In 4
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Neurociências
J. Marques-Teixeira
Fernando Barbosa
2021/22
Neurohistologia funcional
ÍNDICE Todos os tecidos e órgãos do corpo são formados por células. As funções especializadas das células
e o modo como interagem determinam a função dos órgãos.
1. Descrição dos neurónios
O cérebro, enquanto órgão, obedece à mesma lógica: para se desvelar as suas funções deve-se
a. Corpo celular começar por perceber como funcionam as células nervosas individualmente e depois ver como se
b. Dendrites organizam em conjuntos para trabalharem em consonância.
Neste capítulo focar-nos-emos na estrutura dos grandes tipos de células do sistema nervoso e das
c. Axónio
suas divisões, incluindo as células de glia. Apesar de as células de glia serem importantes, os
2. Classificação dos neurónios neurónios são, na verdade, as células mais importantes em razão das suas funções únicas na
a. Classificação baseada no número de neurites organização do cérebro: captação de alterações no ambiente e comunicação destas alterações a
outros neurónios para organização das respostas do organismo a essas alterações. Por sua vez as
b. Classificação baseada nas conexões células da glia contribuem para o bom funcionamento dos neurónios, basicamente constituindo o seu
c. Classificação baseada no tamanho axonal “esqueleto”, o seu apoio “logístico”, o seu mecanismos de “limpeza informática”.
O sistema nervoso constitui uma hierarquia que culmina no cérebro, com cerca de 86 mil milhões de
3. Células de glia ou neuróglia
neurónios de numerosos tipos, idêntico número de células gliais (com rácios > 10:1 em certas regiões)
4. Potenciais de ação 100 milhões de milhões de sinapses, mais de 500 mil Km de prolongamentos neuronais, milhares de
agrupamentos neuronais e fibras nervosas, centenas de regiões funcionais, dúzias de subsistemas
5. Transmissão sináptica
funcionais, 7 regiões centrais e 3 grandes divisões.
6. Organização dos neurónios
Todas estas partes formam um epitélio coerente, pervasivo, diversificado e complexo com uma
1. Colunas funcionais conectividade neuronal interdependente, a maior parte do qual não é nem sensorial, nem motor, mas
sim intermédio, quer sob o ponto de vista anatómico, quer sob o ponto de vista funcional.
2. Organização laminar
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gerando atividade. Na iniciação, ele atua: de forma mais endógena e menos distâncias. A transmissão do sinal de um neurónio a outro faz-se ao nível de
homeostática, substitui um estado da atividade neuronal por outro, gerando contactos bem definidos: as sinapses.
atividade. Os neurónios são grandes consumidores de energia. Para lhes fornecer a energia
Apesar de as divisões e regiões do sistema nervosa dos humanos normalmente que necessitam vários vasos sanguíneos trazem-lhes a glicose que precisam, que
desenvolvidos serem idênticas, quer a sua especificação genética, quer a sua é o seu nutriente exclusivo, bem como o oxigénio indispensável ao seu
história pessoal são únicas, como o são as permutações e combinações da sua funcionamento. Pelos vasos sanguíneos também são drenados os produtos
função unificada. metabólicos resultantes do seu funcionamento.
muscular ou glândula. Esta função é assegurada por uma propriedade das células proporções variadas, as dendrites contêm os organelos presentes no soma. Em
nervosas, designada por excitabilidade: capacidade de quando são alguns neurónios, as dendrites emergem no fim do axónio. As dendrites
suficientemente estimuladas responderem com uma descarga eléctrica (potencial ramificam-se de forma elaborada, constituindo o principal prolongamento de
de ação) e a rápida condução (mseg) dos impulsos nervosos para longas receção de informação dos neurónios, muito embora o soma e algumas regiões
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de axónios proximais ou distais possam também receber informações. As Único ou duplo, curto ou longo, ramificado ou não, se existir um axónio, ele
dendrites, pelas suas ramificações representam as relações que o neurónio constitui o eixo funcional do neurónio, o local por onde os impulsos nervosos
tem com outros neurónios e, por isso, o seu papel integrador. Oferecem pontos viajam e cuja velocidade depende do diâmetro das fibras. A eficiência da
de contacto (sinapses) para os terminais axónicos constituindo as regiões de condução depende de um bom isolamento elétrico (bainha de mielina).
receção, combinação, somação e regulação das entradas de informação no
É importante olhar para este desenho neuronal como sendo flexível. Praticamente
neurónio. cada uma das partes pode executar qualquer função comunicacional, sempre
Nos neurónios multipolares, as dendrites originam-se do soma como um ou mais que as circunstâncias ou o desenho dos circuitos tornar essa comunicação
ramos primários, continuando a ramificar-se e tornando-se cada vez mais finos, vantajosa. O único componente invariante do neurónio é o corpo celular que
de tal modo que a sua superfície total pode exceder a do soma. apenas desempenha a sua função trófica.
