Iêmen
Iêmen
Iêmen
Resumo
O presente artigo tem por escopo analisar a pior crise humanitário do mundo, à luz dos
preceitos jurídicos internacionais, mormente o Direito Internacional dos Direitos
Humanos e o Direito Internacional Humanitário. Para tanto, analisamos o escopo
normativo do Direito Internacional Humanitário, para posteriormente entrarmos em
nosso estudo de caso, isto é, a crise humanitária no Iêmen. Para isso, tecemos a
evolução histórica do contexto político do país, até chegar nos dias atuais. Elencamos
a importância geopolítica da região, e o interesse dos Estados vizinhos no território
Iemenita. Por fim, avaliamos as violações ao Direito Internacional Humanitário (DIH)
e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) decorrente do conflito no
país. Sendo assim, utilizamos do método dedutivo hipotético, com base em pesquisas
bibliográficas, análise documental e revisão bibliográfica.
Palavras-chaves: Direito Internacional Humanitário; Direito Internacional dos
Direitos Humanos; Iêmen;
Abstract
The purpose of this article is to analyze the worst humanitarian crisis in the world, in
the light of international legal precepts, also international human rights law and
international humanitarian law. To do so, analyze or normative scope of international
humanitarian law, and then enter our case study, that is, a humanitarian crisis in
Yemen. To do this, weave a historical evolution of the country's political context, until
it reaches the present day. We list the geopolitical importance of the region and the
interest of neighboring states in Yemeni territory. Finally, we assess violations of IHL
(International Humanitarian Law) and IHRD (International Human Rights Law)
resulting from the conflict in the country. Therefore, we use the hypothetical deductive
method, based on bibliographic research, document analysis and bibliographic review.
INTRODUÇÃO
Desta forma, as medidas excepcionais apenas podem ser adotadas se não forem
incompatíveis com as obrigações impostas pelo Direito Internacional e não causarem
discriminação entre as pessoas.
O surgimento de novos conflitos com configurações distintas da que se verifica ao
longo da história faz com que novas medidas de cunho humanitários sejam empreendidas. Foi
nesse sentido que a Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e Desenvolvimento do
Direito Internacional Humanitário, realizada na década de 70, em Genebra, adotou os dois
Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra de 1949. Sendo que o Protocolo I visa
proteger as vítimas de conflitos internacionais bélicos, enquanto que o Protocolo II visa
proteger às vítimas dos conflitos armados internos, salvo as ações isolados ou esporádicos de
violência (TRINDADE, 2020).
O primeiro protocolo elenca o necessário registro das pessoas desaparecidas ou mortas
em campo de batalha, proibi o uso de armas e táticas de guerra que causa danos
desnecessários as pessoas e ao meio ambiente. Ademais, determina que apenas os soldados do
exército oponente capturados é que são considerados prisioneiros de guerra, excluindo, deste
modo, os espiões e os mercenários. Ademais, veda a morte dos civis por inanição, e elenca
medidas especiais de proteção às mulheres e as crianças, aos médicos e pessoas de
representação religiosa (SWINARSKI, 2020).
O núcleo duro dos direitos humanos, em matéria de direito humanitário, está
registrado no artigo 75 do I Protocolo Adicional, senão vejamos;
1 - Na medida em que forem afetadas por uma situação prevista pelo artigo 1.º do
presente Protocolo, as pessoas que estiverem em poder de uma Parte no conflito e
não beneficiarem de um tratamento mais favorável, nos termos das Convenções e do
presente Protocolo, serão, em qualquer circunstância, tratadas com humanidade e
beneficiarão, pelo menos, das proteções previstas pelo presente artigo, sem
discriminação baseada na raça, cor, sexo, língua, religião ou crença, opiniões
políticas ou outras, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outra situação,
ou qualquer outro critério análogo. Todas as Partes respeitarão a pessoa, a honra, as
convicções e práticas religiosas de todas essas pessoas.
