TESE Luciano Borges de Souza - Leão COroado
TESE Luciano Borges de Souza - Leão COroado
TESE Luciano Borges de Souza - Leão COroado
Recife
2018
LUCIANO BORGES DE SOUZA
Recife
2018
Catalogação na fonte
Bibliotecária: Maria Janeide Pereira da Silva, CRB4-1262
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profº. Dr. Carlos Sandroni (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profº. Dr. Renato Athias (1º Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profª. Drª Tânia Kaufman (2ª Examinadora Interna)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profº. Dr. Leonardo Leal Esteves (1º Examinador Externo)
Universidade Federal de Sergipe
_________________________________________
Profª Drª Juliana Andrade Leitão (2ª Examinadora Externa)
Universidade Federal de Pernambuco
Dedico à Dona Ana Borges, minha mãe.
AGRADECIMENTOS
“Seja grato a tudo meu filho”, sempre me disse a minha mãe... Em sua
sabedoria tão magnificamente construída durante a vida e tão serena e necessária,
para mim, ao menos. Considero a gratidão uma das grandes virtudes de uma pessoa,
e na medida do possível, procuro lembrar o conselho de minha mãe e acima de tudo
tento fazer vibrar esse conselho nas minhas relações íntimas e nas de cunho mais
público, como no trabalho, por exemplo.
Expresso meu agradecimento a Márcio Lima, amigo que ganhei em 2009, ano
em que cursava a especialização em Docência no Ensino Superior. Grande intelectual
e professor de Inglês, Márcio é uma figura rara, dono de uma perspicácia que só os
sábios têm. Deus foi muito generoso, colocando-o em minha vida. Antes de
homenagear os meus amores do mestrado, desejo agradecer a minha mãe, Ana
Borges por todo o apoio e amor incondicional. Só tenho três certezas na vida: da
existência de Deus, da morte e do amor de minha mãe. Serei eternamente grato a
Deus, por tê-la saudável, linda e feliz com a minha realização educacional e
profissional. Mainha esse doutorado também é nosso! Nem imagino em realizá-lo sem
a sua vigilância e doçura permanentes. Aproveito para pedir as desculpas pela falta
de paciência nos momentos de cansaço e aflição para terminar esse trabalho e mais
uma vez, reitero o meu sincero agradecimento. Declaro igualmente o meu amor, ao
meu irmão único, Lucio Borges. Meu irmão, mesmo sendo diferente de mim em vários
aspectos, sempre me proporcionou uma vivência apaixonante, vibrante e verdadeira.
Aliás, verdade é o maior patrimônio que meu pai e minha mãe deixaram. Lucio e eu
seguimos com essa espinha pela vida, espinha da qual, me orgulho muito. A você
meu irmão, o meu afeto mais nobre e o meu apoio. Divido com você essa conquista.
Aos alunos do doutorado, meu agradecimento fraterno e um certo lamento.
Lamento por não ter tido a oportunidade, tempo e energia para tentar e apostar numa
convivência mais afortunada. Ao contrário da turma do mestrado, na qual, fui feliz.
Agradeço com toda a minha força, alegria e emoção a Virgínia Areias, minha
Nega, minha Ginoca! Para você, todo o meu bem, todo o meu amor! Desde o primeiro
dia, em que troquei a primeira palavra, você invadiu o meu coração, sem pedir
nenhum consentimento e o melhor é que amei. Foi o maior encontro que tive em todo
o mestrado, pois Virgínia me trouxe de volta uma alegria perdida, uma beleza
escondida, uma beleza antiga. Uma nobreza e sofisticação que eu não tenho, ou
melhor, tenho, mas distinta desta que Virgínia possui e que tanto admiro. Agradeço
enormemente a Eutália Areias, por ter tido a generosidade de gerar e de brindar o
mundo com uma criatura tão iluminada, tão boa, tão franca. Ginoca sou seu! Feliz de
Léo que desfruta da sua intimidade e amor permanentes.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14
PARTICULAR ................................................................................................. 59
1 INTRODUÇÃO
Os livros nascem uns nos outros, sendo o último filho do primeiro e assim,
sucessivamente, defendia Virgínia Woolf. De forma semelhante, a tese aqui
apresentada também nasceu por meio de um filho anterior, ou melhor, dizendo, por
meio de um passado construído anteriormente. O Maracatu Leão Coroado, a sua
história e as suas vivências e notadamente, o seu guardião Mestre Afonso Aguiar
chegaram ao meu caminho acadêmico por meio de um acaso. Ainda à época da
minha graduação no ano de dois mil e seis, eu cursando história, observei nos muros
da faculdade que estavam abertas as inscrições para a realização do PIBIC. Não
sabia ao certo o que eu estudaria, entre tantas possibilidades que o curso em história
oferece, mas tinha uma centelha já acesa apontada para as temáticas da tradição.
Neste grupo citado, havia Rodrigo, amigo querido e responsável pelo meu
encontro com o Leão. Responsável porque ele estava com toda a inscrição para a
iniciação científica pronta, contudo, subitamente decidiu que não desejava mais
trabalhar o tema acerca do Maracatu Leão Coroado e me perguntou se não queria eu
ficar com a inscrição, esta, praticamente pronta. Confesso que na hora fui tomado por
uma certeza, até hoje, inexplicável. Simplesmente disse sim, aceito. Peguei das mãos
de Rodrigo a inscrição, levei para a minha casa, li, alterei alguns pontos e com dois
dias realizei a minha própria candidatura ao projeto de iniciação científica. Porém,
passado este período de concretização da inscrição e definição do meu tema, houve
um momento de certo constrangimento.
15
Ressalto que mesmo sendo morador de Olinda, não conhecia a sede do Leão
Coroado, lotada hoje no bairro de Águas Compridas, zona periférica do município.
Chegado dia e horário do encontro, dirijo-me ao local informado por Afonso. Por
desconhecer totalmente o local, me perdi completamente nas ruas e becos do bairro,
pois, por mais inusitado que possa parecer quase ninguém na localidade sabia dizer
onde ficava a sede do maracatu. E mesmo tendo o telefone da casa de Mestre
Afonso, não me sentia com liberdade para ligar. Finalmente, quando já imaginava que
o encontro não ia acontecer, pergunto pela última vez a uma senhora de ar simpático
e acolhedor, que estava sentada numa cadeira de balanço à frente de sua casa.
Cumprimento-a e exponho a minha aflição em encontrar o endereço. Neste momento
ela me fita e aponta a casa e sede do Leão. Agradeço e sigo na direção indicada.
Chego e bato no portão, visto que a casa não tem campainha. Passados
alguns minutos, surge uma moça e pergunta o que eu desejo. Digo ter um horário
16
com mestre Afonso e que o mesmo está ciente da minha visita. O portão é aberto,
sou convidado a sentar numa cadeira posta na varanda da casa onde me é oferecido
água, prontamente aceita.
1
Isto ocorreu em 2006.
2
Na minha graduação não constava na matriz curricular a disciplina Antropologia.
17
configurados, como encontros de amigos. Sou amigo de Mestre Afonso e aposto que
a recíproca acontece e é legítima. Sou eternamente grato a Afonso por todas as
contribuições realizadas em minhas pesquisas até o momento.
A primeira contribuição ocorreu justamente por conta deste primeiro PIBIC, cujo
tema era realizar o levantamento, mesmo que preliminar, da trajetória mais histórica
do maracatu. Com os dados disponibilizados, notadamente pela oralidade, fui tecendo
a manta da história do grupo e do seu atual guardião 3.
3
Refiro-me a Mestre Afonso de guardião, pelo fato do mesmo, atualmente, ser o guardião do segredo
deixado por Luiz de França.
4
Atualmente, essa professora é colaboradora do PPGA da UFPE.
18
Sei que a expressão “objeto da pesquisa” pode repugnar aos que trabalham
com ciências humanas, se essa objetividade é entendida como tratar o sujeito
à maneira de coisa, como redução de suas qualidades individuais para torná-
lo objeto. Nesta pesquisa fomos ao mesmo tempo sujeito e objeto. Sujeito
enquanto indagávamos, procurávamos saber. Objeto quando ouvíamos,
registrávamos, sendo como um instrumento de receber e transmitir a memória
de alguém, um meio de que esse alguém se valia para transmitir suas
lembranças. (Bosi, 2006, pág. 38)
A decisão de tornar Afonso Aguiar o meu objeto de estudo principal surgiu com
o segundo PIBIC, basicamente, reafirmou-se no mestrado e hoje, se consolida neste
reencontro. Como já mencionei, no mestrado investi no segredo e nas práticas
íntimas do guardião, para o doutorado, o investimento foi pensar as práticas e as
agendas mais públicas do Leão.
5
Denominação dada pelos candomblecistas aos mortos
6
Em linhas gerais, a calunga é uma Boneca que encarna a figura dos eguns.
20
Pois bem, dito isto, informo que a tese foi dividida em quatro capítulos, por uma
conclusão e pela introdução, ora lida. No primeiro, abordei os caminhos percorridos
para pensar o patrimônio brasileiro, tendo como fio condutor as contribuições de
Aloísio de Magalhães, Rodrigo de Melo Franco com destaque para a criação do
IPHAN e de como a criação deste órgão e contribuições do quilate de Mário de
Andrade, por exemplo, possibilitou a ampliação da ideia de patrimônio, inicialmente
pensada numa perspectiva mais fechada, tendo ao longo do tempo histórico tal
perspectiva uma ampliação de fôlego.
7
Esta tese foi publicada em forma de livro no mesmo ano da defesa da mesma.
8
No mestrado, este tipo de escolha para escrever a dissertação foi motivo de elogios por parte da
banca. O que não me orgulha, mas me honra muito.
9
Lei do Patrimônio Vivo
22
10
Mestre mulengueiro de Glória do Goitá.
