Obra Poética de Diogo Mendes de Vasconcelos
Obra Poética de Diogo Mendes de Vasconcelos
Obra Poética de Diogo Mendes de Vasconcelos
HVMAN1TAS
VOLS. XV £ XVI
COIMBRA
MCMLXIII-LXIV
OBRA POÉTICA
DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS
BIOGRAFIA
OS ASCENDENTES
(I) Pedro île Mari/, Diálogos de Vária História, Coimbra, 1598, introdução,
nas folhas marcadas com | | verso c •(- ! 2.
Várias das obras citadas sao dos primeiros tempos da imprensa em Portugal
0 não 10111 ainda uma paginação sistemática. Neste caso, indicamos a página pelos
'.mais destinados a orientar a disposição das folhas e dos fascículos na tipografia.
O texto latino '!'• Pedro de Mariz 6 o seguinte: «Admirentur alii quantumuis
iplendorem tuas gentis: obstupeant praeclaras uirtutesmaiorum tuorum:ct nobilitatem
liiam. l.miili.H- uetUState, metiantur. I£g0 Ltóro el si h.uv maxima censco pluris tamen
facio ornamenta tua propria et iw mui ima : gentilicioi enim honores et auitam gloriam
nu Mi.i •. nepereruni eusque tibi et ceteris suis posteris, reliquerunt; praestantiam
uero uirtutis et ho Is, Ipse i ii>i tuo quaesisti itudio, i aliona industria comparasu.»
Nu gemi deixan moi di i ttai o texto latin lo i traduções da nossa res-
i"m iibilid nli ' n ni.i im imotiido 'ii o Hi<>
2 JOSE GERALDES EREIRE
Madrid, 1646, p. 303; Crónica de D. João I, parte I, caps. 112 e 161; parte II,
caps. 39, 40, 77 e 83; Felgueiras Gaio, Nobiliário de Famílias de Portugal, tomo 28,
Braga, 1941, >j 91, p. 126; Anselmo Braancamp Freire, livro I dos Brasões da
Sala de Sintra, Coimbra, 1921, p. 383; João Salgado de Araújo, Sumario de la
Família illustrísima de Vascoucellos, Madrid, 1638; Eugénio de Castro, Os meus
Vasconcelos, Coimbra, 1933: Portugaliae Monumento Histórica, 1, Scriptores, p. 317;
D. António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, tomo XII
Parte I, Lisboa, 1947; Salazar, Glórias da Casa de Famesi,p. 192; Crónica d'El-Rei
D. Afonso IH; Moreri, Dicionário sobre as famílias nobres.
(1) Vita, n.° 1.
(2) Vita, n.° 11.
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 5
NASCIMENTO E INFÂNCIA
OS ESTUDOS
d i Vila, n."]2.
(2) Cf. Vita Gondisalui, A 4, 2.» parte.
(3) Vita, n." 13 e 14.
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 9
(1) No célebre «ensaio» sobre A educação das crianças, Montaigne fala dos
seus estudos e diz a certa altura: «et m'envoya environ mes six ans au college de
Guicnnc, tresflorissant pour lors, et le meilleur de France». Sobre o Director do
Colégio de Bordéus, Montaigne afirma um pouco adiante: «en. cela Andreas Govcanus,
nostre principal, comme en toutes aultrcs parties de sa charge, l'eut sans comparaison
le plus grand principal de France». Cf. Monmigne, Les essais, livre I, chapitre XXV,
De Vinstitution des enfants. (I, La Renaissance du livre, Paris, s/d, pp. 167 e 169).
10 JOSÉ GERALDES FREIRE
(1) Cf. Vita, n."B 17, 18 e 19; e Vita Gondisahii, A2, 2. a parte.
(2) Cf. Vita, n.° 19 e 20; e Vita Gondisahii, A2, 2. a parte, B.
(3) Cf. Vita, n.° 20. Procurámos confirmar a informação sobre os estudos em
Coimbra, consultando o livro de registo de Autos e Graus da Universidade de Coim-
bra, referente a essa época. Infelizmente o registo das matrículas nos anos de 1543
a 1545 não se encontra lá. Inútil procurar entre os graduados, visto que Diogo
Mendes de Vasconcelos não recebeu graus nesta Universidade, mas sim em Paris.
12 JOSÉ GERALDES FREIRE
(1) Cf. Álvaro da Costa Pimpão, História da Literatura Portuguesa, II, p. 31.
(2) Cf- Vita, n.™ 21 c 22.
(3) Cf. Vita, n.» 23 e Vita Condisa/ui, B.
(4) Vita, n.° 4.
(5) Vita Gondisalui, B v.
