Práticas Inovadoras para o Cuidado em Saúde - Barros 2007
Práticas Inovadoras para o Cuidado em Saúde - Barros 2007
Práticas Inovadoras para o Cuidado em Saúde - Barros 2007
Sônia Barros1, Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira2, Ana Luisa Aranha e Silva3
Recebido:
Práticas 05/09/2007
inovadoras para Rev Esc Enferm USP
oAprovado:
cuidado em25/06/2008
saúde
Barros S, Oliveira MAF, Silva ALA
2007; 41(Esp):815-9.
www.ee.usp.br/reeusp/ 815
INTRODUÇÃO Desta maneira, é importante construir um novo olhar para
o cuidado baseado no diálogo e na criatividade que possibi-
O relato que se segue é fruto das reflexões que temos lite a transformação social do papel dos profissionais no
feito na área de enfermagem psiquiátrica e de saúde mental exercício da sua prática. É sobre esse novo olhar para o
da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo cuidar que queremos nos deter.
que, historicamente, carregava o fardo de assistir pelo con- O modelo clínico presente no pensar e no fazer dos pro-
trole e pela disciplina. Nas últimas décadas, a área vem se fissionais modernos ainda assume um espaço de poder, com
debruçando sobre a sua própria constituição e redefinindo relevante aceitação e consideração nos sistemas de cuidar
o seu processo de trabalho de cuidar e ensinar. da saúde. Mas o cuidar dele decorrente confere um caráter
A implementação efetiva da reforma psiquiátrica, ou seja, simplificador, mantendo-se os princípios de redução e sepa-
as ações dessa política traduzem-se em práticas específicas ração entre saberes, agentes e elementos da natureza(5).
que recolocam a discussão sobre o significado do cuidado As autoras(5) afirmam que as dimensões históricas do
em saúde mental(1). cuidar, deixadas à parte pelo modelo clínico, revelam a multi-
O novo modelo assistencial reconfigurou o objeto de in- plicidade e a multidimensionalidade do cuidar, que ficou à
tervenção - não mais a doença e sim o sujeito-social com margem com o nascimento da clínica e sua ascensão na
transtorno mental - e, conseqüentemente, a sua finalidade - modernidade.
não mais a remissão do sintoma, mas as necessidades de A história dos cuidados desenha-se em volta dos dois
saúde propriamente humanas - e os instrumentos de inter- eixos evidenciados entre os conhecimentos,
venção, ou seja, os saberes e as práticas. gerando duas orientações dos cuidados, das
quais uma vai garantir e assegurar a manuten-
As mudanças ocorridas no interior do cam- No cotidiano dos
ção e a continuidade da vida e, a outra, vai
po da saúde mental, particularmente os refe- serviços de atenção fazer recuar a morte(6).
rentes ao objeto e à finalidade do processo de à saúde mental
trabalho, situam-se no âmbito da vida emocio- é possível Na origem, estas duas orientações coexis-
nal e da emancipação do sujeito-usuário, para presenciarmos ações tem, são complementares e geram-se mutua-
a ampliação da sua autonomia e da sua reabi-
dos trabalhadores que mente. Para garantir a vida, utilizam-se conhe-
litação psicossocial(2). cimentos tendo em conta tudo que é indis-
experienciam novas
pensável para garantir as funções vitais.
Este panorama tem sido um desafio cons- tecnologias pautadas
tante para os profissionais da área, tanto do na noção do cuidado Com o nascimento da clínica, torna-se pos-
ensino quanto da assistência, pois implica na ao sujeito de sível operar uma separação entre as duas ori-
transformação do saber e do fazer das profis- entações, no âmbito dos cuidados. Os cuida-
necessidades, de
sões, para se organizar novas bases teóricas e dos de manutenção da vida passam a ser ne-
desejos e de crenças.
práticas para a condução de projetos gados e excluídos do discurso biomédico mo-
assistenciais e, assim, inventar novas manei- derno e os cuidados para evitar a morte, cui-
ras de produzir saúde. dados curativos, nascidos de descobertas empíricas, são
reconhecidos como os únicos científicos, surgindo uma dis-
Essa invenção de novas formas de produzir saúde passa
tinção entre cuidar e tratar(6).
obrigatoriamente pela modificação do processo de trabalho
das equipes, implicando na apropriação coletiva do desafio O cuidado clínico, um cuidado de pequena escala, as-
da construção de novas formas de responsabilização, e na senta-se no fato fundador que a saúde é obtida com base no
assunção do problema de saúde/necessidades representa- modelo clínico biomédico que separa o cuidador daquele
da pelo usuário como objeto da ação de saúde(3). que é cuidado: o tratar da doença é o super-facto(6).
Assim, são necessários técnicos que transformem suas A instituição de um corpo de conhecimentos científicos
práticas teóricas e políticas; questionem suas funções; e produzidos no desenvolvimento da ciência médica inaugu-
sejam capazes de inventar novas possibilidades de compre- rou o campo do tratamento. Não é por acaso que a tecnologia
ensão e de relacionamento com os seus objetos e objetivos de cuidados inaugurada por Pinel é chamada de tratamento
do seu trabalho(4). moral. Isso quer dizer que a partir daí produzem-se formas de
tratar baseados numa dada concepção de adoecimento(6).
No cotidiano dos serviços de atenção à saúde mental é
possível presenciarmos ações dos trabalhadores que Neste sentido, pode-se dizer que no campo médico-psi-
experienciam novas tecnologias pautadas na noção do cui- quiátrico fala-se de tratamento e não de cuidado. Tratar se-
dado ao sujeito de necessidades, de desejos e de crenças. ria, então, a ação mediada por conhecimentos científicos,
No entanto, muito ainda há o que fazer para modificar ou instrumentais e objetivos. Tratar é a objetivação de um cor-
criar em termos de atenção em saúde mental. po de conhecimentos, traduzida numa ação profissional.
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