SAFIRAREGOLOPES
SAFIRAREGOLOPES
SAFIRAREGOLOPES
São Luís
2022
SAFIRA REGO LOPES
São Luís
2022
SAFIRA REGO LOPES
Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profa. Dra. Cacilda Rodrigues Cavalcanti (Orientadora)
Doutorado em Educação, Conhecimento e Inclusão Social
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________
Profa. Dra. Cristiana Costa Lima (Examinadora)
Doutorado em Políticas Públicas
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________
Profa. Dra. Terciana Vidal Moura (Examinadora)
Doutora em Ciência da Educação
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
À Manoel da Conceição, líder da luta
camponesa maranhense (in memorian).
A todos os sujeitos que compõem a
Licenciatura em Educação na Universidade
Federal do Maranhão e nas demais Instituições
de Ensino Superior (IES) brasileiras.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profa. Cacilda Cavalcanti, por todas as contribuições para este
trabalho, assim como por todo aprendizado que sua parceria me proporcionou;
Ao Programa de Políticas Públicas, por todas as experiências, conhecimentos,
debates, e afetos construídos neste período, em especial ao Prof. Ribamar Sá e a Profa. Cristiana
Lima.
À Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA) e, em especial, a todos os sujeitos que se dispuseram a participar e contribuir com esta
pesquisa;
À Diana Costa Diniz, Aline Ângelo e Raimundo Botelho pela disponibilidade
sempre atenta e carinhosa na solicitação de documentos e esclarecimentos necessários para a
pesquisa;
Ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Públicas de Educação (GEPPE)
por todas as contribuições no debate e na pesquisa em políticas públicas educacionais;
Ao Prof. Guilhermo Johnson e a Prof. Dourivam Câmara que compuseram a banca
de qualificação do projeto de pesquisa e deram significativas orientações para a construção
deste trabalho;
Á Prof. Cristiana e Prof. Terciana que compuseram a banca de qualificação da
dissertação, cujas orientações também foram decisivas para aperfeiçoar este trabalho;
Às colegas de trabalho da Unidade de Ensino Básico (UEB) Amaral Raposo, pelo
apoio e companheirismo diário;
Ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), por todos
os aprendizados, experiências, pessoas e amizades que trouxe a minha vida: Ísis, Conceição,
Diana, Vagner, Manu, Neylson, Regis, Dney, Raquel, Danielson, Adrianna, Marquinhos, Aline,
Lenilde. Foi através dessa experiência e da convivência com essas pessoas que o interesse
investigativo e a militância pela educação do campo cresceram no meu coração;
Aos meus pais, Márcio e Flávia, por todo apoio, afeto e acolhimento de sempre.
À minha irmã Sofia, pela amizade, parceria e pelo seu suporte material nesta
pesquisa;
À toda a minha família por todo o carinho e torcida que sempre me dispensaram;
À Leandro Severo, por todo companheirismo e disponibilidade para leituras atentas
e contribuições neste trabalho;
Aos amigos que a vivência no Programa de Políticas Públicas me trouxe: Karoline,
Lorena, Selma, Emanuele, Lucas, Beatriz e Berenice. Sem dúvidas, essas amizades construídas
tornaram essa jornada mais leve, prazerosa e rica;
Aos amigos da turma 2010.1 de Pedagogia na UFMA. Juntos demos os primeiros
passos em direção à defesa de uma educação pública que seja de qualidade e socialmente
referenciada;
Aos amigos das turmas de Pedagogia da Terra de 2009 e 2012 com quem também
tive a oportunidade aprender e crescer profissionalmente e especialmente como gente;
À Olga, Beatriz, Priscila, Alexandra, Celeste, Daniele, Hugo, Aline, Tayla,
Emanuele Guerreiro, Leonardo e Lícia pela amizade, força, incentivo, suporte indireto, e por
vezes direto, neste trabalho.
Nossos princípios precisam ter raízes tão
profundas que se sobreponham aos nossos
interesses.
The present work has as object of study the Degree in Field Education at the Federal University
of Maranhão (UFMA). Its goal is to analyze the process of implementation of the course having
as a parameter the educational principles listed in its Political-Pedagogical Project, which are
based on the concept of field education elaborated from the field education movement. To this
end, the investigation is guided by the dialectical historical materialism, which allows us to
analyze this policy as part of a dialectical and contradictory totality, seeking to understand it in
the context of a class society. The methodological procedures used were documentary research
and semi-structured interviews with teachers and the articulating team of the course at the
University. The data analysis was performed using the content analysis technique, referenced
by Bardin (1977). The policy to train field educators is part of a counter-hegemonic project
and is built from the dynamics of the class struggle that is inserted in the capitalist State, taking
advantage of its fissures and contradictions. To understand this dynamic between State and civil
society that crosses the composition of field education policies, we refer mainly to the works of
Poulantzas (2015) and Gramsci (2020). As for the history and the foundations of field
education, as well as for the analysis of the struggles for the formation of field educators, we
resorted to authors such as Caldart (2003, 2004, 2008, 2010, 2011), Molina (2010, 2012, 2015,
2017), Molina and Antunes-Rocha (2014), Santos (2012), among others. On the configuration
of public policies we used Arretche (2001) and Draibe (2001). In our empirical research, we
took as a basis the Political Pedagogical Project of the Degree in Field Education of the Federal
University of Maranhão (2014a, 2014b) from which we extracted the guiding principles of the
analysis of its implementation. This project is based on a conception of field education
originated in the struggles of peasant movements and defends a society that overcomes the
division of classes, social inequalities, and the dichotomies between countryside and city, and
especially the educational dichotomies, where there is a separation between intellectual and
technical training, having labor as the educational principle. The results indicate that the Degree
in Field Education at UFMA faces several tensions in order to consolidate itself in the university
space as a course whose training points to a new human and societal referential, where the field
is freed from the different fences that cross it: whether those of the latifundium or those of
knowledge. Tensions that range from the moment of implementation with confrontations
between the course management and the administrative structure of UFMA and that also go
through internally divergent conceptions about the meaning of the formation of rural educators.
Keywords: field education; formation of the field educators policy; degree in field education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16
2 ESTADO, MOVIMENTO SOCIAL E EDUCAÇÃO DO CAMPO .................................. 26
2.1 A relação Estado e movimento social na formulação de políticas públicas....................... 27
2.2 “Educação do campo: direito nosso, dever do Estado”: contexto e fundamentos do
movimento pela educação pública do campo ........................................................................... 36
3 A LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO .................................. 53
3.1 O processo de lutas por políticas de formação de educadores do campo .......................... 56
3.2 Articulações em torno da Licenciatura em Educação do Campo na Universidade
Federal do Maranhão............................................................................................................. 70
3.3 O Projeto Político-Pedagógico da Licenciatura em Educação do Campo da UFMA ...... 83
4 DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA IMPLEMENTAÇÃO DA LICENCIATURA
EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
MARANHÃO.......................................................................................................................... 93
4.1 A implementação da LEDOC na estrutura administrativa da UFMA ............................. 96
4.1.1 O processo de institucionalização da LEDOC/UFMA ............................................................. 98
4.1.2 Desafios e limites da estrutura física da UFMA para a condução da LEDOC ....................... 104
4.1.3 Desafios e limites na gestão da LEDOC na UFMA ............................................................... 108
4.1.3.1 Relações entre a gestão do curso, gestão local e gestão superior na Universidade.............. 108
4.1.3.2 Relação entre os movimentos sociais do campo e universidade na gestão da LEDOC ......... 115
4.2 A formação dos educadores do campo na LEDOC/UFMA: entre princípios,
concepções e práticas ............................................................................................................ 128
4.2.1 Quem educa o educador do campo: perfil da equipe docente da LEDOC /UFMA .. 129
4.2.2 Concepções sobre os fundamentos da Educação do Campo............................................. 136
4.2.3 Organização por alternância e por área de conhecimento: concepções e práticas ........... 146
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 159
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 164
APÊNDICE A - ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
EQUIPE ARTICULADORA DO CURSO, EQUIPE GESTORA E EQUIPE
DOCENTE ............................................................................................................................ 172
APÊNDICE B - QUADRO DAS LICENCIATURAS EM EDUCAÇÃO DO CAMPO
POR REGIÃO, ESTADO, INSTITUIÇÃO, CAMPUS, TERMINALIDADE,
NÚMERO DE VAGAS E MODALIDADE ....................................................................... 181
APÊNDICE C – TERMOS DE AUTORIZAÇÃO PARA CITAÇÃO DE NOME
ASSINADOS PELOS PARTICIPANTES DA PESQUISA .............................................. 185
APÊNDICE D – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ASSINADOS PELOS PARTICIPANTES DA PESQUISA .............................................. 194
16
1 INTRODUÇÃO
educação meramente rural? Molina (2015), em uma pesquisa intitulada “Políticas de Expansão
da Educação Superior no Brasil”, executada entre 2013 e 2017 estuda as contribuições e
impactos da expansão da educação superior do campo. Nesta pesquisa, ela reflete:
capitalista em praticamente todos os setores da vida humana. É assim que a formulação e gestão
das políticas sociais são também transferidas para o setor privado desresponsabilizando o
Estado e fragilizando direitos. Isto sob o discurso da participação e responsabilidade social (não
política, mas voluntária), e satanização do Estado, ao mesmo tempo em que se atomiza a
solidariedade e se despolitiza a questão social.
Diante do recrudescimento do neoliberalismo que procura sujeitar continuamente
as políticas públicas à sua lógica de mercado, faz parte da própria defesa da democracia
fortalecer o debate sobre as políticas públicas, especialmente aquelas que se originam no
enfrentamento de classes. Atualmente, vivemos em um contexto político e econômico onde
qualquer avanço nas pautas populares seguem estacionados. A ascensão de um
ultraconservadorismo na política e na sociedade não apenas brasileira, mas mundial, vem
ameaçando a existência e a legitimidade de diversas políticas públicas a favor dos trabalhadores,
como também das classes mais empobrecidas (classes onde o próprio acesso ao mundo do
trabalho é limitado).
Políticas pautadas pelos movimentos de negros, de homossexuais, de pessoas
transgênero, das mulheres, pessoas com deficiência e qualquer outro setor da sociedade que
desestabilize o tripé – capitalismo, patriarcado, colonialismo 1- também seguem sendo alvos de
desmonte e /ou deslegitimação. As populações camponesas e das florestas se encontram nesse
conjunto, por isso a premente necessidade de trazer o debate sobre as políticas de educação do
campo, buscando com isso, fortalecê-las e consolidá-las no âmbito do polo do trabalho.
Por ser uma política centrada no polo oposto ao capital, a política de formação de
educadores do campo nas Universidades vivencia, desde a sua origem, diversos desafios. E,
após a conquista de sua institucionalização nas instituições públicas de ensino superior, outros
limites se apresentam, como o que procuro discutir aqui neste trabalho: o da concretização de
princípios políticos e pedagógicos pautados pelo movimento da educação do campo. São
desafios que vão, como explicita Anjos (2015), desde questões estruturais colocadas ao
funcionamento dos cursos até a sua própria dinâmica de realização: corpo docente e discente e
organização por alternância, por exemplo.
Desse modo que a educação do campo, alinhada em sua raiz com a defesa de uma
democracia participativa, da identidade camponesa e da transformação social, ao mesmo tempo
que, através da luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, encontra espaço nas políticas
1
Esse tripé é colocado por Santos (2020) como os modos de dominação principais existentes. Embora esse
trabalho não se referencie no trabalho deste autor, essa análise em particular é bastante conveniente para
identificar os fundamentos da política e do discurso ultraconservador em curso na sociedade brasileira atual.
21
públicas, também se vê cerceada por esta burocracia estatal e pela concepção neoliberal de
política pública. Segundo Lopes, et al. (2009, p. 96-97):
O que se percebe é que no modelo neoliberal, cada vez que a pressão e a luta dos
trabalhadores obrigam o Estado a fazer concessões, a desenvolver algum tipo de
política social que beneficie a classe subalterna, este regido pelas leis mercantis,
reabsorve as conquistas utilizando-as para produzir mais desigualdades.
pelo trabalho e para o trabalho; c) educação para transformação social; d) educação voltada para
as várias dimensões da pessoa humana; e) a realidade como base para produção do
conhecimento; f) unidade teoria-prática; g) vivências de processos democráticos e
participativos; h) educação pluriétnica cultural e não discriminatória; e, i) diálogo entre cultura
popular e cultura sistematizada (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 2014a).
Considerando estes 9 princípios básicos defendidos pela Licenciatura em Educação
do Campo da UFMA e os desafios que esses cursos têm enfrentado para sua implementação,
levantamos o seguinte questionamento: de que forma estes princípios elencados pelo projeto
político-pedagógico da LEDOC têm sido implementados no curso?
Assim, o que realizamos neste trabalho é uma avaliação de implementação do Curso
de Licenciatura em Educação do Campo da UFMA tomando como parâmetro estes nove
princípios colocados em seu projeto político-pedagógico. Embora nosso objetivo inicial fosse
analisar concepções e práticas de formação na LEDOC/UFMA, a crise sanitária ocasionada
pela pandemia do covid19, e todo o redimensionamento que isto ocasionou em nossas vidas,
bem como no funcionamento dos cursos presenciais das universidades, entre eles, a LEDOC,
não nos permitiu estar no campo de pesquisa da maneira que imaginamos originalmente. Desse
modo, não foi possível coletar os dados e observar as vivências do curso necessárias para
concretizar este objetivo.
Entretanto, o que trouxemos neste trabalho não perde sua importância. O
andamento da pesquisa nos mostrou que, neste momento, mais importava realizar a avaliação
de implementação que aqui trazemos com todos os debates que os seus resultados suscitam
sobre os tensionamentos e contradições existentes em fazer avançar um projeto popular de
educação no interior de uma instituição pública como é a Universidade, inserida em um Estado
e um país de capitalismo tardio e, mais especificamente no Maranhão, estado marcado pela
histórica negação de direitos, baixos índices de escolarização, pelo latifúndio e pela pobreza,
em especial, no campo.
Para isso, nossa pesquisa fez uma investigação das concepções de educação do
campo e formação de educadores do campo subjacentes ao currículo e aos documentos que
orientam as ações da LEDOC na UFMA, e das concepções dos educadores do curso e como
elas se relacionam aos princípios orientadores da formação de educadores do campo colocadas
no PPP. Também buscamos perceber as estratégias de organização e gestão do trabalho
pedagógico desenvolvidas, identificando as estratégias adotadas para garantir a participação
dos movimentos sociais na formação conduzida. Para a realização desta avaliação, foi também
fundamental verificar os condicionantes estruturais físicos, técnicos e operacionais presentes
23
Diana Costa Diniz e Prof. Dr. Raimundo Botelho. Estas entrevistas foram todas realizadas
durante os períodos de março a maio de 2021 de forma remota através do google meet, devido
a exigência de distanciamento social ocasionada pela pandemia.
Os dados que resultaram da coleta por esses instrumentos de pesquisa foram
abordados através da análise de conteúdo. Esta abordagem tem como ponto de partida a
mensagem veiculada (oral ou escrita), e a partir dela procura fazer relações com o seu contexto,
procurando compreender seus significados. Adotamos o tema como unidade de registro através
de categorias de análise criadas a priori, que elencamos a seguir: concepção de educação,
educação do campo, formação de educador/a do campo, princípios pedagógicos, matriz
curricular e gestão do curso (FRANCO, 2012). Essas categorias de análise resultaram em novos
eixos que permitem sistematizar os desafios e possibilidades da Licenciatura em Educação da
UFMA: a gestão da LEDOC na estrutura administrativa e a formação dos educadores do campo
no curso.
Dito isto, estruturamos esse trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo,
discutimos as tensões e contradições imbrincadas nas relações entre sociedade e Estado que
resultam na configuração das políticas de educação do campo, situando o movimento da
educação do campo historicamente como um movimento que nasce da luta pela terra, assim
como o processo de lutas que culmina na concepção de educação do campo defendida neste
trabalho e nas políticas de formação de educadores do campo.
No segundo capítulo, abordamos a construção das políticas de formação de
educadores do campo. Essas políticas procuram responder a anos de negação ao direito à
educação das populações camponeses, assim como contém uma proposta formativa
referenciada nos seus interesses, resultante do acúmulo de experiências políticas, pedagógicas
e teórico-metodológicas propiciadas pelas lutas por educação do campo. Também abordamos
o processo de implementação da Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal
do Maranhão, quem foram os sujeitos envolvidos, qual contribuição que cada um desses
sujeitos trouxe a essa construção e os desafios vivenciados para incorporar a proposta de
formação da Licenciatura na estrutura universitária. Em seu último tópico este capítulo trata
ainda da concepção de formação de educadores do campo explicitada no Projeto Político-
Pedagógico da LEDOC aprovado pela Universidade.
No terceiro e último capítulo desta dissertação nos debruçamos sobre os desafios e
possibilidades colocadas na implementação da Licenciatura em Educação do Campo na UFMA,
discorrendo sobre as dificuldades burocráticas que se chocam com a proposta diferenciada de
formação do curso que tem nos camponeses seus sujeitos propositores, formuladores e
25
própria força de trabalho, o que levado a cabo pode significar a perda de controle sobre a própria
vida.
Essa divisão favorece que pequenos grupos – dos proprietários dos meios de
produção – alcancem privilégios e se sobreponham ao resto da humanidade. Com isso, as
desigualdades sociais entre proprietários e não proprietários se aprofundam. Os interesses entre
essas classes, portanto, são essencialmente divergentes, pois para a primeira interessa manter
sua dominação, enquanto para a segunda interessa emancipar-se dela. E são os enfrentamentos
entre essas classes que delineiam a forma como elas acessarão ao que é socialmente produzido,
sejam bens materiais, culturais ou simbólicos.
Um teórico que muito contribui para a compreensão de como esses enfrentamentos
são configurados e configuram a dinâmica da vida social é Nicos Poulantzas. Para ele, o Estado
é o lugar privilegiado para tais enfrentamentos e expressa as contradições entre as classes, ele
é a condensação de uma relação de forças (POULANTZAS, 2015). Isto quer dizer que a
mediação entre as contradições entre as classes é realizada pelo Estado, que apesar de sua
natureza de classe, apresenta uma autonomia relativa entre elas. Por isso, considera-se uma
sociedade como democrática quanto mais ela for capaz de expandir e universalizar direitos que
possam garantir o acesso ao que é socialmente produzido pelo conjunto da humanidade a todos
e todas, ao passo que a diminuição desse espaço público, preconizada no receituário neoliberal,
fragiliza a democracia e intensifica ainda mais as desigualdades. Assim, é por meio dos
conflitos entre as classes antagônicas que os contornos políticos do Estado são delineados. A
garantia de direitos e as características das políticas públicas de determinada sociedade irão
refletir a dinâmica da relação estabelecida entre Estado e sociedade civil.
Porém, por sua natureza de classe, o Estado tende a operar para a manutenção da
dominação, apenas gerenciando tais conflitos e tensões. Para Poulantzas (2015), isto não
significa que o Estado possa ser identificado como uma espécie de apêndice ou mero
instrumento exclusivo da classe dominante, o que denomina de compreensão de um Estado-
coisa, nem tampouco deve ser entendido como Estado-sujeito, autônomo e neutro, acima das
relações de classe e que estaria purificado, através de seu burocratismo, das contradições que
atravessam a produção das mercadorias. Essa sua contribuição nos leva tanto a desromantizar
o Estado, como também a dessatanizá-lo, pois é a correlação de forças entre as classes e frações
de classe presentes na sociedade a real mediadora das mudanças sociais, dos avanços e
retrocessos por que têm passado a humanidade durante este período de hegemonia do capital,
que se estende desde as Revoluções Burguesas.
29
Gramsci (2020), por sua vez, traz significativas contribuições para a compreensão
de como se configura a correlação de forças. Ele explique que ela está determinada, em primeiro
lugar, pela estrutura material, isto é, pela objetividade presente em determinado espaço e tempo
históricos, tanto os que não dependem da ação humana como é o caso das circunstâncias dadas
pela natureza; quanto os que são decorrentes dessa ação, como é o caso do modelo de produção
econômica e do desenvolvimento das forças produtivas. Em seguida, determina-se pela
superestrutura, isto é, as forças políticas que atuam na sociedade, seu grau de autoconsciência
e organização em torno dos seus interesses em comum.
Desse modo, a Para Gramsci, tanto o Estado (em sentido estrito, sociedade política),
como a sociedade civil, estão atravessados pela luta de classes: a dialética é real,
aberta, e o resultado não é predeterminado. O Estado (em sentido amplo, sociedade
civil + sociedade política) é tanto instrumento (de uma classe), como também,
simultaneamente, lugar (de luta pela hegemonia), e justamente por isso é possível (ou
30
melhor, é um dever) para um grupo social ‘[...] ser dirigente já antes de conquistar o
poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do
poder)’; mais além, ‘[...] quando esse grupo social exerce o poder e mesmo se o
mantém fortemente nas mãos, torna-se dominante mais deve continuar a ser também
‘dirigente’’. (BARBOZA; LIMA, 2013, p. 47).
Sendo assim, a sociedade civil não é homogênea nem uniforme, pois nela existem
tanto componentes que são geradores de dissenso e transgressão, quanto componentes
que transmitem a mensagem da aceitação tácita da subordinação. Mais além, o
desenvolvimento das forças produtivas e o concomitante desenvolvimento das
necessidades sociais acarretam num incremento da subjetividade humana sob a qual
se constituem diferentes grupos sociais cujos interesses não são plenamente
coincidentes. (BARBOZA, LIMA, 2013, p. 43-44)
realidade, as lutas populares atravessam o Estado de lado a lado, e isso não acontece
porque uma entidade intrínseca penetra-o do exterior. Se as lutas políticas que
ocorrem no Estado atravessam seus aparelhos, é porque essas lutas estão desde já
inscritas na trama do Estado do qual elas esboçam a configuração estratégica.
(POULANTZAS, 2015, p. 143).
Nesse sentido, pode-se dizer que as classes sociais, bem como as lutas populares
estão inscritas na ossatura desse Estado também conduzindo a sua forma de atuação. Deve-se
ressaltar que as classes estão inscritas no Estado, porém exatamente como o que são:
dominantes e dominadas; e assim permanecem enquanto prevalecer a divisão social do trabalho
nos moldes que já descrevemos anteriormente (POULANTZAS, 2015).
Isto se reflete no fato de que, através das lutas populares, da sua organização nos
aparelhos de hegemonia próprios, as classes trabalhadoras protagonizam políticas e conquistam
direitos. Mas, quando isso ocorre – e ocorre frequentemente, basta olharmos atentamente para
os modelos das políticas sociais no Brasil – o Estado cria mecanismos que estabilizam a
dominação de classe no âmbito dessas mesmas políticas, seja por meio da hierarquização ou da
burocratização ou ainda por meio do seu asfixiamento orçamentário. Isto é, são as políticas de
interesse das classes subalternas que recebem menos recursos, menos investimentos, e estão
constantemente sendo sucateadas. Do mesmo modo, as políticas de educação do campo, embora
legitimadas e reconhecidas através das lutas dos movimentos sociais do campo, permanecem
constantemente ameaçadas ou da perda de seu sentido emancipatório ou do seu próprio
desmanche.
Ainda mais se considerarmos que nas últimas três décadas, temos vivenciado um
momento emblemático para as políticas públicas no Brasil. O recrudescimento do capitalismo,
orientado pelo receituário neoliberal que procura estabelecer a hegemonia do mercado
financeiro, tem operado uma dissolução e um reordenamento dessas políticas sobre a
prerrogativa do chamado Estado mínimo. Santos (2009) explica que as argumentações em torno
da defesa desse Estado mínimo estão relacionadas ao fato de que a sua presença na regulação
das forças produtivas emperra a economia e a torna truncada e menos competitiva. Além de
que, essa atividade reguladora ocupa o Estado que acaba pormenorizando as demandas sociais.
Assim, o Estado capitalista neoliberal tem apostado na intensificação das
privatizações, diminuindo o espaço público, e deslocando o atendimento de direitos duramente
conquistados pelas lutas populares, para o mercado. Desse modo, se é o Estado que tem
orientado essas transformações, através de suas políticas, convém nos questionarmos até que
ponto as políticas públicas podem ser realmente consideradas públicas nessa conjuntura. Para
Santos et al. (2007, p. 829):
32
Assim, o sentido “público” das políticas no contexto neoliberal se perde, pois nessa
lógica, o propósito das políticas tem sido o favorecimento de grupos privados dominantes, em
detrimento da universalização dos direitos sociais que são de interesse das camadas populares.
Por isso, é fundamental que se continue tensionando o Estado através das lutas sociais
organizadas por meio dos seus próprios aparelhos privados de hegemonia.