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 13
Logo que Júlio III (1550-1555) subiu ao trono pontifício, a sua pri-
meira preocupação foi continuar as sessões interrompidas em Trento.
As circunstâncias políticas eram, porém, difíceis e poucos membros
assistiram à reabertura, em 1 de Maio de 1551.
Dos Bispos residenciais portugueses só D. João de Melo e Castro
tomou parte nesta fase do Concílio, tendo usado da palavra na décima
PERMANÊNCIA EM ÉVORA
O CANONICATO
sabor arcaico que nos lembra velhos tempos. Eis o latim da frase final: «Libct autem
pro meo erga Eborenses araorc síngulari, hanc orationis partem, faustis piisque preca-
tionibus claudere, Dcum optimum maximum, et caeli Reginam, omnesque Díuos,
sub quorum numine, et tutela hacc urbs est, orando in earn in perpctuum saluam et
incolumem, uirtute. iustitia, morum disciplina, rebusque omnibus florentem conscr-
uent.»
(1) Cf. Obra Poética, II, V, X e XXVIII.
(2) Vita, D.° 39.
(3) O Código cio Direito Canónico, actualmente em vigor, diz no canon 393, § 1,
que «em todas as igrejas capitulares deve haver dignidades e cónegos, entre os quais
se distribuirão os diversos ofícios». O comentarista Félix M. Cappello na sua obra
Sttrnma li/ris Canonici, I. Roma 1945, diz (p. 374): «Os principais ofícios são
dois : o de teólogo e o de penitenciário. Em algumas partes também o teólogo e o
penitenciário podem ser dignidades.»
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 19
(1) Cf. Bento José de Sousa Farinha, Colecção cias Antiguidades de Évora,
1785, p. 104.
20 JOSÉ GERALDES FREIRE
INQUISIDOR DA FÉ
r
oram devidamente estudados. Se o nosso objectivo principal não
~;>:>e estudar a obra poética de Diogo Mendes de Vasconcelos, para o
que esta reconstituição biográfica é apenas estudo preliminar, não hesi-
taríamos em buscar os processos sobre os quais teve de proferir a sua
tença. Para o fazermos agora, desviar-nos-íamos muito do nosso
Hectivo. Para mais, pudemos consultar outros documentos autó-
grafos que, quanto a nós, documentam, com mais segurança, a erudição
jurídica e até o carácter do Cónego Dr. Diogo Mendes de Vasconcelos.
O modo como se desempenhou do cargo, impô-lo à consideração
de todos. Fatigado de tão espinhosa missão, várias vezes pediu ao
Rei que lhe desse um substituto. Esta insistência só foi atendida após
dez anos de exercício e, ainda assim, com a condição de continuar a
:rabalhar, sempre que pudesse, no tribunal, com o título de Assessor.
A estima do Monarca manifesta-se também no facto de ter sido dada
ordem de ao Cónego Vasconcelos se continuar a pagar a mesma quantia
que recebia quando era Inquisidor.
A função oficial de Inquisidor da Fé terminou em 1573, mas o
Dr. Mendes de Vasconcelos continuou a auxiliar no tribunal enquanto
pôde, livre e espontaneamente (1).
«Quanto à perfeição, dedicação, diligência e integridade com que
desempenhei o meu cargo — diz na sua autobiografia — é preferível
ater-sc ao juízo alheio do que estar eu aqui a recordá-lo» (2). Pedro de
Mariz, na carta que lhe dirigiu em 1599, a mais de 25 anos de cessação
do cargo de Inquisidor, ainda o saúda como «um dos mais acérrimos
lutadores contra maldade herética» (3).
Há um pequeno pormenor, ocorrido durante os últimos anos da
vida oficial de Diogo Mendes que vale a pena recordar. Em meados
de 1571, o Papa Pio V mandou a Espanha e Portugal o Cardeal Alexan-
drino, seu sobrinho, com o fim de conseguir que D. Sebastião entrasse
para uma liga de príncipes cristãos, que se opussese ao perigo turco
no Mediterrâneo. O Legado trazia na sua comitiva, entre muitos outros,
o Geral da Companhia de Jesus, S. Francisco de Borja, c Monsenhor
Mateus Contarelli. Chegaram a Lisboa a 3 de Dezembro de 1571 (4).
jana. Foi propriedade dos Condes de Unhão e para ali devia ir com fre-
quência Diogo Mendes de Vasconcelos, pois no Panegírico que dedica
ao Cardeal-Arquiduque Alberto, Governador de Portugal em nome de
Filipe II, também se refere a esta quinta. Segundo aí diz, a poesia foi
escrita no Verão, enquanto passava horas agradáveis «no verde regaço
da Quinta da Silveira, atravessada pelo ribeiro do Louredo e protegida
pela densa sombra das árvores» (1).