2 - São e permanecerão proibidos em qualquer momento ou lugar, quer sejam
cometidos por agentes civis quer por militares, os atos seguintes:
a) Atentados contra a vida, saúde e bem-estar físico ou mental das pessoas,
nomeadamente:
i) Assassínio;
ii) Tortura sob qualquer forma, física ou mental;
iii) Castigos corporais; e
iv) Mutilações;
b) Atentados contra a dignidade da pessoa, nomeadamente os tratamentos
humilhantes e degradantes, a prostituição forçada e qualquer forma de atentado ao
pudor;
c) Tomada de reféns;
d) Penas coletivas;
e) Ameaça de cometer qualquer dos atos supracitados. (...). (PROTOCOLO I, 1979).
humanitário fundamentais para a garantia dos direitos humanos em um dos momentos mais
complexos que o ser humano pode vivenciar, isto é, um cenário de guerra (TRINDADE,
2020b).
Outrossim, a Conferência Internacional de Direitos Humanos, ocorrida em Teerão, em
1968, reafirmou a necessária observância dos princípios humanitários em tempos de conflitos
bélicos. Termos que a Resolução 2444(XXIII), da Assembleia Geral das Nações Unidas,
reafirmou tal fato, ratificando o direito das gentes quanto a proteção dos civis e combatentes
para os casos em que o Estado não tenha ratificado as Convenções de Genebra. Portanto,
reafirmou os princípios de vedação ao uso indiscriminado e ilimitado dos meios de combate e
os ataques direcionados diretamente aos civis (TRINDADE, 2020a).
Portanto, vislumbra-se que o Direito Internacional Humanitário não visa apenas
garantir a integridade física dos indivíduos durante a ocorrência de guerras, seja interna ou
internacionalizada.
Se é verdade que um ser humano se move por vezes por sentimentos de crueldade,
também é certo que ele se comove perante a dor e o sentimento de humanidade, que
à semelhança do sofrimento, é também universal. Sendo impossível fazer com que o
ser humano renuncie à guerra, é o sentido de humanidade que o leva a opor-se aos
seus efeitos. Desta forma, o Direito Internacional Humanitário enuncia as regras
aplicáveis durante os conflitos armados, internacionais ou não, que visam um duplo
objetivo: restringir os direitos dos combatentes através da limitação dos métodos e
meios de guerra e proteger os direitos dos não combatentes, civis e militares fora de
combate (DEYRA, 2020, p.14)
O Iêmen é o Estado mais pobre da península arábica, assolado por diversas crises
políticas, econômicas, sociais e militares. A capital é Sana’a. Além da capital, o país está
subdividido em várias províncias: Abyan, 'Adan, Ad Dali', Al Bayda', Al Hudaydah, Jaufe, Al
Mahrah, Al Mahwit, 'Amran, Dhamar, Hadramaute, Hajjah, Ibb, Lahij, Ma'rib, Sanaa, Saná,
Shabwah, Ta'izz e Saná. É um país praticamente rural e agrícola, principalmente pelo fato de
receber chuvas de modo constante. Embora, mais de noventa por cento da renda do país seja
fruto do petróleo, nada obsta o mesmo ser considerado o país com condições mais precárias
do Médio Oriente (SILVA, 2020).
A sua extensão territorial compreende 528 km2, contornado pelo Mar da Arábia,
pelo Golfo de Áden e pelo Mar Vermelho. Além disso, faz fronteira com a Arábia Saudita e
Omã, sendo estes os maiores produtores de petróleo. Portanto, trata-se de um dos pontos
geográficos mais estratégicos do planeta, uma vez que que se encontra localizado em uma das
mais importantes rotas de petróleo (LIMÃO, 2020).
A partir de 1914 até 1990 o Iêmen do Norte e Iêmen do Sul foram divididos, tornando-
se: a República Árabe do Iêmen (Iêmen do Norte) e a República Democrática Popular do
Iêmen (Iêmen do Sul). A capital do Iêmen do Norte era a Sanaa. Trata-se de uma região que
esteve sob o domínio Otomano até o ano de 1872. Após o fim da Primeira Guerra Mundial,
em 1918, declarou-se independente, adotando o regime monárquico. Na década de 70, o Rei
Saudita Faisal decidiu por tolerar o modelo de Estado de República “moderada”, deixando de
apoiar os defensores da monarquia “pura”. E, a partir do final da década de 70, quando Ali
Abdullah Saleh assumi o poder, ocorre o fortalecimento dos laços do Iêmen do Norte com o
Iêmen do Sul, com a Arábia Saudita e com os soviéticos, sobretudo no aspecto militar, sem
prejudicar os laços amigáveis com os norte-americanos (LIMÃO, 2020).