Os movimentos sociais são formas de organização da sociedade civil que expressam
tais lutas sociais. Quando recorremos à literatura sobre movimentos sociais, comumente iremos
nos deparar com a categoria da luta social para caracterizá-los ou mesmo, defini-los. E, embora
nem toda luta social seja uma luta de classes (GOHN, 2014), para Poulantzas (2015, p. 150-
151): “toda luta, mesmo heterogênea às lutas de classe propriamente ditas (luta homens-
mulheres por exemplo), sem dúvida só tem seu sentido numa sociedade em que o Estado utiliza
todo poder (a falocracia ou a família no caso) como dispositivo de poder de classe”.
Inclusive, esse apelo a falocracia, ou dito de outro modo mais recorrente, o apelo à
suposta superioridade do homem, branco, hétero e cristão, sobre a diversidade humana, tem se
constituído em um dos mecanismos de dominação do atual bloco no poder que tem colocado
em curso reformas antipopulares que favorecem a dinâmica de acumulação capitalista baseada
no mercado financeiro. Este apelo tem sido útil para deslegitimar diversos movimentos e
organizações e mesmo instituições como a escola e a Universidade que tem sido,
historicamente, lugares estratégicos na correlação de forças entre a classe trabalhadora e as
classes proprietárias. Mas se deve lembrar, para não focar em apenas uma das cabeças da Hidra
de Lerna, a falocracia não é o fundamento da dominação capitalista, mas é um dispositivo de
poder de classe, que procura obscurecer e sustentar justamente a contraposição entre Capital e
Trabalho.
Assim, as lutas sociais, nas suas multiformes expressões, são reações à partilha
injusta dos bens socialmente produzidos, ou pelos danos que tal partilha causa, e tem como
fundamento a contraposição entre capital e trabalho. Os movimentos sociais são sujeitos
33
coletivos que expressam essas lutas, segundo Gohn (2014, p. 251), expressam o poder da
sociedade civil e criam um campo político de força social fazendo pender a balança da
correlação de forças. Dessa maneira, “os movimentos geram uma série de inovações nas esferas
pública (estatal e não estatal) e privada; participam direta e ou indiretamente da luta política de
um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política”.
Vale ainda dizer que a atuação dos movimentos sociais é fundamental para a
construção de novos valores, culturas e projetos. Caldart (2008), ao falar da atuação do MST,
ressalta sua contribuição para formação de um novo sujeito social. A sua dimensão da
organização política e da cultura política que vão sendo elaboradas em seu fazer social tem um
caráter educativo (GOHN, 2012) que pode contribuir para a formação de seres humanos mais
combativos, solidários, amadurecidos no cenário da luta de classes, mais preparados para
tensionar o campo da relação de forças e disputar pelo Estado.
Assim, Estado e movimentos sociais possuem uma relação intrínseca no que diz
respeito ao movimento social mais amplo, e as políticas públicas imprimem essas relações. Para
Holfing (2001, p. 38): “O processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete
os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as instituições
do Estado e da sociedade como um todo”. Pode-se dizer, então, que o caráter de uma
determinada política pública é definido pela dinâmica da relação de forças entre interesses
conflituosos em uma conjuntura específica.
Portanto, a compreensão da relação entre Estado e movimentos sociais na
proposição de políticas públicas passa por duas noções: a) o Estado não é um bloco monolítico,
nem pode ser reduzido ao binômio repressão-ideologia. Se é assim, as forças populares também
podem obter no Estado conquistas positivas para elas mesmas; b) o Estado é o lugar e o centro
do exercício de poder, ou seja, é campo estratégico para as classes dominantes manterem sua
hegemonia. Portanto, se os movimentos sociais pretendem elevar suas demandas à esfera
pública necessitam tensionar esse campo estratégico de Poder, o que significa politizá-las
(POULANTZAS, 2015).
Os direitos sociais são resultado desses tensionamentos, mas para que sejam
efetivados com qualidade para todos e todas no contexto de sociedade capitalista, a permanência
da luta social se coloca como um imperativo. Além disso, se atualmente temos diante de nós
um Estado Democrático de Direito, isso decorre justamente do enfrentamento de classe, uma
vez que a democracia não é uma concessão das classes dominantes para as dominadas, mas
uma conquista. Luxemburgo (2019) diz que o “pouco de democracia” que se tem conquistado,
34
não é pela burguesia, mas apesar dela. De modo que os movimentos sociais também possuem
uma função democratizadora da sociedade.
A experiência de democratização na América Latina e no Brasil demonstra que, por
muitas vezes, Estado e movimentos sociais se entrecruzam de modo que o limite entre a atuação
de cada um se turva. Isso se deve ao fato de os movimentos sociais reconhecerem na esfera
pública representada pelo Estado um espaço para fazer com que suas pautas sejam reconhecidas
e virem objeto de sua ação, ou seja, gerem políticas públicas (ABERS; BULOW, 2011). Afinal,
como nos alerta Hoeveler (2019, p. 154): “O potencial de uma classe para o poder político,
assim, depende de sua habilidade para encontrar as formas institucionais adequadas a seu
projeto hegemônico particular.”
É preciso ressaltar, no entanto, que o Estado possui todo um aparato jurídico-
político e burocrático que também funciona para pulverizar a organização e as demandas das
classes populares (POULANTZAS, 2015). Para Abers e Bulow (2011, p. 68), a atuação dos
movimentos sociais no Estado pode implicar em riscos e gerar contradições mesmo entre os
militantes; ainda assim “esses atores se dedicam a transformar o Estado [...] ao tentar promover
políticas públicas socialmente justas, ou ao criar arenas participativas nas quais grupos da
sociedade civil possam participar”.
Dessa maneira, à primeira vista, algumas políticas públicas podem parecer
incoerentes e caóticas. Isto decorre do fato de que a sua conclusão carrega os conflitos dos
grupos de interesse que se debruçam sobre ela. Por isso, políticas que tem como objetivo atender
demandas populares, como as políticas de educação do campo, elaboradas nas discussões dos
movimentos sociais do campo, podem apresentar diversas contradições no momento de sua
implementação e execução, correndo o risco de perderem seu intento original.
Dito isto, pode-se verificar que por mais que a ação dos movimentos sociais
populares tensione o Estado e contribua para a transformação positiva da sociedade, a natureza
de classe do Estado capitalista não permite que este gerencie os problemas sociais decorrentes
das desigualdades das partilhas econômicas, até porque o seu papel é o de gerenciar os conflitos
entre as classes buscando manter as relações de dominação de uma sobre a outra. Somente uma
alteração consubstancial e radical na divisão social do trabalho onde as classes sociais fossem
superadas, poderia equalizar e democratizar profundamente o conjunto da sociedade. Conforme
Barboza e Lima (2013, p. 57):
significa algo muito mais complexo e profundo do que o simples fato de despojar a
burguesia do controle dos meios de produção, transferindo-o para o Estado. Implica a
transformação da dinâmica interna do funcionamento da economia, de suas leis de
funcionamento e de suas finalidades. Se qualquer modo de produção é também um
modo de apropriação, a hegemonia da burguesia só pode ser destruída com a
instauração de um novo modo de produção que permita a apropriação desalienante da
realidade.
Diante dessa conjuntura, não é espantoso que os movimentos sociais que mais
tenham ganhado destaque na realidade brasileira tenham sido os camponeses, os movimentos
em defesa da reforma agrária, das populações atingidas por barragens, dos quilombolas e
indígenas. Em vários momentos de nossa história, as frações de classe dominadas oriundas do
campo protagonizaram enfrentamentos de classe na ossatura estatal e na esfera da sociedade
civil, enfrentamentos muitas vezes ostensivos dada a magnitude da opressão que buscam
responder.
Organizados em torno da necessidade de acesso à terra e ao trabalho, os
movimentos sociais do campo se colocam em uma situação de confronto com a própria
estruturação da divisão social do trabalho. Reivindicar acesso à terra é reivindicar o acesso a
um meio de produção fundamental para a acumulação capitalista no Brasil. Exigir trabalho,
nesse contexto, não é meramente querer um emprego, ser mão de obra barata no mercado
agropecuário, mas é exigir ter controle do processo de produção. Nesse sentido, a natureza das
36
suas pautas e dos confrontos protagonizados pelos movimentos sociais do campo, constroem
uma experiência que conduz à proposição de um projeto social contra-hegemônico.
Os movimentos sociais do campo foram entendendo que se pretendiam se opor aos
danos humanos e materiais ocasionados pelo projeto hegemônico capitalista, se pretendiam
enfrentar substancialmente a depredação da natureza pelo agronegócio e a expulsão das
comunidades rurais, precisavam, antes de tudo, elaborar um projeto popular que organizasse os
seus próprios interesses de classe. As ações dos movimentos sociais do campo, então têm sido
baseadas em um projeto popular de emancipação da classe camponesa. E é o sentido desse
projeto mais amplo que tem direcionado as políticas públicas que os movimentos sociais do
campo buscam consolidar junto ao Estado, mesmo com os contrastes que decorrem dessa
relação.
Afinal, é por meio do Estado que o movimento que tem se constituído em torno da
educação do campo procura avançar suas lutas por políticas públicas que possam atender a
necessidade urgente de escolarização das populações camponesas, mantidas a margem desse
processo por um longo período em nossa história, pois, os movimentos sociais que integram o
movimento da educação do campo têm a compreensão que é somente com a ampliação do
espaço público que a educação poderá ser cada vez mais entendida como direito das populações
que habitam no meio rural. Assim, como veremos adiante, esse movimento protagoniza
diversas ações com o intuito de debater, construir e solidificar políticas de educação que estejam
ancoradas nos referenciais da população camponesa.
Para isso, convém historicizar o processo que leva a configuração dessa demanda,
quais são os elementos existentes na materialidade da vida no campo que apontam para a
formulação de uma concepção de educação do campo. Sabemos que as populações deste
território, apesar de fundamentais para a produção da riqueza do país, foram sendo
progressivamente marginalizadas de acessar aos bens culturais, materiais, científicos e
tecnológicos produzidos pela humanidade.
Sem reforma agrária, sem terra, sem regulações trabalhistas, até mesmo o trabalho
assalariado, comum ao ordenamento da produção capitalista, permanece uma realidade pontual
entre os trabalhadores rurais. A expansão do latifúndio, redesignado como agronegócio, vai
intensificando o processo de invisibilidade dos sujeitos do campo. À classe camponesa, então,
vai restando um lugar residual, como se estivesse fadada ao desaparecimento, como se fosse
uma espécie de relíquia, representantes do atraso, isto quando não são prontamente identificadas
à subserviência e docilidade para com os mesmos responsáveis pela sua pobreza.
Dada essa realidade de negação e invisibilidade, coube às famílias residentes no
meio rural assumir, por seus próprios meios, alguma forma de ter acesso a escolarização para
si e seus filhos, com a concepção de que a educação possibilitaria uma vida menos sofrida. Isto
pode ser expresso nas iniciativas que esses sujeitos vão assumindo na construção de escolas nas
comunidades. Com seus parcos recursos, especialmente o principal que possuem, a própria
força de trabalho, nessas comunidades foram se erguendo escolas, muitas delas, construídas
com materiais orgânicos, no modelo “pau a pique”. E, para atender a necessidade pedagógica,
comumente se designava alguém com “notório saber” da comunidade para cumprir a função
docente.
Outra alternativa encontrada se constitui na prática de sair do território camponês,
enviando as crianças às cidades para que estas possam frequentar as escolas urbanas, que nada
dizem sobre suas vivências, atitude essa que, por muitas vezes, redesignam os rumos desses
sujeitos que acabam saindo definitivamente do campo. Essas alternativas, esses jeitinhos, as
vezes expressos no senso comum como jeitinho brasileiro, antes de ganhar o sentido de
corrupção, demonstram a intensidade da ausência de políticas públicas que acabam empurrando
os sujeitos a solucionarem, por seus próprios meios e de forma atomizada, os problemas de
distribuição da sociedade capitalista.
E por mais que, em alguns momentos, alguns programas de educação voltados para
o meio rural tenham sido lançados, como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
ou o Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural (EDURURAL), estes não
foram suficientes para responder as necessidades concretas da população camponesa, até
38
porque não partiram das reais necessidades desses sujeitos e nem se constituíram em prioridade
nos investimentos públicos. Vale dizer que esses programas estavam muito mais identificados
com os interesses das elites agrárias e da burguesia nacional, do que com de fato, atender a uma
demanda social.
Desse modo, o que acabou predominando no campo foi uma educação de baixa
qualidade, com uma estrutura precária, com professores com uma formação não qualificada
para atuação docente, e um programa curricular que omite a existência dos trabalhadores rurais
e pormenoriza os modos de existência no campo (RIBEIRO; ANTONIO, 2008). Dada essa
conjuntura que vai forjando a educação no meio rural, Arroyo (1999, p. 71) declara:
A imagem que sempre temos na academia, na política, nos governos, é que para a
escolinha rural qualquer coisa serve. [...] Em nossa história domina a imagem de que
a escola no campo tem que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A
escolinha cai não cai, onde uma professora que quase não sabe ler ensina alguém a
não saber quase ler.
Ora, se para manusear a enxada não é preciso muitas letras (ARROYO, 1999), para
que educar os camponeses? É assim que os sujeitos camponeses vão sendo marginalizados da
escola do mesmo modo como são alienados da terra. Mas, são nas relações estabelecidas na
dinâmica da luta pela terra, que as populações camponesas vão tomando a compreensão de que
a negação do acesso à escola, que implica, por vezes, na negação da própria humanidade, está
ligada aos processos mais abrangentes de produção e reprodução do capital. Sader (2008, p.
17), no prefácio da obra A educação para além do capital, diz:
a importância de ocupar os espaços nas Universidades, levando seus debates a essas instâncias,
as confrontando e as ocupando, pois este é um espaço estratégico para a legitimação das suas
lutas, para a inserção de suas demandas na agenda estatal.
O PRONERA, então, inicia suas atividades tendo como foco a alfabetização dos
sujeitos camponeses, o que traz à tona uma outra carência: a de profissionais que pudessem
atuar nessa área específica. Assim, para educar camponeses, viu-se que era necessário formar
também os educadores camponeses. Daí é que surgem os cursos de formação em ensino médio
na modalidade normal para dar conta dessa questão. Esses cursos avançam para a formação de
professores em nível superior. Progressivamente, então, os camponeses vão ocupando
territórios que, historicamente, estiveram reservados à classe dominante.
Por outro lado, o Estado, funcionando para manutenção das relações de dominação,
vai tratando de sangrar o programa de diversas formas: perseguições ao modelo administrativo
adotado, cortes orçamentários, atrasos na liberação de recursos que muitas vezes inviabilizaram
e comprometeram a qualidade dos cursos ofertados. São atitudes que evidenciam a educação
do campo como correspondente a um compromisso provisório, como bem categorizou
Poulantzas (2015).
Apesar do modo como essa política foi sendo tratada pelo bloco no poder estatal, o
PRONERA pode ser considerado uma conquista vitoriosa para o conjunto da população
camponesa e para o movimento da educação do campo, pois, além de garantir a formação de
um grande contingente de camponeses, inclusive em ensino superior, possibilitou que outras
políticas públicas relacionadas à educação dos povos camponeses fossem implementadas.
Vale ressaltar que é a partir do PRONERA, que o movimento da educação do
campo começa a se articular enquanto movimento político, podendo ser identificado como uma
rede “baseada em vínculos informais densos, uma identidade forte e um conflito claro com
alvos específicos” (ABERS; BULOW, 2011, p. 76). Trata-se de um movimento que articula
movimentos sociais do campo, movimentos em defesa da educação pública, movimentos de
educação popular, comunidades eclesiais de base, intelectuais e professores universitários cuja
identidade está definida em torno da defesa de políticas educacionais do campo referenciadas
na cultura e nas lutas camponesas; apresentando um contraponto a ordem vigente que prepara
o desaparecimento desse espaço.
É a partir da configuração desse movimento da educação do campo que vai sendo
possível amadurecer o debate da educação do campo ampliando-o para a questão de formação
de educadores e acesso ao ensino básico e superior de qualidade, conquistando e inscrevendo
outras políticas públicas na ossatura estatal, adentrando em espaços antes herméticos aos
43
O eixo principal do contexto de surgimento desta nova prática social foi a necessidade
de lutas unitárias feitas pelos próprios trabalhadores e suas organizações por uma
política pública de Educação do Campo que garantisse o direito das populações do
campo à educação e que as experiências político-pedagógicas acumuladas por estes
sujeitos fossem reconhecidas e legitimadas pelo sistema público nas suas esferas
correspondentes. Mas exatamente pelos sujeitos envolvidos e a materialidade social
que a institui, a marca de origem da Educação do Campo e de seu projeto educativo
foi sendo constituída pela tomada de posição nos confrontos entre concepções de
agricultura, de projetos de campo, de educação e de lógica de formulação das políticas
públicas. Costumamos dizer que é a própria existência destes confrontos que
essencialmente define o que é a Educação do Campo e torna mais nítida sua
configuração como fenômeno da realidade brasileira atual.
meio de publicizar e democratizar esse direito, evitando que os interesses privados sobre a
produção no campo continuem estabelecendo a dinâmica da relação de forças.
E em nosso país, o Estado capitalista está fortemente atrelado aos interesses da
classe dominante agrária. De passado colonial, o capitalismo aqui se desenvolve a partir do
trabalho escravizado de negros e negras na produção de matérias-primas para exportação, ou
seja, historicamente, a nossa economia está baseada na produção camponesa em sua forma mais
precarizada que é o trabalho escravo.
Caio Prado Júnior (2014), em sua análise clássica a respeito da questão agrária
brasileira, reitera que a sociedade colonial brasileira se assentou na produção e exploração deste
território a partir da demanda dos mercados europeus. Para isso, justificou-se uma intensa
concentração fundiária baseada no genocídio e/ou catequização indígena e no tráfico de negros
a fim de que estes fornecessem a mão-de-obra necessária para os empreendimentos do
colonizador europeu.
A massa escrava, mais tarde, recém – egressa da escravidão, bem com os imigrantes
que a partir do século passado vieram reforçar os contingentes de trabalhadores do
campo brasileiro, nunca estiveram em condições de seriamente disputar para si o
46
pode ser efetivado se forem consideradas as identidades, culturas e lutas que o preenchem. Uma
educação que descaracterize as populações camponesas e até mesmo, as inferiorize trazendo
consigo padrões centrados no modo de vida urbano não colabora para a politização e
emancipação desses sujeitos.
Concordamos com Safatle (2012), quando este diz que o igualitarismo e a soberania
popular são pontos inegociáveis para todo projeto de fato comprometido com a transformação
social. Para isto, no entanto, deve-se tomar como ponto de partida as especificidades das lutas
históricas das frações de classes dominadas. A educação do campo é expressão de uma
população que ousou ter a soberania de direção sobre os próprios assuntos reconhecida. Caldart
(2008) reitera que esta tem se constituído em uma política que não é para, nem mesmo com,
mas é dos camponeses porque estes são seus sujeitos e demandantes.
Temos clareza de que há uma contradição central que se relaciona com a divisão
social do trabalho entre proprietários e não proprietários, mas essa contradição, embora acometa
todos os partícipes dessa divisão não provoca a homogeneização desses grupos sociais, existem
as vítimas preferenciais da exclusão (PIOVESAN apud SANTOS, 2009).
Cada grupo estará marcado pelas especificidades materiais, históricas, políticas e
sociais que compõem a contradição capital e trabalho. Podemos exemplificar isto com o fato
de que se a educação do campo não contasse com a adoção de metodologias específicas,
formuladas nas experiências camponesas, como a Alternância que permite a organização
escolar em períodos integrados entre tempo escola e tempo comunidade, muitos camponeses
não poderiam sequer viabilizar a conclusão de sua formação escolar, pois a especificidade do
trabalho rural, não permite a integralização dessa formação nos moldes tradicionais (MOLINA;
ANTUNES-ROCHA, 2014).
Não se trata, mais uma vez, de focalizar lutas ou políticas, fragmentar bandeiras de
2
luta, de veleidades comunitaristas ou entificação de diferenças (SAFATLE, 2018), mas
justamente o oposto: a garantia da universalização dos direitos sociais só poderá se concretizar
se forem consideradas essas especificidades que atravessam a formação dos grupos populares
2
Safaltle (2018) discorre sobre veleidades comunitaristas e entificação das diferenças para caracterizar o tipo
de discurso identitário que boa parte dos grupos de esquerda reproduzem, onde as diferenças entre os grupos
culturais, étnicos, religiosos, etc. é sobreposta à igualdade e à universalidade. Tal discurso identitário também
faz parte do fundamento das políticas focalizadas disseminadas pelo Estado neoliberal. Para este autor, a
diferença não pode sobrepor-se à igualdade radical e à universalidade, isto é, à superação das desigualdades
econômicas e o acesso universal aos direitos. Nesse sentido, embora o movimento da educação do campo
incorpore a diferença nas suas lutas por políticas públicas, compreendemos que a intencionalidade de suas
reivindicações está centrada precisamente na universalização dos direitos para todos e todas de acordo com
suas especificidades e na superação radical das desigualdades econômicas e culturais entre os diversos grupos
sociais, sem contudo, desconsiderar a diversidade que os caracterizam.
49
que não são homogêneos, nem pretendem ser. Pode-se dizer que o que se busca com a defesa
de uma formação específica para as populações do campo é justamente a construção de bases
para a igualdade e soberania popular.
Há então quem prefira tratar da Educação do Campo tirando o campo (e seus sujeitos
sociais concretos) da cena, possivelmente para poder tirar as contradições sociais (o
‘sangue’) que as constituem desde a origem. Por outro lado, há quem queira tirar da
Educação do Campo a dimensão da política pública porque tem medo que a relação
com o Estado contamine seus objetivos sociais emancipatórios primeiros. Há ainda
quem considere que o debate de projeto de desenvolvimento de campo já é Educação
do Campo. E há aqueles que ficariam bem mais tranquilos se a Educação do Campo
pudesse ser tratada como uma pedagogia, cujo debate originário vem apenas do
mundo da educação, sendo às vezes conceituada mesmo como uma proposta
pedagógica para as escolas do campo.
50
A escola tem sido objeto central das lutas e reflexões pedagógicas da educação do
campo pelo que representa no desafio de formação dos trabalhadores, como mediação
fundamental, hoje, na apropriação e produção do conhecimento que lhes é necessário,
mas também pelas relações sociais perversas que sua ausência no campo reflete e sua
conquista confronta.
A escola situada no campo foi, historicamente, tratada ora com descaso, onde
predominam carências estruturais de todos os tipos, ora como uma réplica de uma escola
baseada no modelo urbano, copiando seus conteúdos, métodos e estrutura e desconsiderando as
especificidades do contexto camponês. E quase sempre as duas formas se combinam na mesma
escola. Para ilustrar essa questão, trouxe na epígrafe deste capítulo, o exemplo de Belonísia,
personagem fictícia (mas não tão fictícia assim) na obra “Torto Arado” Vieira Junior (2018, p.
97). Esse trecho traduz com muita sensibilidade as questões e angústias de uma estudante
camponesa em uma escola que não trata dos seus referenciais, que ignora sua história e seu
modo de vida, e onde a menção à uma professora de “mãos finas e sem calos” ilustra o
estranhamento deste educador em relação aos sujeitos que vivem do trabalho no campo.
Para reagir a esse tratamento histórico, o movimento da educação do campo pauta
a necessidade da formação específica para a atuação dos profissionais da educação nas escolas
do campo, ou seja, uma formação de educadores na perspectiva da educação do campo,
conforme salientam Molina e Antunes-Rocha (2014, p. 226).
54
Isto quer dizer que para formar o educador do campo é necessário fornecer a ele
condições para apreensão de uma totalidade complexa que incide sobre as tensões existentes
no campo, e para que este possa tomar posição diante dela. O projeto neoliberal para o campo
tem sido o da extensão do agronegócio caracterizado pelo desmatamento para a monocultura
ou para os pastos de gado, perda da biodiversidade, uso de agrotóxicos que poluem solos, águas
e contaminam os trabalhadores e consumidores de tais produtos, experimentos transgênicos e
precariedade do trabalho.
Nesse sentido, uma das tarefas do educador do campo é conduzir a escola do campo
para reagir a esse projeto à medida que constrói e desenvolve a sua própria lógica de formação
referenciada no projeto dos trabalhadores camponeses. A luta por políticas públicas de
educação do campo e a conquista que tem se procurado fazer do ensino superior nas instituições
públicas pelo víeis da população camponesa tem um sentido, então, de instrumentalização de
outras lutas mais amplas, por trabalho e vida digna no campo e na cidade.
Por isso, quando o movimento da educação do campo reivindica políticas de
formação de educadores do campo, o processo de construção dessas políticas não pode ser
entendido através de visões lineares e quase sem contradições, onde cria-se uma agenda pública
com identificação de problemas para posteriores formulações de soluções e objetivos e assim
por diante. Concordamos com Boschetti (2009), quando esta diz que analisar as políticas sociais
por esse viés é arriscado, pois fornece uma visão etapista, simplista, supervaloriza a
funcionalidade das políticas sociais e desconsidera a complexidade inerente ao enfrentamento
de desigualdades.