Durante este Verão de 1580 as terras de Portugal foram invadidas
pelas tropas de Filipe II. A nobreza e o alto clero bandeavam-se cada
vez mais com Castela. Em 5 de Dezembro o próprio Filipe 11 sente o
ambiente preparado para entrar cm Portugal. E passando em Elvas
todo esse mês, ali começa a receber juramentos de fidelidade, inclusiva-
mente o de D. João, Duque de Bragança, marido de D. Catarina, até ali
também pretendente ao trono.
Por esta altura, certamente no fim do ano de 1580, Diogo Mendes
de Vasconcelos, ainda bastante combalido, fez uma visita à sua terra
natal. Alter do Chão, após longos anos de ausência. Esta visita à
terra do seu nascimento inspirou-lhe uma das suas mais belas poesias,
cheia de lirismo, de exultacão, de evocações da infância, de louvor dos
méritos de Alter, tanto antigos como recentes (2). A permanência
em Alter deve ter-se prolongado por alguns meses, continuando o
Cónego Vasconcelos em regime de convalescença. A saúde pública
requeria também especiais cuidados, visto que a peste, que grassava
havia quase um ano, não cessara ainda.
Entretanto, os acontecimentos políticos iam evoluindo. Filipe II
só em 28 de Fevereiro de 1581 prossegue viagem. De Elvas parte para
as Cortes de Tomar, passando por Campo Maior, Arronches, Portalegre,
Crato, Alter do Chão, Ponte de Sor e Abrantes (3). Em Portalegre,
como nos conta o P. e Diogo Pereira de Sotto Maior, no seu Tratado
da Cidade de Portalegre, a recepção foi triunfal, visto que o Bispo
D. André de Noronha era inteiramente dedicado à causa de Filipe II (4).
Diogo Mendes de Vasconcelos ainda esteve para ir saudar o Rei
de Espanha na sua passagem por Alter do Chão, mas encontrava-se
OUTRAS AMIZADES
(1) Cf. Vita Gondisaliri, D v, D2. Não é fácil saber quem foram estes consan-
guíneos, porque em Évora viviam vários parentes de Diogo Mendes de Vasconcelos
e pelo menos um seu sobrinho.
(2) Cf. Ohra Poética, II, v. 21-39.
(3) Cf. Obra Poética, XII.
(4) Estas poesias vem na obra completa de André de Resende, impressa em
Colónia cm 1600 pela tipografia Birckmannica, tomo II, pp. 403, 568-570 c 559.
30 josr. GERALDES FRETAI
OS TRABALHOS LITERÁRIOS
ERUDIÇÃO E CULTURA
(1) Como se vê, Vasconcelos reconhece que naquela época havia falsários de
inscrições. Detende, porém, a honestidade de André de Resende que, aliás, não tivera
receio de travar polémica com D. Miguel da Silva, provando a sua veracidade. Deve-
remos nós dar crédito aos críticos que hoje voltam a acusar André de Resende de
falsário? His um estudo interessante para um amante da história c da arqueologia.
40 JOSÉ GERALDES FREIRE
que equivale a «Lucifer Stella». Para confirmar esta asserção cita Mar-
cial (1).
Num outro comentário diz que sempre lhe pareceu mal interpretada
a expressão de Plínio referente ao «artabro promontório», vulgarmente
interpretado como sendo o cabo Finisterra. Neste ponto afirma expres-
samente que nem Andrc de Resende nem Fernando Nunes- (Pinciano)
perceberam o sentido de Plínio, pois (diz ele) o «artabro promontório»
deve ficar perto de Lisboa. De facto os estudiosos hoje identificam-no
como sendo o cabo da Roca. E o Cónego Vasconcelos prova a sua
opinião, baseando-se em Pompónio Mela. Nós que já o vimos acres-
centando novas inscrições ao estudo de Resende, encontramo-lo agora
numa atitude de plena independência intelectual, discordando do grande
mestre, seu amigo (2).
Igualmente valiosa é a sua apreciação ao Itinerário de Antonino
no que respeita às vias romanas que ligavam Lisboa a Mérida. Em seu
entender, as versões então existentes apresentavam corrompido o texto
de Antonino. Por isso, emenda essas versões, reconstituindo o percurso
das três vias: a primeira por Setúbal, Évora e Badajoz; a segunda por
Santarém, Abrantes, Alpalhão, Assumar ou Alegrete; a terceira, a
mais curta de todas, por Benavente, Ponte de Sor, Alter do Chão,
a ligar à anterior em Assumar ou Alegrete (3).
