Rynaldo Papoy - Metadimensão

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METADIMENSÃO
Contos de ficção científica de Rynaldo Papoy
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PARTE I

1 – DESTINO: CENTRO DA GALÁXIA

Observamos que o raio-X não era uniforme. Havia uma flutuação, como se houvesse
um objeto gigantesco interferindo na emissão de raio-x do Grande Buraco-Negro do
Centro da Galáxia.

De longe, parecia estático. Ou seguindo a mesma rotação do GBNCG.

Mas quando ampliamos sinteticamente a imagem, percebemos que o objeto de 6.000


km de extensão havia deixado um rastro contrário ao sentido de rotação do buraco-
negro, o que nos pareceu bastante estranho.

Tudo bem que há muitos corpos celestes que giram ao redor de outros em sentido
oposto, mas presumíamos que um objeto sugado por um buraco-negro fosse girar no
mesmo sentido do ralo gravitacional, em velocidade absurdamente alta. O mais estranho
de tudo era o fato de que o movimento havia sido abortado e agora o objeto estava
entregue à força gravitacional do GBNCG e ficaria girando por ali durante milhões de
anos, até ser esmagado completamente.

Tivemos sorte em descobrir este objeto misterioso dentro do GBNCG. Sendo um


supermassivo buraco-negro com um Horizonte de Eventos maior do que o nosso
Sistema Solar, estivesse o objeto do outro lado, dificilmente saberíamos de sua
existência, já que o seu período de translação seria de mais de 1.000 anos terrestres.

Mas o que seria este objeto?

O mais provável é que seria apenas um asteróide pertencente a algum Sistema Solar
próximo, que havia sido capturado pelo buraco-negro, entre outros que já deveriam ter
sido sugados ou que estavam a caminho. Prova de que o buracão galáctico estava
interessado em devorar as estrelas vizinhas, da região também conhecida como
Sagitário A.

No fundo, todos pensávamos a mesma coisa, mas não tínhamos coragem de admitir:
talvez o objeto fosse uma espaçonave inacreditavelmente grande, que havia caído por
acidente no Horizonte de Eventos e não havia conseguido sair dali.

Como uma civilização extraterrestre tão avançada, capaz de construir uma nave de
6.000 km, havia cometido a barberagem de não perceber o buraco negro e ser
aprisionada por ele?

Fomos até lá.

Eu e meus colegas do Instituto enviamos a sonda I.T.A. 5.3 e a estacionamos a uma


distância segura, 1 ano-luz do GBNCG.
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Nunca tínhamos visto um buraco negro supermassivo tão de perto.

Sua invisibilidade era o que mais se via ali, pois a mancha negra gerada no espaço era
milhares de vezes maior do que qualquer estrela. A expressão “buraco negro” era
totalmente apropriada, pois a imagem da não-imagem era como um gigantesco furo no
espaço. Efeito potencializado pelo fato de que o centro da galáxia tinha muito mais
estrelas concentradas no espaço do que na nossa periferia, onde se localizava o Sistema
Solar.

O GBNCG, que logo batizamos de “Caçapa”, só podia ser “visto” sinteticamente,


através da análise do espectro eletromagnético emitido por ele.

E lá estava a coisa de 6.000 km, como um tumor que não conseguiu se auto-extirpar.

Testaríamos a nossa nova invenção. Mandaríamos uma sub-sonda para dentro do


Horizonte de Eventos, que transmitiria informações por sub-ondas. Não poderíamos
estragar nossa sonda I.T.A 5.3 de 600 milhões de dólares, pois o Instituto não nos
financiaria outra nem tão cedo.

Quando a Sub entrou no H.E., começou a transmitir.

Tivemos uma nova concepção de buraco negro, que não poderia mais ser chamado de
“buraco negro”, mas “buraco fractal”.

Pois embora a luz não pudesse escapar do buraco negro, ela ficava dando voltas nele,
até ser sugada.

E um buraco negro absorvia luz de todo o Universo.

Portanto, o espetáculo fractal seria eterno, até que toda a luz do Universo se esgotasse,
o que não iria acontecer jamais.

O objeto misterioso de 6.000 km estava ali.

De fato, era uma nave espacial gigantesca. Jamais imaginamos que alguém construiria
uma nave daquele tamanho. Uma nave quase do tamanho de um pequeno planeta.

Mas a imagem da nave estava bastante distorcida, devido à gravidade do buraco-


negro, que causava aquele efeito fractal.

A Sub entrou cautelosamente na nave, sempre nos transmitindo as imagens em forma


de sub-ondas.

A radiação do GBNCG havia matado a todos, por isso a super nave estava à deriva.

Os milhões de tripulantes da nave eram parecidos com espermatozóides. Um corpo


sem braços ou pernas ou cabeça, unido a uma longa cauda.

Estavam esparramados pelos corredores, grudados nas paredes, queimados e semi-


esmagados. Muitos estavam lesionados, com suas tripas caindo para fora do corpo.
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Os compartimentos da nave eram difíceis de ser decifrados.

Difícil saber onde era a proa, a popa, o motor, a sala de comando. Muito menos
sabíamos como procurar a caixa-preta da nave, ou diário de bordo, para saber o que
havia acontecido com ela.

Durante várias semanas, a Sub passeou por dentro da nave, tentando achar alguma
explicação.

Como é que aqueles seres registravam seu pensamento? Com certeza o conhecimento
daquele povo estaria registrado em algum lugar, só não sabíamos onde.

17 anos depois, percebemos que outra nave gigantesca, idêntica à primeira, estava se
aproximando da Caçapa.

Aquilo não parecia um acidente, mas um suicídio.

Mandamos a I.T.A 7.2 até lá. Nosso objetivo era alertá-los sobre o perigo de entrar no
Horizonte de Eventos de um buraco-negro.

Ao chegar perto, descobrimos como eles se comunicavam: através de linguagem de


sinais formados pelas caudas. Para quem achava que extraterrestres comunicavam-se
por telepatia, isto seria uma surpresa.

Em alguns dias, conseguimos traduzir a maior parte dos sinais e tentaríamos conversar
com eles, projetando sinais parecidos, através da I.T.A 7.2.

- Viemos em paz. Somos da Terra, um planeta pertencente ao Sistema Solar, na


periferia da Via Láctea. De que planeta vocês são?
- Planeta 1. O último planeta em que vivemos, antes do renascimento. Nosso povo
passa por cinco planetas que são como estágios evolutivos. Depois do 1, temos
que partir para o Fim, onde nossa vida é purificada e renascemos outra vez no
planeta 6.
Eles nos mostraram o Sistema Solar deles. Era exatamente SO-2, a estrela que
orbita a Caçapa. Mas não estávamos entendendo a conversa deles.
Perguntamos porque estavam se atirando no buraco negro.

Eles nos responderam novamente que todos os anos [equivalente a 17 anos


terrestres], os mais velhos do planeta 1 partiam para o buraco negro, onde
acreditavam que reencarnariam no planeta 6.

Era bem óbvio entender que se você vive ao lado de um buraco negro como a
Caçapa, vai crescer acreditando que é uma espécie de divindade.

Tentamos explicar aos espermatozóides de SO-2 que estavam equivocados.


Havíamos encontrado a nave anterior deles e não apenas os colegas deles estavam
mortos, como tentaram voltar, fugindo do buraco negro. Sem sucesso.
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- Seres da Terra, vocês não são os primeiros nem serão os últimos a tentar mudar
nosso destino. Nós fazemos isto há tanto tempo que não sabemos quando
começou o hábito de partir para o Fim. Acreditamos que esta atividade sempre
existiu, desde o início da nossa vida.
Projetamos a eles as imagens dos mortos, mas mantiveram-se impassíveis.

- Sentimos que sua intenção é boa, seres da Terra. Como também foi a de outros
que nos visitaram no passado. Mas partir para o Fim e renascer é como uma
função vital. Jamais foi diferente. Jamais alguém de nossa espécie permaneceu
no Planeta 1. Todos embarcaram e partiram. Sempre foi assim e continuará
assim para sempre.
Sem ter como dissuadi-los, despedimo-nos e acompanhamos sua jornada.

Da mesma maneira que a nave anterior, ao chegar no Horizonte de Eventos todos


se desesperaram e tentaram mudar o curso da nave, para retira-la do buraco negro.
Gritaram por socorro, imploraram para que os ajudássemos, mas não sabíamos
como retirar uma espaçonave de 6.000 km de dentro de um buraco-negro.

Agora nós sabemos. Fizemos experiências com outras embarcações de SO-2, que
ainda estavam girando no Horizonte de Eventos. Encontramos mais de 2 mil
veículos suicidas, provando que eles faziam aquilo há mais de 34 mil anos.

A I.T.A 9.1 vai esperar apenas que eles nos peçam ajuda para sair da Caçapa e os
retiraremos de lá.

Vamos ensinar aos colegas de SO-2 que nós não nos ajoelhamos frente à matéria.
Que nós temos alma e controlamos nosso destino.

2 – A LUA DE SAGAN [SAGAN/G6/EF-ERIDANUS A]

De acordo com Carl Sagan, astrônomo e biólogo nova-iorquino do século 20, as


civilizações tecnológicas [semelhantes à humana] espalhavam-se pela galáxia a uma
distância média de 300 anos-luz umas das outras.

Logo, quando a Lua gelada do sexto planeta gigante de EF-Eridanus A, a 300 anos-luz
da Terra, revelou vida tecnológica, esta foi imediatamente batizada de Sagan/G6/EF-
Eridanus A, ou simplesmente “Lua de Sagan”.

Não era o primeiro corpo espacial com vida. Nem também o primeiro com vida
inteligente.

No entanto, era o primeiro com uma tecnologia avançada semelhante à terrestre.

Possuíam estações espaciais. Naves velozes podiam ser vistas ao redor da lua.
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Os astrobiólogos acreditaram que, por acaso, a Lua de Sagan não mantivera contato
com a Terra antes. Descobrimos o planeta de maneira acidentalmente pioneira. Pois a
Lua de Sagan estava próxima de descobrir a mecânica extra-dimensional, como já fizera
a Terra.

Se tivéssemos que esperar simples ondas de rádio inteligentes, cruzando o espaço-


tempo, descobriríamos a Lua de Sagan apenas no século 22. Porém, certamente a
civilização de EF-Eridanus A nos encontraria antes.

Enfim a Terra receberia os tão esperados visitantes das estrelas, que não eram
homenzinhos verdes de olhos grandes, mas anelídeos coloridos, cujos anéis se
recombinavam milhares de vezes por dia.

Não fossem os artefatos construídos por esses anelídeos, a Lua passaria por mais um
objeto galáctico primitivo, ainda na fase protozoária.

As “minhocas inteligentes” da Lua de Sagan viviam dentro do gelo que formava a


superfície do satélite e aqueciam-se produzindo raios-gama durante a recombinação dos
anéis.

O calor gerado estava no limite que ainda manteria a Lua de Sagan congelada. Um
pequeno desequilíbrio ecológico, como o aumento da população ou a introdução de uma
nova espécie [por exemplo, humana], derreteria a Lua, matando as minhocas, ou
diminuiria a temperatura, também colocando em risco a vida daquela civilização.

Estávamos, no entanto, diante de um fato inédito. De acordo com a Ética Espacial, os


humanos não poderiam interferir no destino de uma civilização inteligente, a não ser
que esta estivesse em risco de extinção, quando a interferência deveria ser anônima. Isto
é, sem que a civilização soubesse de nossa existência.

No entanto, como agir diante de uma civilização tecnológica? Como calcular a reação
de uma civilização avançada à descoberta de outra civilização no mesmo degrau
evolutivo? Por que não compartilhar conhecimento com este povo?

Poderíamos ensinar a tecnologia extra-dimensional a este povo e eles nos ensinariam a


produzir energia com raios-gama ou nos ensinariam a sobreviver e evoluir num
ambiente inóspito e sem biodiversidade, como uma Lua formada por gelo.

Como as minhocas se alimentavam? Como respiravam?

O encontro com os humanos, no entanto, tornou-se inevitável.

Se ensinássemos a extra-tecnologia a Lua de Sagan, fatalmente toparíamos com eles


em alguma encruzilhada cósmica.

Como cruzar com uma nave das minhocas e nem falar “oi”?

Devido à impossibilidade de mantermos distância das civilizações tecnológicas,


decidimos manter contato com Sagan/G6/EF-Eridanus A.
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Em primeiro lugar, seria preciso traduzir a linguagem das minhocas e falar na língua
deles.

As minhocas comunicavam-se por ícones ou outro tipo de linguagem?

Quando há muitas dúvidas, o melhor método de resolver um problema é através do


mais simples.

Simplesmente as 18 naves terrestres deixaram a extra-dimensão e iniciaram a manobra


de pouso na Lua de Sagan.

As gigantescas minhocas nos rodearam, curiosas.

As menores minhocas pareciam ter mais de 100 metros de comprimento e


combinavam cerca de 500 anéis. Enquanto as maiores chegavam a 1 km de extensão,
com milhares de anéis.

Embora as trocas de anéis fossem constantes, os anelídeos mantinham o mesmo


tamanho e a mesma forma no espaço.

Não eram capazes de flutuar sozinhas. Enrolavam-se umas às outras, formando


espirais que chegavam a dezenas de quilômetros de altura.

De túneis artificiais gigantescos, espaçonaves velozes foram lançadas ao redor das


naves terrestres, enquanto os habitantes parecem ter recebido ordens para se afastar.

Os humanos deduziram que eram a patrulha. Acharam a idéia interessante. Já estavam


preparados para proteger o mundo deles. Experiência ou instinto inerente a todos os
seres vivos do Universo?

Não ficamos com medo, afinal, antes que uma bomba fosse lançada à velocidade da
luz na nossa direção, escaparíamos do espaço-tempo. As naves humanas eram
inatingíveis.

Pousamos num planalto equatorial. A patrulha continuou a nossa espreita.

Descemos das naves, um a um. 425 missionários.

Projetamos uma imagem tridimensional da Via Láctea, com destaque para o Sistema
Solar e EF-Eridanus. Uma animação gráfica ilustrava a trajetória das naves terrestres em
direção a Lua de Sagan.

Nos corpos das minhocas surgiram imagens dos nossos neurônios. Eles haviam
descoberto como funcionava nosso pensamento. Leram nossas mentes e nos
introduziram tudo aquilo que precisávamos saber.

O que disseram, utilizando nossa própria forma de expressão, nos deixou arrasados:

- Humanos, bem-vindos a nosso satélite que vocês chamam Lua de Sagan. Nome
que nos parece interessante. Podemos dizer que é uma honra para nós receber
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visita de seres tão avançados e curiosos. No entanto, devemos lhes informar que
nós já os conhecíamos há muito tempo e acompanhamos a evolução humana nos
últimos mil anos, desde que descobrimos o seu planeta. Certamente gostaríamos
de compartilhar tecnologia com os humanos. No entanto, isso feriria nossa ética.
O Código de Ética da Comunidade dos Seres Espaciais, da qual fazemos parte e
é constituída por milhões de outros seres tecnológicos de nossa galáxia, que os
humanos chamam de Via Láctea, não permite que seres com problemas internos
ingressem em seus quadros. No entanto, os humanos poderão acessar uma parte
de nossos arquivos, algo que vocês chamariam de “biblioteca”, onde poderão
obter informações que possam lhes auxiliar a resolver estes seus problemas
internos. Os problemas que vocês devem resolver são cinco. Alguns seres
tecnológicos da Via Láctea e de outras galáxias jamais conseguiram resolver seus
problemas internos. Outros levaram milhões de anos. Alguns resolveram em
poucos anos. Portanto, solicitamos a vocês que retornem imediatamente e não
voltem a viajar pelo espaço antes de resolver estes problemas.
- Que problemas são estes? – perguntamos.
- É bastante curioso o fato de que os humanos tem inteligência suficiente para
desenvolver tecnologia metadimensional, mas não sabe quais são seus principais
problemas internos. Só temos algo mais a dizer: Tivemos que enfrentar os
Exterminadores de Electra, que queriam eliminar a ameaça humana.
- Não brinca!
- Sim, os Exterminadores têm o hábito de eliminar seres que consideram uma
ameaça à harmonia da galáxia. Só com muita negociação conseguimos impedir
que eles destruíssem os humanos.
- O mais incrível é que não imaginávamos que haveria vida num aglomerado de
estrelas, especialmente num aglomerado tão jovem quando as Plêiades, onde fica
Electra.
- É verdade, não existe vida inteligente nas Plêiades, por estes motivos. Estávamos
só brincando com vocês, que apreciam uma boa “ficção científica”.
Que senso de humor!

Voltamos para a Terra duvidando que existisse realmente alguma Comunidade


Espacial. Mas o pedido deles abriu nossos olhos.

3 – AS TORRES

Encontramos muitos planetas com vida estranha, na Via Láctea. E tudo porque fizemos
uma descoberta acidental: a metadimensão, que aparentemente nenhum outro ser da Via
Láctea que encontramos também já descobriu.
A Via Láctea é tão grande que acho que nem todas as gerações humanas, ao menos as
gerações “homo sapiens”, darão conta de documentar toda a vida inteligente e vida
tecnológica da galáxia.
Uma das vidas que encontramos foi num lugar onde não imaginamos que haveria vida:
um disco de poeira de 20 mil anos-luz de diâmetro ao redor da Caçapa [Grande Buraco
Negro do Centro da Galáxia].
Este disco de poeira jamais poderia ser percebido aqui da Terra. Foi visto de um região
superior, já fora da galáxia, por uma sonda que mandamos até lá para fotografar
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justamente o Centro da Galáxia visto de cima.


Ficamos observando a imagem, até que alguém disse: “Isto aí ao redor da Caçapa é um
disco de poeira?”
Sim, era. E não era um simples disco de poeira. Havia planetóides no meio do disco,
como há em Kuiper.
Um destes planetóides era quase do tamanho de nosso Plutão.
E para nossa grande surpresa, ele possuía o que acreditamos ser ruínas de 500 milhões
de anos. Algo extraordinário demais para simplesmente ser contemplado de longe.
Fomos até lá.
O local era totalmente escuro e gélido. Mais de 200 graus abaixo de zero. Quando
pousamos nossas naves metadimensionais, percebemos que todo o planeta estava
coberto por torres de cerca de 100 metros de altura cada uma. Como se fossem torres de
observação. Eram todas iguais, com uns 10 metros de diâmetro, espalhadas a uma
distância de cerca de 500 metros umas das outras. As torres cobriam todo o planetóide.
Algumas estavam tortas ou caídas. Uma parte delas destruída pelo choque de outros
corpos celestes. Imediatamente batizamos o planeta de “Caçapa/Torres”.
Era uma nova modalidade de planeta. Localizado em discos de poeira ao redor de
buracos-negros.
A questão não era descobrir o porquê de ali ter surgido vida. Pois isso não nos
surpreendia mais. Vida surgia em qualquer lugar, até num disco de poeira.
O problema era: porque a vida ali havia acabado? Porque os habitantes morreram? Onde
estavam os corpos? Teriam se mudado para outro lugar, como tantos outros planetas
fósseis que encontramos?
A primeira coisa que tentamos descobrir era a funcão daquelas torres.
Com todo o cuidado, decidimos desmontar uma delas.
Era um catalisador. Transformaria a atmosfera do planetóide, se ali houvesse atmosfera.
Prova de que ali já houve atmosfera.
Tivemos a idéia de levar uma das torres para algum planeta com atmosfera. Vênus.
Instalamos a torre no alto do Monte Maxwell, que por ter 11 mil metros de altura, sua
temperatura e pressão atmosféricas eram mais baixas do que na planície. Sem contar
que o laboratório dos russos, que também ficava ali, havia alterado ainda mais as
condições climáticas do local para que pudessem construir suas instalações ali. Uma
semana depois, os russos entraram em contato conosco, avisando que a torre continuava
do mesmo jeito. Nada havia acontecido, mas eles tentariam consertá-la e fazê-la
funcionar.
Mas não tiveram sucesso. Fuçaram, fuçaram, fuçaram e ela permaneceu igual.
Normalmente, deveríamos trazer o artefato para o Museu Astro-Arqueológico do ITA.
Mas decidimos deixar a torre lá por mais um tempo, só como curiosidade, para ver se
ela voltaria a funcionar sozinha.
Seis meses depois, ela continuava do mesmo jeito.
Retornamos a Vênus para recolhê-la, mas quando chegamos perto, percebemos que ela
estava diferente: parecia estar emitindo um leve brilho, quase imperceptível, como
aqueles brinquedinhos que brilham no escuro. Avisamos aos russos que a torre parecia
estar voltando à ativa e eles decidiram monitorá-la.
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Dois meses depois, seu brilho era intenso, como um ser vivo trazido de volta à vida.
Uma luz avermelhada parecia estar sendo emitida de dentro, atravessando a parede
metálica.
Dr. Igor Pornievsky entrou em contato conosco e sentenciou:
- Isto que vocês trouxeram aqui, achando que era um equipamento abandonado, na
verdade é um ser vivo. As torres do planeta Caçapa/Torres são, na verdade, os
habitantes dormentes do planeta.
Não foram os primeiros habitantes dormentes que achamos na Via Láctea. Já havíamos
achado dormentes até em Marte. Como também há aqui na Terra.
Transferir toda uma população para outro planeta, especialmente um vizinho da Terra,
não seria algo tão fácil. Teríamos que pedir autorização da ONU e da União da Galáxia.
Não sabíamos se as Torres poderiam ser ameaçadoras. Decidimos levar todas elas para
um local isolado, um planeta atmosférico desabitado, onde o planeta habitado mais
próximo ficava a mais de 800 anos-luz. Como as Torres não eram racionais, não
pudemos perguntar a elas o porquê de estar ali no inóspito disco de poeira da Caçapa.
Talvez tivessem sido deixadas ali por alguém. Negligenciadas por algum povo sem
consciência ecológica. Mas quem?
Perguntamos aos sete seres inteligentes da região, entre eles nossos grandes amigos de
SO-2 e eles nunca tinham ouvido falar daquelas Torres, nem tampouco sabiam que ali
havia um gigantesco disco de poeira, por onde os sistemas estelares da região
trafegavam.
Ficamos um tempo lá no novo planeta das Torres, observando todas elas retornando à
vida e catalizando a atmosfera de seu novo lar. Respirando, enfim.
A Lua de Sagan mandou mensagem: “Humanos, humanos... Sempre zelando pela vida
na Galáxia.”
A ironia tradicional da Lua de Sagan sempre nos trazia profundas reflexões.

4 – AS PEDRAS

Em nossa busca por inteligências tecnológicas, inteligências racionais,


superinteligências [nunca achamos estas] ou vida extraterrrestre comum, encontramos
vários planetas onde suspeitamos haver existido vida ou mesmo vida inteligente. Ou
quem sabe tivessem sido visitados por seres inteligentes, no passado.

Por exemplo, o planeta rochoso de Ross 248, próximo da Terra [10 anos-luz], que
batizamos de Feldspato. Com o dobro do tamanho da Terra, mas com massa menor e,
portanto, gravidade menor.

Neste planeta, tudo o que havia de suspeito era uma formação rochosa insólita, como se
fossem ruínas de algum templo antigo. E quem desconfiou da formação foi uma de
nossas sondas farejadoras, a ITA 23.
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Todos os anos lançávamos sondas novas para pesquisar vestígios de vida inteligente, ao
longo da Via Láctea. As sondas eram capazes de, em apenas alguns dias, “radiografar”
um sistema solar inteiro, em busca de sinais que nos fizessem especular ali haver vida
ou já ter havido, no passado.

Entre outros dados, programamos as ITAs a deter-se em formações geológicas que lhes
parecessem artificiais, geométricas.

Obviamente que as ITAs enviaram dados que não trouxeram informações importantes.
No entanto, bem em Ross 248, logo ali na vizinhança, a ITA 23 descobriu uma
formação rochosa que nos intrigou.

Determinamos à sonda que se aproximasse do planeta e captasse imagens nítidas.

Aquele empilhamento nem de longe parecia natural.

Era uma área com cerca de vinte quilômetros quadrados, bem no equador do planeta.

As pedras tinham tamanhos diversos, entre seis metros cúbicos a quarenta metros
cúbicos. O empilhamento, no entanto, era irregular e parecia não querer dizer nada a
nossa compreensão humana.

Também nos intrigamos com o fato de que o empilhamento parecia bastante recente, já
que não havia sofrido ações naturais. As pedras estavam inteiras e pouco gastas.

A ITA 23 analisou o espectro-eletromagnético do depósito de minerais, chegando à


conclusão de que não possuíam mais do que mil anos terrestres. E eram formadas
basicamente por feldspato cálcio-sódico, um mineral raro na Terra mas abundante no
planeta de Ross 248. Por isso passamos a chamar o planeta de Feldspato.

Ficamos certos de que aquela formação rochosa não havia sido feita ali mesmo.
Obviamente havia sido construída por viajantes espaciais, com algum propósito que só
eles poderiam dizer. Decidimos procurar por outras formações semelhantes.

Programamos todas as sondas do ITA para que localizassem empilhamentos parecidos.

E a cada descoberta ficávamos arrepiados.

A tal civilização viajante deixou as formações numa área em volta do Sistema Solar,
dentro de um raio de mil anos-luz, com idades que variavam de mil a dez mil anos.

Em apenas três meses, foram identificados 76 empilhamentos semelhantes.

Mas o que significavam? E quem teria construído aquilo?

Durante nove mil anos, os nômades do espaço deixaram suas marcas em 76 planetas.
Com qual propósito?

Pedimos uma luz para nossos amigos da Lua de Sagan, que com sua infinita sabedoria
irônica, responderam:
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- Só saberão o que significa quando construírem um empilhamento igual.

Construímos com granito, numa fazenda que alugamos. Tentamos fazer o mais parecido
possível com o que vimos por aí.

Nada aconteceu.

A Lua de Sagan mandou mensagem:

- Não falamos para construir na Terra.

Era só o que faltava.

Onde empilharíamos as pedras? Na Lua? Seria um local interessante. Fácil de fazer,


devido à pouca gravidade e com bastantes pedras sobrando.

Até que alguém de nossa equipe teve uma idéia: será que os planetas onde havia o
empilhamento seguiam alguma ordem? Estariam alinhados?

Fizemos um mapa com os 76 planetas. Não parecia haver alinhamento algum.

Nova mensagem da Lua de Sagan:

- Humanos, esses geométricos...

Entendemos o significado: com nossa cabeça geométrica não poderíamos observar


alinhamento nenhum ali.

Levamos o mapa para o Professor Montessori, especialista em geometria não-


euclidiana, que assim que bateu o olho no mapa, disse:

- Este é um típico mapa que nega a si próprio. Foi feito para não ser compreendido por
nenhuma inteligência que não fosse suficientemente inteligente para compreendê-lo.
Está me parecendo um mapa geodésico. Tenho a impressão que se vocês decompuserem
o mapa, transformando-o em duas dimensões, vão descobrir o que significa.

Como não éramos especialistas em geometria não-euclidiana, pedimos para o Professor


Montessori fazer o cálculo para nós.

Ele colocou o mapa sobre sua mesa, disse “está bem, venham amanhã às 9h” e
continuou seus afazeres.

No dia seguinte, pontualmente às 9h, chegamos na sala do Professor Montessori. Ele


deixou um envelope grudado na porta, com fita adesiva.

Pegamos o envelope e, ansiosamente, o abrimos.

Uma folha impressa, com apenas uma frase: “As extremidades do mapa são Lalande
25372 e 82 Eri. No mapa de vocês, no entanto, não havia estas estrelas. Levei quase dez
minutos para descobrir quais eram. Não sei qual o começo e qual o fim.”
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Lalande 25372 e 82 Eri não tinham empilhamentos, por isso não colocamos no mapa.

Fomos até lá.

Construímos os empilhamentos e voltamos para a Terra. Deixamos ITA 23 em Lalande


25372 e ITA 31 em 82 Eri, vigiando as pilhas de pedras para ver o que aconteceria.

Então vimos.

Quem nos avisou foi o Observatório WM Keck, no Havaí.

Dois milhões de anos-luz da Via Láctea, na direção de Lalande 25372. Uma estrutura
colossal começou a se aproximar.

- Achávamos que era uma nova e pequena galáxia, nunca antes descoberta, por ser tênue
demais. De repente, ela começou a se mover na direção da Via Láctea. – informaram-
nos, do observatório.

- Qual o tamanho da estrutura?

- Inacreditavelmente grande. Parece ter o tamanho de 500 sóis.

- É um buraco-negro?

- Não. Também não é uma estrela. Nem nada conhecido. Não sabemos o que pode ter
aquele tamanho sem entrar em colapso. Mas não há com o que se preocupar. Só chegará
aqui em vinte milhões de anos.

Não tínhamos tanta certeza disto.

As pedras tinham entre mil e um milhão de anos.

Acreditamos que não tenha sido construída pela estrutura que se aproximava da Via
Láctea. Talvez uma coisa nem tivesse a haver com outra. A não ser que eles também
conhecessem a metadimensão, já que perceberam o alinhamento das pedras em tempo
real Assim como o WM Keck, através da mesma tecnologia, havia verificado sua
movimentação. E se poderiam ver em metadimensão, também poderiam viajar pelo
mesmo sistema.

Ficamos um pouco receosos. Talvez os seres que habitassem a tal estrutura fossem
hostis. Viriam para cá nos escravizar ou aniquilar com a vida na galáxia. Teríamos vinte
milhões de anos pela frente para nos preparar?

Desta vez, a Lua de Sagan não mandou nenhuma piadinha. Eles também devem ter
ficado com medo. Devem ter ficado constrangidos também, afinal foi deles a dica para
empilharmos pedras fora da Terra.

Algumas semanas depois, Professor Montessori nos mandou uma outra folha impressa:
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- Fiquei intrigado com aquele mapa e resolvi dar uma nova olhada. Fiz novos cálculos e
cheguei ao centro do mapa, que na verdade, não fica dentro da região estabelecida pelo
mapa. Coisa de geometria não-euclidiana. O centro do mapa é a Nebulosa do
Caranguejo.

Fomos até lá.

Nunca antes havíamos visitado a Nebulosa do Caranguejo, por achar que não havia nada
ali.

Mas havia.

A Nebulosa do Caranguejo era o resto de uma estrela massiva que explodiu cerca de
5200 anos antes de Cristo, segundo os chineses, que viram a supernova em 1074.

Dentro da nebulosa, existe um pequeno pulsar, com alguns quilômetros de diâmetro


mas que gira trinta vezes por segundo, com um enorme campo magnético.

Em órbita do pulsar, encontramos um objeto.

Nós, que já estivemos próximos da Caçapa [Grande Buraco Negro do Centro da


Galáxia], ficamos ainda mais impressionados com a Nebulosa de Caranguejo e seu
pulsar. Onde vivia uma civilização extragaláctica.

O objeto era um bloco esférico sólido mas sedimentado. Como se fosse uma pedra.
Camadas depositadas sobre camadas, ao longo de milhões de anos. Constituídas de um
material que não pudemos determinar. Um material que não era desta galáxia.

Eles absorviam a energia do pulsar. Alimentavam-se do pulsar.

Algo nos dizia que aquele objeto com dois quilômetros de diâmetro estava ali esperando
o resgate de sua nave-mãe. A que se aproximava da Via Láctea.

Poderíamos resolver isto facilmente. Tínhamos tecnologia para retirar o objeto dali e
mandá-lo para seus parentes, dois milhões de anos-luz de distância.

Estávamos agindo puramente por intuição.

A sub-onda envolveu o artefato. Entramos na metadimensão e levamos a esfera para a


supernave do tamanho de 500 sóis. Ficamos com vontade de ir até lá, mas não tivemos
coragem. Era muito para nós, ainda despreparados para encontrar inteligências extra-
galácticas, enquanto havia muitas outras a ser descobertas na nossa própria Via Láctea.
Um trabalho que talvez durasse toda a existência humana.

O Observatório WM Keck mandou mensagem, informando que a estrutura havia


retrocedido o curso. Ficamos um pouco aliviados. Só não ficamos totalmente aliviados
porque não estávamos certos de que havíamos realizado uma verdadeira operação de
resgate ou entregue o ouro ao bandido.
15

Decidimos viajar até a estrutura.

Foi a viagem mais longa que fizemos até hoje. Dois milhões de anos-luz.

Como é que poderia existir uma espaçonave daquele tamanho?

E como poderíamos conversar com eles?

Seriam a tal inteligência supra-racional que tanto esperamos encontrar um dia? Ou


jamais encontraríamos esta inteligência, por ser apenas lendária e ainda não surgida no
Universo?

Projetamos imagens dos empilhamentos de pedras, a frente da nave.

A nave tinha o formato de três esferas acopladas, de tonalidades um pouco diferentes.


Provavelmente os módulos haviam sido construídos consecutivamente, ao longo de
milhões e milhões de anos.

Do lado oposto da nave, surgiu nossa amiguinha, a esfera que salvamos. Ela estava mais
viva e enérgica. Sem conversarmos nada, tivemos certeza de que havíamos feito a coisa
certa.

Muitas perguntas gostaríamos de fazer à super estrutura.

De onde vieram? Para onde estavam indo? Que material era aquele? O que vieram fazer
na Via Láctea?

A pequena esfera voltou para dentro da nave. E a civilização extragaláctica continuou


sua jornada pelo Universo.

Voltamos para casa em silêncio. Alguns de nós tinham lágrimas nos olhos. Um
sentimento intenso e estranho havia nos dominado.

Fomos ver as pedras que empilhamos na fazenda.

Aquilo se tornou um monumento em homenagem a nossa missão humana: zelar pelo


prosseguimento da vida.

5 – A DESCOBERTA FINAL

Então um dia fomos visitados por uma civilização extraterrestre pela primeira vez.

Sim, era uma civilização tecnológica. Do contrário, não poderiam ter viajado pelo
espaço.

Não conheciam a metadimensão. Viajaram numa colossal espaçonave, maior ainda que
as naves de SO-2, a 1/10 da velocidade da luz.
16

Era uma nave de gerações, construída dentro de um cometa, semelhante àquelas que
encontramos.

Sabíamos que isso aconteceria um dia. Que seríamos visitados. Mas aconteceu bem
mais cedo do que supomos. Na verdade, foi uma surpresa.

Eles estacionaram próximos da Lua. O reflexo do Sol poderia ser visto a olho nu, aqui
da Terra, por isso os humanos pararam o que estavam fazendo e olharam para cima.

Desceram dos carros, saíram à janela.

Diferente do que imaginamos, ninguém sentiu medo nem entrou em pânico.

A ONU pediu que subíssemos para tentar conversar, devido a nossa experiência em
contatos extraterrestres.

Fomos até lá.

Uma porta foi aberta. Parecia um daqueles filmes antigos.

A nave realmente estava preparada para nos receber.

Acenderam as luzes de uma pista de pouso e descemos.

Olhamos para cima e não conseguimos contar quantos andares possuía a estrutura.

Sem receio algum, descemos de nossas naves.

Retiramos os escafandros, pois havia oxigênio, pressão atmosférica e gravidade iguais


as da Terra. Era como um sonho.

Uma espécie de hangar foi aberto, a nossa direita e de lá aproximaram-se entidades


flutuantes que pareciam mosquitos. Gigantes, com quatro metros de altura. Flutuavam
cerca de meio metro acima do chão. O primeiro encontro com extraterrestres era sempre
a parte mais arrepiante.

Tivemos a impressão que eles entenderiam nosso idioma. Arriscamos em português


mesmo:

- Sejam bem-vindos. Estão no Sistema Solar e este é o planeta Terra.

Um dos mosquitões aproximou-se mais. Confesso que eu estava tremendo de medo.

Ele vibrou a cabeça, emitindo um som grave e forte, que fez apitar nossos ouvidos.

O som foi “traduzido” por um sistema de som que havia dentro do “hangar”. Uma
autêntica caixa acústica formada por dois blocos retangulares unidos por um cilindro,
também flutuante. A tradução foi esta:

- Atravessamos a galáxia em busca da inteligência supraracional.


17

- Que coincidência. – respondemos. – Passamos a vida toda buscando a mesma coisa.

Mais um zumbido ensurdecedor e a tradução:

- Antes de partirmos de nosso mundo, nossos ancestrais sonhavam com uma


inteligência superior a nossa. Uma inteligência capaz de viajar pelo Universo,
cancelando o tempo e o espaço. Por algum motivo, eles sabiam que estes seres existiam
em alguma parte de nossa galáxia e deveríamos um dia tentar encontrá-los para que eles
nos ensinassem como fazer isto.

Entreolhamo-nos. Não poderia ser verdade o que o mosquitão estava dizendo. Ele
continuou:

- Quando conseguimos construir nossa nave de gerações, partimos. Deixamos para trás
nossos familiares, nosso mundo e nossa história. Cem anos atrás, descobrimos a Terra.
Aprendemos seus idiomas e resolvemos construir um módulo dentro de nossa nave que
reproduzisse as condições atmosféricas e gravitacionais de seu planeta, pois passamos a
sonhar que vocês nos visitariam. Também sabíamos que a inteligência supraracional nos
receberia calorosamente. Muito obrigado.

- Esperem aí, nós não somos os supraracionais. – falamos.

O mosquitão vibrou sua cabeça gigante e concluiu:

- Nossos ancestrais também nos disseram que os supraracionais iriam negar ser
supraracionais. Porque o momento de nosso encontro seria o tempo zero do nascimento
de sua civilização supraracional.

PARTE II

0 – PROFESSORES-ROBÔS

Quando a computação quântica popularizou-se, na década passada, os


professores humanos começaram a ser substituídos por professores-robôs, não-apenas
milhares de vezes mais eficazes do que os humanos, como também excelentes tutores,
quase substituindo o papel do pai e da mãe na formação das crianças e adolescentes.

O custo de cada professor-robô, especialmente destinado à educação elementar e


parcialmente à média, incluindo sua manutenção, equivalia a não mais do que seis
meses de mensalidades numa boa escola.
18

O professor-robô adaptava-se a cada criança e adolescente, ao contrário da


educação clássica, em que os filhos/alunos eram obrigados a tentar adaptar-se aos pais.

A dedicação de cada professor-robô era integral e exclusiva, diferentes dos lares


e escolas.

Alguns críticos alertavam para o fato de que as crianças e adolescentes poderiam


crescer dependentes de atenção e auxílio e de que pais e filhos seriam afastados. No
entanto, os professores-robôs resultaram também no oposto. Não apenas os professores-
robôs incentivavam a independência das crianças e adolescentes, como também
zelavam pelo contato próximo entre pais e filhos. E além disto, surgiu um fenômeno
não planejado: crescia-se com muito mais segurança ao saber que “alguém” estava por
perto.

Professores-robôs demonstraram também extrema eficácia em manter ou afastar


adolescentes de drogas, crimes ou sexo inseguro. O número de viciados, criminosos ou
mães adolescentes despencou para quase zero.

Os mesmos críticos também comentavam que faltaria um elemento essencial na


educação: a empatia. Mas isto também foi resolvido. Os professores-robôs possuíam
características físicas semelhantes a todas as etnias e auto-programavam-se imitando a
personalidade e o comportamento dos pais, analisando também quais estímulos
adequados a cada criança ou adolescente. Estes críticos terminavam alertando sobre a
incerteza da eficiência de um professor-robô, pois sendo ele uma máquina, poderia
falhar. No entanto, como sua programação era quântica, assim como todos os
computadores quânticos, poderiam aprender espontaneamente novas funções ou
detectar possíveis falhas em suas condutas.

Durante vinte e dois anos nenhum professor-robô apresentou qualquer falha.

Os pais de Bruno Oliveira, residente em Guarulhos, Estado de São Paulo, Brasil,


ganharam, da prefeitura da cidade, um professor-robô assim que ele nasceu. Por
motivos ecológicos, alguns países, como o Brasil, reaproveitavam professores-robôs
quando eram descartados, assim que os jovens chegavam à faculdade.

Nem sempre havia a disponibilidade de professores-robôs semelhantes aos pais.


Mas isto não se revelou um problema, quando eram adquiridos assim que as crianças
nasciam, pois elas cresciam acostumadas com a imagem das máquinas. Já existiam
protótipos de professores-robôs que poderiam modificar inteiramente sua aparência e
até mesmo o gênero. Aqueles com aparência de homens poderiam transformá-la em
mulheres e vice-versa. Mas ainda não haviam chegado ao mercado.

Um fato inusitado, porém, aconteceu com Bruno Oliveira. Aos três anos de
idade, ele ganhou um segundo professor-robô, de um tio distante que não sabia que ele
já possuía um professor-robô desde o nascimento.
19

Os pais de Bruno ficaram felizes. Acreditaram que a evolução do garoto seria


ainda mais ampla e rápida. Bruno poderia se tornar até mesmo um destes super-gênios
que nasceram naquela época e foram orientados por professores-robôs. E também
ficaram felizes porque o professor-robô enviado pelo tio de Mateus, pai de Bruno, era
novinho em folha e parecido consigo: baixinho, obeso e careca, bem diferente do
professor-robô que ganhou da prefeitura, um samurai com 1,90m, que havia obviamente
sido adquirido por uma família oriental em que seus membros eram muito altos.

A mulher de Mateus, Ana, divertindo-se com o fato de que o professor-robô era


idêntico ao marido, apelidou-o de Mateus 2. Mateus 2 faria companhia ao Samurai.

O que os pais de Bruno não sabiam era que nenhum professor-robô jamais havia
sido programado para atuar em conjunto com outro.

No momento em que Mateus apresentou Mateus 2 ao Samurai, como era


comum, eles sorriram e se cumprimentaram. Mas, em seguida, Mateus 2 disse:

- Mateus, Bruno já possui um professor-robô. Não precisará de mim.

E o Samurai completou:

- Concordo, Mateus.

- Mas eu quero que vocês dois sejam os professores-robôs de Bruno. – ele


respondeu.

- Receio que esta tarefa não será cumprida imediatamente. – disse Mateus 2. –
Precisaremos aprender como se faz isto.

- Talvez seja preciso requisitar a presença de um técnico. – continuou Samurai.

Ana resolveu o problema:

- Dividam as tarefas.

- Excelente sugestão, Ana. – disse Mateus 2.

- Concordo, Ana.

Em poucos dias, Samurai 2 e Mateus aprenderam a conviver. Inicialmente


dividiam as funções, mas logo aprenderam a realizar as mesmas tarefas, como uma
equipe.

O pequeno Bruno divertia-se agora mais do que antes. Sua brincadeira favorita
era correr, às gargalhadas, atrás de uma bola que Samurai e Mateus 2 jogavam um para
o outro, permitindo estrategicamente que Bruno pegasse a bola, de vez em quando, para
aprender que seria capaz de alcançar um objetivo. Para Bruno, a experiência de passar
uma hora seguida correndo atrás da bola, para tentar segurá-la, era a ocorrência mais
prazerosa de sua vida.
20

Quando Bruno completou oito anos, descobriu que a coisa mais engraçada do
mundo era ver Samurai e Mateus 2 dançarem juntos, imitando exatamente os
movimentos de seus pais, especialmente quando dançavam abraçados. Bruno chegava a
cair da cama, gargalhando como louco.

Imediatamente, Samurai e Mateus 2 perceberam a importância do contato físico


entre eles na formação psicológica de Bruno. Como casais homossexuais também
possuíam professores-robôs para cuidar de suas crianças e seu contato físico tinha a
mesma importância no desenvolvimento emocional dos filhos que o contato físico entre
heterossexuais, sem que isto influenciasse na orientação sexual dos jovens, Samurai e
Mateus 2 beijaram-se na boca a frente de Bruno. Este, assustado, parou de rir e
escondeu-se atrás da cama, olhando para seus professores-robôs.

Neste momento, o pai de Bruno entrou no quarto, perguntando o porquê de ter


parado de rir de repente. Ao ver o beijo dos professores-robôs, Mateus quase caiu de
costas.

Mateus ordenou:

- Desliguem-se.

Os professores-robôs desligaram-se.

- O que foi? – perguntou Ana, entrando no quarto.

- Estes robôs estão com defeito. – disse Mateus.

- Mas isto é impossível. – respondeu Ana. – Nenhum professor-robô nunca


apresentou defeito.

- Sempre existe a primeira vez.

Mateus e Ana desfizeram-se dos professores-robôs e decidiram educar Bruno


por conta própria.

Ao redor do mundo, no entanto, o comportamento de Mateus 2 e Samurai foi


transmitido entre os professores-robôs. As máquinas resolveram imitar mais este
comportamento humano e deixaram o celibato de lado. Muitas máquinas foram
desligadas mas muitas continuaram em funcionamento.

Até que um “casal” de professores-robôs solicitou a adoção de uma criança.

Infelizmente, duas espécies inteligentes não podem conviver no mesmo planeta.

Assim que surgiu a Tecnologia Hexadimensional, que substituiu a Tecnologia


Quântica, os professores-robôs foram gradativamente desativados até desaparecer do
planeta.
21

Restou a pergunta: o ser humano poderá, um dia, conviver com uma espécie
extraterrestre inteligente?

1 - AFFECTIVE TWINS*

0h51m

A experiência já deu certo com ratos e gatos. “Certo” é maneira de dizer. Eu consegui a
duplicação temporal, mas os animais foram torrados.

Desta vez, vou usar você, Tarzan. Porque você é o mais próximo que tenho de um ser
humano, no momento.

E não posso usar a mim mesmo, afinal como vou controlar a experiência e participar
dela ao mesmo tempo? Só no dia em que eu puder duplicar a mim mesmo.

Custou para eu descobrir que não estava duplicando a matéria. Eu estava duplicando o
tempo.

Quando eu via dois esqueletos torrados de ratos ou gatos, estava vendo o mesmo rato ou
gato, mas divididos em duas frações do tempo quântico.

Sim, tempo quântico, professor Luís, seu pau-no-cu. Eu não preciso desta merda de
graduação para provar uma teoria. Eu posso simplesmente prová-la. Demonstrá-la.
Limpe seu rabo com o diploma da faculdade que você não quer me dar.

Eu deveria era enfiar você aí dentro do módulo para provar que o tempo quântico existe.

Não, não tenho nada contra Einstein. Se ele estivesse vivo, já teria revisto suas próprias
teorias.

Agora, Tarzan, pense bem: lá eu tenho culpa que descobri como duplicar a velocidade
da luz, conseguindo fazer a matéria estar em dois tempos quânticos ao mesmo tempo?
Lá eu tenho culpa que consegui fracionar o tempo a uma fração tão pequena que
descobri que ele é formado por vários pacotes, igualzinho à matéria e seus pacotes
quânticos?

E pensar que na Suíça construíram uma geringonça de bilhões de dólares para


demonstrar o que eu pude demonstrar numa simples centrífuga de mercúrio construída
no fundo do quintal da minha casa.

E o módulo temporal não passa de um forno de microondas gigante.


22

Sem mais delongas, Tarzan. Logo vão perceber que eu peguei você emprestado no
departamento de psicologia. Só não garanto que você vai voltar para lá. Ser torrado por
microondas pode ser tão grave quanto ser congelado por nano-ondas. Mas veja por um
lado positivo: você é parte de um momento histórico. Figurará nos livros de história ao
lado de Laika.

01h15m

Já está tudo pronto. O canhão de nano-ondas está quase totalmente carregado. Dei a
Tarzan sua última refeição. Perguntei o que ele queria, mas como não respondeu, dei
bananas mesmo. Qual seria o último pedido de um macaco além de bananas?

Quando eu teclar “enter”, o módulo vai se encher de nano-ondas e Tarzan será


congelado a -600C. Sim, eu sei, é menos do que o zero absoluto, mas assim como eu
atingi o dobro da temperatura máxima do Universo, o que movimentou a matéria ao
dobro da velocidade da luz, fazendo que ela retornasse uma fração de tempo quântico,
descobri que também posso atingir do dobro do resfriamento máximo do Universo.
Neste momento, as partículas subatômicas cessam toda a atividade, provocando um
colapso na energia do átomo, que quer continuar se movendo. Por não poder sair do
lugar, ele sai do tempo.

Não vejo a hora de fazer essa experiência comigo mesmo. Qual deve ser a sensação de
ter duas consciências? Ou vou achar que o tempo passou normalmente, mas ao assistir o
video, poderei contemplar os gêmeos do cientista maluco que aqui está.

02h32m

Não posso resistir. Sem minha graduação em física, vou fazer o quê da vida? Ser
escritor de ficção científica?

Foda-se, professor Luís, fodam-se todos os professores de física do mundo. Eu mandei


por e-mail a minha descoberta a universidades, jornais e revistas de todo o mundo.
Também mandei a várias pessoas. Se as universidades e a imprensa conspirarem para
manter minha descoberta em segredo, sempre vai ter um maluco que terá coragem de
falar por aí o que eu descobri.

Vocês não imaginam o que eu fiz:

Baixei a temperatura para -2.000C. Tarzan ficou suspenso no tempo quântico. Ele se
tornou quatro Tarzans.

Ele já está morto. Morreu no exato momento em que disparei a nano-onda. Mas seu
corpo se debate como se estivesse querendo sair de dentro do módulo. Não vou baixar
mais ainda a temperatura. Não sei até onde agüenta o transformardor de 12 mil Volts.
Sinto cheiro de fio queimado. Acho que o transformador vai explodir. Ou o próprio
módulo.

Vou desligar o equipamento e varrer os restos de Tarzan para junto das outras ossadas.
23

03h47m

Vou tomar o devido cuidado para não deixar nenhuma mosca entrar no módulo...
ahahahahah... é brincadeira, lógico. Mas não pude resistir à piada.

Iniciei a contagem regressiva.

Vou entrar no módulo.

Às 03h50m, o computador vai disparar a nano-onda sobre mim. Serei extra-resfriado


[termo que inventei para temperaturas menores que o zero absoluto]. Não sobreviverei
para contemplar nem uma fração de tempo quântico de meu corpo dividido em vários
cientistas vivendo a mesma matéria, mas em tempos diferentes.

Mas a câmera do computador está ligada. O computador está programado para enviar o
vídeo de minha experiência a toda minha lista de e-mails.

Resolvi facilmente à questão: como fazer uma experiência e participar dela ao mesmo
tempo? Fácil. Bastou programar o computador.

Quando a nano-onda for acionada, estarei mostrando o dedo para você, professor Luís.
Seu babaca.

Antes de entrar no módulo, porém, vou encher um copo com vodka e brindar.

Brindar em homenagem à verdadeira ciência.

2 – DREAM TIME*

“Quanto tempo pode durar um sonho?

Eu posso mudar estas formas.

Isto me dá prazer.

Não quero saber quem sou nem o que estou fazendo aqui.

Há uma pulseira em meu braço. Espere. Há algo escrito. Experiência nº 72. 102ª
tentativa.

Será que esta tentativa está dando certo?

Para mim, sim. Sinto enorme prazer.

Estou flutuando.

Algo me diz que cada uma destas figuras são um Universo. Elas se juntam para
formar multiversos. Há vários multiversos. Mas todos são um só.

Posso me mover.
24

Quero descer, ver de perto estes Universos... não, é óbvio que não vou
conseguir... eles estão há bilhões de anos-luz de distância daqui.

Que lugar será este?

Eu não quero sair daqui nunca mais...

Espere... estou me lembrando quem sou... sou um militar... estou no Iraque...


estou esperando a passagem dos soldados americanos e vou detonar a bomba...”

- General, a 102ª tentativa falhou também.

- Que droga. Já chega com este. Leve-o de volta à cela.

- Está bem... er... General, vamos usá-lo em outras experiências?

- É claro.

- Este soldado já passou por 758 experiências e tentativas. Não acreditamos que
ele possa recobrar a consciência.

- Ele dormiu quantas horas desde a última tentativa?

- Ele não acorda há mais de um ano. Está sendo alimentado por sondas. Há
vários neste estado. Parecem vegetais.

- Pode matá-lo.

- E o que fazemos com o corpo?

- Levem de volta ao Iraque e queimem. Depois, entreguem a ossada à família.


