As Drogas e Os Meios de Comunicação
As Drogas e Os Meios de Comunicação
As Drogas e Os Meios de Comunicação
O uso abusivo de álcool e outras drogas é uma questão que envolve vários setores da
sociedade. Abrange aspectos jurídicos, policiais, médicos, educacionais, ocupacionais,
familiares, entre outros. Trata-se, também, de um tema carregado de crenças, conteúdos
emocionais e morais, que foram construídos e legitimados ao longo da história.
No Brasil, a ideia de uma suposta “explosão de uso” de drogas ilícitas a ser combatida
foi aos poucos divulgada pela imprensa e assimilada pela opinião pública. Os primeiros estudos
epidemiológicos realizados no Brasil, no final da década de 80, mostraram que, até aquele
momento, o número de estudantes usuários de substâncias ilícitas era relativamente pequeno
e estável. No entanto, alguns anos mais tarde, no início da década de 1990, o número de
usuários de maconha e cocaína realmente começou a aumentar.
O fato de a imprensa ter alardeado um aumento do uso de algumas drogas, anos antes
de acontecer, poderia ser encarado de várias maneiras: a mídia como indutora do uso
(incentivando o uso pelo excesso de informações) ou a mídia como indicador epidemiológico
(teria sido capaz de detectar um fenômeno antes de ser mensurado pela ciência). Na verdade,
mídia, opinião pública, comportamento de uso de drogas e políticas públicas interligam-se em
uma relação complexa.
Cinema, teatro e novelas também têm trabalhado questões relativas ao uso de drogas.
A novela “O Clone” e o filme “Bicho de sete cabeças” são alguns exemplos de materiais
artísticos que mobilizaram a opinião pública sobre drogas no Brasil.
Nos anos de 1998, 2000 e 2003, foi observado um grande número de matérias gerais,
sem focar alguma droga em especial, com utilização de termos amplos como “dependência”,
“vício”, “tóxicos” e “tráfico”. No entanto, entre as matérias que abordaram drogas específicas,
foi observado um evidente predomínio do tabaco, na maioria das vezes, ressaltando os danos
decorrentes do uso ou as estratégias para parar de fumar. O número de matérias sobre
bebidas alcoólicas, apesar de ter crescido ao longo dos anos, permaneceu aquém do esperado.
Embora não seja possível determinar a freqüência ideal de artigos, ao menos seria
esperada uma distribuição mais equilibrada, compatível com os indicadores de saúde pública.
As bebidas alcoólicas deveriam ser as mais discutidas, uma vez que representam o maior foco
de problemas de saúde, seguidas pelo tabaco. Os solventes e os medicamentos psicotrópicos,
amplamente usados de forma abusiva pelos jovens, também merecem maior discussão na
imprensa.
No entanto, vale ressaltar que, apesar de ainda estar descompassado com a saúde
pública, o jornalismo avançou muito nas últimas décadas. Um estudo realizado por Carlini-
Cotrim e colaboradores (1994), sobre as matérias jornalísticas das décadas de 1970 e 1980,
observou um número muito pequeno de matérias sobre tabaco e álcool e, por outro lado,
enfoques muito alarmistas para as drogas ilícitas. O fato de, nos anos de 2000 e 2003, ter sido
detectado um cenário jornalístico menos tendencioso, sugere um amadurecimento e
alinhamento gradativos entre imprensa e saúde pública.
A cocaína e o crack são as drogas que mais recebem enfoque de repressão ao tráfico,
apreensões, repressão ao cultivo, repressão ao uso e consequências do tráfico. As
consequências negativas do uso também foram alvo de várias manchetes. Entre as principais
consequências, destacam-se a dependência e os problemas cardiovasculares, com manchetes
como “Drogados têm mais chances de enfartar”.
As matérias sobre prevenção, embora mais trabalhadas, ainda poderiam oferecer uma
visão menos persecutória e mais otimista, valorizando as potencialidades da comunidade, da
escola e da família.
Pare um pouco e reflita: um grande desafio que se coloca para quem trabalha com
prevenção ao uso abusivo de álcool e outras drogas é “de que forma é possível utilizar a mídia
como aliada?”. Se boa parte da mídia se ocupa em trazer mensagens, informações e
conteúdos que estimulam o consumo e a experiência com as drogas, como ganhar espaço para
falar de educação e prevenção? Ao continuar a leitura, você terá indicações sobre como atuar
nessas questões.
Nas letras de música pop, a maconha é idealizada. Nos filmes, atores fumam com
glamour seus cigarros. As propagandas de cerveja, trazendo situações sempre paradisíacas,
invadem a casa e o imaginário dos jovens sem interrupção. Os jornais noticiam, com
freqüência, apreensões de drogas e prisão de traficantes. Nesse universo, como pensar em um
espaço que possa educar e informar?
É interessante notar que, de alguns anos para cá, a questão do álcool, do cigarro e das
drogas ilícitas sensibilizou boa parte de quem decide na mídia brasileira. Não há jornalista,
editor ou dono de empresa de comunicação que não parou para pensar nessa questão. Alguns
percebem que têm um canal e um espaço importante para esclarecer e tentar fazer prevenção
com seu público.
Espaços que discutem a questão das drogas têm se tornado mais freqüentes na mídia
nacional, da mesma forma que a AIDS e o sexo protegido ganharam destaque a partir da
década de 80.
Além desse exemplo, vale a pena prestar atenção em atitudes de TVs segmentadas e
de revistas e jornais para o público jovem que, embora gerem um impacto menor em termos
IV. As drogas e os meios de comunicação.
de audiência, têm maior liberdade para ousar mais e arriscar projetos mais efetivos para
informação e educação.
A emissora MTV, por exemplo, há anos elabora algumas vinhetas e campanhas que
mostram, de forma moderna e atraente, a discussão do impacto e do risco no uso de álcool e
outras drogas. As TVs educativas, muitas vezes, trazem discussões sobre o assunto em sua
grade de programação.
Jornais e revistas também dedicam espaços para que o jovem possa se informar e
discutir a questão das drogas. Serviços especializados em saúde, como o Hospital Israelita
Albert Einstein, em São Paulo, que traz a cada semana uma dúvida do público esclarecida por
um especialista, além de uma página especial para os mais jovens, também ajudam nesse
sentido.
Trabalhos como estes podem, sem dúvida nenhuma, gerar um aumento do nível de
informação e da discussão sobre a questão das drogas na população brasileira. Nas últimas
duas décadas, viu-se essa discussão acontecer de forma aberta, direta e com grande
mobilização dos veículos de comunicação e da população na questão da AIDS.
O tom das abordagens mudou muito nesses 20 anos e a experiência acumulada foi
fundamental para que o discurso ficasse mais afinado. Com a questão das drogas, talvez mais
plural e complexa do que a questão da sexualidade, a tentativa de se achar a linguagem e o
foco adequado está apenas começando. Há um longo caminho a ser percorrido.
Esse caminho ficará mais rico e mais diverso se, a exemplo do que aconteceu na
discussão sobre a AIDS, todos os setores da sociedade envolverem-se na discussão. Talvez
fique a impressão de que essas atitudes são modestas frente a grande pressão que outros
setores da mídia exercem sobre o estímulo ao beber, ao fumar ou ao experimentar drogas.
Contudo, é com um olhar atento nessas experiências recentes e na receptividade que elas vão
obter junto aos especialistas, autoridades, anunciantes e população que se poderá pensar e
planejar estratégias de maior impacto.