23
Alfredo Bosi
Aloísio Magalhães
11
Grifo meu.
12
Aprendi, desde cedo com as professoras Aparecida Nogueira e Roberta Campos, que imputar ideias
absolutamente fechadas é um perigo e uma irresponsabilidade acadêmica. Este é um guia que rege o
meu pensamento.
13
Esta afirmação foi retirada da entrevista concedida pela jornalista ao programa da TVE Brasil, em
novembro de 2017.
14
Em alguns casos, não há citações literais dos autores usados, porém, mesmo quando não citados
literalmente, há a influência do pensamento, e por consequência, uma contribuição à ideia defendida.
24
anteriores, pois, como salienta Adam Kupper (2008), não existe ponto zero em
cultura, não há fóssil cultural. Somos frutos de um passado que nos prende. A
máxima de Kuper nos leva a refletir sobre a minha busca, ou seja, às palavras
centrais desta reflexão: patrimônio, lei, profissionalização da cultura popular 15. A isto
se presta este capítulo: compreender a trajetória da ideia de patrimônio e,
notadamente, a maneira como esta ideia de patrimônio se flexibiliza ao longo da
história.
15
A tese não é especificamente sobre patrimônio, política púbica em forma de lei cultural,
profissionalização. A reflexão aqui empreendida fica na intersecção destes três temas.
16
Apesar do Elefante nunca ter sido patrimônio vivo, Mestre Afonso, atual guardião do Leão Coroado
afirma jamais imaginar que um dia a nação Elefante acabasse. Veremos adiante que nem mesmo a
tradição de anos de existência foi suficiente para assegurar a perenidade do grupo.
25
Como já foi mencionado na quinta nota de rodapé deste capítulo, a tese não se
debruça exclusivamente sobre o tema patrimônio. A mesma busca entender o
patrimônio, notadamente o patrimônio vivo, numa perspectiva mais ampla. Onde
saberes tradicionais e saberes técnicos não sejam vistos como antagônicos.
Comungando com Cunha (2009), constatamos na citação acima, que todo repertório
de conhecimento é inacabado e prestes a se refazer continuamente.
17
Alternarei, quando entender necessário, Lei do Patrimônio Vivo por LPV. Informo que no capítulo
dois, falarei com detalhes sobre a lei.
26
18
Refiro-me ao Brasil oficial, termo defendido em entrevista ao Roda Viva (2012) pelo mestre Ariano
Suassuna. Compreendo e defendo que a história do nosso país vai além da chegada da esquadra lusa
nos anos de 1500. Indícios encontrados no Vale do Catimbau, na Serra da Capivara e em Patos na
Paraíba, por exemplo, são registros materiais da presença humana bem anterior ao período cabralino.
19
As abordagens com estes investimentos ocorreram com destaque nos primórdios da nossa
disciplina. Hoje, professores e alunos estão mais vigilantes com as abordagens, buscando não exotizar
o outro.
27
Na antropologia a discussão sobre políticas culturais tem ocupado, até agora 21,
lugar secundário, com pouco peso heurístico. Isto porque a cultura22- quando
tratada sob a perspectiva das políticas públicas- é entendida como algo subordinado
a um ordenamento de práticas e de discursos administrados pelo Estado, o que
para muitos, a distância de objetos de interesse antropológico. Provavelmente, por
isso, o tema das políticas culturais tenha se aclimatado com maior propriedade em
outras áreas do conhecimento. Há que se acrescentar ainda o caráter relativamente
recente das tentativas da institucionalização destas políticas num viés mais
democrático e pluralista. (Motta, Oliveira: 2015)
20
O trabalho do antropólogo, hoje, transita em várias searas. Desde a etnografia tradicional, caso
desta tese, até pesquisas de cunho tecnológico e multissituados.
21
Minha tese tenta ampliar o panorama desta discussão e reflexão.
22
As abordagens da cultura via antropologia, tem privilegiado olhares mais tradicionais, eu diria.
Tradicionais no sentido de focar em temas clássicos como religião, parentesco, questões de gênero,
questões da antropologia indígena. O que eu particularmente aplaudo, mas, entendo que o corpo da
ciência cresce e se robustece à medida que amplia o seu campo de entrada e discussão.
23
Refiro-me a Pernambuco especificamente, pelo fato de a tese versar sobre a LPV. O que não
significa que as esferas mais amplas das políticas culturais também, quando necessárias, não sejam
contempladas no texto.
28
mais recentemente do ator José Pimentel 24, empossados como patrimônios vivos, nos
anos de 2007 e 2017, respectivamente. Há um alarido, muitas vezes por parte do
próprio Conselho de Cultura pernambucano, quando não se privilegia o que preconiza
a LPV, sobretudo, no que tange ao quesito tradição e precariedade financeira.
Destaco, que os dois quesitos mencionados, são altamente suscetíveis às margens
hermenêuticas, pois o que é tradicional e precário para um grupo, necessariamente,
pode não ser para outro:
Reafirmo que o RPV não é compatível com candidaturas (menos ainda com
escolhas, por parte deste Conselho) que visem tão exclusivamente premiar a
obra constituída, edificada, até o presente. Para todos que desejam receber
lícitos e merecidos prêmios de reconhecimento de sua importante obra, ou
seja, terem seu mérito cultural reconhecido através do seu relevante trabalho
desenvolvido (e destaco que reconheço o mérito de cada candidato no
presente processo) existe os prêmios Arianos Suassuna, Ayrton de Almeida
Carvalho, Ordem do Mérito Cultural, dentre tantos outros. (Trecho do Voto
proferido pelo Conselheiro e Vice-Presidente Aramis Macêdo Leite Júnior
durante a Reunião de escolha dos novos Patrimônios Vivos de Pernambuco
25
Edital 2017) .
24
Este assunto será aprofundado no capítulo específico acerca da LPV. No momento, este trecho tem
objetivo mais ilustrativo.
25
O voto do referido conselheiro foi-me enviado, na íntegra, por e-mail. O mesmo será posto nos
anexos.
26
Para ser eleito como patrimônio vivo, o bem cultural guardado pelo grupo ou indivíduo, precisa estar,
de certo modo, em vias de desaparecimento ou sob forte risco da possibilidade de continuidade. No
caso de Pimentel, só para citar este caso com exemplo, apesar da grandeza e importância artística do
mesmo, o bem guardado por ele, a técnica de ator e da atuação estão longe da via do
desaparecimento. Talvez, por isso, alguns conselheiros foram contra o agraciamento concedido.
27
Como encenador e autor, notabiliza-se pelos grandes espetáculos históricos que monta ao ar livre.
Como ator, ganha notoriedade por viver o papel de Jesus, por mais de três décadas, em encenações
da Paixão de Cristo, que ele próprio dirige.
28
André Madureira é fundador, diretor e coreógrafo do Balé Popular do Recife, que existe há mais de
25 anos e é reconhecido internacionalmente. A iniciativa de André em criar um método de dança,
chamado “brasílica”, e um banco de passos permite a grande divulgação dos folguedos nordestinos.
29
29
Há um núcleo duro de toda narrativa que muda muito lentamente. Por exemplo, no caso do maracatu
Leão Coroado, existe a tradição de nunca dissociar o brinquedo e o candomblé. Muitas coisas já foram
modificadas e redesenhadas, na tentativa de manter-se em atuação. Mas, no casamento Leão
Coroado e o candomblé, o divórcio é algo impensado. Se isto ocorrer, é o fim do grupo.
30
Programa de entrevista exibido pela TVE.
30
pode ser usada das mais variadas formas, tanto para exaltar como para denegrir
certos grupos, assim,
sua obrigação, nem a mais nem a menos, a sua obrigação para o qual foi eleito e
empossado.
31
O sentido de cultura empregado aqui é no molde pensado por Manuela Carneiro da Cunha. Destaco
ainda a maneira como esta antropóloga escreve, notadamente, no que se refere ao posicionamento
firme e, simultaneamente, sereno. Ela não tem receio de dizer “acredito”, mesmo que tenham outros
que não comunguem com o seu posicionamento e estilo de escrita.
32
I – As formas de expressão;
Gonçalves (2002) situa os anos de 1970 e 1980 como marcos, pois seria a
partir daí que as discussões sobre patrimônio cultural brasileiro ganham maior escopo
e visibilidade, inclusive das mídias, em geral. No entanto, por escolha estética e
utilizando-se da história, Gonçalves faz o percurso situando as contribuições acerca
da discussão do seu texto, utilizando-se de um percurso mais didático, o que no meu
entendimento demonstra generosidade com o leitor, por possibilitar uma leitura mais
situada do tema. Falar em patrimônio, ou ao menos em sua esfera política, é falar de
Rodrigo de Melo Franco de Andrade e de Aloísio de Magalhães.
33
Ainda no mestrado, compreendi a importância primordial de recortar o campo e as leituras,
objetivando uma escrita mais produtiva e dinâmica.
34
Utilizei o tempo da LPV, desde a sua publicação em 2002 até o ano de 2015, como referencial maior
para compor estas notas. Algum outro material, quando citado fora deste eixo temporal, será notificado
para a ciência do leitor. Alerto ainda, que as aparições dos textos não obedecerão à ordem cronológica
de quando da sua publicação. Aparecerão atendendo às exigências da análise realizada.
35
Professor titular de antropologia cultura da UFRJ.
34
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/boa-mesa/noticia/2015/05/18/ocupacao-
aloisio-magalhaes-no-mamam-181450.php
http://ensaiospatrimoniais.blogspot.com.br/2008/08/110-anos-de-rodrigo.html
36
Podemos citar Casa-Grande e Senzala de Freyre e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda,
ambos publicados nos de 1930.
36
37
No período, Lévi-Strauss era professor da USP.
38
Refiro-me a definição de cultura encontrada na página 27.