O processo destes comentários repete-se : — cita as autorida-
des clássicas e eclesiásticas; confirma com as suas conclusões; discute
e discorda quando lhe parece necessário. Entre os autores citados
contam-se os gregos Pausânias, Políbio, Estrabão e Ptolomeu.
Toda esta erudição, que se encontra perfeitamente assimilada por
um espírito verdadeiramente culto, capaz de discernir, de discutir, de
discordar, poderia parecer, naquele tempo, mais própria de um huma-
nista do que dum homem que passava a sua vida debruçado sobre os
cânones, no tribunal da Inquisição. Diogo Mendes de Vasconcelos
sentiu esta objecção quando o encarregaram de aprontar a obra de
(1) Cf. Scholia lacobi Menoetii Vasconcelli in quatuor libros Resendii, publica-
dos logo a seguir ao texto do De Antiquitatibus Lusitaniae, Évora, 1593, fl. 245.
(2) Scoíia, 1. c , f l . 247-248.
(3) Scoíia, 1. c , fl. 251-253. Reproduzimos aqui os nomes das localidades
segundo a equivalência que Diogo Mendes de Vasconcelos dava à nomenclatura
latina. No seu estudo cm 3 volumes sobre As grandes vias da Lusitânia, O itinerário
de Antonino (Lisboa, 1956), Mário Sá estabelece equivalências por vezes um pouco
diferentes.
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 43
Resende. Afinal, poderia dizer-se que. sendo ele jurista c dada a posi-
ção social que ocupava, não devia tratar de assuntos estranhos.
A resposta a esta dificuldade surge-lhe com prontidão e elegância,
na carta que escreveu ao Cardcal-Rei, a 15 de Janeiro de 1580. Em
seu entender, andam muito enganados aqueles que julgam que as pes-
soas dedicadas aos estudos do Direito não devem eonsagrar-se às
Humanidades. Com efeito, «é necessário que eles próprios reconhe-
çam que sem [as Humanidades] não estão bem preparados para
apreender e cultivar as outras ciências». E continua: «Não se com-
preende, em nossos dias, em que se começou a extinguir a ignorância
crassa e bárbara, um teólogo, um jurisconsulto ou um médico insigne
que não tenha adquirido ao mesmo tempo uma certa prática e apreço
das Humanidades» (1).
Este amor aos estudos da Antiguidade bem o revelou Vascon-
celos nas suas obras, assim como se observa nesta lamentação, a pro-
pósito de uma lápide que fora partida em cinco pedaços: «Quem será
assim falto de toda a humanidade e conhecimento de letras que não
chore c leve a mal tão nobres testemunhos de antiguidade assim serem
mal trazidos e desfigurados por homens sandeus e mal ensinados?» (2).
Apesar de tudo, ele parece reconhecer que é. antes de mais nada.
um jurista, quando diz ao Cardeal D. Henrique que lança mãos à obra
para lhe ser agradável, embora com alguma perda do seu nome (3).
É possível que nesta expressão haja bastante modéstia, mas ela serve
para confirmar a nossa opinião de que Vasconcelos devia possuir também
unia considerável ciência jurídica.
Os seus conhecimentos nesta matéria foram certamente demons-
trados nos processos da Inquisição de Évora. Não é fácil, porém,
estudá-los todos. O catálogo dos processos inquisitoriais encontra-se
na Torre do Tombo, por ordem alfabética dos acusados, o que faz com
que tenhamos de organizar primeiro uma lista segundo a ordem cro-
nológica para saber quais os casos em que o Inquisidor Vasconcelos
teve intervenção. Começámos esse trabalho e vimos vários processos
cuja sentença é assinada pelo Cónego Vasconcelos, mas depressa nos
convencemos de que o seu exame não tinha, para o nosso efeito, grande
(1) «Haec collcgi hoiis suecessiuis quae mihi uidentur iuri consentânea saluo
meliori iudicío».
p\i\
(2) Biblioteca Pública do Évora, Papéis Vários, (cola ^fyp) H. 14 (numera-
ção a lápis).
CXIX
(3) Biblioteca Pública de Évora, Papéis vários (cota ."..-•) fis. 9-12 (numeração
a lápis).
(4) Cf, P. José de Castro, O Prior do Crato, Lisboa, 1942, pp. 339-348.
7Uc j»UA -n7^Ar-, Crtvux- <rec*6™6tí f/t&r&S
« £ * . « * = " ' V - — 7 ^ f ^ • ~ v 3
Aft
Autógrafo de Diogo Mendes de Vasconcelos — cf. p. 46
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 47
(1) Cf. Bento José de Sousa Farinha, Colecção das Antiguidades de Évora,
1785, pp. 112-156.
