Penal III - SEBENTA TEÓRICA
Penal III - SEBENTA TEÓRICA
Penal III - SEBENTA TEÓRICA
DIREITO
PENAL III
TEÓRICA
ANDRÉ ROSA - COM COLABORAÇÃO DE
CAROLINA MEDEIROS
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
Nota Introdutória
Esta sebenta de Direito Penal III, disponibilizada pela Comissão de Curso do 3º Ano da
licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto no ano letivo
2022/2023, foi elaborada pelo estudante André Rosa, com base nos apontamentos
semanais elaborados pelo mesmo e pela estudante Carolina Medeiros.
Esta sebenta contém a compilação de toda a matéria lecionada pelo Sr. Professor André
Lamas Leite, no âmbito da Unidade Curricular de Direito Penal III.
Relembra-se, ainda, que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não
dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura da
bibliografia obrigatória.
Bom estudo!
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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
Índice
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 3
PENAS ........................................................................................................................................... 4
Penas Principais ........................................................................................................................ 4
- Pena de Prisão ..................................................................................................................... 4
- Pena de Multa ..................................................................................................................... 6
Penas Acessórias ..................................................................................................................... 11
- Proibição do Exercício de Função ..................................................................................... 13
- Suspensão do Exercício de Função ................................................................................... 15
- Proibição de Conduzir Veículos Com Motor ..................................................................... 15
- Declaração de Indignidade Sucessória .............................................................................. 20
- Proibição do Exercício de Funções por Crimes Contra a Autodeterminação Sexual e a
Liberdade Sexual ................................................................................................................. 20
- Proibição de Confiança de Menores e Inibição de Responsabilidades Parentais ............. 21
Penas de Substituição ............................................................................................................. 22
- Admoestação .................................................................................................................... 24
- Multa de Substituição ....................................................................................................... 25
- Proibição do Exercício de Profissão, Função ou Atividade ............................................... 27
- Suspensão da Execução da Pena de Prisão ....................................................................... 28
- Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade .............................................................. 32
- Regime de Permanência na Habitação ............................................................................. 34
PROCESSO DE DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA .......................................... 36
Moldura Penal Abstrata ......................................................................................................... 37
Moldura Penal Concreta ........................................................................................................ 39
Medida Concreta da Pena ...................................................................................................... 41
Formas Especiais de Determinação da Pena ......................................................................... 44
- Reincidência ...................................................................................................................... 44
- Concurso de Crimes .......................................................................................................... 46
- Crime Continuado ............................................................................................................. 49
- Atenuação Especial da Pena ............................................................................................. 50
EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL .......................................................................... 51
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André Rosa e Carolina Medeiros
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Nota prévia: verificar se o CP está conforme as alterações introduzidas pela Lei 94/2021, de 21 de
dezembro. Caso não esteja, colar essas alterações no código, ou adquirir um novo.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico português consagra duas grandes reações criminais:
• Penas;
• Medidas de segurança.
A pena baseia-se no princípio da culpa. Não há pena sem culpa, nem crime sem culpa,
mas pode haver culpa sem pena (dispensa de pena – art. 74.º CP). Se o agente é
inimputável no momento da prática do facto ilícito típico, não lhe pode ser aplicada uma
pena no momento da prolação da decisão final.
Nota: Em alguns casos, para além da pena principal aplicada, pode ser aplicada uma pena
acessória, que tem a finalidade de reforçar o efeito da pena principal (p.e., interdição de
conduzir veículos com motor – 69.º CP)
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André Rosa e Carolina Medeiros
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PENAS
PENAS PRINCIPAIS
PENA DE PRISÃO
Moldura penal abstrata – pena prevista, em abstrato, pelo legislador. Limites normais
estabelecidos, que dão respeito às finalidades da punição.
Moldura penal concreta – é a pena aplicável ao concreto caso. Existem várias hipóteses:
• Sistema em que o legislador preveja apenas pena de prisão, quando só a prisão dê
resposta às finalidades punitivas;
• Pena de multa alternativa (art. 193.º/1 CP) – (p.e., “a punição em pena de prisão
até dois anos ou multa até 240 dias”). O nosso ordenamento jurídico tem uma
preferência pela multa, ao abrigo do princípio da proporcionalidade (art.º 70.º CP),
por se tratar de uma sanção não detentiva. Se, numa situação concreta, tanto a
prisão como a multa derem resposta às finalidades punitivas do 40.º CP, deve o
juiz aplicar a pena não privativa da liberdade, em detrimento da pena detentiva.
Entende-se que a pena de prisão é criminógena, i.e., quando o agente é preso, tem
contacto com uma subcultura prisional que, em regra, contribui para o aumento
das taxas de reincidência. A partir de 95, o nosso legislador estabeleceu,
tendencialmente, uma equiparação entre o tempo de prisão e o tempo de multa.
Via de regra, um ano de prisão equivale a 120 dias de multa;
• Multa autónoma – crimes em que só se prevê pena de multa;
• Sistema de multa cumulativa – quando se aplica pena de prisão e pena de multa.
Este último sistema não é encontrado no CP, em nenhum artigo da parte especial,
embora seja encontrado noutros dispositivos, em legislação extravagante (ex.: DL
28/84). Críticas tecidas pelo Professor André Lamas Leite a respeito deste
sistema:
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André Rosa e Carolina Medeiros
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Nota: nos termos do art. 41.º CP, o limite mínimo geral da pena de prisão é de 1 mês. Já
o art. 47.º/1 CP estabelece os limites normais da pena de multa que, em regra, tem como
limite mínimo 10 dias.
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André Rosa e Carolina Medeiros
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•A outra pena principal, que é a pena de multa, terá várias formas de liquidação
fornecidas pelo legislador (p.e., pagamento de uma só vez, pagamento em
prestações, pagamento diferido). Não obstante, o ordenamento jurídico conhece o
ser humano, e sabe que se não houvesse um constrangimento, uma sanção mais
severa aplicável em casos de incumprimento da pena de multa, as pessoas não a
cumpririam. Assim, se todas as formas de liquidação da pena de multa se
revelarem infrutíferas, o Estado terá de converter a pena de multa em prisão
subsidiária, nos termos do artigo 49.º/1 CP. Caso contrário, o Estado estaria a
admitir o não cumprimento das suas decisões, sem qualquer consequência jurídica
associada a esse incumprimento. O legislador prevê ainda que, quando há
necessidade desta conversão, a pena de multa é reduzida a 2/3. Deste modo,
passar-se-ia, por exemplo, de 30 dias de multa, para 20 dias de prisão, devido à
maior severidade desta sanção. Verifica-se então que, nestes casos, a pena de
prisão pode ser inferior a um mês.
PENA DE MULTA
O nosso legislador entendeu que a pena de multa devia ser um elemento central da
punição no ordenamento jurídico português. Por isso, previu a pena de multa enquanto
pena principal, ao lado da pena de prisão.
A pena pecuniária ou de multa tem antecedentes históricos. Vimos três grandes fases na
evolução da histórica do Direito Penal:
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André Rosa e Carolina Medeiros
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•Temos, hoje, duas penas principais que afetam dois direitos fundamentais
distintos: pena de prisão (direito à liberdade - artigo 27.º CRP) e pena de multa
(afeta o direito à propriedade privada - artigo 62.º CRP).