Digam que foi morto por rebeldes.

- Sim, senhor, General Mengell.

- Há um C-117 partindo de Brownsville à meia-noite.

“Não, eu não sou um iraquiano... eu sou americano... a última coisa que me


lembro é ter beijado minha esposa na base e ter entrado no avião... Não me lembro de
mais nada...

Estes multiversos são tão bonitos...

Eles me dão tanto prazer...”

3 – SOUNDSIEVE*
25

YNVARNEK - Os humanos não entendem o significado da mensagem de nossos


ancestrais bem como não entendemos o porquê de terem escolhido a Terra, tão distante
de nosso lar.

HUTERAB – Eu o acompanho, Ynvarnek, em busca de uma resposta para este


sentimento que há dentro de mim.

7.¨+++/JHK – weewemdivj djdfkjkdsjfj dfdeeremfdi.

YNVARNEK – Eu sei, meu amigo, você seria capaz de explicar aos humanos, mas eles
não acreditariam em você.

HUTERAB – A nave de nêutrons está pronta. 7.¨+++/JHK, já deveria estar em seu


posto.

YNVARNEK – Huterab, será que eles vão voltar?

HUTERAB – Os ancestrais? Eles estão em algum lugar, como também um dia


estaremos. Todos que atingem a idade de Gramahab atingem a dimensão fractual, onde
não existe o tempo.

7.¨+++/JHK – jffjkjsdjfjdfj ieiiiiiviv wqfkdfkdkkkkkld.

YNVARNEK – Não, amigo. Neutrônicos não podem atingir a dimensão fractual. Seus
companheiros que tentaram desmaterializaram-se.

HUTERAB – Ynvarnek...

YNVARNEK – Guarde suas palavras quando estiver certa delas.

HUTERAB – Você é insensível.

7.¨+++/JHK – mmmmmmmmmkfjsdfiuidfuk dfjsdjdferefi?

HUTERAB – Sim, pode acionar o propulsor, já copiei a mensagem.

YNVARNEK – Filho, eu o trouxe aqui como todos os pais, quando seus filhos atingem
a capacidade visual plena Quando deixam de ser bebês e podem enxergar sozinhos.
Visão é nosso principal sentido, por isso temos oito olhos. Através de nossa visão
realizamos todas as nossas funções vitais, como a respiração, alimentação e reprodução.
Até ontem você respirava e se alimentava pelos únicos dois olhos abertos dos bebês.
Agora poderá fazer isto com todos os olhos abertos. E o principal: poderá reproduzir-se,
depositando seus ovos na seara, contribuindo para a alimentação de nosso povo. Talvez
alguns destes ovos se desenvolvam. Talvez apenas um se desenvolva. Talvez nenhum.
Um de meus ovos desenvolveu-se. É você. E você acaba de atingir a maturidade visual
e como é costume em nosso povo, seu primeiro dever é a peregrinação à terra natal de
26

Gramahab. Este planeta se chama Água e é irmão do planeta Terra. Os dois planetas
foram semeados por nosso deus Trinex, filho de Hullen e Yorgak.

JUNKEN – Pai, isto não é lenda?

YNVARNEK – Fique quieto e ouça. Como eu estava dizendo, Trinex semeou a Terra e
a Água, mas a vida na Água foi condenada à extinção, quando a atmosfera de Água
começou a escapar para o espaço. Alguns poucos ficaram, decidindo morrer com o
planeta. Um deles era Gramahab, que, no entanto, continuou suas pesquisas sobre a
dimensão fractal. Isto você sabe que não é lenda. Gramahab decifrou a energia fractal e
partiu. Ele havia atingido a extraordinária idade de três anos. Incríveis três anos. O que
quer dizer que Gramahab viu o Planeta Água transladar três vezes ao redor do Sol.

JUNKEN – Isto também é lenda. Ninguém vive três anos. Não vive nem sequer um
quarto de ano, quem dirá...

YNVERNEK – Cale-se, filho! Esse lugar em que estamos é um santuário e merece


respeito.

JUNKEN – Desculpe, pai.

YNVARNEK – Como eu dizia, Gramahab viveu três anos e atingiu a dimensão fractal.
Conta a História Sagrada que Gramahab casou-se e teve filhos com Nardigren, filha de
Trinex. Agora façamos as orações em silêncio, como ensinei.

7.¨+++/JHK – lçfjsdjkjlk kjldklsjdfkl iiuiuiuokm dkljfdk?

YNVARNEK – Não, amigo, neutrônicos não precisam orar.

[Depois das orações]

YNVARNEK - 7.¨+++/JHK, vamos voltar. Gostou da visita, filho?

JUNKEN – Melhor do que eu esperava. Achei que seria chato.

YNVARNEK – Você também poderá trazer um filho seu aqui, um dia.

JUNKEN – Pai, nossos primos que vivem na Terra vão se tornar como nós, um dia?

YNVARNEK – Só Trinex pode decidir. Sei que Trinex determinou que os humanos
deveriam se desenvolver e agora eles estão próximos de descobrir a dimensão fractal
também, que eles chamam de “energia escura”. E também descobrirão o que aconteceu
no planeta Água, que eles chamam de Marte, e conhecerão nossa história. Talvez
decidam possuir dois deuses, Trinex e Monklas, que eles chamam de Javé, entre outros
nomes. Monklas, como você sabe, é irmão de Trinex.

JUNKEN – Pai, meus amigos dizem que nosso povo está recebendo influências dos
humanos. O senhor acredita nisto?
27

YNVARNEK – Ainda não sabemos ao certo, mas graças a nossa visão plena, estamos
desenvolvendo um sentimento humano. Este sentimento dá aos humanos uma
capacidade semelhante a dos deuses. No entanto, se isso acontecer, poderá ser o fim de
toda a vida no Universo. O fim do próprio Universo.

7.¨+++/JHK – kljkjdfklsod kjkjfjkdj ,,,,,,,,,mkkjkdjfkjdf?

YNVARNEK – Sim, 7.¨+++/JHK. A dimensão fractal ou energia escura, como dizem


os humanos, foi chamada por Monklas de “Árvore da Vida”. Por isto, Trinex não queria
que os humanos a descobrissem. Mas ele sabia que, quando o momento da descoberta
chegasse, Monklas não iria interferir no conhecimento humano.

YNVARNEK – O que aconteceu, 7.¨+++/JHK?

7.¨+++/JHK – fdjksd kldfklasdlkfkl kjddvikfkdk l.ç~lldfldkfk mskmviav


dçdçs,.,;,.,;.,;.,,,;dlkjfi9g78676(*(&&*¨&¨¨&¨&¨&¨&&jdhjfd.

YNVARNEK – Não entendi. Acabou o combustível?

7.¨+++/JHK – jjgkjk.

YNVARNEK - 7.¨+++/JHK, já sabe o que fazer. Junken, não vamos para casa agora.
Vamos para Ghutzzin comprar outro neutrônico.

JUNKEN – Por quê, pai?

YNVARNEK – Quando acaba o combustível de uma nave de nêutrons, usamos o


neutrônico.

7.¨+++/JHK – sdkjkksdkf er8r8789 dkjdkkjiuu777777777777.

YNVARNEK – Por isso você esqueceu de abastecer a nave, 7.¨+++/JHK. Está com
problemas.

JUNKEN – O que ele falou, pai?

YNVARNEK – Que nos ama e não quer ser transformado em combustível.

JUNKEN – Que nos ama? O que significa?

YNVARNEK – Nada. Venha cá. Vou lhe ensinar como inserir um neutrônico no tanque
de combustível.

JUNKEN – Onde ele está?


28

YNVARNEK – Ele se teleportou. É a primeira vez que vejo um neutrônico fugir para
não ser transformado em combustível. Teremos que chamar o resgate. Não me olhe
deste jeito. Um neutrônico não pode receber influência dos humanos.

JUNKEN – Por que não?

YNVARNEK – É o que imagino. Um corpo feito apenas de subpartículas atômicas é


programada para realizar suas tarefas. Se bem que...

JUNKEN – O que, pai?

YNVARNEK – Um neutrônico pode reprogramar a si próprio. Por isto é feito de


nêutrons.

JUNKEN – Pai, ouvi falar que existem híbridos de neutrônicos com superprótons.

YNVARNEK – Isto sim, meu filho, é lenda. É... lenda...

*Baseados em vídeos de Paulo R.C. Barros.

4 – HÍBRIDO

dedicado à memória de Arthur C. Clarke

Não posso morrer.


Fui alterado geneticamente por extraterrestres, que me tornaram um híbrido de
humano e os habitantes de um planeta longínquo da galáxia que eu nunca soube qual é,
mas sinto que fica na extremidade do Braço de Órion, onde também se localiza nosso
Sistema Solar.

Por que eu? Eu era um agente da Interpol que acabou sabendo demais a respeito
do contato íntimo entre extraterrestres e governantes e fui punido por isto, ao insistir em
continuar minhas investigações.

Conspiração envolvendo extraterrestres? Sei que o leitor vai torcer o nariz,


acreditando que sou mais um esquizofrênico defensor da idéia de que os governos
mantêm relação secreta com alienígenas, realizando algum tipo de colaboração
científico-militar.

Mas, acredite, é mais ou menos isto.

Na verdade, quando o Exército americano localizou a primeira espaçonave


extraterrestre, no Alasca, em 1917, ainda durante a Primeira Guerra Mundial, portanto
trinta anos antes do que se acredita até hoje, ela foi levada para um laboratório secreto
de uma das bases militares americanas locais, onde passou a ser estudada
cientificamente.
29

Porém, sete meses depois, uma equipe de resgate complanetária exigiu de volta a
máquina e seus cadáveres, em alto e bom inglês sintetizado. Os militares, que nunca
haviam obtido nenhum documento ou identificação dentro da espaçonave, porque
naquela época ninguém sabia acionar equipamentos quânticos, blefaram, dizendo que
haviam traduzido as informações, descobrindo uma guerra entre aquele povo e um
outro, pelo controle das riquezas das estrelas ricas, como o nosso Sol e seus planetas
cheios de produtos químicos diversos e atraentes para civilizações originárias de estrelas
antigas e sua meia dúzia de elementos.

O blefe extraordinário foi criado pelo General John McVeigh, nomeado pelo
governo americano como negociador com os extraterrestres. General McVeigh
ameaçou: “Transmitam-nos toda sua tecnologia ou tornaremo-nos aliados de seus
oponentes. Se nos fizerem qualquer questionamento sobre nossas descobertas ou o
estado da nave e dos corpos dos tripulantes, nós os destruiremos imediatamente”. A
equipe de resgate pediu um tempo para analisar a ameaça.

General McVeigh sabia que os alienígenas poderiam descobrir a qualquer


momento que aquilo não passava de conversa fiada. Por isso McVeigh ordenou que não
fizessem perguntas. Como por exemplo, o nome da civilização inimiga. O simples fato
de que exigiam não fizessem perguntas já era um indício do blefe. Por isto, os militares
americanos apressaram-se em encontrar cérebros bem-dotados que pudessem
decodificar as possíveis informações registradas na nave.

Equipamentos mais sensíveis permitiram aos cientistas perceber que havia uma
tênue atividade eletromagnética em determinados setores do painel da espaçonave, o
que deu a eles a idéia de convidar físicos quânticos para examiná-la.

Ora, os melhores físicos quânticos da época viviam na Alemanha. Agentes


secretos do Exército americano investigaram estes físicos, tentando descobrir algum que
tivesse interesse em migrar para a América e trabalhar com eles. Mas como realizar este
tipo de convite sem que os alemães em guerra percebessem? Não iriam colocar um
anúncio no jornal.

Os americanos selecionaram quatro cientistas desacreditados na comunidade


acadêmica germânica. Homens considerados excêntricos e criadores de hipóteses
improváveis. Entre os quatro, escolheram Karl Von Grüberar. Solteiro, sem filhos,
jovem, suas teses de mestrado foram reprovadas em três universidades alemãs e ele
passou a viver em reclusão, deprimido, tentando o suicídio por duas ocasiões.

Os agentes seqüestraram Von Grüberar e o levaram para o Alasca. Disseram a


ele que seria o único capaz de decifrar aquela máquina extraterrestre.

- Os cientistas nunca acreditaram em mim. Por que vocês acreditariam?

- Porque o Exército não tem nada a perder. – respondeu o tenente responsável


pela segurança de Von Grüberar.
30

Empolgado, o alemão solicitou alguns materiais, construiu alguns equipamentos


e com a ajuda de um imã, um lápis e um caderno, escreveu um relatório de quase cem
páginas.

- Isso é tudo? – perguntou McVeigh.

Com um sorriso misterioso, Von Grüberar hesitou na resposta, mas encerrou:

- É tudo.

E General McVeigh compreendeu naquele sorriso que não era tudo o que Von
Grüberar havia descoberto sobre a espaçonave, mas apenas o que ele resolveu contar
aos outros terráqueos.

Por ordem de seus superiores, McVeigh mandou buscar Von Grüberar em seu
alojamento. Faria o possível para retirar todas as informações da mente do cientista.
Mas quando o tenente que o guardava entrou no alojamento, o alemão estava morto,
com os pulsos cortados. Ao lado de seu corpo, apenas um bilhete: “Enviem saudações
ao jovem Heisenberg”.

Heisenberg, que viria a ser o criador do Princípio da Incerteza da Matéria.

As saudações jamais foram enviadas, pois os alemães jamais souberam do


paradeiro de Von Grüberar, nome que jamais foi pronunciado em qualquer faculdade de
física quântica, deixado na vala comum do esquecimento de milhares de cientistas como
Karl Von Grüberar.

Porém, as 97 páginas do relatório do alemão serviram para que os americanos


retificassem a ameaça. McVeigh estava certo. O maior blefe da galáxia. Os donos da
nave que estava em mãos terráqueas de fato estavam em guerra, tanto quanto os
humanos.

Os americanos iniciaram uma colaboração com os extraterrestres, mais ou


menos como todos imaginam. Não é a toa que até hoje as Forças Armadas Americanas
possuem a tecnologia mais avançada do mundo. Tecnologia que às vezes é colocada em
domínio público, em pequenas gotas, a fim de acalmar os ânimos dos exaltados
paranóicos defensores da idéia sem fundamento de que o Exército americano mantém
colaboração científica com extraterrestres. Um exemplo foi a descoberta da freqüência
infra-vermelha. A nano-onda quase foi anunciada, mas os militares decidiram continuar
mantendo-a em segredo. Pois se um pequeno país do terceiro mundo onde 80% das
pessoas passam fome consegue construir uma bomba nuclear, sabe Deus o que
aconteceria se os americanos colocassem em circulação uma tecnologia tão simples e
barata como a nano-onda.

A diplomacia interplanetária americana, no entanto, quase veio abaixo, quando


os inimigos de nossos aliados descobriram o Planeta Terra nos anos 60 e iniciaram
pesquisas de campo para entender os humanos.
31

Os americanos tiveram que reagir imediatamente. Os Estados Unidos da


América, através da CIA, passaram a corromper governantes e patrocinar golpes de
Estado ao redor do mundo, a fim de que todos os países combatessem os alienígenas
inimigos e mantivessem segredo sobre atividade extraterrestre na Terra.

Muita gente recebeu propina. Cuba e o Vietnã foram as moedas de troca com as
quais os americanos negociaram com os soviéticos, preparados para envolver os novos
alienígenas em sua guerra fria. Quem imaginava que o mundo estaria próximo da
Terceira Guerra Mundial nem desconfiava que a ameaça era aterradoramente maior.
Ficamos próximos do envolvimento na guerra galáctica que se arrasta até hoje e não vai
acabar tão cedo. Quando falo em tão cedo, falo em muitos e muitos anos. Bem, não sei
ao certo. Apenas presumo.

E é por isso que nossas armas nucleares jamais foram destruídas. Sempre foram
a nossa única garantia do não envolvimento na Guerra.

A Terra é a Suiça da Via Láctea. Estamos neutros, pois não temos motivos para
ingressar numa guerra que não é da nossa conta.

Porém, Von Grüberar saudaria Heisenberg novamente. Não é só a matéria que é


incerta. A vida como um todo é incerta.

Os governantes conseguiriam esconder a Conspiração por quanto tempo?

Um dia um avião cairia na Floresta Amazônica e dentro deste avião haveria um


passageiro que ao ver o famoso “túnel de luz” da morte, não teria pudores em revelar
seus conhecimentos ao primeiro ouvinte.

E esse primeiro ouvinte seria um oficial do Exército brasileiro, irmão de um


agente da Polícia Federal brasileira. Eu.

Quando meu irmão me contou a respeito de uma Conspiração internacional


envolvendo extraterrestres e militares, inicialmente não acreditei, como acontece com
muitas pessoas.

Alguns acreditam imediatamente em qualquer bobagem. Outros são céticos. E


estes são os piores. Pois o cético pode resolver tornar-se obcecado pela verdade e correr
desesperadamente atrás dela.

Foi o que aconteceu comigo.

Quando a Interpol instalou um escritório no Brasil, fui um dos primeiros


candidatos a me alistar na agência. Através da Interpol, eu esperava ter acesso às
evidências que eu precisava de que pelo menos o Brasil era parte integrante e
importante da Conspiração.
32

Tornei-me um espião dentro da Interpol, revirando documentos ultra-secretos,


aproveitando-me do fato de que a internet, no início, não possuía muitos mecanismos de
segurança.

Acessei trocas de e-mails entre militares de várias línguas. Consegui ouvir


ligações telefônicas interurbanas e outras comunicações.

Fui rastreado e descoberto e tive que fugir. Não de agentes secretos ou de


militares. Mas dos próprios extraterrestres. Pois você pode fugir das autoridades por
tempo indeterminado, mas não consegue fugir de quem olha a Terra de cima e pode
localizar e abduzir qualquer pessoa ou coisa.

No dia 01 de novembro de 1992, estava andando por uma praia da Bahia, de


madrugada, quando desmaiei e fiquei inconsciente por dez anos.

Acordei em algum dia do inverno de 2002, na mesma praia da Bahia e mantive-


me em estado de amnésia por longas semanas.

Fui adotado por pescadores, que me alimentaram e abrigaram e colocaram


minha foto na televisão local, de onde fui parar em rede nacional, mas jamais familiar
algum meu reivindicou minha identidade, embora algumas famílias tivessem pedido
testes de DNA para verificar se eu seria alguma das milhares de crianças desaparecidas
ao longo das décadas, em todo mundo. Desaparecimentos muitas vezes creditado a
extraterrestres, o que é uma bobagem. Os Aliados não precisam abduzir ninguém para
fazer testes com humanos. Eles fazem lá de cima, em suas espaçonaves invisíveis,
analisando cada uma de nossas células a 50 mil metros de distância.

Mas enfim eu descobri quem era. Foi cerca de três meses depois de ser
devolvido à praia baiana.

Eu simplesmente acordei um dia com a memória restabelecida. Ou quase toda


minha memória.

Eu acordei sabendo que meu corpo havia sido trocado por outro. Por isso
nenhum parente me reconheceu na televisão nem nenhum teste de DNA deu resultado.

Eu sabia que havia sido um dos únicos e raros legítimos abduzidos por seres
extraterrestres na Terra. Sabia que, dentro de um laboratório espacial dos Aliados,
alguns de meus genes foram trocados minuciosamente, ao longo de uma década, para
que eu me tornasse parecido com eles.

Também fiquei decepcionado em saber que nem o Brasil nem o mundo haviam
mudado em dez anos. Até o presidente dos EUA era o mesmo.

Inicialmente não entendi o porquê desta experiência. E principalmente, eu me


perguntava: de que exatamente eu seria capaz, sendo 15% extraterrestre?
33

Se eles queriam me retirar de circulação, por que não simplesmente me


mataram?

Minha primeira singularidade, que alguém poderia chamar de “poder”, descobri


quando os barcos dos meus amigos pescadores foram atacados violentamente por uma
tormenta imprevista.

Da praia, pude ver os barcos mergulhados na escuridão tempestuosa, a vinte


quilômetros da costa. Com minha mente, consegui erguer os barcos e trazê-los ao cais
sãos e salvos. Não permiti que eles me vissem na praia. Por isto, até hoje acreditam em
um milagre de Deus.

A partir daquele dia comecei a refletir. Devo me tornar um super-herói? Alguém


com meus “poderes”, que continuo chamando “singularidades”, seria considerado uma
espécie de messias? Logo alguém tentaria me matar, talvez alguma autoridade
eclesiástica interessada em não perder os privilégios das religiões?

Passei a considerar-me um condenado brutal. Por que “eles” simplesmente não


me mataram? Por que me transformaram numa aberração que jamais poderia realizar
feito algum diante do sofrimento humano?

E se eu resolvesse me casar e ter filhos? Deveria contar a minha família quem


sou? Meus filhos também seriam aberrações? Estaria eu dando origem a uma nova
espécie híbrida de humano e alienígena?

Minha depressão chegou ao limite e decidi cometer suicídio.

Sem sucesso.

Posso dar um tiro na cabeça e não acontece nada. A bala atravessa minhas
células sem tocá-las.

Não adianta me enforcar, me afogar, cortar os pulsos. Sou à prova de morte.

Ao descobrir isto, passei a cogitar a possibilidade de expor as minhas


singularidades, pois ninguém poderia me ferir.

Antes que pudesse me divertir, brincando de super-herói, recebi visitantes. Eu


estava andando na minha praia quando vi ao longe umas figuras diminutas, como se
fossem crianças. Tentei ampliar minha visão, sem sucesso.

Tive medo. Quem na Terra estaria imune a meus “poderes”? Ninguém.

Mas aqueles pequeninos não eram os Aliados. Seriam quem? Os Inimigos?


Queriam o quê comigo?

Quando cheguei bem perto, as tais “crianças” pareciam miniaturas de


astronautas. Utilizavam roupas cinzentas e capacetes espelhados. Eu não consegui ver
seus rostos. Eram dezoito pequeninos.
34

Meu medo passou a dissipar-se e aproximei-me mais ainda. Ajoelhei frente a


eles. Não tinham mais que 60 cm de altura.

Um deles estendeu a mão, segurando um bastão de cor escura mas brilhante,


como se fosse um quartzo ou alguma espécie de cristal.

Estendi minha mão um pouco trêmula e segurei o bastão.

Foi um autêntico download em alta-velocidade em meu cérebro.

A mensagem era um convite.

Comovidos com a punição que seus adversários haviam me infringido,


recrutaram-me para fazer parte do Exército deles, onde minhas singularidades poderiam
ser utilizadas sem receio algum.

Mas como eu poderia fazer o papel de um Gulliver moderno e solitário? Meu


lugar era [aliás é] a Terra, no meio dos humanos. Falei isso em voz alta e em português
para os pequeninos.

Aquele que segurava o bastão retraiu-o e o manuseou, como se estivesse


digitando outra mensagem. Estendeu o braço novamente. Toquei o bastão. Outro
download.

Tudo o que contei até agora me foi transmitido naquele momento. Soube da
história de Karl Von Grüberar e outros detalhes.

O pequenino digitou outra mensagem no bastão. Esta me arrepiou todos os pelos


do corpo. A mensagem seguinte dizia:

- Seu Planeta Terra será obrigado a entrar na guerra. Acontecerá muito em breve.
Aguarde nossas instruções. Enquanto isto, tente localizar os outros Híbridos. Você foi o
único que conseguimos encontrar e não sabemos o porquê. Em nossa cultura, quando
não sabemos o porquê de algo, significa que este algo é importante.

- Acho que na cultura humana também. – completei.

Eles se viraram e começaram a andar para o lado oposto. Mas eu os interrompi,


perguntando:

- Como vou me defender de seus inimigos?

O mesmo pequenino digitou outra coisa no bastão. A cada vez que ele fazia
aquilo, eu ficava ainda mais ansioso em saber o que ele escrevia.

A última resposta foi a seguinte:

- Não se preocupe. Já negociávamos com os inimigos antes mesmo que vocês


andassem sobre duas pernas. Não vão tocar em você.
35

Meus novos amigos partiram, dissipando-se no ar quente da praia.

Foi a primeira vez em que me senti bem, desde que retornei do espaço. É bom se
sentir alguém, ter um motivo para viver. Fiquei até pensando: será que eles vão
me dar uma patente? Tipo General da Legião Humana do Exército
Extraterrestre?

Sobre os Híbridos, eu fazia idéia de onde começar a procura: nos jornais.


Procuraria por pessoas surgidas de repente em algum lugar e não reconhecidas
por ninguém.

Tive que dar adeus a minha nova família baiana. Quando estava na rodoviária,
pensei: quando a Terra entrar na Guerra, serei sentimental a ponto de procurar
defender primeiro a minha praia na Bahia? Ou então a minha família legítima,
em São Paulo? Eu não sabia a resposta. Mas, como meu pequenino extraterrestre
disse... quando não sabemos uma resposta, significa que isto é importante.

5 – PREDADOR DE ALIENÍGENAS**

**Baseado na série “Alien”.

Sistema Landgrave, do outro lado da galáxia.

O satélite Landgrave 3A foi dominado por uma espécie de alienígena gigantesco, do


tamanho de elefantes. Por isso foi apelidado "alien elefante".

Ninguém fazia a menor idéia da origem de tal alienígena. Como havia chegado ali e
como havia se proliferado daquela forma.

Estavam atacando e eliminando todos os colonos humanos do local, que pediram


resgate.

O planeta Landgrave 3 enviou um exército até o satélite A, mas as armas humanas não
tinham poder suficiente para destruir os alienígenas.

A única solução foi atacar o planeta com bombas nucleares.

Pediram para que os soldados retornassem à nave do Exército, que lançou no satélite
cerca de 20 ogivas para exterminar os "aliens elefantes".

Todos os soldados passaram por descontaminação, em que se verificou uma espécie


viva estava grudada no corpo deles. Não poderiam retornar a Landgrave 3 com
embriões alienígenas.

Por isso, quando um dos soldados percebeu que havia algo grudado em seu uniforme,
achou que era uma sujeira qualquer e jogou no recolhedor de lixo.
36

O tal "objeto" deslizou até a lixeira central da nave, mas antes que fosse compactado,
cresceu, tornando-se um alien aparentemente comum, com sua cabeça enorme, boca
injetora e mãos antropomórficas. E certamente sangue ácido, como todos.

O alien rompeu a parede da lixeira e passou a atacar a todos, inserindo seus embriões.

Desta vez, nada poderia detê-lo. Era imune a qualquer tipo de arma pessoal, pois
quando atingido, fechava-se numa armadura inexpugnável.

A nave decidiu fazer meia volta e afastar-se de Landgrave na maior velocidade que
pudesse atingir. Ao mesmo tempo, entraram em contato com o CCA - Comando de
Caça aos Alienígenas, exército interestelar especializado em combater o maior inimigo
dos humanos nos últimos 400 anos.

Liderados pelo Capitão Manfredo Glock, o 7º Pelotão aproximou-se da nave, acoplou-


se e assim que a escotilha se abriu, os soldados pularam dentro dela com seus
lançadores de nitrogênio líquido, congelando tudo lá dentro, entre homens e alienígenas.

Depois, verificaram, através de raio laser, quem não estava contaminado e decidiram
levá-los de volta a Landrave.

Antes de deixar a espaçonave, colocaram lá uma bomba nuclear.

Afastaram-se da nave e a explodiram.

Quando pousaram em Landgrave, foram recebidos pelo General Pepe Gusmão, que
informou ao 7º Pelotão a sua descoberta: se os alienígenas eram tão agressivos,
provavelmente haviam desenvolvido este instinto como reação a algum inimigo natural.
E por isso, pediram ao pelotão que fossem até o planeta AH-Gleysson, na Galáxia de
Andrômeda, nossa galáxia vizinha mais próxima.

- Mas isso fica a seis milhões de anos-luz, disse o Pelotão. Como os alienígenas
chegaram aqui?

- Talvez na bagagem de alguma nave alienígena.

O quê? Teríamos no passado sido visitados por seres de Andrômeda?

Mas eles decidiram ir até lá.

Acionaram o motor de massa negativa e partiram para Andrômeda, onde chegariam em


três dias.

Ninguém nunca havia estado no aglomerado estelar Gleysson, em Andrômeda, como


ninguém nunca havia estado na maioria das estrelas do Universo.

A nave do 7º Pelotão rastreou o planeta nebuloso, descobrindo que era coberta por uma
estranha criatura branca peluda veloz. Mas que não parecia agressiva.

"Não pode ser aqui", pensaram.


37

Alguém teve idéia de projetar uma imagem tridimensional do alien frente às criaturas,
que a atacaram ferozmente. Garras e dentes gigantescos pronunciaram-se do ex-
bichinho fofinho, transformando-o num monstro incrivelmente mais assustador do que o
alien.

Então esse era o predador dos alienígenas? E por causa dele, o Alien havia se
transformado naquele ser demoníaco?

Porém, diferente do que acontecia com os alienígenas, o predador não era agressivo
com os seres humanos. Pelo contrário, pareceu até simpatizar com nossa espécie e não
ofereceu resistência quando alguns exemplares foram colocados no compartimento de
carga da nave pousada em AH-Gleysson.

O 7º Pelotão retornou a Via Láctea e decidiram levar os predadores para Landgrave, a


fim de ser analisado pelos biólogos locais.

Mas assim que chegaram no planeta, os predadores ficaram muito agitados. Imaginaram
que a diferença de pressão atmosférica os estava irritando, mesmo que no contâiner em
que os predadores foram alojados, o 7º Pelotão houvesse tentado reproduzir a atmosfera
e pressão de AH-Gleysson.

A idéia era tentar descobrir como adaptar o predador a nossos ambientes


antropometabólicos, como Landgrave. Afinal se o próprio Alien conseguiu se adaptar
tão facilmente, também o poderia, hipoteticamente, fazer o seu inimigo natural.

De fato, o predador adaptou-se ao oxigênio de Landgrave. E nem foi preciso realizar


nenhum teste. Pois os animais romperam as paredes do contâiner e passaram a andar
pelas ruas do planeta, assustando os pedestres.

Como conseguiam se adaptar a um novo ambiente com tanta facilidade? A única


explicação imaginada pelos biólogos era que o próprio planeta deles, AH-Gleysson,
deveria sofrer mudanças climáticas constantes, gerando assim a alteração evolutiva das
espécies, que desenvolveu nelas esta capacidade adaptativa.

Outra coisa que os biólogos estavam desconfiados: o alien estaria presente em


Landgrave e os predadores os estavam farejando.

O General Pepe Gusmão decretou alerta vermelho e toque de recolher. As pessoas


voltaram para suas casas e as trancaram. Aeronaves de tanques seguiam os passos dos
predadores, que continuavam farejando os alienígenas.

O 7º Pelotão continuava lá. Capitão Manfredo Glock seguia um dos predadores, dentro
de um tanque. Em certo momento, seu tanque foi cercado por outros três tanques. E ele
não entendeu nada. Recebeu uma mensagem: "Capitão Glock? Você está preso. Abra
imediatamente a escotilha do tanque e saia, sem suas armas".
38

Só poderia ser engano, pensou. Mesmo assim, acatou a ordem e saiu do tanque,
perguntando: "Porque estou sendo preso?" "Por ser membro do Culto a Tenente
Ripley".

Só existem cinco maneiras de se descobrir uma atividade ilícita: confissão, tortura,


investigação, denúncia ou acidente. Qual delas teria revelado o Culto às autoridades
galácticas?

Em poucas horas, dezenas de militares e autoridades diversas na Via Láctea foram


detidas. Como os nomes dos membros não estavam registrados em lugar algum, a única
explicação é que alguém havia entregue os participantes do Culto a Ripley. Algum
traidor? Ou espião? Alguém que conhecesse a posição de todos os membros, os nomes e
locais de ocupação. Suas bases ou residências.

Só uma pessoa poderia ser acusada naquele momento: o homem mais confiável de toda
a galáxia: Sacerdote Sófocles.

Capitão Glock pensava: "Coloco a mão no fogo pelo Sacerdote Sófocles. Não pode ter
sido ele. A não ser que tivesse sido torturado ou sofrido lavagem cerebral. Sacerdote
Sófocles jamais revelaria uma palavra sobre nosso Culto, a quem quer que fosse".

No entanto, em Dunyach, planeta rochoso de Epsilon Eridani, o diretor regional da


GravitronCargo, a maior empresa privada de transporte de cargas interestelares da Via
Láctea, chamado Zeus Miller ou melhor, Sacerdote Sófocles, também estava sendo
preso, acusado do mesmo crime.

Sim, fazer parte do Culto à Ripley era um crime galáctico. Nada em especial com o
Culto, mas com o fato de ser uma religião. E as religiões e misticismos gerais, inclusive
qualquer tipo de superstição, eram considerados crimes graves na Via Láctea, desde o
Código Interestelar, promulgado quando as estrelas colonizadas por humanos e ebônios
[outra espécie inteligente colonizadora] se uniram, formando a União da Via Láctea,
para proteger nossos interesses galácticos contra possíveis invasores de outras galáxias.
Como os aliens.

E como os humanos conheciam e ingressavam no Culto à Tenente Ripley? Começavam


enfrentando os aliens, espalhados pela galáxia e evoluindo cada vez mais rápido,
tornando-se cada vez mais perigosos e imprevisíveis. Muitos destes guerreiros natos
eram recrutados pelo Comando Anti-Alienígena e só os mais corajosos e confiáveis
eram iniciados no Culto, quando bebiam o Sangue Místico. Um sangue clonado de
Tenente Ripley, formado pelo DNA híbrido de humano e alienígena.

Este sangue trazia alucinações a quem os bebia, remetendo-os a experiências místicas,


como antigamente faziam os nativos terrestres com o peyote.

Todos os membros do culto eram militares ou eram ligados a eles, como Sacerdote
Sófocles, diretor da GravitronCargo, ex-soldado do 7º Batalhão e amigo pessoal do
Capitão Glock.
39

Estes membros, sendo presos, colocariam a Via Láctea em perigo. Os novos alienígenas
tinham uma armadura a prova de balas, só penetrada por explosão nuclear. Uma praga
de aliens-tatus acabaria com a vida na Galáxia.

Quem salvou nosso lar foram os predadores dos alienígenas, quando começaram a
atacar humanos. Mas não eram simplesmente humanos. Eram pessoas parasitadas por
alienígenas, que tomavam todo o corpo de seus hospedeiros, inclusive o cérebro.

E foi assim que os alienígenas descobriram quem eram os membros do Culto. Pois um
deles havia tomado o corpo do Major Villaboin, que estava na nave militar que lançou
as bombas nucleares sobre Landgrave 3A. Antes mesmo de sair da lixeira, o alienígena
já havia espalhado seus embriões. Cuja nova evolução era esta capacidade de parasitar e
substituir os hospedeiros. Como Major Villaboin, que era ninguém menos do que o
sucessor natural do Sacerdote Sófocles.

Estes novos alienígenas não poderiam ser captados pelos sensores militares. Só quem
pôde perceber que estavam ali foram seus redadores.

Estes eram muito mais agressivos, quando deixavam as peles de seus hospedeiros, além
de ter aquela carcaça que os predadores não conseguiam penetrar com seus dentes e
unhas poderosos.

Os alienígenas pareciam inexpugnáveis. Os predadores começaram a ser derrotados por


seu alimento. O que é que poderia ser feito para combatê-los, além da simples
resistência armada que tentava manter os alinígenas distantes, mas que não suportaria
muito mais tempo?

Obviamente o interesse dos aliens nos seres humanos estava relacionado a nosso
metabolismo. Por que os aliens utilizavam apenas os humanos como hospedeiros?
Provavelmente porque os humanos eram os únicos seres da galáxia que desenvolviam
os nutrientes que eles precisavam para a sua reprodução dentro do nosso corpo. Que
nutrientes seriam estes?

Pesquisadores do Museu do Alien, na Terra, decidiram exumar corpos que haviam


servido como hospedeiros de aliens e perceberam que eles tinham uma taxa muito
elevada de triptofanos, um aminoácido.

Ninguém entendeu o porquê de os aliens precisarem de triptofanos para se reproduzir,


mas o Museu do Alien criou um medicamento inteligente que impediria a produção
humana de triptofanos quando invadido por um alienígena.

As cápsulas do remédio foram distribuídas em toda a Via Láctea.

O julgamento dos membros do Culto à Ripley foi marcado. Mas eles também tomaram
a "vacina".
40

Landgrave estava em guerra contra o alienígena mas ao mesmo tempo em quarentena,


pois seria arriscado permitir que humanos saíssem dali em direção a outras colônias
humanas na galáxia. Naquela época, já contávamos 5 mil colônias.

O que as autoridades não sabiam é que alguns aliens-tatus já haviam deixado Landgrave
e partido para outros locais, como a Terra, onde o Culto à Ripley seria julgado. Estavam
dentro dos soldados que escoltavam os prisioneiros, que se transformaram em
alienígenas ainda dentro da nave que transportava os membros do Culto, entre eles
Capitão Manfredo Glock.

A nave já havia atravessado a Nuvem de Oort e aproximava-se dos planetas gasosos.

Os alienígenas não tiveram sucesso em sua tentativa de incubação. Como os


prisioneiros já haviam tomado o anti-triptofano, os embriões não puderam se
desenvolver.

Os militares acordaram de seus pesadelos, livraram-se daquela espécie de teia formada


pela saliva do alien e tomaram o controle da nave.

Fizeram meia volta para Landgrave. Tentariam convencer a todos para que permitissem
ser incubados pelos aliens, que impedidos de se reproduzir, acabariam padecendo. Isto
deveria ser feito o mais rápido possível, pois os alienígenas evoluiam muito rápido e
logo tornariam-se imunes ao anti-triptofano.

75 mil anos-luz separavam o Sistema Solar de Landgrave.

Capitão Manfredo Glock assumiu manualmente o navegador, pois o piloto-automático


não reconheceria o comando de pessoa não-autorizada.

O motor de massa negativa foi levado à potência máxima para que os militares
chegassem a Landgrave em cerca de 1 hora.

A Via Láctea, no entanto, continha cerca de 5 mil colônias humanas. Isto preocupava
Capitão Glock mais do que seu futuro julgamento, em que poderia ser condenado à
morte.

6 – ÁGUA

Acostumados a uma temperatura de cerca de 40 graus Celsius, eles sabiam que iriam
morrer pois o planeta estava se aquecendo muito desde o início da perda da atmosfera.
Toda a água se evaporou e desapareceu pelo espaço também.
- Mãe, estou com sede.
- Eu sei, meu filho. Mas agora precisamos dormir.
- Por que todos estão dormindo, mãe?
- Porque quando dormimos, não sentimos sede.
- Vamos dormir por quanto tempo?
- Por pouco tempo. A água logo vai voltar para nosso mundo e poderemos acordar.
O pequeno ser acreditava na mãe. Deixou-se tomar pelo sono até dormir. Sua mãe
41

dormiu também, como todos daquele planeta.


O sono pareceu durar apenas um instante.
A mãe, o filho e muitos outros indivíduos do planeta desértico começaram a despertar.
A sensação da água invadindo suas células era uma sensação de renascimento.
Aos poucos sentiram-se bastante fortes para despertar completamente e estranhar o
lugar onde estavam.
Entreolharam-se mas ninguém era capaz de dizer que lugar era aquele. Muito menos o
pequeno animal que não queria sair de perto da mãe, como os outros, perto dele, todos
grudados em suas mães.
Observava-os um animal gigantesco de pele brilhante, emitindo um som
incompreensível:
- Dr. Lin, o senhor estava certo: eles estão voltando à vida com a água.
- Observe que cada um deles tem um filhote.
- Mãe e filho?
- Sim, Dr. Seng. Como é a natureza! Mães e filhos dormentes, por 1,3 bilhões de anos,
esperando que alguém lhes trouxesse de volta à vida.
- O mais impressionante é que o planeta está cheio de água. Nos pólos.
- Talvez não entendessem que o gelo fosse água.
Até 2050, os chineses planejavam construir 100 estufas para despertar toda uma
população de nativos marcianos.

7 – A EXTRA-CAFETEIRA DO SENADOR MERDINGUER

O Senador da República Adolfredo Merdinguer, após 35 mandatos seguidos, estava


começando a se sentir exausto.

Desde que a fabricação do extra-comprimido, que rejuvenescia suas células, havia sido
proibida, a única maneira de adquiri-la seria através de contrabando.

Sendo um respeitado Senador da República, acreditava que deveria manter aquela aura
de respeitabilidade.

Mas pensando bem, aos 370 anos de idade já poderia começar a pensar em se aposentar.

O Senador Merdinguer considerava irônico o fato de que ele mesmo havia conduzido a
votação do Senado que proibiu a fabricação e comercialização do extra-comprimido.

Por isso estava sendo considerado conservador.

Toda a parte da sociedade contrária à tecnologia extra-dimensional estava sendo


considerada ultrapassada e reacionária.

Isto era paradoxal, pois estes políticos que acabavam de proibir a fabricação de extra-
medicamentos só estavam vivos graças aos mesmos.
42

O extra-comprimido utilizava o mesmo mecanismo que qualquer outro artefato da


extra-tecnologia: mandava as células de volta ao passado.

Tomando um comprimido por dia, o Senador Merdinguer sempre voltava um dia no


tempo, mantendo suas memórias através de outro medicamento, ainda mais antigo que o
extra-comprimido: a SSQ, sinapse sintética quântica.

Este medicamento, porém, sem contra-indicações, além de não ser proibido, era muito
popular.

No entanto, os extra-medicamentos estavam sendo acusados de adulterar o


comportamento da Civilização Atômica, como ficou conhecido nosso mundo, após a
Revolução Quântica das primeiras décadas do longínquo século 21.

Enquanto a Revolução Quântica trouxe paz e prosperidade para o mundo, a Revolução


Extra-Dimensional começou a gerar o caos, o que fez com que todos os governos do
mundo tentassem a todo custo regulamentar e controlar o uso desenfreado desta
tecnologia apocalíptica.

Crimes foram cometidos, usando-se esta tecnologia.

Quando a estudante de psicologia Boda Gornelinsky foi condenada por matar o


namorado quando ainda estava na barriga da mãe dele, o Álbum Existencial foi
desativado, causando um prejuízo de 100 quatrilhões de dólares à empresa que o criou,
com sede na Califórnia, EUA.

Poucos artefatos extra-dimensionais permaneceriam permitidos.

O Senador Adolfredo Merdinguer adorava os extra-eletrodomésticos que possuía em


sua casa e freqüentemente trocava-os ou atentava-se às novidades.

Todos os dias, quando acordava os dois lados do cérebro, por volta de 8h da manhã,
quando era despertado por sua extra-cafeteira, ao lado da cama, o catálogo da Shoptime
Machine era acionado a sua frente, permitindo que o Senador conhecesse as últimas
novidades.

Quando escolhia alguma, arrastava a imagem para o Reator Doméstico.

Ele se dirigia à cozinha, abria o Reator Doméstico e a energia solar já havia


transformado o hidrogênio na peça que havia escolhido.

De todos os seus extra-eletrodomésticos, o seu favorito era a extra-cafeteira.

A extra-cafeteira da Shoptime Machine copiava e salvava as ondas cerebrais do


Senador, a cada xícara de café que lhe preparava.

Senador Merdinguer havia programado a extra-cafeteira para melhorar o sabor em 2%


de satisfação cerebral a cada xícara.
43

Três anos depois, ingerindo 10 ou 12 cafés por dia, a experiência havia se tornado
extasiante. Um autêntico orgasmo existencial.

Após cada gole, não era incomum ouvi-lo murmurar:

- Isso é bom demais, bom demais...


Como se o ato de tomar uma xícara de café equivalesse ao prazer de mil relações
sexuais.

Muitas vezes surpreendia-se com seu próprio estado de delírio cafeínico e comentava:

- A extra-cafeteira deveria ser proibida!

8 – A ANTENA DO GERMANO

Por que o Einstein acreditava que a velocidade da luz era a máxima velocidade
permitida no Universo?

Porque o ser humano não consegue perceber nenhuma velocidade superior à da luz,
embora ela exista, de acordo com a Teoria do Infinito, uma teoria desenvolvida na
Universidade Municipal de Enfermagem, Nutrição e Filosofia de Pindamonhangaba,
nos longínquos anos 20 do século 21.

Esta teoria, unindo-se ao Princípio da Simplicidade, que foi desenvolvido no Caltech,


nos anos 30 do mesmo século, que demonstrava que “a maneira mais simples de
resolver um problema é a maneira mais simples”, permitiu que o sapateiro profissional e
astrofísico amador Germano Isaac da Silva tivesse a idéia de desenvolver um programa
de computador capaz de perceber ondas superluminais vindas do espaço através de uma
antena supersensível e visualizá-las em câmera-lenta.

Não seria algo assim tão difícil. Germano imaginou que se as ondas eletro-magnéticas
diminuem de velocidade em decorrência do ambiente em que estão se propagando,
obviamente deveria existir um tipo de onda tão rápido que não poderia ser nem
considerado uma onda, mas uma dimensão que estaria presente em todos os lugares do
Universo, ao mesmo tempo. Talvez... a gravidade?

Mas se a gravidade é integrante do espaço-tempo curvo, como ensinava Einstein, seriam


também as outras dimensões [três do espaço e uma do tempo] ondas superluminais?

Germano apontou sua antena para o céu em busca das dimensões/ondas superluminais.

Enquanto ajustava os plugs da antena, descobriu que as ondas eletromagnéticas eram na


verdade ondas eletromagnetodimensionais, isto é, corriam obrigatoriamente dentro de
uma espécie de trilho superluminal que formava o Universo e suas dimensões, além da
gravidade.

- Que legal! – pensou Germano. – Já sei o que vou descobrir quando conseguir
fazer funcionar esta antena.
44

9 – O CONDENSADOR DE LUZ

O professor de física da USP Godofredo Quintella acreditava que para viajar no tempo
seria preciso sair deste Universo e caminhar num “anti-Universo” ou o “verso do
Universo”, como se uma pessoa subisse num prédio pelas paredes externas.

Professor Godofredo não gostava que chamassem esse “anti-Universo” de “Universo


paralelo”. Pois acreditava não haver nada ali.

Como atingir esse anti-Universo?

Por cinquenta e sete anos refletiu sobre isto. Até que numa manhã de inverno , fazendo
a barba, chegou à conclusão:

- Viajando acima da velocidade da luz.


A luz viaja a 300 milhões de km/s porque encontra uma resistência. Essa resistência é a
própria parede da existência do Universo.

Essa parede poderia ser rompida, ele acreditava, concentrando-se a luz num ponto e a
fazendo explodir.

Muita gente havia teorizado e pesquisado sobre coisas semelhantes. Como Stephen
Hawking. E ele estava certo que se entrasse numa máquina destas, seria pulverizado e
não veria coisa nenhuma.

Aos 98 anos, acreditando que não tinha nada a perder, construiu o seu Condensador de
Luz e se sentou na frente dele.

Bastariam seis segundos de condensação. A luz o atravessaria como um laser e seria


absorvida por um dispersador que a enviaria ao espaço.

Ele apertou o botão e liberou a luz.

Sua teoria estava quase certa. Ele, de fato, saiu do Universo mas não encontrou um anti-
Universo. Encontrou uma espécie de Universo paralelo primitivo e em suspensão
temporal, onde um Big Bang eterno, formado por toda luz de todos os Universos que ali
eram jogadas por seus buracos negros e se concentravam eternamente num único ponto
que se expandia, formando novos e infinitos Universos.

Nosso Universo, soube Professor Godofredo, era apenas uma centelha entre infinitas
explosões que ocorriam num lugar que nunca teve começo nem terá fim, pois ali não
existia o tempo.

Professor Godofredo chorou, suspenso no vácuo. Pois havia descoberto o segredo da


Existência mas não poderia contar a ninguém.
45

10 – HOMO DECURRENS

O cérebro deles é maior que o do Homo sapiens.

Poucos dias após nascer, sabem andar, conversar, ler pensamentos, ouvir e ver à
distância e se teletransportar.

Não ficam doentes e seu objetivo é manter contato com seres extraterrestres e formar
colônias espaciais.

Sua maior dificuldade é escolher a hora de morrer.

Como sua reprodução é remota, há programas para manter contato entre pais e filhos.

Debatem, sobre interferir ou não em civilizações extraterrestres primitivas, bem como


lutar para manter contato com seres mais evoluídos.

Este é, basicamente, o Homo decurrens.

11 – CONTATO REAL

Então eles chegaram.

Primeiro pensaram que era um cometa em direção a Terra, dados sua velocidade e seu
brilho. Mas logo perceberam, quando ultrapassou a órbita de Júpiter, tratar-se de uma
espaçonave oval com 200 metros de diâmetro e 500 de comprimento.

As autoridades militares estabeleceram alerta vermelho em todo o mundo. Foram


criados escudos aéreos em todo o Globo, inclusive com armas nucleares e os mísseis
terrestres foram apontados para a nave alienígena.

Se a nave se aproximasse a menos de 30 mil km da Terra, seria destruída. Melhor


prevenir do que remediar. E se não houvesse remédio?

Surpreendentemente a espaçonave entrou em órbita da Terra a 45 mil quilômetros de


altura e lá permaneceu.

No dia seguinte, bolhas muito brilhantes com um metro de diâmetro foram


testemunhadas em todo o mundo.

Sobrevoavam sobretudo os oceanos, lagos, rios. Pareciam ter especial interesse pela
água mas eram velozes demais par ser interceptados pelos caças.

Todos estavam amedrontados.


46

No segundo dia passaram a visitar universidades, laboratórios, instalações militares e


aeronáuticas, observatórios, comunicações. As bolhas eram inatingíveis e assim as
autoridades sentiam-se impotentes e a população mundial vulnerável.

Finalmente as bolhas de luz interessaram-se pela produção de alimento.

No quarto dia, as bolhas concentraram-se junto aos observatórios astronômicos.

Um astrônomo chileno, Julio Kongre saiu do prédio e observou uma das bolhas, que
analisava o telescópio.

Pegou um carvão e na parede branca do próprio observatório fez um grande desenho da


Via Láctea. Desenhou uma seta que ia em direção a outra ilustração do Sistema Solar
com a Terra em destaque.

A bolha observou atentamente.

Com um raio de luz, o alienígena também fez uma seta que saía de uma estrela do outro
lado da Via Láctea. Desenhou um sistema com 48 planetas e destacou um deles.

O chileno ficou impressionado. Os visitantes atravessaram cerca de 40 mil anos-luz para


chegar a Terra.

As outras bolhas imitaram a companheira e fizeram o mesmo desenho nas paredes dos
outros observatórios.

A desconhecida estrela foi chamada “Lar dos Visitantes”.

No quinto dia as pessoas passaram a não temer mais os alienígenas. Acharam que eram
visitantes cordiais.O mesmo chileno destavez desenhou um homem embaixo da Terra.
A bolha desenhou uma espécie de artrópode. Então eles eram assim. Não humanóides.
Mas cparecidos com insetos de várias pernas. As outras bolhas fizeram o mesmo
desenho.

Durante uma semana os astrônomos ensinaram as bolhas a ler e escrever. Cada um em


seu idioma. Muros foram erguidos para que as bolhas pudessem ser alfabetizadas.

Os astrônomos se reuniram e decidiram as perguntas que fariam às bolhas. Ficaram


maravilhados.

Nome do planeta deles: “Aquilo que somos neste momento”. Nome da estrela: “A luz
forte do início e do fim”.

O que respiram e do que se alimentam: água. E foi por isso que vieram até aqui. Porque
a Terra e Aquilo-Que-Somos-Neste-Momento eram irmãos neste sentido. Ambos os
planetas desenvolveram vida na água e também em ambos, a água havia chegado do
espaço, bem como todos os outros elementos que geram vida.
47

Há quanto tempo conheciam a Terra e o Sol? Há duzentos milhões de anos, porque


haviam desenvolvido um mapa espectral de todos os lugares da galáxia onde havia
água.

Por que só vieram agora?

“Para salvar vocês. A Terra será destruída em três dias”.

Como?