O Iêmen do Sul, por sua vez, declarou-se eminentemente comunista. A capital era
Áden, estando sob o domínio predominantemente do governo britânico, desde 1839. A partir
dos anos 50, movimentos nacionalistas árabes floresce diante da predominância dos negócios
indianos e europeus nas questões do porto de Áden, e, apenas em 1967 o país declara a sua
independência, vindo a ser a República Democrática Popular do Iêmen, em 1970. Por
defender um viés fortemente socialista, em 1978 funda-se o Partido Socialista Iemenita
(PSY), cujo o líder era Abdel Fatah Ismail e, a partir de 1980, Ali Nasser Mohamed assume a
liderança (LIMÃO, 2020).
No entanto, as divergências partidárias interna provocaram uma guerra civil sangrenta,
que veio apenas a arrefecer-se totalmente com a unificação do Iêmen do Sul com o Iêmen do
Norte, em 1989. Inicialmente um conselho presidencial de cinco pessoas assume o poder,
sendo que Saleh, ex-Secretário-Geral do Congresso Popular Geral, o principal partido no
Iêmen, assume a função de Presidente e Ali Salim al-Bid, o ex-Secretário geral do Partido
Socialista Iemenita, assume o posto de Vice-Presidente (SILVA, 2020).
Com a unificação, os Iemenitas esperavam uma mudança na realidade do país,
aguardando um futuro próspero e pacífico. Nesse sentido, o governo, durante o período de
transição, buscou lançar as bases de um governo democrático, fundamentadas na liberdade de
expressão e de imprensa. No entanto, diversos contratempos ocorreram no processo de
transição governamental, dentre elas a guerra entre Iraque e Kuwait, momento no qual o
Iêmen fazia parte do Conselho de Segurança da ONU. Quando o Conselho de Segurança
condenou a postura de ataque do Iraque no Kuwait, o Iêmen se absteve, sendo que os demais
estados árabes aceitaram a intervenção dos norte-americanos na guerra. A Arábia Saudita, por
ser aliada dos norte-americanos, não concordando com a abstenção do governo Iemenita no
Conselho de Segurança, motivo pelo qual resolveu revogar o estatuto especial que havia
concedido aos cidadãos iemenitas e, por conseguinte, expulsou vários destes, colocando o
Iêmen em uma situação diplomática delicada (LIMÃO, 2020).
As divergências que se intensificaram em 1990 entre o Partido Congresso Popular
Geral e o Partido Socialista Iemenita desaguaram na guerra civil que teve início em 1994. Os
Al-Hirak, grupo de rebeldes Iemenitas do Sul, que se viam negligenciados pela República
Democrática do Iêmen, buscou separar o “Iêmen do Sul”, a fim de formar um novo Estado.
No entanto, tal medida não foi reconhecida pela sociedade internacional, e a guerra acabou
quando as forças armadas consegui assumir o controlo do sul. Ocorre que tal guerra gerou
mais instabilidade no país, motivo pelo qual o governo recorreu-se ao FMI, obtendo o
empréstimo de 100 milhões de dólares, além dos 80 milhões de dólares obtidos pelo Banco
Mundial, e, por fim, os 70 milhões concedidos pelos europeus (LIMÃO, 2020).
A partir da década de 2000 a instabilidade no país aumenta, sobretudo devido as
oposições dos Houthis em relação ao governo de Saleh, desaguando nas guerras de Sanaa. O
que favoreceu para o aumento da pobreza, mortalidade infantil e das condições rurais. Tais
fatores agravaram a dependência econômica do país da ajuda externa. Embora Saleh era
considerado um defensor da democracia, permanecendo no governo de modo inabalável até
os anos 2000, tal realidade veio mudar com as manifestações de oposição, sobretudo advindas
dos Houthis, quando estes denunciaram a marginalização dos Zaiditas pelo governo,
principalmente por causa da corrupção destes (SILVA, 2020).