Ao analisar políticas de formação de educadores do campo, devemos partir do
princípio de que não é obra do acaso ou da natureza a ausência histórica e insistente de escolas
de qualidade no campo. Essa realidade se relaciona ao processo de acumulação capitalista
brasileiro que depende da produção de commodities e da exploração de extensas áreas rurais
em detrimento das populações que vivem nesse espaço. Assim, as políticas de formação de
educadores do campo correspondem a um embate contra-hegemônico, pois tem-se a
55
compreensão de que essas políticas não interessam ao mercado. Assim, tais políticas podem ser
consideradas uma outra espécie de fruto semeado pelo trabalho no campo, e estão circunscritas
estrategicamente na luta de classes.
É assim que o movimento da educação do campo propõe que os educadores do
campo sejam formados para além de uma perspectiva tradicional, quebrando com uma tradição
de educação rural, onde uma professora de mãos finas e sem calos ensina uma história
desconexa das necessidades reais de quem vive do campo, e preconizando uma perspectiva
crítica que possa evidenciar os modelos de desenvolvimento do campo em disputa e da
necessária tomada de posição no contexto que atuam.
garantir que a UFMA pudesse assumir essa tarefa histórica que diz respeito ao fortalecimento
da educação do campo em um estado com uma expressiva população que reside no campo, mas
que apesar disso, não tem considerado esses sujeitos em suas políticas.
Por fim, ao compreendermos o processo de implementação da LEDOC/UFMA, na
última seção deste capítulo, iremos nos debruçar a respeito de seu Projeto Político-Pedagógico,
seus fundamentos teóricos, princípios formativos, bem como sua intencionalidade e
organização curricular e metodológica que busquem dar conta de seu propósito de educação
emancipadora.
Com isso, pretendemos fornecer elementos para a discussão que virá a seguir, sobre
os desafios e possibilidades de operacionalizar a LEDOC/UFMA, política de formação de
educadores do campo, que tem um sentido de contraposição radical tanto no que diz respeito
ao projeto hegemônico para o campo como para a educação.
Pode-se dizer, então, que o fato de a educação pública brasileira como um todo
ainda guardar até a atualidade características que a associam a precariedade e má qualidade,
tem relação com o fato de que, por muito tempo, o país foi sustentando exclusivamente pela
economia agrária e por trabalhadores camponeses, cujo trabalho, na concepção mercantil, não
pressupunha qualificação e escolarização. Afinal, os processos educacionais estão intimamente
relacionados aos processos sociais de produção e distribuição da riqueza (MÉSZÁROS, 2008).
Somente no século XX, com as políticas voltadas para a industrialização no país, a população
brasileira começa a se urbanizar. Censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) sinalizam que é somente na década de 70 que a população urbana irá superar
a população rural.
Mesmo assim, poucas ou nulas foram as políticas interessadas a prover a educação
dos povos do campo. É para responder ao processo de industrialização implementado no país,
que somente a partir da década de 30 um sistema público de ensino começa a ser desenhado
para dar conta de escolarizar e preparar esse contingente da população que foi se urbanizando
para um trabalho mais qualificado nas fábricas.
Nesse mesmo momento é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
Em que pese a importância desse movimento que articulou diversos educadores e intelectuais
em torno da defesa da educação pública e pela sua denúncia a respeito das desigualdades
educacionais profundas existentes no país, este também apresentava limites no que tange à
educação dos camponeses. Com uma influência liberal e escolanovista, defendia-se então um
“ruralismo pedagógico”, onde a escola deveria preparar os filhos dos trabalhadores rurais para
se manterem na terra adotando uma pedagogia diferenciada, identificada com a vida camponesa
(RIBEIRO, 2012). No entanto, esse ideário permaneceu distante de ser concretizado,
justamente por não partir da concretude da realidade do campo, configuradas pelas contradições
de classe, e a educação no meio rural permaneceu sendo alvo de políticas pontuais e dispersas.
Em 1942 podemos destacar as Leis Orgânicas da Educação onde a lógica dualista e elitista no
tratamento da educação se reproduz:
De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e normal seria ‘formar as
elites condutoras do país’ e o do ensino profissional seria oferecer ‘formação adequada
aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que
necessitam ingressar precocemente na força de trabalho’. (BRASIL, 2007, p. 11).
trabalhadores. E quando essas leis se voltam especificamente para o campo, o fazem pelo viés
da adaptação ao meio e para atender um interesse das elites e não dos povos do campo.
Na década de 60, a fim de atender aos interesses da elite brasileira, então
preocupada com o crescimento do número de favelados nas periferias dos grandes centros
urbanos, a educação rural foi adotada pelo Estado como estratégia de contenção do fluxo
migratório do campo para a cidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961,
em seu art. 105, estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e
entidades que mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer a adaptação do homem ao
meio e o estímulo de vocações profissionais”. (BRASIL, 2007, p. 11).
Nesse mesmo período, no entanto, já acontecia uma mobilização em torno da
educação popular, protagonizado por intelectuais ligados às universidades, às igrejas e a
movimentos políticos de orientação de esquerda. Esse movimento que acontecia em conjunto
com as bases da população trabalhadora, ocupava-se, especialmente, da alfabetização de jovens
e adultos camponeses, cuja oferta de educação caracterizada pela precariedade e
descontextualização de seus territórios, não permitiu o acesso ao letramento.
Seu propósito era fomentar a participação política das camadas populares, inclusive
as do campo, e criar alternativas pedagógicas identificadas com a cultura e com as
necessidades nacionais, em oposição à importação de ideias pedagógicas alheias à
realidade brasileira. (BRASIL, 2007, p. 11).
Pouco tempo depois, é instaurado o golpe militar, que contrariando essas iniciativas
conectadas a um objetivo de emancipação da população camponesa, lança o MOBRAL,3
sustentado por uma concepção tecnicista de educação, despolitizada e alinhada ao modelo de
produção capitalista e a modernização do campo. Posteriormente, outros projetos voltados a
educação dos camponeses são lançados como o EDURURAL4, o Projeto João de Barro 5e
3
O MOBRAL foi um programa lançado logo após a deflagração do golpe militar no Brasil. Instituído através
da Lei 5379/67, possuía como intencionalidade formal a diminuição dos índices de analfabetismo entre os
jovens e adultos brasileiros, concentrados especialmente nas regiões rurais, mas também foi criado como
resposta aos Movimentos de Educação de Base e dos Círculos de Cultura, de orientação de esquerda, e com
uma proposta de educação popular baseada no método de alfabetização freireano. Com um viés tecnicista,
métodos equivocados sem vinculação com a vida produtiva de seu público-alvo, e grande número de evasão,
o programa não foi capaz de atender ao objetivo de erradicar o analfabetismo ou mesmo de minorá-lo.
4
O EDURURAL também foi criado durante a ditadura militar, embora já em seus últimos suspiros. Foi criado
por meio do Decreto n.85287/80 e com financiamento através do Banco Mundial se propunha a capacitar
profissionalmente os professores e produção de material didático, mas não se dedicou à melhoria da estrutura
física das escolas atendidas. O EDURURAL esteve em vigor até 1987 e também não conseguiu sucesso com
relação à melhoria dos índices educacionais do campo nordestino.
5
O Projeto João de Barro foi um projeto elaborado pela Secretaria Estadual de Educação do Maranhão que entra
em vigor em 1967, como resposta ao fechamento das atividades educacionais do Movimento Eclesial de Base.
Tendo como foco a educação de adultos, seu objetivo era fornecer “educação de base” para o homem do campo:
alfabetização e noções de cálculo, e com isso inserir o camponês ao desenvolvimento socioeconômico
59
Escola Ativa6, todos eles marcados pela supressão das disputas que envolvem o campo, e
voltados para a adaptação do camponês aos processos de acumulação capitalista em seu
território.
A esse conjunto de ações ou de ausência de ações que caracterizam a oferta de
educação para as populações do campo denominamos educação rural. A educação rural atrela-
se ao projeto das elites econômicas para o campo, fala sobre ela e seus interesses, e por isso é
descontextualizada da cultura, trabalho e conflitos do campo. É também escassa de recursos
humanos e materiais pois, para educar camponeses que irão trabalhar com a terra não é
necessária muita sofisticação na formação e não demanda muito investimento. E por fim, seu
objetivo limita-se a adequação desse sujeito à realidade já configurada.
Em contrapartida a esse processo de negação e descontextualização da educação, é
no contexto da luta pela terra que é gestado o movimento da educação do campo, e o próprio
conceito de educação do campo. Afinal, o questionamento a respeito das cercas que separam
os latifúndios leva a necessidade de romper também as cercas do conhecimento. O monopólio
da terra vem acompanhado do monopólio do saber. Não é possível ampliar a democratização
da terra sem a democratização do conhecimento e vice-versa.
Foi sobre forte pressão das lutas camponesas, inclusive após os eventos drásticos
de Carajás no Pará e de Corumbiara em Rondônia, que o Censo Nacional dos Projetos de
Assentamento da Reforma Agrária foi encomendado pelo Ministério Extraordinário da Política
Fundiária ao Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB). Esse censo revelou
que havia nos assentamentos rurais índices elevados de analfabetismo enquanto os índices de
escolaridade eram muito baixos (SANTOS, 2012).
A realidade evidenciada por esses dados levou à articulação do I Encontro Nacional
dos Educadores da Reforma Agrária, organizado pelo então embrionário movimento da
educação do campo. Deste encontro resultou o PRONERA, o primeiro programa em âmbito
estatal a responder à questão da formação de educadores no campo. Inicialmente através da
oferta de cursos de nível médio na modalidade normal e avançando para os cursos de Pedagogia
da Terra, realizados em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), as instituições públicas de ensino superior e os movimentos sociais do campo. Estes
racionalizado. Dessa época herda-se uma arquitetura muito comum às escolas na zona rural maranhense:
barracões construídos de barro e cobertos com telhados de palha e chão batido
6
O Escola Ativa foi implementado no Brasil a partir de 1997 com financiamento pelo Banco Mundial.
Caracterizava-se por um conjunto de estratégias metodológicas que se ocuparam em tornar o ensino nas escolas
de zona rural mais identificado localmente, e com isso combater a repetência e a evasão escolar. Para isso,
foram disponibilizados formação continuada de professores e material didático específicos para o trabalho nas
escolas situadas no campo.
60
formação de educadores do campo busca superar essa dicotomia situando o trabalho como
princípio educativo, trazendo uma concepção de sociedade onde quem trabalha é também quem
deve dirigir o processo de produção.
Outro acontecimento importante para a política de formação de educadores do
campo, foi a realização da II Conferência Nacional de Educação do Campo (II CNEC) de 2004.
Nesse momento, instituiu-se um grupo de trabalho responsável por elaborar uma proposta de
formação de educadores do campo junto ao MEC e à Secretaria de Educação a Distância,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014), mais tarde
tornada SECADI – e atualmente dissolvida pela gestão federal em curso.
Um ponto de partida que sustenta as discussões sobre formação de educadores desse
grupo de trabalho é a percepção de que, para ampliar as escolas do campo e assegurar a esses
sujeitos o direito a todos os níveis da educação básica, era necessário ampliar também o escopo
dessa formação. Até então, as experiências de formação de educadores do campo estavam
concentradas na formação em Pedagogia, executados através do PRONERA. Entretanto,
segundo os documentos oficiais que regulam a oferta da educação no país, os cursos de
Pedagogia devem habilitar para a docência em educação infantil e séries iniciais do ensino
fundamental, e para a gestão do trabalho pedagógico. Sendo assim, permanecia a problemática
da formação de professores que dessem conta de assumir todo o processo de formação da
educação básica no campo (SANTOS, 2009).
Deve-se destacar que, nesse mesmo período havia já em andamento na Universidade
Federal de Minas Gerais, um curso de Licenciatura em Educação do Campo sendo executado pelo
PRONERA. Este curso foi pensado, justamente, com intenção de ampliar a formação de educadores
do campo a toda a educação básica (SANTOS, 2009), e essa experiência foi apontada nas
discussões do Grupo de Trabalho organizado na II CNEC. Então, como conjunto dessas
articulações e debates, é criado o PROCAMPO em 2006 no âmbito da SECAD-MEC.
A partir daí, O MEC irá convidar quatro universidades federais para assumirem a
tarefa de implementarem projetos-piloto da Licenciatura em Educação do Campo; a
Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal
do Sergipe e Universidade Federal de Brasília (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014). Os
62
A habilitação de docentes, por área de conhecimento, tem como um dos seus objetivos
ampliar as possibilidades de oferta da educação básica no campo, especialmente no
que diz respeito ao ensino médio, mas a intencionalidade maior é a de contribuir com
a construção de processos capazes de desenvolver mudanças na lógica de utilização e
de produção de conhecimento no campo, desenvolvendo processos formativos que
63
do mercado, e este é o caso da oferta da educação do campo, por isso é que essa política envolve
tantas tensões e conflitos mesmo após a sua institucionalização.
Após o desenvolvimento das experiências piloto somadas à pressão dos
movimentos sociais por uma política específica de formação de professores, além de dados
oficiais que demonstravam a urgente necessidade de se suprir esta carência, abre-se caminho
para que novos editais sejam lançados. Dados do Panorama Nacional da Educação do Campo
divulgados em 2007 refletiam a situação precária em relação à formação de professores em que
se encontravam as escolas do campo, apesar de muito já se ter avançado desde a atuação do
PRONERA. Segue abaixo a Tabela 1:
Esses dados serviram para fundamentar o debate sobre a urgência de que o Estado
brasileiro institucionalizasse as políticas de formação de educadores do campo. Desse modo,
alarga-se o PROCAMPO, que lança os Editais SECAD/MEC nº 2/2008, e o Edital
SECAD/MEC nº 9/2009, convocando as demais instituições públicas de ensino superior a
enviarem projetos de Licenciatura em Educação do Campo para a implementarem em seus
espaços. Esses editais regulamentavam a abertura de 60 vagas para estes cursos a um custo de
4.000 reais/ano por aluno (BRASIL, 2008, 2009). As orientações para a elaboração do projeto
das Licenciaturas nas Universidades estabeleciam que essas deveriam estar em consonância
com as características e necessidades concretas da população camponesa local e em conjunto
com as suas respectivas organizações sociais do campo e sistemas estaduais e municipais de
ensino. Orienta ainda para que se atente a critérios específicos de seleção com vistas a priorizar
professores já em exercício, porém, sem formação superior para atuação na educação básica; e
que estes cursos sejam organizados em alternância entre tempos/espaços educativos, e com um
currículo estruturado pelas áreas de conhecimento já preconizadas desde a Proposição Inicial
da Licenciatura em Educação do Campo, voltado para uma docência multidisciplinar.
ao PROCAMPO, também irá estimular a formação do operariado camponês para atuar nas
empresas de agronegócio através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao
Emprego (PRONATEC) Campo, também criado. Outras contradições também podem ser
percebidas com o PRONACAMPO, como por exemplo, o estabelecimento de metas para
formação de educadores do campo que exigiriam cursos ministrados à distância, uma ideia
questionada pelo movimento da educação do campo e rejeitada pelo Fórum Nacional de
Educação do Campo (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014).
Sabe-se que as lutas entre as classes e frações de classe, especialmente as
localizadas em espaços diametralmente opostos na divisão social do trabalho e nas relações de
produção são decisivas para a conformação do Estado e o formato das suas políticas
(POULANTZAS, 2015). Assim, nesse momento específico da educação do campo, onde o
agronegócio se consolida no campo e retoma seu status de poder na conjuntura econômica e
política brasileira, o PRONACAMPO acaba sendo uma política problemática para a concepção
originária de educação do campo, tomando facetas contraditórias entre si.
No entanto, pouco antes de institucionalização do PRONACAMPO, aproveitando
o movimento contraditório da sociedade e consequentemente, da formulação das políticas, o
movimento da educação do campo conquista a institucionalização da Licenciatura em Educação
do Campo com o lançamento do Edital Secretaria de Ensino Superior (SESU)/ Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (SETEC)/SECADI nº2/2012, que pouco depois fará parte
do escopo do PRONACAMPO.
A partir deste edital, a Licenciatura em Educação do Campo assume um caráter de
permanência nas Universidades, ou seja, deixa de ser um curso especial e toma a forma de curso
permanente nessas instituições, a ser incorporado por sua dinâmica de funcionamento, com
realização de concursos para técnicos e docentes para atuarem nestes cursos, e abertura
constante de vagas para que camponeses possam ingressar no ensino superior e atuar nas escolas
do campo com a devida formação (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014).
Vale ressaltar a importância dessa articulação, já que o PRONERA, apesar da atuação
na educação do campo, não está vinculado ao MEC, nem tem um caráter de permanência nas
instituições. Essa característica de impermanência, aliada ao pouco interesse do Estado em ofertar
educação aos camponeses, acaba caracterizando a execução dos seus cursos por uma forte
instabilidade e inúmeros conflitos e tensões com o poder público durante seu percurso.
Após a institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo foi possível
avançar para um número de 42 cursos ofertados no país aprovados através da Portaria nº
72/2012. Em pesquisa realizada na plataforma do e-MEC, foi possível constatar um total de 56
Cursos de Licenciaturas em Educação do Campo em todo o país nas mais variadas instituições
67
de ensino superior, inclusive estaduais, sendo que se contarmos com cursos que já foram
extintos ou que, segundo consta no e-MEC, ainda irão iniciar, esse quantitativo chega a 64.
Entre esses cursos, alguns foram institucionalizados a partir de 2012, alguns institucionalizados
posteriormente e outros cujo processo de institucionalização não ocorreu, como é o caso do
curso do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Maranhão. Com base nos dados
encontrados no e-MEC, elaboramos uma tabela que nos permite ver o alcance das LEDOCs por
todo o país que se encontra no Apêndice B. A seguir podemos verificar uma versão mais
resumida no Quadro 1:
(continua)
HABILITAÇÃO QUANTIDADE ESTADO IES
UFPA/IFPA/UNIR/UFPI
Pará/Rondônia/Piauí/DF/Goiás/ UNB/UFG/UFCAT/
Ciências da 24 Mato Grosso do Sul/ Rio UFGD/UFMS/
Natureza Grande do Sul/ Paraná FURG/UNIPAMPA/UFRGS/
UFFS
Ciências da IFPA/UFRR
Pará/Roraima/
Natureza e 8 UFMA/IFMA/UFRB/URCA
Maranhão/Bahia/Ceará/Paraná
Matemática UNIOESTE/UFTPR
Física e Biologia 1 Amapá UNIFAP
Matemática 1 Pará UNIFESSPA
Ciencias da Vida
1 Minas Gerais UFMG
e Natureza
Ciencias Agrárias Pará/Amapá/Maranhão/Bahia/ UFPA/UNIFAP/UFMA/IFMA/
9 Minas Gerais/Rio Grande do UFRB/IFSUL/FURG/ UFFS/
Sul/ Paraná UNIOESTE
Ciencias Agrárias
1 Pará UNIFESSPA
e da Natureza
Ciências Pará/Roraima/Piauí/Rio UFPA/UNIFESSPA/UFRR/
Humanas e 13 Grande do Norte/Paraíba/ UFPI/UFERSA/UFCG/UFES/UFF
Sociais Espírito Santo/Rio de Janeiro
Ciências Rondônia/Mato Grosso do Sul/
4 UNIR/UFGD/UFMS/ UFSM
Humanas Rio Grande do Sul
Ciencias Sociais e
1 Paraná UFFS
Humanas
68
(conclusão)
HABILITAÇÃO QUANTIDADE ESTADO IES
Ciencias Sociais e
2 Rio de Janeiro/ Minas Gerais UFRRJ/UFMG
Humanidades
Linguagens,
Códigos e suas
1 Pará UFPA
Tecnologias e
Matemática
Linguagens e
Códigos – Arte e 2 Tocantins UFT
Música
Letras e
1 Pará UNIFESSPA
Linguagens
Linguagens e
1 Minas Gerais UFVJM
Códigos
Linguagens 1 Espírito Santo UFES
Linguagens,
1 Minas Gerais UFMG
Artes e Literatura
Arte, Literatura e
1 DF UNB
Linguagens
Não informado 5 Pará IFPA
Total de
habiltações 78 Total de LEDOC’s ativas 56
ofertadas
Nota: Universidade Federal do Rio Grande, Campus Carreiros (FURG), Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Instituto Federal do Pará (IFPA), Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Sul-Riograndense (IFSUL), Universidade Federal de Catalão (UFCAT), Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA),
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Piauí (UFPI),
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal do Tocantins (UFT),
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UFTPR), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri (UFVJM), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP),
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Universidade Federal de Rondônia
(UNIR), Universidade Regional do Cariri (URCA)
Fonte: Elaborada pela pesquisadora com base em dados coletados no e-MEC, em 2022 (BRASIL, 2022).
69
Do total das funções docentes que atuam na educação infantil nas áreas rurais do
Maranhão, apenas 25,9% correspondem a professores com formação de nível
superior. No que se refere ao Ensino Fundamental, o percentual é de 38,9%, sendo
que 31,8% das funções são exercidas nos anos iniciais e 43% nos anos finais. Quando
se focaliza o Ensino Médio percebe-se que 85% das funções docentes localizadas na
zona rural correspondem à formação de nível superior, porém destaca-se que somente
17% das funções docentes estão alocadas em escolas na zona rural. Esse dado refere-
se a uma realidade que só muito recentemente vem mudando. Há bem pouco tempo,
a oferta de Ensino Médio na zona rural era quase inexistente, obrigando a população
jovem a interromper os estudos ou, em menor escala, migrar para as cidades.
Primeiro, por conta dessa falta de profissionais; e segundo, porque, sendo o estado do
Maranhão um estado com um percentual de população vivendo no campo, era crucial
que a gente tivesse um redirecionamento da concepção de produção de alimentos, por
isso também a formação em Ciências Agrárias, porque essas pessoas, que são
moradoras do Campo, uma vez que elas tenham acesso a esta formação tanto para
educação nessas áreas que são carentes, e nessas áreas que são ligadas à produção de
alimentos, então a chance delas saírem, por que não encontrariam o que fazer ali, era
reduzida. E, por outro lado, elas poderiam dar uma contribuição gigantesca para
mudança das condições lá na zona rural ou no campo, para a transformação do campo.
(PROF. RIBAMAR SÁ).
pesquisa e extensão, obras e reestruturações para ampliação dos prédios, adaptações que
pretendiam assegurar a acessibilidade de pessoas com deficiência, aberturas de novos campi e
inclusive de novos cursos. A conquista de uma Licenciatura em Educação do Campo, de certo
modo, também foi favorecida por esse momento.
Todo esse processo também vai culminando com uma mudança de paisagem nas
Universidades não somente física, mas especialmente, social e cultural. A Universidade torna-
se, paulatinamente, mais diversa, mais negra, mais popular. A Lei 12.711/2012 que instaura as
cotas de 50% para estudantes de escola pública e pessoas autodeclaradas pretas e pardas
também contribui significativamente com essas transformações (BRASIL, 2012a).
Diante de todo esse cenário, a UFMA, nesse mesmo momento, adotou o lema “A
Universidade que cresce com inovação e inclusão social”. Esse discurso de inclusão e inovação
soube ser aproveitado pela equipe articuladora da Licenciatura, que passa a iniciar um processo
de debates e negociações com os setores de administração da Universidade em vias de
implementar o curso. Segundo o Prof. Ribamar, “Isso implicava você tramitar o processo de
criação de um curso num ambiente em que as pessoas, simplesmente, não sabiam informações
e muitos não tinham interesse em ter essas informações em relação à educação do campo, ao
debate da educação do campo.” Essa fala do professor já demonstra as dificuldades da
instituição em compreender e se engajar na proposta de formação e institucionalização do curso,
ainda persistentes mesmo após 12 anos de sua criação e execução. E mais profundamente,
demonstra o lugar de esquecimento que a população concentrada nas cidades colocou em
relação a sua própria história em um estado e um país que tem como personagens de destaque
os sujeitos trabalhadores do campo.
No entanto, enfrentando essas tensões, a equipe articuladora começa o trabalho de
viabilização do curso na Universidade. Assim, foi desenhado o Projeto Político Pedagógico do
curso de Licenciatura em Educação do Campo – Ciências da Natureza e Matemática e Ciências
Agrárias, juntamente com o Comitê Estadual da Educação do Campo contando também com a
colaboração das instituições públicas de ensino superior parceiras, a saber, o IFMA e a UEMA,
na construção de sua matriz curricular e ementas dos componentes. Esse Projeto salvaguarda
as concepções de sociedade, educação e formação de professores do movimento da educação
do campo. Entraremos nessa discussão mais adiante, por ora nos interessa discutir os processos
e as práticas que foram conduzidas no intento de implementar a Licenciatura na UFMA.