A pena de multa remete sempre para o Estado, isto é, o valor da multa reverte a favor do
Estado. A multa conhece três modalidades:
• Multa autónoma - quando o tipo legal de crime apenas prevê a punição com
pena de multa, existindo poucos casos deste género no ordenamento jurídico
nacional;
A ideia que subjaz à pena de multa é a de atacar o património do condenado, como forma
de cumprir as finalidades da punição. Historicamente, a pena de multa surge de várias
formas:
no sentido de que terá sido Portugal o primeiro país no mundo a aplicar este
sistema, no Brasil, quando este ainda era uma colónia portuguesa. O sistema dos
dias de multa é usado hoje por todos os países da UE. Parte da ideia de que a
aplicação da pena de multa faz-se em dois momentos distintos, que o Tribunal
não pode confundir:
❖ Primeiro, o julgador fixa o número de dias de multa em que será punido o
agente, de acordo com a culpa e as exigências de prevenção, geral e
especial, que se fazem sentir no caso concreto (art. 71.º/1 CP). Nos termos
do art. 47.º CP, os limites normais oscilam entre os 10 e os 360 dias de
multa, sem prejuízo de estes limites gerais poderem conhecer limites
especiais – quanto ao limite mínimo da pena de multa, não há nenhum tipo
legal de crime que preveja menos de 10 dias. Já quanto ao limite máximo,
este pode ser ultrapassado por expressa previsão legal ou por concurso
efetivo de crimes (limite de 900 dias, neste último caso, nos termos do
artigo 77.º/2 CP);
❖ A segunda fase é a determinação da taxa diária, isto é, o quantitativo diário
a liquidar por cada dia de multa. Na determinação da taxa diária, o
Tribunal tem de ter em conta não as exigências de culpa e de prevenção,
mas sim a situação económico-financeira do condenado. Se o indivíduo
ganha 2000 euros. Nos termos do artigo 47.º/2 CP, a taxa diária oscila
entre 5 e 500 euros por dia. Para determinar a pena de multa total, basta
multiplicar o nº de dias de multa pela taxa diária.
Esta tarefa é deixada nas mãos do juiz. Não parece uma boa solução do ponto de vista
legislativo. O Professor André Lamas Leite entende que o legislador devia dar mais
indicações sobre o que entende por “situação económica financeira do condenado”. Tem-
se em conta, do lado do rendimento:
• O rendimento bruto ou líquido?
• Os rendimentos provenientes do trabalho, ou também os provenientes de outras
fontes, como rendas?
• As pensões auferidas pelo condenado, como o RSI?
• O património do condenado?
Do lado da despesa:
- O património deve ser tido em conta, apesar de uma corrente doutrinal defender que
não, por entender que se trata, na prática, de um confisco, proibido pela CRP.
Não podem ser tidos em conta, para efeitos de determinação da situação económico-
financeira do condenado, os valores que lhe advenham por via de doação ou de herança.
O legislador pretende que a pena de multa seja efetivamente sentida pelo condenado, ou
seja, que aquilo que responde perante a pena de multa sejam os bens sobre os quais
o condenado tenha disponibilidade efetiva. Pelo contrário, se o condenado recorrer a um
contrato de mútuo, gratuito ou oneroso, os valores contraídos por via deste contrato
podem ser tidos em conta, porque há esforço por parte do condenado, que terá
de liquidar o montante mutuado e os juros respetivos. Pretende-se que a pena de multa
não se converta num “cómodo negócio em prestações” (expressão utilizada num
acórdão). Aquilo que o indivíduo já tem na sua esfera até a condenação deve ser tido em
conta, mas os bens que entram posteriormente já não.
O juiz pergunta ao arguido se trabalha, quando ganha, se tem casa arrendada, se tem
filhos, as despesas da casa, água, luz, se tem outras prestações a liquidar, etc.
Normalmente, o Tribunal fica-se com isto, e é em função do que foi dito pelo arguido que
determina a taxa diária. Isto porque a lei não diz como se afere a situação económico-
financeira.
Uma vez notificado o condenado para liquidar a pena de multa, existem várias formas
de proceder a essa liquidação:
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PENAS ACESSÓRIAS
No DP, distinguimos três conceitos cujas fronteiras são muito fluidas, difíceis de definir
com clareza, por terem o mesmo lastro histórico no instituto da infâmia:
• Penas acessórias;
• Efeitos dos crimes;
• Efeitos das penas.
Em relação a estas três categorias, relevam os artigos 30.º CRP e 65.º CP – não pode
alguém, pelo simples facto ser condenado a cumprir determinada pena, automaticamente,
por essa circunstância, ser privado de direitos civis, profissionais ou políticos – princípio
da não automaticidade dos efeitos das penas.
Falamos aqui em efeitos das penas, pois o artigo 65.º/1 CP prescreve que “nenhuma pena
envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.” (esta
norma é uma transcrição da norma da CRP).
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O legislador ordinário acrescentou o artigo 65.º/2 CP que diz que “a lei pode fazer
corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou
profissões.” Ou seja, aqui, já não falamos em efeitos das penas, mas em efeitos dos crimes
(crimes em relação aos quais o legislador pode ligar a perda de determinados direitos
civis, profissionais ou políticos).
Portanto, é possível, em abstrato, distinguir as penas acessórias dos efeitos das penas.
A lei não proíbe que a aplicação de uma pena faça com que se perca determinados direitos,
mas sim que tal seja uma operação automática, sem intervenção do julgador. Na prática,
verificamos que apesar desta possibilidade de, em abstrato, distinguir penas acessórias de
efeitos das penas de efeitos dos crimes, a categoria com maior prevalência e aplicação
prática, a mais facilmente distinguível das demais é a categoria das penas acessórias, as
quais estão previstas na parte geral do CP, na parte especial e em legislação extravagante
– nesta UC, o estudo incidirá apenas sobre as penas acessórias previstas na parte geral do
CP – artigo 66.º (proibição de exercício de função), artigo 69.º (proibição de conduzir
veículos com motor) os artigos 69.º- A, B e C.
Existem penas acessórias previstas na parte especial do CP, como nos crimes de violência
doméstica (artigo 152.º CP) - aqui, vemos que para além da pena principal de prisão, que
oscila entre 1-2 anos de pena mínima e 5 anos de pena máxima, nos termos do 152.º/5
CP, pode haver possibilidade de se aplicar pena acessória de proibição de contacto com
a vítima, entre outras penas acessórias previstas no n.º4 e na lei 112/2009 (conjunto de
apoios de caráter social, económico ou laboral, que o Estado concede a quem é vítima de
violência doméstica) - esta lei trata de toda a questão da prevenção e repressão da
violência domestica. Há medidas de coação processual que se aplicam antes de haver
decisão transitada em julgado que visam evitar a perturbação do inquérito, fuga,
destruição das provas, perturbação da ordem da comunidade pública - artigos 204.º CPP.
Há mesmo determinadas medidas de coação processual especificas para a violência
doméstica (artigos 31.º e 35.º da lei 112/2009).
Percebe-se que existe, hoje em dia, um grande movimento de política criminal no sentido
de que, muitas vezes, mais importante do que a pena principal, para as vítimas, são as
penas acessórias. O grande foco da vítima de violência doméstica tende a ser o
afastamento do arguido, e não propriamente saber se o condenado o vai ser em pena de
prisão, em quantos anos, se vai ser pena de prisão efetiva, etc. Aí, como medida de coação
processual ou como pena acessória, a proibição de contactos com a vítima é bastante mais
importante, na ótica da vítima, do que a pena principal. Cada vez mais, há uma orientação
vitimo-dogmática (orientada para os interesses de proteção da vítima, que pode colidir
com a proteção das garantias do arguido. Deve haver sempre um equilíbrio entre estas
duas considerações).
A vítima de violência doméstica deve sempre constituir-se como assistente no processo
penal, sendo que o regulamento das custas processuais isenta as vítimas de violência
doméstica do pagamento das taxas de justiça, tal como as vítimas de mutilação feminina,
ou tráfico de pessoas.
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As penas acessórias têm sempre de ter uma duração definida na lei, como verdadeiras
penas que são. Caso contrário, violar-se-ia o princípio da legalidade (artigo 29.º CRP).
É uma pena acessória de natureza específica, porque não se pode aplicar a todo e qualquer
indivíduo. A pena do artigo 66.º CP só pode ser aplicada a funcionário. Quem é que é
funcionário para efeitos penais? Todo o agente que seja subsumível à norma do artigo
386.º CP (norma definitória do conceito “funcionário”), a alguma das categorias deste
artigo. Trata-se de qualquer pessoa singular ou coletiva que tenha uma relação contratual
com o Estado, seja contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços ou até
concessionário de serviços públicos do Estado. Por exemplo, quando o Estado outorga o
estatuto de utilidade pública a um clube de futebol, este passa a ter uma série de vantagens
e, do ponto de vista criminal, passa a integrar o estatuto de funcionário, representando o
Estado. A sua conduta é mais censurável, logo a sua punição é mais grave.