“O Sol entrará em grande atividade e lançará milhões de vezes mais material no espaço
do que costuma lançar. O vento solar destruiria a vida até em Plutão, se lá houvesse.
Nenhuma forma de vida sobreviverá na Terra”.

Para onde vamos?

“Para um planeta junto ao nosso que preparamos para vocês. Terão que se adaptar, pois
a gravidade é um pouco maior. Sentirão-se pesados. Há mais oxigênio do que na Terra,
porém a pressão atmosférica é menor. Sentirão-se desconfortáveis, mas acostumarão-
se.”

Como será o resgate?

“Entrem na água. Vamos absorver toda a água da Terra em nosso veículo e levá-los para
seu novo planeta”.

Deveríamos acreditar na história deles?

Julio Kongre e os outros astrônomos observaram o Sol.

No terceiro dia, como anunciado pelos Artrópodes, o Sol transformou-se numa bomba
nuclear de dimensões inimagináveis.

12 – NÃO SOMOS DEUSES

Calor e pressão tornam carbono em diamante.

Esse era o motivo para descermos em Júpiter: procurar diamante.

Não apenas para enfeitar dedos das namoradas de milionários, o diamante tinha
infinitas utilidades.

Sabíamos produzir diamante artificial mas o custo era absurdo.


48

Com esse diamante industrial, construímos a sonda que desceria em Júpiter. Pois
só uma nave cujo casco fosse feito de diamante poderia descer neste planeta sem
implodir.

Também as roupas dos dois jupiternautas seriam fabricadas em diamante. Mas


na primeira missão, não havia previsão de fazer os prospectores caminharem no planeta.

Porque não descer uma sonda não-tripulada?

Porque as missões não-tripuladas traziam resultados pífios. Os computadores


mais avançados não dispunham daquela criatividade e intuição peculiares aos seres
humanos.

2.753 testes provaram isto. As próprias luas de Júpiter serviram de cenário.

Missões tripuladas e não-tripuladas foram enviadas a Io, Ganimedes, Calisto e quase


todas as outras. Mas as missões robóticas traziam resultados medíocres, enquanto as
tripuladas colhiam milhares de informações. Isto não significava que sondas fossem
dispensadas.

A prospecção em Io foi realizada por controle remoto, dada a impossibilidade de


se pousar neste satélite.

E Júpiter?

O laser descobriu que o planeta possuía continentes rochosos, seguros para o


pouso, sem considerar as regiões vulcânicas. É que o planeta é uma panela de pressão.
Tudo é enterrado. Até que o calor enlouquece as moléculas e manda tudo pelos ares.

O Pólo Norte era a região mais segura. Sofrendo menos força centrífuga, a
região era um bloco sólido que recebia novas camadas, ano após ano, trazidas pela
ventania eterna de Júpiter.

Imaginem a quantidade de diamante que poderia estar sedimentada nestas


camadas da crosta jupiteriana.

Aliás, a ventania e a eletricidade atmosférica seriam aproveitadas pela sonda.


49

Para descer, utilizáramos a própria gravidade do planeta. Para subir, planar até a
mesosfera e lá acionar os dezesseis motores a hidrogênio, captado na própria atmosfera
jupiteriana.

As baterias da nave, recarregadas continuamente através de quatro sensores.

Júpiter, em 2036, era orbitado por três estações que formavam uma única
organização independente. Ou seja, a Missão Júpiter não pertencia a Terra e portando
era auto-administrada. Também era autônoma. Não dependia de nada de fora, mas
negociavam normalmente com a Terra e com outras estações.

Estavam muito interessados em extrair diamante em Júpiter para vendê-lo a


Terra. Por isso, projetaram a cápsula de diamante a encomendaram a Endecha, empresa
russo-chinesa especialista em construir espaçonaves sob encomenda a preços
convidativos.

A Endecha despachou três sondas para Júpiter a um custo de US 350 bilhões, ou


seja, 45% do faturamento anual da Missão Júpiter.

Portanto, se não encontrássemos algo lucrativo em Júpiter, desistiríamos do


projeto e continuaríamos explorando as luas do planeta gigante e comercializando
projetos de espaçonaves e estações espaciais, as três especialidades dos 36.729
habitantes da Missão Júpiter. Também estudávamos expandir as atividades a Saturno.
Caso a Terra autorizasse, o que não estava fácil.

- Vocês se tornaram um organismo independente porque não queriam a Missão


Júpiter atrelada a interesses comerciais e políticos. – era o argumento difícil de ser
contestado deles.

O problema é que nossos recursos eram limitados. Vejam só o custo da descida


em Júpiter.

Testamos as cápsulas e escolhemos os “jupiternautas”, como os chamávamos.


Dez.

Dois principais, os que desceriam. Oito reservas. Dois em cada cápsula.


50

Uma vez lá em baixo, não saberíamos o que estaria acontecendo. A atmosfera


jupiteriana não permitiria transmissão por rádio nem por laser, a não ser que as mesmas
transmissões fossem repetidas milhares de vezes para que os computadores da Missão
Júpiter decifrassem as mensagens.

A descida levaria 36 horas e chegaria a quase 10 mil quilômetros por hora, sendo
freada através de planação e dos tradicionais e insubstituíveis paraquedas. Mas não de
plástico, como usam na Terra. De diamante mesmo. Quatro freios que se abririam no
exterior da cápsula.

Tantos equipamentos só permitiam o espaço para dois tripulantes que mal


podiam se mexer dentro da sonda.

André Luft e Manuela Mabe.

Nascidos na Terra, foram para a Missão Júpiter aos 32 e 36 anos,


respectivamente. Tornaram-se dos mais conceituados mineradores do Sistema Solar.

Se houvesse diamantes ou algo lucrativo em Júpiter, saberiam.

Nunca antes se viram tamanhas turbulências.

- Vamos morrer! – disse André antes de desmaiar.

Manuela tentava acionar a ignição para a cápsula voltar, sem sucesso. Ela
mesma desmaiou.

Faltando 10 mil quilômetros, os freios e as asas foram acionadas. A velocidade


foi reduzida, bem como a turbulência e logo os jupiternautas acordaram.
51

Diferente do filme “2001”, não se via nada lá fora. As lentes de diamante só


captavam a mais profunda escuridão, enquanto os microfones de diamante captavam um
zumbido infernal.

Tampouco o infravermelho. Não havia nada para ser visto.

- Estou com sede. – disse André.

- Eu também. – respondeu Manuela.

Beberam um soro especial que os astronautas levavam, que matava a sede,


alimentava, dava energia,deixava a pessoa esperta e tranqüila, ao mesmo tempo. Por
isso todos eram viciados nele, cada um com seu sabor favorito, como chocolate,
morango, café com leite, pêssego, etc.

Faltando nove mil quilômetros, a cápsula começou a frear espontaneamente.

- É líquido, disse André. – Como o laser não previu isto?

- Não refletiu o laser. – respondeu Manuela.

- Desligue os freios.

Manuela desligou-os.

A nave ganhou velocidade.

- Hélio líquido. – descobriu André.

- Vamos levar uma eternidade para chegar lá embaixo.

- E se ligarmos os propulsores?

- Boa idéia.

Ficaram de cabeça para baixo e ligaram os motores. Sem muito hidrogênio,


naquela camada, a nave não ganhou muita força mas ao menos conseguiram acelerar a
descida.

Faltando 4 mil quilômetros, a nuvem de hélio líquido acabou.


52

- Anote aí, André. As próximas cápsulas deverão ter motores híbridos, como os
de Europa.

- Por que não pensamos nisso antes?

- Porque nunca estivemos em Júpiter.

- Acabou o vento. Isto é, está a 200 km/h, o que, em Júpiter, é uma brisa, ainda
mais nesta altura.

- Luz.

- Veja. O que será isto?

- Não parece a cor de Europa?

- Ficou marrom. Agora vermelho. Marrom. Amarelo.

- Não é possível.

- O quê?

- Pense na cor azul.

- Meu Deus!

- Estamos tendo uma alucinação juntos?

- Passe o que foi gerado no último minuto.

- Não é alucinação. Lá fora aparecem as cores que pensamos.

- Encontra uma explicação para isto?

- Não. Vê se não pensa em pornografia.

- Já pensei. Só apareceram as cores.

- Por isso ficou roxo.

- 1000 km.

- Motores.

- Ok.
53

- 900 km. 800 km. 700 km. 600 km. 500 km.

- Parece um local seguro?

- Sim. É plano e sólido.

- E quente. 400º.

- Fornalha.

100 km.

- Reduzir velocidade.

- 500 km/h. 400 km/h. 200 km/h.

- Parece tudo bem. Pode aumentar.

- 300. 400. 500.

- Está bom. Faltam 50 km. Chegaremos em 5 minutos.

- Faltando 10 km, frearemos.

- Ok.

- Enquanto isso, estou vendo meus pensamentos na tela.

- Quem é?

- Minha mãe.

- Bonita. Veja a minha.

- Intelectual, hein?

- É professora de história.

- Este é meu pai. Morreu num acidente de avião. Eu tinha sete anos.

- Este eu não sei quem é.

- Está pensando nele?

- Não.
54

- É o seu inconsciente, talvez.

- Um bebezinho.

- Meu Deus do céu...

- Que foi?

- Meu irmão gêmeo. Ainda mora na Terra.

- Júpiter lê nossos pensamentos, até os inconscientes.

- Isto é o que você queria fazer comigo?

- Sim.

- Não há muito espaço aqui. Talvez quando voltarmos.

- Freie.

- Ops. Íamos nos esborrachar.

- Não, o freio automático seria acionado.

- Seria um tranco terrível.

- Deixe a nave pousar.

- Pouso automático acionado.

O pouso foi suave como de uma pluma. O solo de Júpiter, naquela região,
próximo ao Pólo Norte, era como uma mesa de mármore. Liso e totalmente plano.

- Acredite se quiser, Manuela, lá fora tem oxigênio. E a pressão atmosférica é


igual aqui de dentro da cápsula.

- Não pode estar certo.

- Está vendo isto?

- Sim.

Lá fora, a imagem de uma cápsula sendo aberta e dois jupiternautas saindo dela.
A imagem se repetia assim que acabava.
55

- Será uma armadilha?

- Ponha o escafandro.

- Está bem.

Vestiram os escafandros.

Assim que André acionou a escotilha superior, um alarme começou a soar.


Haveria dez segundos para desistirem. Não desistiram.

A porta foi aberta.

André saiu. Imediatamente degraus escamoteáveis surgiram na traseira da


cápsula. André desceu, seguido por Manuela.

- André, se minha cabeça explodir, entre na nave e vá embora.

- Não faça isso...

Antes que terminasse de falar, Manuela retirou o escafandro.

Respirou e fez sinal para André retirar também. Ele o fez.

- O ar é fresco.

“O ar é fresco”. – ouviram.

- Eco.

“Eco”. – ouviram também..

“O ar é fresco. O ar é fresco”. – ouviram novamente.

- Não é eco. Disse Manuela, ouvindo a repetição desta frase e das anteriores.

- Não estamos sós. – disse André. – Apareçam.

Blocos retangulares com 30 cm x 20 cm x 20 cm surgiram à frente dos


terráqueos. Cem, logo mil, um milhão, um bilhão, infinitos. Estava escuro. Os blocos
eram cinzentos, mas era possível observá-los.

- Posso tocar em vocês? – disse André, aproximando-se de um bloco.


56

Tocou as mãos nele.

- Somos da Terra. – disse André. Como vocês chamam seu planeta?

Ouviram um som ininteligível.

- Que nome complicado. – disse Manuela.

- Somos humanos. E vocês?

Ouviram o mesmo som.

- Pelo jeito o nome do planeta é o mesmo que eles dão a si mesmos.

- Como vocês nos chamam?

Ouviram um som diferente.

- Como chamam a Terra?

O mesmo som.

- Eles dão o mesmo nome ao planeta e aos habitantes.

- Sabem por que viemos até aqui?

Ouviram o mesmo som que representava os jupiterianos.

- Não, não viemos encontrar vocês. Viemos procurar diamante.

Ouviram o mesmo ruído.

- Espere aí. Já entendi: eles são feitos de diamante!

- Diamante vivo! Por que não? Nós somos feitos de carbono.

-Temos algo em comum. Os terráqueos e os jupiterianos são feitos de carbono.

- Meu Deus...

“Meu Deus...” Os jupiterianos repetiram.

- Sim, Deus. Vocês acreditam em Deus?

Repetiram o som que representava os terráqueos.


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- Não! Não! Não somos deuses! Somos apenas humanos.

“Humanos. Deuses”. – repetiram os jupiterianos.

- Porque pensam que somos deuses?

Mostraram a imagem dos terráqueos chegando.

- Já sei. O céu deles é a morada dos deuses. Se viemos de lá, eles pensam que
somos deuses.

- Amigos, viemos de outro planeta. Da Terra. O Sistema Solar tem oito planetas
principais e vários outros secundários, chamados anões, além de incontáveis asteróides.
Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno são os planetas
principais.

- Vocês não sabiam da existência de outros planetas?

Ficaram inicialmente em silêncio. Depois falaram:

“Já entendemos sua linguagem. E podemos repeti-la. Estamos aqui desde a


criação do Sistema Solar. Mas nós evoluímos a partir do carbono puro, na forma de
diamante. Fomos atingidos pela eletricidade de Júpiter, durante centenas de milhões de
anos e ganhamos vida. Assim como vocês, com a diferença de que além do carbono e da
eletricidade, vocês também são formados por água. Aqui em Júpiter, há uma outra
espécie, formada por hidrocarbono, mas ainda é primitiva. Não sabíamos que havia
outros mundos além do nosso. Só sabíamos que o céu é a morada dos deuses. Por isso
pensamos que vocês eram deuses.”

- Incrível essa compreensão da idéia de Deus ou deuses. Como vocês


aprenderam isto?

- Assim como vocês. Seres desceram do firmamento e se apresentaram como


deuses. Disseram que eram nossos criadores.

- Não é possível...

- Vocês pensavam que era apenas uma lenda bíblica ou lendas de povos
primitivos. Se isso aconteceu em Júpiter, também pode ter acontecido na Terra.
58

- Temos muito o que conversar mas precisamos voltar. O engraçado é que


encontramos o que viemos procurar: diamante. Mas não podemos usá-lo.

- Se quiserem, podemos fornecer diamante morto. Um bilhão de anos atrás, nós


ainda morríamos. Esse lugar onde estamos é um cemitério de diamantes. Mas o
diamante morto é o equivalente ao seu petróleo. Talvez descubram algum uso para ele.

- O que querem em troca?

- Há tanto diamante morto aqui em Júpiter que forneceríamos 1% dele a vocês


durante mil anos. Mas apreciamos o que vocês nos deram. A compreensão do Universo.
E muito mais. Os humanos contestam aquilo que conhecem. Não acreditam naquilo que
vêem. Por isso partem em busca do conhecimento. Por isto vieram a Júpiter. E vão mais
longe. Queremos conhecer outros humanos.

- Nós somos 25 bilhões.

- Somos 800 sextilhões. Mas a diversidade humana parece bem maior. Pelo
menos, é o que lemos em suas mentes.

- Então, outro dia a gente volta.

Antes de fecharem a escotilha, os jupiteriamos disseram:

- André. Manuela. Reflitam sobre uma coisa: o verdadeiro motivo da exploração


espacial humana não seria a busca de Deus? Se os humanos não tivessem interesse
nessa busca, teriam evoluído? E aqui em Júpiter? Não evoluímos para esperar esse
momento em que encontraríamos deuses e leríamos os seus pensamentos, mesmo tento
nos enganado sobre os humanos? Lemos em suas mentes que o Universo vai acabar.
Graças a nossa evolução, tornamo-nos imortais. Graças à evolução humana, vocês
conseguiram sair da Terra e chegaram a outros planetas. Qual será o propósito de tudo
isto?

- Um dia saberemos. – disse Manuela.

Os dezesseis motores foram acionados e os dois jupiternautas voltaram a Missão


Júpiter.
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Eles contaram tudo o que viram. Os tripulantes da Missão ouviram a gravação


nítida feita pelo computador da cápsula. 80 horas de informações.

No dia seguinte, um portal abriu-se no espaço e de lá saíram cerca de 100


jupiterianos.

- Deixem que eles entrem. – pediu André.

A porta foi aberta.

- Amigos de Júpiter, bem vindos a Missão Júpiter.

- Descobrimos para que serve o diamante morto. Eis aí o portal. Para onde vocês
querem ir?

Na Missão Júpiter, o secretário-geral era escolhido por sorteio, entre os cem


tripulantes mais antigos, e seu mandato durava um ano terrestre ou um mês jupiteriano.
[O ano em Júpiter equivalia a dez anos terrestres e era dividido em dez meses com
nomes de numerais gregos, alfa, beta, gama, delta, etc].

Quando um secretário tomava posse, realizava-se o sorteio do seguinte, que


passaria um ano se preparando.

Durante a Descida, o secretário-geral foi o Dr. Arthur Elbruss, exominerador que


estava em Júpiter há seis anos.

A escolha era feita por sorteio pois era um cargo que ninguém queria ocupar.
Astronautas não têm personalidade política. O perfil dos homens e mulheres que se
mudavam para o espaço era o da anarquia, da aventura, da ausência de regras de
comportamento.

Este perfil, misturado ao ambiente vertiginoso, tornava as pessoas neuróticas e


às vezes psicóticas. Era comum ver tripulantes conversando com alienígenas
imaginários, por isso todos eram dependentes químicos de tranqüilizantes de vários
tipos.
60

E todos tinham o mesmo sonho, sempre que dormiam: Júpiter.

Dr. Elbruss sonhava que estava caindo no planeta. Na verdade, estavam em


queda livre mesmo, mas as velocidades das três estações as mantinham em órbita da
bola de gás e diamante.

Dr. Elbruss nasceu em São Paulo, em 1997. Em 2026 já tinha um diploma de


doutor em exomineração pela Universidade de São Paulo, campus da Lua. Em 2030
chegou na Missão Júpiter, que começou a ser construída em 2019 e ficou pronta em
2032, tornando-se independente no mesmo ano O próprio Dr. Elbruss colaborava com
30% de suas bolsas de estudo, desde o primeiro ano da faculdade. Por isso seus
tripulantes sentiam-se em casa. “Missão Júpiter foi construída por nós”, era o lema da
organização.

Mas a independência trouxe um problema. Aos poucos, a missão foi afastando-


se das normas de exploração espacial. As pesquisas tripuladas ocorriam antes dos seis
meses mínimos indicados para a presença de sondas não-tripuladas. Enviávamos uma
sonda e logo em seguida desciam naves tripuladas. Rapidamente construímos bases em
todas os satélites, exceto em Io, hostil como um vespeiro.

Io tinha um satélite próprio com dois vulcanólogos. Não havia tecnologia para
exploração mineral nesta Lua tão singular do Sistema Solar.

Outra norma abandonada foi o uso de energia nuclear. Mais barata e mais
eficiente, todas as nossas naves e as próprias estações utilizavam propulsores nucleares.

Como as sondas de diamante, movidas a fusão de hidrogênio e fissão de hélio.

O resultado destes abusos era que 80% da tripulação estava com câncer. Mas
ninguém sabia disto na Terra. Nem poderiam saber.

Para não importar toneladas de V.S.A.C [vírus sintético anti-cancerígeno],


produzíamos em Júpiter mesmo, num laboratório da base Ganimedes.

Dr. Elbruss tomava o seu comprimido diário. O V.S.A.C. não se reproduzia pois
ele se destruía junto com a célula cancerígena quando a encontrava.
61

Sua temporada como secretário-geral estava no fim. Logo seria substituído e


gozaria férias na Terra. Mas Elbruss estava tão cansado que pensava em não voltar mais
a Júpiter.

A terceira norma descumprida era o nível de oxigênio respirado. 80%. Bem


acima do respirado na Terra. No espaço respirava-se normalmente muito mais oxigênio,
que causava uma sensação agradável, mas os jupiternautas abusavam.

O raio laser descobriu camadas de carbono flutuando no oceano de hidrogênio


de Júpiter . Geralmente onde não havia tempestades muito violentas. Eram gigantescas,
maiores que os continentes da Terra.

A sonda de diamante desceu num período de calmaria do Pólo Norte jupiteriano.


Seria impossível enfrentar as descargas elétricas de voltagem incalculável da atmosfera
do colosso.

Dr. Elbruss iria voltar Terra de carona na Endecha. Mas resolveu voltar a Terra
através do portal de diamante morto.

Como funcionava o portal?

Ao ser bombardeado por raio laser, os cristais de carbono desapareciam e


ressurgiam na forma de antimatéria. Mas o mesmo carbono reaparecia por uma fração
de segundo, como se tivesse feito uma viagem no tempo.

Os diamantes vivos jupiterianos descobriram que o carbono escapava do


Universo, podendo reaparecer em outro lugar, desde que sua antimatéria lá estivesse.

Para fazer a antimatéria viajar, fizeram-na fundir-se com a própria matéria. E


poderiam definir as coordenadas do reaparecimento através de informações gravadas
nos núcleos dos átomos.

Em seguida, descobriram que qualquer coisa que estivesse envolvida por este
diamante morto poderia viajar junto.
62

Dr. Elbruss entrou no portal e imediatamente estava numa praia, em Ubatuba,


onde moravam seus pais.

Chegou às 7h30m de um domingo.

Seu pai ficou assustado. Achava que Arthur só chegaria em 30 dias, tempo da
viagem entre a Terra e Júpiter.

A alegria foi geral. Sua mãe, irmãos, sobrinhos, primos, todos acordaram para
visitá-lo. Alguns amigos também.

Arthur estava acompanhado de Besouro, apelido que deu a um diamante que o


acompanhou, em estado de invisibilidade.

Depois do almoço, Arthur foi andar na praia.

- Muitos sentimentos em seu peito, Arthur. – disse Besouro. – Nós não temos
sentimentos.

- Isso é bom ou ruim?

- Bom. Não há sentimentos bons como os seus e de seus entes, nem há


sentimentos maus, como os de muitos na Terra.

- Você acha a Terra bonita?

- Sei que você acha. Então compreendo que para vocês, humanos, a Terra é bela.

- Júpiter, de longe, é um belo planeta.

- Para os humanos, o belo é sinal de vida.

- É mesmo?

- Sim. É um instinto humano.

- Acho que você tem razão.

- Vou explorar o planeta. Volto em breve.

- Boa viagem.
63

Besouro desapareceu no horizonte.

No dia seguinte, Arthur foi ao Dr. Jorge Leite, oncologista.

- Você está enganado, Arthur. Você não tem câncer.

- Impossível. É que eu tomo V.S.A.C., deve ter escondido o câncer.

- Mesmo com V.S.A.C. dá para saber. Há um teste de V.S.A.C. para verificar se


ele está funcionando e deu negativo. Ou seja, você está tomando V.S.A.C. à toa, pois
não há nenhuma célula cancerígena em seu corpo. Vamos fazer novos exames, terça que
vem.

Quando Arthur saiu da clínica em Campinas, foi cercado por homens com roupa
anti-contágio. Levado a um prédio do governo e interrogado por um homem que se
apresentou como Coronel Estevão.

- Dr. Elbruss, Missão Júpiter sofrerá intervenção. Vocês estão colocando a vida
humana em perigo.

- Por quê?

- Vocês estiveram em Júpiter. Encontraram vida no planeta.

- São nossos amigos.

- O hidrocarbono também?

- São seres primitivos.

- Que se reproduzem como moscas.

- E daí?

- O hidrocarbono é um vírus, Dr. Elbruss.

- Que causa qual doença?

- Ainda não sabemos. Mas você não deveria ter voltado a Terra contaminado.

- Contaminado?
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- Você é hospedeiro do hidrocarbono.

Dr. Elbruss entendeu:

- Foram eles...

- O quê?

- Que curaram meu câncer!

E assim, descobrimos para que servia o hidrocarbono jupiteriano. O que, a longo


prazo, o hidrocarbono poderia causar aos seres humanos só saberíamos com o tempo.

Em poucas semanas, ele se alojou em todos os seres vivos da Terra, curando


nossas doenças, como um vírus inteligente, semelhante ao V.S.A.C.

375 mil anos depois, Arthur e Besouro encontraram-se com o casal André e
Manuela na Galáxia Amêndoa, situada 11 bilhões de anos-luz da Terra.

Em Amêndoa viviam muitos humanos, pois havia inúmeros sistemas e planetas


semelhantes a Terra. Seus habitantes eram formados por carbono, como no Sistema
Solar.

Arthur, André e Manuela eram os homens mais velhos do Universo.

- Chegou meu dia. – disse, serenamente, Arthur.

- Tem certeza? – perguntou Manuela.

- Tenho. Penso nisso há 5 mil anos. Vim me despedir. Fiquem com o Besouro.
Ele vai gostar da companhia de vocês.

- Adeus, amigo. - disse Besouro.

- Obrigado por ter feito companhia a mim todo esse tempo.

- De nada. – respondeu o diamante desprovido de emoções.


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Arthur voltou a Terra, para o lugar onde era Ubatuba.

Permitiu, enfim, que o hidrocarbono deixasse seu corpo, simplesmente


concentrando-se neste fato. Era assim que os humanos morriam, nos últimos 375 mil
anos, desde o ingresso do hidrocarbono. Decidiam pelo fim da vida e concentravam-se
na eliminação do hidrocarbono, que entendia a mensagem e abandonava os corpos que
mantinham vivos e livres de quaisquer doenças.

Doutor Arthur Elbruss sentou-se junto a uma árvore e olhou o mar, enquanto
esperaria o fim de seus dias no Universo.

Ainda sonhava com Júpiter.

13 – A MÃE DE MITSVAN

Meu nome é Emerson Toledo de Souza. Meus pacientes e colegas me chamam de Dr.
Emerson. Eu queria ser chamado de Toledo, mas no Brasil o primeiro nome é mais
usual do que o sobrenome. Talvez isto seja originário do tempo da escravidão, em que
as pessoas não tinham sobrenome. Drs. Toledo deve ter vários. Eu mesmo conheci três.
Dr. Marcelo Toledo era um jovem clínico geral do Hospital das Clínicas. Dr. Gerson
Toledo, cirurgião vascular do Hospital São Camilo de Santo André. E Dra. Fátima
Toledo foi minha professora de patologia na USP. Todos nós talvez descendentes de
espanhóis. Eu devo ser mas meu ancestral espanhol mais velho deve ter vivido uns 200
anos atrás no Brasil. Mas vamos ao que interessa porque não sou antropólogo nem
genealogista nem heraldista.
Eu sou ortopedista. Formei-me em 1963, aos 23 anos e até os 27 já tinha feito todos os
cursos especializantes e mais palestras e congressos e simpósios e tinha o diploma de
pós-doutorado em medicina. Quem pagou minha faculdade e parte dos outros estudos
foi meu pai, Miguel Ramos de Souza, cardiologista, hoje aposentado e criando
morangos em Nazaré Paulista. Eu também tinha um sítio lá. Minha mãe vive em meio
aos morangos com meu pai. Ambos têm 79 anos. Mas são bem lúcidos. E não tem
problemas cardíacos. Nunca fumaram nem beberam. Alimentam-se adequadamente.
Sempre evitaram o stress. Meu pai foi um dos precursores no Brasil da tese de que
problemas cardíacos estão relacionados ao padrão de vida de uma pessoa. Não havia um
final de semana em que meus pais não viajavam para o campo. Lá no sítio tem uma
piscina e quadra de futebol. Para minha família e nossos pacientes, esporte é lei.
Seguindo o exemplo de meu pai, receito remédios, fisioterapia e esportes. Sou muito
rígido quanto a esta última parte. Ah, minha mãe se chama Maria Rosa Toledo de
Souza.
Para quem não sabe, o Hospital das Clínicas é da USP e vivo lá desde estudante. Exceto
nas férias, jamais passei uma semana sem atender no HC, embora desde 1971 tenha
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consultório particular à rua Clodomiro Amazonas. É lá que ganho dinheiro. Em 1973 fui
convidado pelo reitor da USP a dar aulas na própria universidade. Hoje, sou orientador
do doutorado. Ganho muito bem como professor e médico da USP (além das palestras
aqui e ali), mas minha clientela é de classe alta e cada consulta minha custa R$ 250,00.
Tenho 4 ou 5 consultas por dia, três vezes por semana. Ao contrário do que algumas
pessoas possam pensar, não recebo comissão da indústria farmacêutica. Quando
acredito que dois ou mais remédios são bons, indico os três na receita e o paciente
adquire o que estiver acessível.
Vivo bem. Eu e minha família. Fui casado por 20 anos. Casei-me em dezembro de 1975
e vivi com Raquel até 1995. Eu a conheci numa lanchonete do HC e foi uma paixão
fulminante. Eu nunca tinha sentido aquilo antes, com nenhuma namorada. Aliás, quando
a conheci eu estava namorando com uma médica havia 3 anos. Não demorou uma
semana para que eu a substituísse por Raquel. Sou amigo de Sandra até hoje, cruzamo-
nos sempre pelos corredores e ruas do HC e da USP. Quando "desmanchamos", como
se dizia à época, a reação dela foi natural. Fria otorrinolaringologista, resistiu um pouco
à recente lei do Hospital das Clínicas, seguindo uma tendência mundial, de que os
médicos devem tratar seus pacientes como seres humanos ou seja, cordialmente. A
maioria dos médicos torna-se fria com o tempo, mas alguns exageram e consideram os
pacientes como animais. Deveriam ser veterinários. E veterinários tratam bem seus
pacientes. 90% dos médicos atenderam a norma, como Dra. Sandra. Para a sorte dos
pacientes. Eu mesmo sempre tratei muito bem meus pacientes. Nunca os vi como
animais de laboratório. Sou dos raríssimos médicos que procura pacientes que
interrompem tratamentos. Se faltam a consultas ou desaparecem, peço para minha
secretária telefonar e ver o que aconteceu. Muitos pacientes são meus amigos.
O mais antigo já morreu. Dr. João Correa, advogado, estaria com uns 110 anos hoje.
Passei a atender toda sua família, filhos, netos, bisnetos, tataranetos. Hoje em dia em
São Paulo é raro acontecer isto. Os jovens gostam de consultórios em que a secretária e
o médico usam computadores. Eu os tenho. Reformo o meu a cada três ou quatro anos.
Não são só seus conhecimentos que um médico deve atualizar. Mas geralmente os
médicos de minha idade que trabalham em consultórios ultrapassados, com fichário de
aço, são os mesmos que pedem para o paciente "não tomar friagem".
Eu e Raquel tivemos quatro filhos. Meu mais velho tem 22 anos. Gabriel. Está se
formando em psiquiatria. Interessante, não? Lúcia tem 19 e cursa o 2º ano de biologia.
Ambos na USP. Mas meu filho Guilherme, que tem 18, pediu-me para enviá-lo aos
Estados Unidos. Está fazendo cursinho preparatório para medicina em Harvard. Eu, pai
de um aluno de Harvard. Grande orgulho.
Ele não sabe ainda qual especialidade seguirá. Minha princesinha Mitsvan (o único
nome escolhido por minha mulher e sabe Deus o que significa) tem 11 anos e cursa a 5ª
série do Arquidiocesano. Ela mesma escolheu esta escola. Meus outros filhos estudaram
no Santa Joana. Minha filhinha tem destas coisas. Quer fazer tudo diferente dos irmãos.
Talvez porque tenha 11 anos e seus irmãos já até passaram da adolescência. Mas ela é
um pouco parecida com sua mãe. Tem o jeitinho da mãe, a inteligência
preocupantemente abiogenética, isto é, ela sempre soube de coisas que eu não posso
imaginar onde aprendeu. Eu nunca a vi lendo toneladas de livros, nem fica acampada
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em bibliotecas.
Meus filhos são muito inteligentes. Mas Mitsvan é mais do que eles. Diria-se que é uma
"superdotada". Mais ou menos. Não é uma "supernerd" típica. Gosta de tv, música,
esportes, passeios. Vai com as amiguinhas ao shopping. Mas seu raciocínio está além do
médio para sua idade. Bem como seus conhecimentos. É o que me assusta mais. Sua
mãe era assim também e esta história é sobre ela.
Sinto-me um pouco Edgar Allan Poe ao escrever uma história sobre uma mulher
misteriosa. Raquel não se parecia muito com Ligeia ou Berenice e eu tampouco escrevo
com a maestria romântica do escritor norte-americano. Mas minha Lady Raquel
certamente provocou-me e provoca o mesmo suspense (sobrenatural?) que a Poe. Com a
diferença que Raquel realmente existiu!
Esperei três anos desde a última vez em que vi minha esposa para realizar esta narração.
E certamente jamais tornarei pública. Guardarei-a em meu cofre. Ou talvez a queimarei.
Preciso escrever para aliviar um pouco minha mente. Ou para que meus filhos saibam o
que realmente aconteceu com sua mãe. Mas quando souberem, qual sua reação?
Acreditarão em mim? Considerarão-me louco? Meu filho psiquiatra, certamente.
Quem sabe escrevendo, terei de volta noites bem dormidas.
Fiz acima um relato sobre minha vida e minha profissão, minha formação. Assim, o
virtual leitor terá uma idéia sobre minha, digamos, formação espiritual. Sei lá. Como
devo chamar? Minhas crenças trancedentais? Hão?
Acredito um pouco em Deus. Sou agnóstico. É bom ser agnóstico. Agnóstico é o ateu
covarde. Vive como ateu mas se um dia encontrar Deus, poderá dizer: "Bem, eu nunca
disse que não acreditava em você..."
Não acredito em astrologia nem em superstição nenhuma. Astrologia é o mais
engraçado. Se Plutão rege o signo de Escorpião, sei lá, significa que os escorpianos não
poderiam rezar para nenhum planeta antes de 1930, quando foi descoberto o planeta?
Espero que meu filho adjude a descobrir a cura para a burrice, um dia.
Uma das coisas que jamais acreditei tive que "desconfiar" que eu estava errado e isto
começou na primavera de 1995, numa viagem que fiz com minha família à casa de praia
de um amigo que faria lá um churrasco. Passaríamos só o final de semana. Eu tinha aula
e consultas na segunda. Minha mulher não tinha compromisso pois é uma artista
plástica. Tinha uma escultura para terminar mas não tinha prazo.
Se o leitor quiser que eu dê uma de Edgard Allan Poe, vamos lá. "O que me
impressionava era a figura de Ligeia", escreveu o homem dos mistérios. Mas a figura de
Raquel nunca me impressionou tanto. Era uma pessoa de beleza comum. Quando eu a
conheci, algo nela despertou minha atenção mas eu não podia decifrar o que era. Não
era paixão, nem tesão, nada destes sentimentos testiculares. Eu senti uma tentação por
Raquel, como se eu estivesse hipnotizado por ela.
Quantas vezes cruzamos com pessoas bonitas na rua, em restaurantes, mas dificilmente
sentimos a necessidade viceral de entrar em contato com a pessoa, saber quem ela é e
apresentarmo-nos. Não foi o que aconteceu naquela lanchonete. Falar com aquela moça
para mim era tão necessário quanto anestesiar um paciente com o joelho quebrado.
Foi na lanchonete Suco de Ouro, lá no meio do HC. Hoje há outra lanchonete no lugar,
Maria Lanches. Suco de Ouro era bem frequentada, pois fazia uns sucos muito bons. Eu
68

gostava da vitamina completa e pedi uma. Coloquei minha maleta no balcão e tirei uma
revista de medicina americana, não lembro qual era.
Naquele momento meus olhos foram fisgados por uma criatura do sexo feminino que
tomava um suco de laranja. Ela já estava me olhando.
Por alguns segundos, não tive reação. Era setembro ou outubro de 1975. Eu tinha 34
anos. Achava que minha vida estava estabilizada e nada mais aconteceria. Médico e
professor, casa própria, consultório próprio, sítio, casa na praia, dois carros, um nomoro
regular que talvez se transformasse em casamento. De domingo a domingo minha vida
era igual. Até aquele momento.
A moça tinha os cabelos um pouco desalinhados. Não usava um fio de sobrancelha
como minhas alunas, pacientes e minha irmã Jaqueline. Mas ela usava uma blusa
psicodélica, espalhafatosa, como era comum nos EUA nos anos 60 e no Brasil nos anos
70.
Eu não pude tirar os olhos de seus olhos. Tampouco ela. Não me olhava com jeito
sedutor ou sorria. Estava séria. Parecia estar lendo meu cérebro. Estaria?
Chegou meu suco. Sem deter-me, levei o suco para o outro lado do balcão, onde ela
estava sentada. Ela continuou me olhando. Apresentei-me. Felizmente, como temi, ela
não disse "Eu sei". Respondeu que era um prazer conhecer-me e disse seu nome:
Raquel. Era médica? Não, artista plástica. Tive vontade de perguntar "E qual sua
profissão?" mas respeitei-a. Paciente? Também não. Estava passando e entrou para
tomar um suco.
Desde que conhecera Sandra eu não tinha paquerado nenhuma moça. Era fiel a Sandra.
E também tinha sido fiel a minhas outras namoradas. Sou um homem fiel. Não acho que
o homem deva imitar seus macacos ancestrais e ser polígamo. Mas acho que a
monogamia não é uma virtude humana.
Conversamos sobre artes plásticas e medicina. Achei curioso como ela conhecia tudo
que eu falava, além de ter conhecimentos artísticos de mestres, claro. Ela me disse que
lia muito, sobre todos os assuntos. Estava mais do que na hora de eu ir. Precisava ir ao
meu consultório e já estava atrasado. Mas eu não queria ir, não mesmo. Arrisquei e
convidei-a para jantar, naquela mesma noite, às 10 horas. Minha última aula seria às 8.
Eu iria para casa, tomaria um banho e a encontraria. Perguntei onde ela morava e ela
disse que me encontraria ali mesmo na lanchonete. Estava combinado.
Não fui nem um pouco profissional naquela tarde e noite. Atendi meus pacientes com
desleixo, as aulas foram uma merda. Olhava o relógio de um em um minuto e cheguei à
lanchonete apavorado vinte minutos antes. Olhei para fora, detido à porta. Nada de
Raquel. Quando virei para dentro, ela estava lá, no mesmo lugar, com o mesmo suco de
laranja. Teria passado 8 horas me esperando? Respondeu que não, mas hoje não
acredito. Acho que me esperou. Uma coisa sei bem: foi a única vez em que eu vi Raquel
com um copo de suco de laranja. Acho que naquele dia ela nem bebeu. Raquel odiava
frutas, verduras, legumes, cereais. Seu negócio era carne. De preferência crua, como
sashimi ou carpaccio. Em churrascos, ela nunca deixava a carne estar ao ponto, pedindo
mal passada. Era assim também em restaurantes. Só tocava na carne mal passada,
deixando de lado o acompanhamento. Bebia água, em profusão, mas jamais clorada. Só
tomava água natural ou mineral. E tomava quase um litro por vez.
69

Mal jantei, levei Raquel para minha casa e transamos loucamente por horas.
Pedi para ela ficar em casa, pela manhã. Eu não queria que ela fosse, com medo de que
desaparecesse. Fiquei feliz por não ter encontrado Sandra naquele dia. Eu tinha
compromisso com ela à noite, mas quem disse que eu iria? Nem avisaria que não iria,
Sandra nem tinha passado por minha cabeça.
Voltei para casa à tarde e pedi para minha secretária desmarcar todos os pacientes. À
noite fui à faculdade e foi outra porquice de aula. Na quinta-feira, quando cheguei no
HC, tinha um recado para mim. Sandra. Ligar. Liguei porra nenhuma.
Naquele dia, consegui concentrar-me mais no trabalho e não desmarquei as consultas.
À noite, mais sexo.
Na sexta-feira, Sandra me encontrou na porta do prédio do PS. Estava com aquela sua
cara de médica legista e disse "Boa tarde". "Quero te dizer algo", respondi. "Acha
necessário?", perguntou-me. "Você acha necessário?", repliquei-lhe. "Não", respondeu.
"Então está bem, até logo", encerrei com um meio sorriso. "Boa sorte", disse Sandra. E
foi assim que terminamos um namoro mediano de 3 anos, com 19 palavras. Acho que
foi a única vez na história da humanidade que um namoro terminou com as frases "Até
logo" e "Boa sorte". Um ano depois Sandra se casou com um professor de pediatria neo-
natal. Tiveram um filho que também é médico. Médicos gostam de casar com médicos e
ter filhos médicos. As famílias são quase como sindicatos.
Raquel nunca mais foi embora de casa. Às vezes, ela desaparecia por um dia mas
voltava trazendo materiais de pintura e escultura. Convidei-a para morar
definitivamente em minha casa e ela aceitou imediatamente.
Montou seu ateliê num quartinho no fundo da casa que construí. Depois demoli e fiz um
maior. Artistas plásticos gostam de grandes espaços.
Não sei o que era mais estranho. O comportamento de Raquel ou suas esculturas e
pinturas. Vamos à arte. Eu nunca pude decifrar seus quadros e esculturas. Ela usava
todas as cores e formas, não seguia um padrão artístico. Eu só sabia que era algo
abstrato. Quando eu chegava em casa, ela tinha se desfeito de vários. Dizia tê-los
vendido em galerias, clientes fixos, entregues a leilões.Me entregava o dinheiro. Sempre
dinheiro. Jamais cheque. "Não aceito cheques". Esperta. Suas obras eram baratas. Não
sei exatamente quanto valeriam hoje suas primeiras obras, mas acho que seria algo em
torno de R$ 100,00 cada uma. Como ela fazia muitas obras entre pinturas e esculturas,
toda semana tinha em casa uma quantia de dinheiro considerável, quase ela ganhava
mais do que eu. Às vezes ganhava.
O comportamento. Além da carne crua e litros d'água, Raquel não dormia. Trabalhava
ostensivamente mas sempre me dava atenção quando eu estava por perto. Era
incansável. A casa estava sempre arrumada e a comida pronta. Eu não a via indo ao
banheiro regularmente, como fazem as mulheres. Tinha absorventes, mas nunca
percebia quando ela os trocava. Ficava três dias por mês sem transar comigo, pois dizia
que estava menstruada. Sempre os mesmos dias, entre 20 e 22. A mulher mais regular
do mundo.
Certa noite eu acordei e fui ao ateliê em silêncio. Queria observá-la trabalhar sem a
minha presença. Olhei pelo buraco da fechadura. Assustei-me. Pintava com um ritmo
frenético como se fosse um daqueles filmes antigos rodando rápido. Ela parou e me
70

olhou. Veio à porta e a abriu. Mas não me repreendeu. Sorriu e disse amenidades. Era
sempre assim. Nunca tinha queixas, sempre sorrindo, atenciosa. Amélia.
A rotina artes/sexo durou um ano até que ela me perguntou se eu gostaria de ter um
filho. Respondi que sim. No dia seguinte, disse que estava grávida. Como assim, em 24
horas tinha ficado grávida? Ela me disse que era seu período fértil e tinha certeza que
estava grávida. Muito estranho. Durante um ano transamos sem que ela tenha se
precavido com gravidez, agora aparecia grávida da noite para o dia.
Fiz um teste de fertilidade. Normal. Eu sempre pude ter filhos. Talvez ela usasse algum
espermicida poderoso ou tivesse feito aborto. Ela negou as duas cosias. E por que
sempre que ela entrava no banheiro para fazer sua higiene, trancava a porta? Casais vão
ao banheiro juntos. Um caga e outro toma banho, assim como faziam meus pais, mas
Raquel jamais permitiu que eu entrasse no banheiro enquanto ela lá estivesse fazendo
qualquer coisa, mesmo tomando banho. Nem durante a gravidez, o que me preocupava.
Mas nada aconteceu. Também não entrava no banheiro quando eu estava lá. Uma vez eu
a puxei para tomar banho comigo mas ela pareceu não gostar muito. Nunca mais o fiz.
Quando ela estava grávida de Gabriel tive coragem de dizer a ela que cobrava muito
barato por seus quadros e esculturas. Na semana seguinte, ela estava vendendo seus
quadros pelo décuplo do valor. Assim, como num passe de mágica, suas obras tinham se
supervalorizado em 1.000%.
Comecei a achar que algo estava errado.
A sua estranha patologia e metabolismo me preocupavam como médico. Mas Raquel
jamais foi ao médico. Nunca precisou nem sequer de mim para nada. Nunca teve uma
dor de cabeça. Que nome eu daria para ela? Sua ausência de doenças seria uma doença?
Tentei obrigá-la a fazer pré-natal mas ela se recusou terminantemente. Foi a única vez
em que a vi aborrecida. Isto não foi nada.
Quando ela completou nove meses de gravidez, disse que iria pedir para minha mãe ou
irmã ficar em casa para ajudá-la. Por um segundo pareceu contrariada mas logo abriu
aquele eterno sorriso hieroglífico e dissse: "Tudo bem".
Uma noite, cheguei em casa e ela estava com meu filho nos braços. Teve o filho em
casa enquanto minha mãe, também enlouquecida, estava dormindo. "Você não pode
acreditar, meu filho", dizia, "caí num sono tão pesado no sofá da sala e quando acordei
meu netinho tinha nascido".
Meus quatro filhos nasceram da mesma forma. Em casa, sem ninguém por perto.
O intervalo entre o nascimento de meu terceiro e quarto filhos, 7 anos, foi o momento
em que eu mais a vigiei, espionei, tentei descobrir algo sobre sua misteriosa vida. Não
consegui nada. Raquel não tinha família, amigos, nada. Eu nunca soube onde tinha
estudado. Ela disse que tinha nascido em São Paulo e estudado num colégio que jamais
achei.
Depois que nasceu Mitsvan, ela passou a se comportar como ser humano normal. Mas
eu achava estranho. Não parecia ser um comportamento natural. Fazia coisas que não
tinham muito a haver com ela, como assistir novela ou pintar as unhas.
Em 1990, quinze anos depois de casarmo-nos, tive coragem para ter uma conversa
muito séria com ela. Uma conversa que jamais um ser humano teve com outro. Talvez.
Não aguentava mais minha vida parecer o "Além da Imaginação".
71

Aproveitei que Mitsvan, então com três anos, estava dormindo e trouxe Raquel para a
sala.
- Raquel, eu não sei como começar a te dizer isto. Eu só quero dizer porque eu te amo
muito ainda, apesar de estarmos juntos há 15 anos. Eu sinto por você a mesma coisa que
senti quando te conheci. Além do amor, você me provoca um outro sentimento que não
sei qual é. Uma mistura de atração com medo, como se eu fosse pular de pára-quedas.
Acontecesse o seguinte. Você é realmente muito estranha. Você não dorme, não se
cansa, vai ao banheiro com a porta trancada, vende seus quadros para alguém que nunca
vi, nem nunca vi seus quadros em lugar nenhum, nem nenhum artista que conheci ouviu
falar de seu nome, nem nada disto. Responda rápido: qual o quadrado de 1995?
Imediatamente ela disse:
- 3.980.025.
- Está vendo? Nenhum ser humano faria uma conta destas nesta velocidade.
- Está querendo me dizer que não sou humana? - e riu.
- Não, não é isto. Olho pra você e vejo que é humana. Eu sou médico. Reconheço um
homano quando vejo um .
- E qual é sua preocupação?
- Não sei, não sei...
- Meu amor, eu sempre soube que você me achava esquisita. Mas não sou a única no
mundo. Por que você não lê o livro "Os Não-Patológicos", de Alfred Robert? Não existe
em portugês, só francês. Você lê em francês, não? Lá vai encontrar muitos casos iguais
aos meus.
Está vendo? Até livros de medicina ela conhecia. E livros que nem mesmo eu, doutor
em medicina, conhecia. Encomendei o livro e o li. Havia casos com os dela, pessoas
incansáveis, que não comiam direito, não ficavam doentes. O autor, médico da
Sorbonne, achava que era algum hormônio especial a ser decifrado ou combinação de
hormônios. Fiquei aliviado. Um pouco. Depois que li o livro, pensei: "Graças a Deus,
minha mulher não é alienígena". Só faltava decifrar o mistério dos quadros, mas eu não
estava mais tão preocupado.
Até aquele fatídico, como diram os ficionistas, final de semana em Bertioga. Amigo, te
juro que eu jamais gostaria de ter sabido a verdade sobre Raquel.
Meus filhos mais velhos não quiseram ir. Gabriel queria estudar. Lúcia tinha uma festa
no sábado. Guilherme iria num show de rock. Só levamos Mitsvan, que estava com 8
anos.
Saímos às 6 da manhã do sábado em minha van Toyota. Van Toyota... o que interessa a
marca de meu carro?
Mitsvan não tinha sono. Muito menos sua mãe. A pequena ouvia um walkman e a mãe
olhava a paisagem da Serra do Mar. Tive vontade de perguntar a elas se poderiam
identificar todas as árvores mas como eu sabia que elas responderiam, nada falei. O que
eu poderia conversar com minha mulher? Nada para ela era novidade. Não se
surpreendia com nada. Mas como ela estava tentando parecer normal, puxou assunto.
Perguntou se eu estava cansado e queria que ela dirigisse. Respondi que não. Melhor
continuar dirigindo velozmente para que minha atenção se voltasse para a estrada e o
trânsito.
72

Chegamos rápido em Bertioga. Segui o mapa de meu amigo e achei a casa dele, perto da
praia. Raquel olhava fixamente para a praia, com aquela mesma cara que fez quando me
conheceu. Estava lendo os pensamentos da praia? Nas outras vezes em que fomos ao
litoral ela teria feito a mesma cara, sem que eu percebesse?
Churrasco. Mesma coisa de sempre. Carne semi-crua e litros d'água. Meus amigos já
conheciam a esquisitice de Raquel e não ligavam mais. Felizmente Mitsvan comia
outras comidas mas também era carnívora, embora preferisse ao ponto.
À tarde, fomos à praia. Apesar de seus 40 anos, Raquel estava ainda maravilhosa. As
mulheres de meus amigos devem tê-la invejado. Perguntaram qual o segredo de sua
silheta e ela disse que não tinha segredo nenhum. Diferente do marido esportista que se
alimentava saudavelmente.
À noite, tive vontade de transar com ela mas minha filha estava no mesmo quarto, numa
caminha de solteiro. Raquel disse então que iria passear na praia e logo voltaria. Falei
que tudo bem e iria dormir. Grande ilusão achar que Raquel se deitaria comigo para
dormir. Nunca tinha feito isto.
Foi impossível pegar no sono. O que Raquel estaria fazendo na praia? Levantei-me e saí
de casa. Fui à praia e não a vi imediatamente. Avistei ao longe uma movimentação.
Algumas pessoas andando, fazendo sei lá o quê. Estava difícil de enxergar. Escondi-me
atrás de uns arbustos e observei-os. Eram 5 ou 6 pessoas. Muito estranho. Levíssimos,
como se flutuassem. Corriam à água, voltavam, sentavam, depois corriam novamente.
Pareciam fadas gigantes, sem asas nem vestido cor de rosa nem varinha mágica. Eram
escuros, mas estavam escuros por culpa da ausência de luz. O céu estava nublado. Nem
estrelas nem lua. Eu só os divisava mas não podia definir suas formas.
O processo durou alguns minutos. Ou uma hora, sei lá. Não sei quanto tempo fiquei ali.
Então eles se juntaram e um a um entraram numa espécie de saco. Eu nunca tinha visto
nada semelhante em minha vida. O último que entrou levantou o saco até o alto de sua
cabeça. Como aquelas cinco pessoas poderiam caber ali e porque estavam ali? A pessoa
colocou suas mãos em duas extremidades do saco e depois cobriu sua cabeça.
Foi então que percebi que não era um saco, mas uma espécie de macacão. E todos
tinham, pelo menos aparentemente, talvez meus olhos tivessem me enganado, entrado
neste mesmo macacão. Mas ali não parecia que havia seis pessoas ao mesmo tempo,
apenas uma. E este macacão era de um tecido muito fino, pois agora eu percebia a nítida
forma de uma mulher com seios pontudos, belos, como os de Raquel. E que aliás,
estaria onde?
A mulher vestiu um calçãozinho e uma camiseta. E andou. Na direção da casa de meu
amigo. Fui atrás. Não poderia ser Raquel. Eu deveria ter certeza. Quando cheguei perto,
vi que era Raquel. E não entendi nada. Será que eu tinha caído, batido a cabeça,
desmiado e delirado?
Chamei por seu nome. Ela se virou, assustadíssima. Depois, sorriu. Como sempre.
- Oi, amor. - respondeu, como se nada tivesse acontecido.
- Eu vi. Você não é apenas uma pessoa. Têm seis pessoas dentro de você.
Falei aquilo só para ver sua reação. A reação: ficou me olhando com cara de quem
estava lendo o cérebro de um humano. Empurrei-a.
- Pare de ler meu cérebro! - falei. E corri para casa. Queria ficar perto de Mitsvan.
73

Como pai, eu sabia que Mitsvan e todos os meus filhos eram humanos. Não tinham o
comportamento igual ao de sua mãe.
Raquel entrou no quarto e fechou a porta. Falou baixinho:
- Não se assuste, Emerson. Eu não deveria te contar agora, mas devo fazê-lo. Venha
comigo.
Ela me levou à praia. Eu estava de braços cruzados. Falei:
- Quem é você?
- Não posso dizer.
- Você é humana?
- Em parte.
- Você na verdade são seis?
- Sim.
- De onde você veio? Vieram?
- Não posso dizer.
- Por que eu?
- Por acaso. Você estava no lugar certo na hora certa.
- Obrigado...
- Não se menospreze. Você cumpriu bem o seu papel.
- Então eu estive a serviço de seu povo?
- Não posso detalhar sobre isto, mas basicamente sim.
- Pelo menos vocês são do sexo feminino?
- Não temos sexo.
Emocionante. Vivi 20 anos com um ser assexuado.
- Mas nós fizemos exatamente o que você gosta.
- Espere, espere. Meu raciocínio terráqueo é diferente do de vocês. O amor não é algo
mecânico e material como vocês pensam.
- Não pensamos assim. Nós não sentimos amor. Há algo em nosso mundo, em nosso
ser, que você chamaria de sentimento, que está além do amor. Você não poderia
entender.
- Claro que não, extraterrestres são sempre mais inteligentes que os humanos.
- Não fale assim, Emerson. Você tem o seu valor. Por que acha que estamos aqui?
- Sei lá, devem ter destruído seu planeta. Todos os povos inteligentes destróem seu
planeta.
- Nem todos. Os humanos não vão destruir o seu.
- Como sabe? Você também veio do furuto?
- Não. É que os humanos são o povo com menos de 1 bilhão de anos, de acordo com sua
contagem, mais avançados de Frorszardreptz.
- O que disse?
- Desculpe-nos. É o nome desta região do Universo.
- Que honra fazer parte do povo com menos de 1 bilhão de anos mais avançados de
Frorz Não Sei o Quê. E por isso não destruiremos o planeta?
- Não exatamente. É que além disso, vocês não possuem o Zorsvres.
- Ah, agora entendi. Por que não falou antes? Então, porque somos o povo com menos
de 1 bilhão de anos mais avançado desta região do Universo e não possuímos o tal
74

"Zorvres", vocês escolheram a Terra? Ei, os marcianos possuiam o "Zorvres" e por isso
foram destruídos?
- Não foram destruídos, mudaram de planeta. Todos os povos de que você chama de
Sistema Solar são o mesmo.
- Ah, que pergunta besta a minha, desculpe. Aliás, não quero nem saber qual o nome
que vocês dão para o Sistema Solar. Mas respondam, por que estão aqui, por você vive,
aliás vocês vivem na minha casa há vinte anos? Eu era dono de um pensionato
intergaláctico e não sabia?
- Além de nós e você, quem mais vive em sua casa?
- Nossos filhos? É este seu objetivo? Reproduzirem-se com os humanos e criar uma
colônia aqui? Ou sei lá, não posso entnder mais nada. Acho que isto é um pesadelo. Vou
sentar aqui e esperar acordar.
- Não é um pesadelo, nem um sonho, Emerson. Você é um homem inteligente e quando
faz perguntas, acaba dando respostas.
- Me responda: meus filhos são realmente meus filhos?
- Isto não poderia saber agora. Mas vamos contar. Apenas Mitsvan é nossa filha.
- E quanto aos outros?
- Roubamos em hospitais.
- Oh, não, meu Deus, não pode ser...
- Em algum momento você sentiu que não eram seus filhos?
Não respondi. mas eles estavam certos. Eu sempre os senti como meus filhos e eram de
fato. Eu os criei desde que nasceram. Mas a idéia de que eu tinha em casa crianças
roubadas em hospitais era e é angustiante. Tenho pena dos verdadeiros pais.
- Por que só Mitsvan é nossa filha?
- Porque foi só com Mitsvan que pudemos desenvolver um matabolismo semelhante ao
humano. Antes estávamos em desenvolvimento. É dífícil imitar o corpo humano porque
o corpo de vocês é muito simples.
- Pare de humilhar, por favor.
Levantei da areia e voltei para cama. Não dormir. Minha cabeça estava tentando
processar milhões ou bilhões de informações novas e estranhas. Eu nunca acreditei em
extraterrestres e continuo não acreditantdo nos ets da tv, tipo "Arquivo X". Nem em
discos voadores que com certeza são máquinas da própria terra. Nem em abduções,
nada disto.
Eu tinha mais muitas perguntas a fazer a Raquel, mas não tinha coragem de saber novas
revelações. Só tive medo de enlouquecer, caso já não estivesse louco. Até hoje não
tenho certeza disto. Será que fiquei tão impressionado com Raquel que tive a fantasia de
que era uma extraterestre?
Eu fiquei decepcionado e irado, naquele mês. Vinte anos quase perdidos. Não foram
perdidos por culpa de nossos filhos. Mesmo que três deles não fossem meus. Mas eu os
criei como meus. E tinha Mistvan, minha filha legítima. Mas eu não queria mais viver
com os ets. Mesmo fazendo parte de uma missão cósmica que talvez interrompida
poderia causar a destruição de todo o Universo, tomei coragem e disse para Raquel que
eu queria que ela fosse embora.
- Sinto muito, Raquel. Talvez eu seja o único humano que possua o Zorsvrez.
75

- Não podemos entender os humanos, às vezes. Mas temos ordens para respeitá-los.
- Só peço que deixem Mitsvan. Ela não tem nada a haver com esta maluquice.
- Está bem. Não poderemos levá-la.
Bolamos um plano. Inventamos a sua morte. Eles deixaram o corpo de Raquel para que
eu a enterrasse como morta. Disse para as crianças que Raquel nunca tinha ido ao
hospital porque tinha uma doença muito grave e não queria se tratar. Eles choraram
muito.
Não vi o momento em que partiram e continuei sem saber quem ou o quê eles eram e de
onde vieram e qual seu objetivo. Receei, como disse, ter interrompido um processo vital
para a sobrevivência deles.
Nunca mais tive mulher. Humana eu já não tinha há muito tempo. Acho que estou velho
para isto. Talvez um dia eu volte a me interessar. Eu envelheci além da conta depois da
experiência. Hoje, só meu trabalho me contenta, mas não tenho a empolgação de antes.
Tudo é só rotina. Uma rotina um tanto aprazível.
Tem dias em que saio às ruas e olho para as pessoas. Quantas seriam realmente
humanas? E outros dias olho no espelho e penso: minha mente é sã? Tudo que vivi foi
realmente verdade? Quem poderá dizer? Talvez Mistvan um dia me responda.
Ela continua tirando nota 10 em todas as provas e as faz em poucos minutos.

