Matheus Germano
Matheus Germano
Matheus Germano
moeda
Resumo: Foram várias tentativas, em sucessivos governos, que visavam, através de novos
planos econômicos, tirarem o país do terror da inflação. Mas foi somente o Plano Real que
conseguiu romper com os altos índices de inflação, ao mesmo tempo em que ele serviu de
plataforma para as reformas neoliberais, atuando como uma moeda sólida para a valorização
do capital financeiro no Brasil, garantindo bases para implementação das práticas de
desregulamentação da economia, do mercado de trabalho e dando margem para as
privatizações e conseqüentemente ao desmonte do Estado. Nesse estudo abordaremos um dos
pilares da edificação das reformas neoliberais no Brasil: o Plano Real. O plano não foi
somente a transição para uma nova moeda, mas ele implicou uma adequação do Brasil às
teses impostas pelo Consenso de Washington; uma alternativa esboçada para a crise do
modelo desenvolvimentista e, enfim, enquadrar o país ao novo circuito de acumulação
pautada pela esfera financeira. Para isso analisaremos os antecedentes históricos, as matrizes
teóricas para a sua implementação e a plataforma criada para as reformas neoliberais.
Abstract: There were several attempts by successive governments, which sought through
new economic plans, make the country the terror of inflation. But it was only the Real Plan
that managed to break the high rates of inflation, while he served as a platform for neoliberal
reforms, acting as a stable currency for the valuation of financial capital in Brazil, providing
bases for implementing practical deregulation of the economy, labor market and giving scope
for privatization and consequently the destruction of the State. This study will address one of
the pillars of the construction of neoliberal reforms in Brazil: the Real Plan. The plan was not
only the transition to a new currency, but it involved an adaptation of Brazil's theses imposed
by the Washington Consensus; outlined an alternative to the crisis of the developmental
model and finally fit the country to build new circuit guided by financial sphere. To analyze
this historical background, the theoretical frameworks for their implementation and platform
created to neoliberal reforms.
Keywords: Cruzado; Real Plan, Neoliberal Reforms; Financialization
O Plano Real foi instituído em três etapas distintas, no intuito de evitar os erros do
plano Cruzado. A primeira foi o ajuste fiscal, a segunda a criação da URV (Unidade de
Referência do Valor), e o terceiro a instituição do Plano Real (FILGUEIRAS, 2001, p. 93-
116). A primeira fase do Plano se constituiu com o ajuste fiscal, durando de dezembro de
1993 a fevereiro de 1994, quando no Governo de Itamar Franco, criou-se base para implantar
a nova moeda a partir do equilíbrio orçamentário, significando em cortes de gastos,
reorganização do setor público e o fim da inadimplência dos Estados e municípios
(FILGUEIRAS, 2001, p. 93-116).
A segunda parte de implementação do Plano Real, veio com a criação URV, esboçada
em fevereiro de 1993. Teve a finalidade, de ser uma unidade de valor que fizesse
gradativamente a transição para a nova moeda, fazendo com que ela, mesmo antes de existir,
se constituísse em meio de pagamentos. Assim, a transição do Cruzeiro para a URV, seria de
modo gradativo e alinhando os salários e tal conversão, fazendo a inflação da moeda anterior,
não contaminar a nova(FILGUEIRAS, 2001, p. 93-116). Logo, com a URV, fez-se
desnecessário o congelamento e pré-fixação dos preços, e, quaisquer mecanismos de
intervenção direta nos preços, oferecendo uma via entre as práticas ortodoxas e heterodoxas
na economia (FILGUEIRAS, 2001, p. 93-116).
Na crítica a URV e na tentativa de elaborar uma oposição a alguma medidas de tal
plano uniram dois políticos de dois setores opostos, aliança inimaginável na época. Tais
políticos são: o metalúrgico Paulo Paim (PT-RS) e o General Romildo Canhim (na no
momento Ministro da Administração).
A fase final do Plano foi com a transição de fato para a nova moeda em julho de 1994.
A etapa anterior, a de mudança para a URV, trouxe a âncora cambial, obtida apenas com os
cortes fiscais da primeira etapa. Com a URV, foram dadas as bases para a conversão das
moedas por valores proporcionais, 1 URV = R$ 1, havendo o mesmo com a taxa de câmbio,
onde US$ 1,00 = R$ 1,00, graças às reservas de dólares acumuladas desde 1993
(FILGUEIRAS, 2001, p. 93-116). O montante de moedas a serem emitidas, estaria baseado
no nível de reserva de dólares do Banco Central, pois a política monetária do Plano
estabelecia que não se devesse emitir mais moeda, para contenção dos rombos da União
(FILGUEIRAS, 2001, p. 93-116).
(…) quebra dos monopólios estatais, tratamento isônimo entre a empresa nacional e
a empresa estrangeira e desregulamentação das atividades e mercados considerados,
até então, estratégicos e/ ou de segurança nacional –, juntamente com as
privatizações, se constituíram, como em outros países, numa das dimensões cruciais
do Plano Real (FILGUEIRAS, 2001, p. 109).
