m esm a m aneira pelo outro - e o ciúm e é o preci-
p iu d o r m ais frequente da violência entre os sexos.
O ciúm e sempre foi um a característica das relações entre hom ens e m u-
II teres: a peça Otelo, escrita por W illiam Shakespeare há quatro séculos, ainda
é instantaneamente compreensível. Encontro ao m enos uns cinco Otelos e
umas cinco Desdêmonas por semana, e isso é algo novo,\caso os livros de
I isiquiatria impressos há poucos anos estejam certos ao afiri^iar que o ciúme
de lipo obssessivo é um caso raro. Longe de ser raro, hoje em dia é quase
,i norma, em especial entre os hom ens da subclasse, cujo senso frágil de
.uiioestima deriva unicamente da posse de um a m ulher e está sempre se
equilibrando à beira da perspectiva humilhante de perder seu esteio na vida.
A crença na inevitabilidade do ciúm e m asculino é um a das principais
r.i/.ões de as m inhas pacientes violentam ente maltratadas não deixarem
os hom ens que as maltratam. Essas m ulheres experim entaram , sucessi-
v.miente, uns três ou quatro hom ens desse tipo, e quase não faz sentido
Irocar um pelo outro. Os m aus-tratos conhecidos são m elhores que os
desconhecidos. Q uando pergunto se elas não estariam m elhor sem n e
nhum hom em do que com um algoz m asculino, elas respondem que
uma m ulher solteira na vizinhança é vista com o presa fácil para todos os
hom ens, e, sem o protetor nom eado por ela m esm a, ainda que violento,
s( >
1ivria m ais violência, e não m enos.
O ciúm e masculino - e a paixão é mais com um nos hom ens, apesar de
,r, mulheres, por sua vez, estarem quase alcançando os hom ens e se tornando
V \ i i I m Mm M m | H n
liam plctam enle desproporcional a violência, m ais funcional ela é, De Jato,
muitas vez.cs ele estabelece condições im possíveis de a m ulher cum prir -
tjur a releição esteja pronta, esperando por ele, no m om ento em que che
jjrti', por exem plo, em bora não diga nem m esm o quatro horas antes quan
do chegará em casa - exatamente para ter oportunidade de surrá-la. Na
verdade, esse m étodo é tão eficiente que a vida mental de muitas das m u
lheres violentamente maltratadas qúe atendo esteve concentrada, durante
a In is, nos seus amantes - no seu paradeiro, desejos, com odidades, estados
de espirito - a ponto de pôr de lado todas as outras coisas.
Quando ela finalm ente o deixa, com o quase sem pre ocorre, ele vê a
partida com o um ato de extrem a traição e conclui que deve tratar a próxi
ma ( <M/ípanheira com severidade ainda m aior para evitar que isso se repila.
Ao observar a instabilidade dos relacionam entos sexuais ao seu redor e
.u i refletir sobre a própria experiência recente, ele se torna vítim a de uma
permanente paranóia sexual.
Pior ainda, a tendência social desses tipos de relacionam entos é de
aulorreforço: as crianças que geram são criadas supondo que todos os
relacionamentos hom em -m ulher são apenas tem porários e estão sujeitos a
revisão. Desde a m ais tenra idade, portanto, as crianças vivem num a atmos
fera de tensão entre o desejo natural de estabilidade e o caos em ocional
que veem ao redor. N ão são capazes de dizer se o hom em de suas vidas - o
hom em a quem cham am de “ papai” hoje - estará lá amanhã. (Com o me
contou uma de m inhas pacientes ao falar da decisão de deixar o últim o
namorado. “ Ele foi o pai de m eus filhos até semana passada.” N ão é preciso
di/cr c|tie ele não era o pai biológico de nenhum a das crianças, todos esses
partiram muito antes.)
ü filho aprende que a m ulher está sem pre prestes a abandonar o h o
m em ; a filha, que os hom ens, inevitavelmente, são violentos e não são
confiáveis. A filha é m ãe da m ulher: e já que aprendeu que todos os re
lacionam entos com hom ehs são violentos e tem porários, conclui que
não há m uito que pensar no amanhã, ao m enos no que diz respeito a
escolher um com panheiro. N ão apenas há pouca diferença entre eles,
exceto qualidades acidentais de atratividade física, com o qualquer erro
pode ser consertado ao abandonar o hom em ou os hom ens em questão,
llciiliilnilt' H o m l i r i n I l i n A i n i i f tll* V y w i f l i i 07
Assim , podem os iniciar relacionam entos sexuais quase com a mesma serie
dade de raciocínio que dedicam os à escolha do cereal de café da m anhã —
esse era, precisam ente, o ideal de Kinsey, M ailer et ai.
Por que a m ulher não abandona o com panheiro assim que ele m an i
festa ser violento? Porque, perversam ente, a violência é o único sinal de
com prom isso que ela possui. Da m esm a m aneira com o ele quer a posse
sexual exclusiva da m ulher, ela quer um relacionam ento perm anente
com seu hom em . Ela im agina — falsam ente - que um soco no rosto ou
um a esganadura é, ao m enos, sinal de contínuo interesse, o único sinal,
além das relações sexuais, que provavelm ente receberá a esse respeito. Na
ausência de um a cerim ôn ia de m atrim ônio, um olho ro xo é um a nota
p rom issória de amor, honra, cuidado e proteção.
N ão é tanto a violência dele que faz com que ela o deixe, mas a
percepção derradeira de que a violência dele não é, de fato, um sinal de
com prom isso. Descobre que ele é infiel ou que sua renda é m aior do
que ela suspeitara e que é gasta fora de casa; é som ente aí que a violência
parece intolerável. Ela está tão convencida de que a violência é um a parte
intrínseca e indispensável da relação entre os sexos que se, por acaso, na
próxim a vez ela se relacionar com um hom em que não é violento, sofrerá
um terrível desconforto e desorientação; poderá até deixá-lo por esse h o
m em não dem onstrar suficiente preocupação por ela. M uitas das m inhas
pacientes violentam ente maltratadas contaram -m e que acham os hom ens
que não são violentos intoleravelm ente indiferentes e em ocionalm ente
distantes, visto que a ira é a única em oção que já viram um hom em ex
pressar. Elas os abandonam m ais rapidam ente do que deixam os hom ens
que as espancam e maltratam.
Os revolucionários sexuais queriam libertar as relações sexuais de
todos os conteúdos, exceto o m eram ente biológico. Doravante, tais re
lacionam entos não estariam m ais sujeitos aos arranjos contratuais restri
tivos dos burgueses — ou, Deus nos livre, aos sacram entos - tais com o o
casamento religioso. N ão haveria estigm a social relacionado a qualquer
conduta sexual que fosse vista, previam ente, com o repreensível. O único
critério que regeria a aceitabilidade das relações sexuais seria o consen
timento m útuo dos que nelas ingressavam: nenhum a ideia de dever para
S V i i l t l Ml I ' i f l M r l M
II tuI 11 i ii il 111 ( t ( ii 11 .r. | ii 1 1 | ii 1,1 . i I i.ii ii, ,i',, | ii ii i \ e iim l< l) .111 ,i| i.i II i.i I l.i .1 l r .ill
2 “N ão m e to q u e s” . (N .T .)
\ \ Ii I m h m H mi | H m
■ isle Ia I sign i lie.idi», agora estou convem i<t<» <h* <|tir e .1 beleza ml rinse
1.1, 1 certa conotação vagam ente sinistra relacionada às teias de aranhas
que atrai as pessoas para essa padronagem e as induz a se adornarem
r i m Adem ais, recordo nitidam ente a cena de um julgam ento de assas
‘»maio em que fui testem unha. O juiz e o advogado estavam enredados
mim debate ilustrado dos pontos m ais sutis da mens rea,3 sendo assistidos
IMlo crim inoso no banco dos réus e por sua fam ília nos assentos destina
■h i'. .10 público - todos, até a enésim a geração tinham proem inentes leias
■li aranha tatuadas no pescoço. N unca o p rin cíp io classista (com o os
m.irxistas costum avam cham ar) da justiça britânica esteve m ais visível
iln.ts ( lasses separadas, dentre outras coisas, pela propensão, por parte de
tim.i delas, para o autodesfiguram ento.
Um núm ero considerável entre os autotatuados introduz no corpo
■ 1 u/es suásticas. Inicialmente, achei profundam ente desagradável, um re
Hex o de suas crenças políticas, mas no m eu alarme, não levei em cot 1la
1 ignorância histórica abissal dos que infligem tais coisas a si m esm os
1’essoas que acreditam (com o um de m eus pacientes recentes) que a Se
iMiuda Guerra M undial com eçou em 1918 e term inou em 1960 - uma
aproxim ação m elhor das verdadeiras datas do que algumas que já ouvi
provavelmente não sabem o que eram os nazistas e o que representava o
sim bolo, além da brutalidade vulgar com que estão fam iliarizados, admi
ram e aspiram alcançar.
Um em vinte autotatuados ingleses adorna-se com linhas poniillud.is
ao redor do pescoço ou dos pulsos, com a instrução para o público cimin
AgiM, com o se fossem cupons de desconto em um a revista ou em um
|ornal - um a instrução que m uitos de seus conhecidos são perli i 1.11 m 111<
1 apazes de obedecer, visto que costum eiram ente carregam facas aliadas
Tais tatuagens p odem ter consequências sérias. Há pouco lem po,
um prisioneiro com as palavras no fear [sem m edo] tatuada de manelia
bem visível na lateral do pescoço veio queixar-se para m im e com ecei
.1 perguntar sobre seu histórico m édico. Ele costumava raspar o cabelo
e seu couro cabeludo parecia um gato velho, de um olho só e de orcllu
N \ l l i l t ( I I I 1 t||| |l | II
Assim eiiino m iillos c<imeçam iia in.u ■h111.1 c lei miii.uu mimimK, ,r,
m i m i.unbém a m aioria dos que se autotalnam > ontlnnam sendo (atuados
Ixti profissionais. E ilegal na Grã-Bretanha tatuar m enores de dezoito anos
(t mbora, naturalmente, se o governo quisesse realmente dim inuir o nú
mero de tatuados, deveria tornar a tatuagem obrigatória). Os estúdios de
i.m ugem daqueles que suponho dever cham ar de tatuadores éticos que
r recusam a tatuar o pênis dos clientes, por exem plo — são regularm en
le inspecionados pelo Departamento de Saúde para atestar a higiene e .1
lei nica estéril. Os tatuadores afixam as licenças na parede, bem com o as
.diliações de várias organizações de artistas da tatuagem, com o o fazem os
m édicos nos Estados Unidos.
Estúdios de tatuagem e piercing —agora já visitei vários - são todos mui
in parecidos tanto em aparência com o em atmosfera. N a área da recepção
existem cartazes ilustrando os m odelos a partir dos quais a m aioria dos
clientes escolhe, tatuagens sob encom enda são consideravelmente mais
caras. Os padrões parecem inspirados pela m itologia nórdica subwagnc
11,ma, as figuras fem ininas inspiradas igualm ente em Brünnhilde e Ursul.i
Andress, as m asculinas em Siegfried e Arnold Schwarzenegger. Cobras en
roladas em caveiras, tigres-dentes-de-sabre e buldogues m ostrando suas
presas também são populares.
Os proprietários são bastante tatuados, em bora alguns deles, em nos
•..is conversas privadas, tenham admitido que não se tatuariam, ao mem >•.
não numa extensão tão grande, caso pudessem voltar no tempo. Ncgócli 1 c
negócio, e a demanda é m ais que suficiente para mantê-los em .ilivld.uh
lislLmo que, em nossa cidade de um m ilhão de habitantes, cerca de in ••
mil pessoas são tatuadas por profissionais a cada ano: uma proporç.u >.1I1.1
do que os epidem iologistas cham am de “ população em risco” , qut i d 1/ • 1.
rapazes entre dezoito e trinta anos.
De fato, a popularidade da tatuagem em alguns círculos parece n c ,
cer em vez de diminuir. E um a característica curiosa de nossa época qui
as influências culturais agora pareçam fluir das classes sociais mais baix.r.
para as mais altas, e não das classes mais altas para baixo, de m odo que um
grande núm ero de pessoas da classe m édia está se tatuando mais do qu<
nunca. E aquilo que fora exclusivo dos hom ens, não mais o é; jimtamcnle
711 \ \ »1 I n H M H « | J» I H
As lollces dir, lolu1. \.io as ÖporlUllldadrs d( 1’. '..i I»I«>S, e claro Aprendl
|m 1.1 Paginas Am.irelas <|ut*. |>ara cada cinco esiiidios de laluagem, Ii.t tres
1 liuleas de rem oção de tatuagem a laser (foi assim que nosso produto iulei
in 1 In uto cresceu). A mais sofisticada dessas clínicas possui vários lasers p.»r.i
11<l.i 1 com cada tipo de cor, que são sensíveis a diferentes com prim entos de
...... Os lasers partem a partícula do pigm ento, e os próprios macrófágos
■In corpo podem rem over os pequenos fragmentos. Muitos estúdios dr
i.iiuagem também oferecem o serviço de rem oção, mas o m étodo mais
1 ■imumente utilizado, a injeção de ácido para dissolver a tatuagem, deixa
( li alrizes na pele, de m odo que os resultados não são bons.
As principais desvantagens do tratamento a laser são o custo e a dura
K >. I)ma única sessão dem ora dez minutos e custa 160 dólares. A pele nã<>
li dera um tratamento mais prolongado, e entre cada sessão deve se guardar
o intervalo de seis a oito semanas. Um a tatuagem m édia no bíceps, de 8
x 8 cm, requer cinco a oito sessões para a rem oção total. Já que muitas
pessoas têm um a área adornada por tatuagem m uito m aior que essa, elas
lem de investir m ilhares de dólares para a remoção. Em geral, tais pessoas
vêm dos segm entos m ais pobres da sociedade.
Não obstante, a dem anda por tratamento ultrapassa a oferta, e uma
empresa já possui quatro clínicas por todo o país e está abrindo mais
duas. O tratamento, geralmente, não está disponível no Sistema Nacio
uai de Saúde (o sistema britânico de m edicina socializada), exceto para
aqueles pacientes cujas tatuagens causam sérias perturbações psicológicas
ou psiquiátricas. O desespero com as tatuagens pode levar a tentativas de
suicídio, e m esm o a tentativas de arrancá-las da pele com facas de co/i
ulia. Uma paciente que tentou retirar a sua tatuagem com um a lâmina de
barbear disse-m e que, durante anos, não conseguia pensar em outra coisa,
A obsessão dela com suas tatuagens (a propósito, as tatuagens foram feitas
s<>b coação por outras internas em um orfanato fem inino) tirou sua vonta
de de viver, e som ente depois que foram rem ovidas é que ela foi capaz de
com eçar um a vida norm al.
Em geral as pessoas não sabem que o Serviço de Saúde faz algumas
exceções nesses casos (subcontratando o trabalho das clínicas privadas),
e certamente isso não é anunciado, por m edo de provocar uma onda de
1995
ui i S Mil H l l l J I - l n
s ingleses, com o observado por um aristocrata francês nos idos
do século XVIII, desfrutam dos prazeres de um m odo trisl«*
Hoje em dia, tam bém o têm feito passivamente, com o o vidadc >
cm drogas que busca, ao m esm o tempo, felicidade e esquecimento d.i
maneira m ais sim ples possível.
Não quero dizer com isso que o inglês não se esforce por buscar en
iretenimento; ao contrário, com o o viciado busca a droga, tal busca, mui
las vezes, é a única ocupação séria de suas vidas. O entretenimento, uma
vez encontrado, requer - para realmente entreter - a m enor contribuição
de atividade mental possível por parte do entretido.
Primus inter pares é, por certo, a televisão. A m édia de televisão que uni
adulto inglês assiste por semana hoje, dizem, está em 27 horas, duas ve/es
mais que há vinte anos. N isso os ingleses nada diferem de outros país<:., d<
lato, os norte-am ericanos desperdiçam quase a mesma proporção de mi.e.
vidas em frente da telinha com o os daqui da Ilha.
De qualquer m odo, os núm eros podem ser enganadores. Minha rx
periência de atendimentos m édicos dom iciliares convenceu-me de que a
televisão ligada não quer dizer, necessariamente, que as pessoas estejam
assistindo à televisão. Ela fica piscando ao fundo, com petindo por Irag
mentos de atenção, dividida com um rádio e, talvez, com um a ou duas
discussões domésticas; o m esm o quando é assistida, não há garantia de
que qualquer coisa vá m uito além dos nervos ópticos. Muitas v e /r. pedi
aos pacientes que visitei em casa, enquanto estavam sentados diante da
televisão, que descrevessem o que estavam assistindo, e fui atendido com
o silêncio da incapacidade ou da incom preensão. Alguém poderia ter per
guntado a um habitue dos antros de ópio o que se passava pela sua consciên
cia, assim com o perguntamos aos espectadores m odernos o que ocorre
nas consciências deles.
Quando era jovem e inexperiente, costumava pedir ao paciente, ou
aos parentes, para desligar a televisão; mas na Inglaterra isso significa (na
m elhor das hipóteses) apenas um a pequena redução do volum e. É descon
certante fazer um exam e m édico enquanto um a figura fica se m ovendo e
m udando a lum inosidade do aposento, e o paciente tentando espiar por
cima do om bro, ou ao redor do m édico, para dar um a olhada, enquanto
confunde as perguntas com o diálogo da novela. U m a vez fui fazer um
atendimento na casa de um a senhora paralítica e encontrei a televisão liga
da. Pedi á filha, que estava presente, para desligá-la.
—N ão sei desligar —disse ela. E não desligou.
H l \ \ MIn h m H m i |i i ii
h , h ,i i o s ( L i s c o s i . e . ,|.i I i i i i i i i .i e d e q u a l q u e r c i d a d e d o c o n t i n e n t e t * n r * > | m -ii
^ \ >, L i i u i u i p i ti
N,i piúlHI.i I >i li .|> 'I 1111 I I 111 .i ss.i cli i vesot nil i|c pcv.i i.i >, move m
( cmu I ■.(■ I( i'.m in Inl it In ii I . I i.i 1.11.1 Com tim mi mero tão gi .mdc dc |>cnm >,e.
.mumtoadas cm um i \p,içi> tan pequeno c surpreendente vei quc nan ha.
■ litre clas, nenluim contato social. A m aioria dos pares nem mesmo se
iilh.un nos olhos; por causa do barulho, a com unicação verbal está lór.i
di i|uestão. Dançam solipsisticamente, cada um no próprio mundo, lite
i.dmcnte arrebatados pelo ritm o e pela contínua atividade física. Dançam
pelo mesmo m otivo que os escoceses frequentam o bar: para apagar ,i
lembrança de suas vidas.
Alguns seguranças patrulham o clube, portando walkie-talkies; alguns
postam-se em locais de observação. Abordo dois deles - um branco c um
negro — e pergunto-lhes a respeito do serviço; temos de gritar para nu ,
lazer ouvir. Am am o trabalho e têm orgulho de fazê-lo bem. São porte..... .
não seguranças. Têm diplom a de prim eiros socorros e prevenção di m
eêndios. São estudiosos da natureza hum ana (palavras deles, não m m li.i.)
—Sabemos quem vai ser problem a, antes m esm o de entrarem.
—Tentamos evitar problem as, e não ter de lidar com eles depois de.u-
o branco.
—Você não usa palavras —explica o negro. —Não discute com eles. Ism i
só piora o problem a, porque se você está parado ali discutindo, os ouin >s
percebem e entram na conversa.
— Um a operação sim ples, cirúrgica, e eles são postos para fora. Vm e
tem de usar o m ínim o de força possível.
| { r n l l i l i n l r Sni i i l » rÍ l i 1« In i \ l l l n i H i 11«)
tem po todo, e deixou a casa para viver nas ruas; não sabe quem é seu pai,
e não se im porta com isso. Detestava a escola, é claro, e abandonou-a assim
que a lei perm itiu - não que a lei im porte muito.
- Quais são seus interesses? - perguntei.
Ela não entendeu o que quis dizer e fez um a cara feia. Reform ulei a
pergunta.
- Em que você se interessa?
Ela ainda não com preendia o que queria dizer. N ão obstante, tinha
um a inteligência boa —na verdade, m uito boa.
- O que você gosta de fazer?
- Sair.
- Para onde?
- Para os clubes. Todo o resto é um a merda.
1 9 9 6
Não OurtTmos Nenhuma
líducação
1 N o original: “We don’t need no education / We don’t need no thought control” . Treclio dr
“A nother Brick in die Wall (Part 2 )” , faixa do álbum The Wall (19 7 9 ) da band.i
inglesa Pink Floyd. (N.T.)
estudantes da escola secundária situada a mis 350 m elros <ln Iu >-.)>ii.11cm
que trabalho, para dizer a um dos colegas que tom ou uma overdose por
conta do constante assédio m oral a que foi subm etido: “ Você é estúpido
porque é inteligente” .
O que quiseram dizer com esse aparente paradoxo? Indicar que
qualquer um que faça um esforço para aprender e tenha bom desem pe
nho escolar está perdendo tem po, quando p oderia estar envolvido nas
verdadeiras coisas da vida, tais com o cabular aulas no parque ou vagar
pelo centro da cidade. Além disso, havia am eaça nas palavras deles: se
você não co rrig ir os m odos e juntar-se a nós, diziam , vam os bater em
você. Isso não era um a am eaça vazia: m uitas vezes encontro pessoas na
m inha prática hospitalar, nos seus vinte ou trinta anos, que desistem da
escola sob tal constrangim ento e, subsequentem ente, percebem que per
deram um a oportunidade que, caso tivessem aproveitado, teria m udado
m uito todo o curso de suas vidas para m elhor. E aqueles que freq u en
tam as poucas escolas na cidade que m antêm padrões acadêm icos altos
arriscam -se a levar um a surra, caso se atrevam a ir aonde os brancos
estúpidos vivem . N o ano passado, tratei de dois m eninos na em ergência
após tal espancam ento, e de dois outros que tom aram overdoses por m edo
de receber um a surra pelas m ãos dos vizinhos.
Assim com o é im possível ir à falência subestim ando o gosto do públi
co norte-am ericano, da m esm a m aneira é im possível exagerar as abismais
profundezas educacionais nas quais um a grande proporção de ingleses
agora está im ersa, m au sinal para o futuro do país 110 m ercado global.
M uito poucos dos jovens de dezesseis anos que atendo com o pacientes
conseguem ler ou escrever com facilidade, e não veem a questão de serem
ou não capazes de ler com o algo, no m ínim o, surpreendente ou insultante.
Atualmente, testo o grau de instrução básica de quase todo jovem que en
contro, no caso de a falta de instrução provar ser um a das causas de seu so
frim ento. (Recentemente, tive um paciente cujo irm ão com eteu suicídio,
em vez de enfrentar a hum ilhação pública de expor ao funcionário da se
guridade social que era incapaz de ler os form ulários que tinha de preen
cher.) Podem os ver só pelo m odo com o esses jovens seguram uma caneta
ou um livro que não têm nenhum a fam iliaridade com tais instrumentos.
\ V i l h l MH Í í i i l j r l n
M c , m o aqueles 111H ii ui ,i im pressão de que p o d r m In ou c.< rever de m.i
In li.i adequada são co m p le lam e n te derrotados poi palavras do irôs silalus,
........ hora possam, às vezes, ler as palavras de um texto, não as com preen
dom m elhor do que se estivessem escritas em eslavo eclesiástico.
Não lem bro de ter encontrado um a m enina branca de dezesseis anos,
I ii i >( odente do conjunto habitacional p róxim o ao hospital, que conseguis
•■■■ multiplicar 9 x 7 (não estou exagerando). As vezes 3 x 7 os derrota. Um
lapaz de dezessete anos disse-m e: “ Ainda não estamos tão adiantados n.i
ui,iii ria” . Isso depois de doze anos de educação com pulsória (ou, devo
dizer, frequência escolar).
Quanto aos conhecim entos em outras esferas, são quase os m esm os
padrões da matemática. A m aioria dos jovens brancos que encontrei não
consegue, literalmente, nom ear um único escritor e, por certo, não sabe
roei lar um verso de poesia. N enhum de m eus jovens pacientes sabia as datas
d,i Segunda Guerra M undial, para não m encionar as da Prim eira Guerra;
alguns nunca ouviram falar dessas guerras, em bora um deles, que ouvira
lalar da Segunda Guerra há pouco tempo, pensasse que tivesse acontecido
no século XVIII. N a circunstância da total ignorância reinante, fiquei im
pressionado por ele ter ouvido falar no século XVIII. O nom e de Jo se f Staliu
nada significa para esses jovens e nem m esm o soa m inim am ente familiar,
com o (às vezes) acontece com o nom e de W illiam Shakespeare. Para eles,
1066 é m ais parecido com um preço do que com um a data histórica.'1
Assim , os jovens estão condenados a viver num eterno presente, um
presente que existe sim plesm ente, sem conexão com o passado que p< ide
explicá-lo ou com um futuro que dele possa surgir. A vida desses jovi ie,
é, verdadeiram ente, um a sucessão de m aldições. Da m esm a m aneira, i •<
tão privados de quaisquer padrões razoáveis de com paração pelos qual-,
111Igar os próprios males. Acreditam que são carentes porque as únn ,e
pessoas com as quais podem com parar-se são as que aparecem nos anún
cios ou na televisão.