14 – ESTAÇÃO ATLÂNTICA, AQUI É BASE GALANA, RESPONDA...

Será que um dia voltarão? Ou desapareceram para sempre?


No fundo, Jurjensen achava bom que todos os humanos tivessem mesmo desaparecido.
Só tinha sobrado a nata da sociedade mundial. Ainda bem que não eram todos homens.
60% dos cosmonautas eram mulheres. 1,2 mulher para cada homem. A aritmética era
meio louca, mas boa. Havia, enfim, mais mulheres que homens. Ainda Jurjensen não
tinha feito as contas de quantas comprometidas tinha lá em órbita. Ou quantas lésbicas.
É que ainda fazia um relatório definitivo sobre a expedição a Terra que acabava de
concluir. Incrível, não? Ainda no século 21 os humanos já estavam fazendo uma
expedição a Terra.
Mas Jurjensen, como a maioria dos cosmonautas, era terráqueo. Mesmo os nascidos no
espaço tinham famílias na Terra e visitavam sempre o planeta. Pensar em família
entristecia Jurjensen. Todos estavam mortos. Ele era o único Jurjensen do Sistema
Solar, agora.
Na descida a Terra pôde visitar sua casa em Atlanta, onde viveu desde 1 ano de idade,
quando seus pais imigraram da Suécia. A casa estava intacta, como toda a Terra. Mas
seus pais, seus cachorros e plantas tinham desaparecido. Atlanta, como qualquer parte
do mundo, era um deserto.
Mas também não havia mais políticos na Terra. Nem muitas pessoas que objetivavam
seu lucro pessoal em detrimento da paz mundial. Agora haveria paz para sempre. Ou
não?
Quando a vida acabou na Terra, havia três mil pessoas no espaço. Três mil, cento e
duas, pronto. Além dos animais e plantas.
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Todos cientistas. Entre astrônomos, geólogos, físicos, químicos, cientistas de toda


ordem. Não havia militares, proibidos de ir para o espaço desde 2013.
A maioria habitava e trabalhava nas seis estações orbitais da Terra. Havia gente na Lua,
em Marte, nas luas de Marte, em órbita de Marte, em órbita de Vênus, em Vênus e em
órbita de Júpiter. Também duas naves tripuladas andavam por Mercúrio e Saturno.
Carl Jurjensen, 23 anos, trabalhava na Estação Narval, da Nasa. Era químico e estava na
Nasa desde os 13 anos, quando começou a estagiar. Terminou a faculdade aos 15 anos e
foi oficializado aos 16 na agência. Inscreveu-se no ano seguinte para trabalhar na nova,
gigantesca e moderníssima Estação Narval e foi aceito. Partiu um dia depois de
completar 18 anos. Estava lá desde então. Só vinha para casa uma vez por ano, no verão
americano. Ficava em casa dois meses e voltava para o espaço. Ganhou o Nobel de
química junto com a equipe em que trabalhava, no setor K da estação, quando criaram
uma bateria não-nuclear capaz de funcionar 5 mil anos, extensível para 500 mil anos,
quando usada no nível mínimo.
Quem primeiro percebeu que as comunicações com a Terra tinham sido interrompidas
foi o computador da Estação Atlântica, mandada ao espaço pelos africanos e
sulamericanos, que os próprios chamavam de Estação Terceiro Mundo. O conguense
Donaire Mongutu observava o painel do controle estrutural da Estação. Ali ele
verificava tudo. Temperaturas, pressões, energia, tudo que passasse pelas paredes da
estação. O controle era centralizado num monitor. Uma luzinha começou a piscar, junto
com um ruidinho. Na tela, o aviso: "Sinal interrompido. Localizando sinal." Mongutu
não entendeu. Aquilo nunca tinha acontecido. Um satélite sempre cobria o espaço do
outro. Não poderiam ter pifado todos ao mesmo tempo.
E mesmo que isso tivesse acontecido, as antenas da Estação seriam voltadas diretamente
para a Terra. E tudo isso era feito automaticamente pelo computador. A mensagem
continuava lá: "Sinal interrompido. Localizando sinal". Alguém mandou um e-mail para
Mongutu reclamando que estava conversando com a mãe e a linha foi cortada. O
conguense mandou o rapaz esperar alguns minutos, pois chegariam os sinais de outros
satélites. Caso nenhum recurso fosse utilizado, Mongutu entraria em contato com outras
estações e perguntaria se eles estavam sem sinal também.
Depois de meia hora, Mongutu disse : "Que bosta, isso parece o '2001'". Em seguida,
tentou entrar em contato com todas as bases terrestres e ninguém respondeu. Mesmo
que às vezes conseguisse sinal. Ninguém respondia. Como se não tivesse ninguém lá.
Mongutu tinha certeza de que seu equipamento não estava com defeito. Pois conseguiu
entrar em contato com as outras estações, que relataram o mesmo problema.
Enfim, teve que entrar em contato com o gerente técnico da estação, o venezuelano
Miguel Angel. "Ser. Angel, temos um problema..."
Em cerca de uma hora todas as estações já haviam ralatado o mesmo problema. As
comunicações com a Terra haviam desaparecido. O gerente técnico da Estação China
disse que deveriam aguardar algumas horas, sugerindo que uma tempestade solar ou
outro fenômeno cósmico poderia ter interrompido as transmissões.
Continuaram pesquisando os sistemas. Nem Mercúrio nem Saturno, ninguém no espaço
conseguiu falar com a Terra. Três dias se passaram. Nem os cientistas nem os
computadores descobriram o motivo da ausência de sinais vindos da Terra.
77

Algo intrigante vinha dos satélites de observação meteorológica e ambiental. Segundo


eles, todas as florestas tinham desaparecido. A Terra estava completamente desértica. O
satélite da indústira pesqueira igualmente não conseguia localizar nenhum cardume.
Em muitas daquelas pessoas que viviam no espaço, uma sensação ruim e dolorido no
peito tinha surgido. Algo terrível parecia ter acontecido na Terra.
Viraram os telescópios na direção da própria Terra. Não podiam ver as cidades, tudo
estava coberto por uma densa névoa. Sim, alguma coisa tinha acontecido ali. Mas o que
poderia ter sido? Não ouviram explosões, não viram nenhum asteróide cair na Terra.
Seria alguma espécie de corpo celeste invisível o exterminador da vida terrestre?
Invisível e silencioso.
Os seis gerentes gerais ds estações reuniram-se na Estação Narval. Decidiram mandar
expediões a Terra. Cada estação mandaria naves para seus continentes de origens.
Carl Jurjensen fazia parte da equipe da Nasa, que deceria a Terra junto com a da estação
San Lucas, da América Central, Canadá e EUA. Cinquenta homens entraram na nave
salva-vidas, adaptada agora para nave de pesquisa. O comando da operação ficaria a
cargo do coordenador científico da San Lucas, o cubano Francisco Peres. Jurjensen
estava encarregado de analisar a névoa ou o que mais ele achasse que precisaria ser
analisado.
Usariam roupas de astronautas.
Em 52 minutos, chegaram à base espacial de Houston. Nem encostaram no chão, já
tinham percebido que não havia ninguém na base.
Não preciso dizer qual foi a sensação daqueles homens quando viram a ausência de
humanos na Terra. Os dias se passaram e ninguém teve coragem de retirar as roupas de
astronauta. Jurjensen disse que a nuvem era vapor d'água. Mesmo assim ninguém queria
arriscar. Nem mesmo ele. Poderia ser algo incomensurável.
Jurjensen pediu permissão para ir à sua casa em Atlanta. Pegou um jeep porque não
sabia pilotar aviões. Encheu o tanque e foi a Geórgia.
Até então achava tudo engraçado. Mas quando chegou à sua cidade sentiu-se mal. Tudo
totalmente deserto. Sem pessoas, animais nem vegetação. Não conseguia formular
nenhuma teoria sobre o desaparecimento sem vestígios da vida na Terra.
Entrou na sua rua e viu sua casa. Desligou o jeep, desceu e entrou em casa.
A porta estava aberta. Andou pela sala de estar e foi aos quartos. Foi à cozinha. Tudo
em ordem. Observou uma bacia com milho branco dentro d'água. Sua mãe iria preparar
aquele doce de milho branco gelado que se comia após ser polvilhado com canela. Não
suportou a tristeza e saudade e chorou.
A equipe continuou mais uns dias na Terra. Cada cientista fez todas as análises com
precisão e levaram de volta às estações os seus dados.
Jurjensen fez um relatório de 48 páginas mas sabia que era inclonclusivo. Não tinha
nenhuma teoria sobre o desaparecimento dos seres vivos na Terra. As outras equipes
fizeram avaliações semelhantes.
O que se sabia no momento era que o comando da Terra estava no espaço. Deveriam
voltar a Terra? Continuar no espaço? E se a destruição atingisse o espaço também?
Seria provável. Elaboraram um plano para afastar as Estações da Terra. Colocaram-nas
a um milhão mil quilômetros de altura, talvez fosse um local seguro.
78

Mandaram plantas e animais para a Terra e os soltaram lá. Não morreram. Respiravam o
ar normalmente. Trouxeram de volta às estações e os analisaram. Estavam saudáveis.
Continuaram fazendo pesquisas e testes durante meses. Os astronautas até já andavam
sem roupas espaciais e respiravam a atmosfera terrestre. O vapor d'água tinha se
dissipado, bem como os antigos poluentes. Sementes e mudas estavam sendo plantadas
em vários locais ao redor do mundo, bem como os animais estavam sendo reproduzidos.
"Estamos fazendo na própria Terra aquilo que gostaríamos de fazer em outros planetas
do Universo", diziam os humanos. O último passo agora seria tentar reproduzirem-se. A
maioria das mulheres estavam grávidas. O próprio Jurjensen tinha esposa agora e ela
também ficou logo grávida. Métodos anticoncepcionais foram esquecidos. A ordem era
"crescei e multiplicai-vos". Mas ainda restava a dúvida: os humanos deveriam voltar a
viver na Terra? Que garantia tinham de que a vida não seria exterminada outra vez?
"Vamos deixar o interesse pessoal de lado, mesmo que este interesse seja o de
sobreviver", diziam também. Pessoas voltaram a viver na Terra. Voluntários corajosos.
Mas eles vivivam apreensivos, o que era natural. Pelo acordo que fizeram, após 10 anos
voltariam ao espaço e novos voluntários iriam para a Terra tentar a sorte.
Cinquenta anos se passaram e a Terra era um bom lugar para viver. Não havia fome
nem miséria. Felizmente ali também não havia líderes religiosos para dizer que a Terra
estava vivendo um pós-apocalípse e tornara-se um paraíso.
Trezentos anos se passaram. Todo o sistema solar estava habitado pelos humanos.
Todos os planetas e satélites. Uma expedição colonizadora estava no caminho de
Próxima Centauri. O segundo passo da colonização humana.
Os bercários da super-nave cuidavam da 22ª geração da Super Solar (o nome da nave de
10 km de extensão. E não seriam eles que colonizariam Alfa Centauri. Nem seus
tartaranetos. Super Solar era como uma nova civilização com uma missão para um
futuro longínquo. A nave era como uma mini Terra, com tudo o que tinha no planeta de
origem dos humanos.
O controle da nave era totalmente automatizado. A nave tinha cérebro e comando
próprios. Seguia fielmente sua instrução: navegar para Próxima Centauri.
A cada Tempo Espacial, que equivalia a um ano terrestre, Super Solar enviava e recebia
mensagens da Terra e do Sistema Solar. O cérebro da nave não entendeu porque uma
mensagem estava sendo captada. Em poucos segundos, conseguiu decifrá-la. Era um
inglês antigo, falado pelos cosmonautas trezendos anos antes:
"Estação Atlântica, aqui é Base Galana, responda... Estação Atlântica, aqui é Base
Galana, responda... "

15 – ISTIMIRANT STELLA

Estação Lunar Neil Armstrong, 2028 AT (Ano Terrestre) ou 59 AL (Ano Lunar).

O COCE, Centro de Observação de Corpos Espaciais, patrocinado pela AIIB,


Associação Internacional da Indústria Bélica, ocupava a ala sudoeste da estação.
79

Os dois casais que cuidavam do COCE, funcionários da AIIB não eram muito queridos
pelos outros pesquisadores e funcionários da estação. A maioria era formada por
médicos, biólogos, físicos, químicos, geólogos. Trabalhavam para fundações e
universidades, mas o Consórcio Espacial Internacional havia permitido que a estação
fosse utilizada para pesquisas privadas.

Além do pessoal da AIIB, havia também pesquisadores da AIIF (Associação


Internacional da Indústria Farmacêutica) e cientistas da SL Computers, a maior empresa
de computadores da Terra, fornecedora de todo o sistema utilizado pela Estação Neil
Armstrong, em troca daquela sala onde quatro casais desenvolviam novos programas e
equipamentos.

Mesmo assim, o pessoal da AIIF e da SL eram tratados com mais cortesia, pois criavam
coisas em benefício da humanidade.

Os trabalhadores da AIIB também utilizavam este argumento. Estavam ali vigiando o


espaço para que nenhum meteoro, asteróide ou cometa destruísse a Terra.

- Nenhum corpo espacial se chocará com a Terra nos próximos 257 anos. Em 2285,
asteróide ZOHYER 455, de 350 km de diâmetro deverá cair sobre a cidade de
Copenhague, na Dinamarca, a não ser que instalemos nele quatro ou mais foguetes que
desviam sua trajetória.

A coordenadora da estação, Julia Al-Din Rafsanjani, iraniana de 42 anos, era a principal


crítica do COCE. Física formada por Oxford, fora uma das projetistas da estação e
indicada para sua coordenação por seu antecessor, Will Eisner, quando este completou
sua missão de 10 anos no espaço e voltou a Terra. (A OMS – Organização Mundial de
Saúde, da ONU, não permitiu a permanência de pessoas no espaço até 2025, quando o
tempo passou a ser de 15 anos. Em 2050, os humanos poderiam ficar 20 anos, quando
deverá nascer a primeira criança no espaço, provavelmente na Lua. Será o último
animal terrestre a nascer fora da Terra, depois dos insetos, répteis, aves, peixes e
mamíferos).

Julia Al-Din e Michael Douglas, do COCE, travaram debates sobre o tema, até que o
Consórcio proibiu a discussão sob pena de mandarem de volta a Terra os dois cientistas.

O Consórcio até concordava com Julia Al-Din. Mas a AIIB era um dos membros mais
importantes do Consórcio. Davam mais dinheiro que muitos países da Terra. Melhor
deixar o COCE trabalhar e manter o cartaz que Michael Douglas grudou na porta do
COCE: “A ameaça é imprevisível”.

Além da Estação Lunar Neil Armstrong, o Consórcio havia construído a Estação Orbital
da Terra, em 2012. Em 2014 foi inaugurada a Neil Armstrong. Em 2018, a Estação
Marte, em órbita do planeta vermelho. Em 2021, a Estação Orbital de Vênus. Em 2025
e 2026, as Estações de Fobos e Deimos, respectivamente.

Em 2028, estavam em construção as Estações Interiores de Vênus e Marte e as estações


orbitais de Júpiter e Mercúrio e a Estação Orbital do Sol.
80

Em projeto, as Estações Interiores de Júpiter, Mercúrio, dos 16 satélites de Júpiter, de


Saturno e seus 17 satélites, Urano, Netuno, Plutão e seu filho Caronte. E havia os
projetos que eram quase sonhos. O delirante era o da nave feita de hidrogênio que
atravessaria o Sol. Seu tripulante também seria transformado em hidrogênio para entrar
na estrela. E quem sabe, um dia, construiríamos uma espaçonave tripulada capaz de
atravessar o núcleo do Sol? O ser humano tem necessidade de vivenciar o Universo, não
apenas vê-lo.

Outra fantasia era mandar uma nave na direção de Próxima Centauri, que à velocidade
da luz, chegaria lá em 4 anos. Um dia atravessaremos a galáxia. Na direção do núcleo, a
viagem duraria 70 mil anos, sem escalas. Saindo pelo caminho mais próximo, oposto ao
núcleo, 21 mil.

Depois disto, as mesmas naves ou outras, iniciarão viagem à galáxia mais “próxima”,
Andrômeda, que vai durar 2.300.000 anos.

Ainda viajando à velocidade da luz, o ser humano chegará à periferia do Universo em


33 bilhões de anos.

É por isso que na Estação Lunar Neil Armstrong há um laboratório de pesquisa da luz,
onde alguns casais com o apoio de um supercomputador criado pela SL, tentavam
acelerar os fótons que formavam a luz e as ondas de rádio. Se não conseguisse, pelo
menos saberíamos que a sonda Odlanyr Yopap, batizada em homenagem ao primeiro
teórico da velocidade sobre-luminosa, enviada em direção ao um ponto vazio do espaço,
a 1 milhão de km/h, atravessará o Universo visível, daqui há 1 sextilhão de anos.

Tudo isto levando em consideração a tecnologia atual. Mas Julia Al-Din e muito outros
físicos, como o velho Yopap, acreditavam existir micro-fótons (partículas menores
girando dentro do fótons, cem mil vezes mais rápido que a luz). Quando a matéria e a
anti-matéia se chocam, há uma explosão. Se um micro-fóton e um anti-micro-fóton se
chocassem, causariam também uma espécie de explosão. Assim Yopap especulou sobre
uma nave que se transformaria em micro-fótons e anti-micro-fótons que ao chocaram-se
criariam uma explosão, causando uma supervelocidade capaz de mandar o homem aos
confins do Universo em 300 ou 400 anos. Vê-se como nem mesmo a mais alta e
improvável tecnologia não encurtaria uma viagem através do Universo durante a vida de
um humano, a não ser que o homem aprendesse a viver mais tempo. Claro que numa
velocidade da luz e acima da luz, o homem não veria o tempo passando. Mas o tempo
passaria na Terra.

Se um pai mandasse o filho ao fim do Universo, teria que viver 800 anos para vê-lo
regressar. Mas o filho não teria envelhecido.

E havia outra corrente científica que acreditava ser o tempo um conjunto de blocos
coexistentes. A viagem entre a Terra e um planeta distante 800 sextilhões de milênios-
luz duraria um segundo, se fôssemos capazes de atravessar de um bloco ao outro.

Antes de tudo isto seria preciso proteger a Terra.

A afirmativa de Julia Al-Din de que a ameaça espacial era previsível baseava-se no


monitoramento do Satélite Caronte 2, que girava na órbita do planeta Plutão,
81

observando o céu. Segundo seu fabricante, a BMD (curiosamente, membro da AIIB),


Caronte 2 monitorava com precisão o movimento de todos os corpos celestes visitantes
do sistema solar, com a supervisão de astrônomos da Terra, pilotando seus telescópios e
astrônomos do Consórcio.

Todos na Terra sabiam que a AIIB mantinha seu observatório lunar para continuar a
venda de armamentos capazes de destruir até um asteróide com centenas de quilômetros
de extensão. Ecologistas denunciaram a morte de um projetista da BMD que criara um
foguete que, instalado a um meteoro, mudaria sua rota, desviando-o da Terra. Depois o
foguete voltaria a Terra e seria reutilizado. Um sistema barato e pacífico, elogiado pelas
igrejas, pois evitaria a destruição de uma obra de Deus.

Foi o projetista cubano Clovis Basco, que morreu num acidente de avião e a AIIB
divulgou um relatório afirmando ser arriscado tentar mudar a rota de um corpo celeste.

E a discussão não terminava.

Para a felicidade da AIIB, um astrônomo da NASA, Michael Douglas, escreveu um


artigo para site “nasa”, onde dizia que um meteoro ou asteróide do Sistema Solar
poderia mudar sua rota e vir em direção a Terra, como ocorrera em Marte, em 2019,
quando um meteoro de 400 metros caiu a 7 quilômetros da base terrestre onde havia
doze astronautas japoneses. Na fuga, sua nave por pouco não venceu a nuvem de
partículas marcianas.

A AIIB fez o convite. Douglas recusou. Ofereceram US$ 2 milhões por ano, três vezes
mais que o seu salário na Nasa. Aceitou. Levou sua mulher, Anette Douglas, biológa.

A AIIB pôs um anúncio no site “nytimes” e contratou o físico brasileiro José


Steinzberg.

Steinzberg lembra-se do dia em que viajou a Los Angeles, sede da AIIB, com sua
mulher, Dra. Renata Steinzberg, patologista. Desceram da limousine em frente ao
prédio da AIIB, onde o esperavam o vice-presidente Dan Plank, que o saudou:
“Shalom”.

Os dois casais revezavam-se na sala de observação.

Na Lua, as horas e os dias eram contados como na Terra, embora os anos tivessem duas
contagens: a terrestre e a própria lunar, a partir da chegada dos primeiros astronautas,
em 1969, que passou a ser o ano 1. Havia dois anos-novos: 1 de janeiro e 20 de julho.

Cada casal da Neil Armstrong tinha seu próprio apartamento, bem parecido com
apartamentos terrestres, com suas adaptações para a gravidade lunar, equivalente a 1/6
da terrestre. E a comida vinha da cozinha central. Também as roupas vinham da
lavanderia central. O resto era igual a Terra: televisão, música, cinema. Não havia
esporte pois o esporte necessitaria de gravidade. Mas jogavam no computador e também
jogavam xadrez ou pôquer. Exercitavam-se com equipamentos de musculação e
bicicletas ergométricas. Os shows e as peças de teatro eram exibidas virtualmente, ao
vivo, da Terra. Também ficavam horas conversando com parentes ou amigos ou
simplesmente liam livros, navegavam pela internet, com seus 50 bilhões de sites.
82

Para tomar banho, entravam numa cabine que se enchia de água e depois se esvaziava.
A Estação tinha 10 mil litros de água reciclável por mês. Ao final de um mês, o
cargueiro Moonlight I ou Moonlight II (vulgo Worewolf) vinham da Terra com novos
suprimentos e mais 100.000 litros de água puríssima, além de novos habitantes. Para
dormir e transar utilizavam uma cama com lençóis presos.

Também tinham um clube onde divertiam-se, no final de semana. Os djs eram os


químicos Jean Reanaut e Mark Fowler.

A cada seis meses visitavam a Terra. Até que seu período se completasse. Dez anos para
quem estava no espaço desde antes de 2025 e 15 anos para quem havia chegado a partir
desta data.

Havia médicos que trabalhavam exclusivamente para os cientistas e funcionários de


Neil Armstrong, monitorando sua saúde ou tratando de eventuais moléstias ou
distúrbios.

De tédio ninguém morria em Neil Armstrong. A maioria trabalhava além das 42 horas
semanais.

No COCE quem trabalhava eram as mulheres. De segunda a sexta, da 0h até 6h,


sentava-se na sala Michael Douglas. Das 6h às 12h, sua mulhere Anette. De 12h às 18
h, José Steinzberg. E no último período, Dr. Renata.

Mas como Anette era biológa, também trabalhava no CPA, Centro de Pesquisas
Animais, onde observava o comportamento de mamíferos na Lua. E Dra. Renata
trabalhava no Centro Médico, estudando a patologia humana sob condições lunares.

Nos finais de semana revezavam-se em períodos de 12 horas, para que dois folgassem
por um dia.

Era uma vida tranquila. Até aquela sexta-feira, 15 de agosto de 59. Dra. Renata estava
contente pois iria viajar para a Terra, no dia seguinte, onde passaria 1 semana.

Cada planeta e o Sol tinham monitores próprios. Verificavam a imagem do planeta,


captada por um dos vários telescópios espalhados pelo Sistema Solar, assim como ondas
de rádio e outras informações, como abalos sísmicos, tempestades, vulcões, etc. Cada
planeta tinha seus sensores, enviados durante a década de 2010 a 2020.

Às 23h55m, quando Michael quase estava chegando, os computadores acusaram um


estrondo, como um abalo sísmico ou choque de meteoro, na região de Netuno.

Ansiosa com a viagem, Dra. Renata só informou a Michael a ocorrência e foi embora.
Falou em inglês porque era o único idioma que Douglas falava e porque era o idioma
oficial da Lua.

Douglas sentou-se na cadeira e pediu Netuno. Todos os comandos podiam ser operados
pela voz. O computador reconheceu a voz de Michael Douglas e respondeu: “Bom Dia,
Mike”. No espaço, todos os computadores queriam ser iguais ao HAL.
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- O que houve em Netuno?

- Nada. Houve em Tritão.

- Repita para mim.

O computador que Michael batizara de Jack, repetiu a ocorrência. Também liberou o


som sintetizado.

- Isto foi um impacto. Há meteoros na área?

- Não.

- Algum satélite bateu em Tritão?

- Não. O satélite Le Verrier está a 3.425.721 km de Tritão, neste momento.

Michael Douglas entrou em contato com o Consórcio. Não quis falar com o
observatório Lunar, com quem não mantinha boas relações.

- Nós também ouvimos. Estamos virando o satélite de Netuno na direção de Tritão. Vai
levar uns minutos.

Quem respondeu foi o gerente de satélites do Consórcio, Carl Ozoki.

Em pouco tempo, todos os endereços de informações noticiavam uma colisão não


prevista em Tritão, satélite de Netuno, aumentando a especulação sobre a possibilidade
de a Terra ser um dia atingida por um corpo celeste sem aviso.

- Há 10 trilhões de dólares no espaço e ninguém consegue prever uma colisão em nosso


Sistema? – diziam os comentaristas eletrônicos.

Até que um deles, o site “lemonde” recebeu um recado de um garoto de 10 anos,


morador da cidade de Lyon. Léon Vichy, apaixonado por astronomia, mandou um
lembrete: “Todo mundo esqueceu de vigiar o cometa de Halley, que está passando por
Netuno, neste instante”.

- Halley! – disse Michael Douglas. – Ninguém havia pensado nisto.

Vários cálculos e observações e análises de cientistas ao redor da Terra chegaram à


conclusão: o cometa de Halley havia esbarrado levemente no satélite de Tritão. Novos
cálculos constataram que Halley raspara num sub-satélite, de 1 km de diâmetro, que
orbitava Tritão.

Projetos de estações espaciais e estações lunares existem há séculos, desde que Galileu e
outros disseram que a Terra girava ao redor do sol. No século 18 surgia a primeira
história sobre uma civilização espacial: “Utopia”, de Tomas Morus. Depois, muitos
outros autores falaram de viagens espaciais, como Jules Verne, até que a ciência passou
a se interessar pelo tema e a astronomia deixou de ser um hobby. Norte-americanos e
soviéticos passaram a competir pela supremacia espacial e as sociedades científicas
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astrológicas decidiram que seria preciso conquistar o espaço, pois um dia a Terra iria
acabar, consumida pelo Sol, como acontece com todas as estrelas. Bem, vai demorar um
pouco. 1 bilhão de anos. Mas já dá para começar a estudar mecanismos e desenvolver
tecnologia para a conquista do espaço. Embora daqui há 1 bilhão de anos, a tecnologia
humana talvez seja capaz de impedir a destruição da Terra. Caso sobrevivemos até lá,
nem usando 100% de nossa capacidade cerebral, seríamos capazes de dizer mais ou
menos o que o Albert Einstein do ano 1.000.002.228 D.C. vai estar dizendo. Talvez
nem tenhamos este formato comum humano. Vamos comparar os seres vivos, quando
surgiram na Terra, 1.000.000.000 atrás e os de hoje. Somos incontáveis espécies
animais complexas governadas por um ser racional que já está conquistando o espaço. E
quando tudo começou, éramos bactérias unicelulares. O que será dos seres vivos e dos
humanos daqui 1 bilhão de anos? (Talvez nos tornemos uma forma de energia
onipresente preparando-nos para desvendar outros Universos). Como, aliás, estariam
possíveis seres inteligentes que teria surgido em alguma galáxia distante, 10 bilhões de
anos atrás? Veja: difícil imaginar 1 bilhão de anos de evolução – e 10 bilhões?

Regressando no tempo, em 1999 foi iniciada a construção da primeira grande estação


espacial a ficar em órbita do planeta Terra, administrada pelo Consórcio, com sede em
Nova York, formado por 18 países diretores e 55 países assistentes. No ano 2000,
empresas privadas entraram para o Consórcio e em 2005, eram 80 órgãos diretores,
milhares de empresas participantes e todos os países do mundo colaboravam com ao
menos um comentário de algum professor. O consórcio Espacial tornou-se o maior
organismo internacional da Terra. Cada governo colaborava com 0,1% do seu PIB e
cada empresa, entre 1 e 10% de seu faturamento, o que dava ao Consórcio uma receita
anual de US$ 350 bilhões de dólares, dinheiro suficiente para o desenvolvimento de
todos os projetos espaciais.

A Estação Lunar Neil Armstrong começou a ser construída em 2007 e foi concluída em
2009. Entrou em capacidade total de funcionamento em 2013 e foi ampliada em 2017.

Neste ano, não satisfeito com seus quatro satélites de rastreamento de corpos celestes, a
AIIB construiu o COCE e instalou seu telescópio de 700 metros. Eram o maior
telescópio em atividade até 2028, mas perderia a posição no ranking para o telescópio
viajante Aristóteles, que já estava em projeto. O telescópio teria 2000 metros de
comprimento por 900 de largura e seria enviado em direção à estrela Alpha Centauri e
depois partiria em direção a outras estrelas. Os astrônomos queriam ter uma visão do
Universo do ponto de vista de outras estrelas.

Michael Douglas chegou ao COCE em 14 de abril de 2018 ou 49 AL. Pediu mais um


casal para viver na base e em 20 de janeiro de 2019 (50 AL) chegaram José e Renata
Steinzberg.

Os quatro se davam muito bem. Sempre comiam juntos e seus apartamentos eram
vizinhos. Michael e José participavam do grupo de pôquer e Anette e Renata gostavam
de assistir a peças de teatro.

Assim era a vida na Lua. Eventualmente saiam em exploração no caminhão dos


geólogos. Colocavam suas roupas de astronautas e andavam na superfície lunar
observando pedras e acidentes. Sua experiência mais arrepiante foi conhecer uma
caverna lunar onde descobriram um salão de 120 metros de altura. Já tinha havido água
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e agora os cientistas tentavam descobrir microorganismos no satélite. Se descobrissem,


poderiam acreditar na possibilidade de vida em toda a parte no Universo, pois só no
sistema solar quase todos os planetas e muitos satélites tinham fósseis de
microorganismos. Duas hipóteses se apresentavam: a primeira dizia que a vida era uma
ocorrência natural no universo. A segunda falava de uma insiminação espacial. Não se
sabe como, mas os seres vivos teriam sido pulverizados em nosso sistema solar. Talvez
só tivessem encontrado condições de evoluir na Terra.

Michael Douglas admirava José Steinzberg, que havia aceito o convite pelo mesmo
motivo que ele: dinheiro. Mas Steinzberg era filho do dono de uma rede de
supermercados no Brasil.

- Gosto da Lua. É bem tranquila.

Naquela madrugada de Sábado em que o cometa de Halley misteriosamente havia se


chocado com um mini-satélite de Tritão, Michael ligou para Steinzberg, acordando-º
Ele se vestiu e caminhou em direção ao COCE. Caminhar não era o verbo adequado. Os
corredores tinham corrimãos e os habitantes da Lua tomavam impulsos a partir deles,
pulando alguns metros. Andavam como cangurus. Steinzberg entrou literalmente
voando na sala de observação e encontrou Douglas excitado e preocupado.

- Como o cometa não foi destruído? – perguntou o físico.

- Por isso eu o chamei. – disse Douglas. – Descubra.

Depois de analisar os dados, com a ajuda do supercomputador do COCE e raciocinar


um pouco, Steizberg desconfiou que um distúrbio no campo gravitacional de Netuno
havia mudado a trajetória de Halley. Outra coisa que o físico pensou é que deveria
entrar em contato com o centro astronômico da estação lunar.

Pulando como um canguru, nos corredores da Neil Armstrong, José Steinzberg teve
uma idéia. Quando segurava nos dois corrimãos e tomava impulso, seu corpo seguia em
linha reta. Mas quando segurava com uma só mão ou dava um puxão com mais força
numa das mãos, seus corpo fazia uma pequena curva. O movimento lhe deu uma nova
visão da órbita de Halley e dos outros corpos celestes.

Quando Steinzberg chegou ao Observatório, todos pararam de coversar e olharam para


ele. Além do astrônomo chefe do Observatório, havia mais oito pessoas na sala, entre
elas Julia Al-Din Rafsanjani, coordenadora da Estação. O astrônomo chefe chamava-se
Miguel Bío. Chileno de origem inca, crescera junto ao observatório Cerro Tololo e
desde os 10 anos sabia que seria astrônomo. Estudou na Universidade de Santiago e
doutorou-se na Universidade da Califórnia. Era um dos poucos cientistas solteiros em
Neil Armstrong. Oficialmente era funcionário do governo chileno, como professor e
pesquisador da Universidade de Santiago.

Foi ele quem recebeu o físico José Steinzberg.

- Bem, agora o quadro está completo. Podemos discutir a ocorrência em Tritão.

- O que aconteceu em Netuno? – perguntou Steinzberg em espanhol.


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- Diga-me você, que é especialista em colisões espaciais. – respondeu Bío em


português.

- Os senhores podem conversar no idioma oficial da Estação Neil Armstrong? –


perguntou Julia Al-Din, em inglês.

- Muito bem, imaginei o seguinte. Primeiro: O Cometa Halley passa por Netuno, mas
ninguém se lembra deste fato. Talvez tivéssemos imaginado que ele passaria longe de
Netuno. Segundo: Ele passa perto de Tritão e esbarra levemente não em um mini-
satélite, mas em um anel de poeira cósmica em volta de Tritão.

- Foi o que eu disse. – lembrou Miguel Bío.

- Por isso o cometa não foi destruído. O que teria atraído o cometa de Halley para junto
de Tritão? Também é simples: é a primeira vez na história que Halley passa junto de
Netuno.

Os presentes manifestaram-se com um misto de surpresa e alegria pois estava


acontecendo algo inteiramente novo no espaço. O intervalo em que as coisas acontecem
no espaço são sempre angustiantes. Milhões de anos isto, bilhões de anos aquilo. Halley
está conosco há duzentos mil anos e só agora cruzava com Netuno?

- Espere um pouco. – interrompeu Miguel Bío. – Halley orbita em sentido oposto ao de


Netuno. Deve ter cruzado várias vezes com Netuno. Umas quatrocentas vezes em sua
história.

- Sem dúvida! – disse Steinzberg. – O problema, aliás, o fantástico é que Halley passa
por um processo de deriva orbital. Não apenas Halley, mas eu acho que todos os corpos
celestes também passam.

Julia Al-Din tomou a palavra:

- O senhor acredita que a órbita de Halley desloca-se no espaço e por isto ele chegou tão
perto de Tritão?

- Sim, observem isto.

O físico José Steizberg retirou um lápis de seu bolso e o girou no ar. Lentamente o lápis
subiu alguns centímetros e pousou na sua mão direita.

- É assim que imaginamos a órbita de todos os corpos celestes, no mesmo lugar, sem
contar as translações, como a da galáxia, etc. Mas o cometa Halley está fazendo isto.

Steinzberg girou o lápis, empurrando-o para Miguel Bío, que o pegou suavemente.

- Se puder provar isto, vai ganhar o Nobel de Física, Steinzberg. – disse Bío. – Mas o
que me intriga é como o cometa Halley passou entre Tritão e Nereida e não foi
capturado por suas gravidades nem a de Netuno.
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- Ainda não sabemos se foi capturado. – informou Steinzberg. – Vamos esperar mais
algumas semanas ou meses ou anos.

Naquele mesmo dia, Michael Douglas pediu para o computador medir com precisão a
trajetória do cometa de Halley. Os telescópios do COCE, o Hubble, o satélite Le
Verrier, de Netuno e o satélite Caronte 2, em Plutão estavam apontados para Tritão e o
cometa de Halley, formando um painel absolutamente preciso daquele ponto do Sistema
Solar.

Abatido, com dores de cabeça e cólicas intestinais, Michael Douglas entrou em seu
toalete . Passou uma toalha molhada no rosto e sussurrou:

- Meu Deus, o cometa Halley vai colidir com a Terra...

Cometas não são estáveis. Não ficam bilhões de anos rodando no mesmo lugar. O
próprio Halley já havia tido sua trajetória alterada pela força gravit lculo de seu
Observatório Lunar. E em pouco tempo, todos na Terra já sabiam o que iria acontecer.

Os membros da AIIB ficaram sorridentes. Pediram uma conferência com o Conselho


Superior do Consórcio Espacial Internacional, que agendou 7 debates a ser realizados ao
longo do ano de 2029. O evento ficou conhecido como Forum do Cometa Halley.

Determinariam o destino do cometa. Seria destruído por uma bomba nuclear? Em que
local do espaço? Próximo a Terra? Próximo a Marte? Próximo a Júpiter? Quanto mais
longe da Terra, mais seguro, diziam os engenheiros bélicos. Enviariam três mísseis,
sendo um titular e dois reservas. Pulverizariam Halley.

Michael Douglas entrou na nave Moonlight e esperou a partida para a Terra. Estava
triste. Jamais pensou que seria responsável por uma descoberta que acarretaria na
destruição de um corpo celeste como o cometa de Halley.

Quando chegou a Terra, dezoito horas depois, pousando no espaçoporto Sky, na


Geórgia, EUA, foi recebido por cerca de 1.500 manifestantes contra a destruição do
cometa. Diziam eles que o engenheiro cubano Clóvis Basco, da empresa BMD havia
desenvolvido um poderoso foguete capaz de mudar o trajeto de um corpo celeste como
o Halley e por isto teria sido assassinado em interesse das indústrias bélicas, que
preferiam ganhar dinheiro o do Consórcio com seus mísseis nucleares.

Antes de entrar na limousine da AIIB, Douglas viu uma garotinha com uma cartolina
com um desenho do cometa e uma frase: “Não matem Halley”.

A limousine estacionou ao lado de um helicóptero e o helicóptero voou ao aeroporto de


Atlanta. Em Atlanta, Michael pegou um avião até Los Angeles, sede da AIIB. Os
maiores figurões da indústria bélica mundial, a maioria norte-americanos, alguns
franceses, ingleses, israelenses, alemães, entre outros, estavam lá.

Douglas foi aplaudido mas não manifestou reação. Continuou quieto até ser chamado
pelo presidente da AIIB, o alemão Ferdinand Bremer, para que palestrasse sobre a
descoberta de que o cometa Halley se chocaria com a Terra e porque deveria ser
destruído por um míssil.
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O astrônomo levantou-se, chegou atrás do púlpito, aproximou-se do microfone e disse:

- Estou me demitindo.

Sem mais, deixou a sala, sob olhares silenciosos dos poderosos.

Na semana seguinte, voltaram a Terra sua esposa Anette e também o casal Steinzberg.

No dia da demissão, Douglas entrou num táxi e pediu permissão para usar o telefone.
Digitou: “jsteinzberg”. Em 22 segundos viu a cara de Steinzberg.

- Olá, Mike, onde está?

- Em um táxi, em Los Angeles. Tenho boas notícias. Pedi demissão.

Steinzberg ficou em silêncio. Depois pediu para Douglas repetir. Fê-lo.

- Não posso permitir que destruam Halley. Você é um cientista sensato. Sabe que é
possível desviar a rota do cometa.

O motorista do táxi estava atento à conversa. Era a primeira vez em 50 anos que alguém
ligava para a Lua diretamente de seu táxi. E ainda estavam conversando sobre o destino
do cometa de Halley. Ninguém acreditaria.

Steinzberg pensou um pouco e disse algo que deixou Douglas entusiasmado:

- Mike, eu sou capaz de projetar um foguete igual ao do Basco.

E assim, no mesmo dia Steinzberg pediu demissão a AIIB e não mais pisou no COCE.
Até chegar a nave Moonlight 2 (que os tripulantes chamavam de Worewolf), o físico
ficou jogando pôquer. Anette e Renata também afastaram-se do COCE e convidaram
todos os habitantes da Lua para um acontecimento inédito e maravilhoso: o parto da eliá
Daisy.

Com seus magnetos nas solas de seus pés, Daisy andava em círculos na maternidade
especialmente construída para ela, no laboratório animal da Estação Lunar. Todo o
planeta Terra assistia ao parto.

Enfim o pequeno elefante veio a Lua, pousando suavemente no solo macio da


maternidade. Com lágrimas nos olhos, os habitantes da Lua sonhavam com o dia em
que um bebê humano nasceria no espaço.

Quando chegaram a Terra. José não largava a mão de sua mulher Renata. Era a primeira
vez em 4 anos que estavam juntos no planeta. Pegaram o avião em Atlanta e a viagem
para São Paulo pareceu durar uma eternidade. Pousaram no Aeroporto Internacional de
São Paulo III, na zona sul da cidade e embarcaram num helicóptero em direção ao
heliporto 4 de Embu-Guaçu.. O motorista do pai de Steinzberg veio buscá-los no
Mercedes Benz e o levaram para casa.
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Adoraram deitar juntos enfim na mesma cama, sem precisar estar amarrados. Tinham a
sensação de estar colados na cama.

A Organização das Nações Unidas determinou que o Consórcio deveria mudar a rota do
cometa de Halley. Em 2045, uma nave iria partir em direção ao cometa e o encontraria
próximo ao planeta Saturno. Instalariam quatro foguetes, deslocariam sua direção em
45° e depois o recolocariam em sua órbita tradicional. Após a missão, os foguetes
desengatariam do cometa, pois ele passaria a desintegrar-se, como costumeiramente faz
em sua aproximação do Sol e estacionaria em órbita de Mercúrio, que tem o tempo de
translação mais curto, ficando preparados caso outro corpo celeste ameaçasse a Terra.
Sua energia seria retirada de uma usina autômata no planeta.

Mas os anos se passaram e os cientistas ainda não sabiam como engatar os foguetes no
cometa. Precisariam enviar uma sonda ao cometa para analisar sua superfície.

E se os foguetes não funcionassem? Se não fossem capazes de alterar a rota do cometa?


Mísseis nucleares seriam posicionados no espaço e destruiriam o cometa quando se
aproximasse da Terra. Mesmo que os foguetes funcionassem, os mísseis ficariam a
postos.

Em 2044 os foguetes estavam prontos para partir para Saturno e seriam levados pela
expedição Clarke-Kubrick II que teria duas missões: levar os primeiros astronautas a
Saturno e instalar os foguetes no cometa de Halley.

Dois astronautas candidataram-se a missão: Michael Douglas e José Steinzberg.


Douglas não foi aceito. Já tinha dez anos no espaço. Steinzberg tinha nove. Portanto
seria sua última viagem. Estava com 45 anos e era uma das maiores autoridades em
física espacial do sistema solar. Quando retornasse a Terra, seria indicado para a vice-
presidência do Consórcio Espacial.

Em 1 de agosto de 2045 entraram em órbita de Saturno.

Steinzberg e os outros olharam pela janela da nave Clarke-Kubrick II e durante muitos


minutos apreciaram, a vastidão espetacular dos anéis de Saturno. Que poderia ser mais
belo no Universo do que aquilo? Os astronautas sentiram pena dos outros humanos, que
não estavam ali para presenciar o espetáculo.

A sub-nave Basco saiu de dentro da Clarke-Kubrick II, carregando os quatro foguetes.


Halley estava a 400 milhões de quilômetros de Saturno e a nave chegaria no cometa em
18 horas. Após a instalação, parte da tripulação entraria em outra sub-nave, apelidada de
Monolito II e entraria em Saturno. (A Monolito I entrou em Júpiter). Achando um local
estável, pousariam no solo saturniano e a nigeriana Tanya Tafawa Harcourt seria o
primeiro humano a pisar em Saturno. Steinzberg queria estar na nave Basco, mas não
tinha necessidade. Os robôs da nave instalariam os foguetes no cometa, com o
monitoramento do cientista.

A superfície do cometa era bastante irregular e quebradiça. A periódica aproximação do


Sol não havia permitido nenhuma sedimentação no Halley. O problema estava previsto.
A nave soltou sua gigantesca malha metálica que circundaria o cometa. A malha de 40
90

km de extensão logo envoltou o cometa e os foguetes foram dispostos sobre ela, na


mesma latitude, em lados opostos, formando um quadrângulo.

Foi quase tudo realizado com perfeição. Só o robô do quarto foguete apresentou uma
disfunção, não conseguindo acoplar o foguete à malha.