Por outro lado, esta pena acessória tem de ser aplicada relativamente a crimes que sejam
praticados no exercício e por causa das suas funções
Em terceiro lugar, a medida concreta da pena aplicada ao crime, nos termos do artigo
66.º/1 CP, deve ser superior a 3 anos para que se possa aplicar esta punição acessória.
• Pode levantar-se a dúvida, que já se levantou na nossa jurisprudência, de saber se,
em caso de concurso de crimes em que a pena aplicada seja superior a 3 anos, por
efeito do concurso, o tribunal pode também aplicar a pena acessória do artigo
66.º/1 CP, sendo que a cada crime em concreto se aplica uma pena inferior a 3
anos. A resposta é negativa: neste caso, o tribunal não pode aplicar a pena
acessória, porque em relação a cada um dos crimes em concurso, nenhum deles
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ultrapassa o limite fixado no artigo 66.º/1. Seria fraude à lei que, por via do
concurso de crimes, o agente acabasse por ser prejudicado por lhe poder ser
aplicada, além da pena principal, uma pena acessória.
• Quando apenas um dos crimes ultrapasse a medida concreta da pena
correspondente a 3 anos de prisão, a jurisprudência entende que pode o tribunal
aplicar a pena acessória. Seria um benefício atribuído ao agente, sem qualquer
justificação dogmática, afastar a possibilidade de aplicar a pena acessória por via
do concurso.
A lei 94/2021, de 21/12, que entrou em vigor em 21 março de 2022, veio transpor para a
nossa legislação aquilo que foi aprovado em Conselho de Ministros como a Estratégia
Nacional Anti-Corrupção 2021-2025, e introduziu uma alteração sensível ao artigo 66.º/1
CP, que diz respeito ao crime de recebimento ou oferta indevida de vantagem (artigo
372.º CP). Em relação a este crime, pode ser aplicada também esta pena acessória,
mesmo que não seja aplicada uma pena de prisão superior a 3 anos, quando o agente
seja dispensado de pena. O mesmo se aplica em relação aos crimes de corrupção ativa
e passiva, previstos nos artigos 373.º e 374.º CP. Ou seja, se o agente for, em relação a
esses crimes, dispensado de pena, mesmo assim pode ser-lhe aplicada a pena acessória de
proibição do exercício de função.
Nota: dispensa de pena – há casos em que o Tribunal pode determinar que o agente
praticou o crime, a sentença final é condenatória, todos os elementos do tipo legal de
crime estão preenchidos. É uma decisão que tem de ser inscrita no registo criminal, mas
o agente não vai cumprir efetivamente a pena de prisão, por tal não se justificar por
motivos de natureza preventiva, i.e., a prevenção geral e a prevenção especial em nada
exigem que o arguido seja encarcerado. Ele vai em liberdade, apesar de a decisão ser
condenatória e ser inscrita no registo. É um instituto importado do DP alemão
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A lei 94/2021 introduz o nº3 ao artigo 66.º CP - permite que se proíba o exercício de
função relativamente a gerentes ou administradores de sociedades comerciais,
previstas no CSC, que cometam os crimes de corrupção, de recebimento indevido ou de
oferta de vantagem. Ex.: A é administrador de um banco privado. No exercício das suas
funções, pratica um crime de corrupção. Não era possível, até aqui, aplicar qualquer
sanção para além da pena de prisão. Esta pessoa podia continuar a trabalhar no setor
bancário sem qualquer problema. Note-se que deve estar verificado, pelo menos, um dos
requisitos das alíneas a) a c) do art. 66.º/1 CP, bem como os do nº1, exceto o requisito de
ter de ser funcionário.
O art. 66.º/6 CP visa operacionalizar o nº 3 deste artigo - se se tratar de alguém que gere
uma sociedade comercial, essa condenação é comunicada ao registo comercial, para que
este possa controlar a proibição do exercício desta atividade.
Este artigo configura a pena acessória com maior aplicação prática na vida dos tribunais.
O artigo 69.º CP encerra em si vários problemas:
• Até 2013, só os crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º CP que levavam à
aplicação cumulativa de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos
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com motor (por um período fixado entre 3 meses e 3 anos). Existia uma lacuna
que os Tribunais vinham apontando e tentavam colmatar, violando o
princípio da legalidade, que contende com os crimes rodoviários/estradais, i.e.,
crimes que acontecem no âmbito da condução automóvel – homicídio por
negligência (artigo 137.º CP) e ofensas à integridade física por negligência (artigo
148.º CP).
❖ Até 2013, os Tribunais só tinham a possibilidade de aplicar a pena prevista
para o homicídio negligente - pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Só a negligência grosseira (artigo 137.º/2 CP) não admite a pena de multa.
Não se podia aplicar nada mais fora de uma pena principal de prisão ou de
multa, porque o artigo 69.º CP não previa estes casos. Os Tribunais diziam
que a lei, apesar de não prever expressamente, do ponto de vista da culpa
e das exigências de prevenção, era de todo necessário aplicar esta pena
acessória. Estas decisões eram inconstitucionais, por violação do princípio
da legalidade. Assim, foram revertidas no Tribunal da Relação ou no
Tribunal Constitucional.
❖ Se fosse favorável ao arguido, a lacuna podia ser preenchida por analogia.
Contudo, neste caso, era desfavorável ao arguido. A própria consciência
dos Tribunais repugnava que isto não estivesse previsto. Foi preciso
esperar por 2013 para que expressamente conste do art. 69.º/1 CP que
estes crimes levam à aplicação da pena acessória de inibição de
conduzir veículos com motor.
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O artigo 69.º CP remete para o artigo 500.º CPP, no que respeita à execução desta pena
acessória. Depois do trânsito em julgado, o condenado dispõe de um prazo de 10 dias
para entregar a carta de condução, na secretaria do Tribunal da condenação ou em
qualquer OPC. A partir daí, se o agente, depois dos 10 dias a contar do trânsito em julgado
da sentença condenatória, não entregar a carta de condução, comete um crime de
desobediência, e não de incumprimento de pena acessória, pois ainda está obrigado
ao ato de entregar a carta. Coisa diferente, é ter entregado a carta e conduzir na mesma,
incumprindo a pena acessória. Por ser a partir desse momento que o indivíduo deixa de
ter disponibilidade sobre o título de condução, defende-se na jurisprudência que o prazo
conta-se a partir da entrega do título de condução.
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- Contudo, o STJ concluiu que o facto de alguém ter praticado um crime previsto
no art. 69.º/1 CP demonstra que essa pessoa tem potencial de perigosidade, no que toca à
condução automóvel. Logo, a proteção do bem jurídico da segurança rodoviária
justifica a aplicação desta pena acessória.
- Esta questão já chegou, por várias vezes, ao TC, por aparente violação do artigo 30.º
CRP, que proíbe automaticidade dos efeitos das penas. O TC decidido no sentido de
considerar que não é inconstitucional o entendimento de que sempre que alguém comete
um crime previsto no art. 69.º/1 CP, é aplicável automaticamente esta pena acessória,
porque:
• Este entendimento tem amparo legal, no art. 65.º/2 CP, nos termos do qual a lei
pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados
direitos ou profissões. Logo, na medida em que o art. 69.º/1 prevê tipos legais de
crime, existe amparo legal para exigir que sempre que alguém seja condenado por
esses crimes, se aplique a pena acessória de proibição de conduzir veículos com
motor. Não obstante, o tribunal mantém um espaço de discricionariedade
vinculada, para aplicar um determinado quantum de pena acessória que oscile
entre 3 meses e 3 anos;
• O Professor André Lamas Leite discorda desta orientação jurisprudencial, por
violar aquela que é a hierarquia das normas. A CRP está acima do CP na
pirâmide normativa, logo, a possibilidade que o art. 65.º/2 CP abre, de a
determinados crimes se fazer corresponder determinada limitação do exercício de
direitos ou profissões, não tem fundamento na Constituição. Assim sendo, na ótica
do Professor, a interpretação do STJ e do TC é materialmente inconstitucional,
em nada adiantando afirmar que o tribunal mantém um espaço para determinar a
medida concreta da pena, visto que isso é o mínimo que tem de suceder em
qualquer pena.