Os axónios ligam-se nas espinhas dendríticas, cujo papel ainda não é bem Classificação dos neurónios
conhecido. As sinapses localizadas nas espinhas dendríticas são os principais
A. Classificação com base no número de neurites - Esta classificação é
locais excitatórios e apresentam propriedades elétricas que se podem modificar
baseada no número de axónios e dendrites que saem do soma (Figura 2). São,
por pequenas modificações na forma do istmo da espinha, muito provavelmente
assim, classificados em unipolares (com um
nos processos de aprendizagem e no envelhecimento.
só neurite), bipolares (com 2 neurites) e
Axónios multipolares (com 3 ou mais neurites). Podem ainda
Bipolar
Na maior parte dos neurónios emerge do soma um único axónio que pode ser pseudounipolares (1 neurite que se divide).
dirigir-se para distâncias longas (através dos nervos) ou perder-se na rede
B. Classificação com base nas conexões -
neuronal perto da sua origem. Qualquer um destes percursos assegura quer a
Baseada no tipo de funções que o neurónio
comunicação a longa distância, quer a comunicação em milhares de circuitos
desempenha. Distinguem-se, assim, os
locais. Os axónios enviam informações quer para outros neurónios, quer para os
neurónios sensoriais, que são neurónios
músculos ou glândulas. Como as dendrites, o axónio pode ramificar-se (colaterais
bipolares (pólo detetor, sensorial, ou
axonais), constituindo uma expressão das interrelações neuronais, tal como as
terminação de entrada de informação ligado
ramificações dendríticas. Enquanto as dendrites representam o poder
Multipolar ao ambiente; pólo efetor, motor, ou terminação
integrativo de um neurónio, os axónios e os seus colaterais representam o poder Unipolar
de saída da informação para um grupo de
distributivo. Figura 2 - Classificação com base no
células) (Figura 3), que se encontram
Os axónios são, normalmente, únicos, mas podem ser duplos, como acontece número de neurites
principalmente no epitélio olfativo, na retina e
nos neurónios bipolares ou até não existirem (como acontece nas células no gânglio vestibulo-coclear. São neurónios iniciais do processamento dos dados
amácrinas que comunicam pelas suas dendrites). Apesar de os axónios serem sensoriais (neurónios sensoriais primários), funcionando como autênticas
muito mais longos do que qualquer dendrite, muitos neurónios têm uma sentinelas colocados fora do sistema nervoso central (SNC) para reportar as
superfície total de dendrites superior à dos axónios. informações da periferia - o seu número é pequeno (cerca de 20 milhões); e
neurónios sensoriais secundários, células do SNC, na 2ª escala no processamento
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dos dados sensoriais. Os neurónios sensoriais permitem camadas I ou VI, inibitórios e de transmissão gabérgica (podem
deduzir os princípios de análise do sistema nervoso: considerar-se um tipo separado). (2) n. em cesto (Figura 9), com
(1) doutrina do neurónio - o sistema nervoso é "ninhos" densos de axónios à volta dos
formado por uma rede de unidades autocontidas corpos celulares das células
(neurónios) que interagem via contiguidade, em vez piramidais, inibitórios, de
de ser por um sincício neuronal contínuo; (2) transmissão gabérgica,
Figura 3 - Neurónio Sensorial
princípio da polaridade localizados nas camadas III e V
juncional ou polarização dinâmica - o lado da saída Figura 8 - N. fusiforme
e com projecções horizontais.
