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Apostila - A Hora Do Jogo

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PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLOGICA

A Hora de Jogo Diagnóstica

Organizado por: Maria Elisa De Lacerda Faria e Miriam Mardine Gimenes


Orientadora e Supervisora: Mirian Exel

2
INTRODUÇÃO
Quando falamos de etapas fundamentais de desenvolvimento infantil, não
podemos deixar de citar Donald Woods Winnicott, que encontrou um interessante
campo de estudo nessa área. Winnicott, nasceu em 1896 numa família rica de
comerciantes em Plymouth, na Inglaterra.
Em seus trabalhos constatou a importância do brincar e dos primeiros anos de
vida na construção da identidade pessoal. O interesse de Winnicott pelo estudo da
construção da identidade veio da percepção da influência sufocante da mãe
depressiva em sua personalidade.
Muitos dos conceitos, elaborados pelo psicanalista, referem se ao
"Desenvolvimento Emocional Primitivo" uma vez que os problemas da fase adulta
estariam vinculados a disfunções ocorridas entre a criança e o ambiente – ambiente
este representado geralmente pela mãe. Para Winnicott não existe essa coisa
chamada bebê, em outras palavras, não tem como haver criança sem uma mãe, daí
a ideia de uma mãe suficientemente boa1.
Segundo Winnicott (ANO) "o holding é o somatório de aconchego, percepção,
proteção e alegria fornecidos pela mãe", começa como algo vital, como o oxigênio e
a alimentação, e se dilui conforme o bebê cresce.
A fim de dar um lugar ao brincar, postulei a
existência de um espaço potencial entre o
bebe e a mãe. Esse espaço varia bastante
segundo as experiências de vida do bebe em
relação à mãe ou figura materna, e eu
contrasto esse espaço potencial (a) com
mundo interno (relacionado a parceria
psicossomática), e (b)com a realidade
externa ou concreta (que possui suas
próprias dimensões e pode ser estudada
objetivamente, e que, por muito se possa
parecer variar, segundo o estado do
indivíduo que a está observando, na verdade

1
Mãe suficientemente boa = aquela cuja percepção - consciente ou inconsciente - das necessidades do
bebê a leva a responder adequadamente aos diferentes estágios do desenvolvimento, levando a criação de
um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento da criança. Nomeado por Winnicott de holding -
cuja melhor tradução seria colo.

3
permanece constante). (WINNICOTT, ANO.
P. 63)
O acolhimento adequado pode, portanto, ajudar uma criança regida por um self
falso2 - geralmente boazinha e obediente, a se tornar mais espontânea. Trata-se de
adotar sempre uma postura tolerante e criar condições para que a criança desfrute
de liberdade. Nada mais importante, nesse sentido, do que o papel da brincadeira -
fundamental para Winnicott, não apenas na infância, por misturar e conciliar o manejo
do mundo objetivo e a imaginação.
O movimento da psique entre o mundo das coisas e as fabricações da mente é
uma atividade transicional, adjetivo fundamental na obra de Winnicott. O conceito
mais conhecido é o de objeto transicional, representado classicamente pelo
“cobertorzinho” a que muitos pequenos se agarram numa determinada fase.
Dessa forma, o objeto transicional prolonga o período em que o bebê se
acredita onipotente, enquanto ele substitui essa crença com a aceitação de uma
realidade sobre a qual não tem controle nem pode modificar por meio da imaginação.
O bebê se vê com poderes mágicos e, com o tempo, percebe a ilusão. Mas, com as
brincadeiras e o aprendizado do mundo, a criança, o adolescente e o adulto retêm o
poder de criar e adaptam-se às possibilidades reais.
A partir da Hora do jogo Diagnóstica podemos utilizar da teoria na prática
psicológica. A hora do jogo é um recurso ou instrumento técnico que instrumentaliza
as possibilidades comunicacionais para depois conceituar a realidade da criança,
criando um campo estruturado (espaço, tempo, explicitação de papéis e finalidade),
graças a um enquadramento, em função das variáveis internas da personalidade. E
o brinquedo se faz como um mediador e atualiza no aqui e agora um conjunto de
fantasias e de relações de objeto através do brincar.