❖ Atente-se, por exemplo, nos casos em que há concorrência de culpas, ou
seja, quando, para a produção de determinado resultado lesivo, não
concorra apenas a conduta do agente criminoso, mas também a conduta da
vítima (p.e., a vítima atravessou fora da passadeira, num local com pouca
visibilidade). Nestas situações, justificar-se-ia talvez a não aplicação da
pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, bastando a
pena principal para cumprir as finalidades punitivas;
❖ Por outro lado, se o legislador não obriga que o juiz aplique sempre a pena
acessória prevista no art. 66.º CP, permitindo que faça um juízo prudencial
no caso concreto, porque é que não adota a mesma lógica no que respeita
à aplicação do art. 69.º? O Professor afirma que pode ter que ver com o
facto de haver muitos acidentes de viação em Portugal, mas não é esta a
função do DP.
Note-se que nada adianta dizer que o arguido é motorista profissional e precisa da carta
de condução para trabalhar. Pelo contrário, os tribunais entendem que se a pessoa é
motorista profissional, há uma obrigação acrescida de cuidado na condução automóvel.
Exige-se especial atenção da sua parte.
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Nota: O art. 69.º/5 CP fala em Direção Geral de Viação. Esta deixou de existir,
denominando-se, atualmente, Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
• Alguns Tribunais diziam que do ponto de vista material, estar inibido de conduzir
ao abrigo de uma SPP ou ao abrigo do 69.º CP é o mesmo; Tendo em conta o
instituto do desconto (artigos 80.º a 82.º CP), os Tribunais entendiam que apesar
de não estar expressamente prevista neste instituto, a possibilidade de descontar
uma injunção ou regra de conduta de SPP na pena acessória do artigo 69.º
CP aplica-se analogicamente, com base num fundamento de justiça material;
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Os herdeiros legitimários são aqueles que não podem ser afastados da sucessão, sendo
a legítima a porção do património, deixado pelo de cujus, que é reservada a estes
herdeiros. São o cônjuge, os ascendentes e os descendentes. O herdeiro legitimário pode
ser afastado da sucessão quando é declarada a indignidade sucessória, por intermédio
de uma ação cível (que segue a forma de processo especial), p.e., quando o herdeiro
legitimário, podendo, não presta assistência de vida ao de cujus em vida.
Até à introdução do artigo 69.º-A ser introduzido no CP, se o herdeiro legitimário fosse
condenado por homicídio, ofensas à honra, etc., contra o de cujus, não podia o tribunal
criminal declarar a indignidade sucessória como pena acessória, sendo necessária uma
ação declarativa em processo especial cível para o efeito. Tal gerava uma perda de
celeridade processual injustificável.
Imaginemos que alguém trabalha num infantário, é acusado e condenado pela prática de
crimes contra liberdade e autodeterminação sexual de menores. Para além da pena
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principal aplicada a essa pessoa, pode ser aplicada a pena acessória de não poder
exercer aquele tipo de funções junto de menores. Em nada releva se se trata de um
estabelecimento público ou privado, para efeitos de aplicação desta pena acessória.
Nos termos do n.º2, o prazo de duração desta pena acessória é de 5 a 20 anos. Por ser
muito larga a diferença entre o limite mínimo e o limite máximo, pode pôr-se em causa a
proporcionalidade desta norma. Talvez o legislador devesse ter previsto um prazo em que
a diferença entre os limites fosse mais curta. Contudo, o TC tem entendido que o
legislador ordinário goza de uma ampla margem de liberdade de conformação do tempo
de duração das penas.
Quem pratica crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores pode ser
inibido de exercer responsabilidades parentais, por um período entre os 2 e os 20 anos.
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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
São aquelas que são aplicadas ao invés de uma pena principal, de prisão ou de multa.
Não pode haver substituição de uma pena acessória.
As penas de substituição têm um lastro histórico que radica na 2ª metade do séc. XIX,
época em que se verificava, por toda a Europa, um aumento do fenómeno da reincidência,
com muitos condenados que cumpriam penas curtas por delitos bagatelares. Face a esta
circunstância, alguns penalistas começaram a pensar em instrumentos para combater a
reincidência. Concluiu-se que as penas curtas de prisão são criminógenas, pelo que se
deve evitar ao máximo sua aplicação. Estas penas curtas de prisão são, manifestamente,
pouco úteis:
• Do ponto de vista ético-retributivo, a sua duração é tão curta que não chega para
retribuir o mal do crime;
• Do ponto de vista da prevenção, a sua curta duração também não faz face a estas
exigências;
• Do ponto de vista da ressocialização do agente, este trabalho também fica muito
limitado pela curta duração da pena e por o indivíduo ficar segregado do convívio
comunitário.
Sursis
Bonneville de Marsangy, juntamente com Bérenger, começaram por criar a primeira pena
de substituição em sentido moderno de que temos conhecimento – a sursis.
Estes autores partem da ideia de que há crimes e determinados criminosos relativamente
aos quais, tendo em conta a personalidade demonstrada no facto e no modo de execução
do crime, o Tribunal pode formular um juízo de prognose favorável, e toda a pena de
substituição se baseia nesse juízo – cumprirá as mesmas finalidades que a pena
principal.
Não podemos ver a pena de substituição como uma espécie de benesse a favor do
condenado, é uma verdadeira pena. Por isso, obedece aos requisitos do artigo 71.º/1
CP (exigências de culpa e de prevenção geral e especial). Significava a criação deste
instituto que há casos em que basta a mera ameaça do cumprimento efetivo da pena para
cumprir as finalidades punitivas e afastar o agente da reincidência.
Probation
Solução da Common law para reagir aos casos de reincidência. Em Portugal, o tribunal
procede ao julgamento, faz a condenação e determina o quantum da pena principal,
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André Rosa e Carolina Medeiros
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Portugal é dos países da UE com o maior leque de penas de substituição, que têm
vindo a aumentar desde 1982 até aos dias de hoje. Pergunta-se, então, porque é que é
assim:
• Existe, todavia, um discurso oficioso, que tem que ver com o movimento da
análise económica do Direito, que nasce nos EUA nos anos 60 ou 70. Um
economista norte-americano, de nome Posner, desenvolveu estudos sobre esta
matéria, chegando à conclusão de que o Direito, como qualquer coisa na
sociedade, tem um custo. Um objeto cada vez mais importante da criminologia
são os custos do crime. Assim sendo, segundo Posner, a justiça tem um
determinado valor na sociedade, que depende da forma como os cidadãos exigem
do Estado a justiça. Porém, a justiça não é a maior preocupação dos cidadãos, e
os governantes têm consciência disso. Existe sempre uma ponderação a fazer entre
o custo do crime e o custo da justiça. A título de exemplo, no sistema norte-
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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
americano, em que os prosecutors são eleitos pelos cidadãos, não são investigados
todos os crimes de que se tem conhecimento, por considerações de custo-
benefício. Adota-se, em Portugal, uma perspetiva economista, ficando mais
barato ao Estado aplicar uma pena de prisão domiciliária do que uma pena de
prisão preventiva, por exemplo.
A multa, como pena principal (artigo 47.º CP), só tem uma pena de substituição – a
admoestação (artigo 60.º CP). É uma solene censura, feita pelo Tribunal, em
audiência de julgamento. O artigo 60.º CP aplica-se para a pena de multa, mas não para
toda e qualquer pena de multa. As penas de substituição aplicam-se até uma dada medida
concreta da pena. No caso, até 240 dias. Se o Tribunal aplicar uma pena concreta superior
a 240 dias, não há nenhuma pena de substituição que se possa aplicar à pena de multa. O
artigo 60.º CP diz que, para além de se tratar de uma pena concreta até 240 dias, é preciso
que se verifiquem ainda os seguintes requisitos:
• O dano deve ter sido reparado, na medida do possível (art. 60.º/2 CP);
• O Tribunal concluir que as finalidades da punição do artigo 40.º/1 CP se
conseguem também cumprir por via de admoestação (artigo 60.º/2 CP);
• Artigo 60.º/3 CP - se o agente, nos 3 anos anteriores ao facto que originou aquela
condenação, já tiver sido condenado em qualquer pena ou admoestação, não se
aplica, em regra, esta admoestação, aplicando-se a pena de multa.