39
Mesmo já falecido à época da realização do referido congresso, as ideias de Raimundo Nina
Rodrigues ficaram famosas por defender, inspirado em Lombroso, que o negro tinha a propensão de
ser criminoso por conta sua formação genética e que, portanto, deveria ter contato com o povo branco
para inspirado nestes, adquirir uma formação organizacional mais refinada e culta. Negros e mestiços
seriam o motivo da inferioridade do Brasil. Teoria impensada no tempo de hoje, no século XIX, foi
largamente aceita e exaltada por muitos. A referência para a ideia acima foi retirada do artigo A
concepção de raça humana em Raimundo Nina Rodrigues, publicado em
http://www.abfhib.org/FHB/FHB-03/FHB-v03-13-Marcia-Neves.pdf.
37
40
. Ou seja, pensar a cultura é um “problema” e não um mecanismo de entendimento
de um povo. E para inquietação de alguns, sobretudo, daqueles defensores da
comodidade de ideias e conceitos fechados e acabados, pensar a cultura nos termos
apontados por Gonçalves provoca certo desconforto.
Não é pouco lembrar, ainda, que todos os envolvidos nas discussões deste
período, eram homens de situação financeira abastada e com frequência, viajavam à
Europa, berço das várias discussões patrimoniais 41, por ser detentora de um legado
artístico de indiscutível valor. Os intelectuais e artistas brasileiros não desejavam
imitar e nem ansiavam ser a Europa, isto é nítido nas iniciativas. A Europa era a
grande inspiração, no entanto, a nossa busca, a busca brasileira era pelo regional,
pelo autêntico e tradicional. Ou nos termos de Ariano Suassuna, o Brasil profundo
(Nogueira, 2002).
A própria Semana de Arte Moderna de 1922 teve este viés. Formada, em sua
grande parcela, por pintores, escritores, músicos e atores 42, o grosso do corpo
formador desta Semana era das famílias ricas de São Paulo. A exemplo de
Suassuna, pensador de um ideal de Brasil profundo, tanto o autor d’A pedra do reino
como Tarsila do Amaral, só para destacar, não são frutos deste Brasil defendido por
ambos. Ou seja, a defesa e imaginação do Brasil ideal, portanto utópico, foi feita por
pessoas que nunca viveram nesta parcela de realidade social. É a velha máxima,
40
Refiro-me ao tom negativo que problematizar algo tinha à época. Hoje a palavra problema,
sobretudo, no meio acadêmico, possui outro sentido, pois pesquisar algo implica em um problema
existente.
41
Por exemplo, A carta de Veneza de 1964. Para mais detalhes ver:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142010000200008
42
Eugênia Álvaro Moreyra, atriz e diretora de teatro.
38
“uma coisa é pensar a fome, outra coisa é passar fome e lutar pelo seu fim”! 43. Mas foi
esta a marca do início do IPHAN e da semana de arte moderna:
43
Frase proferida pelo presidente Lula em visita ao Recife em 2016.
44
A cultura aqui é entendida numa acepção antropológica, ou seja, a cultura como um repertório de
saberes, fazeres, de uma construção coletiva. Destaco que o que era pensado à época da criação do
Iphan era pensar um instrumental para trabalhar a cultura e não a cultura como uma forma de política.
39
Na defesa de uma cultura genuína nacional, Rodrigo briga por uma causa45 e
aposta na ideia de um Brasil eloquente resultante do encontro, nem sempre feliz, das
correntes europeia, indígena e africana. Também foi feroz ao enfrentar os que
criticaram a criação do Sphan. A alegação dos oposicionistas ao trabalho de Rodrigo
era de que o Brasil não possuía acervo patrimonial relevante, a exemplo da Itália e
França, que justificasse a criação de um campo de trabalho, financiado com verba
pública, com preocupações exclusivas com o patrimônio. Notadamente, o edificado.
Rodrigo, de forma contundente defendia a ideia de que nosso patrimônio edificado
não devia a ninguém, nem em importância e nem em grandeza. E de fato é mesmo.
Basta irmos ao centro do Recife, só a guisa de mostra.
45
A abnegação dispensada por Rodrigo ao seu trabalho ficou famosa. Na biografia de Aloísio
Magalhães, valores como renúncia, sacrifício e autonegação não são tão valorizadas quanto nas
narrativas biográficas sobre Rodrigo. Este último é descrito como tendo renunciado à sua carreira
como escritor para devotar-se à causa do patrimônio. (Gonçalves, 2002, p. 55).
40
47
46
Ano da morte de Rodrigo.
47
A presença do Iphan se torna ainda mais relevante uma vez que o desenvolvimento dos estudos e
das políticas em patrimônio teve interferência direta dos ideais modernistas de Mário. Não à toa foi
escolhido por Gustavo Capanema, então ministro da Educação, para redigir o anteprojeto do Serviço
do Patrimônio Artístico e Nacional (SPAN), em 1936, que deu base para a redação do Decreto-Lei nº
25/37, documento que organizou a proteção patrimonial e norteia, até os dias de hoje, as ações do
Iphan. As políticas, num primeiro momento, privilegiaram algumas narrativas para a proteção e
tombamento dos bens culturais. Contudo, o texto do anteprojeto foi vanguardista no momento em que
defendeu um olhar livre de estrangeirismos, dentro do próprio país, buscando compreender o Brasil,
historicamente, por meio das manifestações populares de sua gente.
(http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/2735)
41
48
Aloísio foi um grande designer, porém ao assumir o Sphan, a marca antropológica ficou muito
presente.
42
49
Ver Cultura com Aspas, Manuela Carneiro da Cunha.
44
Apesar de não ser previsto a perda de propriedade, de uma casa tombada, por
exemplo, mesmo assim, o tombamento pode passar o sentimento de perda, de uso e
de mando integrais, pois, embora possa haver um orgulho de morar em sítio histórico,
junto a esta honraria, no mesmo bojo, vem uma série de obrigações, incluindo aí, o
comprometimento de não reconfigurar nenhuma parte do imóvel, salvo as exceções
previstas em lei. É tão séria esta questão, que depois de tombado, só e unicamente o
presidente da república do Brasil pode destombar uma peça. Perceba-se até o
momento que as reflexões sobre patrimônio ainda possuem um investimento
tradicional, ou por outro lado, como as discussões são relativamente novas, no
tocante à ampliação da ideia de patrimônio, é esperado que não houvesse muitos
textos com este conteúdo, embora o investimento intelectual, mesmo na atualidade
persista em problematizações muito aproximadas:
50
A afetividade pode vir a ser uma categoria preciosa de argumento para tombar ou registrar um bem.
51
Sou professor universitário e por conta desta função, estou sempre em contato com alunos de todas
as idades, classes sociais e econômicas, das mais variadas.
45
52
Possivelmente influenciado pela obra A invenção das tradições, hoje clássica.
46
Ainda sobre o Elefante, ou melhor, sobre a maior figura deste maracatu, Guerra-Peixe
faz um extrato da vida de Maria Júlia do Nascimento, Dona Santa, como ficou
nacionalmente conhecida:
53
O investimento de Guerra- Peixe foi no tocante à música, mesmo assim, o referido pesquisador não
se liberou do uso da história para compor a sua obra.
54
Aparentemente, rei e rainha seriam as figuras mais importantes de um maracatu. No caso do Leão
Coroado, por exemplo, esta soberania é redesenhada. Neste maracatu, a figura da Dama do Paço,
mulher escalada para carregar a calunga, no cortejo, se configura como a pessoa mais importante. O
destaque dado é devido ao caráter sagrado que reveste a calunga e por tabela, a pessoa que tem a
missão de levá-la nos desfiles do brinquedo.
47
55
A reverência era tamanha, que se costumava intitular Santa de A dona do Elefante (Spencer, 1981).
48
Independente do motivo, que neste caso foi lastimável, o mais importante a ser
destacado é de que por maior que seja o esforço, não temos garantia de continuidade
das manifestações, mesmo as que hoje são eleitas como patrimônios vivos. Pois para
os imponderáveis da vida (Malinowski, 1976) e para a manutenção do óleo do desejo,
ainda não há leis eficazes. Felizmente, talvez. Há de se frear o desejo purista de que
por ser cultura e, especialmente, tradicional, que a mesma deva existir a qualquer
custo.
56
É tão grave este cenário de dificuldade no entendimento de certos discursos, que a Fundarpe, por
exemplo, realiza de forma esporádica, cursos de capacitação no preenchimento de editais, formulários,
etc.
57
Este texto refere-se, em parte, à experiência que a mesma teve como secretária de cultura do estado
de São Paulo no período de 1989-1992.
58
Aos olhos desta pensadora, o poder público deve limitar-se ao fomento e não à produção da cultura.
Pensamento comungado por mim.
50
longe de serem sinônimos. A festa é celebrativa por gênese e em sua grande maioria
sem compromisso algum com a ideia de continuidade, enquanto a tradição é também
festa, porém, igualmente é permanência. No tocante ao negligenciamento em
assegurar a separação de onde começa o público e termina o privado, para tal prática
existe um dano incomensurável. Um projeto político – cultural necessita, desde a sua
origem, ser revestida com a aura pública, da coisa pública. Não deve haver outro
caminho.
destaca Chauí, o doutor de hoje, culturalmente aceito e de algum modo, instituído por
todos, é a forma pelo qual o mito de destaque social, atrelado ao condicionante social
e financeiro é praticado. O doutor59 de hoje, modo pelo qual manobristas,
ascensoristas, porteiros, empregadas domésticas, entre outros, nos chamam60 é o
equivalente ao filho do colono rico europeu, que enviava para a Europa a sua prole
masculina, geralmente, em busca do objetivo de formação superior. Ao voltar ao
Brasil, o recém-formado era doutor. Assim, com a graduação, apenas 61.