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Falso Self é uma manifestação de doença neurótica, quando não, mesmo psicótica. O indivíduo distancia-
se da expressão e contato com a realidade. Sua vida adulta seria vivida através de uma fachada, falsa,
epidérmica e adaptada. O seu corpo produziria movimentos de ocultação e cresceria exatamente identificada
com a mãe ou quem quer que no momento dominou o seu quarto.
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Durante a hora de jogo diagnóstica existem alguns indicadores que necessitam
ser analisados:
1) Escolha de Brinquedos e brincadeiras
2) Modalidade de brincadeiras
3) Personificação
4) Motricidade
5) Criatividade
6) Capacidade Simbólica
7) Tolerância a frustração
8) Adequação a Realidade
O psicólogo deve estabelecer algumas instruções e definir seu papel durante a
hora do jogo diagnóstica. Os papeis devem ser bem definidos, deve haver limitação
de tempo e do espaço, qual material será utilizado e os objetivos da brincadeira.
Podendo exercer um papel passivo, como observador, ou ativo. Entretanto, há
necessidade de atenção na formulação de hipóteses. A sala não deve ser muito
pequena, deve conter com pouco mobiliário, paredes e piso laváveis e ter água. O
objetivo do psicólogo é de criar boas condições para que a criança possa brincar com
maior espontaneidade possível. A função específica do psicólogo consiste em
observar, compreender e cooperar com a criança.
Além disso, é preciso estar atento par ao
estabelecimento de vínculo real e concreto com a
criança. O brinquedo torna-se um objeto
intermediário que prolonga e diversifica o vínculo.
A hora do jogo diagnóstica implica
estabelecimento de um vínculo transferencial
breve, cujo objetivo é o conhecimento e a
compreensão da criança.
A criança não só estabelece uma transferência positiva e/ou negativa com o
psicoterapeuta como também é capaz de estruturar, através dos brinquedos, a
representação de seus conflitos básicos, suas principais defesas e fantasias e
doença e cura, deixando em evidência seu funcionamento mental.

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1) Escolha de Brinquedos e brincadeiras
O brinquedo é a comunicação do tipo espacial, o processo primário atua na
condensação, atemporalidade e deslocamento. É na situação do brinquedo que a
criança procura relacionar com o real, experimentando-o a seu modo, procurando
construir e recriar a realidade. Através do brinquedo, a criança não só realiza seus
desejos, mas também domina a realidade, graças ao processo de projeção dos
perigos internos sobre o mundo externo. O brinquedo é então, um meio de
comunicação, é a ponte que permite ligar o mundo externo e o interno, a realidade
objetiva e a fantasia.
Forma de abordagem dos brinquedos:
a. Observação à distância (sem participação ativa)
b. Dependente (à espera de indicações do entrevistador)
c. Evitativa (de aproximação lenta ou a distância)
d. Dubitativa (pegar e largar os brinquedos)
e. De irrupção brusca sobre os materiais
f. De irrupção caótica e impulsiva
g. De aproximação, tempo de reação inicial para estruturar o campo e, em
seguida, desenvolver uma atividade.
Tipo de brinquedo:
a. Escolar
b. Representativos de diferentes modalidades de vínculos – oral, anal, fálico e
genital
c. Brinquedos não estruturados
d. De significado agressivo manifesto
Tipo de jogo:
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Deve-se analisar se a brincadeira tem princípio, desenvolvimento e fim. Se é
uma unidade coerente em si mesma. Se os jogos organizados correspondem ao
estágio de desenvolvimento intelectual correspondente ao estágio de sua idade
cronológica. De acordo com Jean Piaget (ANO):
TIPO DE JOGO ESTÁGIO DESENVOLVIMENTO IDADE
Jogo Egocêntrico Sensório - Motor 0- 3 anos
Jogo Egocêntrico Pré- Operatório (simbólica) 3- 6 anos
Pró- social Operatório Concreto 6- 12 anos
Grupal Formal A partir dos 12 anos