da informação é o lado axonal e o lado da entrada é Neurónios Motores -
o soma (ou corpo celular) ou as dendrites. Apresenta Figura 9 - N. em cesto
projetam-se para células efetoras não neuronais e
dois modos de organização: (1) Divergência - cada para outros neurónios motores, recebem impulsos quer dos neurónios
axónio gera múltiplas sinapses, normalmente de
Figura 4 - Divergência sensoriais, quer dos neurónios motores e não são em grande número (cerca de 2
ramos distintos (Figura 4). Por causa disto, os
milhões) (Figura 10). No desenho são multipolares e os corpos celulares dos
neurónios sensoriais singulares podem enervar
neurónios motores somáticos estão
(terem sinapses com) mais do que uma célula
completamente localizados dentro do
efetora; (2) Convergência - os ramos de mais sistema nervoso central. Enquanto os
do que um neurónio sensorial podem terminar
neurónios sensoriais são as primeiras
no mesmo efetor (Figura 5).
células no processamento dos dados
Figura 10 - Sequência neuronal
No córtice este tipo de neurónios pode classificar-se neuronais, os neurónios motores são as 1. Estímulo; 2. N. sensorial; 3- Interneurónio;
em: (1) N. estrelados (Figura 6) - podem ter ou não 4. N. motor; 5. Efetor
espinhas dendríticas, as dendrites distribuem-se Figura 5 - Convergência
em torno do corpo celular sem orientação últimas. Dividem-se em: (1) NEURÓNIOS
Dendrite apical ascendente
preferencial (estrelado) e localizam-se, preferencialmente, na PIRAMIDAIS (Figura 11), situados sobretudo
camada granular IV (ver à frente). Subdividem-se em na camada V do córtice, apresentram espinhas
GRANULARES (Figura 7), apresentando dendríticas, axónio vertical descendente, árvore
Corpo celular em forma
granulações no citoplasma, ao serviço da De pirâmide dendrítica bipartida (dend. basais e uma dend.
recepção da informação sensitivo- apical ascendente) e um corpo celular em
sensorial, situados nas camadas II e IV, forma de pirâmide; (2) CÉLULAS DE
excitatórios e de transmissão Axónio
Dendrites basais
MARTINOTTI (Figura 12), com poucas
glutamérgica; ou FUSIFORMES (Figura 8), espinhas dendríticas, distribuição das
Figura 6 - N. estrelado
apresentando um corpo celular em forma dendrites em torno do corpo celular
de fuso, com funções de associação, localizados nas Figura 7 - N. granular Figura 11 - N. piramidais esferoidal, vertical ou horizontal, axónio
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vertical ascendente e irregularidade dos ramos colaterais do (4) Células de Schwann, que se encontram no SN periférico e são cruciais para a
axónio. regeneração neuronal e para assegurar a elasticidade dos neurónios.
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(1) Abertura dos canais de Na+;
Estes potenciais são de curta duração (cerca de 1 mseg), são elicitados segundo
a lei do tudo-ou-nada e as células nervosas codificam a intensidade da
informação pela frequência dos potenciais de ação (i.e., quando a intensidade do
estímulo aumenta, o tamanho do potencial de ação não aumenta, mas a sua
frequência aumenta). Figura 15 - Impulso elétrico nas fibras amielinizadas (esquerda) e mielinizadas (direita)
O potencial de ação geralmente ocorre na 1ª parte do axónio (segmento inicial), Transmissão Sináptica
onde a densidade de canais iónicos de Na+ dependentes da voltagem é maior do O processamento da informação no cérebro está baseado em redes de conexões
que na membrana das dendrites ou do soma. A corrente espalha-se sinápticas complexas e específicas. No ser humano, o número de sinapses é de
eletricamente (passivamente) desde das sinapses dendríticas e somáticas até
aproximadamente 1015, constituindo zonas assimétricas de contacto entre
ao segmento inicial do axónio. Se a despolarização for suficientemente forte neurónios, fortemente aderentes, morfológica e funcionalmente.
(atingir o limiar), os canais iónicos de N+ e K+ dependentes da voltagem abrem-
Existem, em média 1000-10000 sinapses por neurónio, muito embora o número
se e produzem um potencial de ação que se propaga ao longo do axónio. Nos
total de sinapses de um neurónio não seja uma propriedade intrínseca desse
neurónios não mielinizados, esta propagação é sob a forma de uma onda de
mesmo neurónio.
despolarização, seguida de perto por uma correspondente onda de repolarização.