Artigo 497.º CPP – em regra, as penas só podem ser aplicadas depois de transitar em
julgado a decisão condenatória. A lei, neste artigo, no nº2, diz-nos que “a admoestação é
proferida de imediato se o MP, arguido e assistente declararem para a ata que renunciam
à interposição de recurso.”
É uma pena muito simbólica, pelo que está prevista para crimes de gravidade reduzida.
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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
Se a medida concreta da pena for até 1 ano de prisão, como regra, essa pena de prisão
deve ser substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade aplicável. Conclui-
se, assim, que a pena de multa, em Portugal, pode revestir duas formas: pena principal
(art. 47.º CP) e pena de substituição da pena de prisão (art. 45.º CP).
A pena de substituição não é uma pena igual à pena principal, mas deve representar uma
igualdade normativa em relação à pena principal. Isto é, se a pena principal tem um
determinado quantum de peso para o agente, a pena de substituição não terá esse quantum,
mas também não pode criar na comunidade, no seu conjunto, uma ideia de
“descriminalização encapotada”. É um equilíbrio difícil, e fazer com que as penas de
substituição sejam efetivamente sentidas pela comunidade não é tarefa fácil.
Se alguém é condenado a pena de prisão (até 1 ano) ou de multa (até 240 dias) que
admitem, em abstrato, a possibilidade de aplicação de pena de substituição, há um poder-
dever do tribunal de se pronunciar quanto à possibilidade de substituir ou não essa
pena principal. Se não o fizer, há uma verdadeira nulidade da sentença ou do acórdão
(art. 379.º/1/c. CPP).
• A este respeito, já se discutiu se a existência deste poder-dever dita que o Tribunal
seja obrigado a passar revista a todas as penas de substituição que, em abstrato,
são aplicáveis àquele caso. Aquilo que os Tribunais têm vindo a dizer é que o
Tribunal não tem de passar uma por uma as várias possibilidades de penas de
substituição que se podem aplicar àquele caso, tendo sim de fazer um juízo de
prognose favorável e ver qual a pena de substituição mais adequada ao caso
concreto;
• Outra questão é a de saber se existe uma hierarquia das penas de substituição –
Há jurisprudência contrária nos nossos Tribunais, mas a resposta só pode ser
negativa. O Tribunal aplica a pena mais adequada a cumprir as finalidades da
punição (artigo 40.º/1 CP), apesar de ser um critério abstrato. Por isso, o Sr.
Professor André Lamas Leite defende que é de aplicar a pena de substituição
mais clara quanto aos critérios que o tribunal deve ter em conta para decidir
pela aplicação de pena de substituição, que são os da pena suspensa (art. 50.º/1
CP). Este artigo é muito mais preciso, na medida em que não se limita a dizer que
a pena suspensa se pode aplicar quando o tribunal entenda que é adequada a
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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23
Segundo o Professor, o art. 45.º/1 CP é uma norma mal redigida. Prescreve que a
substituição não se aplica se a execução da pena de prisão for exigida pela “necessidade
de prevenir o cometimento de futuros crimes”, ou seja, o legislador diz que não se aplica
uma pena de substituição quando haja risco de reincidência. Ora, esta perspetiva é
incompleta. O risco de reincidência aponta para uma ideia de prevenção geral, de proteção
de bens jurídicos. Contudo, nos termos do art. 40.º/1 CP, a reintegração do agente na
sociedade também faz parte das finalidades da punição. Logo, o art. 45.º/1 CP é
incompleto, por não respeitar todas as necessidades apontadas no art. 40.º/1, reportando-
se apenas à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Quanto à taxa de conversão entre os dias de prisão e os dias de multa, o art. 45.º/1, in fine,
manda aplicar o disposto no art. 47.º Nos termos do art. 47.º/1, a pena de multa é fixada
em dias , de acordo com os critérios do art. 71.º/1 (exigências de culpa e de prevenção),
sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360 dias. Dá-se, aqui, uma
dupla remissão sistemática. Não existe nenhuma fórmula de um para um no que toca
aos dias de multa e de prisão. O tribunal pode entender que um dia de prisão equivale a
dois dias de multa, por exemplo, se as exigências de culpa e prevenção assim o
determinarem. Caberá, assim, ao tribunal determinar o critério de conversão.
Durante muito tempo, os tribunais, por uma questão de comodidade, faziam a conversão
de 1 para 1. Foi preciso um acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ vir dizer que
não existe qualquer regra que estabeleça que assim tem de ser necessariamente. O que
importa é que a determinação do nº de dias da pena de substituição corresponda às
exigências de culpa e prevenção. Assim, apesar de este acórdão vir reforçar a não
obrigatoriedade do critério de determinação de 1 para 1, tal continua a ser possível, e
ainda é feito frequentemente pelos tribunais.
Nos termos do art.º 47.º/5 CP, quando o tribunal determine o pagamento fracionado da
pena de multa, a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das
demais. Se não liquidar a totalidade, a pena de substituição é revogada e o condenado
irá cumprir a pena de prisão fixada na sentença (art. 45.º/2), descontando-se o valor
que já pagou, que irá corresponder a determinado tempo de prisão. Exemplo prático:
• A é condenado a 1 ano de pena de prisão. O juiz determina a aplicação de multa
de substituição, nos termos do art.º 45.º/1 CP, e o condenado pede o pagamento
da multa em 10 prestações, pedido esse que é deferido pelo tribunal. Imagine-se
que o condenado paga a primeira prestação, mas não paga as demais. Ora, 10
prestações, neste caso, equivalem a 365 dias de prisão, pelo que 9 prestações
corresponderão a 328,5 dias de prisão (arredondado para 328 dias).
Surge outra questão: nestes casos, é ou não possível aplicar o art. 48.º CP? O art.º
45.º/1 não remete para este artigo. Em relação ao art. 47.º, o legislador teve o cuidado de
dizer que se aplica na sua totalidade, e remeteu ainda para o art.º 49.º/3, permitindo que
o condenado possa requerer ao tribunal a suspensão da pena de prisão subsidiária, durante
um período máximo de 3 anos, mediante o cumprimento de injunções não económicas ou
financeiras. Ou seja, o próprio sistema admite, aqui, uma dupla substituição (a pena de
multa de substituição é substituída pela suspensão da execução da pena de prisão).
• O STJ proferiu um acórdão uniformizador de jurisprudência, no qual entende que
apesar de o art. 45.º CP não remeter para o 48.º, uma vez que a revogação da
pena de substituição deve ser uma sanção de ultima ratio, deve admitir-se a
possibilidade do art. 48.º CP como forma alternativa de liquidação da multa de
substituição. Isto leva a situações como o condenado em pena de prisão ver a pena
substituída por pena de multa, pedir o pagamento em prestações, não cumprir
algumas delas e requerer, posteriormente, a substituição por trabalho,
transformando-se o nº de dias por cumprir em horas de trabalho (note-se que,
tecnicamente, a substituição da multa por dias de trabalho não é uma verdadeira
pena de substituição, mas uma forma de liquidação da pena de multa).
A pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos é substituída por pena
de proibição, por um período que pode ir de 2 a 5 anos, do exercício de profissão,
função ou atividade, quando o crime tenha sido cometido no respetivo exercício, sempre
que o tribunal concluir que, por este meio, se satisfazem adequadamente as finalidades
punitivas. É uma pena de substituição específica, pois só é aplicada relativamente a
crimes cometidos por causa do exercício de profissões, funções ou atividades, sejam elas
públicas ou privadas. Na prática, pode ser uma pena bastante dura, especialmente se o
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André Rosa e Carolina Medeiros
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O art. 46.º/2 CP manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 66.º/4
a 6 e 68.º CP.