59
Neste caso doutor é uma metáfora. Não se trata do doutor acadêmico. Este sim, doutor de fato e
direitos.
60
Eventualmente ouço, não só remetido a mim mesmo como a estranhos, o tratamento de doutor.
Onde fica evidente a confusão entre o título acadêmico e uma ideia de que doutor é pronome de
tratamento.
61
Digo apenas não em tom de desmerecimento, muito pelo contrário. Embora, não negue a intenção
de exaltar a dificuldade em obter o título de doutor.
62
Posicionamento que deve ser respeitado e não desmerecido.
52
Nos anos 60 do século XX, onde foram realizados trabalhos célebres aqui no
Recife, a exemplo, de O folclore no carnaval do Recife de Katarina Real e o já citado,
Maracatus do Recife. Neste período, parece-me, existia uma espécie de orgulho, por
parte dos grupos em serem escolhidos, de ser objeto de pesquisa. Destaco que tanto
Real como Guerra- Peixe não eram recifenses, o que deveria em tese, tornar o
processo muito mais difícil. No entanto, não é isto que reflete o relato de cada
pesquisador ora lembrado. Há, de modo geral, uma grande receptividade de todos os
envolvidos, e elencados, para ser parte componente das pesquisas iniciais e
posteriormente, da publicação destas pesquisas em forma de livro.
Destaco algo, ao menos para mim, imperioso: se há uma pesquisa a ser feita
num determinado grupo da cultura popular, e por alguma razão, o grupo fecha as
portas para o pesquisador, o problema, efetivamente, é tão somente do pesquisador.
Este terá de tentar uma nova estratégia de entrada no mesmo grupo, mudar de grupo,
ou, em muitos casos, mudar de grupo e de objeto. Ou seja, o problema repousa no
colo e na vida do pesquisador, pois com pesquisa ou não, geralmente, os grupos
avançam, dificilmente é por conta da presença da academia, pesquisadores, etc.
63
O trabalho de campo tem sido usado como método pela Educação, sociologia, jornalismo,
publicidade, entre outras áreas do saber.
54
64
HOBSBAWN, E. & RANGER, T. (Org.), A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997.
65
Afirmação dada por Mestre Afonso, atual guardião do Leão Coroado. A referida entrevista ocorreu
em janeiro de 2017.
66
55
Por esta razão, a ideia de tradição, nos moldes já defendidos, entra em cena
com muita força. A tradição aqui, se posta de maneira imperiosa, implodiria todos os
grupos que desejassem concorrer. Numa ideia livre de negociação interna, na busca
das manutenções do que de fato deve ser permanente, o abê acaba sendo
introduzido em vários maracatus, quase de forma orgânica e unânime. Neste caso, a
tradição precisou ser reinventada, cabendo ao líder do grupo, colher futuramente os
saldos desta decisão. Importante ressaltar, que o uso deste instrumento musical ainda
sofre outras implicações, sendo a causa de gênero, uma das maiores controvérsias.
O uso do abê, ao que parece, não é exercido por homens. Apenas por mulheres e,
em muitos casos, em grupos exclusivos de mulheres percussionistas.
Talvez seja a religião, a única tradição em que mover uma simples parede,
constitua demolir a casa inteira. No caso do Leão Coroado, na pessoa de Mestre
Afonso, seu atual guardião, resolveu não participar mais do concurso do carnaval da
prefeitura do Recife e, também, decidiu retirar a participação do brinquedo 68 da noite
dos tambores silenciosos69. Atualmente, Mestre Afonso comanda a noite dos
Afirmação dada por Mestre Afonso, atual guardião do Leão Coroado. A referida entrevista ocorreu em
janeiro de 2017.
67
Chauí, 1999.
68
O termo se refere às manifestações populares da cultura. Os integrantes, sobretudo, os mais velhos,
chamam o maracatu de brinquedo. Numa ideia de ludicidade e de respeito.
69
Cerimônia realizada no carnaval, onde ocorre um encontro de vários maracatus no pátio do Terço, no
Recife. O termo silencioso vem do silencio que os grupos fazem, exatamente à meia noite, numa
louvação aos ancestrais, outrora, escravizados.
56
70
Convivo com o Mestre faz dez anos. Esta vivência será narrada, sobretudo, no capítulo quatro.
57
71
Cito apenas as apresentações, pois, como já mencionado, o Leão não participa de nenhum tipo de
concurso. Sendo inclusive, as exigências, muitas vezes extremas de adequação, a motivação da saída
do grupo desta seara do carnaval pernambucano.
58
Em virtude do que foi lido e apresentado por ora, ressaltamos que a ideia de
patrimônio, efetivamente, sofreu uma forte alteração em seu sentido e, sobretudo, em
sua forma de poder de atuação. Houve um ganho significativo no que Manuela
Carneiro da Cunha intitula de relações equitativas (2009), pois ao patrimonializar
saberes e pessoas, seara da LPV, há uma oportunidade permanente de forjar um
diálogo entre o tradicional, caso da grande maioria das pessoas registradas como
patrimônio vivo, e as demandas atuais das políticas públicas culturais.
59
72
Nesta seção utilizo outras definições de cultura, porém, essas definições dialogam com a ideia de
cultura geral do texto. Notadamente na ideia de cultura com aspas.
73
A própria criação do IPHAN é prova disso.
60
74
UNESCO, 1989. Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular. Paris, 15 de
novembro de 1989. Disponível em HTTP:/unescdoc.unesco.org , apud Acselrad, 2009, pág. 09.
61
inegável o poder positivo que pode ser alcançado pelo político que tem o seu nome
atrelado ao campo da cultura popular e patrimonial. Por isso,
75
Ofícios da arte.
62
76
Raul Henry foi secretário de educação estadual de janeiro de 2001 a abril de 2002. Porém, em 2002,
Henry ocupava o posto de deputado estadual, ocasião em que propõe e consegue aprovar a LPV.
63
77
http://www.acasa.org.br/biblioteca_texto.php?id=555. A casa Museu do Objeto Brasileiro é um projeto
desenvolvido para ser a nova sede desta associação sem fins lucrativos sob direção geral de Renata
Mellão. O novo espaço abrigaria o setor de exposições, com interesse pelo objeto de gênese artesanal,
semi-artesanal ou industrial, visto como uma expressão cultural. Privilegia a produção brasileira, ou o
foco no e sobre o Brasil. O olhar poderá se estender a outros países desde que haja uma pertinência
para maior compreensão da situação brasileira. Não se interessa apenas pelo objeto em si, mas
também pelo processo e contexto em que ele é criado, feito e consumido. Está interessado também na
rede de mediações culturais que hoje potencializa e viabiliza a sociabilização das produções culturais.
Esta descrição do objeto de A casa foi retirada de https://www.archdaily.com.br/br/769355/a-casa-
museu-do-objeto-brasileiro.
78
O saque e invasão a vários castelos, durante a Revolução francesa, propiciou um cenário de
destruição inquestionável. Técnicas de marchetaria, de manutenção de relógios, de fabricação de
móveis e vestuários ficaram fortemente ameaçadas por conta do falecimento de alguns mestres e por
conta da falta de tempo de repassar esses saberes.
64
79
Jornal Hoje da TV Globo
65
oficina por cerca de quarenta mil reias, nem mesmo esse atrativo financeiro é
suficiente para seduzir a juventude.
80
Primeiro estado brasileiro a criar a LPV.
81
Agradeço ao antropólogo e jornalista Marjones Pinheiro por ter conseguido marcar a referida
entrevista.
66
para otimizar a fala. Até porque eu não tinha muito a fazer. Pois mesmo que eu
tivesse um questionário pronto para ser usado, o mesmo estava no meu computador
em casa. E da forma como foi confirmada a entrevista, eu não tive a chance de
engendrar grandes aparatos, fui eu mesmo, surpreendido pelos imponderáveis da
vida (Malinowski, 1976), provando que a mesma está longe de ser plenamente
controlada. Por isso, fui com o que tinha em mãos naquele momento: o meu celular,
caneta e papel. Chego à recepção do palácio e me apresento.
Fotografia 7 - Raul Henry, autor da LPV. Acervo do autor. Recife, outubro de 2015.
cumprimenta a todos com um caloroso sorriso e com uma aparência jovial, apesar de
carregar um semblante cansado, possivelmente pela falta de horas de descanso mais
adequados. Levanto da cadeira onde estava sentado, apresento-me e digo a
motivação da minha visita. Nesta hora, de forma muito humorada, Henry diz “quisera
eu que todas as minhas entrevistas fossem para falar de um assunto tão agradável.
Quisera eu!”. Como resposta, falo da minha alegria em entrevistá-lo e da satisfação
de não ser o portador de assuntos desagradáveis, muito pelo contrário. Um sorriso
farto de todos os presentes ecoa na sala.
68
82
Entrevista concedida por Raul Henry em outubro de 2015.
69
Prigogine (1984), só a arte é capaz de congelar o tempo. Neste caso, a fotografia, não
necessariamente como obra de arte, visto que a mesma está longe de ter a qualidade
para receber tal classificação, mas como testemunha efetiva de um tempo. De um
acontecimento, ao menos para mim, importante. Com relação à narrativa de Henry,
torna-se claro que a preocupação patrimonial o encontrou e não o contrário. A
demanda da agenda profissional de um determinado momento o forçou a pensar as
questões, posteriormente, efetivadas em forma de lei.
Fotografia 9 - Raul Henry, autor da LPV. Acervo do autor. Recife, outubro de 2015.
70
83
Excluem-se os valores pagos aos professores universitários estaduais.
84
Trecho final da entrevista concedida em outubro de 2015.
85
Não analisarei nenhuma outra relação e possíveis conflitos que não remetam exclusivamente, ao
processo de escolha dos patrimônios vivos.