É importante salientar que as vertentes religiosas do país contribuem muito para a
ocorrência dos conflitos na região. A maioria dos cidadãos são árabes muçulmanos, sendo que
metade da população do Iêmen é Zaidita, isto é, da ala dos Xiitas, localizada sobretudo na
região norte do país; enquanto que a outra metade são Sunitas, principalmente na região sul
do país (SILVA, 2020).
Portanto, o movimento dos Houthis, liderado por Husayn, eram seguidos sobretudo
pela ala Xiita, embora alguns Zaiditas consideravam o movimento uma ameaça para os
próprios zaidismo, e da mesma maneira, tal movimento era considerado indesejável pelos
Sunitas. No entanto, isso não obstou que o movimento ganhasse força, principalmente a partir
de 2004, quando as manifestações contra o governo aumentaram, dando início as guerras de
Sanaa, o que levou a morte do líder Husayn. As guerras de Sanaa começaram em 2004,
momento no qual Husayn morre, e a sua morte alimenta a chama do conflito, principalmente
quando alguns passam a considerá-lo um mártir. Entretanto, ressalta-se que nem todos que
lutavam do lado dos Houthis apoiavam os mesmos, mas, sim, faziam isso por serem contra o
governo (SILVA, 2020).
Posteriormente, quando os veículos de comunicação, mormente a mídia, passa a focar
nas eleições presidenciais de 2006, ao invés do próprio conflito, o mesmo começa a
enfraquecer-se. Nesse momento, ocorre a negociação para pôr fim ao conflito, o que leva a
assinatura do tratado de paz. Porém, quando Saleh, ainda como presidente, percebe que a
situação de conflito não melhorou, resolve criar o Exército Popular, cuja as fileiras eram
compostas por mercenários Hashid, sendo esta uma confederação tribal que apoiava o
governo; além dos considerados radicais Sunitas e outros povos (LIMÃO, 2020). Em 2009,
momento que aparentava ser o final do conflito, os Houthis fortaleceram-se tanto que apenas
foram vencidos quando o exército Iemenita obteve ajuda direta da Arábia Saudita no conflito
(SPOHR, 2020). A guerra durou seis anos, marcados por intensa violência, e a união de
diversas tribos que até então eram inimigas a fim de se oporem a um inimigo comum, seja do
lado dos Houthis ou do lado do governo. Em 2010, os Houthis conseguiram dominar a região
norte do Iêmen, alcançando outras regiões do país tendo o seu auge em 2014, momento em
que os Houthis dominam a capital do país, Sanaa (SILVA, 2020).
A situação política vivida no Iêmen desde 2015 é uma das razões que explicam a
importância do Iêmen na região. Estando tremendamente dividido (...) o Iêmen é um
país atrativo para que forças externas se instalem e aumentem a sua influência
naquele território. Não havendo um governo sólido, forte e capaz de controlar o
território e a população, o Iêmen é facilmente penetrável pelos dois grandes atores
regionais, a Arábia Saudita e o Irã (LIMÃO, 2020, p. 71).
dos maiores países do Médio Oriente, possui vários pontos de controle na região, sendo eles:
o Hamas, em Gaza; o Hezbollah, no Líbano; os Alauítas, na Síria. Porém, buscando aumentar
a sua zona de influência, os iranianos (majoritariamente Xiitas), a partir da revolução de 1979,
aumentaram suas divergências com os sauditas (predominantemente Sunitas), pois que o Irã
buscava, também, a liderança do mundo islâmico (MARRA, 2020).
Sendo assim, o Iêmen tem sido o palco de um cabo de guerra entre Irã e Arábia
Saudita, uma vez que o primeiro buscou apoiar os Houthis e o segundo apoiam o governo
Iemenita. Ressalta-se que há uma predominância na história do apoio dos sauditas aos
regimes monárquicos árabes, enquanto que o Irã busca apoiar a ala Xiita que se encontram no
interior dos Estados. Quando os Houthis conseguiram dominar a capital Sanaa, por estar
muito próxima da fronteira da Arábia Saudita, estes resolveram por aniquilar àqueles
(MARRA, 2020).