Havendo revogação desta pena de substituição, i.e., quando o agente viole a proibição ou
cometa crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades da proibição
não puderam ser alcançadas (art. 46.º/3), cumpre a pena principal. Contudo, a decisão
condenatória, nos termos do n.º5, vai ser objeto de desconto, sendo descontados os
dias em que o agente efetivamente cumpriu a pena de substituição (p.e., se B for
condenado a 3 anos de prisão, determinando o tribunal a aplicação da pena de substituição
do art.º 46.º, também durante o período de 3 anos, caso B volte a exercer a
profissão/função/atividade que lhe foi interdita 2 dias antes do fim da pena de
substituição, apenas terá de cumprir 2 dias de prisão). Nos termos do art. 46.º/6,
estabelece-se uma razão de 1 para 1 entre os dias de prisão e os dias de interdição do
exercício de profissão, função ou atividade. Algumas notas a fazer:
• O facto de alguém cometer um crime durante este período não implica que se
revogue a pena de substituição automaticamente – não há um princípio de
revogação automática. A revogação está sujeita a uma ponderação do tribunal,
que terá de apreciar se as finalidades da proibição podem ou não ser alcançadas,
em função do crime cometido. O legislador não dá um critério ao juiz, mas os
tribunais adotam o critério da proximidade ou não da natureza do crime com
a do crime pelo qual o agente foi condenado. P.e., se o agente foi condenado
por um crime de abuso de confiança, que é um crime contra a propriedade, e é
posteriormente condenado por um crime de burla, que também é um crime contra
a propriedade, poderá o tribunal revogar a pena de substituição, e o agente cumpre
a pena principal;
• Não basta a notificação da prática do crime – é necessário que esta leve a uma
condenação com trânsito em julgado, para que o juiz possa revogar a pena de
substituição. O tribunal da condenação em que houve a pena de substituição não
pode declarar extinto o cumprimento da pena, porque não sabe se o agente será
ou não condenado pelo crime que atenta contra o mesmo bem jurídico (ou bem
jurídico próximo) contra o qual atenta o crime pelo qual foi condenado
inicialmente.
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A medida concreta da pena de prisão não pode ser superior a 5 anos (art. 50.º/1 CP).
Nos termos do art. 50.º/5, o tempo de suspensão não tem forçosamente de ser o mesmo
da medida concreta da pena. Não existe um sistema de indexação. Apesar de a medida
concreta da pena corresponder às exigências da culpa e da prevenção, pode ser necessário
que o agente esteja mais tempo sujeito a este tipo de fiscalização, pelo que a pena suspensa
pode durar mais tempo do que a pena de prisão.
• Pena suspensa simples (art. 50.º CP) – é a sursis na sua pureza, resumindo-se à
ameaça da punição. Durante o período de suspensão, o agente fica inibido de
cometer crimes, sob pena de cumprir a pena principal. É a forma menos exigente
de cumprimento da pena suspensa;
• Pena suspensa com imposição de regras de conduta (art. 52.º CP) – destinam-
se a promover a reintegração do condenado na sociedade, têm uma visão
prospetiva. O que se procura através da imposição das regras de conduta, é agir
sobre as circunstâncias futuras da vida do agente (p.e., pagamento de um
determinado valor a uma IPSS). O n.º 1 estabelece regras de conduta de caráter
positivo, e o n.º2 de caráter negativo, importando salientar que, novamente, este
elenco é meramente exemplificativo.
❖ Surgem dúvidas quanto ao emprego do advérbio “complementarmente”,
no artigo 52.º/2 CP. Será que significa que, para se aplicar alguma das
regras de conduta previstas no n.º2, deve ser aplicada alguma das regras
de conduta de caráter positivo do n.º1? – A interpretação correta é a de que
o juiz é livre de aplicar qualquer uma das regras de conduta, não sendo
necessário que aplique primeiro uma das do elenco do n.º1, para que possa
aplicar as do n.º2;
❖ Nos termos do art. 52.º/3 CP, o tribunal pode ainda, obtido o
consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a
tratamento médico ou a cura em instituição adequada (a CRP não admite
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• Pena suspensa com regime de prova (arts. 53.º e 54.º CP) – é a modalidade de
pena suspensa que mais se aproxima da probation, dos sistemas de Common Law.
Na probation, o juiz determina que o agente cometeu um crime e submete-o a um
conjunto de regras e injunções, sendo acompanhado no cumprimento, em
liberdade, por um probation officer. A ideia é dar a oportunidade ao condenado
de provar ao juiz e à sociedade que tem a capacidade de não reincidir na prática
do crime. Se o agente cumpre todas as obrigações durante o período de probation
determinado pelo tribunal, o processo é arquivado. Se, pelo contrário, o agente
cometer um crime ou incumprir as obrigações impostas, será levado a tribunal
para que lhe seja aplicada uma pena. Em Portugal, a peça central é o plano de
reinserção social (artigo 54.º CP), elaborado pelo juiz na decisão condenatória,
onde se estabelece que tipo de injunções e regras de conduta quer que se aplique
àquele agente. O art. 54.º/3 CP fixa os objetivos a atingir com este regime de
prova.
❖ Surge a dúvida de saber se, na pena suspensa com regime de prova, se
podem também aplicar os deveres e regras de conduta previstos nos artigos
51.º e 52.º CP. A resposta é afirmativa – o art. 54.º/3 CP permite, no âmbito
do plano de reinserção, a sujeição do condenado quer a deveres, quer a
regras de conduta, quer a outro tipo de injunções que esta norma prevê.
Com efeito, este é o instituto mais maleável;
❖ O art. 53.º/3 CP estabelece uma obrigatoriedade de, no caso de o juiz
entender estarem preenchidos os requisitos do art. 50.º/1 CP, para a
suspensão da execução da pena de prisão (juízo de prognose favorável),
aplicar a suspensão de pena com regime de prova, nos casos em que o
condenado não completou ainda, no momento da prática do crime, 21 anos
de idade. O DL 402/82 (regime dos jovens adultos) estabelece a
possibilidade de atenuação especial da pena quando o agente tenha idade
compreendida entre os 16 e os 21 anos, fundada na ideia de que um
indivíduo neste intervalo etário ainda está num processo de formação da
sua personalidade, pelo que poderá ser demasiado oneroso aplicar-lhe uma
pena sem atenuação especial (art. 73.º CP). Já se o juiz decidir fixar a
suspensão da execução da pena de prisão, será de aplicar o regime
probatório;
❖ O art. 54.º/4 CP é uma inovação de 2015, trazida pela lei 103/2015, que
veio adaptar algumas normas do CP e do CPP a uma Convenção, aprovada
no âmbito das Nações Unidas, que visa eliminar todas as formas de
discriminação e violência contra as mulheres - “Nos casos previstos no n.º
4 do artigo anterior, o regime de prova deve visar em particular a
prevenção da reincidência, devendo para o efeito incluir sempre o
acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário,
designadamente através da frequência de programas de reabilitação para
agressores sexuais de crianças e jovens.”;
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André Rosa e Carolina Medeiros
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❖ De acordo com o art. 53.º/4 CP, caso o agente seja condenado por qualquer
um dos crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-A, sendo a vítima menor,
deve ser ordenado o regime de prova. Parte da ideia de que muitos destes
crimes têm por base comportamentos influenciados por algum tipo de
patologias ou parafilias, e o regime de prova é mais adequado a que haja
algum tipo de intervenção psicológica ou psiquiátrica. O objetivo é evitar
a reincidência.
o Aqui, o legislador falhou num aspeto – também faria sentido que
o art. 176.º-B (crime de organização de viagens para fins de
turismo sexual com menores) estivesse incluído neste elenco. É um
crime contra menores, e a razão de ser do regime de prova em
relação ao art. 176.º-A (aliciamento de menores para fins sexuais)
é a mesma do 176.º-B.
Artigo 55.º
Falta de cumprimento das condições da suspensão
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir
qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de
reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no
plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas
não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão
previsto no n.º 5 do artigo 50.º
Imagine-se uma situação hipotética em que o agente foi condenado a uma pena de prisão
de 5 anos, suspensa por 5 anos. Por muito que o tribunal entenda que o mais adequado
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seria prorrogar o período de suspensão (alínea d.), já não o poderá fazer visto que,
nos termos do art. 50.º/5 CP, o período de suspensão é fixado entre um e cindo anos.