O sim ples sem ianalfabetism o e a ignorância não necessariamente m
pedem esses jovens de passar nos exam es públicos, ao m enos nas provas de
l i m l i t l m l i * S u m i u ui N ilii ü m u m ih iw N i i i i i i u i i ii | <lu< n n i n
nível m ais baixo. U m a vez que o insucesso é visto, agora, com u làulm eule
prejudicial à autoestima, quem quer que se apresente para fazei as pro
vas provavelm ente sairá com um diplom a. Recentemente estive com um
rapaz de dezesseis anos em m inha clínica que escrevia “ Dear sir” [Prezado
senhor] com o “ Deer sur” e “ I'm as im e” [I’m as I am - Sou com o sou] (a
gram ática está em plena consonância com sua ortografia), que fora apro
vado nas provas públicas - em Inglês.
Claramente, algo m uito estranho está acontecendo em nossas escolas.
Nossas práticas educacionais atuais são tão grotescas que seria um a afronta
à pena de Jonathan Sw ift satirizá-las. Na grande área m etropolitana em
que trabalho, por exem plo, os professores receberam instruções de que
não devem m inistrar as tradicionais disciplinas de ortografia e gramática.
Dizem que a atenção m esquinha aos detalhes da sintaxe e da ortografia
inibe a criatividade da criança e a capacidade de autoexpressão. Além disso,
afirm ar que existe um a m aneira correta de falar e de escrever é favorecer
uma espécie de im perialism o cultural burguês; e dizer para a criança que
ela fez algo errado é necessariam ente conferir-lhe um senso de in feriori
dade debilitador do qual nunca se recuperará. Encontrei poucos professo
res que desobedeceram tais instruções numa atmosfera de clandestinidade,
tem endo pelos próprios em pregos, o que lem bra um pouco a atmosfera
que cercava aqueles que secretamente tentavam propagar a verdade por
trás da Cortina de Ferro.
Contaram -m e de um a escola em que o diretor autorizara os profes
sores a fazer correções, m as som ente cinco por trabalho, independente do
núm ero verdadeiro de erros. Assim , é claro, preservava-se o amour-propre
das crianças, mas parecia não ter ocorrido a esse pedagogo que a regra
de cinco correções teria consequências lamentáveis. O professor p ode
ria escolher corrigir um erro ortográfico de um a palavra, por exem plo, e
desconsiderar exatamente o m esm o erro num p róxim o exercício. Com o a
criança interpretará essa correção segundo o princípio do diretor? O m e
nos inteligente, talvez, verá com o um a espécie de desastre natural, com o
as condições m eteorológicas, e a respeito disso, pouco pode fazer; ao passo
que o m ais inteligente provavelmente chegará à conclusão de que o princí
pio de correção, com o tal, é inerentem ente arbitrário e injusto.
\ \ ii w i h m H i m « 'In
() iii.ii'. .i1.11111.1111■ i <|u< i :.s.i arbit rariedad< lelórça pu i is.i11n•iU<' o
tipo de disciplina <11n ve|o, ao meu redor, ser exercida por pais tuja filo
olia educacional é uma criação laissez-faire m isturada com fúria insensata
IJm a criança pequena corre fazendo barulho, causando estragos e des
ii uiyão ao seu redor; a m ãe (os pais dificilm ente existem , exceto na mera
ai cpção biológica), prim eiro, ignora a criança; depois, grita para ela p arai.
novamente a ignora; suplica que ela pare; volta a ignorá-la; ri da criança;
pc ir lim , perde a cabeça, grita algum as ofensas e dá-lhe um safanão.
Que lição a criança tira disso? Aprende a associar a disciplina, não ao
pi incípio e à punição, não ao próprio com portam ento, mas a associá- los
,io estado exasperado da mãe. Esse próprio hum or dependerá de muitas
variáveis, poucas sob o controle da criança. A m ãe pode estar irritadiça
por conta da últim a briga com o últim o nam orado ou por um atraso no
ultimo pagam ento do cheque da seguridade social, ou ela pode estar com
parati vãmente tolerante porque recebeu convite para um a festa ou tenha
acabado de descobrir que não está grávida. O que a criança certamente
nunca aprenderá, no entanto, é que a disciplina tem um significado além
da capacidade física e do desejo da m ãe de im pô-la.
Tudo é reduzido ao m ero concurso de vontades, e assim a criança
aprende que toda lim itação é apenas um a im posição arbitrária de alguém
ou algo m aior e m ais forte do que ela. Estão lançadas as bases para uma
intolerância sangrenta para com qualquer autoridade, m esm o que essa
autoridade esteja baseada num a patente superioridade, no conhecim enio
benevolente e na sabedoria. O m undo é, dessa m aneira, um m undo de
egos perm anentem ente inflam ados, que tentam im por as próprias vonia
des uns aos outros.
Nas escolas, as crianças pequenas não são m ais ensinadas em cia:,
ses, mas em pequenos grupos. Esperam que aprendam por descoberta',
e brincadeiras. N ão há quadro-negro e nada é aprendido de cor. Talve/. o
m étodo de ensino que transform a tudo em brincadeira funcione quandi >
o professor é talentoso e as crianças já estejam socializadas para ap ren d ei.
todavia, quando, e norm alm ente é o caso, nenhum a dessas condições
ocorre, os resultados são desastrosos, não só no curto prazo m as, prova
velm ente, para sempre.
3 F ran cis B a co n , Ensaios. Trad. e p ref. Á lvaro R ibeiro. Lisboa, G uim arães E ditores,
1992, X III, p. 98. (N .T.)
di -.cobrem <|ui um i ti .................... ui Intl. ido em ■111.11<11M■i coisa «". 1.1 além
ilii alcance No i i i o i Ii i i i i i 11ui i i i lo urbano, qu a l qu e r um <|tic não consiga
1 1 i nccnl rar se ó, na veid.uli . ....... alma perdida, pois as c o mu n i d a d e s em
ial m undo são aquilo que cresce cm torno de interesses que as pessoa1,
léui em com um . Além disso, num a era de crescente m udança tecnológica,
r. pessoas sem habilidade ou disposição para o aprendizado ficarão cada
ve/ mais para trás.
A patética noção pedagógica de que a educação deva ser “ relevanle"
I '.11,1 as vidas das crianças ganhou terreno na Inglaterra nos anos 1960
A ideia de que isso confinaria as crianças ao m undo que já conheciam e
que (ambém era um m undo bastante desanimador, com o pode dar (es
lem unho qualquer um com o m enor contato com a classe trabalhadora
In;,'lesa - aparentemente nunca ocorreu àqueles educadores que alegavam
lei excepcional com iseração pelos que estavam em relativa desvantagem
I 111110 resultado, a estrada para o progresso social - talvez, am iúde, a mais
II tlliada - estava-lhes, substancialmente, fechada.
In felizm ente, é m uito d ifícil d erru b ar esses in crem en tos pedagó
yieos (ou an tiped agógico s) m esm o h o je, q uan do o go vern o cenlr.il
percebeu tardiam ente as con sequên cias desastrosas. Por quê? Prim ei
ui, os professores e os p rofessores dos p rofessores nas faculdades de
1’ed agogia estão p rofu n d am en te im b u íd os dessas ideias educacionais
que nos fizeram ch egar a esse ponto. Segundo, um a en orm e burocracia
educacional cresceu na In glaterra (um burocrata p or professor, piilu
laudo com o alm irantes nas m arinhas su l-am erican as), que usa de tod<
o-, su b terfú gio s para evitar a m udança: da falsificação de estatístii .r. .1
m ierpretações errôneas in tencionais da p o lítica do governo. O m in i1.
Iro da educação p rop õe, m as a bu rocracia dispõe. Dessa m aneira, sói
a 1 <ui tecer de a G rã-Bretanha gastar um a parcela percentualm ente maloi
do Pltí 11a educação que qualquer um dos concorrentes e acabar com
..... . população catastroficam ente m al-ed ucada, cuja falta de inteligèn
1 1.1 torna-se evidente n o olhar b o vin o visto em cada rua do país, e que
e notado p or m eus am igos estrangeiros.
Más com o tem sido as políticas educacionais, contudo, subsiste uma
dim ensão cultural im portante e refratária ao problem a. E fácil - ao m enos
\ ^ M111 MM H # n j « * l M
I l.i (III,is mb,.is 111 it i|i vi iiid', nnt.ii ness,I couvei s.i A prim eli.i é que
|oveui clesei 111 ii I u 111 Mhi.M In ,i o núm ero de em pregos tie inn.i ecd
11111111a com o uma quantidade lixa. Assim com o a renda nacional é um
I>i 'l(> ,i ser repartido em lâtias iguais ou desiguais, da m esm a maneir.i o
núm ero de em pregos num a econom ia não guarda nenhum a relação com
,i 11 mduta das pessoas que nela vivem , m as está fixado de m odo im utávd
Iv.i i e um conceito de com o o m undo funciona que é assiduam ente ven
illilo, não só nas escolas durante os “ Estudos Sociais” , mas nos m eios de
' om unicação de massa.
A segunda coisa que é digna de atenção é a ausência total da idei.i
do eultivo do intelecto com o um bem em si m esm o, que possui um va
Ini independente das perspectivas de em prego. Assim com o as respostas
dus pacientes às m esm as doenças e incapacidades variam de acordo com
,i predisposição e o tem peram ento, da m esm a m aneira a resposta de um
hom em ao desem prego. Alguém com interesse em buscar, ou ao m enos
rum as ferramentas mentais para procurar, algo que lhe interesse não está
■ ui situação tão desesperadora quanto alguém que, obrigado pela tábula
usa do próprio intelecto, tem o olhar vago em quatro paredes por senia
nas, meses ou anos a fio. Provavelmente, terá um a ideia de um em prego
•uiUmomo ou, pelo m enos, buscará trabalho em higares e cam pos novos.
Na o está condenado à estagnação.
Existe um a grande vantagem p sicológica para a subclasse branca
manter desdém pela instrução: perm ite que m antenham a ficção de que
i sociedade que os rodeia é brutal ou até grotescam ente injusta e que
eles são as vítim as dessa injustiça. Se, ao contrário, a educação fosse vista
por eles com o um m eio disponível para todos ascenderem no mundo,
com o de fato p ode acontecer em m uitas sociedades, todo o ponto dr
vista deles terá, naturalm ente, de mudar. Em vez de atribuir seus inlôriú
nios aos outros, terão de olhar para dentro deles m esm os, o que sem pn
i um processo doloroso. Aqui vem os o m otivo de o sucesso escolar sei
extrem am ente desencorajado, e aqueles que não o abandonam serem
perseguidos nas escolas da subclasse: é percebido, de m odo incipiente,
m iii dúvida, com o um a am eaça para todo o Weltanschauung. O sucesso de
um é a exprobração de todos.
1 9 9 5
i I 12 o últim o m ês de junho, em Paris, um jovem inglês enlr.......mm
2 P u b licação b ritân ica anual q u e, d esde 1 8 4 9 , traz a biografia de b ritân ico s fa
m o so s. (N. T.)
I(i i \ V í i Im i m i M m |i *i ii
N o w c r a ig l ia l l M llie i •/ W e l l.u e C l u h : u iii l e n ô m e n o c ui l o s o |>.ir.i u m gi ii|io
1No origlii.il "I >'"ii liidur, mil ilinrfloi any fucking drugs? (N.T.)
' N o original "W \w llir lw l<ilo ymi ilimk ymi are?” e “ You’reshit and y ou know you um' . ( N I )
H m S \ l i l i i | u i M m ii* | li
Iís<|iilv.ii M ili ui 11mi li.r. s ol eiras <las pori as, d i g a m o s , n ã o ó m e l h o i
<11o uri nar: é apenas d l f e i c n i e , e a prcferf-ncia p o r sol eiras d e p or i as s em
0 c heiro de urina não é nada mais que um preconceito burguês sem jus
iillcaliva intelectual ou m oral. Já que é m ais fácil e imediatamente1 mais
yt.ililicante com portar-se sem qualquer restrição do que com limitações,
1 nao 1iá mais qualquer argum ento amplamente aceito ou m esm o predis
|ni',ições favoráveis à restrição que orientem o decoro público, não exisie
mais um ponto de vista a partir do qual possam os criticar a vulgaridade
A sociedade e a cultura britânicas estiveram ainda m ais vulneráveis
aos alaques dos intelectuais, pois historicam ente eram abertamente eli
II'.ias e, portanto, supostamente não democráticas. Que suas produções
( tiliurais foram m agníficas, que Isaac N ew ton e Charles Darwin, W illiam
Shakespeare e Charles Dickens, David H um e e Adam Smith não falaram de
ou para um a elite nacional, mas para toda a hum anidade, isso tem sido
convenientemente esquecido. N em im porta, para propósitos ideológicos,
que, em bora elitista, a sociedade e a cultura britânicas nunca foram lê
i líadas, mas que qualquer pessoa de talento era capaz de dar sua contri
In lição; que a Grã-Bretanha absorveu com facilidade forasteiros nos seus
( írculos mais restritos, de Sir Anthony van Dyck a Joseph Conrad, de Sir
W illiam Herschel a Sir Karl Popper, de Georg Friedrich Händel a Sir Ernsl
(iom brich. Foi vendida um a narrativa sim plificada da história britânica,
.egundo a qual essa história nada foi senão opressão, exploração e esno
bism o (todos existiram , é claro). Um a rejeição às tradições da alta cultura
britânica foi, em si, um ato político m eritório, um sinal de solidaried.idi
com aqueles que a história oprim iu e explorou.
LJma prim eira manifestação dessa rejeição foi a metam orfose do vr.
conde de Stansgate em T on y Benn, o político de esquerda, por m eio d>>
estágio interm ediário ou de pupa com o Anthony W edgwood-Ben n. lilc l<ii
(ihrigado a renunciar à nobreza hereditária para continuar com o m cm bio
da Câmara dos Comuns, mas a contração plebeia de seu nom e de lá mi
lia lói invenção própria. Esquerda em tudo, m enos nas próprias finanças,
m andou os filhos, com m uita publicidade, para a escola pública local, sem
m encionar o grande núm ero de aulas particulares que recebiam. Uma so
Iução perfeita para o dilem a m oral que enfrenta todo pai de classe média
1 9 9 8
i x p l l i a r o d e s v i o d e c o n d u t a e r a t id a c o m o p e r f e i t a m e n t e p la u s ív e l c n ã o
S N l i l i i ( mi H m i )i ' I m
Iitibres. A uns noventa melros da poniteiul/ula oudi ti .iballio exisle iiiu.i
' >iii i .1 igreja que não pode ser encontrada 110 catálogo das Páginas Amarelas,
um.! grande construção octogonal (um panóptico benthamita eclesiásli
■o para com binar com a prisão ao lado) com capacidade para oitocentas
|lessi >as sentadas, construída por subscrição de seus m em bros pobres.
S.10 jamaicanos ou pessoas de ascendência jamaicana e vivem no cen
iro do turbilhão, tanto física quanto socialmente, de um a favela urbana.
1 > que para m im são m eros acontecimentos dignos de observação e ela
b( tração de teorias, para eles são os problem as diários da vida; e dois dias
.m i e s , assisti a um culto na igreja: um jovem traficante de crack fora assas
ui,ido a tiros, disparados de um carro em m ovim ento, a uns vinte metros
do portão da prisão e, uns poucos m inutos depois, outro traficante foi
11K irto a uns quatrocentos metros. N o total, uns cinco jovens foram m ortos
1 1 iros no mês passado; um registro baixo para os padrões de Washington,
talvez, mas suficiente para instilar m edo na população local.
Conheci os suspeitos de assassinato na prisão no dia anterior à ceri
mônia na igreja, três jovens negros de uns vinte anos, para os quais matar
não era m ais m oralm ente problem ático que dar um telefonema: homens
que, ao conversar, notei estarem tão convencidos da im ensa injustiça do
mundo que também tinham a certeza de que qualquer coisa que fizessem
não acrescentaria nada ao montante.
A congregação - de, talvez, um as quatrocentas pessoas fiéis e, mais
uma vez, com posta por uns dois terços de m ulheres - era toda negra. Os
( ongregantes estavam elegantem ente vestidos, com chapéus requintadi >\
c vestidos deslum brantes; as m ais idosas usavam véu e luvas. Poderíam os
Iicar tentados a rir dessa pitoresca indum entária que im ita a respeita
bi Iidade de eras passadas, mas há m uito tem po aprendi, quando poi
um breve período exerci a m edicina em uns m unicípios na África do
Sul, que a ânsia das pessoas pobres por respeitabilidade, por parecerem
limpas e bem -vestidas em público, não é de m odo algum risível, mas ao
contrário, é algo nobre e inspirador. É prerrogativa dos prósperos que
não se dão conta da própria prosperidade desdenhar das virtudes bur
gucsas, e hoje recordo-m e com desgosto, nesse sentido, de m eus gestos
e da m inha presunção adolescentes.
A senhora idosa deixou-o falar até ficar sem fôlego, o então, quando
rir term inou, ela voltou ao testemunho.
Todos som os pecadores, Senhor! Por isso im ploram os o teu perd.ii >.
Nem sempre seguim os tuas veredas, Senhor; som os orgulhosos, teimosos,
querem os fazer as coisas da nossa maneira. Só pensamos em nós mesm< >s
I por isso, Senhor, que há tanto pecado, tantos roubos, tanta violência em
nossas ruas.
Lembrei dos rostos dos jovens na prisão que agora eram acusados dr
assassinato; dos olhares duros, brilhantes e inexpressivos - jovens que ii.k >
reconheciam lei algum a senão o próprio desejo momentâneo. A scnlioi.i
Idosa descreveu (e explicou) o egoísm o radical deles em term os religi< >s<>s
Rum ores de assentimento eram ouvidos em toda parte. N ão era culp.i
da polícia, do racism o, do sistema ou do capitalismo; era a incapacidade
dos pecadores de reconhecer qualquer autoridade m oral acim a do capri
i ho pessoal. Ao afirm ar isso, a congregação reconhecia a própria liberdade
c dignidade: seus m em bros podiam ser pobres e desprezados, mas aind.i
eram hum anos o suficiente para decidir, por si m esm os, entre o certo e i >
errado.Tam bém davam esperança aos outros, pois se um a pessoa escolhes
se lazer o mal, m ais tarde poderia, por um ato de vontade, fazer o Item
Ninguém tinha de esperar até que chegasse a justiça perfeita deste mundo,
ou que todas as circunstâncias fossem perfeitas, antes que ele m esm o pu
desse fazer o bem.
A um a centena de metros há ainda outra igreja pentecoslal. N.i p.m
de lateral dessa igreja está pintada, em letras de quase um metro, ,i I m ■
<) AMOR DE DEUS NÃO É SORTE. Dentro, com o se para enfatizar que I )rus
■i|uda a quem se ajuda, um a nota aconselha os congregantes a não estacli >
narem na rua, mas no estacionamento da igreja, que possui um sistem.i
de segurança.
Qual é a necessidade, Deus m eu, desse aviso! As calçadas de todas a:,
ruas locais estão apinhadas de cacos de vidro dos m ilhares de furtos dr
S \ i i I A i i m N h i |i I n
I 'i i il 1 1 1 1 1< I l y>l r ) , t | h i i l r i i r . l . 1 1 i ) | i . i ' i l ( il :.r d i r i g e pal a .1 J.'I . U I« I < . l ' . ' i C ' l l l I
lin s.ihc m iiilo Ki-ni o <|ne é viver à sombra <l«i ilegalidade, onde reina .i
|-*,l( ii|),iiia, Cita o caso de um a m enina de sete anos, colocada em cima da
1111" i de um bar e vendida, pela própria mãe, para o abusador que desse
h n u io r lance, para fazer o que quisesse com ela por um a noite - uma
In .1 ( >i ia que tenderia a descartar com o apócrifa, caso não ouvisse, todos os
di.r.. casos tão m edonhos quanto esse no hospital.
lissa congregação possui um a característica surpreendente: é metade
ui jM.i e metade branca. Isso é ainda m ais notável visto que, a um a centena
• le m elros, existem bares com segregação racial, onde um a pessoa da raça
i i r.ula é tão bem -vinda quanto um blasfem ador no Irã. Na igreja, no en
Ia 111o, todas as raças estão unidas pela experiência m útua da m iséria mora I
111ie as rodeia e pela incapacidade das autoridades públicas de combatê la,
ou mesm o de reconhecer sua existência.
Mais um a vez, buscam ter certeza de que o sofrim ento não é em vão.
< ongregante após congregante fala de delinquência e uso de drogas, de
l i lhos ilegítim os e violência doméstica, de crim inalidade e de crueldade,
li »los oram para a conversão do m undo e, exultantes com a perspectiva
Iminente, falam em línguas. Essa paralinguagem de sons inarticulados é
I>r<inundada com um sentim ento profundo: é um a catarse, um a libertaçãi >.
A busca desesperada por ordem em m eio à anarquia muitas vezes
la/, com que as pessoas fiquem vulneráveis a certas autoridades autopro
■ lamadas, que avançam para preencher o vácuo moral. U m paciente, re
(cntem ente, revelou-m e um m undo de cultos religiosos que florescem,
anonim amente, e que não é visto pelo resto de nós, nas cidades m odci n.r.
M eu paciente foi levado ao hospital por quase ter conseguido sim l
dar-se. O suicídio era o único m eio, acreditava, pelo qual poderia esi apai
( l<i culto que abraçara e que o abraçara nos seus dias difíceis.
- Se não posso tirar a Igreja da m inha vida - disse - ao m enos |» u.m
tirar m inha vida da Igreja.
1996
I2(i \ \ i \ I ii l u i S m jrln
I ’.11.1 hllllll.l ill V'II'.I, r iu illlll'o MIC l'<>CIc'ill l< I (le '111II i l l l l o ' i . l S l
nIil 1111H', c.isi i aparei i i ni nu hospital, normalmente eu lai u n li sic |i.u,i
■ï ni.il de Al/.heimcr; m airam oito, dez e doze cariei.is simultâneas rom
i ic i ilda.de. Têm tem po até para fazer observações bem -hum oradas com
il. vi/iiilios. Dão conta de uns 180 núm eros em um a única olhada e mai
• mi us números tão logo são cantados, sem dificuldade algum a, com o se
11vi '.'.('111 m em orizado perfeitam ente todas as carteias. Será que o exercício
mental de m arcar as carteias, horas e horas e dias após dias, mantivera
l"M ns os cérebros? Será que a esperança renovada, sistematicamente, de
.Miiliar o jackpot do dia - um a ou duas semanas em Tenerife com todas as
■I' pesas pagas ou um jogo com pleto de panelas Le Creuset - é o que põe cm
hei |ne a degeneração neuronal?
Dm rapaz de smoking de cetim dourado que canta os núm eros ale.i
Im ios gerados pelo com putador tenta, desesperadamente, infundir .io
pioccsso um atrativo hum ano: alguns núm eros parecem surpreende In e
outros, diverti-lo. Alguns dos núm eros são conhecidos por apelidos: "um
atrás do outro” para o núm ero 11, por exem plo. Os participantes saúdam
ni »com um a m urm uração apreciativa, com o se fossem velhos amigos.
Pouco tem po d ep ois algu ém grita: “ b in g o !” . Eu e todos os dem ais
perdem os, m as o triu n fo do ven ced o r não parece dar ensejo à inveja,
som ente ao prazer verd ad eiro e até gera cu m p rim en tos: afinal, podei i.i
1er sido qualquer um de nós e, da p ró xim a vez, provavelm ente scr.i
C om o disse Lorde M elb ou rn e, p rim eiro -m in istro britân ico no século
XIX ao exp licar as vantagens da O rdem da Jarreteira, a m ais ilusin
con decoração britân ica que, na ocasião, era dada exclusivam ente ,io n
m em bros da alta aristocracia: “ N ão há um p in g o de m é rito ” . Trim ifn
sem m érito, certam ente, é o sonho de m etade da hum anidade e . |<
/S % dos britânicos.
