O Valor de Cultura
O Valor de Cultura
O Valor de Cultura
1 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
SUPERINTENDENTE ITAÚ CULTURAL
Jader Rosa
OBSERVATÓRIO
Coordenação
Luciana Modé
Equipe
Andreia Briene
Diretor
Paul Heritage
Consultoria
Leandro Valiati
Editor
Gustavo Möller
Equipe
Karina Ruiz
Mariana Steffen
Natália Nunes Aguiar
O Valor da Cultura: rumo a uma nova narrativa: Guia de Aplicação para projetos
culturais e criativos / vários autores; organizado por Observatório Itaú Cultural e
People’s Palace Projects do Brasil; dirigido por Paul Heritage; consultoria de
Leandro Valiati; editado por Gustavo Möller . - São Paulo : Itaú Cultural ; People’s
Palace Projects do Brasil , 2023.
60 p. : E-pub.
CDD 306.3
2 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
SUMÁRIO
04 APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL
06 INTRODUÇÃO
4 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
People’s Palace Projects para mediação do impacto de projetos
artísticos e culturais. Na ocasião, foi aplicada a primeira experiên-
Assista o vídeo sobre o
Manual aqui cia em cinco projetos da edição Rumos Itaú Cultural 2017-2018 e
aprimorada e validada em 2022 com 19 projetos da edição 2019-
2020. Assim nasce a pesquisa “Valor da cultura: rumo a uma nova
narrativa”, cujo objetivo é repensar as estruturas tradicionais de
mensuração do valor da cultura, utilizando referências dos cam-
pos social, artístico e econômico. A pesquisa procura identificar e
compreender as diferentes formas pelas quais a cultura é capaz de
transformar os indivíduos e contextos em seu entorno, a partir de
diferentes práticas e manifestações do campo cultural.
Com o compromisso de instrumentalizar artistas, produtores
e gestores culturais, desenvolvemos este manual a fim de divul-
gar a metodologia e o processo de sua construção – em conjunto
com as organizações e os agentes criativos parceiros –, além de
oferecer uma base a todos que queiram aprimorar suas práticas
de gestão e mensuração do valor simbólico da arte e da cultura
de seus projetos.
Boa leitura!
Itaú Cultural
5 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
INTRODUÇÃO
Qual é o valor da cultura? De que forma esse valor é definido e
mensurado, e que histórias podemos contar a partir dele? Essas são
algumas das perguntas que deram início ao debate que provocou a
realização da pesquisa “Valor da Cultura: Rumo a uma nova narra-
1
Esta pesquisa consiste tiva”1, realizada em conjunto pelo Observatório do Itaú Cultural e
em uma nova aplicação
da metodologia pelos professores Paul Heritage e Leandro Valiati (People’s Palace
desenvolvida pela
PPP, chamada Relative Projects do Brasil).
Values, que ocorreu
entre junho de 2017 e O principal objetivo da pesquisa é contribuir para a criação
maio de 2018 com 2 or-
ganizações brasileiras de uma narrativa que demonstre o valor da cultura para além de
(Agência Redes para
Juventude e Redes da medidas exclusivamente econômicas ou quantitativas, de modo
Maré) e 2 organizações
inglesas (Battersea Arts a incorporar outras dimensões que evidenciem como a cultura é
Centre e Contact Theatre).
Em 2019, o projeto capaz de alterar, de forma significativa, aqueles que estão envol-
Beyond Exchange (Rela-
tive Values II) adaptou vidos com ela, seja como realizadores, seja como consumidores.
a metodologia para
que fosse aplicada por Para isso, buscamos articular a dimensão da prática artística com
artistas e produtores
culturais, e não apenas a pesquisa, incentivando e possibilitando que indivíduos atuantes
por grandes organiza-
ções. Por último, em no campo da cultura assumam um papel protagonista na discussão
2021, o projeto Raízes
de Resiliência, em do valor da cultura.
parceria com o Insti-
tuto Inhotim, aplicou Assim, em uma primeira fase, em 2018, a pesquisa foi cocria-
a metodologia junto a
cinco organizações cul- da junto a cinco projetos selecionados pelo edital Rumos, do Itaú
turais do Quadrilátero
Ferrífero, em Minas Cultural: Editora e Gráfica Heliópolis (São Paulo, SP), Grupo Ninho
Gerais.