71
Dito isto é importante falar um pouco sobre este conselho, ora criticado, ora
exaltado pela população e pelos intelectuais atentos ao tema desta tese. O Conselho
Estadual de Cultural foi fundado em 1967 tendo Gilberto Freyre como seu primeiro
presidente86. Desde o início teve em seu quadro, pessoas de notório saber e
destaque social a começar pelo seu próprio fundador. A grande crítica sofrida pelo
conselho87, ao longo da sua história, residia basicamente na forma da sua
composição em si. Até bem pouco tempo, os conselheiros eram indicados
86
http://blogdoconselhodecultura.blogspot.com.br/2010/02/tombamentos-realizados-pelo-conselho.html
87
Ao longo desta pesquisa só consegui falar com Marcus Accioly falecido em outubro de 2017 e com
Leonardo Dantas, atualmente integrante do Conselho. Destaco que a conversa com ambos foi por
telefone, de forma rápida e imbuída de algo fundamental para a vida, com salienta Hegel (1975), a boa
vontade em querer ajudar, colaborar com o outro.
72
88
Campos foi governador de Pernambuco por duas vezes em 2006 e em 2010. Falece em agosto de
2014.
89
Pedro Dias, intermediador da entrevista, é bonequeiro e ator.
73
90
Entrevista realizada em dezembro de 2014.
91
Ressalto que me refiro ao cenário vivido no Conselho de Cultura no período desta entrevista.
75
92
Esta observação também se refere aos campos que ainda virão nas próximas páginas.
76
A máxima de Bevilaqua foi constatada por mim, justamente por perceber nas
tentativas de resoluções da comissão, a dificuldade em enquadrar estatisticamente,
na busca do escalonamento de posições, por exemplo, o confronto entre o critério frio
da lei e as subjetividades imanentes de cada candidatura. Sem contar o fato de ser o
próprio avaliador, uma pessoa com critérios, restam poucas dúvidas, mas também
portador de subjetividade.
O primeiro encontro da comissão foi marcado para ser iniciado às oito horas do
dia sete de novembro de 2013. Mas devido ao trânsito caótico do centro do Recife, o
encontro começa por volta das nove e meia. Eu já tinha chegado antes das oito horas,
por considerar oportuno observar os primeiros momentos, e também pela
necessidade de me apresentar à coordenadora e explicar mais uma vez o meu
objetivo em estar ali. Trocamos algumas palavras interrompidas por alguma demanda
que pedia a presença de Janine. Digo a mesma que estou bem e ficarei num canto da
sala para observar o encontro.
Chegam todos e se reúnem ao redor de uma mesa larga. Não pude deixar de
observar a pouca privacidade disponível para o trabalho. O local do encontro, ao
menos deste em que participei, ficava dentro da biblioteca da Fundarpe. Houve,
eventualmente, um excesso de pessoas entrando e saindo de forma pouco
controlada. Mas, nada tão grave que invalidasse o trabalho. Não percebi nenhum tipo
de reclamação por parte da comissão acerca deste local. A percepção é minha,
unicamente. Senti, igualmente, a sensação de ser um estranho ali, apesar de ser,
como já mencionado, o universo mais próximo ao meu.
77
A cada instante, caixas e mais caixas chegam à sala para serem analisadas.
Vidas de homens e mulheres que momentaneamente serão pensadas à luz de
critérios e categorias previstas nas Lei do Patrimônio Vivo de Pernambuco. A
conversa flui e pontos como a subjetividade da própria lei são discutidos. O próprio
edital também é fruto de críticas, notadamente no tocante às exigências para a
inscrição do candidato.
A escolha final dos indicados será colegiada, mas nesse momento, nota-se um
esforço pessoal em defender o candidato, por ora, ali representado pelo avaliador.
Alguns nomes começam a ser apontados. Por volta das doze horas, há um intervalo
para o almoço. Os acompanho neste momento de intermitência. No almoço o assunto
das escolhas, praticamente não é mencionado, parecendo ser uma alternativa do
93
Para ser mais exato, não mencionei uma palavra sequer durante todo o trabalho deste campo. Ative-
me a olhar, ouvir e escrever inspirado em Roberto Cardoso de Oliveira.
80
No dia oito de novembro, segundo e último dia previsto para a escolha dos
possíveis eleitos a patrimônio vivo, chego por volta das oito horas na sede da
Fundarpe. Na sala encontra-se Janine Primo, coordenadora do processo. A mesma
me pergunta gentilmente se preciso de algo, se estou confortável para continuar a
etnografar o encontro. Agradeço a gentileza dizendo que estou muito bem e, mais
uma vez, reforço a importância da liberação consentida. Sento na cadeira a mim
reservada, reviro anotações e ideias. Passados trinta minutos, por volta das nove
horas, todos os jurados encontram-se reunidos.
81
Por volta das dezoito horas do dia oito de novembro de 2013 é encerrada
oficialmente a sessão de habilitação e escolha dos possíveis patrimônios vivos de
Pernambuco. Agradeço mais uma vez a todos pela receptividade e os parabenizo
pelo empenho e dedicação.
Um assunto recorrente nas falas dos jurados, quando não focava exatamente
na escolha em si de um candidato ou grupo, repousava na preocupação em tentar
chegar o mais próximo possível de uma alternativa que viesse, também, a agradar o
Conselho Estadual de Cultura deste período específico em que a etnografia foi
realizada. Porém, como já esperado e apontado por integrantes de outras comissões,
84
94
Em conversa informal, a referida professora disse ter participado de uma comissão em que nenhum
indicado pela mesma foi levado em consideração.
95
Ative-me à lista de 2013, visto que a mesma atende ao recorte do trabalho de campo deste texto.
85
Porém, no fim de dois mil e doze para o começo de dois mil e treze, já
com o Sistema Nacional de Cultura aprovado pela Câmara dos
Deputados, Pernambuco se viu obrigado a mudar radicalmente a forma
de composição e manutenção do antigo Conselho, fundado em mil
novecentos e sessenta e sete e que tinha, como um dos maiores
absurdos constatados, a posição vitalícia de Accioly na presidência.
Este tipo de configuração e clara predileção por um integrante vão de
encontro ao que preconiza o SNC96 em seu bojo e em sua inspiração,
ou seja, o artigo 216 da Constituição de 198897. O governo de Eduardo
Campos não teve escolha, tendo que repensar antigas formas
estruturais para assim, conseguir incluir Pernambuco no Sistema
Nacional de Cultura. E assim foi feito. A primeira atitude foi modificar a
composição da forma de ser um integrante do Conselho de Cultura de
Pernambuco. Agora não é mais possível ter uma composição
exclusivamente feita por indicação. Ocorre que para ser conselheiro é
aberto edital no site da Secretaria de Cultura, depois o candidato passa
a participar de uma série de fóruns de discussão, seguido de uma
votação. Os mais votados assumem um lugar com mandato de dois
anos, inicialmente. A outra metade do Conselho, esta sim, pode ser
composta por indicação direta do governo. 98
96
http://www.cultura.gov.br/sistema-nacional-de-cultura
97
https://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_216_.asp
98
Trecho da entrevista concedida em 2016.
86
99
Refiro-me, sobretudo, ao depoimento de Raul Henry.
100
Apesar do campo desta tese versar especificamente sobre a escolha do patrimônio vivo realizada
em 2013, ou seja, ano previsto pelo cronograma para realização do trabalho etnográfico, decidi ampliar
um pouco a discussão ao incluir o ator José Pimentel, eleito em 2017.
101
Este caso foi mencionado de forma introdutória no primeiro capítulo. Porém, aqui o mesmo é
aprofundado.
87
102
Trecho da lei retirado do pronunciamento do Conselheiro Aramis Macedo. Este pronunciamento
refere-se aos escolhidos ao título de patrimônio vivo de 2017.
103
Texto anexado ao final da tese.
104
Trecho da lei retirado do pronunciamento do Conselheiro Aramis Macedo. Este pronunciamento
refere-se aos escolhidos ao título de patrimônio vivo de 2017.
105
No capítulo quatro, tratarei exclusivamente do Maracatu Leão Coroado.
88
A LPV também não existe para louvar passados gloriosos, apenas. O passado
acumulado é importante para adensar uma maestria, para isso não restam dúvidas.
Mas este passado não deve ser elemento isolado para escolher um patrimônio vivo.
Para exaltar uma obra constituída, nos termos de Pimentel e Spencer, por exemplo,
existem outros caminhos, outras leis. Sem contar o aspecto de carência financeira,
ponto que não é decisório, mas de relevância. Não posso afirmar a situação financeira
de Pimentel e nem de Spencer, sobretudo, por se tratar de matéria de foro íntimo e
altamente relativizável, mas, até onde sabemos, nenhum dos dois teve um histórico
de dificuldades financeiras extremas.
106
A professora Aparecida Nogueira do PPGA da UFPE foi crítica aos eleitos em questão, por tudo já
exposto.
89
próximas seções iremos abordar a LPV na prática, ou seja, na vida de quatro eleitos,
buscando compreender as possíveis modificações internas e públicas de quando da
escolha como patrimônios vivos de Pernambuco.
90
Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser
humano, o orixá tentou vários caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não
deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura
ficou dura. De pedra ainda a tentativa foi pior. Fez de logo e o homem se consumiu.
Tentou azeite, água e até vinho de palma, e nada. Foi então que Nanã Burucu veio
em seu socorro. Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá
retirou uma porção de lama. Nanã deu a porção de lama a Oxalá, o barro do fundo da
lagoa onde morava ela, a lama sob as águas, que é Nanã. (Prandi, 2001. Pág. 196)
107
A lei é de 2002 e somente em 2016, Zé Lopes foi contemplado.