Logo, o corpo das reformas neoliberais foi consolidado a partir das bases que o Plano
Real forneceu. Aparecendo como alternativas para fazer o Brasil crescer, sem o vulto da
inflação, preparando uma moeda sólida que possibilitava a valorização financeira do capital
externo (PAULANI & PATO, 2005, p. 35-64). A reforma administrativa fora dada pelos seus
defensores, como uma ferramenta que racionalizaria (enxugaria) os gastos do Estado e uma
reforma da previdência, que abriria as portas para a exploração de tal setor para a iniciativa
privada. Somada à reforma tributária, que articularia mecanismos para aumentar a
arrecadação do Estado, usando as políticas de privatizações como complementos para as
receitas da União (FILGUEIRAS, 2001, p. 109-116).
O sucesso do Plano foi sustentado pela estabilidade econômica que ele proporcionou.
Assim, as medidas econômicas de cunho neoliberal, como o fim do monopólio estatal nas
áreas de exploração e refino do petróleo, nas telecomunicações e na distribuição de energia,
foram logo obtidas ainda no primeiro ano do mandado de FHC (FILGUEIRAS, 2001, p. 109-
116). Mas no que se refere à reforma fiscal, este somente começou a ganhar debate no
congresso a partir da crise cambial, em janeiro de 1999 (FILGUEIRAS, 2001, p. 109-116). As
reformas administrativas e da previdência, devido às pressões da CUT e do PT, somente
deslancharam no final de seu primeiro mandato.
A dificuldade em perceber a exata dimensão dos gastos públicos não parecia ser
uma boa credencial para um país disposto a entrar no circuito mundial de
valorização financeira. Tendo em vista o caráter rentista desse tipo de acumulação, e
considerando que uma das bases mais importantes é a dívida pública, a anarquia nos
gastos públicos produzida pela alta inflação era uma complicação e tanto, já que
precarizava a extração da renda real que deve valorizar esse “capital caído de céu”,
em constituem esses papéis (PAULANI & PATO, 2005, p. 54-55).
Assim, o capital financeiro pôde ter um livre fluxo, com o destravamento do mercado,
mediado pelas reformas neoliberais, como a sua abertura sem restrições. Como aconteceu em
1999, quando 40 bilhões de dólares deixaram o país, em função do medo dos investidores da
valorização do Real, o que não ocorreria na década anterior (PAULANI & PATO, 2005, p.
35-64).
Em suma, o Plano Real, que surgiu no Governo Itamar, lançando FHC (então Ministro
da Fazenda) à Presidência da República, inicialmente é mostrado como um plano de
estabilização, no intuito de conter a alta inflação, mas o Plano:
(…) foi, em verdade, muito mais do que isso. Em primeiro lugar, ele resolveu o
problema que impedia praticamente o funcionamento do País como plataforma de
valorização financeira internacional. Mesmo com a abertura financeira já tenho sido
formalmente operada, ela permanecia letra morta, do ponto de vista de suas
potencialidades em termos de atração de capitais externo de curto prazo, se o
processo inflacionário não tivesse sido domado. Além disso, o plano abriu espaço
para uma série de outras mudanças que teriam lugar no governo de FHC. A abertura
da economia, as privatizações, a manutenção da sobrevalorização da moeda
brasileira, a elevação inédita da taxa real de juros, tudo passou a ser justificado pela
necessidade de preservar a estabilidade monetária conquistada pelo Plano Real
(PAULANI & PATO, 2005, p. 57).
Tal argumento nos leva a considerar que, além de ter proporcionado o fim da alta
inflação, o Plano promoveu uma moeda sólida que é a plataforma da valorização financeira. E
para preservar a estabilidade monetária do Real, houve uma elevação das taxas de juros,
abertura da economia e a onda de privatizações das empresas estatais, que no fundo são
medidas para aumentar a lucratividade do capital financeiro, rearticulando um novo tipo de
servidão econômica, que seria a servidão financeira (PAULANI & PATO, 2005, p. 35-64).
Essa prática, que ocorre ao longo da cadeia produtiva, por uma contínua importação de
componentes necessários para a produção de bens, como maquinário de alta tecnologia,
componentes eletrônicos na fabricação de computadores e eletrodomésticos. Faz as indústrias
serem montadoras de componentes eletrônicos, como a Zona franca da Manaus, o carro chefe
desse processo, que atua como um parque de montagem de componentes importados,
promovendo uma desnacionalização da indústria e um enxugamento dos setores prejudicados
pelo aumento de exportações de tais componentes (BOITO JR., 1999, p. 41-48).
Esse processo foi extremamente acirrado, com o Plano Real, pois no Governo FHC,
houve o intuito de favorecer o aumento das exportações e abaixar drasticamente as alíquotas
de importação. Se em 1990 a taxa era de 40%, no final do Governo Collor, em 1992, era de
20%, chegando ao Governo FHC para uma média de 12,6%, caindo ainda mais para 2%
(BOITO JR., 1999, p. 46). Essas medidas penalizaram profundamente o setor produtivo no
Brasil, mas salvando aqueles segmentos de processamento de recursos naturais, mas em
compensação, os setores ligados aos produtos eletrônicos e do setor de bens de capital na
indústria, foram os maiores perdedores com a abertura econômica (BOITO JR., 1999, p. 41-
48).
BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo, SP: Editora
Xamã, 1999.
FILGUEIRAS, Luiz. História do Plano Real. São Paulo, SP: Boitempo Editorial, 2001.
MACIEL, David. A argamassa da ordem. Da Ditadura Militar à Nova República. São Paulo:
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________. De Sarney a Collor: reformas políticas, democratização e crise. Goiânia, 2008.
Tese de doutorado em História – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade
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