(Crato, CE), Hip Hop Caboclo (São Paulo, SP), Verdevez (Teresina, PI)
e Retratistas do Morro (Belo Horizonte, MG). A escolha dos projetos
foi realizada pela equipe de pesquisadores e do Observatório Itaú
Cultural, junto aos gerentes do programa Rumos. Desta primeira
fase, resultou uma série de indicadores construídos conjuntamente.
6 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
Em uma segunda fase (2021/22), trabalhamos com outros 19
projetos contemplados pelo edital de 2019 do Rumos Itaú Cultu-
2
Os projetos selecio- ral.2 No processo, foram discutidos instrumentos de pesquisa e
nados para a segunda
fase de implementação de coleta de dados, bem como os indicadores resultantes da pri-
da metodologia são os
seguintes: 10 Desertos meira fase do projeto. Essa foi a primeira vez que muitos projetos
de Erros (Porto Alegre,
RS), A Voz da Espe- participaram da pesquisa, o que fortaleceu o entendimento de
rança (Quinta Capa
Quadrinhos - Teresina, que a metodologia desenvolvida em edições anteriores pode ser
PI), Aã (Córregos Vivos
- Belo Horizonte, MG), amplamente adaptada e replicada.
Baixada Sonora (Rio
de Janeiro, RJ), BREU Assim, elaboramos este guia com o intuito de divulgar nossa
(Salvador, BA), Cine-
máquina: Memória em metodologia, bem como os indicadores propostos, além do próprio
movimento (Aracaju,
SE), Concerto para vaca processo de elaboração, em conjunto com as organizações e os
e boi (Brasília, DF), EPA!
Encontro Periférico agentes criativos parceiros desses indicadores. Com isso, objeti-
de Artes - 5ª Edição
(Salvador, BA), Festival vamos ampliar o diálogo a respeito do que se tem realizado, bem
de Circo de Taquaruçu
(Palmas, TO), Gilda como oferecer ferramentas acessíveis para avaliar o impacto do
Cartonera (Ubatuba,
SP), Memórias de um trabalho na área cultural e apresentar os resultados em linguagem
Esclerosado (Portuñol -
Porto Alegre, RS), Meu compreensível e intercambiável entre contextos diversos.
caminho até a escola
(Rio de Janeiro, RJ), O manual é dividido em sete seções, para além desta introdu-
Mocambo (Maceió, AL),
Mochileiros Arquivistas ção, que seguem a mesma lógica do processo de pesquisa. Inicia-
(Salvador, BA), O vizi-
nho silencioso (Goiâ- mos com uma breve discussão metodológica e conceitual, seguida
nia, GO), Primavera
Para as Flores Negras, de outras seis seções com as diferentes etapas de aplicação da
por Funmilayo Afro-
beat Orquestra (São metodologia. Cada etapa é dependente da anterior e permite ao
Paulo, SP), Problemas
e aspirações do negro pesquisador desenhar sua própria avaliação de acordo com as ne-
brasileiro – 3º ato (João
Pessoa, PB), Publicação cessidades intrínsecas ao seu projeto. A jornada aqui detalhada
do primeiro dicionário
bilíngue Kaiowá-Por- é, antes, um incentivo ao descobrimento de caminhos, mais do
tuguês-Kaiowá (Belo
Horizonte, MG), Yvy que uma rota já traçada. Busca-se ampliar o poder das histórias
Pyte - Coração da Terra
(Belo Horizonte, MG). e narrativas em novos formatos e abordagens. Esperamos que
seja útil a todes que, assim como nós, têm como objetivo central
explorar e demonstrar o valor da cultura.
Boa leitura!
Equipe People’s Palace Projects do Brasil
7 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
Metodologia
e questões
conceituais
8
Para compreender os efeitos que as práticas culturais propor-
cionadas por um projeto ou organização geram nos indivíduos, é
preciso levar em consideração o contexto de cada um, incluindo
seu local e forma de atuação. Com isso em mente, sugerimos uma
abordagem que procura incluir e sistematizar dados referentes a
estes três tópicos: contexto, atuação e impactos.
EIXO I: CONTEXTO
Com foco no território, inclui estatísticas (dados secun-
dários) socioeconômicas para um panorama dos territórios
com que o projeto/organização se relaciona. São utilizados
dois grupos de dados: i) caracterização socioeconômica,
representada por informações como esperança de vida ao
nascer, renda per capita, índice de GINI e escolaridade; e ii)
dimensões específicas consideradas pelos agentes criativos
parceiros como essenciais para caracterizar o território em
que atuam – como, por exemplo, dados sobre produção e
equipamentos culturais.