91
A escolha dos dois primeiros se deve ao que apontei no início deste parágrafo,
ou seja, a preponderância na escolha por parte do Conselho de Cultura Estadual,
neste viés artístico. A escolha do último se deve ao já mencionado, contudo, há um
elemento somador: atualmente, eu ocupo a direção do Museu do Mamulengo e por
força da minha função, me lancei na aventura antropológica de ir ao encontro dos
mestres titeriteiros do interior pernambucano. Ocorreu que o trabalho de campo,
inicialmente para registros do museu, me impactou e afetou-me enormemente.
Já na partida da lei, Ana das Carrancas é eleita como patrimônio vivo. Nascida
em 18 de fevereiro de 1923, em Ouricuri, é batizada de Ana Leopoldina dos Santos.
Motivo da escolha: a ligação ancestral na fabricação do imaginário humano.
92
A intimidade com o barro veio pela via materna, por ser a mãe de Ana, uma
trabalhadora da arte de fazer panelas de louça. Do contato diário com o fazer da mãe,
Ana, como a maioria das crianças, materializa a sua imaginação por meio do barro,
argila, massas de modelar.
108
https://anadascarrancas.wordpress.com/ana-das-carrancas/
95
109
https://lista.mercadolivre.com.br/escultura-de-ana-das-carrancas#D[A:escultura-de-ana-das-
carrancas]
96
Como já mencionado, o trabalho etnográfico com Ana não foi por mim
realizado, pelos motivos já expostos. Os imponderáveis da vida (Malinowski, 1976) se
impuseram entre a artista e o meu desejo de encontrá-la. E em não havendo o
encontro, algo precioso se perdeu para sempre: a chance da realização de uma
etnografia.
110
Recordemos que é no mandato de Jarbas Vasconcelos, à época, governador de Pernambuco, que
Fotografia 20 - Lago de onde é retirado grande parte do barro usado para a confecção
das peças artísticas. (Tracunhaém, 2015. Foto do autor).
filhos do artista me recebe, pede para eu sentar e oferece água. Aceito a dádiva e
observo a simplicidade enfronhada numa casa limpa, arejada e detentora de uma
aura acolhedora. Logo em seguida, Zezinho aparece com um sorriso franco e me
brinda com um bom dia.
Estou muito feliz com a sua visita, fique à vontade para perguntar o que
desejar...
Por ser muito católico, sempre tive a predileção por fazer imagens de
santos, anjos, a Virgem Maria, presépios. Tenho predileção pela figura
de São Francisco.
Fotografia 23 - Eu tendo a honra de abrir o forno e retirar parte das peças. Foto:
Rosana Rodrigues, 2015.
Olhe meu filho, recebi o título em 2007 e a fiquei muito honrado, pois
de forma geral, só somos valorizados quando morremos. Então, é
muito bom ser lembrado em vida... Depois que morre, não vale mais
nada homenagem. Agora, a ajuda da bolsa não é suficiente para
sustentar a família. Seria muito bom, mas não é o caso. Temos de
trabalhar muito para complementar a renda. Inclusive, tenho até o
ateliê para ajudar nas vendas.
102
A sorte que tenho, é que grande parte da família abraçou o meu fazer.
E hoje por conta de ser patrimônio vivo, tenho por obrigação repassar o
meu saber para os mais jovens. Não quero que a minha arte morra.
Enquanto depender de mim, ensinarei tudo que sei como um dia eu
mesmo, também, aprendi.
103
Fotografia 25 - Filho de Zezinho ensinando a arte aprendida com o pai. Foto do autor,
2015
Do mesmo modo que a ligação de Zezinho sou brindado com a voz firme e
gentil de uma pessoa muito próxima à Amélia, seu filho Ricardo. Acertado os
detalhes, chego para o encontro. Lembro-me de ser recebido por uma casa em festa
e tranquilidade. Festa no sentido de praticamente não ter uma recepção muito formal.
Cheguei e, simplesmente, a casa e os parentes de Amélia estavam de braços abertos
para conversar comigo.
Olhe meu filho, eu achei ótimo ter esta ajuda, mas não é suficiente não,
viu? Veja você mesmo... Estou aqui com esta idade, trabalhando o dia
todo para completar a renda da família. Acredito que todos gostam de
serem reconhecidos em vida, é ótimo, não resta dúvida. Mas lembre
que temos de fazer oficina, receber pesquisadores, políticos, e ainda
produzir muito para as feiras de artesanato. E fazer cerâmica demanda
tempo e energia física. Com a idade isto fica muito difícil. Então, posso
108
113
Mestre Zezinho da mesma forma também possui herdeiros do seu ofício.
109
114
Hermilo Borba Filho em seu Fisionomia e Espírito do Mamulengo (s/d) afirma ser impossível
determinar exatamente o aparecimento inicial das marionetes no Brasil.
115
Ocorria, por vezes, de as engrenagens do conjunto de marionetes quebrarem, e sem manutenção
adequada, obrigavam os frades a utilizarem e manipularem nas mãos, as peças. Mamulengo seria
assim a acomodação e junção de duas palavras: mão e molenga.
110
O mamulengo fala de nós por possuir, em sua gênese, uma rubrica fortemente
antropológica:
Apesar de ser uma prática milenar (Borba Filho, s/d), visto que as culturas
desde tempos imemoriais realizavam bonecos dos mais diversos materiais e para os
mais variados fins, o mamulengo nordestino, até hoje, padece de falta de
reconhecimentos e incentivos. Afirmo isto, por ter na minha prática profissional como
diretor do Museu do Mamulengo116, esta realidade de desprestígio, muito próxima. E
o resultado disso não poderia ser mais desastroso. Atualmente, em Pernambuco,
atuam cerca de seis mestres mamulengueiros, sendo inclusive, uma manifestação da
cultura popular, com altos riscos de desaparecimento.
116
Fundado em 1994, o Museu do Mamulengo é um espaço cultural do município de Olinda. Desde
janeiro de 2017, eu atuo como diretor do referido local.
111
profundo engajamento por parte do indivíduo que decida se dedicar a este ofício ou o
mais previsto: herdar e continuar o trabalho de algum antecessor. Infelizmente,
prática pouco recorrente.
Ao repetir o mesmo texto dito aos pequenos jogadores, sou presenteado com a
resposta esperada: “venha comigo, sou a esposa de Zé Lopes”, disse uma mulher de
sorriso largo e acolhedor. Chegando a casa, sento, sou servido com água e café. A
água mais fresca e o café mais delicioso, poucas vezes tomado. Passados uns cinco
minutos, Zé Lopes chega ao terraço, que serve também, de ateliê.
115
Fotografia 33 - Mestre Zé Lopes em seu ateliê. Ao fundo, vê-se minha mãe, Ana
Borges. Julho de 2017.
Participei, com minha alegria, da série A pedra do reino, onde fiz a grande
parte dos animais articulados. Ou seja, sou feliz com a minha arte! Pois a
pessoa pode ser mamulengueiro, apenas, ou ser bonequeiro, apenas.
116
Eu sou, desde o começo, por volta dos meus doze anos, os dois. Sou
bonequeiro, pois confecciono as minhas peças e sou mamulengueiro, pois
enceno, em teatros ou em praças públicas, os personagens que cada boneco
representa.
117
E lhe digo, foi muita dificuldade aprender tudo, sozinho. Entender de pintura,
da madeira específica, das cores usadas, foi um desafio enorme. É preciso
dar corpo e alma ao boneco. Precisa ter vida. Cada boneco tem um cheio
diferente. Hoje, sei tanto que desejo repassar para outras pessoas. É uma
alegria danada. Porém, esta alegria é hoje, pois já trabalhei em São Paulo,
como metalúrgico e exerci outras funções, morando longe da minha terra.
Voltando para o meu lugar de nascimento, encontrei o mamulengo
esquecido. Zé De Vina, grande mestre 117, descontente com a falta de apoio e
querendo acabar com tudo, desistir.
117
Mantive o adjetivo em respeito e consideração ao conhecimento acumulado por Zé Lopes. Penso
que o mesmo sabe reconhecer a pessoa que encarna um mestre mamulengueiro.
118
Por volta de 1980, com inúmeras dificuldades, eu consegui, junto aos meus
amigos, retomar o mamulengo. Batizei o mesmo de Mamulengo Teatro Riso.
Neste período, a renda era pouca, não dava para pagar aos músicos e
componentes da brincadeira. Tanto é que a maioria dos participantes era, e
ainda são, agricultores. Fazemos mamulengo por amor!
118
Visitei Zé de Vina, no mesmo mês da visita a Zé Lopes. De forma geral, os discursos confluem,
portanto, entendo não haver necessidade de transcrever literalmente a fala do primeiro.
119
Trabalhei por cerca de dois anos na Casa do Carnaval da Prefeitura do Recife. Tive contato com
vários brincantes, das mais diversas manifestações. Todos relatavam as mesmas dificuldades
apontadas por Mestre Afonso, do Leão Coroado e por Zé de Vina e Zé Lopes, mamulengueiros.
120
Entendo que a LPV se configura numa tentativa louvável. Contudo, sempre há mais por fazer.
119
A ideia do trabalho por amor deve ser a tônica imanente a qualquer serviço, e
por tabela, a qualquer trabalhador. Muito embora, este sentimento, de maneira geral,
seja solicitado apenas aos brincantes populares 121. Passado um tempo, a conversa já
fluía como se fôssemos amigos antigos, onde não existem grandes reservas.
Pergunto qual o sentimento e os impactos, ou possíveis impactos, ocasionados a
partir da sua escolha como patrimônio vivo de Pernambuco. Zé Lopes 122 respira e
começa a falar:
121
Quando trabalhei na Casa do Carnaval, ouvi diversas vezes a reclamação de brincantes, com relação
ao atraso no pagamento de apresentações. Situação impensável, quando se trata de artistas de
renome nacional, por exemplo. Estarrece a ideia de que o artista popular deve se submeter a todo tipo
de espera.
122
Zé Lopes foi eleito no décimo primeiro concurso da LPV. A titulação ocorreu em dezembro de 2016.