Poder-se-ia pensar que o período entre a prolação da decisão final e o término do prazo
para a interposição de recurso seria o momento adequado para o arguido pedir a PTFC.
Não é a perspetiva correta, do ponto de vista processual, porque se dá o esgotamento do
poder jurisdicional a partir da prolação da sentença. A partir daí, apenas podem ser
corrigidos erros formais na sentença (art. 380.º CPP). Quanto muito, esta questão poderá
vir a ser discutida em sede de recurso (arts. 432.º e 427.º CPP).
O tribunal não pretende que esta prestação de trabalho afete a situação profissional
do condenado. Assim, este poderá trabalhar no final de cada jornada de trabalho, ou nos
finsde semana, se bem que este trabalho não pode ultrapassar o período que o CT prevê
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Nota: importa referir que, na prática, a PTFC é a pena de substituição que se permite a
maiores fraudes à lei. Muitas vezes, observa-se que aquilo que é entregue ao condenado
em PTFC é um documento, a ser assinado pelo responsável pela instituição beneficiária
sempre que o condenado comparecer para trabalhar. Acontece que, não poucas vezes,
essas instituições são lideradas por pessoas com quem o condenado tem laços familiares
ou de amizade, e que assinam o documento sem que o condenado preste o trabalho ou
sequer compareça. Tal trata-se de crimes de favorecimento pessoal e de falsificação de
documento, se provado.
Art. 59.º/5 CP – se a PTFC for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar extinta
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a pena não inferior a 72 horas, uma vez cumpridos 2/3 da pena (p.e., alguém é
condenado a 300 horas de PTFC, e cumpre 200. Se esse trabalho for considerado
satisfatório, e já tendo sido cumpridos 2/3 da pena, o tribunal pode declarar extinta a
pena).
Art. 59.º/6 CP – se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado, por
motivo superveniente que não lhe seja imputável, pode o tribunal fazer a substituição
da pena de substituição. Substitui-la-á por:
• a) – multa até 240 dias;
• b) – suspensão da execução da pena de prisão, por período entre 1 e 3 anos,
subordinando-a a deveres ou regras de conduta, nos termos dos arts. 51.º e
52.º CP.
Art.º 43.º/1 CP – a RPH pode aplicar-se quando o tribunal concluir que, por este
meio, se realizam as finalidades punitivas, com o consentimento do condenado, e
quando:
• a) – a pena de prisão efetiva não seja superior a 2 anos;
• b) – a pena de prisão efetiva não seja superior a 2 anos, resultante do desconto
previsto nos arts.º 80.º a 82.º;
• c) – a pena de prisão efetiva não seja superior a 2 anos, em caso de revogação
de pena de substituição não privativa da liberdade ou de não pagamento da
multa, previsto no art.º 45.º/2 CP (multa de substituição).
Art. 43.º/4 CP – o tribunal pode subordinar este regime a medidas destinadas a promover
a reintegração do agente (regras de conduta).
Art. 43.º/5 CP – a liberdade condicional não se aplica quando a pena de prisão seja
executada em regime de permanência na habitação.
Art. 44.º/2/c) CP – Se o condenado for sujeito a prisão preventiva, pela prática de outro
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Art. 44.º/3 CP – a revogação do RPH determina a execução da pena de prisão ainda não
cumprida em estabelecimento prisional, havendo lugar a desconto do tempo já cumprido
em RPH.
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Como é que o juiz chega a uma determinada medida, dentro da moldura penal
abstrata?
Hoje em dia, defende-se que não há esta divisão talhante, mas sim uma
colaboração funcional entre o legislador e o juiz na determinação da
medidaconcreta da pena. Esta colaboração faz com que se tenha de definir
claramente as funções de cada um. No âmbito de um Estado de Direito
democrático, ao legislador cabe, em 1º lugar, definir qual a moldura penal
abstrata de cada crime, por ser detentor de legitimidade democrática direta,
que o juiz não tem. Cabe ainda ao legislador fixar as circunstâncias
modificativas e, facultativamente, fixar o sentido da aplicação das reações
criminais (entre nós, tal é feito no art. 40.º/1 CP). Ao juiz cabe, dentro da
moldura penal abstrata (MPA), determinar a moldura penal concreta
(MPC) e, dentro desta, a medida concreta da pena (tendo em conta as
exigências de culpa e de prevenção em cada caso concreto – art.º 71.º/1 CP),
devendo fundamentar o processo lógico seguido até à tomada de decisão (note-
se que grande parte dos recursos se limitam à dosimetria da pena, não
pretendendo o arguido discutir matéria de facto. Logo, a fundamentação dada
pelo tribunal para a determinação da MPC e da MCP é extremamente relevante,
sem prejuízo de cada juiz ter sempre um campo de discricionariedade vinculada
nesta matéria). Há uma 3ª fase eventual – o tribunal pode ter de se pronunciar
no sentido de haver lugar ou não à aplicação de uma pena de substituição.
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Estas três circunstâncias modificativas podem ser aplicadas cumulativamente, pois têm
fundamentos diferentes, não violando o princípio da proibição da dupla valoração.
Art. 71.º/2 CP – a expressão “não fazendo parte do tipo de crime” consagra o princípio
da proibição da dupla valoração. Por exemplo, no art. 136.º CP, que prevê o crime de
infanticídio, existem dois requisitos: um requisito temporal (no momento do parto ou
logo após), e o requisito da influência perturbadora do parto (alterações hormonais que
podem conduzir a perturbações de caráter psíquico, p.e., depressões pós-parto). Este
último requisito é uma circunstância modificativa atenuante, que influencia a moldura
penal abstrata, e que já está incluída no tipo legal de crime. Logo, valorar duplamente
esta circunstância viola o princípio da proibição da dupla valoração (isto é, a pena não
poderia ser atenuada, na determinação da moldura penal concreta, com base nas
circunstâncias previstas no art. 71.º/2/b., pois essas circunstâncias já se encontram
previstas no tipo legal de crime).
O problema é saber como fazer funcionar estes 2 critérios, como relacionar estes 2
conceitos. Muitas vezes, estas exigências decompõem o caso concreto em direções
diversas (p.e., pode haver casos em que as exigências da culpa sejam poucas, mas as
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• Teoria da moldura da culpa – defendida pelo Doutor Eduardo Correia. Não é uma
teoria originariamente portuguesa, surgiu na Alemanha, onde ainda é maioritária
(teoria do espaço de liberdade). A MPC é nos dada apenas por exigências de
culpa. Contudo, também se confere algum espaço às exigências de prevenção:
❖ A prevenção geral é considerada, fundamentalmente, para justificar o
limite mínimo da MPC (o chamado “ponto de defesa do ordenamento
jurídico”, o limiar mínimo para garantir a afirmação contra fáctica da
norma jurídico-penal). Abaixo desse limiar mínimo, as exigências de
prevenção geral não seriam acauteladas.
❖ Quanto à prevenção especial, dentro do limite mínimo e do máximo, a
medida concreta da pena é dada por exigências de PE. Ou seja, em última
análise, dentro de uma MPC dada por exigências de culpa, são as
exigências de prevenção especial que vão determinar a MCP.
❖ Esta teoria está sujeita a críticas, fundamentalmente pela Professora
Anabela Miranda Rodrigues e pelo Professor Figueiredo Dias – é uma
posição que concede pouco relevo à prevenção geral, cujo único papel é
dizer que o limite mínimo da MPC corresponde às exigências de
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Nota: posição particular de Claus Roxin – o limite mínimo da MPC pode baixar até ao
limite mínimo da MPA, quando exigências particularmente intensas de prevenção
especial se façam sentir no caso concreto. A crítica que se tece a esta posição é que
admitir que os limites mínimos da MPA e da MPC coincidam faça confundir dois juízos
completamente diversos. Acaba por ser uma confusão entre dois critérios opostos.