9 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
EIXO III: IMPACTOS
10 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
primeira etapa
CONTANDO A
SUA HISTÓRIA
11
I.Autoconhecimento: definição do trabalho
realizado e estruturação de narrativas
Para propor indicadores, é preciso saber o que desejamos me-
dir. As artes e a cultura podem ter impactos sociais e econômicos
dos mais diversos, os quais recaem sobre diferentes públicos. As-
sim, os efeitos positivos de iniciativas culturais podem percorrer
variados caminhos; assim, decidir em qual deles você quer focar é
o primeiro passo para identificar os pontos necessários para com-
preendê-los. Para isso, é importante que o trabalho desenvolvido
por você/sua equipe esteja bem definido para você(s). Perguntar-se
as questões a seguir pode ajudar a estruturar essa narrativa:
12 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
Ao responder a essas perguntas, você e sua equipe poderão
elaborar narrativas que resumem as atividades e os projetos de-
senvolvidos por vocês. A partir dessa compreensão, fica mais fácil
identificar pontos como: quem são as pessoas/os grupos de pes-
soas envolvidos no seu trabalho e impactados por ele (equipe, par-
cerias e público); os efeitos que as atividades realizadas podem ter
(objetivos e motivação); que consequências vocês esperam ver ao
realizarem suas atividades (objetivos e motivação); a abrangência
do trabalho de vocês – e de seu impacto (localização, abrangên-
cia e periodicidade); bem como a relação com os territórios onde
vocês atuam.
13 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
1. O que, do meu trabalho, eu gostaria de entender melhor? Que história
eu gostaria de contar?
4. Como documentá-la?
14 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
segunda etapa
DEFININDO
DIMENSÕES E
INDICADORES
DE IMPACTO
15
Dois paradigmas parecem orientar a discussão sobre o valor
da cultura na sociedade contemporânea. Por um lado, há a pers-
pectiva que destaca o valor intrínseco dessas práticas, que remete
ao valor essencial das práticas culturais e aos efeitos subjetivos
que elas são capazes de gerar nos indivíduos que as experienciam.
De outro lado, há a ótica que enfatiza os valores instrumentais
das práticas culturais, isto é, entendendo-as como um meio para
se alcançarem objetivos específicos – sociais ou econômicos, tais
4
HOLDEN, J. How we como inclusão social, emprego, saúde etc.4. Neste cenário, ganhou
value arts and culture.
In: Sustaining Cultural espaço o debate sobre a economia criativa, promovendo o olhar
Development. Routle-
dge, 2016. p. 39-50. sobre a contribuição dos chamados setores culturais e criativos
5
UNESCO. Creative Eco- para o desenvolvimento social e econômico dos países5.
nomy Report. 2013.
Neste guia, buscamos conciliar ambas as visões, sugerindo
uma nova abordagem. Por meio da coleta de dados junto aos par-
ticipantes e/ou público relacionado a cada projeto, voltamos nosso
foco para os impactos que as práticas artísticas e culturais são
capazes de gerar nestes indivíduos.
Para isso, propomos indicadores desses impactos. Indicadores
são ferramentas que permitem quantificar conceitos abstratos
6
JANUZZI, P. Indicado- através de evidências da realidade social6. Para isso, é importante
res sociais no Brasil.
Campinas: Alínea, assegurar que estas quantificações estejam inseridas dentro do
2001.
contexto de cada projeto e reconhecer a relevância dos(as) parti-
cipantes e suas trajetórias.
É possível identificar uma série de dimensões individuais sobre
as quais as práticas culturais geram impacto. A partir da análise da
literatura relacionada, reunimos as dimensões consideradas mais
relevantes de acordo com os objetivos da pesquisa e as caracterís-
ticas dos projetos selecionados. Seguindo a proposta de cocriação
da pesquisa, as duas etapas de trabalho – com cinco e depois com
dezenove projetos selecionados no edital Rumos – propuseram as
seguintes dimensões:
16 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
ACESSO À CULTURA
7
LACERDA, A. P. Demo-
cratização da cultura
X democracia cultural:
os pontos de cultura
enquanto política A importância da formação de públicos é questão cen-
cultural de formação
tral para a ideia de democracia cultural, que busca pro-
de público. Anais do
seminário internacio- porcionar “o acesso, fruição, produção e distribuição da
nal. Políticas culturais:
teoria e práxis, p. 1-14,
cultura por todos os cidadãos”7, compreendendo a ação
2010. cultural a partir da pequena escala8. Reside aqui uma pro-
8
LOPES, J. M. T. Da
posta de dinamização da cultura local com base em suas
democratização da próprias práticas, respeitando as referências das dife-
Cultura a um conceito
e prática alternativos rentes comunidades9 e suas trajetórias e incentivando a
de Democracia Cultu- diversidade cultural.
ral. Saber & Educar, n.