Para isso também era necessário viabilizar um local para abrigar o curso de forma
que correspondesse a sua característica de organização por alternância; existência de
dormitórios, restaurante, espaços de convivência. Foi então que essa equipe articuladora pensou
75
no campus de Bacabal, “até então o Campus de Bacabal não existia nos planos da administração
superior, que inclusive nem sabia que existia, embora tivesse três funcionários lá no campus”
(PROF. RIBAMAR). Pois bem, a partir daí, convidou-se a administração superior para uma
visita ao prédio em Bacabal, que entusiasmada com a possibilidade de expandir a Universidade,
estabeleceu o compromisso de reforma do prédio para comportar a Educação do Campo.
Após todo esse período embrionário de negociações e tramitações no interior da
Universidade, o curso foi criado a partir da Resolução nº 111/2009, primeiramente como um
projeto especial e assegurando as prerrogativas de formação de educadores do campo já
arquitetado pela proposição geral das Licenciaturas, como as características do funcionamento,
condições de ingresso, perfil de formação e do profissional. Essa Resolução, em seu art.1º,
resolve:
Criado o curso, era necessário então criar as condições materiais de sua execução,
o que quer dizer, mobilizar recursos e os trâmites técnicos e operacionais para a sua organização
na Universidade, o que quer dizer também mobilizar pessoas. Para isso, é necessário apresentar
a elas o projeto, justificar sua relevância social e institucional, explicar os detalhes e as suas
especificidades como a razão do seu custeio ser diferente do de uma licenciatura tradicional, os
motivos da necessidade de garantia de alojamento e da alimentação, etc.
Então, nós tivemos que fazer um trabalho de visitar cada setor que tivesse... por onde
o processo precisasse passar para dialogar com essas pessoas, mostrar para elas qual
era a importância, e nisso, algumas coisas foram muito agradáveis, pessoas que,
naquele momento, elas resgatavam a sua vinculação com o campo, da sua origem
rural, e que aquilo que elas percebiam lá no campo, a precariedade da oferta da
educação, da escola e as dificuldades da vida das pessoas, elas viram, naquele
momento, uma possibilidade de você mudar algo naquele quadro. E algumas pessoas
se empenharam muito assim, pessoalmente, para que essas coisas acontecessem. [...]
era como se ela tomasse aquele projeto para ela [...]. (PROF. RIBAMAR).
Nós tratávamos o recurso, não recurso dinheiro porque nós não tínhamos nem acesso,
mas todos os recursos que nos eram disponibilizados, nós tratávamos com todo o
cuidado no sentido de não desperdiçar, e as pessoas percebiam isso, percebiam todo
esse zelo que a gente tinha, então elas se sentiam confiantes em ajudar porque sentiam
que valia a pena. (PROF. RIBAMAR).
Assim, foi-se buscando a adesão das pessoas ao projeto que começava a ser
construído na UFMA relacionado não só a educação das populações camponesas, mas
sobretudo, a um projeto de Universidade mais popular fincada nas lutas sociais, que tenha com
a coisa pública não uma relação de tratá-la como objeto abstrato e externo as relações humanas
(mentalidade essa que muito serve a classe dominante para afastar o que é de domínio público
da população e poder dele apropriar-se), mas em uma relação de pertencimento, de produção e
usufruto, coletivo.
78
E foi assim que a Licenciatura em Educação do Campo iniciou sua primeira turma
em outubro de 2009, após realização de processo seletivo por meio do Edital nº 127/2009 da
Pró-Reitoria de Ensino (PROEN)/UFMA. Draibe (2001) orienta que a análise de
implementação de políticas e programas deve considerar identificar fatores facilitadores e os
fatores que obstaculizam o seu processo. E, nesse período inicial de articulação do curso,
podemos identificar alguns fatores facilitadores, que contribuíram para viabilização da
LEDOC, mesmo diante dos desafios encontrados, desafios esses que como já citamos, estão
relacionados desde a morosidade nos processos licitatórios ou a elementos surpresa como a não
conclusão da obra do prédio do curso que impôs a procura por um lugar provisório, ainda que
não existisse orçamento planejado para isto.
Aqui iremos identificar alguns fatores que consideramos facilitadores na condução
e no funcionamento inicial da LEDOC:
a) o contexto nacional das políticas de ensino superior acabou operando como
facilitador, pois vivia-se um momento de apogeu das iniciativas de expansão
universitária tanto localmente, quanto nacionalmente. Este fator contribuiu para
a criação de projetos de interiorização e de diversos novos cursos na estrutura
universitária e os movimentos sociais do campo souberam aproveitá-lo para
expandir sua demanda por formação de educadores;
b) o fato de ser ainda um projeto especial sem garantia de continuidade e
permanência e, com isso não demandar grandes impactos na estruturação e no
sistema da instituição. Nesse momento, ainda não havia docentes efetivos
exclusivos para o trabalho na LEDOC, portanto, não havia necessidade de
disputas entre os órgãos da administração central e da LEDOC pelo controle
dessas vagas, além de que possíveis problemas poderiam ser solucionáveis sem
que mudanças estruturais sejam físicas ou administrativas mais radicais
precisassem ocorrer;
c) a autoridade do coordenador do processo de implementação e a sua capacidade
de mobilização dos setores estratégicos para que ela acontecesse. O Prof.
Ribamar é docente experiente da universidade, já tendo participado de diversos
projetos e programas de pesquisas na graduação e pós-graduação que lhe
permitiu construir relações de confiança e credibilidade nos diferentes setores;
d) a ação dos parceiros da implementação como a UEMA e o IFMA, responsáveis
pela organização do Projeto, estes ainda articulados por meio do Comitê
Estadual da Educação do Campo. No Maranhão, nesse momento, ainda se
79
[...] era a primeira vez que se fazia formação de professores em nível de licenciatura,
ou seja, na educação superior, voltada especificamente para educação do campo.
Então, nem as instituições de ensino sabiam fazer, nem os movimentos sabiam fazer,
porque era a primeira vez que se fazia isso na história. (PROF. RIBAMAR).
De todo modo, mesmo que como apoio, era possível perceber consubstancialmente
a presença dos movimentos sociais do campo nas atividades da Licenciatura em Educação do
Campo durante sua execução enquanto projeto especial. Eles trabalhavam na secretaria do
curso, participavam de sua organicidade e estavam presentes, especialmente, por meio do
alunado do curso, composto, em sua maioria, de trabalhadores do campo organizados em
movimentos sociais.
Assim sendo, reflete-se que os movimentos sociais do campo são atores estratégicos
(DRAIBE, 2001), ou em outras palavras, peças fundamentais para que o curso seja
implementado e operacionalizado de acordo com a concepção originária de educação do campo
presente na política de formação de educadores do campo, aquela que nasceu de suas lutas, e
que está orientada por uma perspectiva de democratização da educação enquanto direito
humano e instrumento de mudanças sociais radicais. E talvez tenha sido justamente este ator
estratégico que pode ter sido esquecido ou secundarizado quando se institucionalizou a
Licenciatura em Educação do Campo na UFMA, ou toda uma complexidade de aspectos
internos e externos ao processo de implementação do curso na instituição, não permitiu
identificar que os mecanismos de controle desta política pelos movimentos sociais do campo
estavam sendo destituídos.
Autoras como Caldart (2010) e Molina (2010) já alertavam sobre os potenciais
riscos de redução ou eliminação dos movimentos sociais que a institucionalização das políticas
públicas de educação do campo indicavam, e sobre a inexorabilidade de manter acesa as
80
disputas na esfera pública que garantissem a centralidade dos movimentos sociais do campo
nos processos de implementação e execução dessas políticas. Discutiremos as características da
participação dos movimentos sociais durante a prática da Licenciatura no capítulo seguinte,
legada do momento de implementação, onde esses sujeitos não estiveram diretamente
envolvidos nesse campo de disputas.
Com o êxito que esses projetos especiais da LEDOC tiveram na formação de
educadores do campo no Brasil, o MEC resolve lançar o Edital nº 2/2012 –
SESU/SETEC/SECAD/MEC, convocando as Universidades e institutos federais para
encaminharem projetos visando a institucionalização dos cursos já em andamento, além da
criação de novos cursos em mais IES, inclusive nos institutos federais de ensino superior
(BRASIL, 2012b). Logo em seguida, é instituído o PRONACAMPO através da Portaria
nº86/2013 com o intuito de apoiar as ações do PROCAMPO na implementação dos cursos
regulares. Os critérios para a elaboração dos Projetos do curso colocados nesse Edital são;
Enquanto um projeto especial, esse curso, ele fazia parte da estrutura da Universidade,
entretanto poderia se parar a qualquer momento, e como um curso institucionalizado,
quer dizer, de uma oferta regular, aí já seria mais complicado de você acabar com ele.
(PROF. RIBAMAR).
10.1 - Cada IFES que tiver um PPP selecionado terá autorização para contratar: 10.1.1
- Até 15 professores para cada curso de Licenciatura em Educação do Campo, no
âmbito das Universidades;
10.1.2 - Para as Universidades que já ofertam curso de Licenciatura em Educação do
Campo poderão ampliar o número de professores até 15, mediante oferta dobrada de
vagas;
10.1.3 - Até 3 técnicos administrativos para cada curso de Licenciatura em Educação
do Campo, no âmbito das Universidades;
10.2 - Cada Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia que tiver um PPP
selecionado poderá ter autorização para contratar novos docentes, condicionada à
avaliação da SETEC e ao cumprimento do Termo de Acordo de Metas Institucionais;
10.3 - Cada IFES que tiver um PPP selecionado receberá, como incentivo, em uma
única parcela, no ano de implantação, recursos de:
10.3.1 - Custeio, na ordem de R$ 4.000,00 por estudante. (BRASIL, 2012b, p. 5).
E mais, essa equipe articuladora inicial viu-se sem forças para alinhar a equipe
docente que permitiriam a formação de matrizes cooperativas dentro do próprio curso
garantindo a existência de grupos de coalização, que fizessem os enfrentamentos necessários
na estrutura universitária, a fim de conduzir a operacionalização do curso segundo preconiza o
seu Projeto Político-Pedagógico. Projeto este que tem sido o documento mais relevante nas
disputas que tem se sucedido internamente para manter a unidade do curso e seu vínculo
originário aos princípios da Educação do Campo.
Diante do que foi exposto, aferimos que muitos foram os desafios vivenciados no
sentido de implementar a institucionalização da LEDOC/UFMA que já apontavam para os
posteriores desafios vivenciados em sua execução. A Universidade também é um espaço
público em disputa, e nela convivem sujeitos com diferentes concepções a respeito de ser
humano, sociedade, campo e educação. No entanto, é nesse contexto que a Licenciatura deve
se movimentar no sentido de demarcar seu espaço e provocar estruturas enraizadas,
aproveitando as fissuras e as contradições, e direcionando esse espaço para uma nova forma de
conceber e fazer a Universidade, na sua produção científica, epistemológica, cultural, e
especialmente, política.
Então, a educação do campo é aqui compreendida ao mesmo tempo como fruto das
mobilizações socais vivenciadas no campo, como também um conceito em disputa, ou seja, sua
forma e conteúdo dependem da relação de forças que se estabelecem na sociedade de classes.
Nessa perspectiva, a educação do campo não pode ser enquadrada como mais uma
modalidade de ensino esvaziada das lutas sociais que a geraram, não se trata de uma nova
metodologia. Sua concepção depende da ação e reflexão dos sujeitos que a constroem –
86
O que podemos perceber como elo entre esses princípios é o trabalho socialmente
necessário como eixo educativo, onde se busca superar a dicotomia entre trabalho manual e
trabalho intelectual que está na estrutura da sociedade de classes, e entre conhecimento técnico
e conhecimento teórico dando enfoque para a práxis, isto é, o trabalho retroalimentado pela
reflexão teórico-crítica.
A ênfase nessa formação busca superar a atomização da sociedade, a mentalidade
individualista e meritocrática que foi se enraizando pela inculcação ideológica da escola e do
mundo do trabalho capitalistas. Esse efeito de individualização do ser humano intensificado
pelo neoliberalismo tem incidido sobre a saúde mental, e consequentemente, física da atual
população (pois estes não estão separados), onde a solidão, a falta de pertencimento, descrença
em si e nos outros e a indiferença tem se constituído em sintomas do nosso tempo. Na formação
almejada pela Educação do Campo, defende-se uma outra ideologia onde o sujeito individual é
transposto pelo sujeito coletivo. O que se quer pode ser sintetizado pelo que diz Marx, segundo
Krupskaya (2017, p. 198): “O indivíduo fragmentado, mero portador de uma função social
parcial, deve ser substituído por um indivíduo desenvolvido integralmente (multilateral), para
quem as várias funções sociais são forma de aplicação de sua atividade que se alternam”.
Assim, o que o PPP da LEDOC contempla para a formação de educadores do campo
é a de que este profissional não se limite a práticas de educação bancárias, ou que domine
somente este ou aquele aspecto da escola sem fazer a necessária interconexão entre eles, e deles
com o mundo do trabalho e a dinâmica social. Esta formação fragmentada não interessa à
educação do campo, porque ela perpetua o atual estado de coisas que dita o desaparecimento
da sociabilidade camponesa. “Dos egressos da Educação do Campo espera-se a ação
humanizadora do Homem, em busca de padrões civilizatórios mais evoluídos e equilibrados na
relação dos seres humanos entre si e deles com as demais formas de vida do planeta Terra”
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 2014a, p. 26). O PPP traz como objetivo
geral:
A organização do estudo por alternância é uma proposta que favorece esse enfoque
dialético da realidade, e vai ao encontro dos princípios elencados no PPP para a formação dos
seus discentes. Conforme Caldart et al. (2013), a alternância foi desenhada para responder à
uma questão objetiva que é a de poder incluir estudantes de diversas comunidades no processo
formativo sem, contudo, precisar tirá-los dos seus espaços de vida e organização coletiva. No
entanto, esse é também um aspecto da riqueza de um curso por alternância: a possibilidade de
interrelações entre diferentes comunidades, com problemas, às vezes, distintos, mas que estão
entrelaçados por uma mesma lógica de produção.
A relação entre Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC) é uma forma de
afirmar a escola como espelho de formação conectado com a comunidade e com a
organização coletiva e a luta social, seja na relação com a base acampada e assentada,
seja pela participação nas lutas nacionais e internacionais dos trabalhadores. É essa
materialidade que nos permite/exige ir além da escolarização e da formação técnica.
(CALDART et al., 2013, p. 138).
89
Propor um currículo para a escola do campo exige que se pense a vida do campo no
contexto da atual fase do capitalismo (globalização econômica, neoliberalismo,
mercado, comunicação, novas tecnologias, reestruturação produtiva, agronegócio,
etc.) em curso nesse país, que tem implicado em um desenvolvimento desigual e
excludente em diversos âmbitos (saúde, educação, moradia, relações de trabalho,
organização da produção, eletrificação, saneamento, transportes, estradas), ou seja,
vivenciam-se ao mesmo tempo, no campo, relações arcaicas e modernas [...].
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 2014a, p. 28).
A luta social, então, segue como uma característica fundante do curso em seu
Projeto. Nesse sentido, a LEDOC não é mais uma política compensatória, do ponto de vista
neoliberal, onde a pobreza deve ser amenizada, mas não cessada. É um curso que se apresenta
na contra-hegemonia do que está posto para as políticas públicas e para a formação de
professores.
Afinal, hegemonicamente, as políticas no Estado capitalista, preferencialmente,
devem ser conformadas para promover o acúmulo de capitais, isso faz com que as políticas de
educação estejam perpassadas pelo deslocamento da educação enquanto direito para colocá-la
apenas como um serviço que pode ser ofertado por diferentes competidores no mercado aos
diferentes consumidores, de acordo com suas vontades e possibilidades, (mais possibilidades
que vontades, pode-se dizer). Nessa mesma lógica, a formação de professores passa a ser
baseada em uma epistemologia da prática, como se os problemas da escola fossem passíveis de
serem solucionados em uma perspectiva atomizada, sem fazer as cruciais relações com o plano
social, preconizados pela formação na LEDOC. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
90
para possibilitar construir uma escola e uma sociedade que ainda não existem, e que só podem
ser plenamente possíveis com a superação das classes. O curso, em seu projeto, possui uma
intencionalidade bem explicitada de transformação e democratização da sociedade a partir da
perspectiva dos interesses humanos e não do capital.
O que iremos realizar neste trabalho, a seguir, consiste na avaliação da
implementação dessa política de formação de educadores do campo na UFMA, analisando seus
desafios, assim como as possibilidades presentes na execução dessa sua proposta formativa em
uma instituição localizada em um ponto estratégico tanto para o Estado capitalista quanto para
as lutas sociais dos trabalhadores. Analisaremos a execução da Licenciatura em Educação do
Campo em uma universidade, especificamente, na Universidade Federal do Maranhão que,
respeitando a autonomia universitária outorgada pela Constituição de 88, possui suas
características próprias de funcionamento e gerência administrativa que, consequentemente,
incidem sobre as características da LEDOC nessa instituição.
93
Dito isso, deve-se esclarecer que, de certo modo, o que objetivamos realizar neste
trabalho é uma avaliação de uma experiência específica da política de formação de educadores
do campo, que é a Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Maranhão,
como esta tem sido implementada e operacionalizada para dar conta dos princípios da educação
do campo no âmbito da formação de educadores. Isto significa investigar as características
organizacionais e operacionais dessa instituição e como se relacionam com a especificidade da
Licenciatura e apreender as características dos sujeitos que fazem parte do curso, com um
recorte para a equipe docente, suas concepções sobre educação do campo que, por sua vez,
expressam suas concepções de campo, mundo e sociedade. E com isso, verificar os desafios
que se colocam à sua concretização de acordo com o que está preconizado em seu Projeto
Político Pedagógico, bem como as suas possibilidades em consolidar o direito das populações
camponesas a uma educação que seja cultural e politicamente com elas identificada. Isto
considerando o caráter contraditório de uma política pública contra-hegemônica, forjada na
estrutura do Estado capitalista.
95
Esta abordagem tem por finalidade efectuar deduções lógicas e justificadas, referentes
à origem das mensagens tomadas em consideração (o emissor e o seu contexto, ou,
eventualmente, os efeitos dessas mensagens). O analista possui à sua disposição (ou
cria) todo um jogo de operações analíticas, mais ou menos adaptadas à natureza do
material e à questão que procura resolver.
Foi a partir dessa análise que no decorrer desta pesquisa, especialmente por meio
das entrevistas com os docentes, foram identificados dois principais aspectos ou dois eixos de
análise que dizem respeito, tanto a desafios colocados à Licenciatura em sua prática na
formação de educadores do campo de acordo com seus princípios formativos elencados em seu
PPP originário, como também estão permeadas de possibilidades, a depender das estratégias e
núcleos de coalizão (DRAIBE, 2001) que possam ser investidos sobre eles. A seguir, iremos
discorrer sobre cada um desses aspectos: a implementação da LEDOC na estrutura
administrativa da UFMA e o perfil do seu corpo docente.
Vale lembrar que nossas análises, assentadas na proposta metodológica do
materialismo histórico-dialético, entende que a LEDOC não se encontra isolada de uma
7
A identificação da equipe implementadora do curso nos pareceu necessária neste trabalho, tanto como forma
de registro da história da Educação do Campo no Maranhão, como também como forma de reconhecimento
dos sujeitos que têm feito parte deste percurso, protagonizando momentos importantes e decisivos na conquista
e construção da política de formação de educadores do campo no estado. Para tanto, solicitou-se autorização
dos entrevistados que concordaram em ter seus nomes divulgados (APÊNDICE C).
96
totalidade que compreende as políticas públicas acionadas por um Estado capitalista, e que,
portanto, carregará as contradições presentes nessa sociedade de classes onde se insere.
Assim, a primeira seção se debruçará sobre a implementação da LEDOC na
estrutura administrativa da UFMA, relatando as relações que permeiam a condução e gestão do
curso nessa instituição, assim como analisaremos os desafios e as perspectivas intrincadas nas
relações da Universidade com os movimentos sociais do campo através do alunado do curso, já
que toda a pedagogia defendida pelo movimento da educação do campo, ao contrário do
tradicionalismo ou tecnicismo pedagógico, preconiza pela autogestão e inserção dos estudantes
na vida social, inclusive na condução de seu processo de formação, e isso também está expresso
nos princípios formativos do PPP que orienta as ações do curso. Faremos ainda uma descrição
dos condicionantes físicos, técnicos e operacionais disponibilizados pela UFMA, a partir dos
relatos dos entrevistados, buscando-se avaliar se estes atendem à viabilização do curso de
acordo com os princípios formativos elencados no PPP.
A segunda seção se ocupará da análise a respeito da equipe docente do curso, suas
concepções e práticas expostas nas entrevistas, nos programas das disciplinas e dos projetos em
vigor no curso, a saber, a Residência Pedagógica, Programa de Educação Tutorial e Programa
de Iniciação à Docência. Também faremos uma análise das relações entre essas concepções e
práticas com os princípios formativos da educação do campo.
guias de tempos em tempos, como a justificar, em atos e decisões, seu próprio direito
à existência.
A universidade, é portanto, uma obra em andamento, mostra em seu fazer-se. Assim,
sua autonomia está associada à condição de projeto flexível, de obra aberta, mas
também de maioridade, de responsabilidade por seus atos que devem resultar de
exercício deliberativo próprio e da renovação de seus laços com a sociedade.
país, ainda mais se observarmos sua história recente onde a adesão às políticas de cunho
privatistas tem ocorrido progressivamente e quase sem participação da comunidade acadêmica.
Para ilustrar, podemos citar tanto sua adesão ao REUNI quanto a intervenção da EBSERH, bem
como seguidos anos de uma mesma gestão centralizadora e autoritária com poucos períodos de
ruptura desde 2007. Este é o contexto imediato onde se institucionaliza a LEDOC aqui em
discussão e cujo processo de implementação iremos analisar a seguir.
É importante dizer que o pleito para a institucionalização foi feito dessa forma,
pensando o curso em duas habilitações. Quando se inicia essa discussão no âmbito
interno da universidade, o que que a gente recebeu? É que teria que ser dois cursos
distintos, ou seja, nós não teríamos mais a Licenciatura com duas habilitações, então
elas seriam cursos separados porque o MEC estava desestimulando a formação em
habilitação nas universidades. Então, essa foi a justificativa que a gente recebeu da
PROEN e aí se você entrar no e-MEC, você vai ter lá dois códigos, um pra cada área,
o que materializa de fato dois cursos distintos. Agora são dois cursos distintos, mas
veja bem, se você vê o Projeto pedagógico, o núcleo básico… o que vai diferenciar é
99
o núcleo específico até porque a gente não pôde resistir a essa transformação do curso
em dois cursos, mas, no entanto, a gente tentou manter aquilo que era unificado e
estava condizente com o Projeto das Licenciaturas. Então, são dois cursos separados.
O que é curioso! Se você for olhar todas as Licenciaturas do Brasil em que [...] aliás,
nas universidades onde tem Licenciatura e que tem mais de uma Licenciatura, você
vai ver que elas estão como habilitação e foram, eu diria que, institucionalizadas no
mesmo período da nossa, e a nossa pergunta é: por que que só a Licenciatura da
UFMA se transformou em dois cursos? Então, essa é uma resposta que a gente não
tem, e aí [...], o processo já estava muito atrasado da institucionalização porque era
pra gente ter implantado a primeira turma em 2013, e a segunda em 2014. [...] A
primeira e a segunda turma foram implantadas juntas, devido todo o atraso, em 2015.
Então, nós não tivemos muita força pra continuar essa discussão internamente, então
acabou ficando dois cursos.
Assim, já nas negociações iniciais que viriam decidir sobre os rumos do curso,
houve essa separação, que acabou afastando a Licenciatura da sua proposição inicial, onde a
centralidade está na Educação do Campo, isto é, na compreensão dos processos políticos,
históricos e sociais mais abrangentes que se relacionam com a oferta da educação nesse
território, e na apreensão de conhecimentos teórico-metodológicos que contribuam para a
transformação das escolas e das comunidades camponesas. Para Caldart (2011, p. 129):
da EAC com a administração central foi colocada a impossibilidade de o concurso ser realizado
dessa maneira. Sobre esse momento, o Prof. Ribamar diz:
Essa justificativa dada pela PROEN relatada pelo professor para a não realização
do concurso com as 14 vagas parece nos demonstrar um certo entendimento que boa parte da
sociedade guarda sobre o trabalho docente: a de que ele só acontece no momento da aula.
Porém, o tempo para planejamentos e atividades de formação são fundamentais para esse
“momento da aula”, e também são constitutivos do trabalho docente.