(2) Cf. Biblioteca Pública de Évora, Papéis vários, (cota • ), fis. 7-8.
(3) Cf. Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, tomo III,
parte II, Coimbra, 1917, pp. 672-673.
48 JOSÉ GERALDES FREIRE
OS ÚLTIMOS ANOS
(1) Cf. Pedro de Mariz, Diálogos de Vária História, Coimbra. 1598, p. + -f-.
Fis a primeira parte do texto latino desta carta, em prosa bem mais cuidada
que a dos pareceres citados anteriormente. Note-se a naturalidade com que Vas-
concelos passa da prosa para o verso. Estes versos latinos, indubitavelmente originais
e autênticos, não foram incluídos, até ao presente, em nenhuma colecção da obra
poética de Diogo Mendes de Vasconcelos.
«Eruditíssimo Viro Peiro Marizio lacobus Menactius Vasconcellus S.P.D..
Littcras tuas accepi, quae me ualde delectarunt, ex illis enim facile perspexi
singularcm tuam in me bencuolentiam, incredibilemque animi candorem cum summa
eruditione et multiplici totius antiquitatis peritia coniunctum. Librum uero, quem
mihi dono misisti pluris facio quam onínes omnium Regum seu Principum gazas
quas apud me pretio et acstimatione longe superai.
MORTE E SEPULTURA
Sabemos que até aos 68 anos de idade, isto é, até 1591, foi boa a saúdt
de Diogo Mendes de Vasconcelos, pois, até então, só tivera em Évorc
uma doença perigosa, em 1580, como já vimos. Na poesia que dedica
a Alter do Chào. escrita provavelmente no fim desse ano, ainda fa;
referência aos seus males. Diz que ao ver a sua terra natal lhe voltoi
imediatamente o vigor aos membros, se dissipou a nuvem que sentia
sobre a cabeça e desapareceu a dor que lhe oprimia o coração (1).
Doze anos mais tarde, porém, na carta escrita a Filipe II, em 2 de
Dezembro 1592, o Cónego Dr. Vasconcelos diz que só a dedicaçãc
ao Rei o levou a empreender os seus trabalhos históricos, «em tãc
avançada idade e já sujeita a tantas moléstias» (2).
Conseguimos ate obter um pormenor curioso sobre os seus achaques.
Numa carta escrita em português, dirigida a Pêro Afonso de Vasconcelos,
familiar do Arcebispo de Évora, começa por dizer que para lhe respondei
convenientemente teria «necessidade de melhor disposição do que é a
com que ao presente me acho, porque tive esta tarde uma dor de
dentes estranha e cuido que se me causou da névoa e humidade da
manhã» (3).
Veremos, ao estudar o seu carácter, que a Morte não o preocupava
muito, nem lhe inspirava composições lamentosas. Uma poesia con-
sagrada ao dia do seu aniversário, que ocorria a 1 de Maio, é cheia de
optimismo e uma das mais belas expressões do seu colorido lirismo (4).
Todavia, a Morte, implacável, veio.
É a inscrição da sua sepultura que nos fornece o dia do seu óbito.
Faleceu no dia 24 de Dezembro de 1599. Diogo Barbosa Machado é
quem nos transmite esta inscrição e nos informa de que «jaz sepultado
na Catedral, em a nave do Lenho, junto da escada do coro» (5).
D. o. M.
(1) O epitáfio abre com as iniciais D. O. M. usadas nas inscrições romanas para
significar a consagração a Deus Óptimo Máximo. Os cristãos do Renascimento
adoptaram as mesmas iniciais, referindo-as não a Júpiter, mas ao Deus verdadeiro.
A tradução do epitáfio é a seguinte: «Para seu extremoso tio Diogo Mendes de
Vasconcelos, Cónego Teólogo desta Igreja e Inquisidor Apostólico nesta Cidade,
formado em um e outro Direito e muito versado em letras clássicas, mandou fazer
esta sepultura Gonçalo Mendes de Vasconcelos. Morreu no dia 24 de Dezembro
do ano da nossa Redenção de 1599.»
(2) Estas informações, por nós confirmadas, foram-nos fornecidas pelo Sr. Túlio
Espanca, editor da revista Cidade de Évora e publicista.
54 JOSÉ GERALDES FRlilRti
lateral que foi mandada fazer por João Mendes de Vasconcelos, cm 1530.
Além da lápide truncada que está do lado esquerdo, ao alto, na parede
exterior, existem ainda lá quatro lápides embutidas nas paredes interio-
res. Vamos referir-nos a elas, porque podem ajudar-nos a compreen-
der a posição social e política da família Vasconcelos.