14, 2009.
9
SOUZA, V. Cidadania
Cultural: entre a demo-
cratização da cultura e
a democracia cultural.
pragMATIZES - Revista IDENTIDADE
Latino Americana de
Estudos em Cultura,
Ano 8, número 14, Entendendo que a cultura é uma forma de lente pela
semestral, out/2017 a
mar/ 2018 qual os indivíduos enxergam e constituem a realidade,
compreendemos que ela é também “condição para a cons-
trução da história e da memória de um povo e, portanto,
formadora da sua identidade”.10 Assim, temos nas práticas
e nas ações culturais a possibilidade de representação
10
BARROS, J. N. Cultura,
Memória e Identidade:
da memória e da cultura de um povo, reforçando a sua
contribuição ao identidade – ou não, na medida em que essa história, essa
debate. Cad. hist., Belo
Horizonte, v. 4, n. 5, p.
memória, é ou não contada. Para Pollak (1992), memória e
31-36, dez. 1999 identidade são valores disputados, sendo que a memória
tem um papel fundamental enquanto elemento consti-
tuinte da identidade, na medida em que contribui para o
sentimento de continuidade dentro do tempo e de coe-
rência do indivíduo, elementos essenciais da construção
11
POLLAK, M. Memória da identidade11.
e Identidade Social.
Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol. 5, n. 10,
1992, p. 200-212.
17 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
AUTOCONFIANÇA
REDES
13
HAMPSHIR, K. R.;
MATTHIJSSE, M. 2 Can
arts projects improve
young people’s well-
being? A social capital A concepção de redes sociais utilizada remete ao con-
approach. Social Scien-
ce & Medicine, 71,
ceito de capital social e enfatiza a construção de relações
p.708-716, 2010. duradouras entre os indivíduos. Com frequência, a litera-
tura traz esse processo associado à noção de bem-estar,
14
Para uma discus- sobretudo demonstrando que a construção de relações
são aprofundada
sobre a importância sociais pode implicar melhor saúde física e mental13. Para
e os benefícios da os fins deste guia, consideramos que a construção destas
construção de redes
sociais, ver: PORTELA, redes tem por si só importância, sem nos ater aos poten-
Marta; NEIRA, Isabel; ciais benefícios daí decorrentes14.
DEL MAR SALINAS-JI-
MÉNEZ, Maria. Social
capital and subjective
wellbeing in Europe:
A new approach on
social capital. Social
Indicators Research, v.
114, n. 2, p. 493-511,
2013.
18 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
TERRITÓRIO
O conceito de democracia cultural, já mencionado aqui,
chama a atenção para a ação cultural encarada “de baixo
15
Lopes (2009), grifos do para cima e de dentro para fora”15, isto é, emanando principal-
original.
mente do local em que é realizada segundo os repertórios
compartilhados pela comunidade. Nesse sentido, entra em
questão a ideia de território, entendido sob a perspectiva
da relação entre a identidade de uma comunidade e o
16
POLLICE, F. Traduzido espaço que esta ocupa16. A forma pela qual as práticas cul-
por OLIVEIRA, A. G.; turais proporcionadas pelos projetos selecionados afetam
CRIONI, R.; OLIVEIRA,
B. A. C. C. O papel da a relação dos participantes com os territórios abordados
identidade territorial – sendo ou não os de residência destes indivíduos –, cons-
nos processos de
desenvolvimento local. titui uma das dimensões de potencial impacto da cultura.