Diante disso, a Arábia Saudita formou a Coalizão Saudita, isto é, a aliança entre
Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Bahrein, Sudão, Egito, Jordânia, Marrocos, que
permaneceu até 2017, a fim de intervirem no Iêmen, para restaurar os poderes nas mãos de
Hadi e deter o avanço dos Houthis em Áden, cuja operação foi denominada de Decisive
Storm. Com o sucesso da operação Decisive Storm, ainda no início de 2015, a Coalização
Saudita dar início a operação Renewal of Hope, que se encontra em vigor até hoje (LIMÃO,
2020).
Com os constantes ataques de ambos os lados, além do bloqueio marítimo, terrestre e
aéreo no Iêmen, estabelecido pela Arábia Saudita, aprovado pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas, as questões humanitárias dos iemenitas intensificaram, motivo pelo qual
as Nações Unidas declarou ser a pior crise humanitária do mundo (SPOHR, 2020).
Diante dos fatos, o Parlamento Europeu sobre a Situação no Iêmen emitiu a Resolução
2853/2018 ressaltando a real necessidade de um cessar fogo a fim de por fim os flagelos da
guerra, vejamos:
Ocorre que, a falta de interesse político no término do conflito faz com que as partes
continuam a se enfrentarem, aumentando as baixas de civis, o que corresponde 320.000 de
óbitos (TRT, 2020).
Desde 2015, o Iêmen enfrenta a pior crise humanitária do mundo, segundo os dados
das Nações Unidas. Milhões de Iemenitas foram obrigadas a fugir de suas casas para proteger
suas vidas diante do conflito que ocorre no território de seu país. Nesse cenário caótico, o
colapso econômico deixou 24 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade humanitária
e 3,6 milhões estão deslocadas internamente. Além disso, 20,1 milhões precisavam de ajuda
alimentar e 2,5 milhões crianças encontra-se em quadro de desnutrição. desnutridas. Além
disso, 8,8 milhões pessoas precisão de atendimento médico, 11,3 milhões precisam de
fornecimento de água. Portanto, 80% da população Iemenita encontra-se em extrema
vulnerabilidade. E, para agravar a situação, apenas 50% das instalações de saúde do país estão
em funcionamento, o que prejudica o combate ao COVID-19 no local (ACNUR, 2020).
Embora o número de pessoas envolvidos no apoio humanitário compreende centenas a
cada mês, o ambiente operacional é prejudicado, sobretudo nas províncias do norte do Iêmen,
devido as dificuldades de restrições de locomoção na região, o que prejudica 6,7 milhões de
iemenitas. Além da OCHA (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos
Humanitários), várias agências da ONU, ONGs nacionais e ONGs internacionais estão
trabalhando no país, visto a crise intensa que assola o mesmo (ONU, 2020b).
Diante disso, em 2019, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de
Assuntos Humanitários organizou um evento que conseguiu arrecadar US $ 2,6 bilhões para
sanar os gastos necessários que buscam atender as necessidades básicas da população. O
Fundo Humanitário para o Iêmen conseguiu arrecadar US $ 239,4 milhões. Até o final de
2019, havia 96 funcionários do OCHA no país, sendo que os principais centros de
coordenação dos trabalhos estão nas províncias de Áden, Al Mukalla, Hudaydah, Ibb, Saada e
Sanaa. Além disso, há funcionários atuando em Amã e Jordânia, dando o suporte externo
necessário (ONU, 2020b).
No entanto, embora em todo o país a ACNUR procura conceder ajuda humanitária aos
deslocados internos e aos refugiados - garantindo a proteção, abrigo, alimentos, cobertores,
materiais de cozinha, dentre outros utensílios imprescindíveis para o desenvolvimento das
atividades diárias de um lar – apenas 30% do financiamento total necessário foi arrecado para
manter a assistência humanitária aos refugiados e deslocados internos (ONU, 2020b).
A situação é agravada com a pandemia do COVID-19. Até o dia 19 de julho de 2020
14.263.202 casos confirmados no mundo (WHO, 2020).
A situação da pandemia tende agravar a crise de inanição, pois 2/3 dos Iemenitas estão
em situação de pobreza e vulnerabilidade extrema. A inflação, com o aumento dos alimentos,
tende a piorar a situação da população. Consequentemente, o desenvolvimento humano no
país tende a deteriorar-se, além de prejudicar o crédito e a liquidez da receita pública, por
conseguinte, muitos funcionários públicos, e sobretudo os que atuam diretamente no apoio a
assistência humanitária, não estão sendo remunerados (ONU, 2020b).