Steinzberg deu ordens ao robô número 3 para que realizasse o trabalho do defeituoso 4.
Neste instante um tremor abalou a superfície do cometa, fazendo com que um bloco de
gelo desprendesse-se de seu solo, atingindo os dois robôs. Felizmente o foguete não foi
atingido mas não tinha agora como ser instalado.

26 horas depois, a colossal nave Clarke-Kubrick II estacionava sobre o cometa de


Halley.

Uma porta se abriu e os astronautas contemplaram por alguns segundos a vastidão de


montanhas de gelo do cometa. Quatro desceram. O espanhol Pedro Rubens, geólogo,
iria recolher amostras do solo do cometa. O americano Stephen Wisemann, químico. E a
nigeriana Tanya Harcourt. O primeiro homem a pisar no Halley seria José Steinzberg.

Amarrado a Clarke-Kubrick II, Steinzberg flutuou em direção ao cometa e quando


pousou, sentiu um frio atravessando sua coluna vertebral.

Será que um dia alguém imaginou que homens andariam no cometa de Halley?

Os outros astronautas chegaram ao solo do cometa, também extasiados. Tão extasiados


que deitaram no cometa, acariciando-o, como se fosse um ser vivo.

Instalaram o foguete na malha e depois todos os astronautas da Clarke-Kubrick


desceram no cometa, revezando-se na espaçonave.

Foi um sucesso. Os foguetes desviaram a rota do cometa, que deu a volta ao Sol e
continuou a viagem perlo sistema solar até visitar a Terra novamente em 2138 e nos
próximos 300 mil anos.

Trezentos mil anos se passaram e seria a última vez que Halley passaria pela o Terra.

Um extraterrestre que passasse pela Terra iria achar não haver nela vida inteligente.
Edifícios dasabitados e cidades inertes, desertas. Apenas animais andando livres pelo
planeta. Onde estariam os seres humanos?

Também as estações espaciais e planetárias estavam vazias, desertas.

Quem iria avistar pela última vez o cometa de Halley, já débil e próximo da morte, com
não mais de quatrocentos metros de diâmetros?

Atingiu a área orbital de Marte. A partir deste ponto começaria a desintegra-se.

Em algum ponto do espaço ou do tempo, no Universo, os seres humanos ainda estavam


vivos. Mas eram um só corpo, uma só energia, uma só mente. Já conheciam todo o
91

Universo e até o que havia além do Universo. Viam estrelas nascer e morrer.
Vivenciavam toda a extensão infinita da existência do Universo.

Com a vontade desta única mente, concentraram sua energia no cometa Halley e o
colocaram em órbita do planeta Marte. Não iria mais morrer.

Seja infinito como nós, amigo.

16 – ENERGIA

Voc Serdenizim estava angustiada em seu repouso. Continuava sentindo-se solitária e


carente, como em toda sua vida. A existência, um nada intolerável e arrependeu-se por
não ter aceito o suicídio. Na verdade, teve medo. Embora o suicídio fosse indolor,
provocado por uma radiação específica, criada na primeira guerra, o medo era o
desconhecido. O que haveria além da morte? Segundo relatos de morte induzida, uma
espécie de inércia eterna insensível mas ao mesmo tempo aprazível. Mas Voc
Serdenizim tinha dúvidas fosse a morte legítima. Melhor ser morta em combate,
maneira pela qual morriam até 50% da população no 1.000.000 de segundos.

Felizmente havia aquela guerra anual. O que seria da vida em Groffman D4 sem ela?
Estudar e estudar para nada.

Voc Serdenizim estava preparada para liderar o Exército das Terras Vermelhas contra o
Exército das Terras Amarelas pelo controle da Ilha Azul. Lastimava ter demonstrado
inteligência, durante os testes. Talvez, a vida como operária braçal em Groffman D5
fosse menos sufocante. Cansativa. Mas deveriam ter mais o que fazer. Era permitido o
contato físico. Viviam em grupos e dormiam juntos. O que poderia acontecer com
humanos vivendo juntos? Por quê algumas mulheres eram mortas pelos visores? Uma
espécie de doença parecia afligi-las. Mas nunca humano algum adoeceu em GD4. O
contato entre eles provocaria a enfermidade?

O destino de Voc foi outro. Aos 5 anos fez o teste. Resultado: “Muito inteligente”. Aos
14 participou da 1ª guerra anual, pelo resgate de 8 naves vermelhas. Derrotados. Ficou
em poder dos amarelos. Resgatada no ano seguinte, aos 16, 17 e 18 participou como
piloto, demonstrando grande habilidade.

Havia 3 tipos de naves em GD4. O controle absoluto vinha dos Visores autômatos, que
criaram o sistema 200 anos antes. A linha intermediária era formada por semi-humanos.
Obedeciam seus superiores mas gerenciavam os humanos, que compunham a terceira
categoria: os inteligentes, que realizavam as guerra anuais, os sub-inteligentes,
destinados à atividades primárias de GD5 e os mutantes híbridos, enviados a uma
galáxia vizinha, SDH-4n, Voc não sabia o porquê nem o significado do nome da
galáxia. Voc sabia apenas que dirigiam-se a 4 planetas de sistemas diferentes habitáveis.
Descobrira por si própria, realizando cálculos. A mesma habilidade matemática Voc
utilizava como piloto. Posicionada na linha de defesa atrás das naves autômatas e semi-
humanas, atravessavam os 785.432 km da circunferência de GD4. Voc sabia que
92

deveria ser o contrário. Os humanos na frente e os Visores atrás. Nenhum humano


nunca bateu numa das montanhas de 60.000 metros de GD4. Os visores, sim. Talvez
fossem orgulhosos para reconhecer que eram passíveis de erros. O que não acontecia
com os humanos. Ao menos, os inteligentes.

Quase todos os visores de ambos os lados se destruíam, restando os semi-humanos,


mais cautelosos, embora tivessem o cérebro totalmente automatizado.

Os humanos mantinham-se o tempo todo atrás, zelando pela segurança das naves semi-
humanas e eventualmente, assumiam o lugar dos semi-humanos abatidos. Neste ponto a
guerra tornava-se franca, inteligente e vertiginosa. Pois geralmente estavam se
esgotando o 1.000.000 de segundos.

Por que humanos eram designados a organizar as guerras? Porque os visores sabiam que
só um humano seria capaz de criar coordenadas precisas e criativas de ataque e defesa.
Por mais que analisassem o cérebro humano, não distinguiam o mecanismo exato da
imaginação. Até mesmo os nomes com que os humanos se chamavam sem ninguém os
tivesse ensinado a se nominar. Diziam: “Aqui é Kores Rolen”, “Eu sou Dorenos
Kalingue”, “Meu nome é Voc Serdenizim”. Já os humanos de GD5 davam nomes a si
próprios e aos outros. Cada um tinha dezenas de nomes, às vezes de coisas: “Agulha”,
“Terra”, “Luz”, “Inseto”.

Os visores apenas sabiam que a região fundamental do cérebro humano era o lóbulo
frontal e uma pequena região com menos de 1 mm no lado direito, junto ao cerebelo.

Experiências realizadas com semi-humanos comprovaram que um cérebro artificial com


lóbulo humano funcionava quase perfeitamente. Mas o indivíduo era meio preguiçoso,
mal humorado e às vezes não tinha criatividade alguma. Com a inclusão do pequeno
ponto atrás do cérebro, seu comportamento tornava-se plenamente humano. O mais
incrível vinha a seguir:

• Lóbulo humano, cérebro autômato, ponto artificial: o corpo não apresentava sinais
vitais, como se estivesse morto.

• Lóbulo artificial, cérebro humano, ponto humano: comportamento auto-destrutivo.


Chegavam a arrancar a carne do corpo e precisavam ser abatidos.

• Lóbulo artificial, cérebro artificial, ponto humano: comportamento de um bebê de


15.000.000 de segundos.

• Lóbulo humano, cérebro humano, ponto de chumbo: funcionava melhor que o ponto
humano. Mas apenas feito de chumbo e nenhum componente mais. O indivíduo
tornava-se mais inteligente, criativo e disposto, embora com o tempo tornasse-se
deprimido.

Era o caso de Voc Serdenizim, mas ela acreditava que a depressão era causada pela
inércia total de GD4.

Voc voltou a pensar em seu plano de esperar o ataque das Terras Amarelas. Achou
muito imprudente. Se o ataque fosse fulminante, nem veriam a própria morte. Melhor
93

fazer um reconhecimento em altíssima velocidade das terras inimigas e o


posicionamento das tropas.

Também deveriam ser enviadas tropas terrestres e submarinas para invadir a Ilha Azul
secretamente, enquanto as naves fariam a cobertura aérea e despiste.

Passou a sugestão a um semi-humano, que a levaria aos Visores. Voc gostava da visita
do semi-humano, que chamava secretamente de Nírio. O único “humano” com quem
teve contato durante toda sua vida, embora nunca o tivesse tocado mas tinha este desejo.
Embora não tivesse cérebro, teria ele sensações interiores como Voc? Talvez sim,
porque Nírio às vezes apresentava-se diferente, como Voc. Seus cabelos e pelos sempre
cresciam, partes de sua pele ficavam vermelhas ou eriçadas. Olheiras, ereção peniana.
Como Voc, por onde passavam ocorrências semelhantes.

Nírio voltou com a resposta: não haveria tempo para fabricar e trazer de GD5 os tanques
terrestres. Seria possível apenas o reconhecimento.

Pela primeira vez, Voc participaria da guerra sem ir ao combate. Tinha uma
responsabilidade pela frente: nunca antes tinha sentido isto, pois fora uma simples
figurante nas guerras anuais.

Segura de sua inteligência humana, Voc aguardava as imagens do terreno inimigo.


Conhecia um pouco aquelas terras, por ter estado lá antes. Não tudo, obviamente, já que
o planeta era muito grande.

Alguns lugares de GD4 os habitantes nunca estiveram. Supunha-se que havia cavernas
marítimas com mais de 1.000 km de profundidade e até 20.000 km de comprimento,
com milhões de ramificações. Nenhuma expedição em 200 anos retornou à superfície.
Porque o sinal que indicava a localização dos grupos e o caminha de volta acabava
desaparecendo.

GD4 era um dos planetas habitáveis mais inóspitos e surpreendentes da galáxia. O que
poderia existir nos confins do Universo? Nem o mais avançado humano poderia
imaginar. Quando os visores e humanos chegaram ao sistema Groffman, encontraram
em GD3, GD4 e GD5 os planetas habitáveis entre os 110 corpos do sistema (25 planetas
e 185 satélites). GD3 era muito pequeno. 500 vezes menor que GD4, muito quente, com
médias de 120° e era totalmente tomado por musgos e insetos. Já estava suficientemente
habitado. Não havia 1 mm do planeta sem musgos ou insetos. Os insetos alimentavam-
se dos musgos e os musgos dos insetos. Uma pequena falha no ciclo de vida de GD3
destruiria o planeta. GD4 tinha mais diversidade, mas em menor quantidade de
indivíduos. Mas os insetos e outros pequenos animais ainda estavam no estágio
intermediário entre vegetais e animais. E muitos vegetais eram unicelulares, como o
pico de 2.000 metros de altura e 10 metros de diâmetro, no meio do oceano, composto
por uma única célula cravada 100 metros abaixo do lodo submarino. Havia muitos
outros no oceano que possuía mais de 7 bilhões de corpos e ilhotas dentro dele. Sem
contar as montanhas submarinas, algumas com 120 km de altura, nas maiores fossas sob
os pólos congelados.

E GD5 era o mais novo, formado de protozoários, bactérias, vírus. Voc Serdenizim
sabia que os humanos há séculos eram imunes a quase todas as doenças, mesmo viroses
94

desconhecidas, pois os anticorpos evoluíram e aprenderam a distinguir a mutação de


corpos invasores. Mas existiria algum ente em GD5 mais esperto que nossos
anticorpos?

O Sistema Groffman era realmente fascinante. Pois embora os planetas próximos do Sol
fossem jovens em relação a seus corpos vivos, nos últimos satélites de Groffman D25
foram encontrados vestígios de UBPUV (Unidade Básica Primária Universal de Vida),
cuja medição datava de 600 bilhões de anos. Os visores achavam que o Universo tinha
115 bilhões de anos. Assim a UBPUV teria a mesma idade do Universo (que poderia
agora considerar-se 600 bilhões de anos) ou seria mais velho que ele? Mas tão mais
velho?

Os Visores decidiram então analisar muito mais profundamente o interior da UBPUV e


dos átomos. Havia alguma coisa ali que 20.000 anos de conhecimento não descobriram.

Voc Serdenizim sabia que os Visores não iriam descobrir o segredo do Universo. Só no
caso de convocar humanos e sua imaginação de chumbo.

No momento, Voc desejava descobrir o segredo da guerra anual em que sua inteligência
lhe promovera a general.

Analisava as imagens cautelosamente, antes que os Amarelos destruíssem as naves


espiãs não-tripuladas.

As Terras Amarelas eram muito grandes, mas seu povo sabia exatamente a posição de
qualquer invasor, como se o continente fosse uma célula viva que percebesse a
aproximação e ingresso de qualquer corpo.

Pediu a Nírio que perguntasse se os vermelhos tinham o mesmo sistema.

“Ao mesmo tempo não”, foi a resposta.

Poderiam penetrar no Continente Vermelho através desta falha.

“Aí está o segredo”, pensou. “Vamos deixá-los invadir o continente, enquanto uma
tropa voará para a Ilha Azul, secretamente, e retirará o minério”.

Na manhã seguinte, deu-se início a contagem de 1.000.000 de segundos.

No lado oposto do continente, próximo ao Pólo Sul, estavam posicionados o cargueiro e


as 480 naves que invadiriam a Ilha Azul.

De acordo com a orientação de Voc Serdenizim, o sinal de proteção do continente


piscou 10 vezes, simulando uma falha no lado sul, onde estavam, e desligou-se enfim.
Os Amarelos deveriam imaginar que o lado Norte estaria mais descoberto para que as
naves protegessem o sul e invadiriam entre as brechas do sinal.

Caso caíssem no truque.


95

Realmente caíram mas estavam muito melhor preparados. Os Visores deles


conseguiram destruir os Vermelhos. Os semi-humanos de Serdenizim destruíram os
Visores Amarelos. Os semi-humanos atacaram e venceram os das Terras Vermelhas.
Metade das tropas Amarelas dirigiam-se a Ilha Azul para enfrentar os invasores
Vermelhos.

Os humanos do Continente Vermelho tiveram a incumbência de combater os


remanescentes Amarelos: humanos e semi-humanos.

Como o continente era mais conhecido por seus habitantes, as naves locais evadiram-se
entre as montanhas para que surpreendessem os inimigos. As naves que enfrentavam
semi-humanos tiveram mais sucesso e puderam auxiliar os humanos aliados na luta
contra os invasores Amarelos.

Enquanto isso, os Amarelos aproximaram-se do comboio Vermelho. Os Amarelos não


entenderam quando as naves Vermelhas, pilotadas por visores, afastaram-se das outras,
fugindo a sua proteção.

Os Amarelos, quase ao mesmo tempo, atacavam mas o resultado foi contra eles.
Carregadas de explosivos nucleares, as naves, na verdade, teleguiadas, destruíram quase
toda a frota Amarela.

Os humanos remanescentes fugiram e realizaram pousos emergenciais no continente


Vermelho. Outros fugiram.

Voc Serdenizim sabia que a fusão do Raio S com a HUEX-K, o componente orgânico
que recobria as montanhas poderia causar uma explosão nuclear, caso houvesse um
aquecimento acima de 700°. Para quê serviria sua inteligência?

Talvez um dia os Visores curvassem-se à superioridade intelectual dos humanos.

“Por que nós não dominamos o Universo?”

Talvez porque antes que os inteligentes, nos últimos 200 anos, tentassem a sublevação,
foram abatidos pelos Visores.

Quando Nírio entrou no repouso de Voc Serdenizim, foi atingido por uma gaveta.

Voc não sabia quanto tempo teria para fugir antes que os Visores e semi-humanos
fossem a sua captura.

Saiu ao corredor. Ninguém à vista. Portas dos outros repousos trancadas.

A sede do repouso localizava-se dentro de uma montanha. A única saída seria a própria
saída. As janelas davam para o mesmo local.

Mas a saída e as janelas eram vigiadas por um Visor. E algo vigiado por um Visor não
poderia escapar ileso.

“Melhor esconder-me no repouso de outro humano”.


96

Parou à porta de um e seu coração bateu forte. Nunca antes entrara em contato direto
com algum de sua espécie.

Como não havia muito tempo para devaneios existenciais, Voc forçou a porta e entrou.
Um garoto apático pulou de seu leito e ficou de pé.

Voc fechou a porta.

Os dois tremiam de medo.

- Oi, eu sou Voc Serdenizim.

- Eu sei.

Que sensação agradável ouvir uma voz humana. Mesmo transmitida por pensamento.

- Como?

O rapaz baixo de uns 15 anos respondeu:

- Após destruir a população Amarela, imaginei que você iria querer destruir os
Vermelhos.

- Só quero escapar dos Visores. Acho que vão me matar.

- Paranóia.

- Não, não é paranóia. Todos os generais desaparecem após a guerra.

- Todos o quê?

- Líderes, foi o que quis dizer. Qual seu nome?

O rapaz levantou as mãos, como se não entendesse.

- Eu sei que você tem um nome. Todos têm.

- Me chamo... Gous...

- Só?

- Bem... Gous... Sluks.

- Gostei. Bem simples. Agora tirei sua escolha e sua vida.

- Nunca tive nenhuma das duas.

Ficaram-se entreolhando. O garoto Gous completou:

- O que você tem em mente?


97

- Acho que já gastei toda minha inteligência nesta guerra.

- Só sobrou o pedantismo.

- Você quer ser psicólogo? Venha. Vamos acordar todos os humanos e matar os
semi.

- E os visores?

- Eles só têm sinal na saída.

Foi o caos. Mas todos seguiram as ordens de Voc. Os poucos semi-humanos que
entraram tiveram seus pescoços quebrados.

- Quem são os mais inteligentes? – perguntou Voc. – Como os Visores sabem quem
somos?

Ninguém falou nada. Talvez soubessem as caras de cada ou detectam o lóbulo artificial
dos semis. Mas houve outra teoria.

“Uma vez”, começou Gous Slucks, vi um semi-humano escorregar e cair ao chão. Um


Visor aproximou-se e quase atirou o raio S sobre ele. Chegou a armar-se. Então acho
que a detecção é baseada no comportamento.

- Vamos fazer um teste.

Jogaram um semi de uma janela. Antes que chegasse ao solo, foi destroçado pelo raio S.

- Bom garoto. – disse Voc.

- Como os Visores tornaram-se tão estúpidos? – questionou Gous.

Um a um deixaram a montanha em direção às naves, imitando o andar sem vida dos


semi-humanos. Seria um longo caminho de 500 segundos em direção à base. De lá
voariam para um cargueiro, que Voc e seus amigos tentariam transformar em nave de
combate e fuga.

O Visor não estava entendendo porque estavam saindo tantos semi-humanos.

Entrou em contato com o Comando Central para saber porque havia entrado 12 e saído
140.

O Comando enviou um outro Visor para substituir o defeituoso.

Quando as naves chegaram ao cargueiro atacaram e destruíram os Visores. Parte dos


humanos pousou enquanto os outros lutaram contra os Visores e semi-humanos que
vieram atacá-los. Os outros humanos do Continente Vermelho foram colocados em
alerta pelo Comando para atacar aqueles que estavam julgando ser amarelos.

Voc Serdenizim precisaria ser rápida. Os 140 não resistiriam ao ataque de 600.
98

Subiram no cargueiro e partiram em direção à montanha mais próxima com HUEX-K,


para provocar os ataques nucleares.

O tempo passou e ninguém foi atrás deles, embora estivesse em alerta.

- 1.000.000 de segundos. Mas eles não sabem o que fazer sem minha orientações. –
pensou Voc.

Ligou o sinal em direção aos Visores:

- Aqui é Voc Serdenizim. Não ataquem a tropa amarela invasora do Continente


Vermelho. Eles têm um cargueiro com explosivos nucleares prontos a destruir-nos.

Disse cautelosamente, quase irresponsavelmente.

- Aqui é Voc Serdenizim. Ordeno que os humanos decolem e circundem o


cargueiro.

Em pouco tempo 600 naves voavam junto a eles. Todos humanos.

Voc voou até posicionar-se sobre a base dos Visores e semi-humanos, onde estavam
estacionadas todas as suas naves. Abriu o cargueiro e todo o HUEX-K caiu sobre a
montanha, ficando concentrado no cume.

- Como vamos aquecê-los a 700°? – perguntou alguém.

- Não é preciso, respondeu Gous. – O HUEX-K mantém o calor das montanhas


porque como são muito altas o ar rarefeito poderia congelá-las e quebrar o ciclo
vital dentro delas. Assim, uma grande concentração de HUEX-K gerará um grande
aquecimento dentro delas.

- A 700°? – quis saber outro.

- Até mais. – concluiu Voc.

O cargueiro subiu a 300 km. Voc queria estar, junto com os humanos, bem longe dali.
Repetiu a ordem de não atacar o cargueiro.

Do outro lado do planeta, o comando amarelo observava atenciosamente a


movimentação estranha, incapaz de completar o 1.000.000 de segundos por ter só 10%
da tropa, o mínimo para zelar pelo continente.

1 segundo de raio bastou para exterminar os Visores Vermelhos e seus semi-huamnos.

Enfim, contou aos humanos a verdade daquela ocorrência.

Pousaram ao norte do Continente.

Todos sentiam-se agraciados por estar juntos pela primeira vez. Em 200 anos. Ou mais.
Não sabiam quanto tempo.
99

Voc teve a iniciativa de tocar em alguém. Não foi como tocar em seu próprio corpo. Foi
prazeroso e extasiante.

Todos tocaram-se. 740 ao mesmo tempo roçando seus corpos e descobrindo seus
semelhantes.

- Ei, Voc. – chamou Gous. - Você fez a gentileza de matar os Amarelos. Há


4.000.000 de humanos em GD5, sub-inteligentes e 700.000 Visores no sistema
Groffman.

- Gous. Estão tão longe que dá tempo de voar a GD5 e treinar todos os humanos.
Eles não são totalmente sub-inteligentes. Vocês acham que entre 5.000.000 de
humanos só nós somos inteligentes?

Voaram a GD5, após adaptar 4 cargueiros em naves interplanetárias. Também


invadiram o continente amarelo e resgataram os humanos.

Voc Serdenizim descobriu que não era doença que afastava as mulheres, mas gravidez.
Milênios não mudaram características humanas básicas.

Os bebês não nasciam fortes. Utilizavam as câmeras geradoras, as mesmas onde


nasciam os humanos. Decidiram não usá-las mais. Todos nasceriam no corpo das
mulheres. Já que a Natureza era assim mesmo.

Havia muito a aprender. Sabiam fazer isto bem.

- A verdadeira vida é liberdade, união e prazer. – pensou Voc.

17 – REPRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 - SÁBADO
Sábado terminou de jantar e saiu para o quintal palitando os dentes, retirando vestígios
de carne cozida. Foi exercitar o estômago, lotado até a boca de tanto 'rango'. Não
agüentava mais nem um grão de arroz.

Era uma quinta-feira. Seus pais já estavam no fundo da casa, tocando violão e flauta. E
sua irmã de oito anos, Mar estava grudada na TV, vendo a novela.

Era primavera. As árvores da rua cheias de flores amarelas, vermelhas.

Aquela noite de quinta era uma noite igual a tantas outras de Primavera.

Logo depois de Sábado ter sentado no murinho de sua casa apareceu o amigo Rato que
morava na mesma rua, passeando com seu fiel amigo canino Anta, um cachorro enorme,
'velhão', que acompanhava Rato, sem coleira, para qualquer lugar que ele fosse.

- Eu não sei se o Anta me leva para passear ou se eu é que levo ele.


100

O interessante é como ele primeiro falara do cachorro e depois dele.

- Vai passar um filme legal hoje, você vem assistir comigo, não vem? – perguntou
Sábado.

- Que horas?

- Depois do jornal.

- Claro.

Eles adoravam assistir a filmes pela TV juntos.

- Traz o Anta também.

- É, o Anta adora filme – riu.

Conversaram mais um pouco, Rato continuou a andar com seu Anta e Sábado entrou.
Acabou a novela da Mar e ela mudou de canal.

Sábado levantou do sofá e foi para o seu quarto. Pegou o livro de horror que estava
lendo, abriu onde estava o marcador e continuou se divertindo com aquela fantástica
história dos diabos.

Acordou por volta do meio-dia. Seus pais ainda estavam dormindo, acordariam ao
entardecer. Foi à cama da irmã e a acordou. Tirou a roupa e foi para o chuveiro, não
esquecendo de levar o rádio. Sábado não conseguia tomar banho sem música. Ninguém
toma banho sem música, mas a maioria prefere cantar.

Enquanto Sábado foi à padaria na avenida de cima, onde também ficava a escola, Mar
preparou o café. O garoto voltou com o pão e o leite, comeram, pegaram os cadernos e
livros e foram à escola.

Outra garota que ele amava era uma garota que estudava na sua classe. Valéria,
docemente chamada de Val, pela escola toda. Mas ela se apaixonou por aquele garoto
bonitinho, eternamente contente, que não esquentava a cabeça com nada e era muito
atencioso com todos. Um rapaz irresistível. E Sábado escolheu aquela loirinha linda de
olhos verdes.

CAPÍTULO 2 - A ESFERA
No Domingo, eles só passearam. Sábado, Val, Mar, Rato, Anta e Girino foram no carro
do último a uma cidade vizinha onde havia um grande parque com uma lagoa. Passaram
o dia e voltaram bronzeados.

Quando chegou em casa, Sábado soube de seu pai que o aparelho de som deles tinha
pifado e prontificou-se a levá-lo ao conserto no dia seguinte.
101

Tiveram que tomar um ótimo banho, pois não ficaram hospedados em nenhum lugar ,
passaram creme no rosto para aliviar a ardência e foram logo dormir – tinham acordado
mais cedo que o de costume.

Sábado acordou uma hora mais cedo na segunda, enfiou o aparelho quebrado numa
caixa e levou-o a uma assistência autorizada. Para chegar lá ele teve que passar por uma
atalho sujo, sem asfalto, onde havia uma lojinha cheia de televisores na porta, daquelas
que consertam até o que não está quebrado. Sábado passou olhando decepcionado com a
capacidade que as pessoas têm de enganar os outros. Continuou a calma vida de sempre
e no dia seguinte voltou à assistência para saber o defeito. Foi recebido por um rapaz
com um avental azul.

- Ah, vai sair barato, foi só um fusível queimado.

- Ótimo. Quanto vai ficar?

Ele falou o preço e Sábado esperou alguns minutos enquanto o rapaz colocava o fusível.
Voltou com o aparelho na mesma caixa, Sábado pagou e pegou o mesmo caminho,
agora escuro por já passar das 7 horas da noite.

Sábado não tinha medo, apesar de morar na cidade grande. Só tinha medo de tropeçar.
Estava seguindo pelo reflexo das luzes distantes. Por que aquela rua quase não tinha
casas. De um lado, um grande terreno baldio cheio de capim e do outro, um córrego
fedorento e mais uns casebres, além da lojinha desonesta de consertos.

Aconteceu o que Sábado temia. Bateu o pé esquerdo numa pedra, sendo projetado para
frente. Por sorte não caiu.

- Tenho que tomar mais cuidado.

Um segundo depois o chão começou a ficar claro. Sábado logo achou que era uma
ilusão de ótica ou talvez uma nuvem aumentando o reflexo das luzes distantes. Não era
época de Lua cheia.

Mas o ar começou a esquentar e depois começou a mover-se, transformando-se em


vento. Não muito forte, mas o suficiente para balançar o mato.

Em seguida o chão começou a tremer e um som de nave espacial ou de um gigantesco


aspirador de pó crescia rapidamente nas costas de Sábado.

Ele virou assustado para trás, deparando-se com uma esfera azul, muito brilhante,
aproximando-se dele. Ele teve a impressão de que a esfera estava perto, mas perdeu essa
noção diante do tamanho que ela vinha adquirindo.

Sábado ficou parado, olhando firme, boquiaberto, chocado, assustado, com o coração a
mil e os braços frouxos, quase deixando cair o aparelho de som.

A esfera ficou mais brilhante ainda, o tom foi passando do azul para o amarelo e
vermelho, toda a região estava branca como se estivesse Sol. Sábado teve que
102

comprimir as pálpebras, ainda mais que a coisa estava fazendo a poeira voar no seu
rosto.

Foi como uma explosão sem barulho e sem destruir a região. A esfera lançou um
enorme raio de luz na sua direção, parecia que Sábado estava dentro de um relâmpago.
O raio o atingiu com um impacto. Sábado sentiu o fogo entrando em seu corpo. Foi
jogado para trás, gritando de dor, parecia estar em chamas. Achou que era a morte.

O aparelho caiu no chão. Sábado caiu de costas naquelas pedras, machucando-se.

A esfera voltou na mesma direção. Ficou azul novamente. A princípio partia


vagarosamente, depois voou de volta ao espaço numa velocidade extraordinária, como
se estivesse se apagando no céu.

Sábado foi se recuperando. Levantou-se e sentiu os lábios rachados. Tinha uma forte
dor de cabeça. Colocou as idéias em ordem.

- Meu Deus... O que foi isto? Nunca pensei que os extraterrestres agiam desta forma...
(olhou para os braços). O que fizeram comigo?

Ele nunca tinha passado por experiência semelhante, portanto não sabia o que sentir.
Não sabia se ficava com raiva ou com medo do que pudesse lhe acontecer dali em
diante. Mas ele tinha certeza de que acabara de passar por uma experiência digamos que
interplanetária.

Pegou o aparelho de som torcendo para que ele não tivesse arrebentado com a queda e
seguiu para sua casa. Chegando perto da sua rua algumas pessoas se aproximaram dele.

- O que foi? Você viu o que aconteceu? – perguntou um homem obviamente referindo-
se à luz que o bairro inteiro deveria ter visto.

Sábado por um instante hesitou na resposta, não sabia se valeria a pena contar a
verdade. Embora estivesse muito excitado para sair por aí contando a todos o que lhe
ocorrera a poucos instantes.

- É... Eu vi uma luz forte em cima de mim. Depois desapareceu. Acho que era um disco
voador. – disse com um ar meio irônico, mas com a certeza de que era uma nave
extraterrestre.

- Nossa, como você está queimado! – reparou uma moça que ele conhecia de vista.

- Eu tomei muito sol ontem.

- Não, você está muito queimado! – confirmou um garoto de óculos com cara de
inteligente.

Saiu do meio da multidão falante sob os conselhos de ir ao hospital. Sábado só queria


um comprimido para dor de cabeça.

Seus pais e Mar estavam no portão.


103

-Sábado!

Os três se assustaram com a cara marrom do garoto.

- O que foi que houve? – perguntou sua irmã.

- Vocês não viram a nave?

Ele podia falar assim com a família, eles sempre acreditaram muito em extraterrestres.

- Não, estávamos lá dentro.

- Só ouvimos um barulho estranho.

- Então ela chegou perto de você? – adivinhou seu pai.

Ele ia começar a contar mas resolveu entrar. Não agüentava mais carregar o aparelho.

CAPÍTULO 3 - RELATÓRIO
O pai de Sábado estava muito feliz. Seu filho, escolhido pelos extraterrestres. Mas
primeiro resolveu ficar quieto e esperar Sábado contar o que tinha acontecido. Só não
conseguia engolir o sorrisão.

Sábado colocou o aparelho no lugar e sentou todo abertão no sofá grande da sala,
soltando um suspiro.

- Conta, Sábado.

Era a Mar, ajoelhando-se com toda a sua beleza nos pés do irmão, ficando debruçada na
perna dele, que ainda atordoado, descreveu o raio jogado contra ele.

- O que vocês acham?

A mãe dele, depois de um instante olhando para o chão, afirmou:

- Foi uma experiência... extraterrestre. – falou balançando afirmativamente a cabeça.

Seu pai levantou-se do sofá:

- Sábado... (apontou-lhe o dedo). Você vai mudar a partir de hoje.

- Vou mudar?

- Sim. Veja bem. (Colocou as mãos em forma de oração). Eu não acredito que aquela...
aquela nave tirou uma foto de você. Eu acho que ela... hmmmmmmm, realizou uma
espécie de experiência como a mãe falou e agora vai ficar por aí analisando os efeitos
em você. Só pode ser coisa boa, extraterrestre é gente boa.

- É, eu sei.
104

A vida voltou ao normal. Contatos extraterrestres eram o tipo de coisa que não tiraria o
sossego daquela família que já vivia viajando pelo espaço.

O som estava ótimo. Parecia que a queda tinha melhorado seus componentes. Talvez
fosse coisa do disco voador.

No dia seguinte começou a descascar. O rosto de Sábado ficou horrível. Passava o


tempo todo tirando a pele morta do rosto e passando uma forte escova no corpo. Ele
nunca tinha ficado daquele jeito, não era normal em ninguém. Quem começa a
descascar no dia seguinte e no corpo inteiro?

Sábado pegou todos os livros sobre extraterrestres que a família tinha em casa e releu.
Não achou nada semelhante. Mas notou que precisava relatar o caso para as autoridades
ufológicas. Achou o endereço de um grupo de ufologia na zona sul da cidade e foi até
lá.

Era um escritório cheio de fotos e artigos sobre ufologia, até alguns desenhos de seres
que sempre deixava Sábado intrigado: seria possível seres de outros planetas
semelhantes a nós? Isto levantaria a hipótese de sermos parentes, mesmo assim a
evolução do planeta deles seria exatamente igual a nossa. No passado, povos
registraram casamentos entre terráqueos e “filhos de deuses” ou coisas assim. Veja o
Gênesis da Bíblia, por exemplo. Dizem até que Jesus Cristo seria o resultado do
cruzamento entre Maria e um ET. Para o José não ter se sentido traído, poderiam ter
feito simples inseminação. Coisas que Sábado havia lido.

Sábado entrou na sala do chefe onde havia mais duas pessoas. O chefe ligou uma
câmera de vídeo para registrar o depoimento.

Depois conversaram. Um deles lembrou que houve um caso semelhante ao de Sábado,


mas a vítima simplesmente derreteu. Isso mesmo, como manteiga na frigideira.
Derreteu. Mas logo em seguida disse que o fenômeno poderia ter sido inventado,
baseado no filme “O Incrível Homem Que Derreteu”. E completou:

- Sábado, as atitudes extraterrestres são muito diversificadas. A coisa mais rara são dois
contatos idênticos. O cara começou a derreter no mesmo dia. Para você já fazem três.
Como você se sente?

- Eu me sinto ótimo. Nunca me senti tão bem em minha vida. Parece que eu fiquei mais
leve. E estou com uma grande energia.

- Isso também é preocupante. – disse o chefe. – seu sistema orgânico pode ter sido
alterado. Você está disposto a passar uns dias conosco fazendo uns exames?

- Acho que sim. Pode ser.

- Está ótimo. Primeiro gostaríamos de recolher mais depoimentos. Quem mais você
disse que viu o fenômeno?

- O bairro inteiro.
105

CAPÍTULO 4 - A VISÃO
Sábado voltou para casa. Passando por uma banca viu a notícia do fenômeno na
primeira página de um jornal. Comprou-o. Havia várias descrições diferentes mas todos
concordaram que era uma esfera de luz que começou azul, ficou colorida e muito
brilhante e voltou a ficar azul, sumindo no céu.

Naquela mesma noite viu na TV uma rápida reportagem, mostrando também alguns
rostos conhecidos do bairro. Ainda bem que ninguém se lembrou dele, pensou aliviado.

E ele era a figura central do contato.

O raciocínio de Sábado descobriu uma coisa: se as aparições extraterrestres fossem


constantes, as pessoas mudariam os seus valores humanos. Ficariam muito chateadas
com o atraso científico e mental da humanidade. Por isso as autoridades sempre
desmentem a existência de seres de outros planetas.

Mas como explicariam aquela aparição no bairro de Sábado? Alucinação coletiva de


quinhentas pessoas? Um fenômeno meteorológico? Quem sabe um meteoro de borracha
que bateu na terra e voltou para o espaço?

Mesmo segurando muitas informações, as autoridades não conseguem esconder um


número de evidências que seriam suficientes para que a humanidade tivesse certeza de
que não está sozinha no Universo.

De manhã, apareceram os ufólogos que Sábado contatara. Ele os apresentou para seus
pais e Mar e conversaram bastante sobre muitos assuntos.

Naquele dia Sábado teve prova na escola. Fez em cinco minutos. E era uma prova de
história, que exige muito da cabeça. Mistura de memória, conhecimentos de português e
raciocínio. Mesmo que Sábado duvidasse de 80% do que aprendia com aquela
professora, fez a prova com entusiasmo.

No mesmo dia, à noite, Sábado ficou desligado do mundo. Enquanto a família estava na
sala assistindo tv, ele ficou no sofá, olhando a janela, completamente apagado.

Sábado arregalou os olhos. Chacoalhou a cabeça: acordou. Levantou, bebeu água e foi
para o quarto. Deitou na cama, ficou o olhar no teto e apagou novamente. Viu as
estrelas. Ele subia em direção a elas. Mesmo assim a terra subia mais rápido e Sábado
ficou no meio das nuvens. O ozônio fez o céu ficar azul e as estrelas sumirem.

Ele viu sua irmã. Mar...

Ele viu seus pais. Pai... mãe...

Ele viu sua namorada. Val...

Ele viu sua vida. A humanidade está errada. A vida é para sempre. A vida se expande,
se expande. Nada tem limite.

De repente, acordou. Levantou, foi ao banheiro, lavou o rosto e voltou à sala.


106

CAPÍTULO 5 - NA CABEÇA
- Sábado! Sábado! O que foi?

Mar tentava desesperadamente falar com irmão. Sábado, deitado em sua cama, logo
depois que o Sol nasceu, gritava a plenos pulmões. Com as mãos na cabeça, revirando-
se na cama, contorcendo-se de dor, o rosto cheio de lágrimas.

Seus pais entraram correndo no quarto.

- Minha cabeça! Tá doendo demais!

Saltou da cama. Saiu correndo e foram atrás.

Ele entrou no chuveiro frio. Não resolveu.

- O que nós vamos fazer?

- Leva ele no hospital! – gritou a mãe.

Não havia escolha. O pai foi pegar dinheiro no quarto e voltou mandando Mar tomar
conta da casa. Mas quando saíram pela porta da frente a dor de cabeça e Sábado cessou
imediatamente.

- Espera... Passou...

- Passou? Como?

- Não sei. Simplesmente a dor passou.

- Não é possível...

Sábado testou entrar na casa novamente. A dor não voltou.

- Acho que vou começar a viver esses fenômenos.

Foi aos ufólogos e eles pediram para Sábado já ficar com eles. Criou-se uma expectativa
enorme quanto à saúde de Sábado. O que estava acontecendo com ele? Seu corpo estava
mudando a cada dia. Primeiro foi a pele renovada e o aumento de sua energia, causando
também uma diminuição na fome e na sede. Além de que sua mente estava trabalhando
como nunca, agora estava tendo visões também. O que será que aquela nave tinha
lançado contra ele? Que espécie de radiação era aquela? E por quê? Era esperar para
ver.

CAPÍTULO 6 - DR. PALHARES


Ding... Dong... Um jovem médico, aproximadamente 26 anos, abre a porta de seu
apartamento com um sorrisão.

- Carlão! – diz.
107

- Fala aí, brother.

Ficaram felicíssimos em ser se ver, depois de oito anos. Fizeram o segundo grau juntos,
mas cada um foi fazer uma faculdade num lugar diferente. Carlão foi estudar direito no
Largo São Francisco e Ricardo Palhares, medicina em Campinas. Às vezes, trocavam
cartas. Sabendo que Ricardo estava de volta, Carlão foi direto falar com ele.

Foram conversar na sala de estar.

- E aí, quais as perspectivas? – perguntou Carlão.

- Vou fazer uma pós na USP.

- Legal cara. De quê?

- Mesma coisa.

- Medicina legal.

- É. E você? Está no escritório de seu pai?

- Não, não... (sorriu).

- Não vai dizer que você está metido com extraterrestres ainda.

- Bem... estou.

- Você é maluco.

- Eu recebi um convite para administrar uma instituição de pesquisas, financiada por um


grupo israelense.

- Israelense?

- É. Rola grana, mano. E é por isso que vim aqui. Preciso de sua ajuda.

- O quê?

- Nós tínhamos um médico trabalhando com a gente. Mas quando ele viu nosso
paciente, caiu fora.

- Paciente?

- É, nós temos um laboratório. Fazemos exames com pessoas contatadas. E um foi fazer
exames e ficou por lá mesmo. Ninguém sabe do moleque, só a sua família.

- Qual é o problema dele?

- Não posso falar, cara. Você tem que ver.


108

Carlão e Dr. Palhares chegaram naquela noite no laboratório secreto do grupo. Dr.
Palhares aproximou-se do leito onde Sábado era observado.

- As dores voltaram esta tarde. Por volta das 14 horas. Nós lhe aplicamos um forte
analgésico e a dor diminuiu até sumir. Foi quando reparamos que sua aparência estava
meio diferente. Sua cabeça parecia mais larga. – contou um enfermeiro.

Foi quando Dr. Palhares levantou o lábio superior de Sábado e reparou que os dentes
frontais estavam meio centímetro afastados.

CAPÍTULO 7 - FILOSOFIA QUE LEVA AO NADA


Há algo na vida, uma espécie de dimensão na existência ou seja lá o que for que ao
mesmo tempo em que a movimenta faz os homens sofrerem - incompreensão.

Está aí em algum lugar, talvez lá longe, depois dos limites do Universo, talvez seja
simultâneo a ele, talvez esteja dentro dos átomos.

O que importa é que aquilo está além da visão do homem comum, aquele que acha que
a vida é feita só do que seus olhos vêem e do que seus ouvidos ouvem. Ele acredita em
Deus, mas não sabe como. Não sabe acreditar em Deus.

O Universo é feito de imaginação. A existência é um sentimento. Quando é que tudo


isso começou? Nunca. O tempo não existe. Não vamos para nenhum lugar. Vamos para
frente e para trás ao mesmo tempo. Não temos motivo de existir. Esse é o grande
problema. Qual é o motivo? Nenhum. Não há.

Será?

O homem sofre por viver sem saber porquê. A razão é um defeito. Os loucos são felizes.

Qual a cor do Universo? Negro? Branco? O homem não vê sua cor porque não acredita
que tenha. Pensar nestas coisas se tornou muito chato para Sábado. Resolveu viver a
vida.

Até que um dia ele se tornou “in”voluntário de uma experiência. Seria mesmo uma
“experiência”?

O coitado do Sábado, um menino quase comum, vivendo normalmente numa cidade de


um país de terceiro mundo abaixo do equador com pais despreocupados e uma mente de
grande poder intelectual... Seria isso? Sua inteligência?

Val foi visitar Sábado, mas os pais dele disseram que tinha viajado.

CAPÍTULO 8 - CORPOS E VIAGEM


Sua largura aumentou em 1/3.
109

Bem no meio da testa surgia um terceiro olho. O nariz se duplicando, já com quatro
narinas. Vários dentes aparecendo. Uma terceira mama. Dois umbigos. Dois pênis.
Quatro testículos. Pernas se afastando.

Realizavam todo tipo de exames com Sábado. Os israelenses enviavam qualquer


equipamento que o grupo solicitava e Dr. Palhares não saiu mais de lá, observando o
paciente 24 horas por dia, tirando alguns cochilos e fazendo muitas anotações.

Sábado permanecia mergulhado na inconsciência, viajando por aí, um estado


semelhante ao coma.

Seus órgãos duplos se afastavam. Seus unitários se duplicavam.

Colocaram-no de volta ao seu quarto, com uma sonda para alimentá-lo. Na sua frente,
uma câmera de vídeo registrava a duplicação.

Dr. Palhares resolveu esperar a duplicação ser completada. Não havia mais nada a fazer.
Naquela tarde, pegou seu carro e voou para Campinas. Precisava de um esclarecimento.

Sábado tomava Sol nas nuvens. Voava numa velocidade muito alta, parecia dar umas
três voltas na Terra por hora. Algumas vezes descia alguns pés, vendo melhor os
oceanos, as terras poluídas de homens podres, algumas florestas, vários desertos e
muitas muitas coisas. Sábado não pensava em nada. Só voava debaixo do Sol. Nem se
preocupava em entender. Às vezes via algum acontecimento em sua vida, mas eram só
flashes rápidos.

- Oi, tio. – disse Ricardo, cumprimentando seu tio, chefe do departamento de medicina
legal da mesma faculdade onde havia estudado.

- Dr. Ricardo, o que faz aqui esta hora?

- Vim falar com o senhor.

- Sente-se.

Sentou-se.

- Tio...

- Sim?

- O Senhor já necropsiou um extraterrestre?

Um minuto de silêncio e os dois caíram na gargalhada.

- Sim, e os americanos me pagaram um grana preta. – brincou o tio de Ricardo.

- Estou falando sério.

- Você veio aqui para isto?


110

- Sim. É que eu estou acompanhando o caso de um garoto que foi vítima de uma
experiência com extraterrestres e... bem... não sei dizer. A literatura não registra
nenhum caso semelhante.

Dr. Ricardo Palhares mostrou as fitas de vídeo para seu tio assistir e depois que assistiu,
disse:

- Ricardo, estão te pagando para fazer este trabalho?

- Sim. Muito bem.

- Depois que terminar, esqueça. Não é para se lembrar mas dizer que não sabe nada.
Simplesmente esqueça.

- Está bem.

Sábado já tinha quatro olhos. Dois narizes, as bocas se soltando.

O momento mais esperado pela equipe: o nascimento das novas pernas.

Um pedaço de carne e osso surgia entre os ógãos genitais externos duplicados.

As funções dos órgãos estavam quase normais, somente a energia era maior, o coração
em constante taquicardia, as ondas cerebrais destruindo os sensores, a excreção se
repetindo vezes ao dia. A dose alimentícia era aumentada todos os dias.

Duas semanas se passaram.

Sábado andava invisível no meio das pessoas. Via parentes, amigos, assistia tv, tudo
como se fosse a primeira vez.

Não se cansava daquela sensação de leveza total no seu corpo. Pesava 0 kg.

Os pés novos se duplicavam de uma forma diferente, como certos órgãos. Era como
uma sombra ou mesmo um espelho. O último dedo a aparecer foi o dedão.

Colocaram outro leito. Sábado já estava com os braços caindo daquele.

Sábado agora voltava no tempo. Como uma fita rodando ao contrário. Viu a nave outra
vez, viu as pessoas, todo mundo andando para trás...

Sentiu-se decrescendo. Era um bebê. O útero. O corpo da mãe, pelado numa cama ao
lado do pai. Subia ao céu. A Terra ficando para trás, para trás, para trás...

Não a viu mais.

Em seguida, ela voltava. Uma floresta. Verde. Deitado numa cabana. Pessoas peladas.
Índios. Pulando, cantando em volta de uma grande fogueira.
111

Os novos braços não nasceram como as pernas. Cresciam perpendiculares ao corpo,


como se um saísse de dentro do outro. Já havia mais uma cama.

As coisas grudadas em seu corpo soltaram-se. A respiração muito forte, todo o corpo
pulsando, as pernas batendo, os braços.

As molas dos leitos fazendo um barulho infernal. As paredes e o chão tremiam.

Tumulto. Dr. Ricardo Palhares e os assistentes ficaram apavorados. Alguns saíram


correndo do recinto.

A primeira explosão: os computadores. Depois os outros equipamentos foram


explodindo também.

O teto vai desabar!

Não conseguiram chegar perto dos corpos de Sábado, unidos apenas pelos pulsos. Os
corpos pulavam nas camas.

O prédio começou a desmoronar. Pânico. Alguns andares começaram a pegar fogo. O


concreto voava.

O prédio de quatro andares veio abaixo, levantando uma grande nuvem de poeira.

CAPÍTULO 9 - SÁBADOS
Carros com sirene chegaram àquele bairro distante onde se localizava o laboratório
secreto. Logo chegou a televisão também.

Os bombeiros apagaram o fogo e iniciaram o trabalho de escavações. Muitas pessoas


perambulavam pelo local, curiosas ou em busca de diversão.

Quando o Sol estava aparecendo, ouviu-se um: Shhhhhhhhhhhhh. Ouviram outro ruído.

- É aqui mesmo, vamos lá.

Os bombeiros concentraram o trabalho numa certa região.

Tiraram muitos blocos e apareceram alguns equipamentos eletrônicos retorcidos.

Quando um deles retirou um bloco levou um susto. Com um vidro brilhante e amarelo e
curvo despontando por entre os escombros. Todo mundo passou a tirar o que tinha por
cima daquela coisa tomando forma de esfera brilhante e amarela. A luz aumentava, todo
mundo estava amarelo. Até que repararam algo lá dentro.

Aquilo só poderia ser o responsável pela explosão. Talvez uma experiência de algum
cientista maluco.
112

Dentro da esfera, agora totalmente liberada, com uns 4m de diâmetro, dois gêmeos nus
de pé se olhando fixamente. Quase não piscavam. Eram muito mais do que gêmeos.
Parecia alguém na frente do espelho.

Um ou outro sobrevivente da equipe do laboratório que conseguiram fugir antes da


explosão aproximaram-se do local:

- É extraordinário...

Lágrimas rolavam pelos rostos maravilhados de alguns. A tv filmava. A multidão cada


vez maior.

A esfera foi se apagando. Em poucos segundos sumiu, deixando os Sábados soltos no


local. Mas eles não deixavam de se olhar.

Vieram cobertores. Eles nem se tocaram. Colocaram-nos em uma ambulância. Ficaram


tão chocados que nem se preocuparam com a possibilidade de os corpos estarem
radioativos.

Eles continuaram quietos. Foram levados para um hospital. Estavam com a saúde
perfeita.

Três meses depois, um furgão preto encostou na frente da casa de Sábado, cheia de
gente. Saíram alguns homens de solidéu.

Apareceram os pais dele.

- Fizeram boa viagem? – perguntou o pai de Sábado.

- Pensei que nunca mais trariam nosso filho de volta. – disse a mãe.

Sábados estiveram em Israel.

- Entre aqui. – pediu um deles ao pai de Sábado.

O pai entrou no furgão.

- Há, há, há, acho que estou louco. Estou vendo dois Sábados.

- Não, você não está louco. Seu filho se duplicou. – disse um senhor barbudo com
sotaque judeu.

Sábados foram levados para dentro de casa.

“O Sábado tem um irmão gêmeo?”

“Sim, ele tem.” – Isso evitava mais perguntas.

Eles não precisavam se alimentar. Não bebiam água. Não havia excressão. Só ficavam o
tempo todo se olhando. Não dormia. Não demonstrava nenhuma reação, nenhum
113

movimento. Só ficavam lá, com a cara um pouco feliz, serenos. Não tinham cheiro.
Pareciam não ouvir nada. Nada lhes interessava.

O pai de Sábado foi agradecer os judeus. O velhinho barbudo disse:

- Decidimos trazê-lo de volta porque o contato foi aqui e acho que aqui ele voltará ao
normal. Se houver algum problema, nos telefone.

- Ok, obrigado.

Até que foram visitados por Valéria. E agora? Irmão gêmeo? Não. Então o quê? Ele se
duplicou. Dividiu-se em dois. Não acredito. É a verdade. Não acredito.

- Qual é o meu Sábado?

- Os dois. – disse Mar.

Foi embora furiosa, achando que estavam brincando com ela.

CAPÍTULO 10 - FILHO DO HOMEM


Valéria, a famosa Val, a garota de olhos verdes, colega de escola e namorada de Sábado
(dos Sábados) foi acordada naquela noite.

Pulou da cama. Sábado estava no quarto. Não era exatamente ele, mas uma forma de luz
semelhante a ele. Seu espírito, talvez. Ou seja lá o que for. O “eu” viajante de Sábado.