Espaço e cultura, UERJ,
RJ, n. 27, p. 7-23, jan./
jun. De 2010
ENGAJAMENTO
A última dimensão que trazemos trata do engajamento
social, entendido como ações conscientes e públicas, se-
jam individuais, sejam coletivas, realizadas para identificar
17
STERN, M. J.; SEIFERT, e tratar questões de interesse público17. Embora não seja
S. C. Civic Engagement uma demanda explícita dos projetos, entendemos que as
and the Arts: Issues
of Conceptualization questões que abordam e/ou as formas como se relacio-
and Measurement. nam com os participantes podem gerar impactos desta
Washington DC: Ameri-
cans for the Arts, 2009. natureza nos indivíduos, provocando reflexões de cunho
Disponível em: https:// político-social e ações propositivas.
animatingdemocracy.
org/sites/default/files/ Cada uma dessas dimensões conceituais pode se des-
CE_Arts_SternSeifert.
dobrar em diferentes características específicas, que cha-
pdf. Acessos em julho
de 2019. mamos de indicadores. Uma vez que você tenha refletido
sobre qual dimensão melhor se adequa a sua realidade,
tente elaborar/escolher indicadores que representem es-
sas dimensões. Essa é a temática da subseção seguinte.
19 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
I. Indicadores
Indicadores são ferramentas analíticas que sistematizam
informações da realidade por meio de códigos. Com isso, somos
capazes de organizar bancos de dados contendo variáveis que
representam informações mais ou menos objetivas (como o grau
de escolaridade de uma pessoa) ou abstratas (como a sensação
de bem-estar). Os indicadores expressam, portanto, propostas de
como medir atributos e fenômenos por meio de taxas ou índices,
compostos por uma ou mais variáveis. Neste guia, propomos in-
dicadores que sejam capazes de apreender o valor das atividades
culturais e artísticas desempenhadas por você/sua organização a
partir das dimensões conceituais supramencionadas.
Para elaborar indicadores, procure pensar sobre o que já se
sabe a respeito das pessoas afetadas pelo seu trabalho e quais
são os dados sociodemográficos disponíveis:
20 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
6. Quais são os índices de criminalidade no local?
7. É um bairro/comunidade centralizado ou periférico?
8. Como é o acesso das pessoas a eventos de arte e cultura?
21 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
DIMENSÃO INDICADOR DEFINIÇÃO
Conhecimento de temas antes não familiares, incluindo, mas não restrito aos
seguintes tópicos: Cultura afro-brasileira; Culturas indígenas; Representatividade e/
ou direitos da população LGBTQIA+ (incluindo pessoas não-binárias); Acessibilidade
e direitos de pessoas com deficiência; Saúde pública; Preservação do meio ambiente;
Preconceito racial ou Violência racial (a depender do projeto); Violência policial;
Violência contra mulheres e meninas; Intolerância religiosa; História de grupos
sociais marginalizados; Literatura não convencional; Cinema não convencional e/
Acesso à cultura Exposição a temas ou periférico; Culturas regionais; Tecnologia e sociedade; Cultura sonora; Práticas e
atividades lúdicas/de entretenimento; Patrimônios culturais e imateriais; Preservação
cultural e memória; Preservação audiovisual; Lutas populares e mobilização social;
Ritmos africanos; Manifestações culturais populares e/ou regionais; Vigilância
digital; Direito e cidadania digital; Produção cultural e curadoria; Políticas públicas
de cultura; Mercado da música; Estrutura e planejamento urbano; Preconceito social
ou cultural; Culturas regionais; História familiar e atavismo; Questões de classe;
Políticas públicas de demarcação de terras indígenas; Conflitos geracionais.
Acesso à cultura Atividades culturais Aumento de frequência nas práticas de atividades culturais e criativas diversas.
Estabelecimento de
Ampliação ou criação de contatos profissionais
Redes redes de contato
relacionados às profissões culturais e criativas.
profissional
Estabelecimento
Redes de redes de Ampliação ou criação de contatos de maneira generalizadas.
contato pessoal
Identificação com Identificação direta com uma determinada comunidade, que pode
Identidade
uma comunidade ser racial, territorial, de ofício, de hábitos ou gostos etc.
Ocupação de
Território Reposicionamento da percepção sobre o espaço mais amplo da cidade e/ou território.
novos lugares
Atenção para Geração de ações conscientes e públicas, sejam elas individuais ou coletivas,
Engajamento
questões sociais realizadas para identificar e tratar questões de interesse público.
Percepção sobre
Engajamento Viabilização de reflexões de cunho político-social e ações propositivas.
arte e política
22 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
terceira etapa
ELABORANDO
QUESTÕES
23
I. Termo de consentimento e conduta ética
Por mais que, algumas vezes, o fato de a pessoa saber que
está participando de uma pesquisa influencie as suas respostas,
é necessário sempre deixar claro para as pessoas que se trata de
uma pesquisa e que elas podem desistir de responder ao questio-
nário a qualquer momento.