As prim eiras rodadas de bingo quase prenderam a m inha atein,.m,
mas o encanto logo se evaporou e acabou em tédio. Com o se sentisse meu
incipiente enfado ao térm ino da segunda rodada, o hom em que cantava
ns números disse ter um anúncio im portante a fazer: era o aniversário de
Bcryl. Irrom pem os aplausos e o sujeito puxa um “ Parabéns a vo cê” para
Heryl. Pede que Beryl vá à frente e receba o “ champagne” —na verdade, iim.i
\ \ MI n mí Hi i i j Hi !
h n r o m p . u ,k,.io, ,i\ r.is.is d e a p o s l a s s.i< i uiii.i á re a d e p r e s e r v a ç ã o m a s
I ui ^ N !• I l l \ l III S l l l j c l l l
Ilin I >i 11K 11 g111 •111 i-i >111 de loteria é boa sorte, ganhai nos cavalos e
ii '.ii Ii .k Io i le um loiij'1 >i \t udo dos estilos de corrida e de uma perspicácia
Mipenor. O estudo dos estilos de corrida é, de um a só vez, a filologia, a
liloNolia, a ciência e a crítica literária do apostador.Tal apostador investe
um esforço im enso e lon gos períodos ao cogitar perm utações de variá
veis a partida, as desvantagens ou vantagens concedidas, o desem penho
anterior, os jóqueis, a posição na largada, e assim por diante - com o
alquimistas que se dedicavam com pedantism o inútil na transmutação
de um metal ordinário em ouro. Quantas “ viúvas” de apostadores não
i ncontro no hospital, que quase não veem os m aridos enquanto as casas
de apostas estão abertas!
O terceiro tipo de estabelecimento de jogos de azar em nossa cidade é
11 cassino. A um a curta distância da m inha casa existem dois deles, e agora
■a ui m em bro do m ais salubre. As vezes, ao caminhar, passo por prostitutas
que fazem ponto toda noite na esquina da m inha rua, e sigo até passar o
cassino, um prédio vitoriano reform ado com um a decoração de bordel
11 a de-rosa com pequenos lustres turcos. N o estacionamento, a toda hora
do dia ou da noite, podem ser vistos Jaguares e BMW s, e parece que seus
proprietários sem pre têm de dar um últim o telefonema antes de seguirem
para as mesas de roleta. São hom ens de negócio com dinheiro para jogar
li >ra: perdem uns m ilhares diante de seus colegas, e m antêm o sangue-frio,
0 que lhes traz prestígio. Devem ir m uito bem nas finanças, um a vez que
ao perder um a som a com o essas, em questão de m inutos, dificilm ente
1 >arecem ficar incom odados.
Esses não são os únicos clientes. Peixes m enores tam bém abundam,
normalm ente vestidos em distintas roupas surradas, vêm arriscar nas me
•:as de jo go rendim entos que m al podem dispensar. N inguém fica de fora
i >cassino é um a instituição democrática.
Existem cinco cassinos em nossa cidade, e a lei diz que a pessoa tem
de ser m em bro ao m enos por 48 horas antes de entrar em um deles. Apre
\ento m eu passaporte e ouço as seguintes regras: 1) É proibida a entrada
de pessoas de camiseta; 2) E proibida a entrada de pessoas de tênis.
Prometo observar as restrições, e dois dias depois recebo m inha car
leira de m em bro e uma carta de algo cham ado Com itê dos M em bros,
I \ Vl i l n mi Hiirji1!!!
imi mi .i In ui ve, ii.ii i i iii i li i li <1111 - as 11 ui 1 1 1 * - 1 1 ■. ei ii I ) |ii||inlin . n u l.iv.i 1 1 1
,iii r e d o r d,is iiies.i'. m m l i l i k | i i í i i 1i o s o f e r e c i d o s p e lo c a s s i n o l e n t a n d o
• li .e n v o lv e r um m é t o d o . . .
( )s melhores clientes dos cassinos m udaram : costumavam ser os jn
di ir., depois os gregos, os chineses, e agora cresce o núm ero dos hindus.
A mesa de jogo, no entanto, desfaz todas as barreiras raciais e sociais:
muçulm anos e hindus, hom ens de negócio e trabalhadores sem qualifica
i,.i< i iornam -se irm ãos e iguais nas voltas da roleta. Se o leão e o cordeiro
Ihm lessem jogar roleta, perm aneceriam um ao lado do outro em plena paz.
Observo um hom em de uns cinquenta anos, que obviam ente não é
rico e está m al-vestido, com prar quarenta dólares em fichas. Perde tudo
em poucos minutos. Retira vinte dólares do bolso e os perde ainda mais
rapidamente. Ao perdê-los, está sem um tostão. Desespero e desgosto -
i onsigo m esm o e com o m undo - estão estampados no seu rosto; mas
vi iliará, provavelmente amanhã, ou quando sua pensão chegar.
Fui a um a reunião dos Jogadores Anónim os, realizada em um peque
no e lúgubre centro com unitário. Há cinco grupos com o esse na cidade,
no m esm o núm ero de cassinos. A m aioria dos jogadores tiveram proble
mas com a lei: desviaram dinheiro das em presas em que trabalhavam;
mentiram; trapacearam; furtaram e desfalcaram até os próprios parentes e
entes queridos para custear seus hábitos. N ão havia, praticamente, nenhu
ma profundeza em que não tivessem im ergido, e poderiam recuperar suas
perdas em um único e últim o lance.
- Com o organização, os Jogadores Anônim os não têm nenhuma opi
n i.ío a respeito de jogos de azar — disse um deles, um hom em “ viciado"
■ ui caça-níqueis. Jogava por m ais de oito horas por dia antes de freqiionl.u,
ou de ser forçado a frequentar por ter sido ameaçado de responder judi
cialmente por desfalque, e cair em si.
M ilhões de pessoas jogam sem causar nenhum tipo de dano.
Mas os jogos de azar devem ser oficialm ente estim ulados ou deses
limulados?
Silêncio.
1997
i • 111.iI aspiram perlem ei Aj><ira andam cheios de si, com o m esm o |tassi>
i ipldi i e ladino dos compatriotas brancos, não apenas com o m eio de loco
iiH M,ai), mas com o m eio de com unicar ameaça. Com o os brancos, raspam
i ' abeças para revelar as cicatrizes, as feridas da guerra da subclasse de
■ id.i um contra todos.
li miaram com o seus os gestos e posturas dos m entores brancos e
ui ;,;ios. Quando um m em bro dessa em ergente subclasse indiana vem ao
11 .iiMiIlório, senta-se na cadeira de um m odo m uito desmazelado, forman
dn um ângulo agudo com o chão que nunca acreditei ser possível, para
nau dizer confortável, que alguém pudesse ficar naquela postura. Ele, no
• ui.mlo, não está em busca de conforto: está declarando seu desrespeito a
alguém que supõe ser um a autoridade. Seu frágil ego exige que dom ine
i' »las as interações sociais e não se submeta a nenhum a convenção.
Ele tam bém adota um a expressão facial exclusiva da subclasse bri
lanica. Ao ser questionado, responde arqueando e projetando metade o
lábio superior para frente, parte rosnando, parte escarnecendo. Essa é
uma expressão tanto de desdém quanto de ameaça, e de m odo algum
lácil de fazer, com o pude com provar ao tentar, sem sucesso, reproduzi-
la diante do espelho. D em onstra a necessidade, ao m esm o tempo, de
perguntar: “ Por que você está m e perguntando isso?” e adverte: “ Não
abuse!” . Essa é a resposta para todas as perguntas, não im portando quão
inócuas tenham sido, pois em um m undo em que cada contato é uma
lula por poder, o m elhor é dem onstrar im ediatam ente que não se deve
ser menosprezado.
A crescente subclasse indiana adere aos valores da subclasse branca
valores que são, ao m esm o tem po, p ouco profundos e defendidos com
ínlensidade. Por exem plo, certa vez fui testem unha em um julgam euio
de assassinato de quatro jovens indianos acusados de matar um de seus
com panheiros no decorrer de um a briga a respeito da m arca de tênis
<Ilie um deles usava. D ebochavam do rapaz porque o tênis dele não era
do últim o tipo. Por fim , o rapaz, transtornado, partiu para bater-lhes. Na
briga que se seguiu, m ataram o rapaz e deixaram o corpo na entrada do
prédio em que morava.
M c i i I m Ií m Ii * S o i i i I m i í i I i m I I m i m Ih m I i m m i u m m
N ascim entos ilegítim os agor.i rslão com eçando a surgir cnlre os
indianos. De prática quase desconhecida para um indiano, hoje em di.i,
os filh os fora do casam ento não são nem m ais algo raro. Os indianos
chegaram a um n ível de 5% da taxa de filh os ilegítim os na população
inglesa, e a partir daí isso cresceu exponencialm ente desde os anos de
1960. N ão há m otivo para que, em poucos anos, não alcancem a m édia
nacional de 33%, pois quando a história se repete, norm alm ente ela o
faz em passo acelerado.
N o início, som ente os hom ens indianos geravam filhos ilegítim os;
alguns dos rapazes que eram subm etidos a casamentos arranjados m anti
nham concubinato, norm alm ente com um a m ulher branca, mas às vezes
negra, em algum lugar da cidade. Muitas vezes, a concubina, nada sabendo
dos antecedentes, da biografia ou da cultura do hom em , não fazia ideia
de que ele era casado. Ela tinha o filho daquele hom em com base na im
pressão totalmente errada de que conseguiria prender sua atenção, até o
m om ento, inconstante.
M ais recentem ente, contudo, dar à luz filhos ilegítim os dissem inou-
-se entre as jovens indianas. U m a m oça indiana foge de casa após um
lon go p eríod o de conflito com os pais por causa da m aquiagem , das ro u
pas, da hora de voltar da boate para casa e assim p or diante. Em pouco
tem po, cai no laço de um jovem - branco, negro ou indiano - m uitíssi
m o disposto a provar a própria m asculinidade ao engravidá-la e depois,
é claro, abandoná-la.
Dessa experiência ela nada aprende. Está sozinha, necessita de uma
com panhia m asculina e - no m undo predatório em que agora se encontra -
precisa da proteção masculina. O ciclo se repete até que ela tenha três fi
lhos de três pais diferentes, em bora ao final de sua carreira reprodutiva ela
perm aneça tão isolada e sem am igos quanto no m om ento em que deixou
a casa dos pais. Poderíam os supor que jovens indianas fariam qualquer
coisa para evitar um a sina tão terrível e previsível quanto essa. N em tanto:
cada vez m ais a abraçam com o se fosse algo invejável. Em bora o núm ero
delas ainda seja pequeno, são a legião do futuro.
Com o a subclasse indiana form ou-se tão rapidamente? Por que
uma parcela da população indiana abraçou essa vid.i d«- classe baixa com
S \ l i K ( i u i N i m |i ' I m
.iIu iciiic eiiium.r...... 1I i ..ui |>crj>11111.is im porlanlrs .1 rr.posi.i <11n • l.i
101110,s rcllelirá e dcici minará (oda a nossa filosofia social.
() esquerdista, sem dúvida, afirm ará que a form ação de uma subclasse
Midi.ma é a resposta inevitável à pobreza, ao preconceito e ao desespero
I pie suscitam. Com o cam inho do progresso bloqueado por nossa socicd.i
de racista, os jovens indianos saem da escola, raspam as cabeças, tatuam o
II >rpo, injetam heroína, fazem filhos fora do casamento e cometem crimes.
Mas, se estão aprisionados em um círculo vicioso de pobreza e pre
ci inceito, por que m uitos de seus com patriotas chegam a obter sucesso, e
.10 espetacularm ente bem -sucedidos? Por que os filhos de pais indianos
liem -sucedidos tam bém escolhem o m od o de vida da subclasse? E por
que o sucesso esplêndido e o fracasso odioso tantas vezes acontecem 11a
m esma fam ília?
A explicação, por certo, deve envolver um a escolha hum ana conscicii
lo. jovens indianos não aderem à subclasse por inadvertência ou por fbrç.i
do exem plo dos pais, com o fazem os jovens brancos - agora na tercei r. 1
geração desse m odo de vida —no m ais das vezes. Em todos os casos de que
lom ei conhecim ento, nenhum dos genitores dos jovens indianos aprovou
as escolhas dos filhos; na verdade, ficaram horrorizados.
Esses pais com frequência vêm m e consultar após assistirem, com
crescente consternação, a um ou todos os filhos tomarem a estrada dos
pra/.eres para a perdição urbana. Por exem plo, um m otorista de táxi que,
,is vezes, leva-m e para casa, pediu que falasse com seu filho. O motorista
era, claro, um a espécie perfeita do pequeno-burguês do tipo que, quando
não é verdadeiram ente detestado pelos intelectuais, é desprezado com o
serviçal desinteressante e sem im aginação, cujo sonho é alcançar aquilo
que há tanto escarneceram - um a independência respeitável. Está, por 1.111
lo, proscrito da com preensão compassiva, pois os hom ens hum ildes só de
vem ser defendidos caso consintam em perm anecer vítimas, necessiladi r,
de auxílios custeados pelo público.
O filho do m otorista (o único dos seus cinco filhos) tinha com eçad
,1 usar drogas injetáveis, e ao fazê-lo, causara um a tristeza ao pai além da
sua capacidade de expressá-la em inglês. O filho agora roubava do própri( >
lar, mentia, trapaceava, bajulava, ameaçava e até era violento ao arrancar
\ ii In mm S m |i i M
n,ii i < ’.l.iv.» | ii i niii i I mi i i i i 1 1,1 |i l.i i li n n c sl l( .1 1 .iIn ii.i 111,ii >'. i li i’í 11 ,ilii ,iiili \
■li «In iv,is c vi vi.i ,ip ii ,i iiin,i vml.i ilinci'.mIr, esquivaml<> se d,i lei, cedendo
ui (iiick o, vi*/ ou ouli.i, acabando no hospital com ovcrdoxe, tomada nem
i.iiiid para sc matar, mas para buscar proteção temporária ou asilo d.r.
sequências do próprio estilo de vida.
() pai disse que seu filh o tornara-se exatam ente aquilo que nuiic.i
■I' ■.(• j(ui c|ue fosse: um m em bro da subclasse inglesa. Vira o rapa/ dcs
i ei ao barbarism o, m uito ciente da p róp ria im potência para evilar iwa >
l nlicil mente a Inquisição espanhola p od eria ter inventado um a tortur.i
pior para o pai.
Seu filho era m uito inteligente e fora tido pelos professores com o
alguém que seria bem -sucedido. Perguntei ao rapaz por que objetara lanli >
a I requentar a escola.
- Q ueria ganhar dinheiro.
- Para quê?
Para m e divertir. E com prar roupas.
\ \ I*In l \|i 1t i i l j r l i i
I>
1it I In ri Iii c. ,ii>'. I ■I *11 ■ In., 11111 I>i< >1.1111 iln nosso i ill lino, i o nc c dc n d o
, ui . I In.inc.I I>.i I .i ci H111 ii >>'l .uno nos c o m o desejarmos. Dessa maneira,
I 1111111« > n o s b e m ao a g lr m a l.
I . .o não c negar que os fatores sociais na educação influenciem o
mudo com o as pessoas pensam e tomam decisões. Se a incom petência
in gligenie, e por vezes brutal, de grande parcela dos pais (cuidadosamen-
II■ j ii si II 'nados por intelectuais de esquerda e subsidiados pelo Estado de
r.i mi lislar Social) explica a perpetuação e expansão da subclasse britânica
In,iiK .1, se não suas origens, será que a severidade e rigidez da educação
indiana, com binada com o canto de sereia de autossatisfação da cultu-
i.i britânica, pode explicar o desenvolvim ento de um a subclasse indiana?
i > laio de a população m uçulm ana ter um índice de crim inalidade seis
vo/cs m aior que a hindu e três vezes m aior que a dos sikhs indica que essa
pode ser um a explicação, pois a cultura m uçulm ana do subcontinente,
cm geral, tem m ais dificuldade de transigir criativamente com a cultura
i iiidental que as duas outras religiões. Essa diferença surpreendente é mais
um argum ento contra aqueles que veem o aparecimento da subclasse in
diana com o um a resposta inevitável ao preconceito racial, pois certamente
é improvável que aqueles que possuem preconceitos raciais se deem ao
iiabalho de diferenciar m uçulm anos, sikhs e hindus. Os pais m uçulm a
nos são mais refratários que os pais sikhs e hindus em reconhecer que
m us filhos, criados em um ambiente cultural m uito diferente do que eles
m esmos cresceram, inevitavelmente desviam dos costumes tradicionais e
aspiram a um m odo de vida diferente. Enquanto m uitos pais muçulm anos
mandam as filhas para fora do país aos doze anos de idade para evitar que
M‘j a m infectadas pelas ideias locais (mas, com o os jesuítas lhes diriam , já
c muito tarde - deveriam mandar as filhas em bora aos sete anos), poucos
sikhs e nenhum hindu o fazem.
A inflexibilidade dos pais é um convite à revolta adolescente, portan
l<), dificilm ente surpreende que, no crescimento de um a subclasse indiana,
os muçulmanos predom inem de m odo tão pronunciado. Existe, todavia,
mais de um m eio de rebeldia e, infelizmente, os adolescentes indianos
rebeldes têm de lidar com um exem plo antinom iano na form a de uma
subclasse britânica preexistente. A cultura popular diz que cuspir na cara
ilr quem <11it i <11u- seja é iiMi Mn.il de escolha moral à medida <|ih* é pos
sívcl escolher moralm ente em um mundo sem julgam ento moral. A vid.i
da subclasse oferece-lhes a perspectiva da liberdade sem responsabilidade,
ao passo que os pais oferecem somente responsabilidades sem liberdade.
Têm de descobrir sozinhos que o exercício da liberdade requer virtude,
para não vir a ser um pesadelo.
O surgim ento de um a subclasse indiana na Grã-Bretanha é uma que
tão de im portância m aior do que os núm eros parecem sugerir. N ão é unia
resposta quase m ecânica às condições econôm icas, ao preconceito racial
ou a qualquer outra form a de opressão amada pelos engenheiros sociais de
esquerda. E a refutação de um a m áxim a m arxista infinitamente perniciosa
que tem corrom pido a vida intelectual ao afirm ar que “ não é a consciência
dos hom ens que determ ina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social
que determ ina a consciência” . Hom ens - até m esm o os adolescentes -
pensam: e o conteúdo daquilo que pensam determina, em grande parte,
o curso de suas vidas.
\| emana passada um hom em de m eia-idade foi levado ao m eu hos
pital em condição desesperadora. Há três semanas tinha saído por
conta própria de um hospital psiquiátrico contra as recomendações
médicas; ao chegar em casa, percebeu que a perspectiva de viver com sua
mulher era tão convidativa quanto a vida nas alas de um hospício. Foi
para o centro da cidade, onde acam pou em plena rua, em um jardinzinho
público próxim o a um hotel de luxo. Lá ficou, com endo nada e bebendo
pouco, até que finalmente foi encontrado inconsciente e tão desidratado
i|ue o sangue espessara e coagulara em um a das pernas, que estava gangre
nada e, portanto, tinha de ser amputada.
Que história ilustraria m elhor a suposta indiferença fria e o individua
lismo cruel de nossa sociedade que a do hom em encontrado próxim o .1
um hotel com diárias de duzentos dólares, à sim ples vista não só dos hós
pedes, mas de m ilhares de cidadãos, quase m orto no m eio da cidade poi
lâltar-lhe um pouco d ’água?
Outras interpretações dessa história, todavia, são possíveis. Talve/ o:,
milhares de transeuntes que viram o infeliz sujeito enfraquecer a ponto de
i Iiegar à beira da m orte estivessem tão acostumados com a ideia de que o
listado iria (e deveria) intervir naquilo que não sentiam com o um devei
pessoal agir em prol desse hom em . Afinal, a pessoa não paga metade da sua
renda em im postos para assumir responsabilidade pessoal pelo bem eslar
(In próxim o! ( )s impostos devem pievenii .1 lalla de cuidados 11.10 \ó i|n
contribuinte, mas de todas as demais pessoas. Assim com o ninguém e uil
pado quando todos o são, ninguém é responsável quando todos o são
Novamente, talvez os transeuntes pensassem que o homem eslava
apenas exercendo seu direito de viver com o desejava, com o advogad( > por
aqueles prim eiros defensores da desinstitucionalização dos doentes men
tais, os psiquiatrasThom as Szasz e R. D. Laing. Quem som os nós para julgar,
em um país livre, com o as pessoas devem viver? Exceto por uma pequena
desordem , o hom em não perturbava o público. Talvez os transeuntes pen
sassem, ao tolerar que quase chegasse à morte, que ele estava cuidando de
sua vida, e no conflito entre agir com o o bom samaritano e o imperativo
do respeito às autonom ias pessoais, este últim o prevaleceu. N o ambiente
m oderno, afinal de contas, os direitos sempre prevalecem sobre os deveres.
M esm o assim, a existência de pessoas que m oram nas ruas, ou que
não têm estadia fixa, é geralmente tomada, ao m enos pelos esquerdis
tas, não com o um a indicação do com prom isso de nossa sociedade com
a liberdade, mas do com prom isso com a injustiça, com a desigualdade e
a indiferença ao sofrim ento humano. Não há assunto m ais provável que
moradores de rua para gerar pedidos de que o governo intervenha para
pôr fim ao escândalo; e não há assunto que m elhor satisfaça a mais agra
dável das atividades humanas: a preocupação compassiva.
N o entanto, com o muitas vezes é o caso dos problem as sociais, a na
tureza exata e a localização da suposta injustiça, da desigualdade e da in
diferença aos que sofrem não estão claras caso o problem a seja visto em
si m esm o, e não visto por m eio de generalizações éticas ( “ ninguém em
uma sociedade afluente deveria não ter onde m orar” ) ou estatísticas (os
m oradores de rua crescem em períodos de desem prego).
Em prim eiro lugar, está mais que provado que nossa sociedade, em
abstrato, é indiferente aos que não têm onde morar. De fato, a falta de tetos
é a fonte de em prego de um considerável núm ero de pessoas da classe
média. O pobre, escreveu um bispo alemão do século XVI, é um a mina de
ouro; e assim, por sua vez, os m oradores de rua.
Por exem plo, em um abrigo para os m oradores de rua que visitei,
situado em uma igreja vitoriana um tanto grande, porém fora de uso e
S \ iiIn i ^ i SiiijiHii
11' .1 I HIN.lgl .1<l.l, 111 I III II | 11 u • ll.lVI.I li", II Icillrs (' I I mClllIllOS ( 1.1l'(|UÍ|H‘;
...... . 111(• pi>iK <i'. deli ■, i uiIi.iin (11i.il<11u-r contato direto com os objetos de
.um assistência.
( )■. desabrigados pernoitavam em dorm itórios sem nenhum a priva-
■ id ad e, I lavia um cheiro rançoso que qualquer m édico reconhece (mas
...... .i registra nos prontuários) com o cheiro de m endicância. Depois,
.d i passar pelo corredor e p or um a porta com fechadura de com binação
I mm evitar introm issões inconvenientes, de repente, ingressam os em um
outro m undo: o m undo higienizado, refrigerad o (e herm ético) da bu-
loeracia da com paixão.
() núm ero dos escritórios, todos com putadorizados, era espantoso.
A equipe, vestida em elegantes roupas inform ais, estava concentrada nas
i.irelas, diligentem ente observando as telas dos com putadores, im p rim in
do docum entos e correndo apressadamente para consultas urgentes entre
M, A quantidade de atividade era impressionante, o senso de propósito
eslava claro; tive de esforçar-m e para recordar os residentes que encon-
irara ao entrar no abrigo, espalhados no que antes fora o pátio da igreja,
que estavam agitados, caso estivessem na vertical, ou roncando, caso na
horizontal, rodeados por latas vazias e garrafas plásticas de sidra com 9%
de leor alcoólico (que oferece a m aior relação álcool por dólar disponível,
no m om ento, na Inglaterra). Nero tocava violino enquanto Rom a pegava
logo, e os administradores do abrigo faziam “ gráficos de pizza” enquanto
(>s residentes bebiam até cair.
Existem 27 abrigos catalogados nas Páginas Amarelas de nossa cidade,
e m uitos que conheço não estão na lista. Alguns dos abrigos são m enores
e possuem m enos funcionários que o que descrevi, mas certamente umas
i entenas de pessoas - e possivelm ente milhares - devem seus em pregos a<>s
desabrigados. Além dos próprios em pregados dos abrigos, existem para <>s
desabrigados os assistentes sociais e os agentes do serviço de habitação; há
uma clínica especial com m édicos e enferm eiras, e um time de psiquia
I ims de cinco pessoas, capitaneado por um m édico com salário anual de
cem m il dólares, que toma conta dos doentes mentais m oradores de rua
O m édico é um acadêm ico que passa m etade do tempo em pesquisa e
eu estaria disposto a apostar um a boa quantia de dinheiro que a extensão
H n i l l i l j i i l r S n i i i l i MH I M •• | "i i n I ■h I I m i
«los problemas dos desabrig.ul< »*.«<>m doença mental em n<>ss.i cidade nau
dim inuirá na proporção do núm ero de artigos acadêmicos es« rilos ou do
núm ero de conferências acadêmicas em que o m édico comparecerá.