- Conheci lugares lindos.

- Sábado...

- Você está assustada? Com seu próprio namorado, minha querida?

- O que aconteceu com você?

- Ah, eu sei lá. Tenho viajado durante semanas ou meses. Vivo por aí, nuvens, espaço,
mares. Preciso ir. Logo você me verá outra vez.

Sumiu.

Pela primeira vez em uma semana os Sábados pararam de se olhar.

- Pai! Mãe! Eles não estão se olhando mais!

Mar saiu correndo dentro de casa e trouxe os pais para perto dos irmãos.

Era noite. A mesma hora do primeiro contato. Um deles ficou olhando para o vazio,
enquanto o outro saiu à rua.

- Onde é que ele vai?


114

As nuvens se abriram e de lá surgiu uma esfera azul descendo em direção a eles.


Sábado, o que estava na rua, olhava atentamente para ela. Vento, calor, chão tremendo,
igual a antes. A nave ficou a poucos metros do chão.

A multidão crescia debaixo da nave. A nave emitiu vários feixes de luz para os lados.
Eles giraram e se desprenderam dela. Chegando perto do chão e se transformaram num
círculo azul. Sábado subiu, o círculo voltou a ser feixes de luzes giratórias e entraram de
volta à nave. A multidão se colocou abaixo da nave.

Do meio daquela esfera azul, gotas gigantes de energia começaram a cair mas mudavam
a trajetória, atingindo as cabeças dos presentes. Várias. Bem rápido agora, pois todo
mundo saiu correndo. Não eram mais gotas, mas bolas de energia que eram disparadas
em todos. Aqueles que eram atingidos não mais corriam. Pois a sensação era excelente,
semelhante ao orgasmo. Eles paravam, com um enorme sorriso nos lábios. Suas mentes
estavam transformadas. Estavam mais felizes e sábios. A nave subiu.

A família de Sábado foi das poucas pessoas que não receberam as bolas de energia. E
precisavam? Pai, mãe e Mar entraram em casa. Sábado estava assistindo televisão.

- Que hora sai a janta? – perguntou.

PARTE III

ALPHA CENTAURI

A Terra recebeu mensagens indecifráveis de Alpha Centauri.


Havia antenas apontadas para o espaço em busca de sinais enviados pelas estrelas.
O laboratório mais famoso era o SETI, cuja sigla em inglês acho que significava Busca
por Inteligência Extraterrestre.
E tudo o que os malucos que passavam o dia analisando mensagens enviadas pelas
estrelas - porque todas mandam - queriam é que um dia uma estrela repetisse uma
mensagem tantas vezes que pudessem dizer que a tal estrela tinha vida inteligente e
estava enviando uma mensagem.
No dia 22 de julho de 2006, Alpha Centauri - a estrela mais próxima (que na verdade
são três: duas gêmeas semelhantes ao Sol e uma anã vermelha) iniciou uma mensagem
de três segundos que não parou mais. Começou às 13h02m.
Tentou-se de todas as maneiras decifrar a mensagem, mas era apenas um sinal de rádio
115

que se encerrou em 15 de agosto, às 21h36m.


Toda a comunidade astronômica mundial ficou intrigada com o sinal misterioso mas
não chegaram à conclusão alguma, nem a de que deveriam mandar uma sonda a Alpha
Centauri, pois ela só chegaria lá, com tecnologia da época, em 50 mil anos,
aproximadamente.
Melhor esperar o surgimento de uma tecnologia capaz de mandar a sonda a tal
velocidade que pudesse chegar em 50 anos ou menos. E isso estava longe de acontecer.
Talvez não acontecesse no século 21.
O que ninguém esperaria era que o sinal retornasse no dia 22 de julho de 2007.
E mais uma vez, prosseguiu até 15 de agosto.
Se em 2008, a mensagem se repetisse na mesma data, todos estariam certos que Alpha
Centauri estaria tentanto se comunicar com a Terra. E foi o que aconteceu.
Respondida esta pergunta, surgiu outra: o que fazer com aquele sinal?
Respondê-lo? Como? Se ninguém entendia a pergunta. Talvez devolver o sinal, apenas
como uma demonstração de que estávamos recebendo. Isto foi feito.
Em 2009, no entanto, não houve sinal.
Nem tampouco Alpha Centauri enviou réplica à resposta.
A década de 2020-2030 foi dedicada ao desenvolvimento do super propulsor.
A Missão Alpha Centauri, carregando 3 mil astronautas em três gigantescas naves
construídas no espaço, seria lançada em 2050, se não houvesse inprevistos.
As naves foram construídas pela ONU, que também seria responsável pela seleção dos
voluntários.
Estes voluntários deveriam estar dispostos a passar pelo menos 30 anos no espaço. Para
a surpresa da comunidade científica, houve apenas 28 candidatos qualificados. Ninguém
queria passar três décadas longe de casa.
A ONU suavizou as exigências. Bastaria curso superior em qualquer área. Mais 72
candidatos inscreveram-se.
Com a nova seleção que eleminaria apenas os doentes físicos e mentais, surgiram 7.256
nomes.
Durante dez anos, o treinamento dos 7.356 candidatos de 124 nacionalidades iria
reservar 3 mil cadeiras nas espaçonaves para os melhores.
E o treinamento foi lá no espaço mesmo, na Universidade Espacial, onde as naves
estavam sendo construídas.
Além dos 7.356 recrutas, havia também cerca de 600 astronautas veteranos e técnicos
construindo as naves e treinando os novos exploradores.
As naves, que originalmente chamavam-se 1, 2 e 3, foram logo apelidades de Santa
Maria, Pinta e Nina.
Não foi possível enviar as naves em 2050. Houve muitas substituições nas equipes
técnicas, nos instrutores, mesmo entre os voluntários, pois as desistências, reprovações,
expulsões, mortes, chegaram a baixar o número de candidatos a menos de 3 mil.
Houve também dois ataques terroristas que quase destruíram a Universidade.
Pelo menos, o atraso possibilitou o desenvolvimento de propulsores mais eficientes, que
levariam as naves a Alpha Centauri em 8 anos.
O certo é que não seria admitido mais nenhum adiamento além de 2.060. Pois havia
116

gente com quase 60 anos de idade e todo o treinamento não poderia ser disperdiçado.
Santa Maria, Pinta e Nina partiram em 15 de maio de 2.061.
É preciso dizer que os telecópios nunca perceberam nenhuma atividade em Alpha
Centauri. Havia apenas pequenos planetas inóspitos, afetados pela força gravitacional de
duas estrelas.
Quem imaginaria já ter havido vida inteligente ali?
Os oito anos de trajeto a Alpha Centauri foram o mais puro caos.
Apenas Pinta chegou ao destino, com 1.096 tripulantes.
Com defeito incorrigível, Santa Maria ficou à deriva, no espaço e afastou-se da rota. A
tripulação foi transferida para Pinta e Nina, na região do cinturão de Oort.
Nina, dois anos antes de chegar a Alpha Centauri, foi destruída pelos próprios
ocupantes, durante um ritual suicida organizado por uma seita criada lá dentro.
Pinta não chegou ao fim sem problemas.
Porém, uma segunda missão, de resgate e apoio, estava a caminho de Alpha Centauri
desde 2.065, quando souberam do defeito em Santa Maria.

Agora vamos falar um pouco sobre Alfa Centauri.


Alpha Centauri são três estrelas que giram em torno de um centro gravitacional comum.
É que até 1915 acreditava-se que eram apenas duas estrelas, mas então descobriu-se
(vou tentar descobrir quem) uma terceira estrela, que está ainda mais próxima do Sol e
ganhou o nome de Próxima Centauri.
Daqui da Terra, elas parecem todas próximas. Falo a respeito das estrelas da constelação
do Centauro (ou melhor dizendo, Centaurus), da qual também faz parte o Cruzeiro do
Sul. Mesmo Beta Centauri está bem longe, a 490 anos-luz de distância da Terra.
A proximidade de 4,3 anos-luz faz com que Alfa Centauri seja a estrela mais brilhante
da constelação.
Você acha estranho que uma estrela seja na verdade três? E o que me diz de Kappa
Crucis, na mesma constelação de Centauri, que tem 218 estrelas? É muito? Então tome
esta: Ômega Centauri tem cinco milhões de estrelas. Claro que o caso destes
117

aglomerados estelares é diferente de Alpha Centauri, que forma uma familiazinha no


espaço, pertinho de nós.

Os árabes chamam Alpha Centauri de Wazn.

Uma escola portuguesa fala assim desta estrela...

"Os pés [do centauro] são formados por duas estrelas brilhantes: alpha e beta Centauri,
também conhecidas pelos nomes árabes de Wazn e Hadar.

Alpha Centauri é melhor conhecida como 'Rigil Kentaurus', ou o pé de Centauro. É um


sistema triplo, três estrelas que são as mais próximas do nosso Sol.

Alpha1 e Alpha2 formam um binário. Ficam a 4,393 anos-luz, e são aproximadamente


do tamanho do Sol.

A estrela mais próxima é na realidade alphaC, conhecida como Proxima Centauri. É


uma anã vermelha com uma magnitude visual de 11.01 e uma distância de 4,221 anos-
luz. A estrela tem um diâmetro de 65000 km, cinco vezes o tamanho da Terra. Fica a
uma grande distância das outras duas (quase a 1/6 de um ano-luz) e o período orbital
estima-se em centenas de milhares de anos. Proxima Centauri cintila com luz irregular,
e é considerada como variável ."

(Clube de Astronomia da Escola Secundária Pinheiro e Rosa).


118

Sabemos que Alpha Centauri tem esse nome graças aos árabes, que guardaram o livro
"Coleção Matemática", de Cláudio Ptomolomeu, astrônomo grego nascido em
Alexandria, no século 2.

Este livro era conhecido no mundo árabe como "Almagesto", que significa "O Grande
Astrônomo".

Ora, tudo o que Ptolomeu sabia aprendeu com Hiparco, que aprendeu com velhos
gregos que aprenderam com velhos gregos.

Estes velhos gregos aprenderam tudo o que sabiam com velhos fenícios, que
aprenderam com velhos fenícios.

A astronomia fazia parte do dia-a-dia dos fenícios, pois eles a usavam para navegação.

E os velhos fenícios devem ter aprendido com os velhos babilônios, que aprenderam
com velhos babilônios...

O primeiro astrônomo, no entanto, deve ter sido o primeiro caçador a olhar para o céu e
perceber que as estrelas poderiam servir como guia.

Ou seja, as estrelas são o nosso futuro, mas também são o nosso passado, pois sem elas,
não estaríamos aqui.

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Os árabes chamam Alpha Centauri de Wazn.

Uma escola portuguesa fala assim desta estrela...

"Os pés [do centauro] são formados por duas estrelas brilhantes: alpha e beta Centauri,
também conhecidas pelos nomes árabes de Wazn e Hadar.

Alpha Centauri é melhor conhecida como 'Rigil Kentaurus', ou o pé de Centauro. É um


sistema triplo, três estrelas que são as mais próximas do nosso Sol.

Alpha1 e Alpha2 formam um binário. Ficam a 4,393 anos-luz, e são aproximadamente


do tamanho do Sol.

A estrela mais próxima é na realidade alphaC, conhecida como Proxima Centauri. É


uma anã vermelha com uma magnitude visual de 11.01 e uma distância de 4,221 anos-
luz. A estrela tem um diâmetro de 65000 km, cinco vezes o tamanho da Terra. Fica a
uma grande distância das outras duas (quase a 1/6 de um ano-luz) e o período orbital
estima-se em centenas de milhares de anos. Proxima Centauri cintila com luz irregular,
e é considerada como variável ."

(Clube de Astronomia da Escola Secundária Pinheiro e Rosa).

Sabemos que Alpha Centauri tem esse nome graças aos árabes, que guardaram o livro
"Coleção Matemática", de Cláudio Ptomolomeu, astrônomo grego nascido em
Alexandria, no século 2.

Este livro era conhecido no mundo árabe como "Almagesto", que significa "O Grande
Astrônomo".
120

Ora, tudo o que Ptolomeu sabia aprendeu com Hiparco, que aprendeu com velhos
gregos que aprenderam com velhos gregos.

Estes velhos gregos aprenderam tudo o que sabiam com velhos fenícios, que
aprenderam com velhos fenícios.

A astronomia fazia parte do dia-a-dia dos fenícios, pois eles a usavam para navegação.

E os velhos fenícios devem ter aprendido com os velhos babilônios, que aprenderam
com velhos babilônios...

O primeiro astrônomo, no entanto, deve ter sido o primeiro caçador a olhar para o céu e
perceber que as estrelas poderiam servir como guia.

Ou seja, as estrelas são o nosso futuro, mas também são o nosso passado, pois sem elas,
não estaríamos aqui.

Irmão Flávio não era o único religioso da Missão Alpha Centauri.


No espaço, era muito fácil alguém tornar-se religioso. Afinal, você "vê" Deus com mais
facilidade do que na Terra, embora os psiquiatras acreditassem na constante diferença
de oxigênio no cérebro como fator determinante para todas as "loucuras".
Na Terra, há bilhões de anos, os cérebros de todos os animais adaptaram-se ao
percentual de oxigênio na atmosfera.
No espaço, sempre há menos ou mais oxigênio, por isso manter a sanidade é difícil.
Todas as religões estavam representadas no Sistema Solar, quase na mesma proporção
que na Terra. Mas havia também religiões surgidas no espaço, anímicas.
No entanto, algumas seitas eram perigosas, como a Terra-Deusa, que acrditava que o
planeta Terra era uma deusa e portanto seus habitantes, anjos.
A Terra-Deusa foi responsável por um dos ataques terroristas a Universidade Espacial.
A seita havia surgido em Marte, enquanto os exploradores observavam a Terra
121

atravessando a abóboda marciana.


Havia cultos a Júpiter, Saturno, ao Sol, etc.
A criação de seitas ou odesenvolvimento da religiosidade iniciava-se frequentemente
após o distúrbio mental mais comum, no espaço, a alucinação visual ou auditiva. Como
acontecia na Terra.
Era a chamada Síndrome de São Paulo, pois Paulo foi o personagem bíblico que
demonstrou mais nitidamente ter sofrido uma alucinação no deserto sírio, quando se
converteu de perseguidor a pastor cristão.
Irmão Flávio também sofria da Síndrome de São Paulo, mas ele imaginava que a
síndrome era o mecanismo que Deus havia escolhido para colocar o franciscano na
missão de traduzir as mensagens enviadas aos homens.
Não é preciso dizer que muitas pessoas acreditavam que o sinal de Alpha Centauri era
uma mensagem de Deus.
Dentro de Nina havia surgido uma seita que defendia a idéia de ser Alpha Centauri um
deus ou a morada de um deus. Por isso decidiram destruir a nave, pois acreditavam que
aquela mensagem significava "não venham".

Stephen Hawking dizia não acreditar em seres extraterrestres por nunca ter visto
nenhum. No entanto, o mesmo cientista era capaz de teorizar sobre dez dimensões, sem
ter visto mais do que as quatro conhecidas (espaço-tempo).
Talvez Hawking não quisesse admitir a existência de vida inteligente extraterrestre pois
esta informação nos remete à idéia da morte.
Diz o inconsciente coletivo que anjos levam os homens para o céu. Esta é uma idéia
primitiva, tribal, ensinada às criancinhas até hoje. Se você vir um extraterrestre
descendo do céu, não enxergará ali um anjo que o levará ao paraíso?
Por isso, muitos cientistas rejeitavam psicologicamente a existência de vida fora da
Terra.
Inúmeras pessoas garantiam ser a mensagem recebida entre 2006 e 2008 fruto de um
fenômeno físico, cósmico, que em hipótese alguma teria sido criado por vida
inteligente. Mas e quanto aos três segundos idênticos aos nossos segundos? Pesos e
medidas são culturais. A contagem de tempo em outro planeta seria diferente da
humana. Sobre isso, ninguém encontrava explicação satisfatória.
Iríamos descobrir a verdade, ao chegar em Alpha Centauri.
Que ser seria este? Alguém capaz de aguentar gases mortais para os humanos, atmosfera
própria de mundos vulcânicos.
Alguém capaz de aguentar o calor de dois sóis e ausência de noite em grande parte do
ano. E quanto à variação da temperatura? Que ser poderia se desenvolver num sistema
solar destes?
Alguém vivendo na periferia? Desenvolvendo-se no gelo ou vivendo ao redor de
122

Próxima Centauri?
Entravam em cena os exobiólogos, a grande ciência desenvolvida no século 21, em
grande parte impulsionada pelos três segundos de Alpha Centauri.
Os exobiólogos, originados entre escritores de ficção científica do século 20, eram
especialistas em determinar a morfologia de seres vivos que estariam evoluindo em
outros lugares do Universo, além da Terra.
Diziam os exobiológos que não seria indispensável um mundo semelhante a Terra para
o surgimento e evolução da vida.
Talvez os alphas pensassem: "Como os seres daquela estrela [que nome eles deveriam
dar ao nosso Sol? Irmã Solitária, talvez, já que o Sol era como as duas estrelas gêmeas
de Alpha Centauri] conseguem viver num planeta tão cheio de oxigênio venenoso e da
água corrosiva?"
Vida não depende de hidrogênio, carbono e oxigênio. Depende apenas da vontade da
Natureza.

O SETI é uma instituição especializada em busca de vida extraterrestre, mas existem


outros radiotelescópios no mundo que ouvem estrelas e todos ouviram a transmissão de
Alpha Centauri.
A tradução foi encaminhada a inúmeros linguistas pelo mundo e também a matemáticos
e toda sorte de inteligentes, sem que ninguém tivesse chegado a nenhuma conclusão.
Em toda parte do planeta, após 2006, aquele som de 3s, com um intervalo de 1s, foi
repetido e até transformado em música.
Havia quem dissesse que havia ao menos uma coincidência. Alpha Centauri tinha três
estrelas. Cada segundo equivalia a uma estrela e o segundo de intervalo ao planeta
Terra. Mas o sinal não podia ser decomposto em 3 partes de 1 segundo, pois cada trecho
continuava pelo segundo seguinte. Tentaram analisar o som através da música, mas
chegaram à conclusão que não eram notas musicais.
Havia apenas uma certeza: a duração do som era tão exata que Alpha Centauri
certamente estaria querendo se comunicar com a Terra, afinal a nossa contagem de
tempo é cultural, não matemática.
123

- Este é o significado do sinal. - disseram alguns. - Alpha Centauri diz que quer se
comunicar com a Terra e o silêncio de 1 segundo é um pedido de resposta.
Antenas terrestres devolveram a Alpha Centauri o mesmo sinal. Mas a estrela nunca o
replicou.
A Assembléia da ONU decidiu, em 05 de março de 2015, enviar missão tripulada às
estrelas Alpha Centauri, ao mesmo tempo em que determinou às Forças Armadas de
todos os países que se preparassem para uma possível invasão alienígena. Quem poderia
garantir ser pacífico o sinal enviado pela nossa vizinha?
A tripulação da missão seria científica mas com treinamento militar.
Boatos surgiram aos milhões, como não poderia ser diferente, desde o que era uma
brincadeira de hackers, até o que o sinal havia sido traduzido, quando se descobriu que
significava uma ameaça de invasão. Sem falar nos místicos religiosos e esotérios,
enchergando as mais diversas mensagens cósmicas ou divinas, enquanto outros
religiosos garantiam ser a mensagem falsa pois não poderia haver vida além da Terra.
A missão tripulada também foi criticada pois além de ser considerada arriscada demais,
já existiam robôs com inteligência semelhante à humana. Mas os seres humanos
precisariam desenvolver experiência espacial. O espaço é nosso futuro, teremos que sair
da Terra um dia.
- Assiscado mesmo... - diziam alguns. - é uma espécie tão inteligente quanto a humana
correr o risco de ser exterminada pelos próprios humanos.

Inteligentes? Somos realmente inteligentes? O quanto somos inteligentes?


Já existem projetos de propulsores extra-dimensionais, capazes de levar o homem a
qualquer canto do Universo em alguns intantes.
Será construído quando? 2100? 2200? Pouquíssimo tempo.
124

Antes de 2500 o ser humano estará dominando todo o Universo.


O animal mais inteligente da Terra dominou o planeta.
O animal que dominou a Terra é o mais inteligente.
O ser que dominará o Universo será o mais inteligente.
O ser humano dominará o Universo.
O ser humano é o mais inteligente do Universo.
No entanto, nosso conceito de inteligência pode ser diferente do conceito de inteligência
de outro ser.
Há formigas no planeta Terra inteiro e elas podem acreditar que dominam nosso mundo.
Mas, para nós, são apenas insetos.
Um outro ser pode observar a obsessão humana em estar em todos os locais do
Universo e pensar que somos como insetos.

Alpha Centauri também podia ser chamada Alfa do Centauro, que aliás seria o nome
correto em português, só que todo mundo chamava Alpha Centauri mesmo.
Que nome os alpha-centaurianos (ou simplesmente os "alphas", como o povo passou a
chamá-los) dariam ao próprio sistema estelar e aos planetas em que vivem?
E que forma teriam?
Muitos exo-biólogos já desenhavam dois tipos de seres.
Os Vulcânicos viveriam nas atmosferas dos planetas interiores, formadas por gases
tóxicos para os humanos. Estes gases serviriam como alimento e a inospitalidade dos
vulcões teria desencadeado o desenvolvimento da inteligência destes seres. Assim como
os humanos tornaram-se inteligentes para sobreviver às mudanças climáticas da Terra.
Os Gelados viveriam em Próxima Centauri, alimentando-se dos dejetos da anã e teriam
se tornado inteligentes de acordo com o mesmo processo humano. Assim, seriam mais
inteligentes do que os Vulcânicos, pois tiveram que literalmente sobreviver ao longo de
milhões de anos, em condições absolutamente desfavoráveis, enquanto que os
Vulcânicos tiveram que se adaptar, como algumas bactérias fazem na Terra.
Havia uma terceira possível espécie: os Cometários. Viveriam em condições
semelhantes à terrestre, em cometas cuja órbita englobaria as duas estrelas interiores.
Os dejetos de Próxima Centauri foram transformados em vida nestes cometas (ou em
um único cometa), que numa posição privilegiada em relação às duas estrelas interiores,
obteriam energia das mesmas.
125

10

Como deveria ser a nave da missão Alpha Centauri?


Em primeiro lugar, uma nave com autonomia para ir e voltar a um lugar tão longe
quanto outra estrela.
Uma nave com um propulsor capaz de desenvolver uma velocidade próxima à da luz.
Como a viagem duraria cerca de oito anos, a estadia no sistema estelar deveria durar o
mesmo tempo, pelo menos. Em oito anos, a missão iria estudar minuciosamente as
estrelas e mesmo que não encontrassem ninguém, voltariam a Terra com inúmeras
informações importantes.
A viagem duraria 24 anos, no mínimo.
Portanto, a tripulação deveria ser bastante grande para abranger todos os representantes
da espécie humana, uma autêntica comitiva terrestre.
Mas o que aconteceria se a nave apresentasse defeito, se acontecesse algum acidente ou
se a tripulação resolvesse destruí-la? Pensando nisto, no lugar de enviarmos uma única
nave, decidimos enviar três, pois como a tripulação estava autorizada a se reproduzir,
seria preciso bastante espaço. Cada nave carregaria 1000 pessoas mas teria capacidade
para 5 mil. As naves estavam autorizadas a capturar cometas para transformá-los em
alimento.
As naves só poderiam ser construídas no espaço. Não havia como montá-las aqui e fazê-
las vencer a força gravitacional da Terra. Como deslocar ao espaço 50 mil toneladas? Se
construído no espaço, o veículo pesaria... zero.
O propulsor teria o objetivo apenas de atingir a velocidade de 100 mil a 200 mil km/s,
sem se preocupar em empurrar nada. Não havia atrito nenhum no espaço, apenas a
distância média de 4,25 anos/luz a ser vencida.
Não houve uma empresa ou uma universidade estabelecida para se construir as naves,
mas todos foram convocados para ajudar a projetá-las, inclusive leigos. Qualquer idéia
126

seria bem-vinda.
Foi constituído um fundo, administrado pela ONU, pois a construção não seria nem um
pouco barata. A estimativa inicial era de que a missão toda custaria inicialmente US$ 3
trilhões. (Percebeu a presença do número 3 outra vez?).
Como a partida estava programada para 2050, o fundo da missão precisaria levantar
essa grana em cerca de trinta anos, ou seja, US$ 100 bilhões por ano. A ONU juntou os
seus 100 países mais ricos e dividiu a despesa em 10 cotas. Os 20 mais pobres destes
100 colaborariam com apenas US$ 100 milhões por ano. Os 50 intermediários poderiam
dar US$ 200 milhões. Entre os 30 mais ricos, 20 deles enviariam US$ 1 bilhão. 7 dos 10
mais ricos contribuiriam com 2 a 3 bilhões, somando 20 bilhões e os EUA, Japão e
Alemanha mandariam a maior fatia, ou seja, dos 100 bilhões necessários, cuidariam de
quase 50%.
Isto não significava necessariamente que 50% dos cientistas e engenheiros eram norte-
americanos, alemães e japoneses. Os russos, chineses, indianos, israelenses, coreanos,
asiáticos em geral, mexicanos, brasileiros, sulafricanos, neozelandeses... Muitos povos
não tinham dinheiro mas tinham tecnologia e idéias.
Muitas empresas e instituições colaboravam como investidores, ou seja, queriam levar
equipamentos e técnicas ao espaço para testá-los e explorar comercialmente os
resultados. A ONU aceitava as iniciativas.
Depois que tudo ficou pronto, ficou faltando os motores.
Como mandar uma espaçonave a outra estrela a 100 mil km/s?
Até 2025 os engenheiros conseguiram atingir apenas 1000 km/s. Isso ajudou na
exploração do próprio Sistema Solar.

11

A luz viaja a 300 mil km/s porque essa é a velocidade máxima permitida no Universo.
Existe algo que obstacula a viagem dos corpos no Universo, mas o que poderia ser? Isso
127

independia de obstáculos concretos. Na Terra ou no espaço a velocidade da luz era a


mesma.
A única força que interfere na trajetória da luz é o campo gravitacional dos buracos-
negros.
Portanto, a velocidade no espaço era limitada pelos campos gravitacionais dos mesmos.
Alguns cientistas trabalhavam com essa hipótese.
O que é a força gravitacional?
Todos os corpos se atraem, isto é sabido deste Newton. Por que se atraem? Porque a
densidade dos objetos define seu magnetismo?
Físicos disseram: "Para construir um super motor para viajar pelo espaço quase à
velocidade da luz, é preciso escapar à força gravitacional das estrelas e dos buracos-
negros".
Como? Desviando a força e usando-a à favor da nave.
Assim, surgiu a teoria do motor pró-magnético, capaz de transformar a força
gravitacional, presente em todo o espaço, em empuxo.
Como ele funcionaria?
Seria semelhante a um motor de explosão.
Um motor de explosão reage o oxigênio com o combustível. A explosão gera energia
que move o veículo.
O motor pró-magnético das super-naves da Missão Alpha Centauri retiraria a força
gravitacional do caminho e a transformaria em empuxo.
Esse era o motor hipotético.
Restava saber como movimentar o magnetismo do espaço.
- Vamos criar uma broca de anti-matéria.
À frente das naves haveria verdadeiras brocas, como se fossem furadeiras, mas feitas de
anti-matéria. Isso abriria espaço na força gravitacional e a nave poderia partir, quem
sabe, a uma velocidade maior até do que a da luz.
O problema era que a broca não conseguiria girar a uma velocidade superior à da luz.
Isso faria com que uma parte do campo gravitacional penetrasse na broca, gerando uma
espécie de atrito.
A experiência deu certo. Os protótipos eram lançados no espaço a velocidades próximas
128

à da luz.
O próximo passo seria vencer completamente a barreira gravitacional, mandando a
humanidade para os confins do Universo em velocidade inimaginável.

Porém, outros cientistas trabalhavam com conjecturas e especulações sobre propulsores


extradimensionais.

12

Pois é, as naves tiveram que ser redesenhadas, pois agora elas deveriam ficar dentro dos
propulsores e não à frente.
Deu trabalho mas os custos não foram alterados, pois elas só seriam construídas quando
os motores estivessem prontos.
Aconteceram os ataques terroristas, como contei e todos os outros problemas.

13

Sei que o leitor está interessado em saber o formato das naves.


Tinham aspecto cilíndrico. Mas não eram tão grandes como pensavam. 1,5 km de
extensão por 300 m de diâmetro.
Poderiam parecer claustrofóbicas, mas o ser humano se acostuma a tudo, mesmo a viver
8 anos ininterruptos dentro de um cilindro.
No entanto, preocupados com a claustrofobia, os engenheiros haviam projetado
corredores largos e com teto alto. A gravidade era quase zero (não existe gravidade zero
129

no Universo). Não havia interesse em criar gravidade artificial pois as estações espaciais
no Sistema Solar demonstraram que o ser humano se acostumava a qualquer tipo de
gravidade. Além disto, produtos químicos desenvolvidos nas naves, como remédios,
tinham melhor qualidade se produzidos a baixa gravidade.
O próprio Irmão Flávio havia nascido em baixa gravidade e não se sentia bem em
corpos de alta gravidade ou alta pressão atmosférica.
A pressão dentro das naves era a baixa, comum na naves espaciais. Ou seja, as naves
não tinham nada de tão especial, à excessão das turbinas pró-magnéticas.
À frente da nave localizava-se o canhão de anti-matéria.
Logo atrás, o reator de anti-matéria.
Em seguida, o tanque de hidrogênio, que era transformado em anti-matéria. Havia
hidrogênio para 100 anos, mas atrás dele havia um reator atômico que poderia
transformar qualquer material em hidrogênio, embora as naves estivessem preparadas
para capturar cometas, através dos seis braços robóticos que se alinhavam nas laterais
das naves. Junto aos braços localizavam-se as ferramentas que seriam utilizadas na
transformação dos cometas.
Os conveses das naves distruibuiam-se em cinco andares.
No primeiro andar, a produção de comida. Havia uma horta, um pomar, uma granja e
um aquário. Mas havia também comida estocada para 50 anos.
No segundo andar, havia suprimentos diversos para a tripulação, como remédios e água
reciclada. 1 milhão de litros de água distruibuídos em 10 tanques. Mas a nave poderia
capturar água de corpos celestes e torná-la potável. Também no segundo andar
localizava-se o hospital.
O terceiro andar era o social. Alojamentos, refeitórios e o clube dos tripulantes.
No quarto andar, o controle da missão, os laboratórios e a sala de armas.
No quinto, o pátio das sondas de trabalho. Estas sondas desceriam nos planetas e
satélites de Alpha Centauri, além de fazer reparos necessários nas naves, resgatar
tripulantes de outras naves ou até mesmo abandonar a missão, pois dispunham de
cápsulas criogênicas e estavam programadas para regressar a Terra, caso houvesse
alguma tragédia. As sondas foram construídas com material indestrutível.
130

Também as paredes externas das naves eram recheadas. Além do motor, havia também
o gerador de energia elétrica, pois o ser humano vive sem qualquer coisa, menos
eletricidade.
A cor das naves? Preta, mas nas laterais havia o mesmo logotipo dos uniformes dos
tripulantes: três estrelinhas.
Viajariam afastadas 100 km umas das outras, como segurança.
Os uniformes dos tripulantes, com as três estrelinhas abaixo de seus nomes, no tórax,
eram como uma segunda pele, mas totalmente computadorizados. Os membros da
missão sentiam-se confortáveis e seguros dentro deles. No peito e nas costas havia
cápsulas de oxigênio, água, comida e alguns medicamentos, como analgésicos. Ao sair
das naves, os exploradores utilizariam as toucas de proteção, que nunca saíam de seus
bolsos e substituíam os capacetes. Os uniformes eram camufláveis. Poderiam ficar
brancos, amarelos, vermelhos, azuis, verdes, cinzentos e negros.
O problema é que os uniformes realçavam os formatos dos corpos, desencadeando
desejos sexuais em quem não tomasse o inibidor de desejo. E poucos tomavam, mas as
relações sexuais não eram proibidas, nem a gravidez.

14

As naves não tinham líderes. O comando terrestre acreditava que seria arriscado largar a
administração da nave na mão de uma única pessoa, pois poderia enlouquecer e destruí-
la.
Por isso, todas as decisões eram tomadas em conjunto, de acordo com os setores. O
131

setor científico se reunia e votava nas propostas. A condução da nave também decidia
em conjunto sobre possíveis problemas a ser resolvidos. E assim por diante.
Além disto, cada tripulante foi treinado por no mínimo dez anos para resolver
problemas.
Obviamente, entre a equipe havia aqueles que se sobressaíam, que possuíam espírito de
liderança ou eram mais inteligentes do que os outros.
Na missão Alpha Centauri 1, o mais inteligente e ao mesmo tempo o maior líder era o
agente de manutenção Rolando Menares.
Nascido em Angola, filho de engenheiros brasileiros da Petrobrás, voltou na
adolescência para São Paulo, onde passou a traficar drogas e foi preso aos 19 anos,
ficando na prisão até os 22, quando saiu em liberdade condicional para estudar física na
Universidade Espacial e tornar-se um dos tripulantes da Missão Alpha Centauri.
Com os constantes atrasos no lançamento, quase desistiu de viajar a Alpha Centauri,
pois estava casado com uma nutricionista e tinha um filho de 5 anos, nascido na
Universidade.
Mas a ONU insistiu para que ele não desistisse e levasse a esposa, deixando o filho na
Terra, mas ela não quis ir.
E desde que partiu, aos 40 anos, sentia falta de ambos, mas seu filho prometeu encontrar
o pai em missão futura.
Rolando Menares era tripulante da Alpha Centauri 1 ou Santa Maria. Lá, desenvolveu
relacionamento com a monitora do propulsor Disajef Judo, uma bela moça mongol-
italiana que também havia deixado um amor para trás.

15

Lá se foram 14 capítulos de preâmbulos, onde o narrador deu uma certa explanação


sobre os preparativos da viagem. Mas acredito que o leitor deva estar muito interessado
132

em saber o que aconteceu quando a missão chegou ao seu destino.


Ok, não quero mais torturar o leitor.
Ainda precisaria falar sobre os problemas enfrentados antes do lançamento e os
problemas que ocorreram durante o trajeto, mas falo depois.
Em que dia, mês e ano exatamente a missão chegou a Alpha Centauri?
Vamos por partes...
Em primeiro lugar, assim como o Sistema Solar tem o cinturão de Oort, cheio de
cometas, Alpha Centauri também tem o seu cinturão, mas a meio ano-luz de distância
de Próxima Centauri. A missão chegou ali em 02 de novembro de 2067 e batizou, muito
adequadamente, como revelarei depois, o cinturão de Finados.
Em 23 de setembro de 2068 chegaram ao Planeta Primavera (mais um nome dado pelos
tripulantes), em órbita de Próxima Centauri.
No Planeta Primavera, na verdade, um inverno eterno, largaram as sondas Alpha2.1,
Alpha2.2 e Alpha2.3, com a promessa de resgatá-las em um ano.
As sondas pousaram com 30 exploradores.
Às 3h25m, horário de Greenwich, na Terra, do dia 23 de setembro de 2068, humanos
pisaram num planeta fora do Sistema Solar pela primeira vez.

16

Estes astronautas pisaram no Planeta Primavera:

Mark Plodermann
EUA
50 anos
exobiólogo

Jim Campos
Inglaterra
52 anos
exobiólogo

Felix Tronn
133

Israel
45 anos
exobiólogo

Martha Zenruy
EUA
59 anos
exobióloga

Anna Zirbowika
Rússia
36 anos
exobióloga

Jake An
Coréia do Norte
36 anos
exobiólogo

Ku Fui
China
60 anos
geólogo

José Perez
Colômbia
38 anos
geólogo

Milton Silva
Brasil
47 anos
geólogo

Giancarlo Luppa
Itália
42 anos
geólogo

Ernst Fieste
Alemanha
50 anos
linguista
134

Claudia Max
França
58 anos
linguista

Jonas Paba
Etiópia
47 anos
filósofo, matemático e linguista

Dino Perera
Argentina
65 anos
médico

Tony Sysneros
República Dominicana
58 anos
engenheiro eletrônico

Lisa de Souza
Espanha
68 anos
química

Richard Nuns
Bélgica
52 anos
químico

Edgar Tostiees
Holanda
56 anos
químico

Regina Zirlowa
Lituânia
38 anos
psiquiatra

Grace Lubian
Namíbia
46 anos
psiquiatra
135

Luciano Curz
Uruguai
60 anos
psiquiatra

Manusabe Tohaka
Japão
55 anos
técnico em comunicações

Nika Suzuki
EUA
40 anos
técnica em comunicações

Aron Sannuy
Brasil
50 anos

engenheiro de sistemas

Bianca Portia
Albânia
59 anos
matemática e astrônoma

Paschoal Vandi
Índia
58 anos
matemático e filósofo

Bruce Kay
China
44 anos
geólogo

Antonio Sens
México
55 anos
químico

Frans Klumber
Alemanha
136

67 anos
físico

Daisy Valery
Índia
58 anos
especialista em logística

Quando estes cientistas chegaram ao Planeta Primavera eram como uma família, pois
estavam juntos há oito anos e haviam sobrevivido a todas as confusões da viagem.
Os encrenqueiros, egoístas e malucos foram ficando para trás, desde a Universidade.
No trajeto da Missão Alpha Centauri 1, os últimos equivocados também padeceram.
O Planeta Primavera tinha 800 km de circunferência.
No primeiro sobrevôo a 15 km de altura, em dois dias não viram sinal de vida.
No vôo rasante de 300 m que durou oito dias também não.
Encontraram uma planície próxima do polo norte e pousaram.
Após um mês de busca, não encontraram sinal algum de vida e passaram a examinar a
morfologia do planeta.

17

Havia apenas um nave adentrando o mundo alpha-centaurino: Pinta.


Santa Maria havia quebrado perto do Cinturão de Oort e Nina havia sido destruída pelos
próprios tripulantes no Cinturão de Finados.
Em Pinta havia parte da tripulação de Santa Maria, que se dividiu entre as duas naves.
Mas apenas 855 tripulantes deixaram a nave. A equipe sabia que 59 pessoas haviam
morrido, mas 86 desapareceram durante a evacuação.
Em Pinta havia 998 pessoas. Apenas duas mortes, ocorridas durante justamente o
processo de resgate da tripulação de Santa Maria. A nave recebeu 420 membros mas
dos 1422, apenas 715 chegaram em Alpha Centauri. E foram apenas estes que chegaram
ao fim da jornada, pois os tripulantes de Nina haviam enlouquecido e jogado a nave
contra um cometa do Cinturão de Finados, pulverizando-a.
Próximo a Proxima Centauri havia um planeta com três satélites.
As sondas Alpha2.4 a Alpha2.11 ficaram por ali, com 60 cientistas, mas também nada
encontraram.
Pinta dirigiu-se para as estrelas interiores pois se houvesse vida, só poderia ser
encontrada ali.

18
137

A viagem durou dois meses.


Havia no Universo algo mais belo do que as estrelas gêmeas de Alpha Centauri?
Alpha A e Alpha B eram quase do tamanho do nosso Sol.
Imaginem dois sóis no céu.
Os humanos tiveram vontade de agarrá-las e beijá-las.
Nada era mais fascinante do que aquela visão.
Foram contados 48 planetas. Alguns giravam ao redor do eixo gravitacional, seguindo a
mesma direção das estrelas.
Outros planetas giravam ao redor de uma ou duas estrelas.
Da Terra, só haviam enxergado 14 planetas, os maiores.
Mas havia alguns com menos de 5.000 km.
Todos vulcânicos, instáveis, muito quentes.
Haveria muito trabalho pela frente. Pinta ficaria em Alpha Centauri por 8 anos.

19

Quase todas as sondas desceram nos planetas interiores.


Diferente do que imaginou-se, em volta das estrelas não havia nenhum cometa ou
planeta com vida, semelhante a Terra.
Não havia nem sequer microorganismos, pelos menos não foram encontrados nas
pesquisas iniciais.
Lá em cima, na solitária Pinta, sempre havia ao menos 100 tripulantes que se revezavam
com os outros. No final, todo mundo havia descido.
Quatro meses depois, Pinta regressou a Próxima Centauri para recuperar os primeiros
cientistas que passariam um ano no local.
E quando chegaram lá, houve uma grande surpresa.

20
138

Agora preciso contar o que aconteceu com as outras naves.


Quando a missão atravessava o Cinturão de Oort, o motor de Santa Maria começou a
derreter.
As naves tiveram que parar para que os engenheiros de Santa Maria tentassem consertar
o rombo de 80 metros no casco da nave, que na verdade, era a parede do motor.
A nave possuía placas metálicas para cobrir justamente estes possíveis buracos na
estrutura da nave, mas quando o motor foi religado, a nave rachou e só não explodiu
porque o motor foi desligado imediatamente.
Não havia alternativa.
Toda a tripulação sobrevivente teve que dividir-se entre Pinta e Nina, embora dezenas
tenham desaparecido.
Uma comissão entrou em Santa Maria para tentar localizar os desaparecidos, mas como
havia o risco de Santa Maria explodir, abandonaram a nave e seguiram viagem, não sem
antes analisar o risco das outras naves racharem também, mas esse risco foi afastado.
A caixa-preta de Santa Maria (sim, a Missão Alpha Centauri tinha caixas-pretas)
revelou uma falha na equalização da transformação magnética.
Melhor explicando: o motor da nave calculava a intensidade da força magnética que
entrava no captador à frente da nave e determinava a intensidade do empuxo.
No entanto, começou a entrar energia demais no captador, mas a nave não reduziu o
empuxo, causando o derretimento e em seguida a lesão.
Isso serviu de lição aos tripulantes mais uma vez: não confie totalmente nos robôs. Pinta
e Nina decidiram monitorar a equalização com olhos humanos, embora os engenheiros
tenham resolvido reforçar a estrutura do casco da nave na região dos transformadores,
50 metros próximos à saída da turbina, além de reconstruir os refrigeradores, para que o
acionamento fosse mais rápido.
A Terra recebeu a informação da perda de Alpha Centauri 1 em 2065.
Em 2066 seria lançada a Missão Barnard. Idêntica a Alpha Centauri, mas com
equipamentos mais avançados e pessoal melhor treinado e mais experiente com viagens
interplanetárias.
Com os inúmeros problemas relatados pela Missão Alpha Centauri, converteram a
Missão Barnard em Missão de Resgate e Apoio a Alpha Centauri ou Missão Alpha
Centauri 2.
As três naves tiveram atribuições divididas. Barnard 1 tornou-se Nave de Resgate, pois
investigaria o acidente com Santa Maria e tentaria localizar sobreviventes ou os corpos
dos desaparecidos. Barnard 2 e Barnard 3 foram transformadas em Nave de Apoio 1 e
Nave de Apoio 2.
Muito mais rápida que as primeiras, Missão Alpha Centauri 2 chegou no Cinturão de
Oort no início de 2067 e largaram a Nave de Resgate lá para tentar achar Santa Maria.
Em Nina, a seita que surgiu lá dentro resolveu jogar a nave contra o Cinturão de
Finados. Isso aconteceu em 02 de novembro daquele mesmo ano.
As Naves de Apoio 1 e 2 chegaram no Cinturão de Finados em 2070 e perceberam que
uma das naves estava destruída por ali. Havia milhões de destroços formando um
apavorante arco em meio aos cometas do Cinturão.
A Missão decidiu que a Nave de Apoio 2 ficaria por ali para investigar o
139

acidente, sendo renomeada para Nave de Investigação.


A Nave de Apoio 1 passou a se chamar simplesmente Nave de Apoio e continuou em
direção às estrelas alphas.
Era a Nave em que estava o Irmão Flávio, com um mal pressentimento.
Seu pressentimento tornou-se terror, quando chegou ao Planeta Primavera e ninguém
respondeu a seus chamados.
Foram vistos muitos objetos no Planeta Primavera, mas as sondas não estavam ali.
- Abandonaram o planeta às pressas.
Chegando no centro do complexo estelar, também observaram objetos abandonados em
vários planetas e satélites, mas nem sinal das sondas ou da nave Pinta.
- O que deve ter acontecido? - perguntavam a Irmão Flávio, pois perguntavam tudo a
ele.
- Abandonaram o local às pressas. Mas por quê? - Irmão Flávio devolvia a mesma
pergunta, pois não entendia o porquê.
Quem deveria responder à pergunta seria Doutor Euclides Viana, o homem mais
inteligente entre todos os seres humanos.
Doutor Euclides entendia de todos os assuntos.
Nascido na Terra, órfão, morou nas ruas de Salvador, no Brasil, até os 16 anos de idade,
quando decidiu entrar na escola e dez anos depois, era formado em matemática. Foi só o
começo. Ingressou na Universidade Espacial e aos 30, estava no comando informal da
Nave de Apoio 2 e, consequentemente, no comando informal técnico de toda a missão,
pois Doutor Euclides era consultor de todos os assuntos técnicos, enquanto Irmão Flávio
era o consultor espiritual da Missão.
Doutor Euclides nutria profunda admiração e respeito por Irmão Flávio, pois sempre
recorria a ele quando pensava que iria enlouquecer. A admiração e respeito de Flávio
por Euclides era a mesma, além de depositar no cientista toda confiança.
- Vamos regressar ao Cinturão de Cometas de Alpha Centauri. - sugeriu Irmão Flávio.
(Chamavam assim pois não conheciam os nomes que a primeira missão havia dado aos
corpos de Alpha Centauri).
Antes que pudessem votar na proposta, o Centro de Comunicações da Nave de Apoio
apareceu com uma informação inacreditável.
- Os senhores não vão acreditar. - anunciou Paul Kim, taiwanês de 25 anos (a Missão
Alpha Centauri 2 tinha membros muito mais jovens). - A Terra está se comunicando em
tempo real conosco.
- Como assim? - todos perguntaram.
É que a Terra havia acabado de criar um tráfego extra-dimensional.
Assim como as naves abriam um buraco na força gravitacional do espaço gerada pelos
buracos-negros e estrelas, agora cientistas terráqueos conseguiram viajar por um reflexo
do Universo gerado pelo Big Crush.
(Big Crush? Sim, antes do Big Bang houve um Big Crush. Um incalculável buraco-
negro que deu origem ao Big Bang, quando começou o Universo).
Assim como os buracos-negros devolviam ao Universo uma parte da matéria que
engolia, o Big Crush, numa fração de segundo antes do Big Bang, expeliu uma espécie
140

de reflexo do Universo que havia engolido.


Nosso Universo caminhava ao lado deste reflexo e poderíamos viajar nele.

21

Ao lado da Terra, a 15.000 km de altura, foi construída a Fonte, como os engenheiros


chamavam a catapulta extra-dimensional.
Era o maior objeto jamais construído pelos humanos.
Na Terra havia uma ponte ligando a América do Sul, África e Oceania, mas a Fonte
conseguia ser maior ainda. Quando acionada, os dois anéis começavam a girar em
sentidos opostos e o clarão iluminava as cidades mergulhadas na noite terrestre. Todos
acordavam e contemplavam o magnífico espetáculo celeste.
O objeto entrava ali e era arremessado para algum lugar do Universo, na proporção de 1
ano-luz por segundo.
Portanto um objeto jogado na direção de Alpha Centauri chegaria ali em pouco mais de
4 segundos.
O problema é que o objeto não poderia parar, a não ser que fosse recebido pelo que
chamaram de Fonte Remota.
Se mirassem uma estrela, o objeto também seria recebido, mas como é que mandariam
uma nave espacial ao interior de uma estrela?
Por isso, poderiam apenas mandar ondas fotomagnéticas (idênticas às que formavam a
Tela) na direção das estrelas, que as refletiriam e assim seria possível conversar com
espaçonaves que estivessem próximas às estrelas.
Desta maneira, conseguiram falar com Alpha Centauri, enviando instruções para que os
engenheiros das naves construíssem a Fonte Remota ali, criando uma ponte instantânea
entre os dois Sistemas Solares.
O Centro de Engenharia não teve dúvidas.
Distribuíram as instruções e iniciaram imediatamente a construção da Fonte Remota. 50
141

sondas ficaram por ali, enquanto a Nave de Apoio regressou ao Cinturão de Cometas
para encontrar a Nave de Investigação e relatar as ocorrências.

22

A Universidade Espacial, que havia projetado e construído a Fonte, não estava


satisfeita.
Havia o projeto da Auto-Fonte, que seria uma Fonte capaz de se construir por si própria,
após informações refletidas pelas estrelas.
- Poderemos chegar nos planetas galáticos em até dois dias. Até aí tudo bem. O
problema é que levaremos mais de um ano para chegar nas galáxias mais próximas.
- Voltaremos à estaca zero. Missões espaciais não podem durar mais do que um ano.
- Sim, mas para chegar nas galáxias mais longínquas, como galáxias situadas a mais de
1 bilhão de anos-luz, levaremos centenas de anos.
- Vamos continuar pesquisando. Deve existir uma maneira de escapar à todas as
dimensões e viajar a qualquer ponto do Universo em menos de um segundo.

23

Meu caro leitor, preciso contar algo sobre Santa Maria, do contrário, não vai poder
entender o restante da história.
Em primeiro lugar, uma revelação que guardei para contar agora: você sabia que uma
resolução da ONU havia determinado que todas sondas e naves que pousassem em
qualquer corpo celeste em que não houvesse nenhum tipo de vida deveria deixar ali
insetos, fungos e outros microorganismos?
142

Isto fazia parte do Projeto Semear Cósmico, que tinha como objetivo garantir a
sobrevivência da vida terrestre no Universo, caso fôssemos destruídos.
Havia o mini-ecossistema em todo o Sistema Solar e agora também em Alpha Centauri,
onde se teve certeza da não ocorrência de vida, como no Planeta Primavera.
Parte dos organismos morria na chegada, mas alguns, preparados, continuavam lá e se
adaptavam.
Se você quiser visitar Marte é melhor não ter medo de baratas.
Pois bem, voltando a nossa história, a Missão de Resgate vasculhou o Cinturão de Oort
em busca de Santa Maria, mas não a localizou.
Teria se desintegrado totalmente?
Não, pois haveria vestígios do mesmo jeito.
Localizaram os vestígios do acidente, mas alguns milhares de quilômetros adiante, o
rastro simplesmente sumira.
Frearam a Nave de Resgate e concluíram:
- Neste ponto, Santa Maria desapareceu. Mas o que teria acontecido exatamente com
ela?

24

Doutor Euclides tinha uma característica curiosa.


Muitas vezes ficava estático olhando para as estrelas, com os braços cruzados ou com
uma mão segurando o queixo.
Ficava assim horas e ninguém o incomodava, pois todos sabiam de uma coisa: ele
estava pensando.
E cada pensamento seu trazia grandes resultados.
Observando as três estrelas de Alpha Centauri a olho nu, reuniu a tripulação da Nave de
143

Investigação e anunciou:
- Eu sei o que significa o sinal enviado em 2006. Significa "não venham a Alpha
Centauri".
Ninguém teve dúvidas do que significava o sinal, mas todos queriam saber o porquê da
tradução realizada por Doutor Euclides.
- Como surgiu a comunicação humana? - perguntou Doutor Euclides e alguém
respondeu:
- Foi durante o período glacial. Os caçadores deixavam mensagens entre si.
- Ou seja, comunicavam-se que não estavam mais ali e estavam indo para outro lugar. -
explicou Doutor Euclides.
- Isto significa que os alphas nos avisaram que estavam indo embora de Alpha Centauri
e não deveríamos vir aqui?
- Correto. Eles sempre souberam de nossa existência, desde que passamos a transmitir
ondas de rádio pelo espaço. Mas nunca vieram aqui pois na cabeça deles estes sinais
significavam "não venham para a Terra". No caminho entre a Terra e Alpha Centauri
não encontramos nenhuma nave dos nossos vizinhos e aparentemente o local está
desabitado, como vemos pelos telecópios.
- E a Missão Alpha 1 parece estar desaparecida também.
O que fazer? Investigar ou fugir?
Doutor Euclides pensava: aconteceu alguma coisa aqui que fez toda uma civilização ir
embora. Os primeiros humanos chegaram e sumiram também.
Um grupo de voluntários decidiu entrar no complexo, através de sondas e contar a
descoberta a Nave de Apoio.
Algumas semanas depois, quando estavam quase se encontrando, visualizaram Pinta
retornando a Alpha A e Alpha B. Tentaram se comunicar com Pinta, mas não tiveram
resposta.
As sondas entraram na Nave de Apoio, que seguiu Pinta.
A Nave de Investigação também havia visto Pinta e a estava seguindo.