Dado todo esse processo de negociações, o primeiro concurso foi aberto pelo Edital
nº28/2014 com 7 vagas destinadas para professores. No entanto, também houve demora para
convocação desses professores, segundo relata a EAC. Além disso, um outro fator atravessa a
constituição da equipe do curso: a grande rotatividade de docentes e técnicos. Nem todos os
aprovados no concurso realizado chegaram a assumir suas atividades no curso, e muitos dos
que assumiram não permaneceram na equipe de modo que dos 7 professores que tomaram posse
nesse concurso, apenas 3 permanecem no quadro de docentes. Com isso, foi necessário a
substituição de 4 professores. Deve-se lembrar que a LEDOC demandava uma equipe docente
com 14 professores e desse total, como dissemos, foi realizado concurso para sete (7), e apenas
três (3) se mantiveram estabilizados na equipe, sendo que a segunda metade só foi admitida
após a realização de outro concurso ao final de 2014, através do Edital nº299/2014. Isto já
evidencia as dificuldades para a composição de uma equipe docente coesa e alinhada com o
projeto da educação do campo no Maranhão, além das dificuldades iniciais para a condução das
atividades de ensino no curso. Segundo a fala da Prof. Diana isto é um desafio:
Tem a rotatividade dos professores. O núcleo básico hoje do curso é um núcleo que
de 2015 a 2018, por exemplo, nós tivemos a rotatividade, acho, que de uma média de
4 professores que saíram, e aí isso é complicado porque, no momento que esse
professor sai fica aquele vácuo que não pode ser ocupado ainda porque outro professor
vai entrando. E isso vai demandando atrasos na oferta de disciplinas. Além disso, é
aquela ideia de você sempre tá começando, porque o professor que chega vai ter que
tomar conhecimento, enfim.
101
Se a gente for ver, o curso da Licenciatura, ele teve, tem uma rotatividade muito
grande de técnicos administrativos. Essa rotatividade tem várias razões, mas de certa
forma, ela traz impactos muito grandes para o curso, porque no momento em que um
técnico sai parece que todo tempo você tá reiniciando o trabalho e falar da rotina,
explicar... e na maioria das vezes a pessoa que assume essa função, ela não está de
acordo com o funcionamento do curso porque a seleção desses técnicos não foi feita
especificamente para a Licenciatura, colocando lá as suas especificidades de
funcionamento. Então, na maioria das vezes, quando o técnico chega se surpreende
com o funcionamento do curso da maneira que é. (PROFA. DIANA).
Além da rotatividade, a Profa. Diana, nessa fala, traz outro elemento que nos ajuda
a entender possíveis razões para essa instabilidade recorrente. A seleção dos mesmos não foi
feita especificamente para a Licenciatura, um curso que traz características de funcionamento
que não são as mesmas que esses profissionais esperavam encontrar. Assim, este fator pode
incidir na adesão que esses profissionais poderão ter ou não ao projeto de formação da
Licenciatura, organizado por alternância. De todo modo, a situação de instabilidade da equipe
do curso, mesmo após a realização de concursos, perpassa a implementação da LEDOC na
UFMA.
Além da realização de concursos para a composição dos quadros da LEDOC, a sua
inserção no conjunto dos cursos regulares de uma universidade, demanda que ele também seja
integralizado no sistema acadêmico, que já na época, era todo virtual. Assim, o espaço onde
tem se gerenciado o calendário, disciplinas, matrículas, e demais informações relativas à vida
acadêmica é o Sistema Integrado de Atividades Acadêmicas (SIGAA). No entanto, esse sistema
não reconhece a especificidade do curso em sua organização por alternância e isso exige que
muitas adaptações precisem ser feitas para que a especificidade da LEDOC seja, de alguma
forma, incluída nesse sistema, o que não ocorre, gerando problemas para a operacionalidade da
gestão administrativa, conforme se pode observar no depoimento a seguir.
outro desafio é que nós iniciamos o curso e não conseguimos que aquilo que tá no
Projeto seria aquilo que a gente iria visualizar no sistema acadêmico, [...]. Em alguns
momentos foi dito que a gente não cabia no sistema, e daí a gente meio que foi
tentando fazer um arranjo, então não é que esteja ligado a uma ilegalidade, não é que
isso seja uma ilegalidade, mas é porque não reflete a organização do trabalho
acadêmico que temos (grifo nosso). (PROFA. DIANA, grifo nosso).
Assim, uma vez que a forma de organização acadêmica do curso não está
comportada na plataforma dos cursos regulares da UFMA, a LEDOC tem sido mantida na que
corresponde aos cursos não institucionalizados, a qual já fazia parte quando ainda era ofertado
102
como projeto especial. E isto também é uma consequência dos atrasos na realização dos
concursos e convocação da equipe. Sobre isso, essa mesma professora que compôs a EAC,
expõe:
[...] nós tivemos atraso na saída do edital pra contratação de professores. Depois que
fizemos concurso, tivemos atraso pra chamar esses professores, e tivemos atraso pra
sair o edital do vestibular, então foi um conjunto de atrasos e a gente tinha que iniciar
em janeiro de 2015. O que acontece? Ao iniciar em janeiro de 2015, nós não tínhamos
o calendário… esse calendário não estava compatível com aquilo que a universidade
vinha trabalhando. Moral da história: tivemos que permanecer na plataforma [...] na
aba onde estavam os projetos [Programa Especial de Formação de Professores para
Educação Básica] (PROEB), [Plano Nacional de Formação dos Professores da
Educação Básica] (PROFEBPAR). Por quê? Porque nessa aba é possível a
flexibilização do calendário acadêmico. Nós ainda estamos até hoje nessa aba. Qual
que é o problema? É que os demais cursos regulares da universidade, eles estão numa
outra aba, somente a Licenciatura em Educação do Campo está nessa aba, e qual é o
problema? O NTI, hoje STI, não faz muito, não liga, não há uma manutenção desse
sistema, porque daí nós corremos riscos [...]. A gente já encontrou algumas pessoas
que foram bastante atenciosas conosco lá e nos ajudaram a resolver alguns problemas,
mas o que a gente percebe é que também como o curso é diferente, então, parece
assim que a gente é um extraterrestre dentro da universidade. E outra, é um
problema por quê? Porque somos diferentes do ponto de vista do trabalho pedagógico
das demais áreas, então esse é um desafio que tá posto. (PROFA. DIANA, grifo
nosso).
Sobre essa plataforma onde o curso está comportado ser bastante instável, alguns
professores relataram que, por essa razão, já aconteceram muitos atropelos no registro de aulas,
avaliações e frequência dos estudantes.
com essa divergência tão grande de sistema, quantas vezes a gente lançava as notas,
lança tudo no sistema, salva e a amanhã já não estava disponível os dados nem para
os estudantes, nem para nós. E aí [...] pelo amor de Deus, que que aconteceu? Aí eles
encontravam lá perdido não sei aonde dentro do próprio sistema esses arquivos. [...]
Tanto é que a orientação dos coordenadores era: gente, lançou nota, dá print, imprime,
para que você não perca, sabe? É o mesmo SIGAA, mas essas divergências, sabe,
esses puxadinhos que tinham que ser criados por conta dessa característica ou dessa
circunstância que a gente vivia desse contexto fazia dá muitos erros no próprio
sistema. (PROF. RAUL).
forma e conteúdo, procure romper com os tradicionalismos assepsiados das lutas populares, e
construir as bases de uma nova sociedade mais inclusiva, democrática e igualitária.
O padrão de universidade existente é a daquela que se configura junto aos espaços
urbanos para acompanhar e dar suporte ao acúmulo de capitais, para formar trabalhadores
especializados ou a classe dirigente, sendo, portanto reservada para as elites, para uma classe
que não precisa trabalhar e estudar, nem mesmo amamentar, por isso não foi construída
considerando creches e fraldários, auxílio permanência, residência universitária, e muito menos
construída pensando na alternância de tempos e espaços formativos. sendo arquitetônica e
estruturalmente pensada para homens brancos. Por isso, o seu currículo também é organizado
de forma hermética e elitista; e os professores, muitas vezes, possuem um trabalho docente
restrito à tarefa de ensino, ou de pesquisa e extensão, porém sem inserção nas lutas populares e
de classe. A forma e o conteúdo da universidade existente, sua arquitetura e estrutura, foram
pensadas para o homem branco da classe burguesa. A chegada da Educação do Campo nesse
espaço coloca em xeque esse padrão, e só pode se estabelecer e se consolidar nele se o provocar
a mudar para corresponder aos interesses populares.
Assim, embora a LEDOC tenha o seu PPP aprovado para a sua institucionalização
enquanto curso regular da universidade, a sua especificidade vem sendo ignorada pela estrutura
administrativa da UFMA. Sua articulação inicial se deu de forma tensa, resultando em
negociações que trouxeram prejuízos para a implementação do curso, que tem atravessado toda
a sua condução. Observa-se ainda que o posicionamento dos órgãos da administração central
tem sido a de que o curso vá se “sangrando” para caber em seu espaço, se adequando à
burocracia pré-existente, burocracia essa que foi construída marginalizando os povos do campo,
e ao que parece, quando das tramitações e negociações em direção a articulação do curso,
muitos tem entendido que deve seguir assim, normalizando o padrão de universidade existente.
O padrão de universidade existente é a daquela que se configura junto aos espaços
urbanos para acompanhar e dar suporte ao acúmulo de capitais, para formar trabalhadores
especializados ou a classe dirigente, sendo, portanto reservada para as elites, para uma classe
que não precisa trabalhar e estudar, nem mesmo amamentar, por isso não foi construída
considerando creches e fraldários, auxílio permanência, residência universitária, e muito menos
construída pensando na alternância de tempos e espaços formativos. Por isso, o seu currículo
também é organizado de forma hermética e elitista; e os professores, muitas vezes, possuem um
trabalho docente restrito à tarefa de ensino, ou de pesquisa e extensão, porém sem inserção nas
lutas populares e de classe. A forma e o conteúdo da universidade existente, sua arquitetura e
estrutura, foram pensadas para o homem branco da classe burguesa. A chegada da Educação do
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Campo nesse espaço coloca em xeque esse padrão, e só pode se estabelecer e se consolidar nele
se o provocar a mudar para corresponder aos interesses populares. No seguinte tópico iremos
no debruçar sobre a estrutura física disponível na UFMA, os caminhos e os desafios para que
ela possa atender à Educação do Campo.
O curso utilizará a estrutura geral do campus de Bacabal, incluindo salas de aula, salas
de pesquisa, espaços de lazer, refeitório, auditórios, laboratórios, biblioteca,
dormitórios, banheiros e outros espaços que se fizerem necessários.
Para atender às especificidades do Curso, o campus deverá ter alojamentos, feminino
e masculino, adequadamente equipados com camas, armários e banheiros. A
biblioteca deverá conter títulos específicos da Educação do Campo e da respectiva
área de estudos específicos. Do mesmo modo, serão necessários laboratórios de
química, de solos e de informática, para uso geral de professores e alunos.
A Coordenadoria do Curso deverá funcionar em espaço físico adequado, contando
com equipamentos, mobiliário e estrutura de comunicação (computador conectado à
internet, impressora, mesa de reunião, mesas de trabalho, cadeiras, armários).
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 2014a, p. 23-24).
[...] possui salas de aulas para 60 estudantes, todas climatizadas, um auditório com
capacidade para 200 pessoas, salas de apoio, xerox, laboratórios de informática e de
pesquisa, biblioteca, miniauditórios, sala dos professores, anfiteatro, secretaria de
apoio acadêmico, almoxarifados, banheiros e uma quadra poliesportiva.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 2011, não paginado).
Uma outra questão é com relação a alojamento. Várias universidades não têm
alojamento, nós, em Bacabal, não tínhamos, mas tínhamos um espaço de salas, que
foram transformadas em alojamento na época. Então o começo foi bem complicado,
porque os alunos dormiam em colchão no chão, depois a gente conseguiu camas, mas
106
num espaço muito insalubre, muito úmido, então a gente foi conseguindo, aos poucos,
algumas mudanças estruturais, tentando dar uma conotação de alojamento. Hoje nós
temos uma ampliação desse prédio que, de fato, hoje, já se configura como
alojamento, mas o começo foi bem difícil, bem difícil mesmo, com vários problemas
de infraestrutura, vários problemas de água, problemas de energia e isso no meio de
uma escolarização, de repente queima três transformadores em uma semana. Então os
problemas foram bem tumultuados e… problemas de internet, então nós tivemos
vários problemas também do ponto de vista estruturais que nós tivemos que dar conta.
Além disso, toda essa vida camponesa que ocupa o ambiente acadêmico durante as
etapas de Tempo-Universidade não deixa de causar estranhamento em uma estrutura
tradicionalmente elitista e burocrática. Ou seja, a UFMA, (e quando nos referimos à UFMA
não me refiro a uma estrutura abstrata alheia da ação dos sujeitos que a comportam) em sua
estrutura física e burocrática não estava preparada para uma convivência universitária ocupada
por trabalhadores rurais. Podemos exemplificar essa falta de preparo com as seguintes questões
que surgiram durante a execução do curso: a) o uso dos laboratórios de informática não serem
disponibilizados para os estudantes no turno da noite. Somente com a mobilização dos
estudantes e professores, foi possível conquistar esse acesso; b) o uso da quadra durante a noite
para atividades culturais e esportivas também ter demandado mobilização para que a
administração central reconhecesse essa necessidade e garantisse esse acesso; c) problemas no
sistema elétrico que não foi pensado para a demanda dos alojamentos. Isto implica em
momentos de queda de energia ou queima de aparelhos que significam prejuízos para a
formação dos estudantes e para a Universidade; d) problemas de abastecimento de água; e, e)
estranhamentos creulturais, pela origem camponesa, quilombola dos estudantes que também
irão influenciar no modo como os estudantes são vistos na Universidade.
Persiste na sociedade o pensamento de que para o camponês qualquer coisa serve,
como bem lembra Arroyo (1999), e que, portanto, bastam alguns rearranjos ou
encaminhamentos provisórios para sanar os entraves ocorridos. Existe, constantemente, a
necessidade de que esses sujeitos estejam se reafirmando como sujeitos de direito ao acesso à
Universidade e com uma formação superior de qualidade referenciada socialmente.
De certa forma, os estudantes sentem isso, eles reproduzem muito essas falas que eles
são vistos como comunistas, como inferiores, e na UFMA essas falas se reproduzem,
porque como são pessoas que têm uma origem camponesa é como se aquele espaço
não fosse deles também, então muitos ainda se sentem assim na academia. (PROF.
JOÃO).
direitos, caso qubreira se dispor a assumir o papel histórico a qual tem sido provocada que é o
de acolher a luta camponesa e a formação dos educadores do campo em seu interior.
São as mobilizações e pressões dos sujeitos da LEDOC que, em certa medida, tem
provocado a Universidade a entender e reconhecer o curso em sua estrutura. Para isso, deve
haver unidade de ação, que vai depender do grau de adesão dos seus sujeitos ao projeto
formativo proposto. Um aspecto central para essas disputas ocorridas na LEDOC é a forma
como a sua gestão é conduzida, o que analisaremos adiante.
4.1.3.1 Relações entre a gestão do curso, gestão local e gestão superior na Universidade
Dada essa estrutura, percebemos que o Colegiado tem sido a instância principal
onde os desafios na implementação e operacionalização da LEDOC têm sido discutidos pela
equipe docente e pelos representantes dos discentes. O Colegiado também tem sido a instância
deliberativa por onde propostas que respondam aos desafios encontrados são encaminhadas.
No entanto, não está reconhecida nem nas normas gerais da UFMA, nem no PPP do curso, a
participação dos movimentos sociais do campo nessa instância. E a participação estudantil, por
onde esses movimentos poderiam se fazer presentes, não tem acontecido de forma sistemática
e organizada. Nas propostas encaminhadas, então, tem prevalecido uma tendência na
adequação, em vez do enfrentamento à estrutura já pré-existente.
[...] tem a questão de algumas adaptações, que uma boa parte delas, provém do curso,
mas para além dessa questão, tem também a do novo sistema do curso que tem uma
dinâmica diferenciada. Nós temos uma dinâmica de funcionamento dentro da
universidade que ela precisou se organizar conforme o sistema acadêmico que nós
seguimos, que a universidade segue, que é o SIGAA. Então por diversas vezes nós
tivemos que dialogar tanto com a Pró-Reitoria de Ensino quanto com a administração
superior, no sentido de fazer adaptações do curso ao sistema. Nós tentamos fazer
essa discussão de adequar o sistema ao curso, que seria o mais interessante para
o curso de Educação do Campo, mas aos poucos nós tivemos que ir nos
adequando ao sistema, porque essa dinâmica da alternância ela não necessariamente
precisaria obedecer a semestralidade, então, como a universidade se organiza dessa
forma, aos poucos nós fomos nos adaptando a essa organização acadêmica. Então esse
é um outro ponto que nós tivemos dificuldade de dialogar com os sujeitos, porque
esses sujeitos são mais estranhos ao curso, tem uma formação diferenciada, tem uma
visão de universidade já com base nesse modelo de sistema cartesiano, então eles têm
uma dificuldade de pensar uma outra lógica organizativa do curso. (PROF.
BOTELHO, grifo nosso).
8
É importante explicitar que, embora na fala do citada, haja uma diferenciação entre EFA, CEFFA e CFR, tanto
as EFAs quanto as CFRs são CEFFAs, pois esta é a denominação usada para identificar os centros familiares
de formação por alternância.
110
pode querer se comportar como uma CEFFA, você está me entendendo? Porque são
outras coisas que interagem e que são impostas para nós como profissionais, então a
gente também precisa fazer esse meio termo e a gente consegue, sim, se adequar
dentro do calendário da UFMA.
Na primeira fala, podemos apreender tanto uma falta de força dos sujeitos da
LEDOC, no exemplo dado do sistema de atividades acadêmicas, para a disputa em fazê-lo
atender à dinâmica organizativa do curso. Na segunda, pode-se aferir uma concepção de que o
curso, apesar de ser organizado por alternância, não pode se comportar como um centro de
formação por alternância, ele precisa atender às normativas institucionais, normativas essas
onde a formação por alternância não está considerada.
Há uma percepção de que as normas já existentes estão dadas, devendo o curso se
ajustar a elas. Como se as normas, leis, regimentos, não fossem produto de pressões e
negociações, isto é, de uma relação de forças. Para Poulantzas (2015, p. 91), a norma “exprime
uma relação de forças entre classes, ela (a axiomática jurídica) constitui igualmente o suporte
de um cálculo estratégico pois inclui, nas variáveis de seu sistema, o fator resistência e luta das
classes dominadas”.
Durante toda a história, não foram as leis que deram a forma da sociedade, mas a
sociedade, que em seu desenvolvimento, conforma as leis que se adequem à sua manutenção e
condução, portanto pensar as instituições, assim como seus ordenamentos, como impenetráveis,
inquestionáveis ou estáticos é pensá-los de uma forma ingênua que não contribui para as
mudanças exigidas pela própria dinâmica social.
Inclusive, diversas são as formas para conduzir politicamente os interesses dos
diferentes grupos sociais institucionalmente. Podemos resgatar aqui as contribuições de Nunes
(2010) quando este analisa as relações políticas no Brasil estruturando-as em quatro gramáticas:
clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos.
Segundo ele, as demais formas de tratamento nas políticas e instituições no Brasil se
desenvolvem dando sustentação para o clientelismo. É o que podemos concordar quando os
professores relatam as dificuldades para perfurar trâmites burocráticos baseados em um
pretenso universalismo de procedimentos. Nesse caso, as “normativas gerais que abrangem
todo mundo” têm provocado a estagnação do curso em um sistema onde ele não cabe, em uma
estrutura que não o amplia, mas o conforma. Tais gramáticas dificultam tanto alguns
“andamentos” institucionais que o caminho mais viável para fazê-los avançar parece ser o
apadrinhamento.
E, um outro desafio colocado à gestão da LEDOC se deve à falta de alinhamento
da gestão da LEDOC com a gestão do campus de Bacabal, por não haver uma relação de
111
apadrinhamento entre elas. Muitos dos problemas estruturais do curso, inclusive, ocorrem em
função dessa relação conflituosa. O Prof. Botelho, que também atuou na Coordenação do curso
faz o seguinte relato sobre a relação do curso com a administração local:
Nós tivemos muito embate com administração [...] porque teve um rompimento com
a administração superior, então eu não vou correr atrás, porque não se alinha, porque
não se colocou na disposição pra disputar umas questões, então não se aliou. Há uma
relação de tensão com a administração local [...] então essas relações nunca foram
muito salutares, porque… primeiro que se pensava que a gente ficasse sempre naquela
relação de subserviência, portanto não pautasse os problemas nem local e nem
superior, então era assim, um imobilismo completo da administração local. Então de
certa forma, ele (a administração local) sabia que tinha alguns problemas e esses
problemas não eram encaminhados. Aconteciam coisas que eram esdrúxulas, por
exemplo, essa questão do contrato com o restaurante, os gestores não foram pra
reunião, eu que fui, eu não era diretor de campus, mas como havia o interesse na
realização, no funcionamento pra sair dessa relação de dependência da administração
superior [...]. Então nem isso, porque tava em período eleitoral e se eu for, o candidato
dela vai vir inaugurar o espaço e o meu candidato não vai ser beneficiado. Então tem
toda essa questão que inviabilizava consideravelmente o processo. Então não havia
interesse nessa questão e sempre tentando jogar a educação do campo, tanto no que
diz respeito à estrutura física como em várias questões no campus.
Este é um aspecto grave que marca a gestão da Universidade e que irá atravessar a
LEDOC/UFMA. Persistem relações de clientelismo, patronagem e personalismo na gestão da
UFMA que são herdadas da própria conjuntura política do estado do Maranhão, que também
carrega essas características, mas não apenas no Maranhão. Para Nunes (2010), o clientelismo
é uma relação institucionalizada no Brasil com a qual os sujeitos e grupos sociais costumam
conduzir seus interesses politicamente.
Assim, se não há alinhamento entre os entes administrativos da LEDOC, do
Campus e a Central, as questões do curso podem não ser pautadas ou não serem objeto da ação
da administração local e/ou geral. É grave porque são problemas administrativos onde o que
está em jogo não é sequer se há concordância ou não sobre os caminhos da política entre os
sujeitos encarregados de fazê-la acontecer, como pode ocorrer (ARRETCHE, 2001). Trata-se
simplesmente de manter a “lealdade” ao grupo que concede para outros grupos este ou aquele
“favor”, demonstrando mais uma vez que as políticas públicas precisam ainda percorrer um
longo caminho para serem encaradas como direito, e não como benesse ou privilégio, inclusive
em seus processos de execução.
Atravessada por este clientelismo, o que se observa, por meio das falas dos
professores, é que falta empenho institucional para que a Licenciatura em Educação do Campo
passe a ser entendida como parte da Universidade. O que ocorre é que o curso segue
permanecendo como um “extraterrestre”, especialmente porque sua proposta de formação é
diferenciada. O caminho colocado é de que a LEDOC se adeque ao que já está em andamento
112
na burocracia da UFMA, mesmo que isso implique na perda de qualidade da formação ofertada.
Desse modo, percebemos que os desafios que são colocados à implementação da LEDOC na
UFMA, dizem respeito, principalmente, ao reconhecimento da especificidade do curso, da sua
origem camponesa e na luta social, e da organização por alternância desenhada como modelo
que permite a inserção desses sujeitos na Universidade. Isso está expresso seja na ausência de
uma estrutura física capaz de conduzir a organização por alternância com efetividade, seja na
ausência do atendimento dessa especificidade no Sistema de Atividades Acadêmicas. Está
expresso, ainda, na forma como o curso tem sido visto pela administração central e/ou local,
pelos outros servidores/professores e mesmo discentes dos demais cursos e na rotatividade dos
professores e técnicos.
Na Universidade que adotou o lema: “crescimento com inclusão e inovação social”,
persistem conflitos que dizem respeito justamente a falta de reconhecimento de muitos desses
sujeitos, historicamente marginalizados desse espaço e que precisam ser incluídos e cuja
inclusão exige o reconhecimento da diversidade que os marca. Sujeitos esses que têm
movimentado uma proposta inovadora de formação de professores em seu âmbito, e que ela
tem abrigado inclusive desde antes da institucionalização da LEDOC. A persistência desses
conflitos demostra a grande dificuldade em incluir a juventude camponesa, que por tanto tempo,
esteve alijada desse espaço, mas que agora o reivindica, e o reivindica a partir de seus próprios
referenciais. Entretanto, quais são as estratégias que devem ser colocadas em movimento para
que a Educação do Campo possa estar incluída de fato na Universidade? A Profa. Diana
explicita o seguinte posicionamento a esse respeito:
Então o que que falta para que a gente olhe para o Regimento, para o Estatuto, para
os demais aspectos administrativos que organizam esse trabalho pedagógico, e a gente
se veja? Então, essa é uma construção do coletivo de professores. Então nesse aspecto,
eu considero que ainda é invisível e por ser invisível essa formação, essa organização
desse trabalho pedagógico, muitas coisas se tornam em um desafio.
movimentos sociais do campo nos processos decisórios do curso demonstra também essa
tendência: os movimentos sociais do campo demandaram a política, mas não precisam ser seus
condutores.