Diante disso, a fim de evitar a expansão do COVID-19 no país, uma série de medidas
foram tomadas à luz do Plano Global de Resposta Humanitária, que visa a redução da
disseminação do vírus no mundo, o que exige a distribuição de mais equipamentos médicos e
o aumento do atendimento clínico. A UNICEF capacitou 19.000 voluntários Iemenitas para
aumentar a conscientização sobre o COVID-19 e os meios de prevenção sobre o mesmo. A
ONU arrecadou 12.000 toneladas de equipamento médico e remédios, no entanto, a
quantidade de tanque de oxigênio e de equipamento de proteção individual ainda não é
suficiente (ONU, 2020b).
pelas violações; (v) elencar as recomendações para a garantia e respeito as normas de direitos
humanos e direito internacional humanitário; dentre outras medidas.
Após a avaliação dos especialistas enviados pela ONU ao Iêmen, os mesmos
verificaram uma série de violações às normas de direitos humanos e de direito humanitário
(ONU, 2020c), senão vejamos:
Ressalta-se que esse grupo de pessoas vulneráveis, isto é, os refugiados, são tutelados
pela Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, razão pela qual possuem um aparato jurídico
internacional especial para os mesmos. No âmbito humanitário, o artigo 73, do I Protocolo
assegura a proteção de grupo de indivíduos, senão vejamos:
Há de salientar que o refugiado da parte inimiga não poderá ser devolvido para o país
de onde fugiu, além disso, não poderá ser preso, processado ou condenado, visto que
encontra-se sobre a proteção legal internacional das normas de Direito Internacional dos
Refugiados (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2020).
queiram praticar. Ademais, a mulher estrangeira em um país que esteja em conflito tem
direito favorável a alimentação, cuidados médicos e assistência social. Outrossim, as detidas
devem ficar em locais separado do local em que se encontram os homens. As grávidas
recebem os mesmos cuidados assegurados aos doentes e feridos de guerra.
5 - Não será executada uma condenação à morte por infracção ligada ao conflito
armado, contra pessoas que não tenham 18 anos no momento da infracção
(PROTOCOLO I, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo com a adoção das quatro Convenções de Genebra de 1949, além dos
Protocolos Adicionais de 1977, percebe-se que o número de conflitos continua a crescer,
afetando diversas partes do globo. Razão pela qual tais instrumentos de proteção internacional
da pessoa humana em situações de conflito são de extrema importância. No entanto, a
existência de tais instrumentos legais não obsta a violação dos mesmos, visto que vários são
os casos de mortes e sofrimentos desnecessários perpetrados, sobretudo, aos civis. Desta
forma, observa-se que as violações às normas de Direito Internacional Humanitário não são
causadas pela desatualização de suas normas, mas, sim, ocorre-se pela falta de interesse
político e das partes envolvidas no conflito em salvaguardar tais normas, além da ausência de
instrumentos coercitivos cabíveis para fazer valer essas normas, isso se vislumbra no conflito
deflagrado no território Iemenita.
Segundo o relatório dos especialistas, baseados nos casos registrados de violações aos
direitos humanos e ao direito humanitário, o próprio governo do Iêmen, o governo dos
Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita violou maciçamente as normas de direitos
humanos, além do fato das partes envolvidas diretamente o conflito terem cometidos crimes
de guerra e outras violações às normas de direito humanitário, agravando o sofrimento dos
iemenitas.
Vários ataques aéreos atingem pessoas, principalmente em áreas nas quais não há
combate ativo, aumentando a insegurança da população. As minas implantadas pelos
continuam matando e mutilando as vítimas. Os bloqueios promovidos pelas partes envolvidas
prejudicam o acesso à alimentação pela população. As prisões arbitrárias, os
desaparecimentos, as práticas de torturas, violência sexual intensifica os horrores da guerra,
além do recrutamento de crianças soldados. A situação agrava com o fato de os voluntários,
que atuam no corpo de ajuda humanitária, têm suas atividades restringidas pelos combatentes.
Desta forma, percebe-se que a omissão das partes em tomarem medidas que visem
remediar as situações de violações aos direitos humanos manifesta a irresponsabilidade dos
atores envolvidos no conflito, o que fomenta a impunidade por crimes cometido no Iêmen.