A maioria das sinapses são químicas (uma fenda sináptica relativamente grande
Nos neurónios mielinizados, o potencial de ação também se regenera ao longo
exige a presença de neurotransmissores para a passagem do impulso nervoso -
do axónio mas, ao contrário dos outros tipos de neurónios, o potencial de ação
Figura 16) mas também há eléctricas (fenda
apenas é regenerado em cada um dos nódulos de Ranvier, onde a densidade de
sináptica mínima, com comunicação direta
canais de Na+ dependentes da voltagem é maior. O potencial de ação também
entre os canais iónicos). Nas sinapses
aparece na 1ª parte do axónio, mas a corrente propaga-se passivamente até ao
químicas, em resposta ao potencial de
primeiro nódulo de Ranvier (devido ao isolamento da bainha de mielina, que não
ação, os terminais pré-sinápticos
permite perdas de cargas iónicas do interior da membrana); nos nódulos de
altamente especializados libertam o
Ranvier a despolarização da membrana leva à abertura dos canais dependentes
neurotransmissor para a fenda sináptica.
da voltagem e a um potencial de ação (Figura 15).
O neurotransmissor difunde-se para a
Muito embora os potenciais de acção se possam elicitar nas dendrites, o seu área pós-sináptica na qual, um elaborado
limiar é muito superior ao do segmento inicial do axónio devido à menor Figura 16 - Sinapse química
aparelho de transdução de sinal medeia a
densidade de canais dependentes da voltagem.
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receção do neurotransmissor e a propagação do sinal. A forma de atuar do receptor.
neurotransmissor é pela alteração da probabilidade de o canal estar num estado O outro grande tipo de receptores não está diretamente
aberto, não induzindo um estado permanente de abertura ou fecho. ligado aos canais iónicos atuando, antes,
A diversidade da excitabilidade dendrítica depende da morfologia e da indiretamente por intermédio de proteínas G e de
distribuição dos canais (das alterações funcionais dinâmicas e dependentes da mensageiros intracelulares. As proteínas G podem ser
voltagem). consideradas como os tradutores universais de
Um canal iónico que é controlado pelos neurotransmissores (ou outras diferentes tipos de sinais extracelulares em respostas
substâncias químicas) designa-se por canal iónico ligado ao neurotransmisor celulares (por exemplo, a tradução da luz e das
(Figura 17) e estão descritas diferentes variedades de canais em função da sua substâncias gasosas e químicas dissolvidas no líquido
seletividade iónica (isto é, dos tipos de iões que podem passar por um canal) e da extracelular em impulsos nervosos). Os recetores Figura 17 - Canal iónico
ligado à voltagem
sua seletividade de neurotransmissor (isto é, do tipo de neurotransmissor que os acoplados às proteínas G designam-se por
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Dos neurotransmissores, o glutamato e o GABA são os neurotransmissores mais ocupando uma área lateral que não é mais do que uns décimos de milímetro em
abundantes a atuar nos recetores ionotrópicos, muito embora possam atuar diâmetro. Contudo, esta organização não é estática - isto é, não existe uma
em diferentes tipos de recetores metabotrópicos. Diferentes neurotransmissores divisão anatómica do neocórtice em colunas funcionais fixas e permanentes. Pelo
importantes, como a noradrenalina, a dopamina e a serotonina, exercem as suas contrário, são os circuitos corticais que “re-ativam” as suas conexões laterais em
principais ações nos receptores metabotrópicos. resposta aos sinais de controlo modulatório (provavelmente de origem não
Em síntese, devido ao facto de a distribuição dos recetores diferir, um cortical) de tal modo que, pelo menos alguns neurónios, fazem parte de diferentes
neurotransmissor pode exercer ações diferentes em diferentes partes do possíveis colunas funcionais. Esta constatação levou à presente perspetiva sobre
Tálamo
A camada II, ou granular externa, contém uma mistura de neurónios granulares inibitórios (Figura 22).
e aguns neurónios piramidais, bem como dendrites apicais das células piramidais Camada
Layer 1. Aferentes - A principal via
IV
Figure 16. Simplified schematic view of functional column interconnections. Dark symbols representparte excitatorydestas projeções são
Ganglia
basais
3. Projeções córtico-corticais e
C. Nível 3 - Organização conexional e em circuitos Figura 23 - Representação das entradas e saídas das
intracorticais - A maior parte
A organização funcional do neocórtice sugere que a forma de olhar para a colunas corticais
das projeções córtico-corticais
organização das conexões é categorizá-las em: (1) aferentes e eferentes originam-se nos neurónios
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piramidais das camadas II/III e projetam-se via substância branca. Estas células
piramidais também têm projeções para a substância cinzenta através dos seus
axónios da camada I.
Bibliografia específica
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Stuttgart
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