O fundador da capela. João Mendes de Vasconcelos, era lambem
descendente do Mestre da Ordem de Santiago, Mem Rodrigues de
Vasconcelos (1). Morreu em 1541. Foi Morgado do Esporão, Conse-
lheiro de D. Manuel e de D. João 111 e embaixador na Corte de Carlos V.
Do mesmo lado do Evangelho está a lápide de Álvaro Mendes de
Vasconcelos, filho do anterior»
Do lado da Epístola está o epitáfio de João Mendes de Vasconcelos,
neto do fundador, que foi do Conselho de D. Sebastião, de D. Henrique
e de Filipe II. Morreu em 1583.
A última inscrição referc-se a Manuel de Vasconcelos que restaurou
a capela em 1620 e que juntou ao Morgadio do Esporão o das fazendas
de sua segunda mulher D. Helena de Noronha, com o encargo de duas
missas quotidianas na capela e uma cantada no aniversário do faleci-
mento dela.
Por aqui se vê que o Morgado do Esporão cuja idade mais condizia
com a de Diogo Mendes de Vasconcelos esteve também nas boas graças
de três Reis, não se alterando a sua posição com a posse de Filipe II
de Espanha. A situação política cm Évora favorecia, cm parte, a causa
do Monarca espanhol. Desde que o Duque de Bragança prestou jura-
mento de fidelidade, cm Dezembro de 1580, as dúvidas e resistências,
no geral, devem 1er desaparecido. A oposição do Cónego Gaspar Dias
Estácio foi severamente punida pelo Arcebispo D. Teotónio de Bra-
gança (2).
(1) Também esto dado genealógico nos foi fornecido pelo Sr. Manuel Rosado
de Vasconcelos.
(2) À evolução política após a morte de D. Henrique e ao caso do Cónego
Gaspar Estácio fizemos referência nuis explícita na devida altura, pp. 26-27, 46-47.
OBRA POÉTICA DU DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 55
boa canta os navios que do Tejo partem por todos os mares, que
«bebem as águas do Ganges» e que dominam os «Reis da Arábia e
da índia» (1). A D. Sebastião apresenta o exemplo dos portugueses
que penetraram «nas terras do Sol Nascente» e forçaram «o Ganges
a servir o Tejo» (2). Reflectindo sobre a época áurea de prosperidade
nacional, diz que então «os subjugados Árabes, Persas, Garamantes
e Indianos, e outros povos sem conto, levantavam até aos astros de
oiro (...) o nome dos Portugueses» (3). A índia, sobretudo, exerce
sobre o seu espírito uma sedução especial. Celebra o Gama como
«vencedor do mundo oriental» (4); fala de colares matizados «de pedras
orientais» (5) e das «riquezas que a ditosa índia produz» (6). A morte
de Cristóvão da Gama, que se bateu gloriosamente na Etiópia, é objecto
de um epitáfio exaltador (7).
Tudo isto nos prova que o patriotismo de Diogo Mendes de Vas-
concelos era sincero e ardente. A sua dedicação à Casa de Áustria tem,
pois, que se entender dentro do espírito c condicionalismo da época.
Das relações com os seus Arcebispos pouco sabemos, além das
havidas com o Cardeal D. Henrique (Arcebispo de Évora por duas vezes
de 1540 a 1564ede 1574 a 1578). D. João de Melo e Castro (1564-1574)
conhecia-o desde o tempo em que. em 1552, se tinham encontrado em
Trento, na segunda fase do Concílio. D. João de Melo era então Bispo
de Silves, e Vasconcelos fazia parte da embaixada do Rei de Portugal.
O Arcebispo D. Teotónio de Bragança (1578-1602) não podia
deixar de lhe ser querido, uma vez que era filho do Duque D. Jaime,
junto de quem Vasconcelos viveu em criança, em Vila Viçosa. É ele
o «Sr. Arcebispo» de que fala numa carta a Pêro Afonso de Vasconcelos,
jurista de grande ciência e virtude, familiar da Casa de D. Teotónio
que o mandou a Madrid e Roma como seu Delegado (8). Aí se escreve:
«Fui ao Cabido e acerca do que pertence ao serviço de S. lll. ma functus
sum officio meo c por certo que tudo sucederá como convém ao serviço de
Deus e bem da Igreja, que c o que o Sr. Arcebispo pretende.» Depois apre-
senta um caso pelo qual intercede, pedindo a clemência do Sr. Arcebispo.