Observamos, inclusive, que muito do que tem sido considerado “gestão” na
LEDOC/UFMA tem se limitado às relações entre a coordenação do curso e a administração
central, isto é, professores, estudantes e muito menos os movimentos sociais costumam ser
mencionados quando se trata do gerenciamento do curso. Isto pode explicar por que o curso
mais tem caminhado na direção da adaptação à burocracia da UFMA, do que tensionado essa
burocracia, perfurando-a para agregá-lo. Não foi citado nos depoimentos dos entrevistados
qualquer movimento social que tenha feito parte da gestão ou qualquer ação mais concreta e
sistemática que procure inserir ou mesmo aproximar os movimentos sociais do campo na
participação da gestão da LEDOC/UFMA.
De fato, pensar em participação dos movimentos sociais do campo na gestão em
instituições historicamente elitistas, em nosso caso, em uma universidade situada em um estado
que se (sub) desenvolve sob o estigma da exploração camponesa, e que vem adotando diversas
medidas centralizadoras e políticas conservadoras, pode soar até mesmo como algo
“extraterrestre”, mas devemos lembrar que essa participação já existe mesmo que não na
intensidade que gostaríamos e de que precisamos: sua expressão é a própria existência
institucionalizada da LEDOC. Na síntese do Círculo de Produção do Conhecimento “Educação
do Campo, Movimentos Sociais e Políticas Públicas” está expresso:
Nós não somos funcionários da Universidade, nós somos a Universidade também, nós
seguimos algumas coisas, os regulamentos, mas nós somos um curso em que existe
uma especificidade que tá pra além que é o padrão comum pros outros cursos da
universidade, assim como inclusive foi falado na última reunião na universidade: “ah,
porque a universidade não pode mudar o seu regulamento só porque a gente tem uma
especificidade”. Todo curso terá uma especificidade, mas a nossa especificidade é o
que nos caracteriza enquanto curso, não é o que caracteriza muitos dos outros cursos.
Então nós pautamos uma formação onde eles são parte dessa formação, então eles
também têm que fazer parte desses espaços. Então vejo que ali há uma dificuldade de
entender que somos nós quem construímos pautas na universidade, e a educação do
campo em todas as experiências do Brasil tem pautado, em algumas de uma forma
mais avançada, a construção de regulamentos, a construção de políticas específicas
dentro da universidade, porque as que tem não nos atende e não nos atende porque
nós somos muito específicos, nós temos essa raiz forte com os movimentos, com
aqueles que nos constroem, então necessariamente nós precisamos sim de alguns
espaços, de algumas políticas que.. é… reformulações que seriam interessantes no
espaço da universidade. Então há cursos que também vão buscar isso, mas assim, não
é a especificidade de um conteúdo, de uma disciplina, de uma matéria, é a
especificidade de um curso como um todo. Então as vezes eu vejo que há uma
interpretação limitada no sentido que ver que o específico ele não se dá no tema de
um conteúdo, de uma disciplina, ou de um método, de uma prática em si, mas o
específico nosso é o curso, não é um pedaço dele como é de outros cursos, o específico
aqui é o curso. Então por isso que as políticas, alguns regimentos têm que ser pensados
dentro da nossa especificidade, daquilo que nos caracteriza dentro da nossa
especificidade.
Pensamos que é esta concepção que deve prevalecer para fazer avançar a formação
proposta na LEDOC, uma equipe que se entenda como sujeito coletivo e não como funcionários
que devem “zelar pelas normas da empresa” procurando o lugar que lhes cabe (se couber) dentro
de um sistema pré-existente. As instituições públicas ainda são espaços de exercício
democrático, e concepções que a compreendem dessa forma são, inclusive, fundamentais para
que esta siga assim.
115
Assim, esta é uma primeira contribuição efetiva dos movimentos sociais do campo
para a formação praticada na LEDOC/UFMA. No entanto, apesar dessa auto-organização dos
estudantes ser defendida como princípio formativo e estar sendo operacionalizada a partir das
117
Primeiro, nós temos um regimento da universidade, você não vai ver lá no regimento
da universidade que os movimentos sociais podem participar do Colegiado. No nosso
Regimento que foi feito nós também demos esse tiro no nosso pé, porque lá também
os movimentos sociais não têm voz e voto, tem voz aliás, voto não. Então o que os
documentos da universidade dizem? Que somente os docentes, discentes e técnicos
administrativos são sujeitos desse processo. (PROFA. DANDARA).
A perda de radicalidade, por sua vez, tem a ver com concessões e estreitamentos, que
também podem ser entendidos como recuos, retrocessos. Na sociedade em que
estamos e numa correlação de forças tão desfavorável aos trabalhadores e a própria
ideia de transformações sociais mais radicais, não se espere que o Estado brasileiro, e
nem mesmo que os ‘governos de plantão’ aceitem 1º) uma política de educação que
tome posição (prática) por um projeto popular de agricultura, de desenvolvimento do
campo, do País, que ajude a formar os trabalhadores para lutar contra o capital e para
construir outro sistema de produção, outra lógica de organização da vida social (que
é exatamente o objetivo originário da Educação do Campo). E 2º), que aceitem os
movimentos sociais como protagonistas da Educação do Campo, que aceitem os
trabalhadores pobres do campo como sujeitos da construção (forma e conteúdo) de
Políticas Públicas, ainda que específicas para sua própria educação. (CALDART,
2010, p. 119-120).
118
Estas concessões/recuos que são realizadas justamente para que, de algum modo, a
proposta de formação expressa por esses movimentos possa estar inscrita no Estado, é um ponto
delicado da institucionalização das Licenciaturas, pois podem significar a perda de radicalidade
do propósito de transformação e emancipação social que conduziram para a sua conquista, e
para o qual espera-se que ela instrumentalize. Afinal, a luta do movimento da educação do
campo não se esgota na conquista do direito, trata-se do que se quer através da garantia desse
direito: garantir meios para a libertação camponesa.
Assim, as contradições na operacionalização das políticas de formação de
educadores do campo devem permanecer evidenciadas, pois são nas fissuras desse Estado que
se pode aproveitar para avançar nas políticas públicas de interesse social. A participação
estudantil pode ser um meio de evidenciar essas contradições na LEDOC/UFMA. E ela tem
sido operacionalizada de três modos basicamente; organicidade, participação na avaliação e no
Colegiado, ainda que não sistematizada através de um diretório acadêmico, como podemos ver
através dessa fala sobre a participação estudantil na LEDOC:
A organicidade foi identificada como uma forma de organização para além das
tarefas cotidianas e que vai aproximando os estudantes dos próprios assuntos da gestão do
curso. Entretanto, os professores avaliam que vão ocorrendo mudanças no modo como ela se
estrutura a partir do perfil dos estudantes que compõem as turmas da LEDOC.
No início era bem claro essa divisão do trabalho entre os estudantes porque eram
organizados GTs (grupos de trabalho). Todo o início de semestre a gente ia para o
diretório, colocava as questões estruturais, organizativas do curso e organizava os
alunos em GTs. E cada grupo de trabalho tinha uma tarefa, um grupo que fica
responsável pela organização da refeição, outro da limpeza, eram diversos, não
lembro de todos. E com o passar dos anos, os alunos começaram também a participar
119
[...] também ainda é um desafio muito grande que é ‘como é que a gente dá conta
dessa auto-organização?’ que é um princípio. Então essa auto-organização é uma
tarefa nossa dos docentes, mas como é que os outros cursos lidam com isso? Não
lidam. Porque não têm. E a questão é: todos nós, docentes temos clareza da
importância da autogestão no processo de formação dos professores da Licenciatura
em Educação do Campo? Porque muitas das vezes, por exemplo, a gente ouve falas
do tipo, que os estudantes têm muita reunião, que eles têm que... não têm tempo pra
estudar, porque tem que se reunir pra se organizar pra isso e pra aquilo, então é como
se isso não fizesse parte da formação. Isso não cabe, o que cabe é o conteúdo na
formação. Então essa autogestão, ela é um conteúdo da formação de professores haja
vista que a formação de professores na Licenciatura, ela bebe da fonte das
experiências socialistas em que uma das razões da pedagogia socialista é justamente
o processo de autogestão, auto-organização dos estudantes e que daí aquele princípio,
vivência de processos democráticos e participativos. A vivência de processos
democráticos só vai se materializar se houver uma auto-organização, tanto dos
estudantes quanto dos docentes. Se isso não tiver não adianta nada, nós vamos estar
em espaços com pseudo momentos de democracia, mas não de vivências totalmente
democráticas. (PROFA. DANDARA).
É importante nunca perder de vista que a auto-organização, para ter efeito educativo,
influenciar a disciplina das crianças, deve ser compreendida por elas como algo
necessário, que decorre de uma dada necessidade. Somente assim, elas vão se
relacionar com a auto-organização com seriedade. [...] Portanto, é preciso
compreender a auto-organização como um processo, como um desenvolvimento
organizacional. (KRUPSKAYA, 2017, p. 122).
Como ela tem sido feita? Há um momento no final de cada etapa onde que a
coordenação se reúne com os estudantes e faz uma avaliação dos estudantes, e coleta,
numa assembleia geral, com uma discussão, escuta os estudantes. Eles já estão
acostumados a ter algo mais organizado, estruturado para este momento de avaliação.
Então também produz um documento deles por parte dos professores também, é
lançado previamente um questionário onde que os professores fazem sua avaliação e
essa avaliação é discutido em Colegiado também. E também no Colegiado são
confrontados em alguma medida essas avaliações. A avaliação ocorre, o que não tem
ocorrido, no meu entendimento, é a gente conseguir dar de fato o passo necessário
para melhoria do curso. (PROF. RAUL).
Nós tínhamos a avaliação, eu acho, que na primeira gestão, nós conseguimos avançar
bastante na avaliação. [...] nós avaliávamos tanto a prática docente, nós avaliávamos
as questões no seu conjunto, desde a infraestrutura, porque nós pegávamos a
organicidade e a avaliávamos no seu conjunto. Inclusive as práticas pedagógicas. Nós
tínhamos um documento [...], que foi organizado em torno dessa questão nos quais as
equipes organizavam os elementos a serem avaliados, e algumas equipes elas faziam
essa avaliação e nós socializávamos a avaliação. Confesso que em alguns momentos,
os estudantes, penso que avaliaram, naquele momento, uma das professoras se sentiu
muito ofendida porque fez uma avaliação em torno da prática pedagógica dela, e aí
ela reagiu de uma forma muito hostil com o estudante. Mas, a partir daquele momento,
eu percebi que muitos docentes passam a não mais participar das avaliações e houve
uma certa... digamos assim... os docentes acabavam não participando mais. Então
eram mais os estudantes e alguns professores das áreas humanas e sociais que estavam
lá participando. Mas assim, eu penso que a avaliação tem problemas ainda, porque
muitos problemas são levantados, avaliados sem o encaminhamento adequado, porque
muitos desses problemas eles extrapolam o âmbito da coordenação e muitos que são
do âmbito da coordenação, às vezes, não conseguem ter o encaminhamento devido.
[...]. Mas já havia uma crítica [...] que eu penso que é uma crítica pertinente, que a
avaliação é importante – e é uma crítica tanto dos professores como dos estudantes,
que é uma coisa muito madura - é importante sim. Nós avaliávamos, mas os efeitos
dessa avaliação eram muito pouco sentidos, o efeito prático da avaliação não era muito
bem sentido por parte do conjunto. [...]. Então nós tínhamos muito desafios, mas de
lá pra cá, eu tenho percebido que houve uma interrupção dessa avaliação, pelo menos,
não tenho mais conhecimento dessa questão. [...] Nós fazíamos a avaliação, mas
muitos não tinham uma certa maturidade pra fazer, maturidade no sentido de que se
colocava coisas que eram muito particulares, não se tinha essa clareza, de colocar as
coisas de uma forma mais impessoal. (PROF. BERNARDO).
Alguns professores tinham dificuldades de receber alguns comentários, algumas
críticas, por sua vez, nossos estudantes também, em alguns momentos, faziam críticas
agressivas. Mas a gente entende que a avaliação também é um processo e, tanto eu
como docente como o estudante, ele deve ser também um processo de formação.
Então como é que eu falo de um processo de vivência de uma disciplina sem perder a
ternura, por exemplo? Então isso era mal interpretado, ouvi muitas coisas
desagradáveis, [...], e as outras coordenações que entraram, isso não se constituiu uma
prática, porque isso significa evitar conflitos, então é melhor evitar possíveis conflitos
do que buscar esses espaços pra justamente a gente repensar nosso trabalho. (PROFA.
DANDARA).
A Avaliação, como está colocada no PPP, foi pensada para ser um espaço
propositivo, visando a discussão dos problemas e limites da formação, bem como a discussão
de encaminhamentos para que, coletivamente, esses limites possam ser superados. No entanto,
ela tem também uma função formadora de discentes, mas também dos docentes. Vivemos em
uma sociabilidade capitalista que estimula a competição e o individualismo, onde fomos
ensinados a sufocar e esconder nossas limitações e fraquezas, enquanto evidenciamos as
limitações e fraquezas alheias. Desse modo, quando somos colocados em um ambiente que se
propõe a avaliar os papeis de cada sujeito na construção de um projeto coletivo, tendemos a nos
sentirmos desconfortáveis quando nossos limites são confrontados, ao mesmo tempo que
podemos ser duros com os limites alheios.
De todo modo, não é evitar esses conflitos que podem corroborar para uma
Avaliação mais propositiva. Isto já acontece na sociedade capitalista: a lógica hierárquica da
122
organização dessa sociedade já nos impele a todo momento a evitar conflitos e obedecer. Assim,
a Avaliação em um curso de Licenciatura que pretende formar educadores para uma nova
proposta societária mais democrática, mais igualitária, mais justa e humana, deve ser encarada
também como um processo de formação, onde os sujeitos são levados a confrontar a própria
subjetividade construída no seu processo de socialização capitalista.
Assim também é o espaço de participação no Colegiado. O colegiado é um espaço
potente por onde os estudantes podem auxiliar na condução do curso, já que esta é uma instância
com poder normativo, consultivo e deliberativo, conforme está exposto em seu Regimento:
Pensa que os
Torna moroso Não deve abranger Contribui para a estudantes não são
processos decisórios assuntos técnicos formação docente bem recebidos no
colegiado
3 2 2 2
E aí eu acho que uma fragilidade que nós temos no curso que é a forma como nós
organizamos o tempo Universidade das turmas, nós não temos espaço na universidade
9
Devido à crise sanitária do coronavírus, o curso tem sido, provisoriamente, ofertado na modalidade de ensino
remoto.
124
Os movimentos sociais estão muito presentes no nosso dia a dia, nas nossas
discussões, nas nossas aulas. Nossos alunos são extremamente, eu não quero dizer a
palavra inteligentes, eu quero dizer assim são alunos extremamente experimentados,
dificilmente eu entro em sala com um planejamento, eu entro com o planejamento a
seguir, mas a riqueza da participação dos alunos, com as experiências que eles trazem,
às vezes eu sou até obrigado a mudar um pouco aqui o planejamento em função
daquilo que eles trazem, eles trazem muitas coisas. E nesse sentido os movimentos
sociais eles acabam interferindo muito, interferindo, no bom sentido, porque os nossos
alunos eles têm muita vivência em grupos, com associações, o clube de mães, os
sindicatos. (PROF. PEDRO).
Entretanto, apesar de o curso ter nascido das lutas dos movimentos sociais do
campo, entre os docentes da LEDOC/UFMA existem diferentes concepções a respeito da
participação desses movimentos no curso. Existem professores que consideram que há bastante
participação dos movimentos sociais. Mas é preciso problematizar qual a concepção de
participação dos movimentos sociais está aqui implícita, inclusive na fala acima, se é a dos
movimentos sociais enquanto sujeitos da ação, condutores do processo formativo do curso ou
uma concepção de participação na perspectiva de considerar esses movimentos como objeto de
estudo, tema de debate, referência, uma experiência que enriquece um conteúdo de uma aula.
Outros professores consideram que a participação dos movimentos sociais tem sido cada vez
mais pontual desde que novos estudantes têm ingressado no curso sem essa vinculação, e
125
Eu não sei, por mais que a Mística ela tem esse caráter essa centralidade de ser é um
momento reflexivo, mas eu escutei alguns estudantes falar que não gostavam porque
era demasiado, era uma carga política desproporcional, digamos assim, que a carga
política era forte, muito forte e a todo momento. (PROF. RAUL).
Nessa fala, está bem explicitada a própria insatisfação que circunda a LEDOC com
o que ainda rescinde de contribuição dos movimentos sociais nas suas práticas formativas, “a
carga política forte” incomoda e perturba, é demasiada. Nessa concepção exposta talvez o
desejável fosse uma prática pedagógica mais asséptica, mais descomprometida ou desvinculada
com as lutas camponesas e com essa “carga” que trazem, embora tenham sido essas lutas que
possibilitaram a constituição do curso.
Diante desses limites que se colocam para a participação dos movimentos sociais
impostos pela institucionalização da LEDOC, e as diferentes concepções a respeito dessa
participação entre os seus sujeitos, são pensadas estratégias para que estes movimentos possam
se fazer presentes na operacionalização do curso. Assim, esses movimentos têm participado por
meio da organização dos eventos, as discussões e atividades nos componentes curriculares que
discutem Movimentos Sociais e no Estágio de Educação Popular. Assim, constituem-se em
126
estratégias pontuais que não correspondem ao todo da organização do curso, como podemos
verificar:
Agora eles vão participar de outras formas também, que também contribui com o
tensionamento. Os eventos que a gente organiza na JURA, por exemplo, a gente tenta
trazer os movimentos. Nós fizemos a jornada de estágio em que trazíamos os
movimentos sociais, professores para ficar debatendo, falando, ou seja, esses espaços
que a gente constrói nos eventos também são espaços em que a gente almeja e tenta
trazê-los para a Universidade e mais recentemente a gente tá mais preocupado com
isso.
Eu acho que não só o estágio pode contribuir como os outros projetos que a gente tem
no Campus como PIBID e Residência, especialmente eles, que dão uma oportunidade
de ter um vínculo maior com as escolas que são parceiras. A gente provavelmente está
construindo aí uma relação com escolas que serão parceiras do curso. Então nessas
escolas, a longo prazo, talvez a gente veja algumas transformações acontecendo por
conta dessa inserção dos alunos. Os estágios também podem contribuir com isso. E
eu vejo que o estágio em educação popular tem uma potência muito grande de vincular
os alunos com as instituições, com alguns movimentos sociais do Campo,
especialmente para aqueles que chegam na universidade sem ter esse vínculo aí tão
ligado aos movimentos sociais. (PROFA. LAURA).
Assim, com as populações camponesas alienadas de sua própria terra, esses sujeitos
vão tornando-se progressivamente mais dependentes dos serviços e empregos ofertados nas
cidades ou na própria agroindústria, num processo cruel de hegemonização da sociabilidade
capitalista nesses espaços que vai se entranhando nas subjetividades das pessoas que vivem no
e do campo.
Quando nós recebemos esse nosso aluno hoje, que eu disse que nós temos uma
mudança de perfil, qual é a referência de campo, de camponês e de população do
campo que tá na nossa cabeça pra gente lidar com esse aluno? E o mais importante do
que isso, qual é a referência de campo, de camponês que tá na cabeça desse aluno?
Porque esse aluno mora em um povoado, ele não é nem rural, nem urbano, ele tá no
WhatsApp o tempo todo, nas redes sociais, ele tá com uma subjetividade Urbana. Esse
menino... dá uma enxada para ele, ele não sabe fazer um rego na beira da casa para
não entrar água da chuva, esse é o nosso aluno de Educação do campo dominante
agora nessas turmas mais recentes. [...] A menina chega lá, e ela pega uma folha de
papel e escreve na porta e cola na porta do alojamento dela ‘suíte número tal’, olha só
a cabeça dessa mocinha que tá vindo de um povoado. Então ela já chega se
diferenciando, que ela está hospedada numa suíte, entendeu? Ou seja, na verdade, isso
é um recado para gente! [...] Aí sim, os movimentos sociais fizeram muita falta nesse
momento, porque a gente teria aprendido muito com eles. (PROF. RIBAMAR).
espaço como um todo. Essa é uma tarefa histórica colocada para os sujeitos que tem
construído as experiências da Licenciatura em Educação do Campo.
Desse modo, são colocados como desafios à participação estudantil na
LEDOC/UFMA os mecanismos administrativos regimentais da Universidade que não
contemplam a ampliação dessa participação, seja nos ambientes decisórios seja no que diz
respeito a autogestão materializada na Organicidade e as disputas de concepções entre os
docentes sobre o papel dos estudantes e dos movimentos sociais na execução do curso.
Ainda assim, a autogestão que a LEDOC/UFMA se propôs a construir tem a
potencialidade de intensificar a participação estudantil na condução do curso,
desenvolvendo uma consciência coletiva entre os estudantes e de pertencimento e
responsabilidade com relação ao seu processo de formação, contribuindo para a
operacionalização dos princípios da Educação do Campo no curso, especialmente o que diz
respeito à vivência de processos democráticos e participativos. Além disso, tem sido uma
experiência de formação de educadores institucionalizada de onde os demais cursos e
políticas que se dedicam a formação de professores que se coloquem do lado progressista
da história, podem também basear suas práticas.
4.2.1 Quem educa o educador do campo: perfil da equipe docente da LEDOC /UFMA
CARGA
EIXO DE FORMAÇÃO CRÉDITOS
HORÁRIA
NÚCLEO BÁSICO 2.070 138
Estudos de Formação Geral 1080 72
Fundamentos da Formação dos educadores e educadoras do
720 48
Campo
Organização dos processos pedagógicos na Educação do Campo 240 16
NÚCLEO DE ESTUDOS ESPECÍFICOS EM CIÊNCIAS
2205 120
AGRÁRIAS
NÚCLEO DE ESTUDOS ESPECÍFICOS EM CIÊNCIAS
2295 133
DA NATUREZA E MATEMÁTICA
NÚCLEO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES 180 12
ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO 450 9
Estágio em Docência nas Séries Finais do Ensino Fundamental 180 4
Estágio em Educação Popular no Campo 90 2
Estágio em Docência no Ensino Médio e na Educação
180 4
Profissional de Nível Técnico
Fonte: Universidade Federal do Maranhão (2014a, 2014b).
131
NÚCLEO BÁSICO
TEMPO EM
REGIME ORIGEM
FORMAÇÃO TITULAÇÃO QUE ATUA FAIXA ETÁRIA
JURÍDICO GEOGRÁFICA
NO CURSO
42% há 8 anos
60 % vêm de
outros estados, a
70%
60% Mestrado saber, Ceará, Rio
70% Pedagogia 29% entre 4 e
Grande do Sul e
Estatutário 5 anos 30 a 55 anos,
Minas Gerais
predominando a
faixa etária de 40 a
30% em outras 50 anos
áreas, a saber,
Ciências 40% 29% há menos
30% 40 % Maranhão
Humanas – Doutorado de 2 anos
Contrato
Sociologia
temporário
e Geografia
NÚCLEO ESPECÍFICO
75% 34%
67% vêm de
Estatutário Agronomia ou
outros estados, a 58% entre 6 e
Engenharia
saber, Piauí, 7 anos
Agronômica 58% Mestrado
Alagoas, Minas
Gerais e Rio 30 a 58 anos,
25% Física
Grande do Sul predominando a
25% faixa etária entre 30
16% 25% há 1 ano
Contrato a 40 anos.
Matemática ou menos
temporário
42%
16% Química 33% Maranhão
Doutorado
9% Ciências 17% há 8 anos
Biológicas
Fonte: Elaborado com base nos dados coletados no SIGAA/UFMA e no currículo lattes dos professores
que ingressa na LEDOC com Mestrado e finaliza ou busca realizar o Doutorado já após a sua
admissão no curso.
Dentre os professores entrevistados para essa pesquisa, 4 pertencem ao núcleo de
formação básica e 4 pertencem ao núcleo de formação específica. Lembramos que os nomes
utilizados nessa pesquisa são fictícios para não incorrer em conflitos éticos ou exposição de
qualquer participante. Podemos verificar a área de atuação de cada docente participante desta
pesquisa no Quadro 5.
Esta equipe possui um perfil docente bastante heterogêneo. Mas para simplificar o
entendimento dos campos de força atuantes no curso, podemos declarar que ela é composta
basicamente pelas seguintes lógicas de trajetória acadêmica: a) professores que em sua trajetória
acadêmica possuíam vinculação com a temática da Educação do Campo a partir de sua atuação
ou em movimentos sociais, ou a partir da própria formação inicial, com destaque para
professores que passaram pela experiência formativa do PRONERA, seja na condição de
estudantes bolsistas, professores ou enquanto quadros na coordenação dos cursos; b)
professores cuja aproximação com a Educação do Campo na perspectiva dos movimentos
sociais do campo, se deu a partir do seu trabalho como docente na LEDOC.