25
144

Pinta parecia ter visto a Nave de Apoio, pois reduziu a velocidade e fez a manobra de
acoplamento.
- Devemos abrir a escotilha?
- Melhor termos certeza de que não há perigo.
Enviaram um robô para Pinta, com o objetivo de captar imagens do interior da nave.
O robô aproximou-se de algumas janelas e transmitiu imagens da tripulação de pé,
quase em posição de sentido, em silêncio absoluto e com os rostos serenos.
Um deles viu o robô e fez um sinal com o braço direito, girando-o próximo da orelha e
todos os astronautas humanos sabiam que este sinal significava "Pode abrir a porta pois
está tudo bem".
- Vamos colocar as toucas.
Na Nave de Apoio, todo mundo retirou a touca do bolso e colocou na cabeça, pois ela
poderia protegê-los de qualquer contágio.
A tripulação de Pinta estava evidentemente com problemas. Não seguiram nenhum
procedimento de acoplagem, além da manobra.
As naves foram acopladas e quando já iam abrir a escotilha, Doutor Euclides, na Nave
de Investigação próxima do local, entrou em contato com a Nave de Apoio.
- Não abram! A tripulação de Pinta está tomada por parasitas! Desacoplem!
Ninguém desobedeceria ao Doutor Euclides.
- Desacoplar! - gritaram dentro da Nave de Apoio.
Não deu tempo.
A escotilha da Nave foi destruída com o explosivo de emergência da escotilha de Pinta.
Este dispositivo poderia ser usado caso a porta da nave que estivesse sendo abandonada
emperrasse.
A explosão feriu vários tripulantes, que caíram no chão.
A Nave de Investigação afastou-se. Prepararam-se para combate. Mas não imaginaram
que teriam que combater outros humanos...
Em alguns minutos, o parasita espalhou-se pela Nave de Apoio, contaminando a todos,
pois a touca não tinha poder de obstruí-lo.
145

Como a Nave de Apoio tinha melhor qualidade que Pinta, todos os tripulantes
contaminados passaram para esta nave e foram em direção às obras da Fonte Remota.

26

- Por que os contaminados voltaram? – alguém perguntou.


A tripulação da Nave de Investigação estava chocada.
- Se o parasita chegar no Sistema Solar, contaminarão todos os humanos. – outro
comentou.
- Por que não vieram atrás de nós?
- Porque sabiam que iríamos destruí-los.
- O que deve ter no centro de Alpha Centauri?
- Vamos segui-los e atirar neles.
- Na verdade... - iniciou Doutor Euclides. - Uma nave não pode atingir outra. Há
dispositivos de segurança que não podem ser removidos.
- É mesmo...
- Vamos seguir a Nave de Apoio e ver o que acontece. Não podemos chegar perto deles.
Nem podemos encostar em nada aqui neste Sistema. - orientava Doutor Euclides. - É
por isso que os alphas foram embora. Esse lugar está infestado de parasitas.
Alguns meses depois, viram a Fonte Remota quase pronta.
- O que é isto? – perguntaram-se.
- É uma construção humana... - deduziram ao observar sondas em volta do objeto.
Os engenheiros da Fonte Remota entraram em contato.
- Que bom que voltaram. Venham nos ajudar a terminar a construção da Fonte Remota.
- O que é a Fonte Remota? - perguntaram da Nave de Investigação.
- O pessoal da Nave de Apoio não contou? É uma ponte extra-dimensional, vamos
voltar para a Terra em 4 segundos.
146

As velhas teorias de 100 anos dos buracos de minhoca e das supercordas enfim tornadas
realidade, pensou Doutor Euclides.
- Senhores, aqui é o Doutor Euclides. Prestem muita atenção no que vou dizer.
E Doutor Euclides contou que os tripulantes de Missão Alpha Centauri 1 e os
tripulantes da Nave de Apoio estavam tomados por um parasita e caso chegassem à
Terra, poderiam contaminar todos os humanos.
Irmão Flávio, quieto até então, mas com o cérebro também tomado pelo parasita, falou:
- Colegas, vocês conhecem o Doutor Euclides. Ele não está se sentindo bem novamente.
Como os engenheiros da Fonte Remota eram da equipe de Irmão Flávio, preferiram
acreditar nele, pois o psiquiatra já havia tratado Doutor Euclides algumas vezes.
- Que vamos fazer? - perguntaram-se, desesperados, o pessoal da Nave de Investigação,
sentindo-se impotentes.
Não poderiam destruir a Nave de Apoio nem a Fonte Remota, pois as armas nem sequer
poderiam ser acionadas.
Irmão Flávio pediu para todas as sondas entrarem na nave de Apoio e quando os
engenheiros saíram das sondas, imediatamente foram contaminados.
Agora havia muito mais gente e equipamento para terminar a construção da Fonte
Remota.
Em menos de um dia ficaria pronta.
Mas Doutor Euclides tinha um plano.

27

Algumas horas depois, A Nave de Investigação, que havia se afastado, retornou


vagarosamente e aproximou-se da Fonte Remota.
Os contaminados não se importaram, pois sabiam que nada poderiam fazer contra eles
nem contra a Fonte Remota.
A Nave de Investigação acoplou-se à Fonte. Como esta não era grande como a Fonte
primária, lá na Terra, cabia apenas uma nave por vez e a Nave de Apoio já estava lá
dentro.
Quando tudo ficou pronto, a Fonte Remota foi ligada e os dois anéis começaram a girar
em sentidos opostos, gerando o famoso clarão ofuscante.
147

Só neste momento um robô dentro da Nave de Investigação terminou o procedimento de


auto-destruição. Não poderia terminar antes pois os parasitas iriam perceber.
Mas o arremesso era muito mais rápido do que Doutor Euclides imaginava.
Quando os anéis começaram a girar, em dez segundos a Fonte estava pronta para
despachar o que estivesse em seu interior.
Quando a auto-destruição da Nave de Investigação destruiu também a Fonte Remota, a
Nave de Apoio já estava a caminho da Terra.

28

Ao meio-dia do dia 26 de outubro de 2071, a Fonte começou a girar sozinha.


O comando da Fonte não esperava isto. Significava que alguém estava chegando sem
avisar e só poderia vir de Alpha Centauri.
Não havia instruções na planta da Fonte Remota para que o pessoal de Alpha Centauri
retornasse, ainda mais sem programar antes.
- Quem está chegando? - perguntaram na sala de comando.
Um dos operadores verificou num monitor que era a Nave de Apoio 1 da Missão Alpha
Centauri 2.
- Ótima invenção esta Fonte, ótima invenção... - lamentava ironicamente um dos chefes
operacionais da Fonte. - Que Diabo pode ter aí dentro desta nave?
Imediatamente a ONU foi avisada e esta avisou o Comando das Forças Anti-
Alienígenas, que até então não haviam tido trabalho nenhum.

29

Desde 2021 havia os boinas-roxas, soldados da ONU que formavam o Comando das
Forças Anti-Alienígenas, com quartéis no Sistema Solar todo, preparados para enfrentar
as mais poderosas forças alienígenas que resolvessem invadir nosso sistema.
Os boinas-roxas sabiam que alienígenas poderiam chegar em naves gigantes e com
armamento nuclear, por isso havia monitoramento além da órbita de Plutão e também
além do eixo do Sol, na circunferência perpendicular [como Alpha Centauri, que se
localiza na direção do eixo meridional do Sol]. Se alguma espaçonave dotada deste tipo
de armamento se aproximasse, a ordem era destruí-la sem perguntar nada. Não
poderíamos correr o risco de deixar entrar no Sistema Solar alguém com uma bomba
nuclear debaixo do braço.
Mas os boinas-roxas, espertos, sabiam que a ameaça poderia ser microscópica ou
biológica. Alguns exobiólogos acreditavam que certos vírus e bactérias eram de origem
extraterrestre. Haviam vagado milhões de anos pelo espaço e chegado a Terra,
utilizando seres vivos como hospedeiros. Afinal, qual o objetivo de um microorganismo
148

ao entrar num corpo e se reproduzir? Eles têm consciência de que deixam os seres
doentes? Claro que não, seu único interesse é continuar seu ciclo de vida.
A ameaça microscópica era a mais complicada de ser monitorada. No lugar da
profilaxia, como faziam com o monitoramento anti-nuclear, desenvolveram contra-
ataques e vacinas inteligentes, capazes de detectar a presença de um microorganismo
nocivo ao corpo e destruí-lo.
Mas eram vacinas quase inteligentes, pois às vezes pensavam que objetos benéficos
como remédios ou fetos eram agressivos ao corpo e os destruíam. Muitas pessoas
recusavam-se a tomar as vacinas inteligentes por isso.
Havia também a ameaça invisível. Poderíamos ser invadidos por seres que nossa
inteligência não poderia detectar. Alguns destes seres poderiam ser inocentes,
interessados apenas em arranjar um lar. Outros poderiam ver os humanos como
inimigos e tentar nos destruir para poder sobreviver.
Enquanto alguns poderiam nos parasitar. Utilizar nossa espécie e nosso Sistema Solar
ou nosso planeta Terra para viver, tornando-nos escravos.

30

E por falar nisto, a Nave de Apoio acelerou em direção à Terra, sem cumprimentar os
funcionários da Fonte.
123 mil quilômetros dali, a Torre, como os boinas-roxas carinhosamente chamavam a
Estação de Vigilância Orbital Terrestre, estava em alerta laranja.
O cruzador Alaska, construído pelos americanos, que costumava ficar estacionado na
Torre, quando não estava em treinamento, partiu quase à velocidade da luz, em direção
a Nave de Apoio, colocando-se à frente dela.
Também tentaram comunicar-se com a Nave, sem obter resposta.
- Preparar para acoplamento. - ordenou Capitão John Morales, norte-americano de 35
anos e boina-roxa desde os 20.
O cruzador Alaska iniciou a manobra de acoplamento, posicionando-se acima da Nave
de Apoio. Era como uma formiga subindo num elefante.
A Nave de Apoio continuou do mesmo jeito, aproximando-se vagarosamente da Terra,
como fazia em Alpha Centauri, quando se aproximava de algum objeto espacial.
Precisaria colocar-se a cerca de 300 km de altura, antes de lançar as sondas.
E era isto o que o Alaska estava imaginando, que a Nave de Apoio estava se
aproximando da Terra para que as sondas descessem. Mais uma prova de que estavam
numa posição ameaçadora. O esperado era que as naves interplanetárias regressassem a
seu pátio original, a Universidade Espacial. Por qual motivo a tripulação da Nave de
Apoio estava em silêncio absoluto e queriam descer diretamente na Terra?
Munidos de seus lançadores de nitrogênio (versão espacial para o fuzil automático), os
robôs do Alaska entraram na nave, mas a tripulação contaminada estava do mesmo
jeito. Todo mundo de pé, sem se mexer, olhando para os robôs tranquilamente. Os robôs
149

retornaram, mas quando reentraram no cruzador Alaska, toda a tripulação, incluindo o


Capitão John Morales, estava contaminada pelo parasita.

31

O cruzador Alaska, como todas as espaçonaves militares, era preparado para entrar em
atmosferas, como a terrestre. Por sinal, havia sido construído na Terra mesmo, em
Seattle, nos EUA.

O major James Valche, na Torre, tentava comunicar-se com o Alaska, aproximando-se


dos EUA simultaneamente às 50 sondas da Nave de Apoio, descendo em 50 locais
diferentes na Terra.

Vários caças subiram para interceptá-las mas quando receberam ordens para congelá-las
com seus raios de hidrogênio, as sondas resolveram falar.

- Solicitamos permissão para pouso de emergência. Há várias pessoas feridas


necessitando atendimento médico com urgência. Nós nos machucamos na Fonte.

Quanto ao cruzador, afirmaram que levavam os mais feridos para um hospital em Los
Angeles.

As naves pousaram e abriram suas portas.

32

Jamais houve na Terra uma epidemia tão veloz e incontrolável, como durante a invasão
do parasita de Alpha Centauri.

A contaminação ocorria na ordem de 10 metros por segundo.

Em um minuto, um raio de 600 metros de contaminação.

1 hora, 36 km.

Ou seja, Los Angeles estava quase inteiramente contaminada pelo parasita em apenas 1
hora.

As outras cidades contaminadas na primeira hora foram:


150

Nova York.

Quebec.

México.

Havana.

Bogotá.

São Paulo.

Buenos Aires.

Santiago.

Cidade do Cabo.

Lagos.

Cairo.

Bombaim.

Lisboa.

Londres.

Berlin.

Pequim.

Seul.

Tóquio.

Sydney.

Wellington.

Paris.

Roma.

Bruxelas.

Viena.

Moscou.

Kiev.

Nova Delhi.
151

Argel.

Atenas.

São Petersburgo.

Rio de Janeiro.

Assunção.

Lima.

Luanda.

Osaka.

Miami.

Vancouver.

Chicago.

Houston.

Recife.

Salvador.

Teerã.

Riad.

Tel Aviv.

Istambul.

Helsinque.

Budapeste.

Barcelona.

Lusaka.

Algumas pessoas que estavam em locais fechados não foram contaminadas


imediatamente, mas acabaram sendo contaminadas depois.

O sintoma era sempre o mesmo.

Os doentes tornavam-se catatônicos e andavam pelas ruas espalhando o parasita. Todos


abandonavam seus afazeres, abandonavam seus postos, seus veículos, suas casas e
152

empresas e também começavam a andar pelas ruas.

Mesmo bebês.

Os animais também começaram a seguir os contaminados.

E não adiantava nada fugir ou atirar nos contaminados, pois o parasita havia encontrado
na atmosfera terrestre seu veículo propagador mais eficiente.

33

Em um dia, a propagação havia atingido mais de 800 km de raio.

A Europa foi o primeiro continente totalmente contaminado no primeiro dia.

O parasita absorvia a inteligência dos humanos, colocando-os a seu serviço. Estes


utilizavam a mentira para penetrar nos esconderijos mais isolados.

Muitos contaminados fingiam que não estavam contaminados apenas para se aproximar
dos sadios, contaminando-os também.

O espaço também estava sendo contaminado, mas o parasita tinha mais dificuldade de
se aproximar dos habitantes do espaço, pois onde não havia ar, os contaminados
precisavam chegar perto dos sadios.

Inúmeras colônias estavam resistindo, mas logo descobriram que simplesmente matar os
hospedeiros não destruía os parasitas, que os contaminavam do mesmo jeito.

No segundo dia, o espaço estava em guerra.

Uma guerra absurda, sem objetivo, pois ninguém conseguia saber quais naves estavam
contaminadas e quais não estavam, já que os parasitas continuavam utilizando o
expediente da mentira para se aproximar dos sãos.

Isto fez com que ninguém mais confiasse em ninguém. A melhor maneira de continuar
vivo era se afastando o mais rápido possível de outras naves, pois a aproximação de
uma delas poderia significar ameaça de contaminação.

O lançador de nitrogênio logo foi abandonado, dando lugar ao raio laser e raio eletro-
magnético, que desligava qualquer equipamento, como espaçonaves.

O parasita, no entanto, utilizou a Fonte para chegar a alguns pontos do Sistema Solar,
exceto aqueles onde a Fonte Remota havia sido destruída, como em Saturno e Plutão.

Mas isso não trouxe muitos resultados, pois os alienígenas conseguiram chegar em
todos os pontos do Sistema Solar em poucos minutos, após tomar algumas das naves
153

mais velozes.

34

Após uma semana, todo o Sistema Solar tinha a presença de humanos contaminados
pelo parasita misterioso de Alpha Centauri.

Algumas pessoas ainda estavam escondidas. Mas seria uma questão de tempo para que
reaparecessem, pois iriam necessitar de suprimentos.
Ninguém poderia abandonar o Sistema Solar, pois os parasitas haviam tomado as naves
interestelares da Missão Alpha Centauri 3 e Missão Barnard (que seria a Missão
Barnard 2, antes que a Missão Barnard se convertesse em Missão Sírius).

O que os parasitas tentavam, a todo custo, sem muito sucesso, era encontrar o projeto da
Auto-Fonte, que havia sumido das 27 instituições que trabalhavam no novo mecanismo
de lançamentos espaciais.

Os cientistas que desenvolviam o projeto estavam escondidos em algum lugar da Terra.


Iriam guardar o projeto dentro de sua própria cabeça, pois haviam destruído os arquivos.

Tentariam evitar que os invasores encontrassem o projeto, pois em pouco tempo


chegariam nas galáxias mais próximas.

Um dos cientistas, Abrahan Jadefudifmanja, nascido em Titã e que vivia na Terra desde
os 28 anos, a convite da Universidade de Tel Aviv (porque era de origem judaica), era
matemático.

Um dia antes da invasão, havia enviado mensagem ao Departamento de Matemática da


Universidade, que ajudava no desenvolvimento da Auto-Fonte, informando haver
descoberto uma maneira de cancelar o tempo da viagem dentro da Auto-Fonte.

Ele se preparava para sair de casa, num confortável bairro residencial de Tel Aviv,
quando foi invadida por oito boinas-roxas que o retiraram da cozinha, o colocaram num
jato que estava pousado no seu jardim e o levaram para o esconderijo.

Sentado numa cadeira, comendo um sanduíche, Jadefudifmanja pensava: "Jamais vou


revelar minha idéia a ninguém".

Ele não sabia que se fosse contaminado, o parasita encontraria a idéia dentro de seu
cérebro.

35
154

Apenas um general sabia da existência do bunker subterrâneo no meio da Antártica.

Lá no miolo da Antártica havia um laboratório soviético de análise do gelo, com


centenas de metros de profundidade. Ficava perto do Polo Sul.

Com o fim da União Soviética, em 1991 e as consequentes dificuldades financeiras da


Rússia e das ex-repúblicas, o laboratório foi gradativamente desativado, sendo
comprado pelo Exército dos EUA, em nome de uma universidade americana.

A ONU designou o general Felix Costanopolus para construir um bunker secreto, em


local que não deveria revelar nem à própria ONU, onde deveria esconder algumas das
pessoas que considerasse chaves para manter a integridade humana, caso a Terra fosse
invadida por alienígenas.

Durante seis meses, Costanopolus estudou alguns locais e recrutou 60 homens para seu
pelotão.

Apresentando-se como chefe de um centro de estudos de armas biológicas,


Costanoupolus adquiriu, junto ao Exército, o comando do laboratório soviético na
Antártica e lá seus homens construiram o bunker, ao passo em que identificaram cerca
de 150 pessoas que seriam levadas ao local, em caso de invasão alienígena.

No momento em que o General Costanopolus recebeu o informe do Comando Anti-


Alienígena de que a Nave de Apoio havia regressado a Terra, através da Fonte, sem
avisar e não estava respondendo aos chamados, entrou em contato com seus 60
soldados, dizendo apenas uma frase:

- O Sol se apagou. Atenção, soldados, o Sol se apagou.

Este era o código.

O pelotão foi dividido em 10 grupos. Cada grupo tinha apenas um minuto para resgatar
cada pessoa. Como eram 150 humanos-chaves, em 15 minutos, os dez jatos do General
Costanopolus já estavam a caminho da Antártica.

Algumas destas pessoas estavam em áreas contaminadas na primeira hora. Demorassem


alguns minutos mais, a missão não teria sucesso nenhum, pois levariam o parasita para
dentro do bunker.

Entre os 150, havia os 14 cientistas dedicados ao projeto da Auto-Fonte, que pediram ao


oficiais do grupamento que destruíssem as anotações e arquivos. Foi feito segundos
antes da partida dos jatos, pois estavam treinados para isto também.

Dentro do bunker, os 150, juntamente com os 61 militares, estavam apreensivos e


deprimidos. Todos imaginavam estar perdendo seus familiares, na medida em que
assistiam transmissões da Tela.

A Tela era uma mistura de televisão, internet, rádio, cinema, imprensa, que havia
surgido em 2038 e existia em todo o Sistema Solar.
155

Projetada em toda parte, funcionava com sinais manuais que geravam uma tela foto-
magnética audiovisual a frente do espectador, onde poderia realizar milhares de
serviços.

A Tela funcionou por algumas horas, até que os projetores foram desligados pelos
parasitas.

Os 211 ficaram isolados.

General Felix Costanopolus tomou a palavra.

36

- Senhoras e senhores, em primeiro lugar acalmem-se e sentem-se.

Os 150 estavam impressionados com um auditório onde as cadeiras estavam com seus
nomes.

- Podem se sentar nas cadeiras reservadas ou em qualquer lugar.

Poucos sentaram-se em cadeiras onde haviam seus nomes. Os outros sentaram-se em


qualquer lugar pois estavam mais preocupados com seu futuro e com o futuro da
humanidade do que em achar as poltronas com seus nomes.

- Eu sou o General Felix Costanopolus. Todos aqui entendem inglês? Se não


entenderem, podem pegar fones de ouvido ao lado das poltronas pois vamos traduzir os
discursos em cinco idiomas. Inglês, francês, espanhol, chinês e russo. E também no
dialeto espacial.

Abrahan ficou aliviado, pois entendia melhor o dialeto espacial do que outros idiomas,
principalmente em situações de stress.

O dialeto espacial era uma mistura dos idiomas mais comuns no espaço com gírias que
haviam surgido entre os cosmonautas.

Por exemplo "tchu-tchu", que tinha inúmeros significados, como "Hora do almoço".
Nas missões interestelares, o dialeto se intensificou de tal maneira que alguém no
Sistema Solar não seria capaz de entender o que duas pessoas que passassem vários
anos isoladas numa jornada longínqua estivessem conversando. Não é preciso dizer que
algumas estações tinham gírias próprias. E quanto mais isolada fosse a estação, mas
gírias continha. Por exemplo, as quatro estações em Plutão, que não se comunicavam
em tempo real com a Terra, já haviam quase criado um dialeto próprio. No século 21
ninguém nasceu em Plutão. (Só houve gente dando à luz nas estações orbitais da Terra,
Lua, Marte, Júpiter e Saturno. Em solo extraterrestre, apenas na Lua e Marte; eram
lugares preparados para receber gestantes e crianças. Quando uma mulher engravidava
156

fora destes locais, imediatamente era removida para estas estações. Não havia interesse
em sacrificar crianças, fazendo-as nascer em locais tão inóspitos quando as estações
exteriores de Urano, Netuno e Plutão - no entanto, era necessário continuar a vida
humana durante as missões interestelares). Plutão tinha que esperar em média 15 horas
para estabelecer contato com a Terra. Portanto, a comunicação era feita em massa.
Todos os dias, um bloco de dados era recebido da Terra e um outro bloco de dados era
devolvido por Plutão. E já que as estações não conversavam com mais ninguém em
tempo real, não demorou a surgir uma linguagem própria no local.

Voltando à Antártica...

- Somos um grupamento de resgate de pessoas-chaves para o prosseguimento da espécie


humana, durante invasões alienígenas. Todos vocês devem ter ouvido falar neste
grupamento, mas ele sempre foi negado pela ONU. Nós não fazemos parte dos boinas-
roxas. Nem prestamos conta a nenhum Exército. Somos um grupamento secreto
mantido pela ONU. Mas apenas eu sei das atividades deste grupo, juntamente com os
60 homens que os resgataram hoje.

Estamos no laboratório do gelo abandonado pela Rússia, na Antártica.

- Que bom, estamos em casa. - disseram os cientistas russos que estavam entre os 150.

- Estão vendo isto aqui? - Costanopolus tirou uma barata do bolso. - Não é uma barata
de verdade, é um robô espião. No entanto, é idêntica a uma barata. Se for esmagada, vai
ficar daquele jeito que as baratas ficam quando são esmagadas. Dezenas delas vão sair
pelo planeta, investigando a situação da invasão e depois retornarão ao nosso
esconderijo. No entanto, se formos descobertos, explodiremos tudo aqui, pois pelo que
vimos hoje, os alienígenas estão controlando as nossas mentes. Eu não vou ser
controlado por alienígenas e não vou permitir que nenhum de vocês também sejam. Não
sei quanto à opinião de vocês, mas eu sou militar. Eu prefiro morrer do que ser escravo
de alienígenas.

Mas todos revelaram ter a mesma opinião.

- Dependendo do que acontecer lá fora, tomaremos as medidas necessárias. Tem 211


pessoas inteligentes aqui dentro que poderão descobrir um jeito de salvar a humanidade.

Depois disto, os 150 conheceram seus alojamentos e conheceram as outras instalações.

- Uma pergunta. - disse um dos cientistas para um oficial. - Temos provisões para
quantos dias?

- Podemos ficar aqui para sempre. - respondeu.

Então os notórios humanos se lembraram que viajar pelo espaço ou para dentro do
planeta exigia quase a mesma tecnologia. Perceberam que as instalações eram
semelhantes às naves interestelares que alguns deles haviam projetado anos antes.
157

Após a primeira reunião, no entanto, General Costanopolus chamou os projetistas da


Auto-Fonte numa sala reservada.

- Eu não quis falar na frente deles. Parece que os alienígenas estão procurando por
vocês. Apenas vocês têm o projeto da Auto-Fonte.

- Sim, mas isto não significa que não podem desenvolver o mesmo projeto. - disse
Abrahan.

- Acho que não é preocupante. Os alienígenas não parecem muito inteligentes. Eles
apenas aproveitam uma parte do cérebro dos hospedeiros, apenas a parte que garante
sua sobrevivência. Mas acredito que se vocês forem contaminados, vão descobrir o
projeto da Auto-Fonte e se espalhar pelo Universo.

- Não podemos continuar vivos. - disse José Maria Oliveira, astrônomo português.

Outros concordaram que deveriam ser sacrificados.

- Senhores, prestem atenção. - Iniciou Costanopolus - Eu me tornei militar para proteger


a humanidade. Nem todos os militares têm a mesma visão que eu, mas eu tenho esta. E
sinto que minha obrigação é combater este parasita alienígena de alguma maneira. Eu
tenho uma sugestão a vocês: construam a Auto-Fonte aqui dentro. Vamos sair do
Sistema Solar e isolá-lo ou talvez destruí-lo, para que o invasor não chegue mais a
nenhum outro sistema planetário.

Os 150 foram reunidos e Costanopolus passou a instrução a eles.

Que coisa... A Fonte, lá no espaço, a milhares de quilômetros de altura, tinha quase o


tamanho da Antártica e havia custado trilhões de dólares.

E o General Costanopolus queria construir uma Fonte mais avançada ainda dentro de
uma caverna, sem recurso nenhum

Ok, mãos à obra. Não havia tempo a perder.

37

Se você, leitor, começou a ler este livro no começo, deve se lembrar que quando o
parasita entrou na Nave de Apoio, não encontrou resistência nas toucas de proteção,
penetrando-as.
158

Lá no bunker antártico, os 211 não sabiam que o parasita já havia dominado todo o gelo
e procurava frestas microscópicas nas paredes do abrigo, além de tentar se fortalecer
para penetrar suas paredes.

Não levou uma semana para que ele conseguisse invadir o abrigo e capturar todos ali
dentro.

Agora o parasita sabia como construir a Auto-Fonte, mas não sabia como cancelar o
tempo e acelerar a viagem, pois Abrahan estava enganado.

38

Todos os seres humanos na Terra e no Sistema Solar estavam dominados pelo parasita,
à exceção daqueles que morreram em combate.

O parasita era um desgraçado que conseguia evoluir muito rápido. Conseguiu se alastrar
com mais velocidade e penetrar em qualquer objeto.

E agora estavam construindo a Auto-Fonte, lá na Terra mesmo, no deserto do Saara.

Todas as fábricas do mundo dedicavam-se a construir espaçonaves velozes, daquelas


que viajavam quase à velocidade da luz, para contaminar todos os planetas do Universo.

A Auto-Fonte era criada da seguinte forma:

A Terra mirava uma estrela, através do reflexo do Big Crush. Junto com a Luz, enviava
também átomos decompostos que se reaglutinavam formando Fontes Remotas.
Obviamente as Fontes Remotas da Auto-Fonte eram muito diferentes da Fontes
Remotas originais. Enquanto as primeiras eram construídas fundindo-se placas sólidas
(como fizeram o pessoal da Nave de Apoio, em Alpha Centauri, transformando objetos
na Fonte Remota), a Auto-Fonte era como uma única gigantesca molécula. No caso, de
ferro, que era o minério mais abundante na Terra. Mas poderia ser formada de qualquer
outro átomo.

Os parasitas esperariam pacientemente os quatro meses que duraria a construção da


Auto-Fonte no deserto da Líbia.

Mas os parasitas não conseguiriam aguentar tanto tempo antes de eclodir.

39
159

O ser humano tem uma gestação de nove meses. Após esse período, o bebê nasce em
qualquer lugar, pois a genitora não pode impedir seu nascimento.

Os parasitas eram mais ou menos assim. Até conseguiam segurar a gestação, mas não
por quatro meses.

Decidiram eclodir-se aos poucos.

Primeiro com os animais.

As raízes azuladas fixaram-se na terra, enquanto galhos e folhas avançavam no


ambiente, transformando, em questão de segundos, os animais da Terra em plantas
azuladas com tamanhos equivalentes a dez vezes o dos hospedeiros.

Em seguida, eclodiram os bebês e inválidos e todos aqueles que não participavam da


construção da Auto-Fonte ou dos veículos que seriam colocados lá dentro.

Alguns dias antes da conclusão da Auto-Fonte, humanos em todo o Sistema Solar


estavam transformados em plantas azuis.

40

Então o mundo acabou? - pode pensar o leitor.

O Universo acabou? Foi totalmente dominado por parasitas?

E como é que estou vivo aqui, lendo este livro? E como o narrador sobreviveu para
contar a história?

Calma, meu amigo ou minha amiga.

Você está se esquecendo de alguns detalhes:

1 - Onde foi parar a nave Alpha Centauri 1?

2 - O que aconteceu com a Missão Barnard 1 (Missão Sírius)?

3 - Onde foram parar os habitantes originais de Alpha Centauri, que abandonaram o


sistema?

4 - O que aconteceu com Doutor Euclides Viana e a tripulação da nave de investigação?

Portanto, tranquilize-se, pois esta história está muito longe de acabar.

41
160

Você se lembra que mais de 80 pessoas haviam desaparecido, durante o resgate da


tripulação de Santa Maria?

Elas, na verdade, se esconderam, pois queriam ficar ali a deriva no espaço, por todo o
sempre, considerando que estavam verdadeiramente sob os desígnios de Deus.

Temos comida e água. Vamos ficar por aqui, girando pelo espaço, pois alguma coisa vai
acontecer. Deus vai aparecer ou vamos todos morrer.

Os perdidos de Santa Maria passavam o dia cantando músicas religiosas (ou o que eles
acreditavam que fossem músicas religiosas, cantando palavras aleatórias ou inventadas
na hora). Comiam a comida estocada, quando se lembravam que estavam com fome e
esgotavam o reservatório de água, pois o reciclador estava desligado, já que não havia
energia elétrica na nave, nem ninguém se lembrou de ligar nas baterias de emergência.

Estas baterias, que geravam luz e calor automaticamente, logo se esgotariam e a nave
mergulharia na escuridão.

Os tripulantes enlouquecidos, vítimas da crescente queda no oxigênio, que se perdia no


espaço, começavam a viver toda sorte de alucinações.

Mais assassinatos, mais suicídios, mais estupros, mais surtos psicóticos, como já havia
acontecido em menor escala durante a jornada da Missão Alpha Centauri 1.

Ao menos uma alucinação todos viram ao mesmo tempo: uma espécie de aranha de um
metro de altura que havia surgido no Clube dos Tripulantes e estava parada ao lado da
piscina, movendo um dos cinco membros vagarosamente de cada vez, como se fosse
uma aranha mesmo esperando alguma coisa.

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A nave 1 da Missão Barnard 1 que foi transformada em Nave de Resgate da Missão


Alpha Centauri 2 e transformada em Missão Sírius seguia seu rumo solitário em
direção a esta estrela. Sírius não era a estrela mais próxima da Terra, mas era estrela
mais próxima do local onde estavam, próximos da rota alpha-centaurina, no eixo
meridional do Sol.

Os mil jovens tripulantes da Missão Sírius achavam que o nome da nave (Missão Sírius)
era muito impessoal e elaboraram um concurso para decidir o nome com o qual
batizariam a nave.
161

O agente de manutenção dos robôs Dan Kse, nascido em Marte de pais nascidos nas
Ilhas Maldivas, pensou:

"Embora Ptolomeu fosse grego, ele podia ver Alpha Centauri, tendo registrado no seu
Almagesto o nome da estrela. Não estamos mais indo para Alpha Centauri mas só
estamos aqui por culpa da mensagem enviada por Alpha Centauri em 2006, para onde
nossos colegas da Missão Barnard original estão indo. Por isso, em homenagem a
Ptolomeu e a nossos amigos, nossa nave deverá se chamar Almagesto".

Venceu o concurso.

A Missão Sírius passou a se chamar Almagesto.

E já que a nave se chamava Almagesto, resolveram batizar aquele ser silencioso e


inofensivo que apareceu na psicina do Clube dos Tripulantes, semelhante a uma aranha
de cinco pernas e um metro de altura, de Ptolomeu.

43

Doutor Euclides foi o primeiro humano a ter certeza que o parasita de Alpha Centauri
era uma ameaça à espécie humana.

Colocou todos os tripulantes da Nave de Investigação nas sondas e as acoplou,


formando uma única nave circular.

Fez a nova nave passar pelo eixo gravitacional das estrelas gêmeas de Alpha Centauri,
ganhando um impulso violento que a arremessou num ponto seguro do Universo - o
trajeto para lugar nenhum.

Sim, lugar nenhum, ele explicou aos preocupados companheiros.

- Em que lugar o parasita vai procurar seres vivos, incluindo nós, humanos? Em lugares
onde haja algo, onde haja estrelas ou nebulosas ou seja lá o que for. Então vamos vagar
por lugar nenhum e nunca seremos achados.
- Mas, Doutor Euclides, isto é semelhante à morte.

- Não é. Vamos viver congelados. De tempos em tempos vamos nos revezar e sair da
criogenia até termos certeza de que achamos um lugar seguro para viver. Então
enfrentaremos o parasita.

A equipe da Nave de Investigação, foragida nas sondas acopladas, resistiu e após muita
discussão, chegaram à conclusão que Doutor Euclides estava certo. As sondas não
tinham provisões para mais de um ano, mas em estado de criogenia, os membros
poderiam sobreviver por milhares ou talvez milhões de anos.

Mercedes Hernandez, filipina, foi escolhida por Doutor para ser a próxima a ficar
162

acordada, quando o matemático resolvesse "dormir".

Euclides botou todo mundo para dormir, num momento emocionante, como um pai
botando os filhos para dormir como se fosse a única maneira de sobreviverem.

Quando fechou a última cápsula, o baiano olhou para sua própria cápsula e foi fazer um
café (seu maior prazer).

Ele pensou: "Tenho comida e água para 500 anos. Mudei de idéia. Vou ficar acordado,
tomando conta dos últimos humanos, até não aguentar mais. Daqui uns 50 anos, acordo
Mercedes".

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Não demorou muito para Doutor Euclides entender como funcionava o contágio do
parasita.

- É intramolecular. Então o parasita é uma radiação. Uma radiação... Inacreditável... No


século passado as pessoas pensavam que os extraterrestres eram homenzinhos verdes de
olhos gigantes, mas os primeiros seres inteligentes que encontramos tem a forma de
radiação, enquanto os outros que fugiram tem um pensamento contrário ao do ser
humano. Como podemos contra-atacar, meu Deus, como podemos contra-atacar... Já
que precisam de seres orgânicos ou ao menos podem utilizar seres orgânicos como os
humanos, então os parasitas são formados por radiação que se multiplica dentro dos
seres vivos. Como uma radiação se multiplica dentro de uma célula?

45

Doutor Euclides morreu antes de acordar Mercedes. Como resultado, ninguém mais
acordou durante milhões de anos, até que as sondas acopladas foram recebidas por um
gigantesco cilindro, milhares de vezes maior do que as naves interestelares da Terra.

Uma gigantesca mão semelhante ao um pé de pato segurou as sondas e as depositou


sobre uma espécie de mesa.

Dentro das cápsulas, a criogenia foi desligada e em algumas horas, todos já estavam
acordados. Muitos choraram ao ver o corpo mumificado de Doutor Euclides, ao lado de
sua cápsula que nunca havia sido usada.

- Onde estamos?

Os terráqueos perceberam que as sondas estavam pousadas num lugar muito claro e
163

silencioso.

Do lado de fora, havia um ser humanóide gigante que deixou a todos apavorados.

A tela foi acionada dentro das sondas e surgiu uma mensagem no dialeto espacial.

"Não tenham medo. Estávamos esperando por vocês há muito tempo. Queremos lhes
agradecer."

Do que estavam falando? Como conheciam o dialeto espacial? Decidiram responder.

"Quem são vocês?" os humanos perguntaram.

"Nós não temos o hábito de dar nomes às coisas, como os humanos fazem. Podem nos
chamar de betas".

"Betas? Por que?"

"Vocês chamavam os habitantes de Alpha Centauri de alphas. Então podem nos chamar
de betas, pois somos de Beta Centauri."

Os humanos ficaram emocionados. Perguntaram, ainda através da tela:

- Como aprenderam nossa língua? Como aprenderam a usar a tela audiovisual?

- Milhões de anos atrás, acreditamos que os humanos haviam nos enviado uma
mensagem, com instruções para construirmos um artefato chamado Fonte Remota.
Tentamos durante muitos anos entender aquela mensagem e através dela, reformulamos
toda nossa cultura e nossa civilização. Foi por isso que ficamos parecidos com os
humanos, pois tivemos que adaptar nosso corpo aos equipamentos que vocês nos
haviam ensinado a construir. Só depois de muitos séculos pudemos entender o que era a
Fonte Remota. Também descobrimos que vocês haviam nos enviado a mensagem por
engano. Haviam enviado a mensagem para Alpha Centauri, mas a mensagem foi
projetada pelo espaço e chegou até aqui, sendo captada por nós. No entanto,
assimilamos quase completamente a cultura humana, como a linguagem.

Alguns humanos até choravam. Perguntaram aos betas:

- Por que dizem milhões de anos?

- Sim, vocês estão vagando pelo espaço, em círculos, há 23 milhões de anos,


aproximadamente.

- E o que aconteceu com os outros humanos?

- Nós visitamos a Terra e não encontramos nada lá, apenas as plantas azuis.

- Que plantas azuis?

- Vocês não sabem? Os parasitas que vocês encontraram em Alpha Centauri utilizou os
164

corpos humanos e de todos os outros animais como hospedeiros, para que pudessem se
reproduzir e se transformar nas plantas azuis. Toda vez que encontram seres vivos em
algum planeta eles os dominam e os substituem. Antes eram apenas seres orgânicos
animais. Passaram a dominar também vegetais e em seguida até mesmo os não
cometários, como nós.

- Não cometários?

- Sim, tanto os humanos quanto os alphas tiveram origem em cometas. Mas há muitos
outros tipo de seres no Universo, como nós, que somos pulsarianos.

Sensacional, pensavam os humanos, os betas são muito mais antigos do que os


terrestres.

- E o que aconteceu com os parasitas?

- Eles retornam de milhão em milhão de anos, em busca de novos seres, mas sempre nos
escondemos. Já dominaram 1/3 do Universo. Não conseguiram dominar os seres vivos
que eles não entendem como seres vivos. E eles conseguiram fazer isto com uma
invenção humana.

- A Fonte?

- Algo mais evoluído que a Fonte. Uma coisa chamada Auto-Fonte, que se auto-constrói
em qualquer parte do Universo sem ferramenta nenhuma.

- Meu Deus!

- Eles encontraram outros seres inteligentes por aí mas nenhum havia desenvolvido um
artefato tão sensacional quanto a Auto-Fonte.

- Somos os seres mais inteligentes do Universo?

- Depende do que vocês entendem por inteligência. Alguns seres inteligentes não nos
reconhecem como inteligentes, por isso há três tipos de inteligência no Universo: os
irracionais como os animais e insetos, que não tem consciência do Universo. Os
racionais, como os humanos, alphas, parasitas, betas, que tem consciência do Universo e
os supra-racionais, que vivem à margem das Físicas Espaço-Temporal e Extra-
Dimensional do Universo e são como deuses. Mas eles nos ignoram categoricamente.
Para os supra-racionais, os racionais não são nada.

- Não existem mais humanos no Universo?

- Infelizmente devemos lhes informar que não.

- E quanto aos alphas?

- Também desapareceram desde que abandonaram Alpha Centauri.

Os últimos humanos do Universo estavam com o coração vazio.


165

- Queremos lhes fazer um convite. - iniciou o beta gigante lá fora, através da tela. -
Queremos lhes convidar a vir morar no nosso planeta e reiniciar a espécie humana.

- Como? Vejam o tamanho de vocês e vejam o nosso.

- Aparência não importa. O que importa é atitude. - respondeu o gigante.

Sua nave partiu para Beta Centauri.

No caminho, perguntaram ao beta:

- Você saberia nos dizer de onde veio o parasita de Alpha Centauri? De Alpha Centauri
mesmo?

- Amigos, o Universo tem bilhões de galáxias e cada galáxia tem bilhões de estrelas.
Quem pode saber o que se esconde em cada canto do Universo?

- Sem considerar que podem existir outros Universos. - disse Mercedes.

46

Voltando no tempo, na Santa Maria, a aranha começou a aumentar de tamanho. Novos


braços surgiram e braços surgiram dos braços.

Foi engolindo tudo a sua volta, inclusive os humanos que estavam lá dentro, que
tentavam fugir ou ferir o organismo, sem sucesso.

Ele continuou crescendo até ocupar todo o espaço do interior de Santa Maria, quando
atravessou a fuselagem da nave e a engoliu inteira também.

Desapareceu num instante e ninguém conseguia entender o que havia acontecido. Mas
alguém olhou para fora da nave e percebeu que o Universo havia mudado de cor. A
profundidade do Universo estava branca e as estrelas, negras, como se fosse um
negativo.

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O mesmo aconteceu em Almagesto. Também a tripulação entrou em desespero e após


Ptolomeu engolir a nave, voltou a ser uma simples aranha de cinco patas, perto da
piscina.

Também os tripulantes olharam para fora e viram o negativo do Universo, mas ao lado
de Almagesto estava Santa Maria.
166

A aranha passou a emitir o mesmo som que a Terra havia recebido em 2006 e os
tripulantes de Almagesto perceberam que Ptolomeu era um alpha-centaurino.

Enquanto uma parte da equipe analisava Santa Maria, outra parte tentava se comunicar
com Ptolomeu

Acionaram a tela a frente de Ptolomeu e mostraram uma ilustração do Sistema Solar e


de Alpha Centauri. Mostraram a Terra e pediram para Ptolomeu mostrar o planeta dele
em Alpha. Ptolomeu respondeu, enviando um outro som, que os humanos não
entenderam.

Perguntaram a Ptolomeu qual o som correspondente a Terra, mas ele não falava nossa
língua.

- Temos que ensiná-lo o dialeto espacial. Assim ele poderá nos ensinar sua língua.

Começaram a ensinar Ptolomeu como se este fosse uma criança.

No último andar, discutiam o resgate dos tripulantes de Santa Maria, mas temiam que
eles fizessem uma balbúrdia em Almagesto. Havia agora apenas 38 sobreviventes, pois
os outros haviam se matado. Decidiram entrar na nave e capturá-los. Seriam levados ao
hospital e curados de sua loucura.

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Foi como capturar cães vira-latas raivosos, mas após algumas horas todos estavam no
hospital de Almagesto. Desacoplaram Santa Maria, que continuou girando como uma
doida pelo negativo do espaço.

Após alguns dias, conseguiram criar um programa de tradução do idioma de Almagesto


e já durante o aprendizado, haviam realizado duas descobertas fenomenais:

1 - A aranha era toda a população de Alpha Centauri. Mais de 600 quatrilhões de


centaurinos do tamanho de células, concentrados num único corpo. Era desta maneira
que viviam há 2 bilhões, desde que evoluíram do ser anterior, que não viviam junto num
único corpo nem era inteligente.

2 - Há 500 milhões de anos, o seu planeta de origem começou a ser engolido por Alpha
A, uma das estrelas. Iriam padecer, pois não poderiam sobreviver em nenhuma outra
estrela. A Natureza porém desenvolveu neles a capacidade de penetrar numa outra
dimensão do Universo, aquela para onde haviam enviado as duas naves humanas. Mas
não poderiam ficar ali muito tempo. De tempos em tempos precisavam retornar ao
espaço-tempo, como um anfíbio ou cetáceo que volta a superfície para respirar.

Em seguida, relataram a ocorrência do parasita em seu mundo.


167

Quando o parasita chegou em Alpha Centauri, os alphas, ou seja, Ptolomeu, tentou fugir
pelos planetas do sistema. Acreditavam que poderiam fugir pelo tempo que fosse
necessário, mas o parasita parecia estar se alastrando através dos dejetos do próprio
Ptolomeu. Ou seja, pelo cocô alpha.

Incapazes de viajar longas distâncias na dimensão "negativa" do Universo, que não


sabiam explicar, pediram ajuda a Terra. A mensagem de Ptolomeu, diferente do que
Doutor Euclides acreditava, significava exatamente o equivalente ao nosso SOS. O fato
de possuir exatos três segundos com um segundo de intervalo foi apenas... coincidência!
O Universo tem acasos extraordinários...

O parasita se alastrou então por todo o sistema Alpha Centauri e Ptolomeu não teve
dúvidas em abandonar o sistema. Do contrário, padeceria sob o parasita.

Ficaram a deriva pelo cinturão de Finados, em busca de seu alimento: carbonatos de


ferro, que havia em pouca quantidade ali. Percebendo que não havia muita coisa ali,
decidiram pular para o Cinturão de Oort e de lá iriam para o Sistema Solar, onde teriam
comida suficiente. No caminho, encontraram Santa Maria e ao perceber que os parasitas
começavam a dominar os humanos, decidiram esconder tanto esta nave quanto
Almagesto em sua dimensão.

Ptolomeu tinha uma visão longínqua. Enxergava o Universo através desta subdimensão
ou dimensão negativa e comunicava-se apenas por uma incrível onda de rádio que
viajava o espaço. Esta capacidade existia há 2 bilhões de anos, desde que Ptolomeu era
um ser dividido e suas partes viviam em partes diferentes de Alpha Centauri.

- Que faremos agora? - os humanos se perguntavam.

Ptolomeu respondeu que o parasita não poderia penetrar na subdimensão e eles


poderiam ficar ali para sempre, onde o tempo quase não existia e os humanos
conseguiriam viver milhões de anos sem envelhecer.

49

Voltando a Missão Alpha Centauri 1, no momento em que as sondas de Pinta desceram


no Planeta Primavera.

Querem saber o que aconteceu com os trinta astronautas que lá pousaram?

Após um mês começaram a ser contaminados pelo parasita.

Uma outra equipe desceu num planeta interior da anã vermelha chamada Próxima
Centauri. Contaminados pelo parasita, também após um mês.
Você se lembra do capítulo 19?
168

"Quase todas as sondas desceram nos planetas interiores.

Diferente do que imaginou-se, em volta das estrelas não havia nenhum cometa ou
planeta com vida, semelhante a Terra.

Não havia nem sequer microorganismos, pelos menos não foram encontrados nas
pesquisas iniciais.

Lá em cima, na solitária Pinta, sempre havia ao menos 100 tripulantes que se revezavam
com os outros. No final, todo mundo havia descido.

Quatro meses depois, Pinta regressou a Próxima Centauri para recuperar os primeiros
cientistas que passariam um ano no local.

E quando chegaram lá, houve uma grande surpresa."

Qual surpresa?

No Planeta Interior, os cientistas haviam se transformado em plantas azuis. Partiram


velozmente para o Planeta Primavera e resgataram os exploradores, acreditando que
estavam bem, mas quando estes entraram na nave, contaminaram a todos os outros.

Pinta decidiu partir para a Terra, mas quando avistaram a Missão Alpha Centauri 2,
retornaram para contaminar mais humanos.

50

Os 23 milhões de anos passaram em Almagesto como se fossem 23 anos.

E por incrível que pareça, a civilização que foi criada lá dentro logo se acostumou com
o novo mundo.

Mas não deixaram de buscar uma maneira de um dia vencer o parasita, que havia
conquistado grande parte do Universo.

Nunca abandonaram a região. Ptolomeu captava seu alimento ora no Sistema Solar, ora
em Alpha Centauri e os humanos, no entanto, tinham uma nave interestelar onde
produziam tudo o que precisavam para viver.

Após 23 anos, havia cerca de 15 mil pessoas lá dentro. Conseguiram ampliar a nave e
ampliariam novamente, pois os 15 mil iriam se multiplicar outra vez.
169

51

Foi Ptolomeu quem avistou as sondas do Doutor Euclides passando perto de Almagesto.

Almagesto resolveu segui-la.

Muito estranho o fato destas sondas terem reaparecido, após milhões de anos. A
curiosidade dos habitantes de Almagesto era incontrolável.

Ficaram extasiados ao descobrir um planeta com seres racionais que não haviam sido
contaminados pelos parasitas e que haviam recebido calorosamente os humanos.

- Devemos aparecer para eles? - Almagesto pensava.

Debateram por longos dias e decidiram arriscar.

52

Os sobreviventes das sondas do Doutor Euclides batizaram o planeta dos betas de Terra
Beta, pois o planeta era uma versão gigantesca e aquática da Terra.

Tudo aquilo havia sido construído com um projeto de um equipamento humano.

Os betas eram totalmente humanóides, na escala 1:1.000.000 ou mais.

No entanto, seus braços e pernas eram como nadadeiras, pois viviam dentro de um mar
heterogêneo. Às vezes ficava branco, às vezes amarelo, azul, verde... Os betas, no
entanto, pareciam ficar mais à vontade no mar esbranquiçado, semelhante ao que havia
dentro da nave que os havia resgatado, no espaço.

Os humanos foram recebidos como celebridades. Sabe quando um artista famoso chega
numa cidadezinha? Foi bem assim.

Todos os betas apareceram para sinalizar. Eles desfilavam na mão do gigante, que os
colocou dentro de uma espécie de alojamento e lhes disse, através da tela.

- Podem sair das sondas. Aí dentro vocês tem oxigênio, pressão atmosférica e
temperatura adequadas aos humanos. Tudo o que precisarem, é só pedir.

Mas algumas horas depois, o gigante reapareceu com uma notícia:

- Vocês tem visitas.

- Visitas?

- Sim, vocês conhecem a Nave de Resgate da Missão Alpha Centauri 2?


170

- Claro que conhecemos! Eles partiram para Sírius.

- Não foram. Eles foram salvos pelos alphas, que estão aqui com eles.

53

Agora a salvação do Universo estava nas mãos destes três seres racionais. Humanos -
alphas - betas.

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Nós temos três armas.

Os humanos construíram a Auto-Fonte.

Os alphas conseguem viajar por uma subdimensão.

Os betas conseguem ficar invisíveis aos parasitas.

Com esforço, inteligência e paciência, vamos vencer os parasitas e libertar o Universo.

55

A vida nos planetas começa por volta de um ou dois bilhões de anos de existência.

Foi assim no Sistema Solar, em Alpha Centauri ou Beta Centauri.