Esta carta é dos documentos que melhor revelam outra faceta da
personalidade moral de Diogo Mendes de Vasconcelos. O caso apre-
sentado resume-se no seguinte: Diogo de Vasconcelos, sobrinho do
Cónego Dr. Mendes de Vasconcelos, tem um criado que esta acusado
no tribunal eclesiástico de ter tido convivência desonesta com uma
mulher «estragada e como pública». O agente do Tribunal está para
fazer a inquirição das testemunhas. É nesta altura que 0 Cónego Vas-
concelos intervém para «que não se proceda ad ulfcriora». As razões
que apresenta para se suspender o processo revelam um coração compas-
sivo. O criado, chamado Amador de Sequeira, já foi «muito amoestado
e reprendido amaramente de mim e de meu sobrinho»; andou um tempo
por fora e esteve também cm Lisboa «em figura de soldado», pelo que
se admira de o acusarem «de concubinato, que é crime que requer mais
continuação»; enfim, atenda-se a que ele «é músico e se chama Amador
e é filho de Évora, a que cá chamam Enxarraminho». Depois de o ter
admoestado, o bondoso Cónego Vasconcelos entrega ao músico Amador
de Sequeira uma petição dirigida ao Sr. Arcebispo, impetrando miseri-
córdia e absolvição. A bondade manifesta-se até no facto de, após a
>aida deste criado para Lisboa, o Cónego Vasconcelos tornar a recebê-lo
em casa «roto e maltratado» (1).
que serve o Sr. D. João de Bragança». Trata-se do 6." Duque de Bragança. D. João I,
que era nem do 4." Duque, D. Jaime, e portanto sobrinho de D. Teotónio. D. João
>u cm 1563 com I). Catarina filha do Infante D. Duarte, pelo que foram preten-
dentes ao trono, mas acabaram por aceitar as mercês de Filipe II que lhes deu prerro-
gativas antes afio alcançadll peta O u i de Bragança. Como o Duque morreu em
1583 c na caria se diz que António de Oliveira «serve o Sr. D. João», o documento
c anterior a esta data e refere-se, portanto, aos primeiros anos do governo episcopal
de D. Teotónio.
Sobre o Duque D. João I. cf. Enciclopédia Luso-Brasileira, V vol., pp. 12-13.
Sobre Pedro Afonso de Vasconcelos, cf. Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, III,
pp. 537-538, Lisboa, 1930.
Na primeira transcrição que fazemos a seguir, no texto, deve tratar-se de uma
recomendação que o Sr. Arcebispo fez e de que Vasconcelos se desempenhou o
melhor que pôde (functus sum officio meo). Notc-sc como esta expressão latina
corrente ó metida a propósito, no meio do português.
(1) Da parte final desta carta fizemos uma fotocópia, que reproduzimos, con-
tendo no fim a assinatura autografa de Diogo Mendes de Vasconcelos. Julgamos que
62 JOSÉ GERALDES FREIRE
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OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 63
id, quod tua uirtus, ac summa in me mérita, exigere uidebantur: saltem id, quod
incredibilis meus erga te amor, uel potius pietàs pcrsoluerc coegit, merito cnim ingratus
haberi possem. si hanc qualcmcunque tui memoriam, ueiuti quodam meae erga te
obseruantiae, et necessitudinis pígnus, posteritati traderc dubitassem».
(1) Obra Poética, II, v. 73-75.
(2) Ibid., Il, v. 296.
(3) lbi<L, H, v. 106.
(4) Ibid., IV, 80.
(5) Ibid., II, 74.
(6) Ibid., 11, MS.
(7) Ibid., II, 109.
(8) Ibid., XI, 7.
(9) Ibid.,X\U,4.
(10) Ibid.,\\, 117.
(11) Ibid., IV, 81.
(12) Final do De município Eboremï, no De Antiquitatibus Lusitaniae,
1593, fol. 46.
(13) Obra Poética, IV, 81.
64 JOSÉ GERALDES FREIRE
REFERÊNCIAS E ELOGIOS
Tcxtus inucnitur in A C P
7 austrum P 10 Arachnes P || 17 Quam P || 19 moncs P |) 20 in abru-
ptae P || 21 nescire P
(1) Cf. Vida de André de Resende, in Bento José de Sousa Farinha, Colecção
das Antiguidades de Évora. 1785, p. 19.
(2) Como para a Ohra Poética de Diogo Mendes de Vasconcelos, o texto das
poesias que se seguem é estabelecido sobre uma ou várias edições que as incluem.
O rodapé crítico obedece aos princípios que estabeleceremos adiante, na introdução
à Obra Poética.
OBRA POÉTICA DE DIOGO MENDES DE VASCONCELOS 69
(1) Cf. Vida de André de Resende, in Bento José de Sousa Farinha, Colecção
Antiguidades de Évora, 1785, p. 21.