Dentre os professores reunidos no grupo 2, a) há quem declare possuir uma
trajetória acadêmica ligada à questão agrária e, portanto, têm uma certa afinidade, ao menos no
campo da pesquisa, com as lutas sociais do campo; b) há ainda quem resgate sua relação com
o campo por meio da história de sua família; e, c) aqueles que mesmo não tendo aproximação
com a educação do campo ou com os movimentos sociais, tem uma trajetória acadêmica ou
profissional ligada ao trabalho agrícola.
O perfil dos docentes, aqueles que tem educado os educadores do campo na
LEDOC, como dissemos, não é homogêneo. São variadas as trajetórias desses sujeitos que irão
atuar no curso, e que, portanto, expressarão diferenciadas maneiras de conceber a formação dos
133
A ideologia, dominante, que o Estado reproduz e inculca tem igualmente por função
constituir o cimento interno dos aparelhos de Estado e da unidade de seu pessoal. Esta
ideologia é precisamente a do Estado neutro, representante da vontade e do interesse
gerais, árbitro entre as classes em luta [...]. Esses temas da ideologia dominante são
frequentemente entendidos por amplas camadas do pessoal de Estado como o que lhes
compete no estabelecimento da justiça social e da ‘igualdade de chances’ entre os
cidadãos, no restabelecimento de um ‘equilíbrio’ em favor dos ‘fracos’ etc.
(POULANTZAS, 2015, p. 158-159).
proposta formativa geral que é a formação de educadores do campo, como pode ser
exemplificado por meio dessa fala:
A minha vinda para Educação do Campo não foi que eu ‘Olha eu vou trabalhar na
Educação do Campo’. A minha vinda foi o seguinte, bom, eu, minha paixão é
agroecologia, então eu vou me dedicar a buscar um trabalho dentro da agroecologia.
E nesse meio tempo surgiu o concurso para educação do campo para agroecologia,
então foi assim que eu fiz o concurso e vim parar dentro da Educação do Campo.
(PROF. RAUL).
te habilita a ser professor e aí a minha opção foi na área de biologia. Fiz estágio em
docência lá na escola agrotécnica [...]. E aí eu tive então a segunda graduação, eu sou
agrônomo por vocação e sou professor de ciências e biologia. (PROF. PEDRO).
Até então a minha proposta era para trabalhar na Educação Básica mesmo, professor...
e talvez dá aula em um cursinho e, talvez, uma universidade privada, mas a vida nos
leva para caminhos que a gente não - às vezes - não se programa, não almeja. Então a
partir das aulas, do desenvolvimento do meu trabalho na UEMA, eu senti que eu tinha
possibilidade de conseguir algo a mais do que trabalhar apenas na educação básica.
Então aí eu prestei o concurso, fui aprovado e iniciei o trabalho na Educação do
Campo. (PROF. JOÃO).
A ideia desse grupo de estudo era justamente fazer essa discussão, mas eu [...] percebia
que grande parte das pessoas não faziam as leituras dos textos, e quando faziam,
136
pegavam assim um pedacinho do que tava lá, que aparecia como... não sabe aquilo
que você pega que pode ser alvo de um problema pra desconstruir todo o texto? Então,
na maioria das vezes, eram assim. E, esse grupo de estudo, ele não pôde ir adiante
porque foram colocadas várias dificuldades para a não realização desse grupo de
estudos [...]. (PROFA. DIANA).
Assim, vemos como o Estado, que não está de modo algum separado das pessoas e
das classes sociais, ao fazer a defesa de um burocratismo neutro e impessoal, pode inclusive
trabalhar contra a política. É ao alegar um pretenso racionalismo técnico que questões
fundamentais para o funcionamento da política de formação de educadores do campo, a partir
de seus próprios parâmetros, são pormenorizadas e negligenciadas, comprometendo todo o seu
sentido de origem e comprometendo-a também na origem. Afinal:
[...] aquilo que os movimentos sociais defendem como política não é o que Estado
defende. Por exemplo, a política pública demandada, pensada, proposta pelos
Movimentos Sociais quando chega ao Estado é transformada. Defende-se que a
política tenha a forma e o conteúdo que os Movimentos Sociais desejam. [...] A
reforma política e a própria reforma do Estado dependem da ampliação dos espaços
societais, da força política desses espaços e dos sujeitos que o compõem.
(BELTRAME; SOUZA, 2010, p. 91, grifo nosso).
e omnilateral. Também percebemos a defesa da escola pública que se situe no campo e que seja
também do campo, devendo ser construída/transformada a partir dos referenciais camponeses,
e a formação de um educador que não se limita ao espaço físico da escola ou da sala de aula,
mas que seja um intelectual organicamente engajado nas lutas por melhores condições de vida
e trabalho no campo.
Entre as diversas concepções a respeito dos fundamentos da educação do campo
recolhidas, percebemos que as que mais se aproximam das lutas camponesas são as dos
professores que em sua trajetória de vida política e acadêmica já possuíam alguma relação com
as lutas por Educação do Campo. Porém, a partir da vivência e da atuação como professores da
LEDOC, é possível notar que muitos foram amadurecendo suas concepções sobre Educação do
Campo, e que esse processo é contínuo devendo ser aproveitado quando se trata da criação dos
campos de força necessários para a consolidação da formação de educadores do campo no
curso. Vejamos o seguinte depoimento a respeito da concepção de Educação do Campo deste
professor:
A Educação do Campo, ela é mais do que urgente, é mais do que necessária, porque
é inconcebível, por exemplo, você trabalhar... vou dar um exemplo aqui, um conteúdo,
‘Ciclo da água’ que é um tema. Quando você trabalha como professor de ciências,
com alunos do Ensino Fundamental, o ciclo da água, e você apresenta uma realidade
completamente diferente daquilo que o aluno vive, porque é assim... poxa, você
trabalhar ciclo da água com alunos que vivem no campo, é uma realidade
completamente diferente de você trabalhar o ciclo da água com alunos da zona urbana.
Então essa diferença eu vejo assim como gritante. É necessário demais que o professor
tenha essa habilidade, trabalhar com as escolas do campo de fato usando a realidade
lá vivida, a realidade experimentada pelas pessoas. (PROF. PEDRO).
com um programa pouco instrumental para as questões reais de nosso tempo, apesar de parecer
senso comum que aquilo que é ensinado nas escolas deva ter relação com a vida. A escola
situada no campo bem ilustra a alienação dessa instituição à vida orgânica, quando apenas
incorpora o modelo de organização/escolarização urbana. Isto porque a escola que conhecemos
é uma escola atrelada a um projeto econômico burguês, para o qual não interessa seu
engajamento, mas que siga sendo um espaço de inculcação das ideias dominantes, onde o
campo como espaço de vida não tem lugar.
Por isso, ao pensarmos em Educação do Campo e escola do campo, não estamos
debatendo somente a respeito de uma metodologia, mas a respeito de projetos em disputa.
“Projeto”, “disputa”, “direito” “formação humana” são alguns outros termos relacionados à
Educação do Campo explicitados pelo grupo de professores cuja trajetória política e acadêmica
já se relacionava com ela:
uma proposta popular de disputa societária contra-hegemônica que se inicia nas contradições
do campo brasileiro e se concretiza na luta pelo direito à educação e por escolas de qualidade
no campo, mas que ousa também ser instrumentalização para lutas mais amplas de superação
da hegemonia do capital.
Desse modo, vemos que, entre as concepções apresentadas, podemos apreender
algumas que vinculam a Educação do Campo a um debate da pedagogia pura, para usar o termo
de Pistrak, pois parecem limitá-la a uma metodologia ou modalidade de educação, e algumas
que a compreendem enquanto parte de um projeto de disputa por hegemonia, isto é, que a
compreendem na perspectiva da luta de classes no campo, território este que a precede e a
germina. Alguns outros depoimentos também sinalizam que a concepção sobre educação do
campo, para alguns professores, parece estar em processo de construção, ou reconstrução a
partir das vivências na LEDOC, tanto nas experiências do fazer docente, como nas relações
mais amplas do curso: na gestão, relação com os colegas ou nos debates suscitados durante os
seminários e encontros.
Hoje a gente pode verificar e até resgatar muitos preconceitos que a gente tinha
armazenados historicamente através de notícias de televisão e jornais, enfim. E a gente
percebe a importância que os movimentos sociais tiveram na construção do curso e
na valorização da cultura dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Então essa
é a concepção de educação que eu tenho, tento buscar, enquanto professor da LEDOC,
valorizar a cultura, valorizar o saber popular, reconhecer que, historicamente, os
saberes desses sujeitos foram negados pela ausência de políticas públicas e até hoje.
A gente sabe do retrocesso que a educação brasileira nessa perspectiva do campo... tá
tentando ser minada com o fechamento de escolas do campo, dentre outros fatores
tanto na educação básica quanto na educação superior. É claro que houve avanços, a
LEDOC é um fruto dessa luta dos movimentos sociais, mas a gente precisa resistir a
esses avanços que esses governos estão tentando fazer. (PROF. JOÃO).
Na fala deste professor cuja vinculação com a Educação do Campo se deu a partir
do seu trabalho na Licenciatura, observa-se que esta experiência tem servido para desconstruir
preconceitos e imaginários que este docente possuía a respeito do campo, o que indica que no
processo de educar os educadores do campo, estes também se educam. Além disso, permitiu a
reconfiguração de sua prática docente entendendo a importância de situá-la junto a história e
aos interesses dos estudantes. Por fim, vê-se que a sua concepção de educação do campo tem
considerado as lutas dos povos do campo. Paulo Freire ensina que não há docência sem
discência, para ensinar é preciso estar disposto a aprender, repensar velhos paradigmas de
formação, de continuamente refletir criticamente sobre as próprias concepções de mundo,
sociedade, educação; e no caso da LEDOC, as usuais concepções de campo, camponês,
trabalho, formação para o trabalho, e os sentidos da escola do campo.
140
Anjos (2020) nos alerta que a Licenciatura em Educação do Campo foi pensada
para construir novos parâmetros de formação, alterando a forma e o conteúdo da educação
superior e servindo de exemplo para as escolas de educação básica do campo. Assim, se
enquanto educadores esperamos que a escola do campo se engaje nas comunidades em que
estão inseridas, faz parte da construção desse processo formar educadores em um curso que, de
sua parte, também se engaje em seu entorno, seja ele a Universidade, a comunidade local, ou
de forma mais abrangente, o estado do Maranhão. Como está expresso no PPP, espera-se que
na LEDOC, o professor do campo tenha uma formação que o permita relacionar os desafios da
escola aos desafios mais abrangentes da sociedade, e movimentar o espaço escolar em direção
à criação de condições que sejam favoráveis para a formação dos sujeitos camponeses e, em
consequência, contribuir para o desenvolvimento dos territórios camponeses. Entretanto, essa
formação não é esperada apenas daqueles que irão atuar na educação básica, os educadores dos
educadores do campo também podem (e devem) estar engajados em estarem formando-se para
esse propósito, conjuntamente com aqueles a quem formam.
Sobre as concepções de escola do campo entre os docentes da LEDOC, estas
também são diversas. Entre os docentes ligados as áreas do núcleo básico, onde a maioria já
possuía uma trajetória com a Educação do Campo, essa concepção está clara. Para eles, trata-
se de uma escola a ser construída, transformada segundo o projeto camponês.
Era a concepção de uma escola no meio rural, que é a concepção clássica, mas essa
compreensão de que tem que ter uma educação diferenciada, uma educação que esses
estudantes possam se sentir parte, se identificar, que seja útil para eles, ela vinha de
alguma forma.... como é que eu posso dizer...porque na agroecologia a gente trabalha
essa questão dos agricultores se apropriarem daqueles espaços na produção, então
analogamente falando, eu já tinha este entendimento, mas de uma forma não
sistematizada. Hoje eu acho que eu já dei alguns passos desse entendimento dessa
escola do campo, desse olhar diferente, dessa forma diferente de ensino, não só na
questão do conteúdo, mas toda a carga política que está embutida dentro desta forma,
essa questão do se aceitar como ser político, do entender que você é um ser político
em qualquer circunstância, e de que suas escolhas já são por si só um ato político.
(PROF. RAUL).
O profissional que vai atuar nessa escola precisa, de um lado, compreender , ter uma
formação do ponto de vista da formação pedagógica teórica, ele precisa ter uma
formação que compreenda a Educação do Campo na sua especificidade e quando eu
falo da especificidade eu falo tanto do ponto de vista cultural, da diversidade cultural
que é o campo, mas falo também do ponto de vista da luta de classes e de uma disputa
de projeto de campo que está demarcada de maneira que a escola do campo é uma
escola e ela é reivindicada a partir do polo do trabalho, dos camponeses e camponesas.
E obviamente, ele precisa também ter uma formação política ideológica que o
possibilite posicionar-se, uma vez que essa atuação dele não é também uma atuação
demarcada unicamente por uma formação de ordem técnica pedagógica, não basta que
ele compreenda o que é Educação do Campo e as concepções, ele precisa ter uma
posição porque a atuação nessa escola será necessariamente marcada pela disputa de
projetos de educação, de campo, de sociedade, e inevitavelmente ele vai ter que tomar
posição, mesmo que ele não tenha clareza disso, ele vai ter que se posicionar. Então
nesse sentido, a formação do educador e educadora das escolas do campo precisa, do
ponto de vista político e pedagógico, ter uma especificidade que permita que de fato
ele atue nessa escola de modo coerente com o projeto político e pedagógico da escola
que é... obviamente, está inserido na disputa política e pedagógica do projeto de
sociedade, de ser humano que essa escola forma e, obviamente, dos grupos sociais,
dos elementos sociais que disputam esses projetos de educação. (PROF. FELIPE).
Saviani (2011, 2019) nos alerta que este debate levantado nos depoimentos acima
– formação geral versus formação específica, ou teoria versus prática, formação política e
formação técnica – é um dilema da formação de professores, que só encontra sua superação na
dialética, reconhecendo que teoria e prática são dimensões distintas, mas complementares que
se realizam na prática social. Para o autor, há nas tendências hegemônicas de formação de
professores, uma dicotomia entre o modelo didático-pedagógico e o cultural-cognitivo. No
primeiro modelo, prevalecem os saberes da docência e no segundo, os saberes dos objetos de
ensino. Entretanto, na proposta contra-hegemônica da Educação do Campo é preciso superar
essas dicotomias históricas e compreender que a docência (com seus saberes próprios teórico-
práticos e políticos) é uma dimensão da prática do educador e não um fim em si mesma, pois o
que importa no processe de transformação da escola do campo é colocar esses conhecimentos
próprios das áreas de conhecimento a serviço de um projeto de campo emancipador
(CALDART, 2011). Nesse sentido:
dado a essa política. Se por um lado, no primeiro depoimento observa-se uma concepção de
formação de educadores do campo mais identificada a uma questão metodológica e curricular,
há também, no segundo, a concepção de formação que a coloca ao lado da construção de um
projeto amplo de sociedade, onde a formação técnica atendida pela organização teórico-
metodológica e curricular são colocadas como instrumento para atendimento desse projeto.
Há que se estar atento a que concepção está prevalecendo na condução do curso,
pois se entendemos formação de educadores do campo apenas do ponto de vista da de um
currículo específico para atender a uma modalidade de educação específica, corremos o risco
de que justamente o campo perca a centralidade nessa formação, assim como a matriz curricular
e os princípios que foram pensados para sustentar e instrumentalizar a disputa de projeto
societário que se configura na formação de educadores do campo demandada pelos movimentos
sociais, como é o caso da formação por área e da formação por alternância e presencial.
Outro aspecto a ser destacado, então, é a forma como esses professores se
posicionam diante dos princípios básicos que orientam a formação de educadores do campo
colocados no então PPP do curso e como procuram operacionalizá-los em seu trabalho docente.
Para isso, analisamos os dados coletados nas entrevistas e os programas das disciplinas
disponibilizados pelos docentes para a pesquisa. Contudo, podemos verificar que ainda é
expressiva a quantidade de professores entrevistados que demonstraram não ter conhecimento
dos princípios básicos do PPP.
Entre os professores que demonstraram conhecimento do PPP e mesmo entre os que
não demonstraram, todos afirmaram que procuram orientar seu trabalho docente segundo esses
princípios. Dos princípios citados, demonstraremos no Gráfico 1 aqueles que mais aparecem nas
falas dos entrevistados, bem como nos documentos orientadores de suas ações como programa das
disciplinas, de estágio e nos projetos dos programas operacionalizados pelo curso, a saber, PIBID,
PET e Residência Pedagógica. Vale dizer que a grande maioria dos programas das disciplinas
analisados pertencem ao núcleo de formação básica, ou seja, estão relacionadas as disciplinas de
fundamentos das ciências humanas e das pedagógicas. Só tivemos acesso a um programa de
disciplina do núcleo específico em Ciências da Natureza e Matemática.
Gráfico 1 – Princípios básicos mais citados pelos professores e nos documentos orientadores do
trabalho docente
144
Fonte: Elaborado com base nos dados coletados nas entrevistas, programas de disciplina e projetos PIBID, PET
e Residência Pedagógica.
princípios... então é claro que a gente sempre acha que tem coisas que podem melhorar
e tal, mas eu sinto que nós temos passado por esses princípios na formação. Há alguns
limites, em algum momento ou outro, mas eu acho que a gente ainda consegue garantir
a essência do que é esses princípios em alguns espaços da formação no campo da
disciplina, se a gente fala aqui sobre elas, mas a gente também tenta ampliar para
outros espaços de formação na universidade, nos eventos nos seminários, enfim. Aí
eu percebi que essa parte mais política, nós, na área de ciências humanas, geralmente
somos os que mais fazemos. As áreas - que eu não gosto nem de falar ‘áreas
específicas’ – que não são específicos, específicos somos nós, a educação do campo...
esses princípios da Educação do campo é essa especificidade do curso, né? Eles são
as áreas das terminalidades que vão instrumentalizar para alguma docência em
algumas disciplinas, mas eu vejo que, de certa forma, eles tentam trazer ali a discussão
da intencionalidade, dessa relação teoria-prática, que por mais que eu não acompanho
tão próximo, mas talvez ali tenham preocupação, não sei se na dimensão da prática ou
da práxis. Nós tentamos fazer nessa perspectiva da práxis, os outros colegas aí já não
sei também avaliar tão ao certo se está claro essa discussão aí da práxis. (PROFA.
LAURA).
Desse modo, averiguamos que está ausente na LEDOC /UFMA maior articulação
da equipe em relação à compreensão e materialização dos fundamentos e princípios da
Educação do Campo. Diante dos desafios colocados institucionalmente para que esse
alinhamento ocorra, é interessante que aqueles sujeitos que entendem a importância desses
princípios para a formação do educador do campo – sejam os docentes, os discentes ou os
movimentos sociais – continuem tensionando e trazendo sua discussão nos momentos coletivos
de organização do trabalho pedagógico, planejamentos, seminários, aulas, projetos e demais
momentos do curso.
Afinal, sem a materialização desses princípios, que devem transversalizar toda
operacionalização do curso, o sentido da Educação do Campo se perde. Lembremos a fala do
Prof. Felipe “A Educação do Campo foi construída numa perspectiva de classe”, isto é, em seus
fundamentos e princípios estão as bases para a construção de uma sociedade da classe
trabalhadora. O rompimento com séculos de inculcação ideológica de práticas formativas
orientadas por princípios outros, que não coadunam com os nossos próprios enquanto classe
trabalhadora, é certamente um desafio colocado às Licenciaturas em Educação do Campo.
Entretanto, o formato em que a Licenciatura foi pensada pretende impulsionar tal rompimento
e a materialização dos princípios da Educação do Campo. A organização por área de
conhecimento e por alternância são estratégias que potencializam a construção de uma
pedagogia contra-hegemônica, mas para isso devem estar articuladas a esses princípios que lhe
garantam intencionalidade político-pedagógica. A seguir, discutiremos como elas estão
estruturadas na LEDOC /UFMA.
Nós da LEDOC, nós temos muitos desafios, porque do ponto de vista ideal que a gente
gostaria de fazer, a gente gostaria de nós, professores, irmos até a comunidade em
alguns momentos, nos aproximarmos dela para este acompanhamento da formação
neste espaço, promover atividades, seminários, enfim, mas isso foi algo que a gente
nunca conseguiu fazer. [...] A gente nunca foi, porque nunca tivemos recurso
destinado a isso. Me lembro que quando eu cheguei, a gente fazia o planejamento para
ir nas comunidades, contando que teríamos o recurso para isso, mas esse recurso
nunca veio. (PROFA. LAURA).
Sabemos que a equipe docente também possui um papel importante na disputa pela
qualificação da alternância na LEDOC-UFMA. Porém, precisamos destacar que as concepções
de alternância na LEDOC/UFMA também são diversas.
Eu acho que a Alternância é uma forma muito potente da gente trabalhar na Educação
do Campo. Eu acho que a Educação do campo apreendeu a alternância e politizou a
alternância a partir do seu contato e relação com o movimento das escolas famílias
agrícolas e nas casas familiares rurais. E nós, Licenciatura em Educação do Campo,
nós estamos construindo uma alternância, que inclusive já há estudos aí, discussões
sobre isso, que não é a réplica da alternância das EFA’s. Somos nós, a Educação do
Campo, construindo uma alternância que se dá entre tempos e espaços de formação,
que as duas estão em formação. Então eu entendo que alternância é uma forma potente
da formação, porque ela não só coloca o tempo-espaço Universidade como um local
profícuo de formação e ela também coloca o tempo escola-comunidade como espaço
profícuo de continuidade dessa formação, porque ele tanto forma como ele também
dá continuidade ao que a gente busca operar dentro da Universidade enquanto lugar
ali do conhecimento teórico e, também faz essa relação com o conhecimento teórico-
prático que está em outro campo e espaço, em outro tempo e outro espaço. Eu gosto
muito de usar essas duas palavras, outro tempo-espaço, porque o tempo espaço da
comunidade, da escola-comunidade não é o mesmo do nosso tempo-espaço da
Universidade, então a gente aprende aí nessa relação desses dois tempo-espaço de
formação. (PROFA. LAURA).
Eu não sou uma pessoa que tem uma experiência vasta em Alternância, mas as
experiências que eu conheci, as alternâncias elas funcionam bem onde que você tem
um curto período entre o tempo comunidade e o tempo escola, em avaliação são mais
efetivos, porém a estrutura e o nosso público-alvo dificulta um pouco isso porque nós
temos estudantes do Maranhão todo, inclusive fora do Maranhão. Então esse vai e
volta ele não se torna viável porque o nosso público-alvo, quem frequenta o nosso
curso são pessoas com dificuldades, com uma vulnerabilidade social também, então
eles não têm condições econômicas de estar fazendo este vai e volta com uma certa
frequência. Então foi encontrado essa estrutura antes de eu chegar, mas eu
compreendo ela, embora eu avalio que tem limitações pedagógicas, mas eu entendo
que é a única forma desses estudantes poderem estar cursando. Então a gente tem para
cada semestre 2 tempos universidade e um tempo comunidade. É assim que estamos
estruturados no nosso curso. Ela tem limitações porque a gente acaba não tendo um
tempo de reflexão que, no meu entender, ele é importante, a gente acaba
comprometendo um pouco uns pilares da própria Educação do Campo, da pedagogia
da alternância que é esta conexão da realidade com o espaço acadêmico, então nessa
transição, esta sinapse, digamos assim, ela fica um pouco comprometida porque os
estudantes vêm, passam um longo período aí às vezes a faixa de 30 dias, vão passam
mais 30 dias em casa para depois retornar para Universidade novamente para um
segundo tempo Universidade ou por mais, sei lá ,20, 30 dias mas eu acho que é a única
forma viável de ser feito isso. (PROF. RAUL).
Olha, a gente já tentou algumas vezes reunir por áreas. Então a área de educação
separado da área de Ciências da Natureza e Matemática, separado da área de Ciências
Agrárias, só que é uma reunião que não surte fruto nenhum, porque as pessoas não se
152
organizam para discutir um currículo, uma proposta de ementa de uma disciplina que
seja interdisciplinar. (PROF. JOÃO).
Então assim, algumas experiências que a gente tem são mais individuais aí: eu e
professor x, que nós temos mais aproximação, a gente busca fazer maior diálogo, mas
eu penso também que a interdisciplinaridade não tá somente nesse jogo da prática, ela
está relacionada também ao meu conhecimento sobre a vida, as outras coisas, enfim.
Então assim, individualmente eu também faço a interdisciplinaridade quando eu
coloco o meu conteúdo da disciplina em relação com outros saberes, seja saberes
teóricos, disciplinares, seja saberes também do mundo, da vida, da prática, da política,
do fazer cotidiano. A interdisciplinaridade ela tá para além disso. Então nas disciplinas
eu tento buscar um pouco isso, principalmente as disciplinas que eu ministrei mais
inicialmente, as de fundamentos: filosofia, sociologia, psicologia [...]. Não adianta
você falar dos saberes teóricos sendo que você não coloca a relação deles com o que
está acontecendo.
Viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento,
tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto de reflexão crítica deveria
fazer parte da aventura docente. A razão ética da abertura, seu fundamento político,
sua referência pedagógica; a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo. A
experiência da abertura como experiência fundante do ser inacabado que terminou por
se saber inacabado. Seria impossível, saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e
aos outros à procura de explicação, de respostas as múltiplas perguntas.
outros professores. Então ela nos dá uma condição interessante de inserção na escola
e de intervenção.
Para além das possibilidades que esses projetos trazem para a LEDOC, os
professores também relataram algumas dificuldades e especificidades da execução desses
projetos na Educação do Campo, que de certo modo, também estão relacionados ao lugar de
esquecimento colocado ao campo nas ações do Estado. São relatadas as distâncias das
comunidades umas das outras e a falta de recursos para um acompanhamento mais sistemático
nesses locais, as dificuldades de acesso, dificuldades de divulgação dos editais dos projetos, de
modo que muitas escolas ficam impedidas de participar pela falta de acesso à essa informação.
[...] a grande dificuldade é essa, o baixo valor da bolsa dos alunos principalmente, e
os poucos recursos de deslocamento, porque a gente também não vai gastar muito do
nosso dinheiro para fazer um deslocamento para as escolas que em algumas
experiências é muito longe da universidade. O que é diferente realizar um PIBID aqui
em São Luís que as escolas estão bem ali em outro bairro, na educação do campo, em
Bacabal, é diferente vai para um outro município a 800 km de distância então conhecer
essa realidade é o principal elemento para se construir um projeto de iniciação à
docência. (PROF. JOÃO).
princípio educativo na formação dos discentes do curso, e intervir nessas escolas a partir de um
referencial de trabalho docente multidisciplinar e posicionado nos interesses da população
camponesas.
E, ao se debruçar sobre a escola de educação básica do campo por meio dos
projetos, dos estágios, as pesquisas desenvolvidas nesses projetos tem o potencial de
sistematizar e construir novas políticas públicas para a educação básica do campo que de fato
considerem a realidade e as necessidades das comunidades camponesas maranhenses,
promovendo ações que corroborem para a transformação da escola.
[...] no momento que essa formação se propõe a formar professores por área de
conhecimento, então, essa formação, pra ela se materializar no âmbito do processo
formativo requer que os professores também estabeleçam diálogos sobre a formação,
sobre aquilo que está sendo ministrado e, consequentemente, essa formação, ela
também está formando professores pra um lugar que ainda não existe, porque a escola
é disciplinar, a gente não conseguiu ainda alterar essa concepção, essa lógica que
permeia as escolas, e, consequentemente, isso é um duplo desafio, é um duplo desafio
pra quem está fazendo essa formação. [...] por exemplo, quem tá saindo hoje nas
Ciências da Natureza e Matemática, como é que a gente vai encontrar a escola? Com
horário de física, o horário de matemática, o horário de química, da biologia, né? Só
que aí a grande questão é: qual o lugar do campo nessa formação? Porque por
exemplo, na matemática, naquela comunidade, aquelas pessoas que trabalham com a
pesca, que trabalham com o extrativismo, será que nesse trabalho não tem nenhum
conhecimento da matemática, da física, da química, da biologia que possa justamente
contribuir para que esse aluno consiga avançar na sua percepção acerca do que ele
tem de conhecimento daquela vivência ampliando as suas capacidades superiores,
como é o que Vigotski coloca? Então, geralmente, o que acontece? É mais fácil
trabalhar com aquilo que já está prescrito, com aquilo que a ciência já trabalhou, já
construiu, e aí, claro, a gente não tem nada contra aos conhecimentos produzidos pela
humanidade, mas eles só terão sentido a partir do momento que eles têm uma utilidade
- não gosto de usar essa palavra, mas não está me vindo outra aqui - o momento em
que esses conhecimentos podem contribuir para a elevação do pensamento que eu
tenho da realidade, então esse é o papel. Então eu acho que essa pergunta tua, ela é
um desafio tanto no que diz respeito a qual o lugar da educação do campo, da
licenciatura nas políticas públicas, mas também qual é o lugar delas na construção do
conhecimento, de que forma.. com esse desafio de formar professores com uma
concepção diferenciada, com um trabalho pedagógico diferenciado, de que maneira
que a gente tem avançado com relação a esse diálogo com as áreas do conhecimento,
então eu acho que esse é um desafio que está posto e aí pra gente não é fácil porque a
gente foi formado justamente pelas caixinhas, e essas caixinhas, em geral, o ideal é
que elas não dialoguem porque daí quando você dialoga e percebe as relações, é muito
perigoso para o Estado, porque aí você começa a perceber que as coisas não estão
isoladas, elas têm relações, então formar o estudante com a capacidade de estabelecer
relações é também, eu diria, que é até um ato subversivo no contexto que a gente vive
no momento. (PROFA. DANDARA).
Esse trabalho com temas geradores ancora-se tanto nas teorizações de Paulo Freire
sobre uma alfabetização que parte da leitura de mundo para a leitura da palavra, como também
em uma pedagogia socialista, onde a organização do trabalho pedagógico deve ter como
centralidade o trabalho socialmente necessário.
É nesse sentido que a Licenciatura em Educação do Campo, como política e prática
na formação de educadores do campo, está repleta de potenciais para a debate progressista na
educação como um todo. Trata-se de uma experiência contra-hegemônica tanto do ponto de
vista da construção de políticas públicas, como também da forma e conteúdo da sua formação.
Nessa perspectiva, a formação defendida está ancorada em práticas que rompam com o
dualismo educacional, útil para a alienação dos trabalhadores do controle do processo
produtivo. Ao contrário, o que está preconizado na Licenciatura é uma formação omnilateral,
ou seja, que integre todos os momentos do processo produtivo, desde a sua concepção até a sua
realização, e da realização para novas concepções, em um movimento dialético, teórico-prático.
Por mais que entre os docentes da LEDOC na UFMA não haja consenso sobre essas
concepções e práticas na formação dos educadores, vale dizer que a história e as matrizes
político- pedagógicas da Licenciatura tem servido como orientador das disputas empreendidas
em torno da formação operacionalizada. Também são essas matrizes que vem sustentando a
resistência dos docentes na LEDOC que entendem o projeto de campo e sociedade subjacentes
157
a formação de educadores do campo neste curso. Além do mais, como nos orienta Caldart
(2015, p. 119):
5 CONCLUSÃO
As políticas públicas, definidas como ação do Estado (HOLFING, 2001), não estão
restritas aos seus demandantes, seus formuladores, seu público ou seu recorte temporal e
espacial. A formulação e implementação das políticas públicas se dão em um conjunto
complexo e contraditório de relações com um contexto territorial, cultural, sócio-histórico e
econômico.
Se focarmos na política de educação do campo isto se complexifica já que estamos
tratando de uma política que nasce na dinâmica da luta por reforma agrária e é pautada e
formulada – ainda que implicadas as negociações e adequações – pelo movimento da educação
do campo. Isto quer dizer que seus “beneficiários”, os sujeitos do campo, são também, em boa
medida, seus propositores. Por isso, ao se institucionalizar a Licenciatura em Educação do
Campo e delegar aos institutos públicos superiores de educação a sua implementação, seria
acertado evidenciar esses mesmos sujeitos também como seus condutores. Se é o movimento
da educação do campo que a pensou e, consequentemente, conhece os seus objetivos e se engaja
para cumpri-los, caberia a essas instituições criar mecanismos que assegurassem a participação
desse movimento em toda a implementação da política. Entretanto, observamos que, nos
mecanismos de manutenção da ordem dominante presentes no Estado, o que impera são
diversos impedimentos e desafios para que os movimentos sociais possam ter controle sobre
essas políticas.
Arretche (2001) nos alerta para a necessidade de realizamos avaliações de políticas
menos ingênuas. Quanto mais complexa a política, como tem sido a política de formação de
educadores do campo, maiores serão as variedades de concepções, comportamentos e interesses
investidos em sua implementação e, portanto, as tendências a não-convergências. As
instituições públicas condensam as contradições que são próprias da sociedade de classes em
que estão inseridas de modo que seus sujeitos podem operar até mesmo em sentido contrário
ao que está preconizado pela ideia original contida na política, e isto é um dado que independe
da vontade ou da competência dos formuladores e implementadores.
É sabido que da formulação até o momento de implementação, a política,
certamente sofrerá modificações. Assim, a forma como determinada política se desenvolve
depende dos sujeitos que estão encarregados de fazer a política acontecer, do grau de adesão
que terão às concepções e objetivos embutidos no projeto pensado; mas depende também das
mudanças nas conjunturas, prioridades dos governos, e mesmo dos movimentos sociais. Em
suma, da correlação de forças que se desenrola em determinado recorte temporal e espacial
160
REFERÊNCIAS
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estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade? Sociologias, Porto Alegre, v.
13, n. 28, p. 52-84, 2011. Disponível em:
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Acesso em: 10 set. 2021.
1. Como ocorreu a articulação inicial para criação do curso na Ufma?? O que a motivou?
(OE1)
3. Quem participou da elaboração do texto da Resolução 111/09? Como foi esse processo?
(OE1)
4. Qual foi a participação e função assumida por cada ente envolvido na criação do curso?
(OE1/OE2)
5. No PPP está colocado que a criação do curso colaboraria para a ampliação do diálogo entre
UFMA, SEDUC e o Comitê Estadual de Educação do Campo. Como está sendo a
articulação entre esses entes, também envolvidos na criação do curso, na atualidade? Quais
são as iniciativas da Universidade no sentido de manter ou ampliar essas relações? E quais
são as dificuldades nessas relações? (OE2)
2. Para que o curso seja viabilizado tendo como foco a educação do campo, existem
adequações, negociações que precisam ser feitas no âmbito da universidade? Quais são
elas? Como a gestão costuma se posicionar diante dessas adequações? (OE3)
10. Essas avaliações acontecem de fato como pressupõe o PPP? O que acontece ou não
acontece? Quais os desafios? O que costuma ser pautado nas avaliações?
11. Os princípios formativos entram como critérios para serem discutidos nas avaliações? Há
avaliação coletiva entre alunos e professores ao fim das etapas?
12. Esse tem sido um instrumento de desenvolvimento de vivências democráticas? (OG) (OE1)
13. A estrutura de gestão conforme posta no PPP é responsabilidade da Ufma exercida pela
Coordenadoria do curso composto por Colegiado, Coordenação Geral, Secretaria e
Coordenação de turma. Como essa gestão se relaciona com os trâmites que envolvem a
Universidade e seus aparatos administrativos?
3. Qual é o seu percurso formativo com relação à educação do campo? De onde veio sua
aproximação com a educação do campo?
4. Você concorda que os profissionais que atuam nas escolas do campo necessitam de uma
formação específica? Por quê?
5. Você conhece o Projeto Político Pedagógico do curso e seus princípios? Como você os
compreende?
10. Você acredita que os conteúdos estudados dialogam com as demais disciplinas do curso?
Quais são as estratégias usadas para fomentar a interdisciplinaridade?
11. Na sua concepção, existe vinculação entre os conhecimentos estudados em seu componente
curricular e as escolas do campo, movimentos sociais e outras formas de organização
presentes no campo? Quais as estratégias adotadas para estimular essa articulação?
13. Como os conteúdos estudados na disciplina podem colaborar para o fortalecimento das
escolas do campo?
176
14. Considerando a estrutura física, técnica e operacional disponibilizada pela UFMA, em que
medida você acredita que a mesma contribui para o desenvolvimento da Licenciatura em
Educação do Campo segundo preconiza seu Projeto?
1. Qual é o seu percurso formativo com relação à educação do campo? De onde veio sua
aproximação com a educação do campo?
2. Qual a sua concepção de educação do campo? E de escola do campo?
3. O trabalho do Pet deve ser desenvolvido pelos discentes em suas comunidades de origem.
Quais são as práticas que orientam essas escolas? Como o PET intervém na realidade
encontrada?
4. Quais são os maiores desafios para a operacionalização do PET?
5. Quais princípios formativos têm se desenvolvido nos discentes a partir de sua atuação no
PET?
6. As ações do PET possibilitam a integração da universidade e os movimentos sociais do
campo? Há um diálogo expressivo?
7. Quais são as principais contribuições do PET para o curso?
8. Como são realizadas as avaliações das ações do PET?
9. Como você avalia as ações do PET como uma atividade de extensão da Licenciatura? Quais
as contribuições?
10. Quais as contribuições do PET para a pesquisa em educação do campo? E para a elaboração
de novas políticas de formação de educadores do campo?
178
1. Como foi seu percurso formativo com relação à educação do campo? De onde veio essa
aproximação/interesse?
2. Qual a sua concepção de educação do campo? E de escola do campo?
3. Como se dá o processo de elaboração da temática do projeto de intervenção?
4. De que forma as ações do PIBID têm colaborado para a vinculação da universidade com
as escolas do campo?
5. Como você avalia as contribuições do PIBID para as escolas em que os projetos são
realizados? Especialmente no que diz respeito ao fortalecimento das populações
camponesas.
6. Como você avalia as contribuições do PIBID para o curso? E para a formação dos
educadores do campo?
7. Quais princípios formativos, você considera que as práticas desenvolvidas no PIBID
potencializam?
8. Quais são os desafios para a operacionalização do PIBID?
9. As ações do PIBID têm possibilitado a articulação do curso com os movimentos sociais e
outras organizações da sociedade civil? De que forma?
10. Como são realizadas as avaliações das ações do PIBID?
11. Quais as contribuições do PIBID para a pesquisa em educação do campo? E para a
articulação e elaboração de novas políticas de formação de educadores do campo?
179
1. Como foi seu percurso formativo com relação à educação do campo? De onde veio essa
aproximação/interesse?
3. Que sujeitos elaboram a temática que irá ser trabalhada nas escolas durante a residência?
VAGAS
CAMPUS/
ESTADO INSTITUIÇÃO TERMINALIDADE POR CC MODALIDADE
Município
ANO
REGIÃO NORTE
Ciências da
Natureza/
Altamira/Altamira 120 5 Presencial
Linguagens e
Códigos
Ciências Agrárias/
Cametá/Cametá Ciências da 120 4 Presencial
Universidade Natureza
Federal do Pará Ciências da
(UFPA) Natureza/
Linguagens:
Abaetetuba/Abeatuba 60 4 Presencial
Códigos e suas
Tecnologias e
Matemática
Altamira/Altamira
Não informado 60 3 Presencial
(em extinção)
Tucuruí/Tucuruí Não informado 60 3 Presencial
Ciências da
Conceição do Natureza e
Araguaia/Conceição do Matemática/ 60 3 Presencial
PARÁ Araguaia Ciências Humanas
e Sociais
Marabá Rural/ Marabá Não informado 60 4 Presencial
Abaeatuba/Abaeatuba
Não informado 50 4 Presencial
Instituto Federal Bragança Ciências Humanas
40 3 Presencial
de Ciência e e Sociais
Tecnologia do Ciências Humanas
Pará (IFPA) Breves e Sociais/ Ciências 60 4 Presencial
da Natureza
Santarém Não informado 40 4 Presencial
Ciências Humanas
Castanhal 40 3 Presencial
e Sociais
Ciências Humanas
e Sociais/ Não
Universidade
Ciências Agrárias infor
Federal do Sul e
Marabá e da Natureza/ 60 mad Presencial
Sudoeste do Pará
Letras e o
(UNIFESSPA)
Linguagem/
Matemática
Universidade
Federal do Ciências Agrárias/
AMAPÁ Mazagão 60 3 Presencial
Amapá Física e Biologia
(UNIFAP)
Universidade Ciências Humanas
Federal de e Sociais/ Ciências
RORAIMA Paricarana/ Boa Vista 40 3 Presencial
Roraima da Natureza e
(UFRR) Matemática
Fundação
Universidade
Rolim de Moura/Rolim Ciências da
RONDÕNIA Federal de 60 3 Presencial
de Moura Natureza/
Rondônia
Ciências Humanas
(UNIR)
181
Linguagens e
Arraias/ Arraias Códigos (Arte e 120 5 Presencial
Universidade
Música)
TOCANTINS Federal do
Linguagens e
Tocantins (UFT) Tocantinópolis/
Códigos (Arte e 120 5 Presencial
Tocantinópolis
Música)
Total de cursos Total de vagas
18 1230
ativos ativas
REGIÃO NORDESTE
Ciências Agrárias
Universidade Bacabal/ Bacabal 30 4 Presencial
Federal do
Ciências da
Maranhão
Bacabal/ Bacabal Natureza e 30 3 Presencial
(UFMA)
Matemática
MARANHÃO
Instituto Federal
Ciências Agrárias/
de Ciência e
Ciências da
Tecnologia do Maracanã/ São Luis 60 4 Presencial
Natureza e
Maranhão
Matemática
(UFMA)
Ciências da
Natureza,
Matemática e suas
Universidade
Tecnologias/ Presencial
Federal da Bahia Canela/ Salvador 50 -
Linguagens,
(UFBA)
Códigos e suas
Tecnologias
(projeto piloto)
BAHIA Universidade do Não informado
Presencial/
Estado da Bahia XVII/Itaberaba (curso não 60 -
Noturno
(UNEB) iniciado)
Centro de Ciências e
Ciências da
Universidade Tecnologia em Energia
Natureza e 120 4 Presencial
Federal do e Sustentabilidade/
Matemática
Recôncavo da Feira de Santana
Bahia (UFRB) Centro de Formação de
Ciências Agrárias 120 4 Presencial
Professores/ Amargosa
Almicar Ferreira Ciências da
120 4 Presencial
Sobral/ Floriano Natureza
Senador Helvídio Ciências da
120 4 Presencial
Nunes de Barros/ Picos Natureza
PIAUÍ
Universidade Ministro Petrônio Ciências da
120 4 Presencial
Federal do Piauí Portella/ Teresina Natureza
(UFPI) Cinobelina Elvas/ Bom Ciências Humanas
120 4 Presencial
Jesus e Sociais
Ciências da
Universidade Natureza e
CEARÁ Regional do Pimenta/ Crato-CE Matemática/ 60 - Presencial
Cariri (URCA) Linguagens e
Códigos
Ciências da
Natureza /
Universidade Faculdade de Filosofia Linguagens e
Presencial
Estadual do Dom Aureliano Matos/ Códigos 50 -
Ceará Fortaleza (não é possível
identificar se a
oferta continua)
Licenciatura
Interdisciplinar em
Universidade
Unidade Sede/ São Educação do
SERGIPE Federal do 50 - Presencial
Cristóvão Campo
Sergipe (UFS)
(curso em
extinção)
Universidade
RIO GRANDE Federal Rural do Ciências Humanas
Unidade Sede/ Mossoró 120 5 Presencial
DO NORTE Semi-Árido e Sociais
(UFERSA)
182
Instituto Federal
de Ciência e Ciências Humanas
Canguaretama/
Tecnologia do e Sociais/ 40 - Presencial
Canguaretama
Rio Grande do Matemática
Norte (IFRN)
Linguagens e
Universidade
Códigos/ Ciências
Federal de
PARAÍBA Sumé/ Sumé Exatas e da 50 3 Presencial
Campina Grande
Natureza/ Ciências
(UFCG)
Humanas e Sociais
Total de cursos Total de vagas
13 1160
ativos ativas
REGIÃO CENTRO-OESTE
Ciências da
Natureza/
DISTRITO Universidade de
Planaltina/ Brasília Matemática/ Arte, 60 4 Presencial
FEDERAL Brasília (UNB)
Literatura e
Linguagens
Universidade
Ciências da
Federal de Goiás Goiás/ Goiás 60 4 Presencial
Natureza
(UFG)
GOIÁS Universidade
Federal de Unidade Sede/ Catalão- Ciências da
60 4 Presencial
Catalão GO Natureza
(UFCAT)
Fundação
Universidade
Ciências da
Federal da Unidade II/ Dourados -
Natureza/ 120 4 Presencial
Grande MS
MATO Ciências Humanas
Dourados
GROSSO DO (UFGD)
SUL
Universidade
Ciências da
Federal do Mato Campo Grande/ Campo
Natureza/ Ciências 60 4 Presencial
Grosso do Sul Grande
Humanas
(UFMS)
Total de cursos Total de vagas
5 360
ativos ativas
REGIÃO SUDESTE
Linguagens/
Sede/ Vitória Ciências Humanas 120 4 Presencial
Universidade
e Sociais
ESPÍRITO Federal do
Ciências Humanas
SANTO Espírito Santo Centro Universitário
e Sociais /
(UFES) Norte do Espírito Santo 120 5 Presencial
Ciências da
/ São Mateus
Natureza
Universidade
Federal Rural do Ciências Sociais e
Sede/ Seropédica 70 5 Presencial
Rio de Janeiro Humanidades
(UFRRJ)
Instituto de
Ciências da
Educação
Campos dos Natureza e
RIO DE Superior
Goytacazes/ Campos Matemática 60 - Presencial
JANEIRO Professor Aldo
dos Goytacazes (curso não
Muylaert
iniciado)
(ISEPAM)
Universidade
Santo Antônio de
Federal Ciências Humanas
Pádua/ Santo Antônio - - Presencial
Fluminense e Sociais
de Pádua
(UFF)
Ciências da Vida e
da Natureza/
Universidade
Línguas, Artes e
MINAS Federal de Pampulha/ Belo
Literatura/ 60 5 Presencial
GERAIS Minas Gerais Horizonte
Ciências Sociais e
(UFMG)
Humanidades/
Matemática
183
Universidade
Federal dos
Linguagens e
Vales do
JK/ Diamantina Códigos/ Ciências 60 5 Presencial
Jequitinhonha e
da Natureza
Mucuri
(UFVJM)
Universidade do Ciências da
Triângulo Universidade/ Uberaba Natureza/ 60 4 Presencial
Mineiro (UFTM) Matemática
Instituto Federal
de Ciência e
Inconfidentes/
Tecnologia do Ciências Agrárias 40 - Presencial
Inconfidentes
Sul de Minas
(IFSUL)
Universidade
Ciências da
Federal de Viçosa/ Viçosa 60 5 Presencial
Natureza
Viçosa (UFV)
Ciências da
Universidade de
Natureza e
SÃO PAULO Taubaté Bom Conselho/ Taubaté 60 5 Presencial
Matemática
(UNITAU)
(curso extinto)
470 (valor aproximado, pois não
Total de cursos Total de vagas
9 foi possível identificar o total de
ativos ativas
vagas ofertadas na UFF)
REGIÃO SUL
Universidade Ciências Agrárias/
São Lourenço do Sul/
Federal do Rio Ciências da 40 4 Presencial
São Lourenço do Sul
Grande (FURG) Natureza
Universidade
Educação a
Federal de Santa Vários municípios Ciências Humanas 150 -
Distância
Maria (UFSM)
Universidade Não informado
Educação a
Federal de Vários municípios (curso extinto em 40 -
Distância
Pelotas (UFPEL) 2020)
Universidade
Federal do Dom Pedrito/ Dom Ciências da
60 5 Presencial
Pampa Pederito Natureza
RIO GRANDE (UNIPAMPA)
DO SUL Instituto Federal Ciências Agrárias/
de Ciência e Ciências da
Tecnologia de Jaguari/ Jaguari Natureza 40 4 Presencial
Farroupilha (curso em
(IFFarroupilha) extinção)
Universidade Ciências da
Centro/ Porto Alegre 120 5 Presencial
Federal do Rio Natureza
Grande do Sul Litoral Norte/ Ciências da
120 5 Presencial
(UFRGS) Tramandaí Natureza
Universidade
Federal da Ciências da
Erechim/ Erechim 40 4 Presencial
Fronteira Sul Natureza
(UFFS)
Ciências da
Universidade Natureza/
60 5 Presencial
Federal da Laranjeiras do Sul/ Matemática/
Fronteira Sul Laranjeiras do Sul Ciências Agrárias
(UFFS) Ciências Sociais e
40 4 Presencial
Humanas
PARANÁ Universidade
Ciências da
Federal do Litoral/ Matinhos 120 5 Presencial
Natureza
Paraná (UFPR)
Universidade Ciências da Não
Estadual do Natureza e infor
Reitoria/ Cascavel 60 Presencial
Oeste do Paraná Matemática/ mad
(UNIOESTE) Ciências Agrárias o
184
Universidade Ciências da
Dois Vizinhos/ Dois 4
Tecnológica do Natureza e 60 Presencial
Vizinhos
Paraná (UTFPR) Matemática
Total de cursos Total de vagas
11 870
ativos ativas
Total de vagas
Total de
64 Total de LEDOC’s ativas 56 anualmente ofertadas 4280
LEDOC’s
pelas LEDOC’S ativas
Total de cursos Total de cursos com
Total de cursos com
com habilitação habilitação em
18 habilitação em Ciências da 39 11
em Ciências Linguagens ou
Natureza e/ou Matemática
Humanas Linguagens e Códigos
Total de cursos
Total de cursos com
em extinção ou 5 Total de cursos EAD 5 16
conceito máximo
extintos
Nota: Conceito do Curso (CC)
185