Ademais, o fornecimento de armas às partes no conflito no Iêmen contribui para a
manutenção da guerra e do sofrimento humano. Diante disso, o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos formulou recomendações ao Conselho de Direitos
Humanos buscando pôr fim à essa guerra, o que será possível com o cessar fogo, pois apenas
a paz colocará um ponto final no sofrimento do povo iemenita.
O que se observa é que mesmo diante das recomendações internacionais instando as
partes beligerantes a cessar fogo no conflito Iemenita, além do fato de os princípios e normas
humanitárias e de direitos humanos terem sido amplamente aceitos no âmbito internacional,
sendo vinculativos ao Estados partes, percebe-se que as violações permanecem, razão pela
qual se indaga a causa dessa perpetuação.
Sendo assim, nota-se, ao estudar a evolução histórica do Iêmen, desde a pré unificação
até os dias atuais, que diversos fatores cooperam para a manutenção do conflito civil, dentre
eles, podemos citar: o difícil processo de unificação; a cisão perpetuada por Ali Saleh entre o
governo e os Houthis; o fracasso do governo transitório, sob a liderança de Hadi, na tentativa
de garantir a estabilidade política; os interesses geopolíticos dos países vizinhos, sobretudo do
Irã e da Arábia Saudita, em querer assumir o controle do país Iemenita; e, por fim, não menos
importante, a questão religiosa, visto que o conflito é marcado nitidamente pela divisão entre
Sunitas e Xiitas, o que influencia no próprio apoio externo, uma vez que o Irã
(majoritariamente Xiita) fornece apoio militar aos Houthis, enquanto que a Arábia Saudita,
juntamente com a Colisão que lidera, apoia o governo do Iêmen.
Em síntese, podemos afirmar que a prevenção dos conflitos armados ainda deve
permanecer em um dos objetivos principais da agenda internacional, a fim de garantir que a
humanidade não venha sofrer mais com os flagelos da guerra. No entanto, frisa-se que não
REFERÊNCIAS
LIMÃO, José Pedro Coelho Monteiro. O Significado Do Iémen No Grande Médio Oriente.
Disponível em:
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/28131/1/TESE%20FINAL%20FINAL%20PDF
A.pdf Acesso em: 19 jun. 2020.
ONU. Relatório da ONU indica possíveis crimes de guerra no Iêmen. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/relatorio-da-onu-indica-possiveis-crimes-de-guerra-no-iemen/
Acesso em: 19 jun. 2020c.
ONU. Migrantes detidos no Iêmen morrem “em condições desumanas”. Disponível em:
https://news.un.org/pt/story/2019/05/1670721 Acesso em: 19 jun. 2020d.
ONU. Unicef diz que 3 milhões de crianças nasceram durante guerra no Iêmen.
Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2018/01/1606812. Acesso em: 19 jun. 2020e.
SILVA, Cândida Beatriz Lopes Silva. Dos princípios às ações? Uma análise das
(in)coerências nas respostas da comunidade internacional às crises humanitárias do Iémen e
Sudão do Su. Disponível em:
https://eg.uc.pt/bitstream/10316/84644/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20C%C3%A2ndida
%20Silva.pdf Acesso em: 19 jun. 2020.
https://www.oas.org/dil/esp/407-
490%20cancado%20trindade%20OEA%20CJI%20%20.def.pdf Acesso em: 19 jun. 2020b.
TRT. ONU: “320.000 pessoas morreram no Iêmen desde o início da guerra civil”.
Disponível em: https://www.trt.net.tr/portuguese/medio-oriente/2019/08/14/onu-320-000-
pessoas-morreram-no-iemen-desde-o-inicio-da-guerra-civil-1252414 Acesso em: 20 jun.
2020.
UN. Resolution adopted by the Human Rights Council on 26 September 2019. Disponível
em: https://undocs.org/A/HRC/RES/42/2 Acesso em: 19 jun. 2020.
VEJA MUNDO. Arábia Saudita usa crianças soldado do Iêmen para proteger sua
fronteira. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/arabia-saudita-usa-criancas-
soldado-do-iemen-para-proteger-sua-fronteira/ Acesso em: 19 jun. 2020.