70 JOSÉ GERALDES FREIRE
Tcxtus in A C
Textus in A P
a certa altura foi aliviado por Hércules, filho de Zeus e Alcmena e neto
de Alceu, e por isso mesmo também chamado Alcides.
Aplicando este dado mítico à substituição de Resende por Vas-
concelos, o autor da poesia imagina Lísia (ou Luso), fundador da
Lusitânia, fazendo este comentário, elogioso para Vasconcelos: — Não
és inferior a Alcides, não vales menos que Atlas, isto é, com a substitui-
ção a grandeza da obra nada perdeu.
A última composição retoma o mesmo tema e trata-o ainda de outra
maneira, não menos sugestiva. Quando o pintor grego Apeles morreu,
conta-se que ninguém se atrevia a acabar o quadro de Vénus que ele
deixara em meio. Não aconteceu o mesmo à obra de Resende. Vas-
concelos leva-a ao fim e a continuação não é inferior ao princípio.
Assim, ambos se engrandecem. Também este fecho é uma variante do
final do primeiro epigrama.
Este tríplice desenvolvimento do mesmo tema mostra a variedade
de recursos literários de um poeta que sabe inspirar-se na cultura
clássica.
Seguem-se os três epigramas de Manuel Cabedo de Vasconcelos,
com a respectiva tradução:
Textus in A P
TI
Text us in A
III
Textus in A
II
do nome, lendo por ele Lúcio, devendo ser licenciado». Confirma depois esta sua
opinião com o «voto» do Dr. José Lopes de Mira que lhe «assegurou ter vislo muitas
vezes em assentos de baptismos c casamentos feitos da própria mão de Resende,
assinado por extenso licenciado André de Resende. Ainda que outras vezes se assi-
nava Mestre André de Resende». F termina: «É certo que se fora Lúcio bem deveria
assinar-se Mestre Lúcio etc.».
Apesar de esta argumentação parecer clara, está longe de ser convincente. André
de Resende usou, de facto, também o nome de Lúcio. Observe-se quc Vita traduzida
por Bento José de Sousa Farinha c a que se encontra no De Antiquitatihus Litsitaniae
(Évora, 1593), da autoria de Diogo Mendes de Vasconcelos, o qual conhecia perfeita-
mente o seu biografado, pois aí diz: Fuit autan noster Resendius mihi arcta amicitia
et familiaritate coniunctus. Ú certo que no princípio desta biografia Vasconcelos
escreve, usando a abreviatura: yita L. Andreae Resendii, mas parece-nos que de modo
nenhum se pode supor que o nome de Lúcio, quando empregado por Diogo Mendes
de Vasconcelos, seja fruto de um erro de interpretação. Vasconcelos devia conhecer
bem todos os nomes de Resende. Na mesma Vita informa-nos até de que durante
algum tempo Resende assinou também com o prenome de Angelo, «como se pode
ver dos títulos dos livros que na mocidade compôs>\ Por isso, quando no frontis-
pício do De Antiquitatihus Litsitaniae diz que estes livros foram a Litcio Andrea
Resendio olini inchoati ou quando, adiante (p. B3). escreve uns versos inlaudem Lucii
Andreae Resendii, não se deve tratar de uma errada interpertação da abreviatura L.
A questão do nome de André de Resende foi levantada também em 1905 por
A. F. Barata (cf. Arquivo Histórico Português, III (1905) pp. 43-46) que acusa Diogo
Mendes de Vasconcelos de ter sido o «criador do Lúcio». Pouco depois respondeu-
-Ihe (ih. pp. 161-178) D. Carolina Michaelis, dando uma interpretação ao problema,
baseada em vários argumentos de erudição. Supõe a grande Mestra que Resende
passou a assinar com o prenome de bom go$(o romano Lucius, que aparece por
abreviatura em muitas obras, para dar mais sonoridade ao seu nome, de harmonia
com o costume dos humanistas. Diogo Mendes de Vasconcelos não fez mais que
escrever por extenso o que então era de conhecimento comum. Com efeito, um
familiar de Mestre Resende, chamado André Falcão de Resende, por duas vezes S3
refere em poesias suas, cm português, a Lúcio Resende. Em carta poética a Damião
de Góis e na elegia a Luísa Sigeia, o próprio Resende se designa por Lucius.
Mais recentemente, o problema voltou a ser abordado pelo Dr. A. Moreira
de Sá que parece hesitante sobre a solução (in André de Resende, Oração de Sapiência,
Lisboa, 1956, p. 65) e pelo Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho que considera
78 JOSÉ GERALDES FRFJRE
III
Tuque Menaeti.
Quem dedit, hoc tantum titulo clarissimus Alter
Pagus
E tu. ó Mendes.
Nascido na vila de A Iter, só por este título
Celebérrima