Já que nossa cidade não é de m odo algum atípica e possui aproxl
madamente 2% da população da Grã-Bretanha, é justo presum ir que nào
m uito m enos de cinquenta m il pessoas ganham o sustento por conta dos
desabrigados nestas ilhas. Isso pode representar um sinal de ineficiêniia,
incompetência, ou m esm o prodigalidade, mas dificilm ente de indiferença
110 sentido esquerdista da palavra; e com paixão para alguns é, sem dúvida,
uma boa jogada na carreira.
Poderiam argumentar, no entanto, que toda essa atividade nada mais é
senão um Band-Âid na fratura ou um a aspirina para a malária. Pelo trabalho
das agências de caridade e agências governamentais, a sociedade abranda
a consciência e fecha os olhos para as causas fundam entais da situação dos
m oradores de rua.
É aceito com o axiom ático que a situação dos m oradores de rua é inal
terável. Quem pode contem plar os arredores da m aioria dos abrigos sem
asco, ou olhar para a com ida que vem dos “ sopões” sem náusea? Não é
verdade que aqueles que passam a vida nessas condições são os mais desa
fortunados dos seres e devem ser recuperados?
Quando criança, sem pre que via na estrada um cavalheiro que se
vestia um tanto com o Leon Tolstói ao fingir ser cam ponês, com a bar
ba grisalha emaranhada, m urm urando im precações e invocando todas as
m aldições do m undo, não sentia pena dele, ao contrário, pensava que era
um tipo superior de ser, na verdade, um tanto com o o Deus do Antigo
Testamento ou, ao m enos, com o um de seus profetas. Esses hom ens eram
esquizofrênicos, sem dúvida, e logo deixei de lado a ideia absurda de
que o com portam ento estranho deles era consequência de um a sabedoria
esotérica que lhes fora conferida, mas que não o fora, digam os, aos meus
pais. M esm o nesses dias, digam os, de cuidados com unitários aos lunáti
cos, o esquizofrênico responde som ente por um a m inoria dos desabriga
dos. Aprendi por outros cam inhos, no entanto, que não devem os apenas
sentir pena dos m oradores de rua, com o sentim os de um porco-espinho
mac hucado ou de um passarinho de asa quebrada (|ue pode ser curado
\ \ M III I NI H l I I | l ' l i l
I>i ii iiin .i i n l c r v i m,.H i I ii ui 11111-1ii i <in,i(l,i (Ir a u x i li a r e s pr< ilissu m .iis, de Ikiii I
IM)
< iiii 111m- (<>'.111111.11 i<>•i •I,ii iodas as imnliàs "O nde esloii>" Andar pelos
m esm os lugares todos os dias não tinha, nem de longe, a m esm a graça.
I 11 i lo que faltou à última consulta e nunca m ais o vi.
lisse não é, de m odo algum , um caso isolado: lon ge disso. Pessoas
i iiini) esse paciente são a categoria m ais num erosa entre os m oradores
• l<r. abrigos. Ao m enos dois deles dão entrada em m inha ala a cada se-
.....na. H oje, p or exem plo, conversei com um hom em de 45 anos que
11vera um em prego de responsabilidade com o gerente de loja, m as que
li ira adm itido há p oucos dias com delirium tremens. C oncordou que sua
vida de vagabundo, na ocasião decorridos doze anos, não havia sido
I oi a Imente m iserável. Este paciente, que bebia tanto quanto qualquer
outro paciente que já v i, orgulhava-se do fato de não ter tido proble
mas com a polícia nos últim os sete anos, não porque tenha deixado
de desobedecer à lei. O pagam ento que recebia da previdência social
era totalm ente inadequado ao seu consum o de bebidas destiladas, e
lornara-se um experien te ladrão, “ em bora só roubasse para aquilo que
eu precisava, d o u to r” . Estava claro que a arte de furtar sem ser p ego lhe
irouxe m uito prazer. A d m itiu que não fora levado ao furto p or neces
idade: disse-m e que era um talentoso pintor de retratos e poderia ter
j;.m liado, em poucas horas, bastante dinheiro com essa habilidade para
m antê-lo bêbado p or um a semana.
- Na m inha época tive um bocado de dinheiro, doutor. Dinheiro não
c problem a para m im . Posso conseguir um m onte de novo, mas quanio
mais eu ganho, m ais caio na bebedeira.
Esse paciente também sabia que voltaria à vida que levava, não impoi
I,indo o que fizéssemos por ele, o que quer que lhe oferecêssemos.
Tais m oradores de rua, portanto, fizeram um a escolha que pode
mos até d ignificar com o um a escolha existencial. A vida que escolhei.im
não é privada de com pensações. U m a vez superado o asco inicial das
condições físicas em que decidem viver, encontram segurança: mais se
jmrança, na verdade, que a m aioria da população que luta para manlei
um padrão de vida e que não possui nenhum a garantia de sucesso, lísses
hom ens sabem, por exem plo, que existem abrigos em vários lugares, em
cada bairro e cidade, que estes o aceitarão, o alim entarão e o m anterão
1m I n i• ..... . I •«iIIh-i
l(i iiIkImlt ' -Mini>
aquecido, não im portando o que aconteça ou se o m ercado esi.i cm .ilu
ou em baixa. N ão tem em o fracasso e vivem sem quaisquer restrições
da rotina: a única tarefa diária é aparecer na hora da refeição e a íinii .1
tarefa sem anal é sacar o dinheiro da previdência social. Além disso, s.10
autom aticam ente parte de um a fraternidade - conflituosa e, por ve/es,
violenta, m as que tam bém é tolerante e, m uitas vezes, divertida. A doeu
ça segue no território, mas um hospital nunca está longe dem ais, c o
tratam ento é gratuito.
Para a m aioria de nós é difícil aceitar que esse tipo de vida, tão pouc< >
atraente na superfície, seja livrem ente escolhido. Pensamos, por certo, que
deve haver algo errado com aqueles que escolhem viver dessa maneira.
Sem dúvida devem sofrer algum a doença ou anom alia mental que ex
plique tal escolha e, portanto, devem os ter pena deles. Ou ainda, com o
acreditam os assistentes sociais que visitam os abrigos, todos os que lá se
hospedam são vítim as de infortúnios dos quais não têm culpa e que estão
além de seu controle. A sociedade, com o é representada pelos assistentes
sociais, deve, portanto, resgatá-los. Consequentem ente, os assistentes so
ciais escolhem alguns dos m oradores m ais antigos dos abrigos para aquilo
que cham am de reabilitação, o que quer dizer rem anejam ento para algu
ma residência cadastrada no Serviço N acional de Habitação, completado
com doações de algum as centenas de dólares para a com pra daqueles bens
de consum o cuja ausência, hoje, é considerada pobreza. N ão é difícil im a
ginar os resultados: após um mês, o aluguel do apartamento continua sem
pagam ento e o dinheiro doado foi gasto, não em refrigeradores ou fornos
de m icro-ondas. Alguns dos m oradores de rua m ais experientes já foram
rem anejados umas três ou quatro vezes, o que lhes assegurou períodos
curtos, porém gloriosos, de extrem a popularidade no bar à custa do paga
dor de im postos.
Dizer, contudo, que a escolha é livre não significa endossá-la com o
boa ou sábia. N ão há dúvidas de que esses hom ens vivem de maneira
com pletam ente parasitária, em nada contribuindo para o bem comum e
abusando da tolerância da sociedade para com eles. Quando famintos, têm
apenas de com parecer à cozinha de um abrigo; quando doentes, vão ao
hospital. São profundam ente antissociais.
111 N j i r j r i i i
\ \m Im 1
I i li/cr 111 li I i i i >|11 i i |i |. . i livre M.II» i' liry .u i |i lr i .11 ri, .1 di i 111111«*11
• i r , r xlrm .is. I )ni.i p,u crl.i .ij>nilít ativa <I<> contc xl o s< »i i.il drsscs nun .i
. ......... de rua é unia so rird adr preparada a nada exigir drlrs. lislá, dr l.iio,
I>ii p.irada para subsidiá-ios na bebedeira —na em briaguez até a n iorlr li»
■I' ’ . rlrs, sem exceção, consideram isso parte da ordem natural r iniulávrl
■11 , r< lisas c|ue a sociedade deve prover; todos, sem exceção, cham am <>at< >
• Ir rrccber pensão da previdência social de “ ser p ago” .
lissrs “ cavalheiros” da rua são acom panhados na ausência de residrn
■ i.i lixa por um núm ero cada vez m aior de jovens que fogem de seus larrs
■I r s a s i rosos, onde a ilegitim idade, a sucessão de padrastos abusivos e .1
.lusriicia total de autoridade é a norm a. Som os constantemente advertidos
por aqueles esquerdistas cujas panaceias do passado contribuíram tão lar
1.11 nr 11 te para essa situação miserável que a sociedade (leia-se o governo)
drvr (ázer ainda m ais por essas pessoas tão dignas de pena. Mas a (alia
dr 11111 lar não é, ao m enos na sociedade de hoje, a instância especial dr
uma lei, enunciada pela prim eira vez por um colega m édico britânico, dr
<1111- a m iséria aumenta para satisfazer os m eios disponíveis para redu/i l.i'
li o com portam ento antissocial não aumenta na proporção das desculpa:,
criadas pelos intelectuais?
1996
N ão há dúvida de que “ sem pre tereis p< >l>ies c< m vosco” ,1mas h o j e n.u >s.i< >
pobres da m aneira tradicional.
0 pobre inglês vive um a vida mais curta e m enos saudável q u e o m a r.
próspero de seus compatriotas. M esm o que não conheçam os as eslalís
ticas, o problem a de saúde seria óbvio em um a observação fortuita das
áreas ricas e pobres, assim com o os observadores vitorianos notaram que
os pobres eram, em m édia, o equivalente a um a cabeça mais baixos que
os ricos, graças a gerações de desnutrição e difíceis condições de vida. As
razões das diferenças atuais na saúde, todavia, não são econôm icas. Não há
hipótese de o pobre não conseguir com prar um rem édio ou seguir uma
dieta nutritiva; nem viver em casas superlotadas sem higiene adequada,
com o na época de Mayhew, ou trabalhar quatorze exaustivas horas por dia
dentro de m inas com ar poluído ou m oinhos. Epidem iologistas estimam
que o alto consum o de cigarro entre os pobres é responsável por metade
da diferença na expectativa de vida entre as classes m ais ricas e m ais pobres
da Inglaterra - e fum ar tanto assim custa m uito!
Também notório é o índice de m ortalidade infantil, duas vezes mais
alto na classe social m ais baixa do que na m ais alta. A taxa de mortalidade
infantil de crianças ilegítim as, no entanto, é duas vezes m aior que a de
crianças legítim as, e a taxa de ilegim im idade aumenta drasticamente à m e
dida que descem os na escala social. Assim , a deterioração do casamento, a
ponto de quase desaparecer na classe social m ais baixa, pode m uito bem
ser a responsável por grande parte do excesso de m ortalidade infantil. É o
m odo de vida, e não a pobreza per se, que mata. Hoje, a causa m ais com um
de m orte entre os 15 e 44 anos é o suicídio, que aum entou m ais precipi
tadamente entre aqueles que vivem no m undo dos padrastos tem porários
da subclasse e da conduta sem restrições por lei ou convenção.
Assim com o é m ais fácil reconhecer a saúde prejudicada em alguém
que não vem os por algum tem po em vez de reconhecê-la em uma pes
soa que vem os diariamente, da m esm a m aneira um visitante, chegando
a um a sociedade vindo de outro lugar, muitas vezes pode enxergar mais
1 São Jo ã o 12, 8.
\ \li 1m iui S m | r li i
• I,ii .i i m -1 1 1• m i r . 11............... 1 1 1 ' 1 . 1 1 1 <' 11 11111 iii l.i v i v e li « li i'. ( r. 11H " .1 •. i I i r y . n 1 1 .
tu ' li 111| ii ii 11 i, u i >vi >• 11H 'In i i ' . ' 11 | » . l i s e s i ’i I I l l < > 111111 i i i i . i ' . i >i i 11ii Ii.i 11. 11. i 11 .i
I i , i 11 1.11 |ii ii u m , m i i u 11 11i i m i 11o s p i t a l . E I a s e i n a n l e o b s e r v a I < >s < l< • •11v i >I v < ■i
1111 i i r e s p o s t a à m i s é r i a b r i t â n i c a .
No início, estão entusiasm ados e dão igual atenção a todos de iii.inei
i i ;.;i nerosa e sem hesitação, independente da condição econôm ica. Ide-.
11H -.mos provêm de cidades —Manila, Bom baim , Madras —onde, em mm
i " 1. dos casos que vem os em nosso hospital, os pacientes simplesmente
ui abandonados para morrer, muitas vezes, sem socorro algum, hc.un
impressionados por nosso zelo ir além do m eramente m édico: ninguém
In .i sem com ida, roupas, abrigo ou m esm o entretenimento. Parece exislu
..... . agência pública para lidar com cada problem a im aginável. Por umas
-.emanas pensam que tudo isso representa o ponto alto da civilização, es
peeialmente quando recordam os horrores nos seus países de orij;em
A |ii )breza —com o eles a conhecem —foi abolida.
Em pouco tempo, contudo, com eçam a sentir um vago desconíorio
I Ima médica filipina perguntou-m e, por exem plo, por que tão poucas pes
soas pareciam estar agradecidas por aquilo que estava sendo feito por elas
< > que suscitou a pergunta fora um drogado que, após tom bar por um.i
nvcrdose acidental de heroína, foi levado ao nosso hospital. Precisou de cui
d.idos intensivos para recuperar os sentidos, com m édicos e enferm eiras
lratando dele durante toda a noite. Suas prim eiras palavras para o médii o
quando, subitamente, recuperou a consciência, foram : “ Me dá a merda de
um cigarro pra b o lar!” (enrolar manualm ente o fum o). A grosseria impe
i iosa não proveio de um a sim ples confusão: continuou a tratar a equipi
lo m o se eles o tivessem sequestrado e o m antivessem no hospital conli.i i
sua vontade, para realizar experiências. “ Deixa eu sair fora dessa p o rra'"
N.ío havia qualquer reconhecim ento naquilo que havia sido feito poi i I'
tam pouco gratidão. Caso acreditasse que havia recebido algum benelii m
daquela estadia, bem , isso era, sim plesm ente, obrigação.
Meus m édicos de Bom baim , Madras ou Manila assistem a esse lipo
de conduta boquiabertos. N o início, supõem que os casos testemunhadi is
são falhas estatísticas, um a espécie de erro de amostragem, e que, passa
do certo tempo, encontrarão um a parcela melhor, mais representai iv.i da
Perguntei a ela se pensava ser boa ideia ter relações sexuais com 11111 lio
mem que repetidamente batia nela e de quem ela disse que queria separar se.
() c|iie ela sabia a respeito desse hom em antes de ter relações com ele?
1 i iiilieceu-o em um a boate; e ele foi im ediatamente m orar com ela porque
ii.ui tinha onde ficar. Ele tinha um filho com outra m ulher e não pagava
|icnsão a nenhum dos dois. Estivera na prisão por assalto. Tom ou drogas.
I Junca trabalhou, a não ser em uns “ bicos” . E claro que nunca se ofereceu
|iara ajudá-la com dinheiro algum ; ao contrário, a conta do telefone dela
i 11 sc eu vertiginosam ente.
lila nunca fora casada, mas tinha dois outros filhos. A prim eira, um a
menina de oito anos, ainda vivia com ela. O pai era um hom em que ela
abandonara porque descobrira que ele fazia sexo com m eninas de doze
anos. A segunda criança era um m enino, cujo pai era “ um idiota” com
quem passara apenas um a noite. Aquela criança, agora com seis anos, vivia
com o “ idiota” , e ela nunca o vira.
O que sua experiência tinha ensinado?
— N ão quero pensar nisso. O Serviço de Habitação irá m e cobrar pel
eslrago, e não tenho esse dinheiro. Estou deprim ida, doutor; não estou
leliz. Quero m e mudar, ir para longe dele.
ligo apartamento porque ela não pode pagar nada e por não ter sido ela
quem o danificou. Ele sairá dessa ileso e sem ter de pagar nada. Uma ve/
acom odada no novo apartamento, ela o convidará para ficar por lá, eli
d e , struirá tudo de novo e, então, encontrarão outro lugar para ela morai
|hl
querem e no horário <|(ic escolhem A i < ni< .m o em i i n u questão 1.10 < 1«
m entar quanto comer, não há autodisciplina algum a, mas, em vez dl:.:.o,
um a obediência im periosa ao im pulso. É desnecessário dizer que .1 o p o i
tunidade de conversa ou socialização que oferece um a refeição tomada em
conjunto é perdida. As refeições inglesas são, portanto, solitárias, pobre:,,
desagradáveis, brutais e curtas.
Pedi aos m édicos que com parassem as lojas em áreas habitadas poi
brancos pobres e aquelas em que vivem os im igrantes indianos polm s
É um a com paração instrutiva. As lojas dos indianos estão sempre apiuh.i
das de todos os tipos de produtos frescos e atraentes que, pelos padrões
dos superm ercados, são surpreendentem ente baratos. As m ulheres eslor
çam -se para com prar bem e fazem distinções sutis. N ão existem comidas
pré-prontas. Em com paração, um a loja frequentada por brancos pobres
oferece um a gam a restrita de produtos, na m aioria, com idas pré-prontas
relativam ente caras que requerem , no m áxim o, adição de água quente.
A diferença entre os dois grupos não pode ser explicada por diferen
ças de renda, pois são insignificantes. A pobreza não é a questão. A disposi
ção dos indianos para escolher cuidadosam ente o que com em e para tratai
as refeições com o ocasiões sociais im portantes que im põem obrigações
e, por vezes, requerem a subordinação da vontade pessoal é indicativa de
toda um a postura diante da vida que muitas vezes lhes perm ite, apesat
dos baixos rendim entos, subir 11a hierarquia social. De m odo alarmante,
no entanto, a ânsia dos filhos de im igrantes de pertencer à cultura local
predom inante está com eçando a criar um a subclasse indiana (ao m enos
entre os rapazes): o gosto por fast-food, e tudo m ais que tal gosto encerra,
está crescendo rapidam ente entre eles.
Quando tal desm azelo alim entar espraia-se para todas as outras es fé
ras da vida, quando as pessoas satisfazem todos os apetites com o m esm o
m ín im o esforço e falta de com prom isso, não é de admirar que se deixem
cair na arm adilha da m iséria. N ão tenho problem as em m ostrar para os
m eus m édicos da índia e das Filipinas que a m aioria de nossos pacientes
aplicam a postura fast-food a todos os prazeres, obtendo-os da maneira mais
fugaz e com o m ínim o esforço. N ão têm atividades culturais próprias, e
suas vidas parecem ser, até m esm o para eles, sem propósito. N o Estado de
hi ui listai So( ial, .1 11ii i.1 sobrevivência não é <> 11ii-.in<i leito heroico <111< .
digam os, nas cidades da África e, portanto, não conlérc aulorrespeilo, que
e ,i precondição do autoaprim oram ento.
Ao fim de três meses, m eus m édicos, sem exceção, mudaram a opi
in .io original de que o Estado de Bem-Estar Social, com o exem plificado i u
Inglaterra, representa o ápice da civilização. Ao contrário, veem com o isso
a>’<n a está criando um m iasm a de apatia subsidiada que frustra as vidas d< >s
■ai postos beneficiários. Com eçam a perceber que o sistema de Bem-Estar,
por não fazer quaisquer julgam entos m orais ao alocar retribuições e c o n ò
micas, prom ove o egoísm o antissocial. O em pobrecim ento espiritual da
população parece-lhes pior do que qualquer coisa que já viram antes nos
próprios países. E o que veem é pior, é claro, porque poderia ser muito
11icllior. A riqueza que perm ite que todos tenham, sem esforço, com ida cn i
quantidade suficiente poderia ser algo libertador, e não aprisionador. Ao
contrário, isso criou um a grande casta de pessoas para quem a vida é, n.i
realidade, um lim bo em que nada têm a esperar ou a temer, nada a ganhai
o u a perder. E um a vida esvaziada de significado.
“ N o geral” , disse-m e um m édico filipino, “ é preferível a vida nas la
velas de M anila” . Disse sem quaisquer ilusões com relação à qualidade de
vida em Manila.
Esses fizeram a m esm a jornada que eu m esm o fiz, mas em direção
oposta. Ao chegar com o jovem m édico na África há 25 anos, prim eira
mente, fiquei horrorizado com condições físicas de um tipo que nunca
experim entara antes. Pacientes com insuficiência cardíaca que andavam
(iilenta quilôm etros debaixo de um sol escaldante, com respiração ofegan
te e pernas inchadas, para conseguir tratamento - e depois voltavam camí
n liando para casa. Tumores ulcerados e supurados eram comuns. Homens
descalços contraíam tétano pelas feridas infligidas pelo bicho-de-pé que
punha ovos entre os dedos. A tuberculose reduzia as pessoas a esqueletos
vivos. As crianças eram m ordidas por surucucus e os adultos eram atacad<>s
por leopardos.Yi leprosos cujos narizes haviam apodrecido e lunáticos que
vagavam nus debaixo de chuvas torrenciais.
Mesmo os acidentes eram espetaculares. Cuidei dos sobreviveu
les de iiui acidente na Tanzânia no qual, pela falta de freios — o que era
1999
A
N V m In i u i H m c I n
té bem pouco tempo atrás, supunha que a extrema feiura da cidadi
em que vivo era atribuível à Luftwaffe. Acreditava que as construi,i »*■*.
altas, baratas e sem nenhum encanto que desfiguram a paisagem
urbana tinham sido construídas pela necessidade de preencher os vazios dei
xados pelos bombardeiros Heinkel. Passei boa parte da infância brincande m u
■ibrigos antiaéreos abandonados nos parques públicos e, apesar de ter nascidi >
.ilguns anos após o fim da guerra, a grande conflagração ainda tinha uma iu
lluência considerável na imaginação das crianças britânicas de minha gcraç.K >
Descobri quão errado estava quando entrei em um a loja cujas parede,
eram decoradas com grandes fotos antigas da cidade antes da guerra I m .
na ocasião, um lugar agradável, à m oda grandiloqüente dos vitoriano:,
( ada construção, sem dúvida de m aneira pom posa e ridícula, balcj.iv.i rei
lo orgulho m unicipal. A indústria e o trabalho eram glorificados n,i <■• *
iuária, e um germ e dos tem plos gregos e da Renascença italiana nuiir.n ,i
a arquitetura neogótica veneziana.
— Foi um a pena essa guerra - disse à vendedora, que tinha idade p,i i
relembrar dos velhos tem pos - , veja com o a cidade está agora.
- A guerra? - disse e la .- A guerra não teve nada com isso. Foi o Conselln >
M i m i I m I i u Ii ' N i h i i I h i i i D » • iilijiiH h i l ím im ii um IN im iH ? I í »7
Depois da guerra, bini pcnsiinieoue<miaram univeisalmente <|u<- a m>
ciedade britânica pré-guerra era totalmente injusta. A classe tiahalhadii
ra, diziam , fora vergonhosam ente explorada, com o eslava cvidenlr na>i
grandes desigualdades de renda e nas habitações apinhadas de yenie l lm
im posto de renda fortem ente progressivo (que em determ inado .......t"
chegou a 95%) iria retificar as desigualdades de renda, ao passo <|m i
rem oção dos bairros pobres e a construção de projetos em larga ca ala
m itigaria o problem a habitacional.
Os reform adores de classe m édia pensavam na pobreza em icrnm',
totalmente físicos: insuficiência de alim ento e calefação, falta de espa<,o
Com o, perguntavam, as pessoas conseguiriam as boas coisas da vida se as
necessidades básicas eram providas de m odo tão inadequado? O que sig
nificaria liberdade (recordo m eu pai perguntando isso) diante da ausêui la
de condições decentes de m oradia? U m a vez que os problem as sociais
com o o crim e e a delinquência (que logo descobriríam os estarem no iuí
cio) eram atribuíveis à privação física - ao m eio, e não ao crim inoso ou
ao delinquente —a construção de casas decentes resolveria imediatamente
todos os problemas.
Mas o que era um a m oradia decente? U m funcionário público, Parkei
M orris, deu um a resposta: um determ inado núm ero de metros cúbicos
de espaço vital por habitante.1O M inistério da Habitação adotou o padrai •
Parker M orris para todas as habitações públicas; ele regia o tamanho e nu
m ero de quartos —e isso era tudo.