120
A escolha do Maracatu Leão Coroado, como objeto empírico não foi de forma
alguma uma opção gratuita, muito pelo contrário. O meu encontro com o atual
guardião se deu em 2006, à época o objetivo do encontro era realizar uma única
entrevista para conclusão de um PIBIC. No entanto ao encontrar com Afonso Aguiar,
desde as primeiras palavras trocadas, percebi, mesmo de forma incipiente, que diante
de mim estava uma pessoa detentora de um saber único, diferenciado. Eu não sabia
que saber era este, mas ao mesmo tempo, depositava confiança e energia em tentar
compreender a vida e os caminhos que levaram Afonso ao posto de guardião do
Leão.
123
Participei de algumas sessões desta disciplina regida em 2014 por Silke Weber, no PPGS da UFPE.
122
124
Nunca me esquecerei do primeiro encontro com Mestre Afonso. Quando eu estava-me despedindo,
o Guardião olhou para mim e disse: “um trabalho desse só vai pra frente se os Orixás permitirem!”. Faz
mais de dez anos e esta frase ainda ecoa em minha mente.
123
125
Entrevista concedida em 14 de julho de 2015, por Mestre Afonso Aguiar, atual guardião e presidente
do Maracatu Leão Coroado.
126
Em vários encontros Mestre Afonso menciona ser vítima, eventual, de preconceito. Sobretudo, por
parte dos vizinhos que ainda associam candomblé com práticas que pregam a fé no mal e defendem a
matança de animais.
127
Foi presidente da Comissão de Folclore do Recife, professor da UFRPE, servidor do Ministério
Público. Falece em 2013.
124
128
Fotografia 37 - Neste endereço o Leão ficou por muito tempo, sendo inclusive a época
em que Luiz de França já está no comando da nação. A liderança de seu Luiz já era
esperada, visto que o pai do mesmo fez parte do grupo fundador do maracatu.
128
Dona Hercília Irineu da Silva. 92 anos. Mora desde 1972 no sobrado 105 da Rua Leão Coroado e
assegura que foi nesse endereço que o Maracatu Leão Coroado teve sua sede.
Fonte: Luciano Borges. Recife, 2011.
125
Isto era por volta de mil novecentos e noventa e seis. Seu Luiz não
queria mais sair no carnaval, estava cansado, desgostoso e doente.
Seguindo os conselhos do meu motorista, marquei uma conversa com
Afonso e expliquei toda a situação ao mesmo. Afonso, lembro até hoje,
ficou espantado com o inesperado do convite, visto que o mesmo
nunca foi homem de carnaval. No entanto, quando eu apresentei
Afonso a Luiz, foi incrível a afinidade estabelecida imediatamente.
Parecia que ambos já se conheciam de longa data129.
129
Entrevista realizada em 2007.
126
Olhe meu rapaz, foi muito difícil o começo com seu Luiz. Até ele me
chamar de Mano, levou um tempo razoável. No tempo que eu o
conheci, ele já morava no Córrego do Cotó, num correr de quartos,
numa situação muito difícil. Difícil em parte, acredito, pelo gênio
complexo que seu Luiz tinha. Lembro de uma vez em que ele veio aqui
em casa me procurar. Eu não estava no momento. Pois você acredita,
mesmo minha esposa pedindo para ele entrar e esperar no terraço, o
mesmo não aceitou de jeito nenhum. Ficou na calçada, no sol quente
por mais de três horas, até eu chegar. Ele dizia que não se entra na
casa de uma mulher casada sem a presença do marido. Seu Luiz era
assim, implacável nas suas crenças e educação. E comigo não foi
diferente. Os últimos meses de vida dele, ele passou aqui em casa,
comigo e minha família. E isto tinha um propósito, imagino eu. Primeira
coisa que fizemos quando ele se mudou foi conversar muito.
Ficávamos até de madrugada falando das coisas dos orixás, do
maracatu, da família. Arrependo-me até hoje, de nunca ter filmado ou
gravado os encontros. Uma pena! Mas não foi só conversa! Ele
participou de várias cerimônias encabeçadas por mim. Observava tudo,
desde os cortes das aves para os sacrifícios, até os cantos, toadas,
tudo. Fui testado até o fim. Não bastasse isso, ele ainda fazia consultas
sempre aos orixás por meio dos búzios. Ele desejava saber se os
orixás me aceitavam como novo sucessor.130
Dentre estas cerimônias observadas por Luiz e citadas por mim, está uma das
mais importantes que é a cerimônia em homenagem aos eguns, onde a calunga Dona
Isabel recebe várias oferendas e tributos. É na posse e na passagem desse segredo,
basicamente, que repousa a tarefa principal do guardião do Leão Coroado. Esta
cerimônia em homenagem a Isabel é secreta, sendo interditada, obviamente, a
130
Etnografia realizada em 2016.
127
O lado festivo do maracatu ocupa espaço importante, não há dúvida. Mas para
Mestre Afonso, o fundamental é cuidar da parte religiosa.
Porém, lembramos que a tradição e seus atores, aqui não são entendidos em
um sistema fechado, imóvel, um mundo à parte; muito pelo contrário, tanto os grupos
como seus membros são constructos de uma sociabilidade como sistema aberto,
dinâmico, ou seja, uma sociabilidade forjada numa ideia de identidade não
cristalizada, com fronteiras borradas, marcas da contemporaneidade. A partir disso, a
própria ideia de tradição simultaneamente se ressignifica:
A tradição é um elemento vital da cultura, mas ela tem pouco a ver com
a mera persistência das velhas formas. Está muito mais relacionada às
formas de associação e articulação dos elementos. Esses arranjos em
uma cultura nacional-popular não possuem uma posição fixa ou
determinada, e certamente nenhum significado que possa ser arrastado,
por assim dizer, no fluxo da tradição histórica, de forma inalterável. (Hall,
2008 p.243).
131
a principal diferença entre a situação nos tempos antigos e medievais foi que, nos últimos, os
professores, administradores, advogados e médicos receberam treinamento formal prolongado e
constituíram uma classe à parte; e é essa característica, a posse de uma técnica intelectual adquirida
por treinamento especial, que pode ser aplicado a alguma esfera da vida cotidiana, que constitui a
marca distintiva de uma profissão. (tradução feita pelo autor).
130
132
Refiro-me ao guardião como escolhido, pois de fato, são os orixás do candomblé que escolhem as
lideranças dos maracatus – nação. A consulta aos orixás é realizada por meio do jogo de búzios, um
dos mais importantes componentes do saber/fazer de todo babalorixá (sacerdote) e yalorixá
(sacerdotisa) do candomblé.
133
Denominação dada pelos integrantes das inúmeras manifestações da tradição da cultura popular de
Pernambuco. Saliento que a brincadeira aqui é levada muito a sério, pois a ligação com a religião
africana impõe severas restrições ao brincar, geralmente entendido como terreno livre de regras.
132
Podemos vislumbrar, nos interstícios que a lei citada cria no contexto desse
indivíduo, a chance de um novo profissional ser forjado. Se por meio da formalização
da lei e da sua aplicabilidade, notadamente no que concerne ao recebimento de uma
bolsa, uma remuneração financeira para realizar todas as atividades dentro do
maracatu-nação, ou seja, com a criação dessa obrigação de trabalhar de forma mais
sistemática, com horários mais rígidos, inclusive, uma possível nova identidade
133
Henry Maine, em seu Ancient Law, (Lei Antiga), sustentava a ideia de que a
sociedade antiga se baseava nas relações de status, em direitos e posições
adquiridas exclusivamente de forma herdada. Ainda de acordo com Maine, a
sociedade moderna teria as relações pautadas no contrato, reflexo das
complexidades do mundo moderno. Para Maine, o diferencial status/contrato,
indiciava uma sociedade como simples, ancorada na primeira definição e uma
sociedade complexa, ancorada na segunda definição. (Kuper, 2008).
Mesmo não tendo como referencial empírico o Leão Coroado, a obra Memória
e Sociedade - lembrança de velhos, de Ecléa Bosi, hoje se configura em instrumento
para a reflexão conceitual, pois enfatiza o chamamento para o status que a memória
dos mais velhos tem: a função de trabalho. Esse é um grande ponto de virada, ao
perceber nas pessoas velhas, um legítimo cadinho de lembranças significativas, que
em alguns casos, podem reconstruir fatos históricos:
Não dispomos de nenhum documento de confronto dos fatos relatados que pudesse
servir de modelo, a partir do qual analisassem distorções e lacunas. Os livros de
história que registram esses fatos são também um ponto de visita, uma versão do
acontecido, não raro desmentidos por outros livros com outros pontos de vista.
A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos são
menos graves em suas conseqüências que as omissões da história oficial. Nosso
interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na
história de sua vida. Recolhi aquela evocação em disciplina, que chamei de
memória-trabalho. (Bosi, 1994, p.37).
A tese de Bosi (1990), de que os mais velhos realizam o seu ofício por meio
das lembranças, possibilitou que vários repertórios de vida chegassem ao
conhecimento do mundo acadêmico, ou seja, por meio do apoio criado com a obra de
Bosi, argumentando que a história de vida dos mais velhos é preciosa, e constitui
135
notável recurso para a reflexão. Nessa perspectiva, o trabalho ora feito ganha fôlego
novo, se reatualiza.
Coadunando com Boas, destaco que o objeto empírico desta tese já foi
bastante trabalhado pela antropologia, muito embora o foco dado por mim ao estudar
as relações sociais imbricadas entre o maracatu-nação e as políticas públicas de
cultura desenvolvidas em Pernambuco na contemporaneidade, seja ainda pouco
analisado, notadamente a LPV. No bojo da LPV são previstos os fomentos, editais e
os incentivos, possíveis deflagradores de um provável panorama para que uma
indústria cultural se estabeleça e dê vazão a um cenário de desalento defendido por
Adorno e Horkheimer (1985) onde a performance e o detalhe técnico tenham
predomínio sobre a obra. Contudo, mesmo a LPV, em alguma medida, enfatizando a
importância do espetáculo e dos possíveis rendimentos advindos deste, a mesma lei
simultaneamente propicia a existência de um freio na reprodução em massa,
característica da indústria cultural.