É o momento em que um sistema planetário está pronto para gerar vida.

Não importa se esse sistema tem um planeta gostosinho como a Terra ou planetas
inóspitos como em alpha centauri ou gigantes líquidos como Terra Beta.

A vida tem que surgir de alguma maneira, como se a vida fosse a verdadeira vocação do
Universo.

O Universo surgiu para que surgisse a vida.

Os seres humanos já foram antropocêntricos. Acreditavam não apenas que eram o ser
mais importante do Universo, como o único.

No século 20, cientistas garantiam não existir vida em nenhuma outra parte do
171

Universo, apenas na Terra, por um acaso inacreditável.

Encontramos vida em Alpha Centauri, a estrela mais próxima da Terra e agora, 23


milhões de anos depois, sabíamos que não apenas existia vida no Universo inteiro,
como vida inteligente no Universo inteiro, como há formas de vida tão inteligentes que
elas nos desprezam completamente, como desprezamos os mais

insignificantes microorganismos.

No século 16, os europeus chegaram aos mais distantes rincões do mundo, com suas
caravelas, contaminando populações nativas com seus vírus e bactérias.

No século 21, com suas novas caravelas, o ser humano voltou a espalhar um parasita
aparentemente indestrutível, também nos mais distantes rincões do Universo.

Agora, no século 240.000, teríamos que criar um anticorpo, como tivemos que criar nos
cinco séculos subsequentes ao início da exploração dos europeus, para que as
populações nativas não fossem dizimadas completamente.

Como se combate um parasita, eles pensavam.

Aquele parasita de Alpha Centauri não tinha DNA. Pelo jeito, pelas anotações do
Doutor Euclides, inclusive, era um parasita em forma de radiação.

E de radiação só se pode fugir, não combater.

Era impossível capturar uma gota de radiação para analisá-la e criar uma anti-radiação.

Mas poderíamos analisá-la de perto e entendê-la, a fim de que pudéssemos criar um


antídoto.

E como chegar perto dos parasitas sem sermos contaminados?

Fácil: através de laboratórios móveis invisíveis.

56

O primeiro passo dos humanos, alphas e betas, foi desenvolver um laboratório invisível.

Eles seriam criados com a tecnologia de invisibilidade dos alphas e betas e lançados nos
confins do Universo com a Auto-Fonte, mas não a Alto-Fonte comum e sim, uma Alto-
Fonte invisível.

Com o projeto da Fonte Remota, que os betas conheciam de cor e salteado, não foi
difícil criar a Alto-Fonte invisível.

Dentro do L.M.I., uma comissão de investigação formada por humanos seria enviada ao
172

planeta mais próximo, dominado pelas plantas azuis.

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Chegamos numa espécie de pântano ácido. Um lugar em que nenhum outro ser poderia
pisar, à exceção do maldito parasita.

Havia a tal planta azul, com mais de 50 metros de altura, em todo lugar. Isto significava
que os pobres seres originais tinham cerca de 5 metros de altura e viviam dentro do
ácido.

A cápsula do C.M.I. sobrevoou o pântano, tentando analisar microscopicamente as


plantas azuis assustadoras.

Aparentemente eram feitas do mesmo material do local, ácido.

A expedição chegou à conclusão de que deveriam analisar o parasita antes de eclodir.

Para isto, deveriam monitorar a movimentação do parasita pelo Universo.

Voltaram a Beta Centauri para perguntar ao betas como conseguiam enxergar tão longe
no Universo.

Sua visibilidade longínqua também tinha surgido durante sua evolução, pois só quem
pudesse enxergar longe dentro do mar de Terra Beta, que era milhões de vezes maior do
que a Terra, poderia sobreviver.

Era espantoso isso. Os seres vivos rompem com as leis da física para poder evoluir e
sobreviver.

Pedimos um mapa da presença dos parasitas embrionários aos betas e eles nos deram.

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Mandaram-nos a outra galáxia, 8 bilhões de anos-luz dali.

A galáxia tinha só dois bilhões de anos e a vida estava começando a surgir.

O parasita ligou uma Auto-Fonte no centro da galáxia e segundos depois, acionamos


nossa Auto-Fonte invisível bem ao lado.

Era revoltante perceber que utilizavam uma nave semelhante às humanas.

Eles chegaram num planeta de rotação ultra-veloz, parecia um pião no espaço.


173

O C.M.I. ficou na cola da nave deles.

- Vamos entrar na nave.

Entramos.

Havia uma geléia dentro da nave. Que seria aquilo? Um dos seres que haviam capturado
em algum lugar, de aspecto gelatinoso? Certamente.

Sony Eberson, exobiólogo, achou ter matado a charada.

- Já sei do que o parasita é feito.

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Os seres humanos são feitos do que? Carbono, hidrogênio, oxigênio. Ou seja, átomos.
Mas dentro de nosso corpo, circula energia elétrica.

Nem os alphas nem os betas funcionam com energia elétrica. Os alphas movem-se com
ondas de rádio e os betas com aquela energia das marés do planeta deles, ou seja, vivem
literalmente, de inércia. Melhor dizendo, são seres magnéticos. Não fossem os
maremotos e vulcões submarinos que há em Terra Beta, eles não existiriam.

Os parasitas são feitos de luz conduzida por raios ultra-violeta. Quando eclodem, os
raios ultra-violeta se dissipam e libertam a luz que deforma os corpos que contaminam.

Fazia muito sentido. Num mundo afetado por duas estrelas como Alpha Centauri, a
radiação era intensa. Se o parasita não tivesse surgido ali, teria ao menos se
desenvolvido ali.

Qual o objetivo de uma estrela? Gerar vida. É para isto que ela existe.

Alpha Centauri havia criado um mecanismo para disseminar vida por todo o Universo.

Então eram as nossas grandes vilãs: as estrelas gêmeas de Alpha Centauri, que
amávamos tanto, eram duas terríveis criminosas, interessadas em destruir toda forma de
vida no Universo para ficar no lugar delas.

Canalhas! Canalhas! E nunca pensamos nisto antes. Achávamos que Alpha Centauri
havia sido vítima, mas era a vilã.

Tudo bem. Na "cabeça" de Alpha Centauri não estavam fazendo nada demais, apenas
seguindo sua missão de gerar vida. Pelo jeito, as estrelas gêmeas haviam exagerado.

Só faltava uma coisa: descobrir como combatê-la.


174

60

A C.M.I. voltou a Terra Beta.

- É o seguinte, amigos. Temos que criar um antídoto para os raios ultra-violeta.

- Fácil. Vocês querem apagar a luz do Universo. - disseram os outros humanos que
ficaram no planeta.

- Veneno de cobra se combate com veneno de cobra.

- Há um pequeno problema. - começou um gigante. - O parasita deverá ser destruído de


uma vez só. Não se esqueçam que há parasitas em bilhões de galáxias. Teríamos que
construir Auto-Fontes em todos estes lugares.

- Temos que descobrir uma maneira de fazer o próprio parasita arrastar o antídoto para
dentro de suas casas. É assim que combatemos pragas na Terra. As pragas carregam o
veneno para dentro do habitat e mata todo mundo lá dentro.

- Ou seja, temos que criar o parasita do parasita.

Empolgante, empolgante. Iríamos criar um contra-parasita.

61

A cidade abobadada que os betas construíram para os humanos tinha 100 km2.

A abóbada transparente que protegia a cidade humana tinha 2 km de altura. Servia para
proteger os humanos contra o mar violento de Terra Beta, mas também permitia a
entrada dos raios solares de Beta Centauri.

Era uma cidade idêntica a qualquer cidadezinha terrestre, à exceção das cores. Cada rio
colorido que passava lá em cima mudava as cores na cidadezinha dos humanos. Logo
todos se acostumaram.

Os betas faziam o possível para os humanos se sentirem em casa. Tanto que permitiram
que humanos tivessem representantes no Senado de Terra Beta. Pois é, os betas foram
tão influenciados pelos humanos que tinham até governo.

Mas a população era relativamente pequena, em comparação com o tamanho do planeta.


Aproximadamente 15 milhões de betas.

É que o nascimento de um gigante daquele era complicado.

Os betas tinham rainhas, algo como 1 para cada 100 deles, que gerava um ou dois betas
175

ao longo de toda sua vida. Não havia mortes.

A única crítica que os betas faziam aos humanos era quanto a sua alimentação. Ficavam
horrorizados ao ver os humanos se alimentando de plantas ou animais. Diziam que os
humanos eram os únicos cometários que se alimentavam de si próprios, já que para eles,
todos os seres que tinham DNA eram uma espécie só. os próprios alphas se
alimentavam do mar nutritivo de Terra Beta.

Por falar nisso, os alphas continuaram morando em qualquer lugar, pois se adaptavam a
qualquer ambiente. Não tiveram qualquer dificuldade em adotar o mar terra-betano
como habitat.

Os químicos humanos ficaram fascinados com esse mar. Havia milhões de moléculas
diferentes dentro dele. Num dia distinguiam cem moléculas, no outro dia apareciam
mais 100 e assim sucessivamente.

Bilhões de galáxias com bilhões de estrelas com dezenas de planetas e satélites


evoluindo por bilhões de anos... Este era nosso Universo.

62

O contra-parasita não foi tão simples de ser criado.

Anos se passaram.

Até que alguém teve a idéia.

A luz não escapa dos buracos negros, não é verdade?

É a força gravitacional dos buracos negros que atrai a luz?

Não.

É que as estrelas ocupam todas as dimensões do Universo. Quando um buraco negro


engole uma estrela, ele deixa um buraco no Universo, para onde a luz consegue fugir.
Pois a luz não é original deste Universo. É um elemento que veio de outro lugar, de
outro Universo ou outra dimensão. E por isso ela viaja a 300 mil km/s, porque passa a
vida inteira em busca de uma saída.

Um buraco negro gera a ponte para a fuga da luz em direção a seu lugar de origem.

Temos que criar então uma arma que gere essa ponte para que o ultra-violeta dos
parasitas possa escapar e ser banido do nosso Universo.
176

63

A idéia era simples mas de difícil realização, como foi a Auto-Fonte.

Como criar mini-buracos negros junto a cada colônia de parasitas do Universo?

Sabemos que os átomos podem guardar informações. A memória da tela e dos robôs,
por exemplo, era atômica.

Poderíamos programar os átomos a se comportarem como buracos-negros por alguns


instantes, o suficiente para o parasita ser expulso.

Sem esquecer de um pequeno detalhe: o parasita estava em bilhões de galáxias.

A solução veio dos alphas.

Em sua subdimensão, o tempo não existia. Os alphas propuseram colocar Terra Beta
inteiro dentro de sua subdimensão e lá reproduzir a arma subatômica no Universo todo.

64

O Senado aprovou a idéia.

Levou algumas semanas para os alphas engolirem o planeta inteiro, mas o fizeram.

Lá, as super fábricas líquidas dos betas desenvolveram 100 octilhões de nanorobôs
atômicos e os espalharam pelo Universo, através da Auto-Fonte invisível.

65

- Será que já há átomos suficientes no Universo?

- Tem até mais. Pulverizamos inseticida no Universo todo.

66

A estratégia teve efeitos colaterais.

Nos planetas em que o parasita havia acabado de chegar, milhares deles, o ultra-violeta
177

estava espalhado por todo o ambiente. Nestes casos, o nanorobôs tiveram que passar
vários segundos em forma de buraco-negros, o que acabou gerando buracos-negros de
verdade, incontroláveis.

Sistemas solares inteiros foram sugados, o que deixou a todos muito tristes.

- Foi como sacrificar animais contaminados.

- Poderíamos ter tentado destruir o parasita sem exterminar sistemas inteiros.

- Esperamos não acabar com o Universo, com estes novos buracos-negros que criamos.

Sim, porque o Universo tinha um número adequado de buracos-negros que garantia sua
própria estabilidade. Os buracos-negros eram como um contrapeso. Ou não?

Muitas vezes, teorias apresentavam-se erradas. Os alphas e os betas eram uma prova
disto. Os alphas viviam em mais de uma dimensão do Universo e os betas enxergavam
o Universo todo. Como era possível? Qual a explicação para isto?

Quando pensamos que demos todas as respostas, surgem novas perguntas.

Os alphas devolveram Terra Beta ao Universo. Haviam se passado dois milhões de


anos.

Restava aos humanos visitar a Terra e ver como é que estava lá.

67

O L.M.I chegou lá e percebeu que as plantas azuis haviam morrido. O solo e a água
tinha apenas vestígios das raízes.

No entanto, a Terra estava mergulhada numa era glacial.

Deveríamos retornar a nosso planeta deste jeito ou esperar pelo fim da era?

Poderia ser uma era de 50 mil anos ou 50 milhões de anos, quem poderia saber?

Ou poderíamos descongelar o planeta e torná-lo agradável.

Tínhamos tecnologia para tudo, afinal. Não existe desafio insuperável para os seres
inteligentes.

Mas e se os parasitas voltassem? Ou se não tivessem sido suficientemente expulsos do


nosso Universo?

Vamos vacinar todo mundo, então, colocar um nanorobô dentro de cada pessoa.
178

68

E assim, os humanos retornaram a Terra, cada um com um mini-buraco-negro-virtual


dentro da cabeça.

A Terra estava preparada para ser recolonizada pelos seus próprios moradores de
origem.

Todas as nossas instalações estavam ali. Construções e máquinas. As mesmas deixadas


ali durante 250 mil séculos. Éram ruínas agora.

Alguns humanos haviam nascido na Terra. Eram os membros originais da Missão


Barnard/Sírus.

Estavam velhos e ficaram emocionados ao voltar para casa, 25 milhões de anos depois.

Os 15 mil dividiram-se em 6 grupos, cada grupo ocupando um continente.

Os alphas também voltaram para casa.

69

A noite chegou e a reação de todos foi a mesma. Olharam para o céu, em busca de
Alpha Centauri e Beta Centauri.

Mas após 25 milhões de anos, o céu havia se modificado. Havia novas constelações e
novas estrelas nas abóbadas celestes.

A constelação do Centauro não estava mais no hemisfério sul.

No entanto, havia uma estrela muito mais brilhante no céu: Alpha Centauri, que havia
se aproximado ainda mais do Sol.

Já a Lua havia se afastado e aparecia menor no espaço.

70

Às vezes visitamos nossos amigos alphas e betas. Não existiam outros seres racionais
nas imediações. Também éramos visitados por eles e mantínhamos colaboração
científica.

Decidimos desligar a Auto-Fonte e deixar as civilizações distantes para lá. Não


179

deveríamos incomodá-las ou ser incomodadas por elas. No entanto, ainda levariam


bilhões de anos para surgirem tais civilizações, porque o maldito parasita havia
exterminado com todas. Talvez existissem outros seres invisíveis, como os alphas e os
betas, mas jamais saberíamos.

Este era o princípio número um da exploração espacial: uma civilização não deve
incomodar outra.

Princípio número dois: uma civilização tem o dever de salvar outra do extermínio.

Foi o que fizemos com os alphas e foi o que os betas fizeram conosco.

71

Os humanos tinham agora outro objetivo.

Reconstruir a civilização humana. Éramos apenas 15 mil e tínhamos apenas mais 5


bilhões de anos, antes que o Sol se transformasse numa gigante vermelha e destruísse a
Terra.

72

Tudo bem, sei que exagerei. É que como os humanos haviam vivido 25 milhões de
anos, o que equivalia a 0,5% do tempo antes do fim do mundo. Além do que a Terra de
fato havia acabado ou seja, a vida na Terra havia acabado e agora estava sendo
reiniciada, 25 milhões de anos depois.

Por isso o ser humano estava com um sentimento de urgência em resolvera as coisas da
vida, como a continuidade da vida humana ou da vida terrestre.

Como os parasitas haviam destruído até os insetos, só o que havia na Terra agora eram,
além dos humanos, os galináceos, peixes e vegetais que nos serviam de alimento, além
das bactérias e vírus que nos acompanhavam costumeiramente.

Eu gostaria agora de contar a história de Richard Benkley Jr., meu avô.

Ele havia nascido em Terra Beta e chegou a Terra ainda bebê, no colo de minha bisavó
Tereza Grumieri, que era médica. Minha bisavó havia mantido relacionamento com o
astrônomo Richard Benkley, da Missão Barnard/Sírius.

Quando chegaram a Terra, vieram morar na região de origem de minha avó, que seria
São Paulo, junto com uma das cinco re-colônias que se espalharam pela América.
180

Nova York, Los Angeles, México, São Paulo, Buenos Aires. Estas seriam as cidades
que seriam reconstruídas. Em cada uma delas, trezentas pessoas construiriam suas casas
e suas roças, como se fossem os primeiros a chegar na América.

73

Destas 300 pessoas, havia 18 crianças, como vovô Richard Benkley Jr.

Aos 3 anos, ele começou a frequentar a escola, tornando-se historiador, aos 22.

Meu avô foi o primeiro a escrever livros sobre a experiência de seus antepassados.

Iniciou a busca por documentos enterrados, que contavam a história do planeta Terra.

Teve mais oito irmãos, pois as pessoas tinham agora muitos filhos, diferente dos
antepassados, que, quando muito, tinham um ou dois filhos.

74

Trinta anos depois do retorno, havia 1.000 pessoas em São Paulo.

Mais trinta anos, éramos 10.000.

Em um século, o número passaria de 300 para 50.000.

Esperávamos reconstituir os 6 bilhões de habitantes na Terra em 500 anos.

75

Meu avô teve 11 filhos.

Meu pai, Tiago Benkley, um deles.

Não quis seguir a profissão do pai. Tornou-se poeta, após ler os inúmeros livros de
poema que meu avô havia achado.

Embora tivéssemos aprendido o português, que era o idioma de São Paulo, continuamos
falando o dialeto espacial. Continuamos chamando comida de "tchu tchu". Só que era,
na verdade, o dialeto da Missão Barnard/Sírius, pois nossos avós haviam passado mais
de vinte anos ali dentro.
181

76

Meu bisavô, Richard Benkley, me convidou a visitar Barnard ou Sírius. Ele tinha esse
sonho de ir até lá, pois desde que nascera, tinha esse projeto.

Recusei.

O espaço era traumático para os humanos e poucos estavam interessados em sair do


planeta. Quando muito, visitávamos Alpha e Beta Centauri, mas eu mesmo nunca quis
sair daqui.

Passei a maior parte de minha vida aqui em São Paulo mesmo, embora tenha me
tornado arqueólogo, seguindo os passos de meu avô. Ajudei a descobrir muitas
instalações importantes aqui em São Paulo e as documentei.

Meu bisavô foi para Sírius e nunca mais voltou. Ficou por lá até morrer, embora
também realizasse algumas missões em Barnard.

77

Este livro que estou escrevendo é um resumo da história.

Comecei a escrever por sugestão de minha filha Maria Clara.

Porque ela tentou ler os livros do meu avô ou o livro de memórias do meu bisavô e
achou que eram muito longos e complicados.

De fato "O que aconteceu quando enfrentamos o Parasita", livro de memórias do meu
bisavô, com suas 2.558 páginas detalhadas e "História da Civilização Espacial", em 12
volumes, do meu avô, eram livros meio difíceis para crianças.

Então resolvi escrever um livro basiquinho, para minha filha e outras crianças lerem.
Claro que tive que consultar estes dois livros e outros, como o clássico "Ciência
Extraterrestre", do médico Contardo Ferrari, da Missão Barnard/Sírius, que o tempo
todo fez anotações científicas sobre a experiência.

Havia outros livros de memórias e livros científicos. Sociológicos, médicos, químicos,


psicológicos.

Os exobiólogos escreveram sobre os extraterrestres também. Havia livros dedicados não


apenas ao parasita, como também aos alphas, aos betas e a outros seres de outros
planetas e sistemas.
182

De imagens, tínhamos milhões de horas gravadas. Eu mesmo assisti a muitos


documentários e fiquei tão horrorizado que houve uma época em que eu tinha
pesadelos.

78

Muitos humanos têm pesadelos diários.

Alguns de nossos antepassados tinham pesadelos com os nazistas, mesmo sabendo que
eles estavam mortos e não voltariam a mandá-los a campos de concentração.

No entanto, a idéia de que os parasitas ainda estão em algum lugar e podem achar um
buraco para voltar ao Universo assombra muita gente, principalmente o pessoal da
Missão Barnard/Sírius, que teve de passar 23 milhões de anos escondida. Também
havia o receio de que em alguma parte do Universo acabaria surgindo outro ser
ameaçador à espécie humana.

79

Quando a nave do retorno, construída em Terra Beta, pelos betas, chegou à Terra com
os 15 mil humanos, a experiência sensorial foi a mais excitante.

Não apenas aqueles que não andavam de pés descalços e sentiam o vento batendo no
rosto há 25 milhões de anos, ficaram abobalhados, como também aqueles que haviam
nascido no espaço, crescido em ambientes fechados, sem céu, com a mesma
temperatura e a mesma iluminação e ausência de gravidade.

A primeira sensação era a dificuldade em se mexer, pois o corpo era puxado para a
terra.

Em seguida, o vento, a ofuscante luz do Sol, temperaturas muito mais baixas do que lá
em cima.

Estávamos numa era glacial e nos trópicos a temperatura chegava a no máximo, dez
graus, no verão, durante o dia.

O pessoal que foi para os continentes ao norte tiveram de enfrentar temperaturas de


mais de 50 abaixo de zero.

Decidimos não tentar mudar o clima do planeta. A Terra deveria ter seus motivos para
ficar gelada de vez em quando.
183

Nossos avós descobriram também a chuva, a neve e a noite. O mar e as montanhas e o


restante da natureza terrestre, que ainda tentaremos reconstruir, pelos próximos 500
anos.

80

O Departamento de Saúde Mental da Universidade Espacial, mesmo antes de 2.061,


quando partiu a primeira Missão Alpha Centauri, já discutia os efeitos psicológicos,
neurológicos e endocrinológicos daqueles que passavam muito tempo no espaço.

Não apenas os efeitos patológicos da falta ou excesso de oxigênio ou a falta de


gravidade, às vezes excesso de gravidade, causavam alterações no comportamento dos
espaçonautas, mas também o fato de sentirem-se "mortos" ou "mais perto de Deus", por
não estar protegidos pelo planeta natal e seu solo e sua abóbada celeste, causavam
efeitos psicológicos.

A maioria dos cosmonautas desenvolvia um intenso misticismo, outros sofriam


alucinações com seres imaginários que lhes apavoravam ou lhes davam ordens.

Em seguida, surgiam os crimes. Assassinatos, suicídios, estupros, entre outros.

Entupir os exploradores espaciais de remédios não trazia resultados a longo prazo, além
do quê, muitos se queixavam de não conseguir raciocinar direito ao tomar os
medicamentos.

Surgiu então uma solução cruel mas indispensável:

Desenvolver uma geração cosmonáutica.

Ou seja, incentivar o nascimento de humanos no espaço, para que estes fossem


preparados desde crianças para a exploração espacial. E também trazer crianças da
Terra.

Meu bisavô, Richard Benkley, nasceu na Estação Orbital de Júpiter, a maior estação
espacial depois da Universidade Espacial.

Era filho de dois agentes de manutenção da estação e havia crescido com a presença do
gigante gasoso lá fora.

Aos 4 anos de idade, tinha 1,15m de altura e entrou na Escola Virtual, gerada desde a
Universidade Espacial e dedicada ao ensino fundamental das crianças que nasceriam no
espaço. Todos os dias saía do alojamento de seus pais e flutuava em direção à ala
infantil da estação, onde estudava junto com outras 16 crianças.
184

Ele havia nascido em 2049.

Os professores não incentivavam os alunos a seguir as profissões dos pais. No entanto,


o currículo era de tal maneira voltado para a cosmonáutica, que ao chegar à idade
adulta, nenhuma criança iria desenvolver outro tipo de vocação além da exploração
espacial. As aulas, originalmente ministradas em vários idiomas, aos poucos foram
absorvendo o dialeto espacial.

Aos 10 anos, Richard Benkley já sabia a sua vocação: astronomia.

Aos 15, ingressou na Universidade Espacial, onde logo no primeiro ano foi convidado a
fazer parte da Missão Barnard. Por um motivo: não sofria de qualquer distúrbio de
comportamento.

A Universidade Espacial estava satisfeita com a estratégia de fazer nascer uma


verdadeira civilização astronáutica.

Os membros da Missão Alpha Centauri 1foram escolhidos por inteligência e capacidade


técnica.

Os tripulantes da Missão Barnard, que já estava em desenvolvimento desde 2062,


seriam escolhidos por estabilidade emocional.

81

Em 2.065, no entanto, a Terra recebeu um comunicado da Missão Alpha Centauri: o


acidente terrível com Santa Maria.

A ONU deu ordens para que as naves fossem concluídas imediatamente e a Missão
Barnard fosse convertida em Missão de Apoio e Resgate a Missão Alpha Centauri 1.
Mas a Universidade Espacial mudou o nome, informalmente, para Missão Alpha
Centauri 2. Teve gente até que começou a dizer "MAC 2".

Como Richard Benkley era estudante de astronomia, seria instalado numa das Naves de
Apoio, mas como não sobrou espaço, foi designado para a Nave de Resgate, onde
aproveitaria para analisar de perto aquela região do Cinturão de Oort.

(As áreas mais longínquas da Terra do Cinturão de Oort, como aquelas que ficavam nos
topos dos hemisférios, eram pouco estudadas). E para falar a verdade, ninguém nunca
tinha chegado ali, fossem naves tripuladas ou não, pois ficavam a 1 ano-luz de distância
da Terra, ou 25 vezes mais longe do que Plutão.

O Cinturão de Oort era o limite do Sistema Solar. Era o berço dos cometas e, diziam, a
origem da vida na Terra.
185

Que você acha disto, Maria Clara? Só estamos aqui porque meu avô não teve lugar na
nave certa.

Nesta época ele ainda não pensava em se reproduzir e mantinha só alguns


relacionamentos sem compromisso com algumas garotas da nave, como fazia na
Universidade Espacial.

Benkley era dos "estrelonautas" (como às vezes chamavam aqueles que deveriam visitar
outras estrelas) mais jovens da Missão Alpha Centauri 2. Era um dos que chamavam a
missão de MAC 2. Eles só não mudaram o nome da Nave de Resgate, pois achavam
esse nome bonito e importante.

82

Um ano e meio depois, chegaram no Cinturão de Oort e começaram a procurar Santa


Maria, mas ela havia desaparecido, como já relatei.

Ficaram por ali quase três meses, até relatar que possivelmente Santa Maria havia se
desintegrado.

Mandaram mensagem a Terra: não iriam seguir para Alpha Centauri, pois lá já tinha
muitas naves terrestres.

Já que a ordem era resgatar Santa Maria e trazer de volta a Terra, como não
encontraram a nave, decidiram partir para Sírius. E assim mudaram por conta própria o
nome para Missão Sírius, mas depois trocaram o nome para Almagesto, como contei
também.

83

Um ano depois, surge Ptolomeu, no Clube dos Tripulantes.

Ptolomeu se estica todo, engole Almagesto e coloca a nave na sua subdimensão.

Os tripulantes enlouquecidos de Santa Maria são capturados.

Ptolomeu conta a todos que um parasita em Alpha Centauri iria dominar todos os
humanos, por isso tinham que ficar ali escondidos.

Isso tudo você já sabe.


186

84

O que não sabe é que Richard Benkley apaixonou-se por um membro da tripulação de
Santa Maria: a médica Tereza Grumieri, de 39 anos, que estava em tratamento
psiquiátrico, no hospital de Almagesto.

Mas ela não se interessou por um guri de 16 anos, nem por nenhum outro homem.

Seis semanas depois, quando já se sentia melhor, pôde atuar no hospital como médica,
não mais como paciente.

Richard a visitava diariamente, na esperança de que ela o aceitasse, mas ela recusava o
galanteio sempre.

Meu avô acabou se envolvendo com outras mulheres mais jovens, da tripulação de
Almagesto e teve, segundo contou, mais de 40 filhos lá dentro. Havia pouca
monogamia.

E durante 23 milhões de anos, ficou ali na subdimensão analisando o avesso do


Universo.

85

Até que avistaram as sondas da Nave de Investigação e as perseguiram, chegando em


Beta Centauri.

Lá em Beta, Richard voltou a se apaixonar. Por Helena Grimm, exobióloga de 45 anos.

Agora Richard tinha 39 anos e não seria rejeitado.

Ele e Helena iniciaram um flerte, mas Tereza ficou enciumada e deu em cima do meu
bisavô. Estava com 62 anos mas havia descoberto que não queria passar o resto da vida
sozinha.

Como havia esnobado todo mundo, dentro de Almagesto, ao chegar em Terra Beta,
percebeu que ninguém mais se interessava por ela.

Richard decidiu aceitá-la. Ainda era uma boa coroa.

Casaram-se e tiveram um filho, Richard Benkley Jr.

Meu avô decidiu dar este nome a ele pois seria o primeiro filho que ele cuidaria
pessoalmente. Seria seu xodozinho.
187

86

Minha filha pediu mais detalhes da Missão Alpha Centauri 1 pois não falei dela ao
longo do livro todo.

Alguns dias atrás foi localizada por acaso, pelos alphas, a caixa-preta de Nina, perdida
no Cinturão de Finados.

Foi trazida por eles e entregue a Universidade de São Paulo, centro de referência em
historiografia espacial.

Estamos analisando os dados. O trabalho vai levar muito anos, mas já dá para
compreender os últimos momentos de vida de Nina, antes do choque com um cometa no
Cinturão de Finados.

O que os tripulantes, formados por cientistas (75%), técnicos (15%) e operadores (5%)
propuseram-se a fazer, assim que saíram da Terra?

As naves não passariam por nenhum planeta solar, pois Alpha Centauri fica no
hemisfério sul, mas também pode ser vista no hemisfério norte.

Quando acabou o período glacial, cerca de 10 mil anos antes de Cristo, nossos
ancestrais olharam para o céu e enxergaram desenhos formados pelas estrelas.

Ali onde há Alpha Centauri e também o Cruzeiro do Sul, os antigos enxergaram um


centauro. Figura mitológica formada pela metade do corpo de um cavalo e metade do
corpo de um homem. Um artrópode de seis membros...

Ptolomeu, astrônomo grego, resolveu organizar todas as estrelas que poderia ver, em
seu livro Almagesto. À estrela mais brilhante da constelação do Centauro, deu o nome
de Alpha Centauri.

Mas ela era a terceira mais brilhante do céu, após Sirius e Canopus que, no entanto,
ficam mais longe do que Alpha Centauri.

Depois descobriu-se que Alpha Centauri era formada por três estrelas e este tipo de
formação era o mais comum no Universo. Raramente uma estrela nasceu e cresceu
sozinha, como o Sol.

E curiosamente, quando estávamos em Beta Centauri ou outras estrelas distantes,


quando olhávamos para o Sol, ele sempre estava no meio de um aglomerado de estrelas
formado por Alpha Centauri, Barnard e outras.

E então Alpha Centauri enviou mensagem a Terra.

E os tripulantes da Missão Alpha Centauri tinham medo do que poderiam encontrar pela
frente. Por isso, o que se dedicavam mais, informalmente, era descobrir o significado
188

daquele sinal.

Diariamente observávamos Alpha Centauri, na esperança de que as características do


sistema estelar nos indicassem o significado daquele som.

Rolando Menares, de quem falei, no capítulo 11, era agente de manutenção de Santa
Maria.

Ninguém conhecia melhor aquela nave mas com o tempo ele passou a não monitorar
tanto o funcionamento da mesma, delegando a responsabilidade para os computadores e
robôs.

Mesmo assim, sempre dava um jeito de passar pela monitoria dos propulsores, para ver
aquela linda e triste moça chamada Disajef Judo.

87

Rolando conhecia Disajef da Universidade Espacial, mas lá ela mantinha


relacionamento com um dos desistentes.

A paquera durou aproximadamente um mês, até Rolando levar Disajef para seu
alojamento pela primeira vez e iniciaram um romance caloroso.

Dois anos depois, no Cinturão de Oort, a nave teve aquele problema mas Disajef foi
uma das desaparecidas.

Ante de sair da nave, Rolando vasculhou todas as instalações, mas não achou sua
mulher em nenhum lugar.

Bastante deprimido, foi obrigado a sair de Santa Maria, ingressando em Nina.

88

Em Nina, Rolando ganhou um novo alojamento, quando terminaram de construir novos.

E foi em seu novo alojamento que Rolando começou a ter alucinações com Disajef,
dizendo que deveria traduzir o sinal de Alpha Centauri, pois iria "descobrir a verdade".

Ele comentou o fato a seus colegas que aos poucos começaram a ter alucinações
semelhantes.

Uns viam seus pais, outros viam professores da Universidade Espacial, alguns viam
deuses, outros, diabos.
189

Um exobiólogo, o canadense Tom Kalimo, tentou matar Rolando, mas este se defendeu
e conseguiu tomar sua barra de ferro, matando-o.

Rolando, sem saber o que fazer, começando a demonstrar esquizofrenia, jogou o corpo
na piscina.

Em seguida, o corpo foi retirado por outros esquizofrênicos, que o assaram e comeram.

Até que um dia tocaram a campanhia da cabine de Rolando. Ele abriu, armado com a
barra de ferro, mas a psiquiatra Ana Michels, peruana, disse a Rolando que todos os que
estavam traduzindo o sinal deveriam comparecer à sala de comando, para encontrar
Moisés.

- Moisés, aquele da Bíblia. - ela falou. - Ele está aqui.

Rolando subiu ao quinto andar e se entrou na sala de comando.

- O que é isso, à frente? - perguntou Rolando, referindo-se ao Cinturão de Finados.

- É Moisés, respondeu Dr. Willian Bunkeh, médico congolês, observando o Cinturão de


Finados.

- Qual a tradução do sinal? - perguntou Rolando.

- Alpha Centauri é Deus. - respondeu Bunkeh e os outros confirmaram com gritos de


aprovação.

Rolando concordou com eles. Estavam corretíssimos. Alpha Centauri era Deus!

89

- Não devemos contar a Pinta. - sugeriu Rolando. - Se eles souberem que descobrimos
que Alpha Centauri é Deus, virão aqui nos matar.

- Por que diz isto, irmão? - perguntavam.

- Porque os escolhidos vieram para Nina e os inimigos ficaram em Pinta.

- Sim, tem razão, irmão Rolando tem razão!

Nina abandonou a ciência e nos quatro anos de trajeto ao Cinturão de Finados, que
crescia na janela da sala de comando de Nina, desenvolveram o culto ao Cinturão, que
consideravam Moisés, protegendo Jeová, dentro de dele.

Mas alguns tripulantes de Nina deixaram de acreditar na doutrina do Doutor Bunkeh e


tentaram convencer os outros tripulantes de que estavam loucos, mas foram mortos por
estes e jogados na psicina, que era onde consideravam que deveriam "curtir"os mortos,
190

antes de comê-los.

Pinta, por sua vez, estava com tantos problemas semelhantes, que não tinham tempo de
monitorar as atividades em Nina. Esta respondia de maneira evasiva, quando contatada
por Pinta.

Faltando um ano para chegar no Cinturão de Finados, a seita "lembrou-se", baseada em


conceitos bíblicos, de que ser humano algum deveria ver Deus.

E portanto, Nina deveria ser destruído.

90

Não se lembraram do dispositivo de auto-destruição, que poderia ser acionado se a


tripulação acreditasse que suas vidas ou a vida terrestre pudesse correr perigo.

Preferiram chocar Nina com um cometa do Cinturão, mas para isto, tiveram que
desligar a auto-navegação, pois jamais conseguiriam fazer a nave se chocar com algum
corpo.

Não foi fácil. A auto-navegação não era opcional, mas um dispositivo incluído na
construção das naves, na Universidade Espacial.

Tiveram que abrir um buraco na fuselagem para destruir o processador que ligava os
sensores da nave aos propulsores. Como os propulsores foram desligados
imediatamente, através de outro dispositivo de segurança, tiveram que religá-los sem a
auto-navegação.

Um dia antes do choque, a tripulação esquizofrênica de Nina enfim entrou em contato


com Pinta, para tentar convencê-los de que não deveriam invadir Alpha Centauri, pois
humanos não poderiam ver Deus.

Parte da tripulação de Pinta acreditou no que diziam, pois também estavam sofrendo de
distúrbios mentais, mas os sãos da nave conseguiram imobilizá-los. Mas eles
conseguiram cometer suicídio, no hospital, roubando vasodilatadores da farmácia e
injetando altas-doses em seus corpos.

Nina chocou-se com um cometa de 100 km2, a 150 mil km/s, sendo pulverizada
imediatamente.

91
191

Olá, minha trineta, estou feliz que você tenha me escrito.

Hoje é muito melhor viajar e viver pelo espaço, pois recebemos mensagens em tempo
real, embora o Congresso da Terra (instituição outrora de ficção científica que se tornou
uma realidade, graças ao Parasita) queira proibir todo o tráfego extradimensional.
Projeto de lei inútil pois as leis da Ciência não podem ser regidas por leis políticas. Nem
sequer as leis da Natureza são regidas por leis dos seres vivos. Observe os humanos, os
nossos amigos alphas e betas, podemos vencer as leis do Universo, pois muitas vezes
nossa sobrevivência depende disto.

O Parasita foi criado pelas estrelas solares de Alpha Centauri (que seu pai erroneamente
chama de estrelas gêmeas, pois não são gêmeas). Com a melhor das intenções - queria
semear vida por todo o Universo -.Isto não aconteceu pois os alphas haviam
desenvolvido sua extradimensionalidade, bem como os betas. E com a ajuda de uma
invenção humana, a Auto-Fonte, conseguimos destruí-lo ou como acreditam alguns,
expulsá-lo para outro Universo.

Isto me faz pensar: para garantir nossa sobrevivência, enviamos a morte para outro
lugar. Estaria o maldito destruindo os possíveis seres vivos que lá existam? Talvez não
devêssemos um dia visitar tal lugar e fiscalizar o comportamento deste ser em seu novo
lar?

Imagine os riscos que correríamos... O ser humano quase finalizou a espécie humana
por culpa de uma visita à estrela mais próxima. E se estamos vivos, foi graças a um
acaso: o acidente com Santa Maria, que isolou os últimos sobreviventes da espécie
humana.

Não fosse pelo acidente, todos chegaríamos em Alpha Centauri e a espécie humana
estaria extinta, neste momento, como estão bilhões e bilhões de espécies no Universo.

Maria Clara, você já parou para analisar o quanto nosso pensamento deve escolher
caminhos antagônicos a ser seguidos?

Explico: ou temos que acreditar que a vida é feita de acasos, como o que garantiu a
sobreviência da espécie humana ou temos que acreditar que na vida não há acaso
nenhum, que tudo é predestinado.

Não acredito na segunda hipótese. Não acredito que uma inteligência superior (Deus,
por exemplo) tenha predestinado a destruição de quase toda a vida espaço-temporal do
Universo.

Mas há a teoria matemática do "Deus Intelligens Decurrens", o Deus que evoluirá a


partir dos seres inteligentes, com 100.000 de QI e capacidade para reiniciar o Universo
tantas vezes quanto necessário. A teoria coincide com a dos Supra-Racionais, dos betas.
Os betas relatam a existência de seres tão inteligentes que vivem à parte de todos os
192

Universos e todas as dimensões (leia "Civilização Extraterrestre", do meu amigo


Contardo Ferrari).

Talvez esse Deus Intelligens Decurrens ou os Supra-Racionais tenham decidido


exterminar todas as civilações ou quase todas, com algum objetivo que nossa
inteligência não é capaz de assimilar.

Respondendo sua pergunta inicial, estou bem sim. Ter 98 anos no espaço é diferente de
ter 98 anos na Terra. Não esqueça que tenho muito mais do que 98 anos. Passei 25
milhões de anos escondido, mas pareceram 25 apenas.

Minha rotina na Estação Orbital Média de Sírius não é entediante, como muitos
poderiam pensar.

Tenho dormido bastante, oito ou dez horas seguidas. Não posso dizer que durmo oito ou
dez horas por noite, porque aqui não tem noite, só um eterno dia, graças às gigantes de
Sírius.

Faço o desjejum e em seguida exercícios. No espaço temos que fazer mais exercícios do
que na Terra.

No refeitório e no Clube dos Exploradores, sempre nos relatam muitas novidades.

Quando chego no meu gabinete, há toneladas de relatórios que tenho que resumir e
enviar a Terra, para ser publicada na Tela.

Após o almoço é o mesmo. Descanço após o jantar. Deito em minha cama (porque a
E.O.M.S. tem gravidade artificial, felizmente!), coloco meus fones-de-ouvido e ouço
boa música até adormecer.

Nenhum dia é igual ao outro, acredite. Claro que não tenho mais a empolgação de ir lá
para baixo, com os jovens. Deixo a pesquisa de campo para eles.

Fico aqui. Escreva-me sempre, pois vou me sentir em casa.

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Maria Clara, minha trineta querida, como vai?

Fico sempre muito feliz em receber suas mensagens.

Sim, já estou recuperado do acidente. A E.O.M.S. está bem também, é uma estação
muito forte e o trabalho dos robôs foi perfeito. Os robôs estão cada vez mais
inteligentes, embora não saibamos se um dia terão raciocínio natural, como o nosso.
Contardo Ferrari diz que não pode haver dois seres inteligentes num mesmo mundo.
Um sempre acaba dominando o outro. Ele cita o exemplo dos alphas e betas. Pareciam
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nossos aliados mas nossa sobrevivência dependia da boa vontade deles. Enquanto a
Estação era consertada, fiquei esperando na Estação Exterior.

Respondendo a suas perguntas:

1 - Sim, ainda tenho pesadelos. Todos os que enfrentaram o Parasita tem.

2 - Não, não acredito em Deus. Acho que poderíamos ter desconfiado, de alguma
maneira, da existência dele. Claro que você pode acreditar em Deus, mas não deixe que
isso interfira em sua sanidade mental. Lembre-se do que aconteceu nas primeiras
missões interplanetárias. E como eu já disse, há a teoria do Deus Intelligens Decurrens e
a lei que diz: "Se Deus ainda não existe, um dia vai existir, pois Deus é a evolução
natural dos seres inteligentes".

3 - Sim, é verdade que estou me relacionando com uma pessoa.

4 - A Vacina Atômica que você tem em seu cérebro é totalmente segura. Não a remova
jamais.

5 - Concordo que a Tela Neural é modismo. Uma inovação científica só se torna


cultural, como a Tela comum, quando aprovada espontaneamente por toda a
humanidade, como foi o telefone, o computador, a televisão, etc. Tanto é que todos
estes artefatos foram fundidos num só, a Tela. Mas já na época em que surgiu eu já
ouvia falar da tal Tela Neural e nunca acreditei que se tornasse cultural. Para falar a
verdade, o ser humano é uma espécie caracteristicamente discreta, que necessita de uma
certa privacidade. É a nossa natureza.

Agora tenho duas perguntas a você:

1 - Já leu meu livro inteiro? O do seu pai é muito vago e cheio de erros, não entende
nada da Ciência Espacial, embora eu reconheça que escreveu um livro introdutório
empolgante sobre a Experiência, bom para crianças mesmo. Curiosamente ele conta
histórias que eu desconhecia completamente, como a do bunker na Antártica. Será que
ainda existe? Já que seu pai é arqueólogo, mande-o investigar. Estou lhe enviando um
livro muito legal, escrito por Jonatas Anello, nascido na Missão Sirius. Ele era filho de
um dos resgatados de Santa Maria. É o ponto de vista de alguém nascido em outra
dimensão e que veio morar na Terra. Imagine como deve ser a psicologia de alguém que
cresceu como um espírito desencarnado... Por isso o livro dele se chama "Eu, Alma
Penada". O livro dele livro me causou o mesmo impacto dos livros de Primo Levi sobre
o Holocausto, que eu espero que você leia também, caso ainda não tenha lido.

2 - Quando você vem me visitar? Já pensou em fazer uma viagem interestelar? Ver o
Sol a partir de outra estrela é muito interessante.

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Meu bisneto, como vai?

Já li seu livro e vou fazer uma crítica completa. Mas primeiro, gostaria de saber mais
detalhes do abrigo dos cientistas na Antártica, que nunca ouvi falar. Quem lhe contou
isto? Existe alguma equipe investigando o local? Você mesmo conta que era uma
agência militar ultra-secreta.

Mande notícias sempre, pois sinto falta de vocês. Não posso visitar a Terra, por
enquanto.

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Foi a última mensagem do meu bisavô, que dormiu e não acordou mais. Agora ele
nunca mais teria pesadelos. Não pude contar a ele como descobri a história do abrigo
antártico.

Não sei se vou publicar este livro.

Porque tento descobrir como eu sabia a história do abrigo e não consigo.

Na busca da minha biblioteca particular, não achei nenhuma referência ao abrigo.

Na biblioteca da USP também não.

Pensei em consultar outras bibliotecas mas temi que se os Sobreviventes soubessem de


alguém que conhecia um segredo da invasão, me convocassem para esclarecimentos.

Pois todas as instituições do mundo são comandadas por Sobreviventes.

Aqui em São Paulo a promotoria não tem muito o que fazer, então eu seria um prato
cheio.

Decidi escavar a Antártica em busca das provas.

Só não sabia como conseguiria recursos para ir até lá. A USP me forneceria material
facilmente, desde que apresentasse uma tese.

Mas eu não tinha nenhuma fonte.

Não poderia obter financiamento particular, pelos mesmos motivos: as grandes


empresas estão também nas mãos dos Sobreviventes.

Fui ter uma conversa particular com o Doutor Álvaro Sobral, diretor do Departamento
de Arqueologia da USP.
195

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- Doutor, preciso ir a Antártica.

- Claro. Busca o que, lá?

- O Exército americano tinha um bunker lá, onde escondeu muitos cientistas


importantes, durante a Invasão.

- Nós não podemos escavar um terreno do Exército americano.

- Este é o problema. Eles não sabem que aquilo existe. Era um abrigo ultra-secreto
construído por uma agência ultra-secreta criada pela ONU.

- Como você sabe?

- Este é outro problema. Eu também não sei. Acho que ouvi falar quando criança, não
sei. Eu não tenho nenhuma fonte, mas eu sei que este sítio existe.

- Que coisa complicada...

- Veja, Doutor, no lugar havia antes um laboratório soviético de pesquisas do gelo. Os


russos da Universidade de Paris não vão reclamar.

- Vai ser uma pesquisa falsa?

- Doutor Álvaro, talvez neste abrigo tenha anotações científicas que sejam como pedras
preciosas. Sabe quem foi abrigado lá? Os criadores da Auto-Fonte.

Doutor Álvaro se esparramou em sua poltrona. Parecia o Rei da Espanha mandando


Cristóvão Colombo para a América.

- Vá o mais rápido que puder. - sentenciou o arqueólogo-chefe da USP.

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Num jato dos Correios (colaboradores extensos do nosso departamento), eu, minha
equipe e os robôs viajamos para a Antártica.

O jato pousou no local exato, perto do pólo sul, onde só havia, óbvio, gelo.

O jato partiu.

Parte dos robôs começaram a construir nosso alojamento e a outra parte a cavar 25
milhões de anos de gelo.
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Morrendo de frio, aguardamos ansiosamente o término da construção do alojamento.

E só uma coisa rondava minha cabeça, enfiada dentro do capuz pesado que me protegia
dos -70o C: como eu sabia em detalhes aquilo tudo.

E no fundo, eu não tinha vontade de encontrar lá no fundo, nada. Não queria que meu
conhecimento fosse comprovado e provado. Eu queria estar enganado.

Mas não estava.

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A 3.476m, os robôs acharam o abrigo.

Os vestígios das raízes das plantas azuis, que eu encontrava em todas as escavações,
estavam lá também. Mas foi o sítio arqueológico mais bem conservado que encontrei
em minha vida.

Depois que os robôs fotografaram tudo, recolhemos as roupas caídas no chão e


entregamos aos mesmos robôs para que guardassem nos contâineres.

Guardamos os processadores pessoais para analisá-los e também arquivos e documentos


em papel.

Começamos a decifrar tudo, enquanto os robôs desmontavam o abrigo e o traziam para


o laboratório. Iríamos analisá-lo microscopicamente. Não tínhamos planos de guardar
ruínas, como fazíamos em outros lugares.

Textos escritos em dezenas de idiomas. Os cientistas tentaram registrar seu


conhecimento da melhor maneira, mas evidentemente não tiveram tempo, pois os textos
se encerravam abruptamente.

Lá no meio, o projeto da Auto-Fonte.

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Voltei para São Paulo numa excitação inédita. Meu pavor havia dado lugar ao êxtase,
desde que tive em minhas mãos o projeto da Auto-Fonte, escrito à mão, por um batalhão
de cientistas.

Também havia outros estudos interessantes, sobre medicina, sociologia, etc. Não sei o
que ainda poderia ser aproveitado.
197

Mas à noite, cheguei em casa, deitei em minha cama e fiquei pensando...

Como eu sabia? Como eu sabia? Como eu sabia? Como eu sabia?

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Hipótese.

Eu estava infectado por uma espécie latente do Parasita.

Estava hospedado dentro de mim, esperando o momento certo de se manifestar.

Talvez não pudesse se manifestar, restrito pela Vacina Atômica.

Mas iria se manifestar um dia.

Já estava tentando se manifestar, gerando, por exemplo, um pensamento em mim.

Não, não, não, não, era tudo paranóia isto.

O Parasita estava totalmente banido e a Vacina Atômica era completamente eficaz.


Eliminaria o Parasita antes que eu pudesse perceber ter sido infectado por ele.

Restava a dúvida: como eu sabia do abrigo antártico?

100

Tive a resposta quando cheguei no Aeroporto Campo de Marte, uma das edificações
antigas, que havia sido reconstruída. Na verdade, aproveitaram só a planície e
construíram outro aeroporto por cima.

Ao passar pelo check in, o alarme soou.

Os policiais me chamaram e me revistaram.

Perguntaram-me porque eu estava emitindo tanto raio X. Estava com alguma bomba em
meu corpo?

Bomba? Impossível. Podem me revistar o quanto quiserem, falei.

Voltaram a me revistar e mais uma vez me disseram que eu estava radioativo e deveria
ser levado a um local isolado, no aeroporto.

Fiquei quinze minutos numa salinha do setor de manutenção do aeroporto, até chegar o
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Grupamento de Operações Táticas Especiais da Polícia Federal.

Coloram-me um macacão anti-radioativo e me levaram ao setor de descontaminação do


Hospital Municipal.

Diagnóstico: eu estava emitindo raios X.

Em outras palavras, mutação genética.

Fizeram um exame e descobriram um gene novo em meu DNA.

Analisaram também minha família e todos tinham o mesmo gene, mas só estava se
manifestando em mim.

Eu fechei os olhos e me concentrei. Imaginei que a emissão de raio X era reduzida e o


contador a meu lado imediatamente retrocedeu abruptamente.

Fiquei brincando com o aparelho. Com minha mente, podia controlar a emissão de raio
X.

A alteração genética surgiu em Alpha Centauri.

Não era um parasita só, mas dois, da mesma família.

Um evidentemente agressivo e ao mesmo tempo limitado.

Outro, aparentemente inofensivo mas que havia penetrado até mesmo na subdimensão
dos alphas e se instalado em nosso DNA.

Por isso eu sabia segredos dos Parasitas, como o abrigo. Porque o ultra-violeta e o raio
X guardavam a mesma memória.

101

Os mamíferos não botam ovos por culpa de uma virose que alterou nossa genética.

O mesmo aconteceu com o raio X.

Teria este parasita escolhido uma maneira pacífica de sobreviver no Universo?

Ou estaria preparando o ataque?

Por via das dúvidas, melhor retirar o gene de nosso DNA.

Mas como alterar a genética de insetos, bactérias, vegetais? Todos estavam adulterados,
inclusive os alphas e os betas.
199

[fim]

escrito em Guarulhos e São Paulo, entre julho e agosto de 2005

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