Nas circunstâncias, quem ficaria surpreso em saber que o estilo ai
quitetônico de construção, se é que pode ser cham ado de estilo, d e l.e
Corbusier chegou a dom inar as obras das habitações públicas, mesmo
depois de já ter se m ostrado desastroso em um lugar —em Marselha, <>n<li
fora dado a Le Corbusier o controle total? Era o m od o m ais sim ples e mais
d e área total de 7 2 m 2, c r ité rio que atu alm en te, n a cid ad e de L on d res, jsu il......
m ais 10% de área total. Vale le m b ra r q u e tal m e tra g e m é m u ito m a io r que i is
p a d rõ e s de resid ên cias p op u lares d o Brasil, q u e o scila m , em m éd ia, e n trr I ’ <
6 2 m 2. (N .T .)
te in f la m a d o s q u e p o d e m s e r e n c o n i i .i d o N u o s p r o j e t o s l i a b i l . K .......u
\ \ i V ji l MM UI |I III
' li .11 >.11i.i1111-nI< 111 in M 1.................1<»■. ImI >11.11 ii >n.ii. ii I<ii i, ,ii 11 ii i .{ii11111
■I I I ll.ll IO (l( >llIJM I .1111< ■I. ,1 I i 111 ,11 I ,11K ,K los | >clo. I r\ll |i| III I l/\l >l’IM I I* 1
\ \ li In lin i nu jr ln
No Iih k ><Ic m IM I ii 111 mu I Ii.i hi lac ion.11 p,n Ik ul.u menie ameaçat li >i .i< >
11 li.11i'lTla vez in i ( h.mi.ulo tuna mãe solteira ameaçava imolar seu li lho
Ii.ivi.i um bloco de apartamentos visivelm ente m enos desagradável que os
'lem.iis. lira totalmente habitado por pensionistas idosos: que não tinh.im
m.ir; lorça para vandalism os ou não tinham tal propensão. Se o padr.it)
I 11 ke r M orris não era condição suficiente para um a vida decente, tam bé m
n.io era condição suficiente para o oposto.
() que realmente fazia diferença, concluí, era a política de alocação tio
r.lema habitacional, que teve uma oferta limitada, apesar da recente expansãt >
• l.i i <instrução civil nas últimas décadas. Em condições de escassez, a justiça de
i< ri iiiiiava que as habitações existentes fossem alocadas segundo a necessidade:
e que prova m aior de necessidade poderia existir senão a patologia social?
Uma m ulher solteira desem pregada com três filhos de três pais tli
lerentes, e que nenhum dos pais oferecesse qualquer auxílio aos filhos,
poderia ser considerada em m aior necessidade que um casal com em
prego, regularm ente casado e com um filho, dos quais podem os esperar,
in innalmente, que cuidem de si mesmos. Mirabile dictu, logo havia patologia
st itial mais do que suficiente para ocupar o espaço disponível. Na verdatle,
tlesenvolveu-se um a espécie de corrida armamentista de patologia social
minha violência para com o próxim o subjuga suas tentativas de suicídio.
Os resultados dessa política foram verdadeiramente grotescos. Porque
.is habitações públicas são subsidiadas, m uitos as desejam.Tradicionalmen
ie, os conselhos m unicipais com o proprietários relutam em despejar seus
inquilinos, não im portando qual seja o comportamento ou se deixam tie
pagar o aluguel, em parte para chamar a atenção para a diferença ideoló
gica entre os setores público e privado, para ganho do prim eiro. Diferenle
tia luta insensível e exploradora dos proprietários privados por vantagens
particulares, o senhorio do Conselho M unicipal oferece de maneira be
nevolente um serviço social. Assim, a locação de uma habitação pública e
para os psicopatas o que a estabilidade no em prego é para os professores
universitários: não há com o imaginar m elhor convite à irresponsabilid.itk-
Curiosamente, o encorajamento do que seria considerado um compor
lamento antissocial foi realizado em nom e de uma recusa, supostamente lo
leranle, de fazer juízos morais; todavia, uma vez que aqueles que se punham
I99S
V \ III n iiii S m j r ln
Pm lidos no Gueto
\ \ llln mm í ’i i i | i ' l n
.11 ii ( iv.it, at >; 1111 li. |i.ii 11 111 < ui. ir . n iiv o s . 11111 h . i <,)i I, unl i i i nt '11 |>.ii i'i,i i i i. ui
■i. ninguém linha tlúvitl.i:. sobro o que significava st-i educado ou <|ih
ii' Hi.iv.i o valor de uma educação tal com o a que ele recebeu, mas já que
■i-, |i,iis i- professores agora veem todas as manifestações culturais o campt
.!.•<< )iihocimento hum ano com o coisas de igual valor, por que ter trabalho
paia com unicar ou para receber um a educação tão rigorosa, difícil o pou
....... aiural com o m eu pai recebera, um a vez que qualquer outra instruçát>
(ou nonhuma) é igualm ente boa? Pior, tal esforço iria im por um padrão
ii bilrário de valor - um m ero disfarce para a continuação da hegem onia
i la rlile tradicional - e, portanto, destruiria a autoconfiança da m aioria <■
reli irçaria as divisões sociais.
Infelizmente, no longo prazo, a cultura de periferia é profundamente
11r.ai isfatória para as pessoas inteligentes. A tragédia é que, m esm o o nível
■|e inteligência nos bairros pobres sendo mais baixo que em qualquer ou
iro lugar, muitas pessoas inteligentes tiveram o infortúnio de nascer neles;
i la/.emos todo o possível para assegurarm o-nos que aí permaneçam.
lilas com eçam a perceber, em diferentes fases da vida, que há algo
errado com a cultura que as rodeia. Algum as percebem isso quando che
vain à adolescência, outras somente quando os próprios filhos vão para a
escola. Muitas são incapazes de apontar o que exatamente está errado: aos
trinta anos, só estão cientes de um a ausência. Essa ausência vem a ser a
lalta de qualquer assunto que ocupe suas mentes e seja diferente do fluxo
diário de suas existências.
E bem sabido que crianças inteligentes que não são suficientemenle
instigadas na escola e são obrigadas a repetir as lições que já entenderam
-,o porque outros em sua classe, mais lentos do que elas, não as dominam,
muitas vezes ficam inquietas, com portam -se mal e tornam-se até deliu
quentes; o que é m enos percebido é que esse padrão destrutivo persiste
igualmente na vida adulta. Os entediados - dentre os quais estão aqueles
rujo grau de inteligência é m uito incom patível com as exigências do ani
biente cultural - frequentem ente resolvem o problem a ao fomentar crises
lat ilmente evitáveis e totalmente previsíveis na vida pessoal. A mente, as
sim com o a natureza, abom ina o vácuo, e se nenhum interesse cativante l<>i
desenvolvido na infância e na adolescência, tal interesse é imediatamente
V \ h In i mi H m | r iu
no hospital sem um livro de Victor Hugo, I lonorc de bal/ac ou ( 'li.irlt".
M.uidelaire, que é um pouco com o ver um urso polar num a floresta). I )e
( idiu, desde pequena, que iria estudar francês na universidade e teve s<>ri<,
se levarmos em conta a escola que frequentou, de encontrar um prolesst n
i|iie efetivamente não a desencorajou. Para ela, o custo nas relações soc iais
com uns com seus pares, todavia, foi incalculável. Tinha de sentar-se longe
i los colegas na sala de aula e criar seu próprio m undinho fechado em meu >
.1 constante desordem e barulheira; foi debochada, provocada, ameaçad.i
e humilhada; foi escarnecida enquanto esperava no ponto de ônibus; iu o
linha am igos e foi sexualm ente violada por rapazes que desprezavam, e
i.ilvez secretamente temessem, sua paixão notória por livros; recebeu ex
ire mentos na caixa de correio de sua casa (uma expressão de desaprov.it,.i<>
com um em nossa admirável nova Grã-Bretanha). Quanto aos pais el.i
tinha muita sorte de ter os dois - , eles não a com preendiam . Por que el.i
não podia ser com o os outros e deixá-los em paz? N ão era nem mesmo
com o se um a predileção por literatura francesa levasse automaticamente .1
um em prego m uito bem pago.
Ela chegou à universidade e foi feliz por três anos. Pela prim eira ve/
na vida encontrou pessoas cujo m undo intelectual ia além da própria ex
periência restrita. Seu desem penho na universidade era digno, embora nãt >
losse brilhante, pois com o ela m esm o admitia, faltava-lhe originalidade
Sempre quisera o m agistério, acreditando que não havia vocação mais n< >
bre que despertar a mente dos jovens para as riquezas culturais que, de
outro m odo, perm aneceriam desconhecidas; mas ao se graduar, por (alt.ii
lhe poupança, voltou à casa dos pais graças à economia.
Conseguiu um em prego para ensinar francês nas im ediações, no tipo
de escola em que fora educada. Voltara a um m undo em que o conhei 1
mento não era m elhor que a ignorância, e a correção, fosse na ortogr.ill.i
ou 11a conduta, era, por definição, um insulto pessoal, uma afronta ao <■>;< >
Quem era ela — quem era, na verdade, o adulto —para dizer às crianças 1 >
que deveriam aprender ou fazer (uma questão bastante delicada, impos
sível de responder, caso acreditemos no igual valor de todas as atividades
humanas)? Mais um a vez ela viu-se ridicularizada, im portunada e liuim
Ilíada e estava sem forças para im pedir isso. Por fim, um de seus alunos se
m o \ \ m In m i S m | i 'i n
Hem listar Social po<l< encontrar para ela Ibi um (|uarlo em nma casa
niili/.ada para realocar crim inosos. Enquanto sen irm ão recebia toda .1
atenção dos assistentes sociais, ela não recebia nenhum a, já que não havia
nada de errado com ela. Sua colega de quarto crim inosa na casa dividida
era o que ela cham ou de “ um a baghead” 2 - um a viciada em heroína
i- também ladra profissional.
Inteligente e esforçada, m inha paciente encontrou em prego com o
escriturária em um escritório de advocacia e nele trabalha desde então,
li cobrada na íntegra pelo aluguel barato de seu quarto miserável e todos
os apelos às autoridades para ser realocada são negados com a justificativa
de que ela já está adequadamente acom odada e, de qualquer m odo, ainda
é incapaz para gerir os próprios negócios. Quanto à assistência pública
para estudar em tem po integral, isso está fora de questão, já que para obter
tal educação em tem po integral ela teria de desistir do em prego, e seria,
então, considerada com o voluntariam ente desempregada, o que a inabili
taria para receber assistência pública. Caso ela se esmerasse em ficar grávi
da, ora, aí a assistência pública estaria à disposição, em generosas porções.
Dificilm ente a m oral da história dessa jovem seria mais nítida. Pri
meiro, os m oradores de seu m eio de origem consideram o dever de não
inform ar às autoridades m uito superior ao seu direito de não ser maltrata
da. Segundo, as próprias autoridades consideraram o ataque à jovem com o
não m erecedor de verdadeira atenção. Terceiro, ela não receberá ajuda al
gum a ao fugir das circunstâncias nas quais nasceu. Tratá-la com o um cas< >
digno de atenção especial, afinal, seria sugerir que houve casos que não
mereciam atenção; e aceitar isso seria equivalente a admitir que um estilo
de vida é preferível a outro - m oral, econôm ica, cultural e espiritualmente
Esse é um raciocínio que deve, a todo custo, ser elim inado, ou toda a ide< >
logia da educação e do Bem-Estar Social m odernos desmorona. Poderia set
questionado, é claro, se foi justa a ausência de assistência pública que, mi
cialmente, agrilhoou a alma de m inha paciente (ela ainda estava decidida
III .' A \ m 1« 1 1 u i S m O H i i
livre, c a inteligência i uma nítida desvantagem quando não é usada: volta-
se contra a pessoa. Rem em orando as histórias de vida, percebem pela
|n i m eira vez que em todos os m om entos escolheram a via de m enor re-
r,in icia, o cam inho m enos cansativo. Nunca tiveram orientação algum a
porque todos concordavam que um cam inho era tão bom quanto outro
qualquer. Nunca despertaram para o fato de que a vida é um a biografia
c não uma série de m om entos desconexos, mais ou m enos agradáveis,
I » irém cada vez m ais tediosos e insatisfatórios, a m enos que a pessoa lhes
im ponha um a intenção propositada.
A educação que receberam foi por obrigação e, aparentemente, um a
iiiicnninável irrelevância: nada do que os professores ou pais lhes disse-
i.ira, nada do que absorveram da cultura que os rodeava fizeram supor
que os prim eiros esforços na escola, ou a falta de esforço, teriam , poste-
i iorm ente, algum efeito nas suas vidas. Os em pregos obtidos assim que
se veem capazes de trabalhar são sim plesm ente para custear os prazeres
do m om ento. Criam relações com o sexo oposto por capricho, sem p en
sar no futuro. As crianças nascem com o instrum entos, seja para consertar
relacionam entos problem áticos seja para preencher o vazio em ocional
ou espiritual, e lo go se revelam insuficientes para tais funções. Os am i
gos - pela prim eira vez vistos com o pessoas de m enor inteligência -
agora lhes cansam. E, pela prim eira vez, ao desejar escapar das crises
artificiais, autoestim uladas, que não m ais divertem , sofrem de um indis-
larçável tedium vitae da periferia.
E claro que a inteligência não é a única qualidade da cultura m o
derna que a periferia pune. Quase todas as m anifestações de sentim en
tos m ais refinados, quaisquer sinais de fraqueza, quaisquer tentativas de
recolhim ento à vid a privada são aniquiladas sem piedade, com o presas,
e exploradas. Condutas aprim oradas, a rejeição à blasfêm ia em p ú b li
co, qualquer interesse intelectual, a aversão ao grosseiro, o reclam ar da
desordem e do lixo são objeto de troça e m aledicência; portanto, é n e
cessário coragem , e até m esm o heroísm o, para portar-se de m odo o rd i
nariam ente decoroso.
Uma de minhas pacientes é um a m ulher robusta, de cinquenta anos,
cjLie oulrora poderia sn cham ada de um a em pregada idosa. E totalmente
2000
1% Assim, Morrem ao Nosso
Redor Todos os Dias
u m \ \ li In i u i !
personalidade m.iis lí .ua é separada da m ais forte, aquela d eixa de acredi
lar na ideia delirante.
Kouao - indiscutivelm ente a personalidade mais forte entre os dois
precisava de M anning porque ele tinha um apartamento e ela não tinha
nenhum outro lugar para ficar; M anning precisava de Kouao porque ela
era a única mulher, salvo um a prostituta, com quem já tivera um rela
( ionamento sexual. Quando Kouao com eçou a acreditar que Anna estava
possuída pelo dem ônio, M anning aceitou o que ela dissera e uniu forças
para expulsar o dem ônio de Anna. Levaram-na para várias igrejas funda
mentalistas, cujos pastores realizavam exorcism os. De fato, no próprio dia
da m orte de Anna foi o taxista que os levava para um a dessas igrejas para
u in exorcism o que percebeu que Anna m al estava consciente e insistiu em
levá-la para um posto de saúde, de onde foi encam inhada ao hospital em
que veio a falecer.
O com portam ento dos dois réus no tribunal ratifica o diagnóstico de
Iblie à deux. M anning foi subjugado e reconheceu a culpa. Kouao, no entanto,
manteve todo o tem po a Bíblia nas m ãos e muitas vezes teve de ser retirada
do banco dos réus por conta de seus arroubos religiosos. Com portou-se
com o se realmente estivesse louca.
Dois parentes distantes de Kouao que m oravam na Inglaterra testem u
nliaram que cham aram a atenção dos funcionários do serviço social para
o estado de Anna. Nada aconteceu. U m a babá que tom ou conta de Anna
quando Kouao encontrou em prego estava tão preocupada com sua con
dição geral, com a incontinência urinária e as marcas na pele que a levou
para um hospital. Aí, Kouao conseguiu convencer um m édico experiente
que o m aior problem a de Anna era sarna, da qual derivavam todos os
demais problemas. Kouao alegava que as marcas na pele da m enina eram
resultado do p róprio ato de coçar para aliviar irritação da sarna.
Nove dias depois, todavia, a própria Kouao levou Anna a outro lios
pitai. Lá, alegou que as queim aduras feitas por água quente na cabeça da
criança tinham sido causadas pela débil tentativa de Anna de jogar águ.i
quente sobre o corpo para aliviar a coceira da sarna. Dessa vez, no entanto,
os médicos e as enferm eiras não foram enganados. Não só notaram os
lérim entos de Anna, com o também seu estado de desnutrição e a imens.i
l‘»C) \ \ i< I ji 1
in S i i r j r h i
i Ir K<>ii4o |>.ii ,i ( ( ui ■ y mi ,ii i iiuodaçõcs mais cs|wv<>sas |>ai a si <• as mvrsli
^açõcs não envolveram , evidentemente, o exam e de Arma.
Dois m eses depois, Anna estava morta.
O caso, naturalmente, provocou um a série de com entários, muitos
lora de contexto. A assistente social e a policial foram transformadas em
bodes expiatórios, com o sugeriram os correspondentes do Guardian o
grande órgão da esquerda progressista na Grã-Bretanha. O verdadeiro pro
blema era a falta de recursos: os assistentes sociais estavam m uito sobrecai
regados e eram m uito mal rem unerados para executar devidamente suas
tarefas. E im pressionante com o tudo hoje em dia pode ser transformado
em reivindicação salarial.
U m a ex-assistente social, contudo, escreveu para o Guardian e sugeriu
(|ue a ideologia, em particular, no treinam ento do serviço social, era o
problem a fundamental. Aí, é claro, tocou no âm ago da questão. A temát ii a
da raça e as posturas oficiais com relação a isso percorrem o caso de Anna
Clim bie com o um lamento.
O politicamente correto penetrou tão rapidamente em nossas inslilm
ções que hoje, praticamente, ninguém tem um a ideia clara sobre raça. As
instituições de Bem-Estar Social estão preocupadas com raça a ponto de isso
ser um a obsessão. O antirracismo oficial deu às questões raciais um a impor
tância cardeal que nunca tiveram antes. As agências de Bem-Estar dividem
as pessoas em grupos raciais para propósitos estatísticos com um a m etia i
losidade que não experimentava desde a época em que vivi, brevemente,
na África do Sul há um quarto de século. Não é mais possível, ou mesmo
desejável, para as pessoas envolvidas no serviço social fazer o m elhor ca\o
a caso, sem (desde que humanamente possível) preconceito racial. De litii >,
há pouco tempo recebi um convite de m eu hospital para participar de um
curso de consciência racial, baseado no pressuposto de que o pior ..........
perigoso tipo de racista era o m édico que se iludia ao pensar que tratava to
dos os pacientes igualmente, dando o m elhor de sua capacidade. Ao men< >s i >
eurso de consciência racial (ainda) não é com pulsório: um am igo advogai li i
recentemente nom eado juiz foi obrigado a passar por um exercício com o
esse para juizes recém -nom eados e estava enfurnado, por um fim de sem.i
na, em um hotel provinciano miserável com representantes de acusação de
\ \ iiI h 111 S m | c l 11
1
lu lu i r< )| >si,i ) i inli.i h h i le i ili |>arecei nmito severa lia avaliaçat >de K< >ii.k ».
para cvilar a acusaç.io de ser racista, ici la de m odo tão corrente nesse:,
tempos de fácil indignação. Caso não tivesse fingido acreditar em Kouao,
■ la leria de ter tom ado um a atitude para proteger Anna, correndo o i isco
de Kouao acusá-la de ter m otivação racial. E um a vez que (para citar outro
m em orando de m eu hospital) “ assédio racial é aquela ação percebida pela
vítima com o tal” , parecia m ais seguro deixar Kouao com seus cabides,
martelos, águas ferventes e assim por diante. Por isso, tam bém, o d esféclx>
«lo caso não poderia ter sido diferente caso a assistente social e a polic ial
lossem brancas: os m edos teriam sido diferentes dos tem ores das colegas
negras, mas os derradeiros efeitos desses m edos seriam os m esm os.
Kouao, M anning e Anna Clim bie não foram tratados com o seres lni
m anos, mas com o m em bros de um a coletividade: um a coletividade pu
ramente teórica, cuja correpondência à realidade era extrem am ente débil.
Nem o m ais requintado racista poderia ter aventado um cenário m enos
lisonjeiro das relações entre crianças e adultos negros do que aquele que
a assistente social e a policial pareciam aceitar com o norm al no caso de
Kouao e Anna Clim bie. Se o prim eiro m édico, a assistente social e a poli
ciai tivessem se prendido m enos no problem a da raça e estivessem mais
preocupados em fazer o m elhor possível em cáda caso, Anna Clim bie
ainda poderia estar viva; e Kouao e M anning passariam m enos tempo de
suas vidas na prisão.
Vejo tal “ consciência racial” - a crença de que os m otivos raciais su
peram todos os outros - com bastante frequência. Há bem pouco tempo
pediram -m e que assumisse o lugar de um m édico que iria ausentar-se p< n
um período m ais longo e que era bem conhecido por sua simpatia ideo
lógica por negros de origem jamaicana. Para ele, os altos índices, tanto de
prisões com o de psicoses, de rapazes jam aicanos eram prova daquilo que
licou conhecido na Inglaterra, desde um fam oso relatório oficial feito pela
polícia m etropolitana de Londres, com o “ racism o institucionalizado” .
Um a enferm eira pediu-m e que visitasse um dos pacientes desse mé
dico, um rapaz negro que vivia em um a terraced house2 perto do hospital
I 'H \ \ h Iii ii m S i H j r i n
( ) j o v e m I l ey I * I, 1111■ .mu!.I vivi.i c o m .1 m. i e, c o m e ç o u .1 r e c o l h e i se,
r u m o se estivesse 111..... . concha. N u n ca nmito co m unicativo on exlrover
lido, continuava a trabalhar, m as não a falar. E111 uma oportunidade làlou
coin a mãe - a respeito da doação de seus pertences caso ele morresse.
Certo dia a m ãe retornou e encontrou a casa barricada. O f i l h o estava
dentro, e colocara a m obília diante das portas e janelas. A m ãe chamou
os bom beiros, que tiveram dificuldade em entrar. Encontraram o rapaz
inconsciente, com os pulsos cortados e sangue por toda a parte.Tam bém
tomara um a overdose de pílulas.
Perdera tanto sangue que precisou de um a transfusão antes do início
da cirurgia para consertar os tendões. U m a tentativa mais determ inada de
suicídio dificilm ente poderia ser im aginada. Sugeri à mãe que, após a re
cuperação da cirurgia, ele fosse transferido para a ala psiquiátrica.
Prim eiram ente ela concordou, aliviada com a sugestão; mas depois,
outro de seus filhos e um am igo chegaram ao hospital, e a atmosfera ime
diatamente m udou. Pela postura deles para com igo, qualquer um supori.i
que fora eu quem cortara os pulsos do jovem , que o prendera dentro da
casa e quase o levara à morte. M inha argum entação de que sua conduta a<>
longo das últimas semanas sugeria que ele estava, de algum m odo, men
talmente perturbado, que isso requereria m aiores investigações e que ele
corria grave risco de suicidar-se foi cham ada de racista: eu não teria dedu
zido isso se m eu paciente fosse branco. O hospital era racista; os m édicos
eram racistas e eu, em particular, era racista.
Infelizm ente a mãe, com quem m inhas relações até a chegada dos
outros dois hom ens tinham sido cordiais, agora tomara o partido deles
Em hipótese algum a ela perm itiria que seu filho fosse para a ala psiqui.i
trica, onde costum eira (e propositadam ente) drogavam jovens negros .11 <
a morte. O irm ão e o am igo advertiram -m e que, caso insistisse, levari.....
os am igos para criar um tumulto no hospital.
A lei perm itia que eu desconsiderasse a mãe do rapaz, o irm ão e <>
am igo, mas o cenário estava ficando feio. M arquei um a reunião com eles
no dia seguinte, na esperança de que aquela atitude tivesse sido apenas .1
manifestação de um a aflição passageira, mas aí a postura endureceu. Cedi,
mas antes de fazê-lo, fiz a m ãe assinar um a declaração de que eu lhe avisar,1
200 I
\ \ i'lii I ui S i i i | r l M
ninguém <!c ■.! i.i < < m1 1 1 > . i i x ã < > abrangente. Nunca pergunta de onde vem o
sof rim ento do próxim o, seja autoinfligido ou não, pois qualquer que seja
.1 liiiite, ele com preende e socorre o sofredor.
O departamento de habitação da m inha cidade aderiu rapidam ente a
essa doutrina. Aloca escassas habitações públicas, diz nos folhetos autoelo-
giosos, com base somente na necessidade (tirando um a ou duas relações
nepotistas — afinal, até os que não gostam de em itir juízo de valor são
hum anos). Nunca perguntam com o prim eiram ente surgiu a necessidade,
lá estão para cuidar e não para condenar.
N a prática, é claro, as coisas são um pouco diferentes. É verdade que
o departamento de habitação não julga os m éritos dos candidatos por li
beralidade, mas é precisam ente por isso que não pode expressar nenhuma
com paixão humana. A avaliação da necessidade é matemática, baseada no
cálculo perverso da sociopatia.