Para garantir que as pessoas recebam todas as informações
necessárias para decidirem se responderão ou não ao questionário
e para que elas possam expressar claramente se aceitam ou não
participar da pesquisa, construa um termo de consentimento. Nele:
24 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
ATENÇÃO:
Questões binárias
25 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
Atenção: em geral, tratam-se de questões que representam in-
terpretações limitadas/limitantes de um dado fenômeno.
26 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
“Outro(a)”. Nesse caso, essa opção funciona como uma questão
aberta, onde a pessoa pode inserir qualquer resposta.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
27 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
a. Escala Likert
Questões de classificação
28 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
Exemplo: Dos 19 projetos contemplados pelo edital Rumos
Itaú Cultural e participantes do projeto Relative Values, da
People’s Palace Projects do Brasil, indique quais são os seus
três favoritos, em ordem de preferência:
( ) Projeto A
( ) Projeto Ф
( ) Projeto γ
( ) Projeto ч
( ) Projeto X
( ) Projeto ζ
Questões abertas
29 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
O detalhamento de algumas informações e a inclusão de de-
terminadas questões dependem das necessidades da pesquisa,
como é o caso do local de moradia: você pode desejar saber o
estado, o município, o distrito ou até o bairro onde alguém vive.
Do mesmo modo, ao perguntar o gênero de alguém, podem-se
oferecer as opções “feminino”, “masculino”, sem distinção entre
pessoas cis e trans, ou pode ser preciso coletar dados mais deta-
lhados. Outro exemplo é a ocupação: para alguns, saber qual é o
trabalho das pessoas também é relevante, e não apenas sua renda.
Assim, estabeleça quais informações sociodemográficas são
importantes para traçar o perfil do seu público-alvo e proponha
questões que consigam acessá-las. A seguir, apresentamos as
questões utilizadas na edição de 2021/22 do projeto.
30 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
VARIÁVEL PERGUNTA OPÇÕES DE RESPOSTA OPÇÃO “OUTRO(A)”
Em que município
Município - -
você reside?
Nunca estudei
Ensino Fundamental incompleto
Ensino Fundamental completo
Qual a sua Ensino Médio incompleto
Escol. -
escolaridade? Ensino Médio completo
Ensino Superior incompleto
Ensino Superior completo
Pós-graduação
Qual é, mais ou
menos, a renda
mensal na sua Até 1 salário-mínimo
casa? Ou seja, Mais de 1 até 3 salários-mínimos
Renda qual é a soma Mais de 3 até 6 salários-mínimos -
da renda de Mais de 6 até 9 salários-mínimos
todas as pessoas Mais de 10 salários-mínimos
que moram na
sua casa?
Negra
Você se identifica Branca “Outra”
como sendo de Amarela – Especificar “Especifique (caso tenha
Raça
qual raça ou origem familiar (chinesa, respondido Amarela,
origem étnica? coreana, japonesa etc.) Indígena ou Outra)”
Indígena – Especificar etnia
31 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
TIPO DE
DIMENSÃO INDICADOR QUESTÃO
QUESTÃO
Estabelecimento
Você conheceu (novos) artistas, produtores
de redes
Redes Likert ou outros profissionais na área da cultura
de contato
através do [nome do projeto]?
profissional
Estabelecimento
É possível dizer que você conheceu novas pessoas
Redes de redes de Likert
através do seu contato com o [nome do projeto]?
contato pessoal
32 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
quarta etapa
COLETANDO DADOS
33
I. Com quantas pessoas falar
A quantidade de pessoas que você precisará consultar para
obter as informações de que precisa depende diretamente do que
você decidiu pesquisar (qual história você quer contar) e, portanto,
do seu público-alvo. Por exemplo, se você quer entender como
seu último projeto, realizado em uma comunidade quilombola,
impactou sua equipe, então, seu público-alvo será a equipe que
trabalhou com você neste projeto. Essa equipe, por sua vez, pode
ser composta por 4, 10 ou 30 pessoas e isso influenciará sua abor-
dagem. Se você tiver uma equipe reduzida, a imersão nas informa-
ções que essas pessoas têm para te passar, em suas experiências
e narrativas, será muito maior. Por outro lado, se sua equipe for
grande, a melhor abordagem é aplicar questionários fechados,
com perguntas e opções de resposta pré-definidas a esse público.