134
Na Bienal do livro, realizada em Pernambuco em setembro de 2011, por exemplo, constatamos a
presença de vários contadores de histórias, a maioria muito jovens, inclusive.
135
Programa Roda Viva, 1997.
137
136
Gostaria de destacar que mesmo tendo realizado outros encontros na casa do atual guardião do
Leão, nunca deixo de me emocionar com a gentileza com que sou tratado, sempre. Não só pelo próprio
Mestre Afonso, mas por todos da nação, especialmente por Dona Janete, esposa de Afonso. Sou
tratado como membro da família, tanto que quando demoro a visitar a sede, sou cobrado por todos.
Nunca tive nenhum tipo de entrave, por parte de ninguém do Leão para levar adiante a pesquisa.
138
Fotografia 40 - Mestre Afonso, hoje para mim, um grande amigo. Olinda, novembro de
2016. Foto: Tiago Fernandes.
137
Neste momento falo dos mamulengueiros e oleiros.
139
A bolsa não paga nem este tecido, imagina as outras despesas com
transporte, alimentação, costura, manutenção permanente de
instrumentos musicais, enfim, a missão é árdua. Pesada. Então,
perceba que a bolsa não cobre as despesas do grupo, nem muito
menos as minhas pessoais. Ajuda, eu não posso negar, mas tem um
limite grande.
Para além da gentileza recorrente, pontuo que o relato de Afonso carrega certo
tom de decepção no tocante ao atual estado em que o Leão se encontra. Pois, o
esperado por parte do guardião era que ao tornar-se patrimônio vivo, o maracatu
tivesse uma atenção maior, sobretudo, no tocante à estrutura e a manutenção da
própria manifestação. As modificações constatadas por mim ao acompanhar a rotina
de Mestre Afonso sinalizam que as mesmas sofreram alterações significativas,
especialmente em se tratando da sua agenda pública.
Outra demanda refere-se à relação do Leão com o poder público estadual, este
o responsável pelo pagamento da bolsa138 vitalícia. Mestre Afonso não menciona de
forma explícita, mas por diversas vezes, eu consegui ler nas entrelinhas que a
negativa a um convite do governo de Pernambuco, por exemplo, é algo a ser evitado.
138
Atualmente o valor da bolsa é de R$ 3.600,00.
141
No artigo cinco do Capítulo IV da LPV consta esta obrigação a ser realizada pelos
eleitos:
Ainda tendo a fala de Mestre Afonso como fio condutor, penso que a mesma
guarda uma série de provocações. Ótimas para revolver o espírito. Apesar de o meu
foco principal repousar sobre as possíveis modificações ocorridas no Leão após a
nomeação como patrimônio vivo, o guardião, ou zelador, como ele mesmo gosta de
se intitular, não se exime de abordar outros assuntos, muitas vezes não dirigidos
exatamente ao que foi indagado, mesmo que essa atitude não comprometa em nada
a importância da sua fala.
140
Menciono mais uma vez que tentei diversas vezes um encontro presencial. Nunca tive êxito. A
conversa foi frutífera, mesmo tendo a frieza do telefone como elemento presente. Ao ligar, me
apresentei e falei sem rodeios o que desejava, ou seja, se ele, Leonardo Dantas, pensava que haveria
uma alteração profissional por conta das práticas exigidas pela LPV.
143
Assim, entendo que chego próximo de definir, por ora, a atual função exercida
pelo guardião do Leão que aliando a práxis diária a uma agenda nova, vem
conseguindo segurar o fio da memória tecida ao longo dos mais de cem anos de
existência do Maracatu Nação Leão Coroado.
141
Definição inicial da categoria mantenedor da cultura popular tradicional. Categoria antropológica
ainda inédita.
144
6 CONCLUSÕES
Tendo ainda as linhas urdidas até agora, constatamos com poucas incertezas
que o advento de uma lei com os moldes da Lei do Patrimônio Vivo de Pernambuco
foi viabilizado pelos esforços empreendidos anteriormente por Aloísio de Magalhães e
os demais que o sucederam no entendimento de uma ideia mais aberta acerca do
que seria efetivamente um patrimônio, o patrimônio do povo brasileiro. Identificamos
ao percorrer as linhas do primeiro capítulo uma ideia inicial muito ligada, ainda, aos
146
A autora defende que não é só de recordar que vivem os velhos, mas como
existe mais vida acumulada que os mais jovens, esta memória ao ser reconstituída
ganha o status de trabalho. No meu mestrado, defini apoiado prioritariamente nas
ideias de Bosi, Mestre Afonso Aguiar de Guardião do Segredo. Pois de fato, o mesmo
guarda a chave que torna perene o Leão, sendo o seu papel vital para a continuidade
de todo o grupo, até porque, Afonso é guardião do próprio segredo e de toda a
memória coletiva abarcada ao longo da história do maracatu. Mas, já pontuamos que
ideias existem para serem, também, ampliadas ao longo do tempo. No mestrado, eu
pensei ter encontrado uma definição, a mais próxima possível, do atual papel
desempenhado por Aguiar dentro do Leão, contudo, ao continuar a realizar os
encontros, tendo em vista projetos futuros, percebi que seria redutor definir Afonso
como um guardião da tradição, apenas.
A faculdade de Afonso Aguiar foi feita no terreiro de seu pai, nas práticas
diárias para louvar os seus orixás, nos atendimentos realizados aos aflitos que o
procuram em busca de solucionar problemas das mais variadas ordens. Por tudo isso,
ampliei a minha própria definição de guardião e, hoje, percebo Mestre Afonso Aguiar
como um mantenedor. Manter, no meu olhar, amplifica a imagem de zelar e
simultaneamente nos remete a uma ideia de pessoa vigilante acerca de todos os
assuntos referentes à manutenção do maracatu e não um profissional, simplesmente.
REFERÊNCIAS
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2011.
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Letras, 2001.
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CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas. São Paulo: Cosacnaify, 2009.
DEMO, Pedro. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1995.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4.e. São Paulo: Atlas,
2002.
KUPER, Adam. Cultura, a visão dos antropólogos. São Paulo: EDUSC, 2002.
MOTTA, Roberto. (Org.), Roger Bastide hoje: raça, religião, saudade e literatura.
Recife: Bagaço, 2005.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
SILVA, Vagner Gonçalves da. (org.) Memória afro - brasileira: artes do corpo. São
Paulo: Selo Negro, 2004.
THOMPSON, E.P. A voz do Passado. História Oral. São Paulo: Ed. Paz e Terra,
1992.
Capítulo I
Parágrafo único. Será considerado, para os fins desta Lei, como Patrimônio Vivo do
Estado de Pernambuco, apto, na forma prevista nesta Lei, a ser inscrito no RPV-PE, a
pessoa natural ou grupo de pessoas naturais, dotado ou não de personalidade
jurídica, que detenha os conhecimentos ou as técnicas necessárias para a produção e
para a preservação de aspectos da cultura tradicional ou popular de uma comunidade
estabelecida no Estado de Pernambuco.
Capítulo II
a) estar viva;
a) estar em atividade;
b) estar constituído sob qualquer forma associativa, sem fins lucrativos, dotado ou não
de personalidade jurídica na forma da lei civil, comprovadamente há mais de 20
(vinte) anos contados da data do pedido de inscrição;
§ 1º O requisito da alínea "d" do inciso I do caput deste artigo poderá ser dispensado
na hipótese de verificação de condição de incapacidade física causada por doença
grave cuja ocorrência for comprovada mediante exame médico-pericial com base em
laudo conclusivo da medicina especializada, elaborado ou ratificado por junta médica
do Departamento de Perícias Médicas e Segurança do Trabalho da Secretaria de
Administração e Reforma do Estado.
156
Capítulo III
Art. 4º A bolsa de incentivo de que trata o inciso II do art. 3º desta Lei consistirá no
pagamento mensal, pelo Estado de Pernambuco:
§ 2º Os direitos atribuídos aos inscritos no RPV-PE na forma prevista nesta Lei terão
natureza personalíssima e serão inalienáveis e impenhoráveis, não podendo ser
cedidos ou transmitidos, sob qualquer título, a cessionários, herdeiros ou legatários,
todavia, não geram qualquer vínculo de natureza administrativa para com o Estado.
157
Capítulo IV
Art. 5º Serão deveres dos inscritos no RPV-PE, observado o disposto no art. 2º desta
Lei:
§ 3º Não será considerado descumprimento dos deveres a ele atribuídos por esta Lei
a impossibilidade, para o inscrito ou para número relevante dos membros de grupo
inscrito, de participar dos programas de que trata o inciso I do art. 5º desta Lei, desde
que tal impossibilidade tenha sido motivada por incapacidade física causada por
doença grave cuja ocorrência for comprovada mediante exame médico-pericial com
base em laudo conclusivo da medicina especializada, elaborado ou ratificado por
junta médica do Departamento de Perícias Médicas e Segurança do Trabalho da
Secretaria de Administração e Reforma do Estado.
Capítulo V
159
Capítulo VI
Art. 10 Todas as despesas decorrentes desta Lei correrão por conta dos créditos
orçamentários da Secretaria de Cultura do Estado.
Art. 11 O Poder Executivo, mediante decreto, expedirá instruções para a fiel execução
desta Lei, bem como delegará ao Secretário de Cultura do Estado, competência para
expedir atos normativos complementares.
Governador do Estado
162
Governador do Estado