Para retomar o caso da m inha paciente cujo filho foi assassinado: ela
foi expulsa de casa pelos vizinhos que achavam que era a responsável pela
m orte da criança e, por isso, agiram com o bons cidadãos indignados ao
tentar, por duas vezes, incendiar o apartamento em que ela morava. Depois
disso, ela encontrou acom odação barata em um a casa que tam bém abriga
va um usuário de drogas violento, que tentou galanteá-la à força. Quando
fez um requerim ento ao departamento de habitação solicitando ajuda, esta
foi recusada visto que ela já estava devidamente alojada, no sentido de ter
quatro paredes ao seu redor e um teto sobre a cabeça (e seria totalmen
te errado estigmatizar viciados em drogas com o vizinhos indesejáveis),
e também porque ela não possuía m enores dependentes — seu único de
pendente m enor de idade fora m orto e, portanto, não fazia m ais parte d.i
equação. As pedras devem ter chorado pela situação de m inha pacienlc,
mas não o departamento de habitação: é dem asiado im parcial para fazê l<>.
M uito curiosam ente, m inha paciente era perfeitam ente capaz - com
um pouco de encorajam ento - de aceitar que seus infortúnios não pro
vinham totalm ente do nada, que contribuíra para que ocorréssem com ,i
própria conduta e, portanto, não era um a vítim a pura ou im aculada. Ao
seguir a trilha de m en or oposição, com o fizera por toda a vida, conseni i
r.i em ter os filhos de um h om em que sabia ser totalm ente inapto com o
l< ni ui AÍimIji Mui '«.m lin -t < > Iiii|h I n i l r IN/m 1 ui li Jiií/.n
I 1 MH
pai. De fato, sabia que ele era vi<»lento e bêbado, m esm o antes de u vlv< i
com ele, m as m esm o assim o achava atraente e viveu em uma sociedadr
que prom ovia sua própria versão do Serm ão da M ontanha o di.i >I*
am anhã terá suas p róprias atrações. A gora aprendera com a experiéiu 1.1
(antes tarde do que nunca) — o que nunca aprenderia caso deixasse dr
em itir juízos sobre si m esm a e sobre os outros. C om o resultado, rejein ui
outro am ante violento, renunciou à própria bebedeira contum az e dei i
diu fazer faculdade.
Na clínica, é claro, um a espécie de suspensão de juízo prevalece r
deve prevalecer: os m édicos nunca devem negar tratamento com base em
deficiências morais. M oisés M aim ônides, o rabino e m édico do séculc> XII,
escreveu: “ que jamais enxergue no paciente nada além de um irm ão que
sofre” - certamente, um a nobre aspiração, ainda que de algum a maneira
seja difícil de alcançar na prática.
A m edicina, no entanto, não é somente a contem plação passiva do
sofrim ento: é a tentativa, por m eios nem sem pre bem -sucedidos, de .ili
viá-lo. E não pode ter escapado da atenção dos m édicos que m uito do
sofrim ento m oderno tem o sabor evidente da autoimposição. Não falo, n< >
m om ento, das doenças físicas que derivam de hábitos tais com o o fumo,
mas do sofrim ento crônico causado por não saber com o viver, ou melhoi,
por im aginar que a vida pode ser vivida com o entretenimento, com o uni.i
versão televisiva ampliada, que não é nada além de um a série de prazeres
do mom ento. O turbilhão do tem po traz vinganças — ao m enos em um
clima frio com o o nosso.
Se o m édico tem o dever de aliviar o sofrim ento dos pacientes, deve
ter algum a ideia de onde vem tal sofrim ento, e isso envolve a definição
de um juízo, até m esm o de um juízo m oral. E, na m edida em que pudei
dizer de boa-fé que a m iséria de seus pacientes deriva do m odo com o
vivem , tem o dever de dizer-lhes isso — o que muitas vezes envolve unu
condenação m ais ou m enos explícita do m odo de vida deles com o algo t<>
talmente incom patível com um a existência satisfatória. Ao evitar o assunto,
o m édico não está sendo respeitoso com os pacientes; está sendo covarde
Ademais, ao recusar im putar o ônus aos pacientes para m elhorar-lhes ,i
sina, provavelmente, os induz ao erro, fazendo com que suponham que
\ \ i i l i i i ui N íu ji h l
exisla unia resposta pur.unente técnica ou larm iuológlca par.» os prolile
mas, ajudando a perpetuá-los.
Por exem plo, sou consultado ao m enos um a ou duas vezes por dia
semana sim , semana não; ano sim , ano não —por m ulheres que reclamam
de ansiedade e depressão, cujas biografias contêm explicações óbvias para
esses sentimentos desagradáveis. As m ulheres, muitas vezes, passaram por
mais de um relacionam ento sexual violento, às vezes uns quatro relacio
namentos sucessivos, e possuem m ais de um filho pequeno para criar.
Embora sintam o m edo de gerir sozinhas a vida, sem a ajuda de outro
adulto, chegam à conclusão de que todos os hom ens não são confiáveis, e
são um tanto psicopatas. Estão, aparentemente, num dilem a insolúvel: que
situação é melhor, quando apanham ou quando estão sozinhas?
Ajudadas por algum as perguntas simples, não dem ora m uito para que
analisem a situação, em bora desde o início, invariavelmente, atribuam a
infelicidade à m á sorte ou ao destino. O poder do autoengano é tal que
até as considerações mais óbvias lhes escapam. Poucas semanas atrás, uma
m ulher veio até m im reclam ando de sua vida miserável e dizendo estar
insatisfeita há vinte anos. O m arido a tratava com o escrava, e quando não
era obedecido, ficava agressivo, chegando a lançar objetos no recinto, a
estilhaçar janelas e a bater nela.
- Por que não o abandona? - perguntei.
- Tenho pena dele.
- Por quê?
- Bem , doutor, ele não é m uito inteligente, e não sabe ler ou escrever.
Não conseguiria resolver as coisas sozinho; não pode fazer nada por si
mesmo. Eu tenho até que discar os núm eros do telefone para ele porque
não saber ler os números.
- Ele trabalha?
- Sim, sempre trabalhou.
- O que ele faz?
- É o chefe da segurança na Prefeitura - um enorm e casarão elizabe
tano nos arredores da cidade, de propriedade do m unicípio.
- Quantas pessoas trabalham lá no departamento de segurança? - per
guntei a ela.
Ela tinha deixado de pensar, por covardia e com odism o, sobre a nítida
discrepância entre a carreira de seu m arido e o suposto desamparo em
casa, pois caso reconhecesse isso, não poderia m ais pensar em si mesma
com o um a vítim a (com todo o conforto psicológico que a vitim izayjo
confere), mas, em vez disso, tinha de se ver com o coautora da própria
desgraça. Ela queria evitar um doloroso dilem a: aceitar a situação com o
era ou fazer algo a respeito.
Apcxs outras duas conversas com igo, ela tom ou um a atitude. Deu um
ultimato ao m arido: ou ele mudava de com portam ento, ou ela o deixaria.
Além disso, se ele encostasse um dedo nela mais um a vez, chamaria a po
lícia e daria parte dele. Desde então, ele tem se com portado e até fez aquilo
que ela, por vinte anos, acreditou que ele fosse incapaz de fazer: uma xí
cara de chá para si mesmo. Nesse m eio tempo, ela está frequentando aulas
de artes em vez de aprisionar-se no apartamento esperando os comandos
arbitrários do marido.
Essa paciente tinha apenas um hom em violento com quem lidar; mui
tas de m inhas pacientes tiveram um a série deles. Pergunto onde elas os
conheceram , e quase sem exceção foi em um bar ou em um a boate, quait
do ambos estavam sem ter o que fazer, com um relacionamento prévio
que terminara há um a semana ou m esm o no dia anterior. Pergunto o que
tinham em com um , além do sentimento de perda e solidão. A resposta
invariável: atração sexual e o desejo de um a saída divertida.
Tais coisas não são, em si mesmas, desprezíveis, é claro, mas como bases
de relacionamentos de longo prazo e de paternidade são muito tênues, e
\ Viityi i ui S m ji iii
I l l g o lil . 1111 III h I I I I 1,11 I II ' Il II. I'. P c i g U U l O I 11 II I II I I I > > I l 111 I I .1 I •• .1 I I II I
\ \ li l n \ i u i ! *111 j r l i i
III|11( MI I .11i . l . |l | i i | | II l'V i s t H'S llll IIll I ,l| II I l i i III.HI-' ' || V || I > I IIII l<>
dl uossas consuli.e. du m odo com o os amantes com portaram sc com
d a s as surpreende. Semana passada, vi um a paciente que tinha tom ado
uma ovcrdose depois de o nam orado espancá-la. N osso diálogo seguiu um
padrão definido.
— As vezes ele põe as m ãos ao redor do seu pescoço, aperta e tenta
estrangulá-la? —perguntei.
—Com o o senhor sabia disso, doutor?
—Porque escuto isso praticamente todos os dias nos últimos sete anos,
e você tem marcas no pescoço.
—Ele não faz isso sempre, doutor. —Essa é a atenuante universal.
— E é claro que ele pede desculpas depois e diz para você que isso
nunca acontecerá novamente; e você acredita nele.
—É. Realmente acho que ele precisa de ajuda, doutor.
—Por que você diz isso?
— Bem, quando ele faz essas coisas, muda completamente; vira outra
pessoa; os olhos ficam vidrados; é com o se tivesse um ataque. Acho m es
mo que ele não consegue evitar isso, não tem nenhum controle.
—Será que ele faria isso na m inha frente, aqui, agora, neste quarto?
—Não, claro que não.
—Então, ele consegue evitar, não é?
’ lii \ \ m In u h H i i l | r l n
Poucos iTN.i i li |ii M i leu .1 lir/. o lllho cicie c li iram viver juntos. (Não há
dúvidas de que os luturos historiadores sociais encontrarão contradição
entre nossa preocupação, de um lado, com o abuso sexual, e de outro, nos-
sa conivência e indiferença com a atividade sexual precoce, assim com o
vemos o contraste entre o puritanism o sexual vitoriano e a grande quan
tidade de mulheres de reputação suspeita no período.) A paternidade não
m elhora a conduta de um jovem : ele quebrou-lhe a mandíbula, fraturou
suas costelas, estrangulava-a parcialmente, socava-a regularm ente e usou a
cabeça dela para quebrar um a janela fechada antes de lançá-la janela abai
xo. Ele não trabalhava, pegava o dinheiro dela para beber, passava as noites
com outras m oças e exigia que suas refeições estivessem prontas sempre
que lhe conviesse.
O fereci-lhe todas as oportunidades para deixá-lo, toda proteção le
gal que era possível conseguir, mas sua taça de am arguras, com o a da
prim eira m oça, ainda não estava cheia (“ Para você está tudo bem ; você
não o am a!” ) e, portanto, ainda não estava pronta para ser desinfetada.
Tudo o que podíam os fazer era oferecer auxílio quando ela estivesse
pronta para pedi-lo.
N enhum a dessas jovens apresentava déficit de inteligência, longe
disso; e em poucos anos, quando aparecerem novam ente em m eu h o sp i
tal, com o inevitavelm ente o farão, estarão prontas para interrogar a fonte
de seus sofrim entos, tendo perdido tanto tempo. Espero que alguém
tenha a coragem e com paixão de guiá-las até essa fonte, pois som ente se
o véu do autoengano for arrancado de seus olhos poderão m elhorar a
qualidade de suas vidas.
A experiên cia en sin ou -m e que é errado e cruel suspender o ju í
zo, que o não m anifestar juízos de valor é, na m elhor das hipóteses,
indiferença para com o sofrim en to alheio e, na p io r das hipóteses,
um a form a disfarçada de sadism o. Com o p odem os respeitar as pessoas
com o m em bros da raça hum ana a m en os que con sigam os m antê-las
em um padrão de conduta e de veracidade? C om o as pessoas podem
aprender da exp eriên cia a m enos que sejam avisadas de que p odem e
devem m udar? N ão ex ig im o s de ratos de laboratório que façam me
llior, mas o hom em não é um rato. N ão con sigo pensar em um m odo
I 9‘>/
Lynskey. (N .T .)
1
\ \ «In n u ' n iii« i n
lalenios.i'. i 1111■ lijM Mics, Juliel I lulmc (proiuiiu ia se com o "litim e ’)
i■ 1’auline Parker tinham acabado de term inar os estudos na m ais bem con
ceituada escola de m eninas de Christchurch. O relacionam ento delas era
excepcionalm ente próxim o, mas o im inente retorno da fam ília H ulm e à
Inglaterra am eaçou separá-las. Quando a mãe de Parker negou autorização
à filha para ir com Hulm e, as m eninas decidiram matá-la. Golpearam sua
cabeça repetidas vezes com um tijolo dentro de um a m eia, depois de a
encontrarem propositalm ente no parque para um a xícara de chá e um pas
seio. O assassinato foi prem editado, com o com provado pelo tom jocoso
com que Parker anteviu o acontecim ento em seu diário.
O caso paralisou a Nova Zelândia e grande parte do m undo. A mãe
de m inha anfitriã levou a filha ao local desse assassinato extraordinário
por conta do fascínio que o m al encerra para os que têm pouco contato
com ele. Christchurch era, naqueles dias, um a cidade provinciana, calma,
próspera, que se orgulhava das boas maneiras inglesas, que não possuía
um único restaurante fora dos hotéis e o m ais perto que tinha chegado da
excitação de um delito fora na decretação do “ six o’clock swill” , um a estranha
instituição criada pela lei, que proibia a venda de álcool em bares públi
cos após as seis da tarde. Os hom ens podiam beber o quanto desejassem
e o mais rápido que conseguissem entre a hora em qüem deixavam seus
escritórios e seis da tarde, com alguns resultados nada edificantes. A vida
em Christchurch era tão calma que até hoje todos os habitantes acim a de
determ inada idade podem indicar o local exato do assassinato, apesar da
explosão de crim es sérios no período subsequente.
A m udança na interpretação do caso Parker-H ulm e aponta para
um m ar de m udanças na postura da N ova Zelândia para com o crim e
em geral, um a m udança que ocorreu em todos os locais do m undo
ocidental. Toda a op in ião pública da época via o caso do assassinato
Parker-H ulm e com o um ato m au, de garotas m ás, que agiram p or foi
ça de um a paixão m aléfica. H oje em dia, um a interpretação diferente
é quase universal. U m livro m uito con h ecid o sobre o caso, Parker and
Hulme: A LesbianView [Parker e H ulm e: U m a V isão Lésbica] de duas aca
dêm icas lésbicas, Ju lie G lam uzina e A lison Laurie, resum e a op in ião
prevalecente de hoje.
\ \ t l l i l I I I I ' >111 |i l i l
li riam <|iic\ •,< i n n n ssão do desejo losse verdadeiram ente a causa
do crim e, poderíam os esperar que as taxas de crim e caíssem conform e
os obstáculos de expressão sociais e legais fossem rem ovidos. E não pode
haver dúvida de que a Nova Zelândia tenha se tornado um lugar m ui-
lo m enos rigoroso que nos anos 1950. E m uito m ais tolerante com as
pessoas que seguem seus próprios interesses do que era então. E, assim,
um experim ento natural para a verificação ou refutação do m odelo h i
dráulico de desejo.
Quando Parker e H ulm e com eteram o assassinato, toda a N ova Ze
lândia registrava, anualmente, cerca de um a centena de graves crim es v io
lentos. Certamente fo i o extrem o contraste entre a brutalidade do crim e
e a placidez do país que o tornou tão alarmante: caso tivesse ocorrido na
Colôm bia ninguém teria dado a m ínim a atenção. Quarenta anos depois,
após a contínua dim inuição das restrições de expressão dos desejos, o
núm ero de crim es violentos na Nova Zelândia aum entou para um as qua-
Iro ou cinco centenas de vezes. A população, nesse intervalo, quase não
cliegou a dobrar.
Talvez as práticas de relato tam bém tenham m udado, m as ninguém
poderia sinceramente desconfiar que os crim es violentos tivessem au
mentado de m aneira tão tremenda (cerca de 400% somente entre 1978
e 1995), e aum entassem igualm ente em perversidade. Não há gênero do
m oderno crim e — do estupro serial ao assassinato em massa - do qual
a Nova Zelândia esteja im une hoje. Já se foram para sempre os dias (na
m em ória das pessoas que não são de m odo algum idosas) em que todas
as pessoas deixavam suas casas destrancadas e as entregas de dinheiro nos
bancos do interior eram deixadas da noite para o dia, intocadas, na calçada
do lado de fora.
O caso Parker-Hulme está longe de ser o único caso na Nova Zelândia
em que a explicação passou inexoravelm ente para a neutralidade m oral
e depois para a justificação total do crim e. Essa neutralidade moral, que
com eça com os intelectuais, logo se difunde para o restante da sociedade
e oferece um a absolvição antecipada para aqueles predispostos a agir por
impulso. Age com o solvente de qualquer freio remanescente. Os crim ino-
s( >s aprendem a ver seus crim es não com o resultado de decisões que eles
O caso mais fam oso da Nova Zelândia que agora eslá sofrendo u m a
’ SO \ Vii In ||ii
i slá seiKlo ,11,11 adi11 ui iini.i espécie de m ovim ento <l< pinça. I lá dois lipos
de erro judicial um (|ue os progressistas usam para fins incendiários c
destrutivos, e outro que lança dúvidas quanto à sanidade dos tribunais
destrói a confiança de que distinção entre culpa e inocência ainda é uma
i.irefã digna de ser levada a cabo. Se culpa e inocência são tão facilmente
((infundidas, tão difíceis de distinguir tanto em teoria com o na prática,
<|uai o benefício da autocontenção?
O erro judicial que os progressistas ostentam com o bandeira é o caso
de David Bain, um jovem que definha na prisão, acusado de ter assassina
do toda a fam ília em um a m anhã de 1994. U m hom em de negócios de
Auckland, Jo e Karam, desde então, dedica sua vida e recursos para expor
o trabalho desleixado da polícia, as fragilidades no caso da prom otoria, a
incom petência da defesa e a im obilidade do sistema recursal que resultou
na prisão perpétua do jovem . Karam m uito razoavelmente convenceu m ui-
los neozelandeses de que está certo, e que sua história alternativa para a
morte da fam ília Bain - ou seja, de que o pai atirou na fam ília e depois em
si m esm o —é m uito m ais crível que a versão oficial da polícia.
O p ró p rio Karam ch ego u à conclusão, n o livro que escreveu sobre
isso, de que o veredicto prova a inadequação essencial do sistem a de
justiça crim in al. Isso é um a reação com preensível, em bora equivocada,
de um hom em que m ergu lh ou por anos em um único caso de in ju sti
ça. Sua conclusão de b o a-fé, todavia, é ecoada e am plificada, de m á-fé,
pelos progressistas.
Sustentam, com base no caso Bain (e em um ou dois outros), que
a Nova Zelândia encarcera erroneam ente m ilhares de pessoas, e que por
isso deve m udar com pletam ente o sistema de justiça crim inal. O que eles
sabem m uito bem e artisticamente suprim em , no entanto, é que qualquer
sistema que lide com um grande núm ero de casos irá, ocasionalmente,
com eter erros, e até erros graves, já que as instituições hum anas são im
perfeitas. O novo sistema que substituiria o antigo, do m esm o m odo, co
meteria erros, não necessariam ente m enos erros. O que os progressistas
c<mtestam em seus corações não é o sistema de justiça crim inal, mas qual
quer sistema de justiça crim inal. Para a visão progressista, todos somos
igualm ente culpados e, portanto, igualm ente inocentes. Q ualquer tentativa
y; 1,1 is 11 n u c u le s c1111 ' li/cm m <><11 n <11 i .i i .<|iit-i gait )tas inocentes teriam lelii •
Ii.i< 11 u'I.is circunstâncias.
Outro caso de injustiça ainda m ais destrutivo nos efeitos do qui' o
\ \ II l il M i l \ . i I I |t I f I
vil iin i/ação s<‘( rci.i, que nos absolverá de qualquer responsabilidade pela
vi<Ia v por nossas ações. O abuso sexual é, assim, um aríete intelectual com
o qual desacreditam o edifício tradicional da autocontenção e que retira
a responsabilidade pessoal dos indivíduos, e nenhum juiz, aos olhos do
pensam ento correto, pode fazer mal a si m esm o ao tomar a direção da
linha mais dura e punitiva, caso algo tenha realm ente ocorrido em deter
minada instância ou não.
Logo, no que diz respeito ao crim e, a N ova Zelândia apresenta um
padrão curiosam ente fam iliar para um visitante da Grã-Bretanha (e, sem
dúvida, para um visitante norte-am ericano tam bém ): um a taxa de cri
mes incrivelm ente elevada, um a com placência progressista em explicar
os piores crim es exceto os relativos a abuso sexual, e um declínio da con
fiança pública, assiduamente cultivado, na capacidade do sistema judicial
de discernir o inocente do culpado. A N ova Zelândia, distante, porém não
m ais isolada, está agora plenam ente incorporada na principal corrente da
cultura moderna.
E claro, os progressistas neozelandeses ainda batem nos velhos tam bo
res tam bém , culpando a pobreza e a desigualdade pelo crim e. A prim eira
vista, a porção desproporcional de crim es na Nova Zelândia com etidos
por m aoris e m igrantes das ilhas do Pacífico parece vir ao socorro deles.
Os m aoris e ilhéus são relativamente pobres (em bora não absolutamente)
e sofrem discrim inação (em bora não nas m ãos do governo). Correspon
dendo a som ente 1/8 da população, com etem m etade dos crim es. Ergo,
pobreza e discrim inação causam o crime.
Mas isso convence. Se os m aoris e ilhéus tivessem os m esm os índi
ces crim inais dos brancos, o total de crim es da Nova Zelândia ainda seria
apenas 1/3 m ais baixo do que é hoje. Esse total ainda representaria um
aum ento dramático na taxa nas últimas décadas. Certamente, a retirada dos
crim es dos m aoris e ilhéus da equação representaria um atraso de apenas
uns poucos anos na tendência ascendente.
Ademais, havia, proporcionalm ente, quase tantos m aoris nos anos em
(|ue a taxa de crim es estava m uito baixa e eles eram m ais pobres e sofriam
discrim inação m ais abertamente. Dessa m aneira, pobreza e discrim inação
não podem contar para a ascensão da taxa de crim es na Nova Zelândia.
1998
Como os Criminologislas
Fomentam o Crime
emana passada na prisão perguntei a um rapaz por que ele estava ili
- Somente pelos arrom bam entos norm ais —respondeu.
- N orm ais para quem ? - perguntei
- Sabe, som ente pelos norm ais.
Ele queria dizer, creio, que arrom bam entos eram com o céus nubkck >s
em um inverno inglês: inevitáveis e esperados. Em um sentido atuarial, ele
está certo: a Grã-Bretanha é hoje a capital do m undo de assaltos por ar mm
bamento, com o quase todos os donos de casa poderão atestar. Há também
um sentido profundo das palavras, pois a norm alidade estatística rapida
mente vem à cabeça com o norm alidade moral. As esposas dos assaltam c.
muitas vezes falam com igo do “ trabalho” dos m aridos com o se inv.uln ,i
casa dos outros fosse apenas um turno da noite em um a fábrica. N5o só o
arrom bam ento é “ n orm al” na avaliação dos perpetradores. “ Só um .iss.th« >
norm al” é outra resposta frequente dada pelos prisioneiros à minha pei
gunta, a palavrinha “ só” enfatiza a inconsciência do crime.
Mas com o o crim e veio a parecer n orm al para os p erp etra d o res'
Seria um m ero reconhecim ento do fato brutal de um a taxa de crim e',
im ensam ente alta? Ou p od eria ser, ao contrário, um a das próprias i.m
sas do aum ento, visto que representa um enfraquecim ento da inibição
da crim inalidade?
C o m o s e m p r e , d e v e m o s o l h a r p r i m e i r o p.ir.i .1 a c a d e m i a .id traçai .r.
\ Viiin mi Siii|i'in
M enninger publU im mu livro com o título revelador dt- The Crime of Punish
inent [O Crim e He Punição]. Baseava-se nas Isaac Ray Lectures que proferira
lrês anos antes - Isaac Ray foi o prim eiro psiquiatra norte-am ericano qtir
preocupou-se com problem as relativos ao crime. M enninger escreveu:
IÍMM'111 Vl 11«III Mm ' MMIII MIfl < "III..... . ( I || | III |i »1«ipirtl 11H I I HI Mill ill 11••< I IIIII
II M III '.I ■ (■( ill i|)( >I'Ll CIO <11 11MI K I I I I I mi I II i.i .1 lii (' mu 11ri I m i ii i.i. I ,i I
\ \ M Im ' nu | r l ( i
(las pessoas .ui m k tiIi ii coni i ário) (11ic o necessário para a (k*linc|iitMicia
triunfar era, para ela, não fazer nada. Ela não pensou que m eu furto fora
iim ato natural de autoexpressão, ou revolta contra a desigualdade entre o
poder e a riqueza das crianças e o dos adultos, ou, na verdade, algo dife
rente do m eu desejo de ter o chocolate sem pagar por ele. Ela estava certa,
é claro. O que fiz foi m oralm ente errado, e para que gravasse esse fato, ela
m archou com igo até a Sra. Marks, dona da loja, onde confessei m eu peca
do e paguei em dobro, com o form a de restituição. Esse foi o fim da m inha
carreira de furtos em lojas.