Estes fatores estão previstos no art. 71.º/2 CP, de forma exemplificativa. Dentro da MPC,
vão ajudar o juiz a determinar o quantum exato de pena.
- São dotados de forte ambivalência, por duas razões:
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•O mesmo fator de medida da pena pode servir para atenuar ou para agravar,
dependendo dos casos (p.e., as condições pessoais do agente);
• Há fatores que relevam por via da culpa, e fatores que relevam por via das
exigências de prevenção (p.e., os sentimentos manifestados no cometimento do
crime relevam por via da culpa).
Note-se que o juiz pode ter em conta outros fatores, que não aqueles que se encontram
expressamente previstos no art. 71.º/2 CP.
• Al. d) – as condições pessoais do agente podem relevar por via das exigências
da culpa e da prevenção, enquanto a situação económica apenas releva por via
da culpa. Em alguns crimes, não releva a situação económica do agente (p.e., em
crimes pessoais, como o crime de violação. Já relevará em crimes aquisitivos,
como o crime de furto);
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preparação para manter uma conduta lícita. É uma questão que contende com
exigências de culpa.
Nota: Todos estes fatores de determinação da medida concreta da pena têm de ser
fundamentados, nos termos do art. 71.º/3 CP.
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São formas de determinação da pena que fogem do quadro geral visto até agora (MPA,
MPC, MCP, aplicação de penas de substituição).
REINCIDÊNCIA
• O Professor André Lamas Leite tende para uma teoria mista, conjugando os
dois fundamentos (ideia de culpa agravada e de perigosidade).
haver uma íntima conexão. Há íntima conexão entre os crimes quando os crimes
têm natureza próxima, ou seja, proximidade do bem jurídico1.
❖ A doutrina maioritária defende que um regime politrópico;
❖ Contudo, se o legislador prevê que só há reincidência quando os crimes
têm natureza próxima, ao nível do bem jurídico, significa que não temos
uma total politropia. O Professor propõe que, na realidade, o legislador
prevê um regime de homotropia mitigada, pois é preciso que os crimes
anteriores visem bens jurídicos próximos daquele que é visado pelo crime
pelo qual o agente está a ser julgado.
Note-se que se o requisito material não estiver preenchido, não há
reincidência.
1
1 Ex.: O agente pratica um crime de sequestro (art. 158.º CP). Para que o agente possa ser julgado como reincidente,
as anteriores condenações não devem ter servido de suficiente advertência contra o crime, o que se avalia pela
proximidade da natureza dos crimes. Imagine-se que consta do registo criminal que esse agente já tinha sido
condenado pelo crime previsto no art. 292.º CP – a natureza deste crime em nada tem a ver com a natureza do crime
de sequestro (um trata-se de um crime contra o Estado, enquanto o outro se trata de um crime contra a liberdade
pessoal). Do ponto de vista material, não há conexão entre o art. 158.º e o 292.º, porque os bens jurídicos visados não
são próximos. Suponha-se agora que o crime pelo qual o agente já tinha sido condenado anteriormente, por decisão
transitada em julgado, foi um crime de perseguição, previsto no art.154.º CP. Neste caso, embora o bem jurídico não
seja exatamente o mesmo, o que está em causa é também a liberdade pessoal (estão ambos previstos no Capítulo IV –
Dos crimes contra a liberdade pessoal). Logo, há íntima conexão entre a natureza dos dois crimes, pelo que o agente
aqui já poderia ser julgado como reincidente.
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penas anteriores, mas sim que o agente tenha sido condenado em pena
anterior de prisão efetiva superior a 6 meses2.
CONCURSO DE CRIMES
Trata-se de outra forma especial de determinação da pena, prevista no art. 30.º/1 CP.
Note-se que apenas falamos do concurso efetivo de crimes, e não do concurso
legal/aparente de normas. Fala-se em concurso efetivo de crimes quanto o agente pratica
vários crimes, isto é, quando a sua conduta preenche vários tipos legais de crimes, ou
quando preenche várias vezes o mesmo tipo legal de crime.
2
Para compreender melhor este requisito, ver o tema “extinção da responsabilidade criminal”.
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Punição do concurso
- Art. 77.º/3 CP: se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão
e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única aplicável ao
concurso. As penas de prisão e de multa não se misturam.
• Imagine-se que estão em concurso 3 crimes:
❖ Crime 1: punido com 100 dias de multa;
❖ Crime 2: punido com 200 dias de multa;
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crimes, aplica-se o art. 77.º CP. A pena que já tiver sido cumprida é descontada
no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
❖ P.e., no Processo 1, o agente foi condenado a 5 anos de prisão. Vem-se a
descobrir, depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, que 6
meses atrás, havia sido condenado a uma pena de prisão de 3 anos, também
transitada em julgado, no Processo 2, por crime praticado antes dos crimes
pelos quais foi condenado a 5 anos de prisão no P1. Isto significa que o
tribunal irá ter de determinar uma nova pena para o concurso
superveniente, de acordo com as regras do art. 77.º CP (o limite mínimo
da moldura do concurso irá corresponder a 5 anos, e o limite máximo a 8
anos);
❖ Note-se que se a data do tempus delicti for posterior à data da condenação,
não há conhecimento superveniente do concurso. Isto é, se o novo crime
não tiver sido praticado antes da data da condenação, não está preenchido
o requisito do art. 78.º/1 CP, e não estará o tribunal em condições de fazer
um acórdão cumulatório.
CRIME CONTINUADO
O crime continuado é uma ficção de um único crime, uma figura muito controvertida.
Existe em Portugal, Espanha, Itália e noutros países que receberam influência destes.
Contudo, em França, país onde nasceu esta figura, já não existe.
Exemplo: um indivíduo é furtado, por ter deixado a janela de casa aberta. O agente, por
ter sido um furto fácil, repete o mesmo cinco vezes. Ora, individualmente considerados,
estes seriam cinco crimes de furto qualificado em concurso efetivo. Todavia, como se
trata de crimes que protegem o mesmo bem jurídico (propriedade, embora também
pudesse ser apenas bens jurídicos próximos), como o modus operandi é homogéneo, e
como há uma situação externa ao agente que o tribunal considera diminuir
consideravelmente a sua culpa (a janela aberta), o art. 30.º/2 CP manda que sejam
estes crimes punidos como se de um único crime se tratasse, e não por concurso de
crimes. Tal é altamente vantajoso para o agente, embora, na ótica do Professor André
Lamas Leite, não faça qualquer sentido do ponto de vista da prevenção geral e especial.
Isto seria ainda mais grave, por exemplo, em crimes de abuso sexual de crianças, em que
estivessem preenchidos os requisitos para que se pudesse falar em crime continuado.
Contudo, no art. 30.º/3 CP, o legislador estabeleceu que o crime continuado não se
aplica quando se trate de crimes iminentemente pessoais.
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• Morte do agente;
Art. 118.º CP – entende-se que, por uma questão de segurança jurídica, não podem os
agentes esperar eternamente que o Estado diga se o seu crime é punido. Os arts. 118.º ss.
CP estabelecem que há um prazo máximo para que alguém possa ser condenado num
determinado processo criminal. Sendo este prazo ultrapassado e a prescrição declarada,
não pode o agente ser punido.
Quanto mais grave for a moldura penal abstrata de um determinado crime, mais tempo
será necessário para que prescreva (p.e., para o crime ce homicídio, exige-se mais tempo
para a prescrição do procedimento criminal. Já nos crimes de injúria ou de difamação, em
que a moldura penal abstrata é mais leve, o tempo de prescrição também é menor), com
base numa ideia de proporcionalidade.
Por outro lado, quando uma decisão transita em julgado e o agente é condenado a uma
pena de prisão efetiva, ou sendo-lhe aplicada uma medida de segurança, há um prazo para
que o condenado cumpra aquela pena de prisão ou medida de segurança. Caso esse prazo
seja ultrapassado, dá-se a prescrição da pena ou medida de segurança, e o agente já não a
poderá cumprir (ex.: casos em que o agente foge, e só é encontrado 30 anos depois). Este
instituto dá prevalência a considerações de certeza e segurança jurídica.
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