Quando você tem um público-alvo extenso, você pode tentar
alcançar todas as pessoas que o compõem ou apenas uma parcela
dessas pessoas, que chamamos de amostra. Uma amostra pode
representar todas as pessoas de um grupo grande em relação a
vários aspectos (como idade, renda, gênero, atitudes e opiniões,
por exemplo). Existem fórmulas e técnicas para se construírem
amostras representativas de uma população-alvo. No entanto,
esses aspectos técnicos são necessários quando o objetivo da
pesquisa é apresentar um retrato fiel de um grupo muito grande.
E parte das técnicas para formular amostras requer que haja in-
formações prévias sobre o público geral.
No nosso caso, porém, o objetivo da pesquisa é conhecer um
grupo de pessoas e entender como ele pode ser impactado por
nossas ações culturais e artísticas. Por isso, mais do que se preo-
cupar com cálculos amostrais e margens de erro, o importante é
procurar alcançar o maior número de pessoas possível dentro do
universo escolhido como público-alvo da pesquisa e buscar incluir
pessoas diversas em suas características. Por exemplo, se você
34 O VALOR DA CULTURA: RUMO A UMA NOVA NARRATIVA – GUIA DE APLICAÇÃO PARA PROJETOS CULTURAIS E CRIATIVOS
decidir analisar o impacto de um projeto que só envolveu mulheres
negras, incluir várias faixas de idade na pesquisa é importante. Por
outro lado, se você for avaliar o impacto de seus vários projetos,
é importante conversar com pessoas que fizeram parte de cada
um desses projetos, sem excluir nenhuma.
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preenche o questionário em papel ou em um aparelho eletrôni-
co. Outra maneira de você mesmo(a) preencher o questionário é
aplicando-o por telefone com a pessoa entrevistada. Finalmente,
você pode optar por enviar um link em formulários online para
que a própria pessoa responda a pesquisa. Cada uma dessas al-
ternativas tem vantagens e desvantagens, além de apresentarem
algumas especificidades na coleta de respostas e montagem do
banco de dados.
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I.II. Aplicação por telefone
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quinta etapa
ANALISANDO
SEUS DADOS
38
I. Primeiramente, você deve explorar seu banco
de dados: examinar cada variável e o número
Conheça
de respostas recebidas, além de avaliar onde
seus dados há mais respostas faltando e identificar uma ou
outra tendência.
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IV. Tabelas são estruturas usadas para organizar
dados. Ao passo que em uma tabela de frequên-
Faça
cia simples vemos informações sobre uma única
análises variável, que pode ser categórica ou numérica,
combinadas nas tabelas cruzadas estruturamos comparati-
vamente duas ou mais variáveis categóricas. Por
isso, essas tabelas têm dois sentidos de análise:
as colunas e as linhas.
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V. Existem vários softwares para análise e
Programas visualização de dados quantitativos, como, por
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sexta etapa
APRESENTANDO
OS RESULTADOS
42
Para além de analisar nossos dados e gerar tabelas, gráficos
e outras figuras que auxiliam a visualização e a compreensão dos
resultados, a forma como apresentamos as nossas descobertas
também merece atenção. Por isso, é importante estruturar nossos
relatórios de maneira estratégica, didática e atrativa, bem como
acessar outras fontes de evidência para nossas conclusões, pro-
postas e demandas.
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3. Impacto: finalmente, é o momento de apresentar os resul-
tados centrais da análise de impacto que foi desenvolvida
sobre seu projeto/sua organização. Para organizar seus
achados, separe as principais conclusões por temas (di-
mensões) e os costure de maneira coerente, sem deixá-los
soltos no relatório.
• Imagens.
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III. Como lidar com resultados negativos
Se houver resultados negativos (ou seja, se aquilo que você
imaginou previamente não foi amparado pelos dados), desafiado-
res ou contestadores, procure apresentá-los em conjunto com uma
proposta de enfrentamento ou solução. Resultados inesperados e
negativos fazem parte do cotidiano de pesquisas e não deixam de
enriquecer o debate e as alternativas de atividades futuras. Por
isso, não é preciso se preocupar ou focar apenas esses resultados.
O importante é procurar entender por que você obteve esses re-
sultados e como lidar com essa informação de maneira propositiva.
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