Desde então, é claro, o entendimento do que é furto e de outras ati
vidades crim inosas ficou mais com plexo, ainda que não necessariamente
mais preciso ou realista. Esse foi o efeito, e bem possivelmente a intenção,
dos crim inologistas para lançar um a nova obscuridade na questão do cri
m e: a opacidade dos escritos, às vezes, leva-nos a pensar se eles realmente
já encontraram um crim inoso ou a vítim a de um crime. Certamente é do
interesse profissional deles que as fontes dos crim es perm aneçam mistérios
insondáveis, pois de que outra maneira iriam convencer os governos de
que aquilo que um país dom inado pelo crim e (com o a Grã-Bretanha) pre
cisa é mais pesquisa feita por um núm ero ainda m aior de crim inologistas?
Provavelmente não é por coincidência que a profissão de crim inologista
teve um a enorm e expansão, aproximadamente na mesma época em que a
atividade criminal iniciou a fase mais aguda de seu aumento exponencial.
Os criminologistas na Grã-Bretanha eram, outrora, poucas dúzias, e a crim i
nologia, considerada im própria para universitários, era ensinada somente
em dois institutos. Atualmente, é difícil existir cidade ou aldeia do país que
não possua um departamento acadêmico de crim inologia. Metade dos o i
tocentos criminologistas que hoje trabalham na Grã-Bretanha foi formada
(a m aioria em Sociologia) no final dos anos 19 6 0 e início dos anos 19 7 0 ,
durante o apogeu do ativismo radical; e estes form aram a outra metade.
É claro que o problem a pode ter suscitado os próprios estudantes; mas
um a vez que os problem as sociais são, muitas vezes, de natureza dialética,
não poderia ser o caso de os alunos terem feito vir à tona o problem a de
les? (O econom ista britânico John Vaizey certa vez escreveu que qualquer
problem a que tenha se tornado objeto de um a “ logia” estava destinado a
MU \ YiVJn iui S m jH ii
A tcndèiu i.i de ii', Intelectuais progi essr.t,i\ t.ir. <<um > )(>t'k Y<nin^ 11,10
pretenderem dizer exatamente o que dizem , e expressarem se mais para
exibir a m agnanim idade de suas intenções do que para propagar a ve rd a
de, é um a característica geral. Não faz m uito tem po estive envolvido cm
um debate de rádio com um crítico de cinem a im portante a respeito dos
efeitos sociais (ou antissociais) da exposição constante das crianças a re
presentações de violência. Ele vigorosam ente negou que quaisquer efeiu>s
m aléficos ocorriam ou eram passíveis de acontecer, mas adm itiu en passam
que não perm itiria um a dieta de violência para os próprios filhos. Talvc/
não tenha percebido que sob essa postura contraditória havia um desprc/( >
indizível por m etade da hum anidade. N a realidade, estava a dizer que as
proles estavam tão distantes da redenção, eram tão im orais por natureza,
que nada poderia torná-las m elhores ou piores. Elas não faziam escolhas;
não respondiam às influências m orais ou im orais; eram violentas e cri mi
nosas em essência. Os filhos dele, pelo contrário, responderiam apropria
damente à sua orientação cuidadosa.
N ão é preciso dizer que os crim inologistas não são m onolíticos nas
explicações de crim inalidade: um a disciplina acadêmica precisa de debates
teóricos com o as forças armadas necessitam de inim igos potenciais. No
entanto, acima da cacofonia de explicações oferecidas, um a ideia se faz ou
vir em alto e bom tom, ao m enos para os crim inosos: explicar tudo é tudo
desculpar. Os escritos crim inológicos, em geral, concebem os crim inosos
com o objetos, com o bolas de bilhar que respondem mecanicamente a
outras bolas que incidem sobre elas. Mas, m esm o quando são vistos coiik 1
sujeitos, cujas ações são resultado das próprias ideias, os crim inosos con
tinuam a ser inocentes, pois suas ideias, afirm am os crim inologistas, s.10
razoáveis e naturais dadas as circunstâncias em que se encontram. Há alyi 1
m ais natural que um hom em pobre desejar bens materiais, especial menti
em um a sociedade materialista com o a nossa?
Recentemente, teorias biológicas do crim e voltaram à m oda. Tais teo
rias rem ontam ao passado: crim inologistas italianos e franceses do século
XIX e psiquiatras forenses elaboraram a teoria da degeneração hereditária
para dar conta da incapacidade do crim inoso de conform ar-se à lei. Ati
bem pouco tempo, no entanto, teorias biológicas do crim e —normalmente
1« III UI \||m 111 M m ' 1' iMllut'i < M i i K M i i < ,1 l l l l l l i o l o p n l J I M I n l l i r n l i i l l l 11 < IIIIII
temperadas com uma boa d< )se <U* ^•» nc-i li .1 <l< .1 r.i<11u* eram o cam po tl.i
direita antiprogressista, que levou à esterilização forçada e a outras medi
das eugenistas.
As últimas teorias biológicas do crim e, contudo, enfatizam que os
crim inosos não podem deixar de agir com o agem: está nos genes, na sua
neuroquím ica ou nos lobos tem porais.Tais fatores não oferecem resposta
a por que o sim ples aum ento da taxa de crim es na Grã-Bretanha entie
19 9 0 e 19 9 1 foi m aior que o total de todas as taxas de crim e em I '>'>()
(para não falar nos aumentos acelerados desde 1 9 9 1 ) , m as essa falha ná< 1
detém m inim am ente os pesquisadores. Livros acadêmicos com títulos tais
com o Genetics of Criminal and Antisocial Behavior [Genética do Com portam ento
Crim inoso e Antissocial] proliferam e não evocam a indignação entre os
intelectuais que saudaram o lançam ento de Crime and Personality [Crim e c
Personalidade], em 19 6 4 , de H. J. Eysenck, um livro que sugeria que a
crim inalidade era um fator hereditário. Por m uitos anos, os progressistas
viram Eysenck, professor de psicologia na Universidade de Londres, comi >
praticamente um fascista por sugerir a hereditariedade de quase todas as
características hum anas; todavia, desde então perceberam que as explica
ções genéticas do crim e podem ser m atéria-prim a igualm ente fácil para
suas usinas de teorias escusatórias e exculpatórias, assim com o podem ser
úteis para as dos conservadores.
Há pouco tem po um a série de televisão na Grã-Bretanha concentrou
-se na ideia de que o crim e é resultado de um a disfunção cerebral. O livro
que acom panhou a série afirm a que os dois autores:
\ \ M m 1ui iS iirjH n
() que procede de praticamente centenas de artigos e estudos crinii
nais dos vários tipos de criminosos é prova ampla e convincente <le
mentes desordenadas resultantes de cérebros disfuncionais [... | N< i
entanto, não identificamos; simplesmente condenamos. O encarce
ramento é uma reação cara e sem proveito.
Tinha sido violento com a nam orada e com a m ãe porque, até então,
havia vantagens, mas não desvantagens, para sua violência. Agora que a
equação era diferente, não tinha problem a “ gerenciar” a raiva.
A grande m aioria das teorias que os crim inologistas propõem levam a
justificação dos crim inosos, e estes, avidamente, com eçam a estudar essas
12* 14 A Vh m i N m jfltn
teorias no <l< •.« )n de apresentarem se com o vílim.is, e nao com o vitimi
/adores. Por exem plo, não faz m uito tem po, a “ teoria do etiquetamen
l o ” arrebatou os crim inologistas. Segundo ela, a quantidade do crim e, o
(lula na vida. Refere-se à justiça social. A m aior parte dos crim inologis
ias não consegue distinguir entre iniquidade e injustiça, e conclui que
qualquer sociedade em que a iniquidade continuar a existir (com o deve
continuar) é, portanto, injusta. A questão da justiça social sempre se reduz
à da igualdade, com o diz, severamente, JockY oung: “ Tolerância zero para
com o crim e deve significar tolerância zero para com a desigualdade, se
isso quiser dizer algum a coisa” . Já que um a das restrições ao crim e (com<>
o crim e é com um ente entendido pelas pessoas que passaram por isso ou
provavelmente passarão) é a percepção de legitim idade do sistema jurídico
sob o qual o crim inoso em potencial vive, aqueles que propagam a ideia
de que vivem os em um a sociedade fundam entalm ente injusta também
propagam o crim e. Os pobres colhem o que os intelectuais semeiam.
N inguém ganha crédito na fraternidade crim inológica por sugcrii
(|ne a polícia e a punição são necessárias em um a sociedade civilizada.
Fazê-lo seria parecer pouco progressista e descrente na bondade prim or
dial do hom em . E m uito m elhor para a reputação da pessoa, por exempli »,
reférir-se ao grande núm ero de prisioneiros dos Estados U nidos com o “ o
(|iil(ig norte-am ericano” , com o se não existissem diferenças relevantes entre
.i cx-U nião Soviética e os Estados Unidos.
De fato, os crim inosos sabem tudo sobre o poder da punição: tau
lo o efeito im peditivo qnanio <> reabililadoi A prisão é uma sociedade
\ \ it I n u m S to | i r l í i
i laram enlr dlvl< 1 1<l.i cm duas partes, entre guardas e prisioneiros. Os p ri
sioneiros mantêm um a divisão rígida entre si por um código de penas
extremam ente severo. Caso um prisioneiro tente rom per essa divisão, os
outros infligirão, imediatamente, um a punição pública e rigorosa. Por
conseguinte, a divisão se m antém , m uito em bora um grande núm ero dos
prisioneiros prefira ficar do lado dos guardas do que de seus pares.
A crim inologia não é m onolítica, e há m ais dissidentes hoje que ja
m ais houve, com o reconhece Jock Young.
19 9 9
I ímii Íh Ahm I<i Miii i ' "lllhl mi <nimi oh ( ;rimÍnolofíÍHlíiH I oomoI hiii o <mor
Policiais no País das Maravilhas
1111 \ \ H I n 1111 S m j r i n
divindades, la. cndu i oiu essões aos iransgu ssoii , i-mii ve/ «li* prende los
A polícia perdoa llics, pois não sabem o que fazem.
Por trabalhar em um hospital de um a área onde a polícia tem m iu
visão puram ente abstrata e sociológica do crim e — consequência naUir.tl
da privação e, portanto, não censurável nem redutível à aplicação da lei
muitas vezes vislu m bro a relutância policial para lidar com as ofensas
crim inais, m esm o quando com etidas na presença de várias testemunhas
críveis. As concessões que fazem aos ofensores (teve m á educação, cer
ta vez fo i ao psiquiatra e, portanto, deve estar psicologicam ente per
turbado, está desem pregado, é um viciado) reforçam a relutância em
encarregarem -se da papelada que resulta, hoje, de qualquer prisão - uma
papelada im posta, é claro, na tentativa de responder às críticas contínuas
dos defensores das liberdades civis. O efeito verificável disso é o apri
sionam ento dos pobres e dos m ais velhos nos lares à noite e, por vezes,
antes disso tam bém .
Por exem plo, certo dia, um hom em de vinte e tantos anos foi ad
m itido em nossa enferm aria por ter tom ado um a overdose de um a droga
ilicitamente obtida. Também era um inalador frequente de gás butano. Eu
o conhecia há m uito tem po e suspeitei que roubara um a peça do equipa
m ento de m eu escritório. Tinha um a ficha crim inal considerável —arrom
bamentos e assaltos - e tam bém o conhecia da prisão.
Pedira a um dos m édicos sênior um a prescrição para drogas que que
ria usar sim plesm ente por prazer. O m édico, m uito apropriadamente, re
cusou, e em seguida o paciente ficou irritado e violento. Recusava-se a
ficar calm o e, quando im prensou o m édico contra a parede, as enfermeiras
cham aram a polícia.
Após livrar o m édico daquela situação imediata, a polícia deu poi
acabada a missão. N ão havia, segundo eles, m otivo para prender um ho
m em que estava tão claramente fora de si com o o paciente - um homem
que não sabia o que fizera e que, portanto, não poderia responder por seu
crim e. Que com paixão admirável e que econom ia de tem po na papelada1
Assim, poderiam espalhar sua com paixão por outros lugares!
Quatro semanas depois, esse m esm o jovem invadiu a casa de um patlre
idoso à noite e, ao ser interrom pido pelo padre, espancou-o brutalmente
\ V h I A iI I I N l l l 1« III
o que esse homem seria capa/ de fazer em privado, já que se com portou
dessa m aneira em um local público, perante várias testemunhas confiáveis
O efeito desse exem plo naqueles que viram o acontecido —particularmen
te os rapazes —deve ter sido profundo.
U m rapaz foi ao m édico de fam ília local e exigiu drogas que cau
sam dependência, para as quais não possuía nenhum a indicação médica.
O m édico - de m odo um tanto in com um nessas circunstâncias - negou
-se, e o paciente ficou violen to e ameaçador. A recepcionista do m édico
cham ou a polícia, que levou o jovem em custódia. N o entanto, em vez de
levá-lo para o distrito policial e autuá-lo, levaram -no para a em ergência
de nosso hospital, onde o deixaram , com o se fossem m eram ente um
serviço de entrega.
Mais um a vez, exigiu as drogas, e m ais um a vez, diante da recusa,
tornou-se violento e ameaçador. As enferm eiras cham aram a equipe de
segurança do hospital, mas quando, em vez de deixar o hospital conform e
fora solicitado, o rapaz socou um deles, a polícia foi novam ente chamada.
Dessa vez, levaram -no e o largaram na rua seguinte, ao dobrar a esquina.
Eu m esm o fui vítim a de um a tentativa m enor de agressão, sigim
ficativa porque, m uito provavelm ente, era o prenúncio de um futuro
assassinato. Aconteceu na prisão em que trabalho. U m jovem prision eiro
pergun tou-m e quando receberia sua porção de tabaco, ao que respondi,
sinceram ente, que não sabia. Ele, então, estendeu a m ão para fora do
postigo da porta da cela e tentou m e agredir e, no processo, arranhou
levem ente m eu rosto e p egou m eus óculos, que quebrou em pedaços c
jogo u pela janela.
Ele fora preso por agredir a polícia, que tinha sido chamada após ele
ter agredido a nam orada. Desde que chegara à prisão, agredira quase to
dos com quem mantivera contato. Atacou um guarda da prisão tão vio
lentamente que ele não pôde ir ao trabalho nas seis semanas posteriores.
O agente penitenciário inform ou à polícia dessa agressão, mas disseram
a ele que agressões de prisioneiros em agentes penitenciários eram de se
esperar e, portanto, nada poderiam - ou melhor, nada iriam - fazer. Na
turalmente, agressões aos próprios policiais, ainda que m enores, são uni
assunto totalmente diferente.
I rol til \ll HIII Mfll "iMlhl I i h.llilillM HO 1'jlÍH<|||H Mllim llllll
Miiih.is tentativas de autuai 1 1 prlsim iH m 11.10 «leram cm nada
Realm ente não estava m achucado, c nao sofri danos psicológicos poi i .1
agressão. M eu m otivo ao tentar autuar e, posteriorm ente, prendei ei.se pri
sioneiro era proteger o público, ainda que por um período insulicienic, de
um hom em m uito perigoso. A polícia disse-m e que eles não consideravam
ser do interesse público levá-lo à acusação, pois o agressor, claramente, ei .1
psicologicam ente perturbado. Em vão, tentei argum entar que por isso era
m uito m ais im perativo que fosse aceita a queixa. Com o poderia ser do
interesse público que tal hom em estivesse andando pelas ruas? E quem
sofreria? O pobre, é claro, dentre os quais caminhava.
Esse jovem , agora, está em liberdade, mas não é de todo improvável
que sua liberdade seja o aprisionam ento de outra pessoa por terror.
Só posso esperar que seja preso novam ente antes que mate alguém ,
mas não apostaria nisso.
Sem dúvida, alguém poderia objetar que estas são apenas anedotas:
mas dezenas de anedotas do m esm o tipo se tornam um padrão. Além diss<),
m inha experiência é exatamente essa em todos os m eus pacientes, m uitos
m ilhares deles. U m a delas contou-m e, por exem plo, que seu ex-namoradt 1
invadiu sua casa nada m enos que dez vezes, bêbado, com intenção, poi
vezes levada a cabo, de agredi-la, e em todas as ocasiões ela cham ou a
polícia. Em cada um a das ocorrências sim plesm ente deram ao rapaz uma
carona até sua casa, agindo com o se fossem um serviço gratuito de táxi
Parece epie a m oral da história é: caso você se encontre sem dinheiro em
um a cidade britânica e precise de um a carona para casa, agrida alguém
E mais rápido do que caminhar.
Mas só se você já tiver um a ficha crim inal, for um viciado em drogas,
alcoólatra ou for de algum a m aneira desonroso ou repreensível. A poli
cia, tão lenta em lidar com os verdadeiros m alfeitores, é com o um anjo
vingador quando se trata de um m ero vestígio de suspeita de que pessoas
respeitáveis possam não ter sido boas. Persegue as questões até os últimos
confins da Terra, com o aqueles cães perdigueiros que, um a vez com os
dentes na presa, nunca largam . Dessa m aneira, a polícia espera mostrar
aos esquerdistas que não é preconceituosa com relação aos pobres, com o
muitas vezes é acusada.
\ \ II III I I I I T O I I | M J|
N atm alm rnlr, .i polícia logo se envolveu no caso, e um a semana de
pois, m eu paciente espantou-se ao ser preso e acusado de lesão corporal
grave, um crim e sério e que, potencialmente, acarretava um lon go período
ua prisão. Os três jovens, todos com extensas fichas crim inais por trans
gressões sérias, alegaram que, sem nenhum m otivo, esse cidadão, até en
tão cum pridor da lei e um tanto tím ido, de repente, seguiu-os ao sair da
loja e atacou os três, o que fez com que, durante o processo, m achucasse
gravem ente um deles. A polícia tratou essa história ridícula com toda a
seriedade, com o se fosse verdadeira. N enhum a pessoa com um m ínim o
de inteligência teria dado algum crédito a essa história, no entanto, m eu
paciente foi levado aos tribunais com todo o rigo r possível. Nesse m eio
tempo, sua vida foi destruída: era um a som bra do que fora, tentou duas
vezes o suicídio, e o atraso do judiciário é tam anho que ele poderá tentar
novam ente (e obter sucesso) antes de o caso terminar, provavelmente por
um juiz que irá descartá-lo com o algo totalmente indigno de ser apreciado
por seu tribunal.
N ão é o racism o que explica esse ep isód io extraordin ário m as, ao
contrário, um a outra in trom issão da id eo lo g ia progressista na polícia.
Os três jovens, p or serem corru p tos, desonestos, na m elhor das h ip ó
teses, sem ianalfabetos e, provavelm ente, incapacitados para qualquer
em prego, precisavam ser protegid os da m á vontade e do precon ceito
dos respeitáveis, que são os responsáveis p or sua privação, p or conta da
estrutura injusta da socied ade da qual eles, os respeitáveis, tão injusta
m ente tiram proveito. Ao levar a sério as acusações ob viam ente falsas
e conspiratórias desses três jovens, a p o lícia estava dem onstrando para
um eleitorado de esquerda que não fica autom aticam ente ao lado dos
respeitáveis contra aqueles que os m andachuvas do Partido Trabalhista,
ao se in clin arem para pegar a p ró xim a garrafa de cham panhe, cham am
de socialm ente excluídos.
As prioridades nacionais da polícia podem ser vistas em dois fatos
reveladores. O prim eiro é a polícia estar estudando utilizar um sistema de
tecnologia de ponta para rastrear por satélite os m otoristas que andam em
alta velocidade. O segundo é a sina do chefe de polícia da cidade nortista
de M iddlesborongh.
IH \ V m In n u ^ iil jrlii
estivesse prc| i.ii .ti li >|i.ii.i là/.er. Seu ím peto ora li irmld.ivel e tal voz (até nirs
mo para alguém com o eu) um pouco assustador, Ele trouxera, no entanto,
uma m elhoria na qualidade de vida de m uitas pessoas, e ninguém nunca
lôi capaz de dem onstrar que o fizera por m eios ilícitos ou por alguma iu
fração. Sim plesm ente aplicava a lei.
Sua suspensão foi fruto do terror que despertou, não no público, mas
nos outros oficiais graduados. Se M allon podia fazer aquilo em um setor
tão difícil com o M iddlesborough - o próp rio m odelo da destruição urban.i
m oderna - , por que os outros chefes de polícia não podiam fazer a mesma
coisa? Ele estava dando um exem plo m au e perigoso. Se perm itissem que
Ray M allon continuasse em seu posto, a população em geral iria perceber
que um a taxa de crim inalidade alta não era um aspecto inevitável da vida
m oderna ou um ato de Deus. Portanto, ele deveria sair, sob qualquer pre
texto que aparecesse: e, quando ele se foi, cerca de 1 7 % da população de
M iddlesborough fez um abaixo-assinado para sua reintegração imediata.
Olhando de um a ponta do telescópio, vem os a polícia cum prindo seu
dever com o sem pre o fez. Ao olhar pela outra extrem idade, no entanto,
vem os a polícia subvertendo o propósito pelo qual foi criada, em grande
parte por m edo da crítica dos progressistas que, com o os leitores norte-
-am ericanos sabem m uito bem , é insensível aos fatos. Esses progressistas
orgulham -se da própria ternura, mas o brilho cálido que ela lhes traz apa
rece á custa dos pobres, que, com o consequência prática, vivem em um
torm ento de desordem pública e privada que, todos os dias, sofro contem
piar durante os últim os dez anos de vida profissional.
200(1
A Vit fyi 1m i S m j r l i i
p od e i i.iiii \i i 1 1 i . i i 1 1 1 í p o r t a n t f s q u e a a|>i■t-fiis.u > <l< I nl i .ili >res, m i n p c d h i .1
racionali/.ação do processo de prisão (que requer, em média, 4 3 fornitilá
rios). Além disso, acrescentou, a mera repressão da crim inalidade, sempre
que a polícia tem a oportunidade de pegar o crim inoso, nunca, por si s<’>,
poria fim ao crim e. M uito melhor, parecia querer sugerir, seria deixar os
crim inosos seguirem assim.
N ão é de surpreender que assim o tenham feito. Encontro exem plos
da inação policial em face do crim e todos os dias. Por exem plo, um lio
m em de trinta e tantos anos chegou na em ergência do m eu hospital, re
centemente, por ter tom ado um a overdose deliberada de com prim idos, mas
não a ponto de pôr a vida em risco. Sua m ulher chegou enquanto ele
aguardava m ais cuidados m édicos. O casal retom ou a briga que tivera na
ocasião da overdose, e em pouco tem po ele em pregou o argum ento final,
irrefutável: os punhos. O som dos golpes que desferia na cabeça da mulher
alertou as enferm eiras da situação. N o m om ento em que chegaram para
resgatar a mulher, ela estava no chão, tentando, em vão, evitar os pontapés
no rosto e no estômago.
As enferm eiras cham aram a polícia, e dois policiais chegaram pron
tamente (um a eventualidade, o que não é garantido). Logo partiram , sem
nem m esm o pedir ao m arido que não se com portasse daquela maneira
novamente. Disseram às enferm eiras que era um a briga dom éstica, e que,
portanto, não tinham poder para interferir. A sala da em ergência de um
inglês, aparentemente, é seu castelo - e a mulher, sua propriedade.
Ser um crim e dom éstico - ou, nas palavras daqueles que com etem tais
infrações, ser “ só” um crim e dom éstico - tem sido um a das desculpas mais
citadas por policiais para cruzar os braços e nada fazer. A relutância habl
tual para intervir naquilo que consideram com o contendas essencialmente
privadas é o resultado, sem dúvida, de várias considerações: dentre elas, o
desejo louvável, ainda que mal pensado, de separar a esfera da moralida
de pessoal da esfera da lei. Deve haver um lim ite para a supervisão estatal
nas relações interpessoais, e não é todo ato m oralm ente repreensível qne
deve atrair a sanção legal. A intervenção policial em questões domésticas
(m uito além da inutilidade prática, pois as vítim as muitas vezes se recn
sam a depor no tribunal) é quase um a extensão totalitária de seus poderes.
|| mitl \ lllllil Mm ............ M III Illlo lcrA lIC IJI /< l<
No enl.mlo, m esm o n,i inlei ptel.n.iii m.ih v’i nt ios.i ilo .unhllo do qut é
privado um policial mg lês sênior olv,ervou certa ve/, meritória ou <lt
m eritoriam ente, que um determ inado assassinato não era grave era .ipeu.r
um m arido que m atou a m u lh e r -, o que aconteceu na sala de emergem U
não foi em nenhum dom icílio, ou m esm o um crim e doméstico. N.m l<<i
sim plesm ente um a agressão contra a vítim a, mas contra a ordem púMlt .1
M esm o assim, a polícia deixou de agir.
Em um aspecto a polícia estava correta no m odo com o enieiideu 1
situação: a esposa do sujeito perdoou-o no m om ento em que foi levant.u l.i
do chão, e teria recusado testemunhar contra ele no tribunal. Ela igu.il
m ente recusou todas as ofertas de auxílio para conseguir acomodações
longe dele (ele iria encontrá-la de qualquer maneira, disse), e não quis ulu
advogado. Sua única preocupação agora era levar para ele as coisas de qu<
disse que precisaria durante a estadia no hospital.
A polícia, no entanto, não precisava do testem unho da m ulher para
instaurar, com êxito, um processo. As enferm eiras ouviram e viram o
suficiente para prendê-lo um as vinte vezes. Nas últim as palavras de .111
tojustificação dos policiais, ao deixar a cena, disseram estar m uito ocu
pados para lidar com um assunto tão trivial. N ão disseram com o que
estavam ocupados.
O efeito dessa abstenção do dever nas enferm eiras - ao m enos por um
tempo, até que m ais em ergências tomassem suas atenções —foi profundo
e desmoralizante. N ão só sentiram, com razão, que a polícia considerou
sem valor as provas que tão facilm ente poderiam ter fornecido, com o se
elas não fossem testemunhas críveis, mas sentiram que a posição dei,r.
com o cidadãs cum pridoras da lei, ansiosas por cum prir o dever, também
foi desvalorizada.
A lém disso, m uitas das en ferm eiras habitam em um m un do não
m uito distante, física e m oralm ente, do m un d o da m ulher agredida 11,1
sala de em ergência. M uitas delas consultam -se co m ig o a respeito de
seus problem as: um a das en ferm eiras na em ergência naquele dia tiuh.i
um a filh a viciada em drogas com vário s nam orados que foram viole 11
los; outra m e perguntara m ais cedo o que fazer com seu com panheiro
violento. A ssim , quando elas viram um h om em espancar um a mulliei
\ \ 11 I n 1 111 «1 1 j r l n
c m u m i",p.ii,ii p u b l i c o c o m t o t a l i m p u u l d a d r , n.i v e r d a d e , c o m o q u e
i p i a s e e q u i v a l i a a p r o t e ç ã o p o l i c i a l , t i v e r a m u m v i s l u m b r e t e r r í v e l da
\ \ ii In im H m j c III
IJm bcbado deliberadam ente apagou um cigarro no rosto de uma eu
ferm eira sênior de nossa em ergência, queim ando sua bochecha. A polícia
veio, m as, ao inspecionar a ferida, declarou não ser grave o bastante para
valer a pena a autuação. Talvez tenham raciocinado que o bêbado, depois
que ficasse sóbrio, não recordaria o que fizera e, portanto, não aprenderia
a lição. Os agentes do Estado, no entanto, deixaram claro o valor que o
Estado conferia à segurança da enferm eira: zero.
Outra desculpa padrão para a inação da polícia é a de que o ofensor
é louco ou, ao m enos, é um paciente p siqu iátrico (o que não é bem a
m esm a coisa, é c la ro ). A m era insinuação de um histórico psiqu iátrico -
um a única consulta com um psiquiatra cinco anos antes já basta -
explicará e desculpará quase tudo, aos olhos da polícia, e justificará a
incapacidade de processar.
N ão faz m uito tempo, fui cham ado à delegacia para exam inar um
hom em preso por tentar matar seu advogado. Tinha um longo histórico
de psicose - causada pelo uso exacerbado de drogas - e de infrações. Tinha
ido ao advogado com um martelo com um a das extrem idades afiada com o
uma picareta, gritado “ Você tem de m orrer!” e tentado golpear a cabeça
do advogado. Felizmente, o advogado viu se aproxim ar o golpe, saiu da
direção e sofreu apenas um ferim ento menor. O cliente violento tentou,
novamente, acertá-lo, mas ao errar, fugiu do escritório e depois disso o
advogado cham ou a polícia.
Estava claro que o hom em era louco; mas sabia por experiência que,
se recomendasse sua admissão direta no hospital, a polícia esqueceria todo
o caso da tentativa de assassinato. Insisti que fosse feita a autuação, mas <>
policial recusou-se dizendo - mentirosamente, é claro - que não tinham
perm issão de autuar lunáticos. Disse que se ele não fosse hospitalizado,
teriam de liberá-lo - o que fizeram: prim eiro, devolveram o martelo, pois
não tinham o direito de privá-lo de sua propriedade. Assim, um a tenta
tiva de hom icídio não chegou às estatísticas crim inais, e a polícia pôde
felicitar-se pela manutenção da ordem pública.
N ão é preciso dizer que o louco com preendeu bem a im punidade d.i
loucura. Por duas vezes já ouvi esquizofrênicos falarem para os policiais:
“ Você não pode tocar em m im , sou esquizofrênico!” . N o m esm o dia em
'M l \ V i i ln im H m jr ln
vivesse em pa/ Velo até mim em desespero; sei.i «|iie eu podcna fa/ei .il
gum a coisa para evitar que ele fosse solto, pois sabia que com eteria uma
infração grave novamente, talvez até um assassinato? Fora ao diretor da
prisão, pedindo para não ser solto. O diretor lhe disse que não havia m eio
legal para fazer aquilo. Na tentativa de ficar na prisão, confessou, então, vá
rios crim es graves, dos quais nunca fora acusado. Seria possível corroborar
sua confissão, e o diretor cham ou a polícia, mas negaram -se a levar o caso
adiante, dizendo que não era do interesse público fazê-lo. O prisioneiro,
então, assaltou e feriu gravemente outro preso para ganhar m ais tempo na
prisão. Novamente a polícia veio e se n egou a levar o assunto adiante, d i
zendo que não era do interesse público que isso fosse feito. O prisioneiro
foi solto no dia 1 1 de junho.
O m edo ou a falta de vontade por parte da polícia aconteceu exata
mente na m esm a época do enfraquecim ento, quase ao ponto de extinção,
dos freios inform ais, mas socialmente fortes, nos com portam entos pes
soais que outrora fizeram a Inglaterra um país tão civilizado — freios tais
com o o m edo do que os vizinhos irão dizer. A falta de constrangimentos
internos ou externos perm itiu o surgim ento do hom em “ natural” que,
longe de ser um encanto, é um psicopata sem atrativos. O hom em é o lobo
do hom em , e especialm ente da mulher.
Naturalmente, as tendências sociais não afetarão todos os setores da
sociedade de m odo igual. O policiam ento fraco afeta, principalm ente, o
pobre — as próprias pessoas cujo bem -estar a intelligentzia afirm a que um
policiam ento fraco beneficiaria. E verdade que a classe m édia não saiu
ilesa: pagam um preço ainda m ais alto pelos prêm ios dos seguros por suas
casas e carros e preocupam -se, com o nunca se preocuparam antes, com
arrom bam entos. N ão há quase ninguém no país - m esm o entre os ban
didos - cujo prim eiro pensamento ao voltar para casa não seja: “ Será que
entraram na m inha casa?” .
Essas preocupações banais, no entanto, estão ao lado do senso perva
sivo e perm anente de insegurança pessoal onde quer que estejam. Temem
os infratores porque sabem que a polícia não oferece proteção. O grau em
que o m edo rege as vidas das pessoas nas áreas pobres é algo que meus
am igos de classe m édia acham difícil de acreditar, para não dizer, entender.
1 9 9 8
Ver Não E Crer
1 G eorge O rw ell, “Charles D ickens” (1 9 3 9 ). In: Inside theWhale and Other Essays.
L on d o n , G ollancz, 1 9 4 0 , p. 9 - 8 5 .
listou cm iiin.i posição 111« ( iiiiiiiii « uimanto passo ,i ui.uiii |).i111 ■11■
minha vida profissional trabalhando com o médico nos rincões mais po
bres da sociedade, tenho, por conta de meus escritos, entrada na sociedade
literária. O desprezo com placente destes pela catástrofe social cuidado
samente forjada para aqueles m e assusta tanto quanto a própria catástn >
fe. N unca tanta indiferença foi mascarada com o com paixão; nunca houve
tanta cegueira propositada. Os outrora pragmáticos ingleses tornaram se
um a nação de sonâmbulos.
Recentemente, por exem plo, fui convidado para um almoço na sede de
uma famosa e venerável publicação progressista para a qual, às vezes, cont ri
buo com artigos que vão de encontro à sua posição ideológica. O atual dono
da publicação é um bon vivant e excelente anfitrião que fez várias dezenas de
milhões em circunstâncias que ainda atraem considerável curiosidade públi
ca. Ao redor da mesa do almoço (da qual, fico feliz em dizer, a comida prole
tária inglesa estava terminantemente proibida) estavam reunidas pessoas de
impecáveis credenciais esquerdistas: e eu era a única exceção.
A m inha direita sentou-se um hom em de uns sessenta e tantos anos,
inteligente e culto, que trabalhara com o um correspondente estrangeiro
importante para a BBC e que passara grande parte de sua carreira nos Esta
dos Unidos. Disse que ao longo dos últim os dez anos lera, com interesse,
minhas m issivas semanais —publicadas em um a publicação rival e conser
vadora - retratando o caos espiritual, cultural, em ocional e m oral da vida
urbana, e que sempre quis conhecer-m e para fazer um a simples pergunta:
teria eu inventado tudo aquilo?
Se inventara tudo aquilo? Eis a pergunta que muitas vezes me fora
feita por intelectuais progressistas da classe m édia, que esperam que a
violência, o descaso e a crueldade, o raciocínio deform ado, a desesperança
total e o puro niilism o que descrevo semana sim , semana não, sejam tão
somente invencionices de um a im aginação febril. De certa maneira fico
lisonjeado que as pessoas que fazem tais perguntas creiam -m e capa/ de
inventar as elocuções absurdas, em bora estranhamente poéticas, de meus
pacientes - que sou capaz, por exem plo, de inventar o hom em que disse
sentir-se com o o m enininho que pôs o dedo no dique, dando alarme fals< >,
Ao mesmo tempo, no entanto, a pergunta alarma e recorda-m e daquilo
\ \ « I n i iyi S iiijr h i
que That keray certa vez disse a respeito dos escritos de I lenry Muyliew, o
cronista da Londres dos pobres: tínhamos de sair, uma centena de melros,
e ver por conta própria, mas nunca o fizemos.
Ao ser perguntado se inventara tudo aquilo, respondi que, longe de
fazê-lo, m inim izei o horror da situação e om iti os piores casos que chega
ram a m eu conhecim ento para não afligir indevidamente o leitor. A rea Ii
dade da vida da subclasse inglesa é m uito m ais terrível do que aquilo que
consigo, com propriedade, descrever. Meus interlocutores, educadamente,
fazem um aceno com a cabeça e passam para o próxim o assunto.
É costume nos alm oços dessa famosa e respeitável publicação, uma
vez que os pratos tenham sido recolhidos, que um dos convidados faça um
breve discurso sobre um assunto que lhe esteja preocupando no momento.
Nessa ocasião foi o ex-correspondente da BBC que morara nos Estados Uni
dos quem falou: de m odo eloquente e m uito bem, com o era de se esperar.
E qual foi o assunto que desenvolveu com tamanha eloquência? A ini
quidade da pena de m orte nos Estados Unidos.
Não é fácil transmitir o clima de satisfação que se estabeleceu ao redor
da mesa enquanto ele falava, um m isto de possante superioridade moral
(uma das em oções mais aprazíveis de todas) e de justa indignação (outra
em oção m uito agradável). O consenso era de que as pessoas de lá eram uns
selvagens ignorantes, ao passo que nós, aqui, guardiões, com o sempre, da
própria civilização, não recorríam os a tais m étodos prim itivos e bárbaros
por séculos - isso quer dizer, por 3 5 anos.
Todos concordaram com o senhor da BBC, e foi m inha vez de di/ei
algo. Confesso não ser um entusiasta da pena de morte, parece-m e que a
possibilidade de erro, e o fato histórico de tais erros terem acontecido (ná< >
só nos Estados U nidos, mas na Grã-Bretanha e, possivelmente, em todas as
outras jurisdições em que reina o verdadeiro e o devido processo legal) c
um argum ento convincente, para não dizer absolutamente decisivo, contra
a pena de morte, qualquer que possa ser seu efeito impediente. E, por lei
visto fotografias das câmaras de execução onde as injeções fatais são ad
ministradas, enfeitadas com o se fossem salas de cirurgia de hospitais, não
posso deixar de achar que está a ocorrer algo sinistro: a simulação de que
a execução é um procedim ento terapêutico. Começam os a ver a força do
\ \ iilit i ui S n r jr l n
gorai da niltura c da educação na Inglaterra veio a lona. Meu cdilor é um
hom em culto, com muita leitura e profundamente afeiçoado à literatura,
mas tive dificuldade em convencê-lo de que havia m otivos para preocu
pação. O analfabetismo e o desconhecimento do m ínim o em matemática
estarem disseminados não o preocupava porque —afirmava — sempre esl i
veram disseminados. (O fato de que agora gastamos quatro vezes mais per
capita com educação do que há cinquenta anos e teríamos direito a esperar,
no m ínim o, um aumento dos níveis de alfabetização e de familiaridade
com a matemática não o convenceu absolutamente.) Simplesmente não
acreditou em m im quando disse a ele que nove entre dez alunos entre as
idades de dezesseis e vinte anos são incapazes de multiplicar 6 x 9, ou que
das várias centenas a quem perguntei quando aconteceu a Segunda Guer
ra Mundial somente três sabiam a resposta. Respondeu-me suavemente -
quase sem precisar pensar, com o se tivesse ensaiado o argumento muitas
vezes - que seu próprio filho, de sete anos, já sabia as datas da guerra.
— O problem a é —disse com toda a seriedade —que a sua amostragem
é tendenciosa.
\ \ li In i u i | r lii
audiência <lt muitos m ilhões. A entrevistadora, uma m ulher inteligente e
culta, brevemente resum iu, com precisão, aos ouvintes o relato daquilo
que vi em Blackpool, e logo m e perguntou: “ Você não está sendo um p ou
co m etido a besta?” - ou seja, um esnobe social e cultural.
A pergunta era, é claro, capciosa, com muitas camadas de significa
do profundam ente depreciativas. Eu, de m inha parte, perguntei-lhe se ela
desnudava as nádegas aos transeuntes desconhecidos e, caso não o fizesse,
por que não? Ela recusou responder à pergunta, com o se não fosse séria
- assim com o um a futura m inistra do governo com quem certa vez de
bati no rádio, após afirm ar que um a das tragédias de alguns dos recentes
tumultos urbanos era terem ocorrido nas vizinhanças pobres dos próprios
arruaceiros, recusou-se a responder quando lhe perguntei se ela preferiria
que os tumultos tivessem acontecido no bairro chique em que morava.
Não m uito depois da entrevista sobre m inhas experiências em Black
pool, a BBC leu as cartas de uns poucos ouvintes que m e acusaram de não
ter com preendido a natureza da cultura da classe trabalhadora. Usaram a
palavra “ cultura” no sentido antropológico de soma total de m odos de
vida, mas também estavam tirando um a vantagem astuciosa e desonesta
das conotações da palavra de Bach e Shakespeare para insinuar que o uso
de seios de plástico no passeio público de Blackpool é tão valioso quanto
a Missa em Si M enor ou os sonetos.
O pressuposto progressista, nessa e na m aioria das coisas, é o de en
tender com o aprovar (ou, ao m enos, perdoar) e, por isso, m inha desapro
vação indicava um a falta de compreensão. M uito estranhamente, as cartas
que a BBC e o jornal que publicou o artigo original rem eteram-me -
aquelas que não leram no ar ou publicaram - endossavam totalmente
m eus com entários. Eram de m oradores de Blackpool e de pessoas da classe
trabalhadora de várias localidades que negavam ardorosamente aquela cul
tura da classe trabalhadora, que nada era senão obscenidades sem sentido.
Vários correspondentes falaram de m odo tocante de terem passado, na
infância, um a pobreza real, enquanto m antinham o autorrespeito e lula
vam pela excelência intelectual. A exclusão deliberada da expressão pública
dessas vozes oferece um belo exem plo de com o a intelligenzia britânica eslá
ocupada com a tarefa autoim posta de destruição cultural.
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o lá/,«mii I» ir lalta de conhecim ento histórico), |m»i*. 11,10 «• 1 1ili« il «Muoiiii.ir
períodos históricos em que o crim e foi p ior do que é agora. Já vi até ,i
preocupação com o crescim ento dos assassinatos ser tratada com deboche,
pois na Inglaterra m edieval esse núm ero era m uito m aior do que é agora.
Assim, a com paração histórica com períodos que ocorreram há centenas
de anos é tida com o m ais relevante que a com paração com trinta ou vinte
anos atrás, na m edida em que a com paração prom ove um com portam ento
de com placência para com um fenôm eno social indesejável.
Terceiro, um a vez que os fatos sejam admitidos coativamente pelo
acúm ulo de provas, o significado m oral é negado ou pervertido. Será que
as crianças saem das escolas tão ignorantes a respeito dos fatos quanto no
m om ento em que ingressam ? Bem, certamente, isso ocorre porque não
são mais ensinadas por “ decoreba” , mas, ao contrário, são ensinadas a
encontrar as inform ações por si mesmas. A incapacidade para escrever de
form a legível de m odo algum dim inui a capacidade de se expressarem,
mas a acentua. Ao m enos não foram submetidas ao aprendizado de regras
arbitrárias. Vulgaridade, agora, é liberdade de inibições pouco saudáveis
e psicologicam ente deform antes; é sim plesm ente o restabelecimento da
indecência popular, e aqueles que se opuserem a isso são os desmancha-
p raz eres da elite. Quanto à violência, qualquer quantidade pode ser expli
cada pela referência à “ violência estrutural” da sociedade capitalista.
U m produtor de televisão da BBC delineou, para m im , as fases da ne
gação esquerdista. Seus colegas, disse-m e, viam -no com o um dissidente,
com o um a pessoa que lutava com m oinhos de vento, quase um lunático, li
qual era sua loucura? Q ueria que a BBC fizesse docum entários sem enfeites
sobre a vida da porção m ais pobre da sociedade: sobre o analfabetismo em
massa (crescente), os filhos ilegítim os e de pais solteiros, o vandalismo em
massa (crescente), a violência, a ilegalidade, o uso de drogas, a dependeu
cia dos program as de Bem-Estar Social e a falta de esperança, de m odo que
o restante da população pudesse fazer um balanço do que estava aconte
cendo diante das próprias portas. Ele queria concentrar-se, em particular,
nos efeitos devastadores da fragmentação - não da atomização - da família
que a legislação progressista, a engenharia social e as posturas culturais,
desde o final dos anos 19 5 0 , prom overam com tamanho vigor.
2000
Indice
\ Vlilli mu SiiijrlM
G Hume, I).ivl<l, 109
Galileu Galilei, 20 Huntingdon (Inglaterra), 167
Gallagher, Liam (irmãos Gallagher), Hussein, Saddam, 1 1 3
105
Gallagher, Noel (irmãos Gallagher), I
105 Igrejas
Garden, Doug, 21 8-20 anglicana, 275
Genética, 17 , 232 pentecostal, 1 1 7 , 1 1 9
Gerenciamento de raiva, 234 Ilegitimidade, 1 53, 182, 200, 226,
Glamuzina, Julie, 2 15 270
Gombrich, Ernst, 109 ver também Progressivismo
Goodman, Paul, 63 Imigração, 50, 1 1 4
Göring, Hermann, 166 ver também Multiculturalismo
Guerra da Crimeia, 23 Imigrantes
Gueto, 1 75-76 educação e, 9 7
crianças inteligentes no, 178-82 fracasso e, 1 35-44
pessoas vulneráveis no, 178-86 médicos, 157-64
mobilidade social e, 135
Indianos, 54-56, 98, 135-44
Habitação, 160, 165-74, 1 8 1, 185 hábitos alimentares dos, 162
alocação do sistema de, 173 lojistas, 246-47
comunidade e, 168-71 médicos imigrantes, 159-60
conjunto habitacional, 39, 93, 1 18, prisioneiros, 136
173,185 e subclasse, 135-43, 162
departamento de, 1 1 8 , 201 Intelectualismo, 23, 153, 225, 230,
serviço de, 147, 159 261
Händel, Georg Friedrich, 109 Intolerância zero, 22, 251- 60
Hartlepool (Inglaterra), 248 Invasão de dom icílio, ver Furto;
Heroína (droga), 17 , 22, 100, 136, Roubo
139, 140-42, 157, 1 8 1 , 2 3 0
“ Heroin chic” (moda), 22 J
Herschel, William, 109 Jackson, Peter, 21 4, 21 6
Hillary, Edmund, 142 Jamaicanos, 1 1 5 , 193
Hindus, 55, 13 3, 143 Jesus Cristo, 1 1 1 - 1 2 , 120
ver também indianos Judas Iscariotes, 12 1
Hitler, Adolf, 63, 170 Juízo de valor, 201
Hulme, Juliet, 2 1 4 - 1 8 Junkfood, 83, 16 1- 62
ver Anne Perry Justiça, 236
Im in I-
K I I n 1,1 Anlimlcta, ralnlia d.i hança, I [)
k.tum, Joe, 22 I M.iiimiil, I'lllppo lommaso, I 66
Khrushchev, Nikita, I 26 Marx, Karl, 49, I I 8
Kinsey, Alfred, 63, 68 Marxismo, 44, 104
Kouao, Marie Therese, 187-93 Mayhew, Henry, 155-56, 262
Menninger, Karl, 226-27
L Mies van der Rohe, Ludwig, I 7 I
Laing, R. D., 63, 146 Mill, James, 1 1 3
l.ainb, William, 2° visconde Melbour Morris, Parker, 168-69, 172 73
ne, 127 Mozart, Wolfang Amadeus, 1 06
Laurie, Alison, 2 1 S Muçulmanos, 55, 133, 143
Le Corbusier [Charles-Edouard Jean- Multiculturalismo, 46-57, 190
neret-Gris], 160, 168-69, 1 7 1 indianos, 54-56
Leach, Edmund, 63 jamaicanos, 55
Lenin, Vladimir, 122 muçulmanos, 50-51
Li herdade de escolha sikhs, 56
doentes mentais, 145-53 tolerância religiosa, 55-56
moradores de rua, 145-53 Música, 2 1 , 23, 84, 86, 105-06
Linguagem
da BBC, 86, 104, 262-63, 266-69 N
dicção, 103, 104 Negação, 1 7 - 18 , 33, 260, 261, 265,
dos detentos, 2 7 , 28 268-70
e Linguística, 20, 23, 176 ver também Autoengano
erros de grafia, 20 Neruda, Pablo, 260
impessoal, 103 Newton, Isaac, 109
passiva, 27, 28 Nietzsche, Friedrich, 33
Lorde Melbourne, yer Lamb, William Nightingale, Florence, 23
Loteria Nacional, 123-25
Lutero, Martinho, 44 0
Lynskey, Melanie, 2 14 Oakes, Gay, 2 1 8 - 1 9
Oasis (banda), 105-06
M Obesidade, 83, 126-27
Mailer, Norman, 63, 68, 226 Ortega y Gasset, José, 186
Maimônides, Moisés, 202 Orwell, George, 261, 266
Mallon, Ray, 248-49
Manning, Carl, 187-96 P
Maoris, 223 Pais
Marcuse, Herbert, 63 ver Criação de filhos
V
Yaizey, John, 229
Van Dyck, Anthony, 109
Vício, 30, 100, 120, 132, 136, 209,
233-34
crime e, 233-34
drogas, 22, 3 1 - 3 2 , 81, 100, 1 19-
20, 130, 136, 139-40, 159,
174, 201, 209
fúria como, 31
furto como, 30
Violência doméstica, 6 1, 64, 11 9,
17 8 , 2 0 9 , 255
D 138v
D alry m p le, T h e o d o re , 1 9 4 9 -
A vid a na sarjeta : o círcu lo v icio so da m iséria m oral /
T h e o d o re D alrym p le ; tra d u çã o M á rc ia X a v ie r de B rito . - 1. ed.
São P aulo : É R ealizaçõ es E d ., 2 0 1 4 .
2 8 0 p . : i l . ; 2 3 cm . (A b ertu ra C u ltu ral)
1 4 -1 6 0 5 2 CDD: 330
C D U : 3 3 8 .1
0 5 /0 9 /2 0 1 4 0 8 /0 9 / 2 0 1 4
E s te liv ro fo i im p re s s o p e la
In terg raf Indústria G ráfica p ara
É R e a liz a ç õ e s , em s e te m b ro
de 2 0 1 4 . O s tip os u sados são
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