o 3 anos: Atividade lúdica é espontânea e lábil. Passa com facilidade de um


jogo para outro sem terminar nenhum. Atenção: Investigar o objeto. Funções
do objeto. Prazer da manipulação. Sentido de realidade: restrito. Função dos
objetos: subjetivamente usada (ex. carros andam pelo ar). Desenho:
Garatuja
Quanto mais real: uso objetivo das funções do objeto
Quanto menos real: fantasia. Uso objetivo e subjetivo dos objetos.
o A partir de 4 anos: O desenho é uma imitação mais realista do objeto
representado, com mais elementos da realidade
o 4 anos: Os cubos são usados para empilhar com equilíbrio sem objeto
prévio, sem continuidade, pode interromper e passar para outra coisa
o 4- 7 anos: Maior aproximação ao real. Veracidade na imitação exata do real.
o 5 – 6 anos: Intencionalidade: propósito explícito de realizar uma
determinada tarefa, com uma margem mais ampla de constância em relação
ao objeto.
o 7-11 anos: Regras - assumir papéis explicitados de antemão e próximos à
realidade (vendedor, professor, aluno). Brincadeiras mútua, consciência,
alteração de regra, dramatiza cenas cotidianas. Linguagem – uso que a
criança faz da linguagem, sua ligação com a brincadeira que desenvolve
com a idade

 Verificar: Atividade Gráfica. As construções. Associações Verbais.


Quanto mais socializada é a criança mais permite reconhecer o outro como
participante de sua brincadeira. Podendo solicitar ao psicólogo não apenas ajuda
mas que assuma papel ativo, discriminado e real, completar o seu. Outro aspecto
importante é o uso da linguagem, sua ligação com a brincadeira desenvolvida e com
a idade da criança.

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2) Modalidade das brincadeiras
A modalidade de brincadeira das crianças é a forma como o EGO manifesta a
função simbólica. É um traço caracterológico, e pode ser dividida em três
modalidades:
a. Plasticidade
b. Rigidez
c. Estereotipia e perseverança
A riqueza de recursos egóicos expressa situações diferentes com um critério
econômico, através da via do menor esforço, mostra-nos plasticamente seu mundo
interno. Percebe –se uma grande riqueza interna por meio de poucos elementos que
cumprem diversas funções. O conflito é expresso de várias formas, mesmo que seja
um mesmo conflito, havendo a possibilidade do mesmo objeto mudar de função.
Revelando diversas fantasias de maneira adaptativa, boa expressão e comunicação
do que deseja transmitir. Ou seja, expressão ampla de seus aspectos de sua vida
emocional, de forma integrada de sequência fluente e sem necessidade de recorrer
a mecanismos de isolamento ou controle do objeto.
Abaixo, alguns exemplos de algumas defesas que são expressas nas
brincadeiras:

DEFESA FIGURAS FORTES


Onipotência Demonstrando força
Onipotência Defesa maníaca
Agressividade
Impulsividade

a. Plasticidade é a expressão de uma gama de situações através de áreas


diferentes de um conflito que se desprendem como núcleos organizadores de
seu brincar. Muda a função dos objetos para a sua necessidade de expressão.
Ou seja, expressa a mesma fantasia ou defesa através de mediadores
diferentes.
 Plasticidade pode converte-se em labilidade patológica quando há
mudança brusca e constante que os objetos não conservassem nem por
um momento os atributos que lhes são conferidos.

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b. Rigidez é utilizada frente a ansiedades muito primitivas para evitar a confusão.
Há controle na identificação projetiva no depositário, conserva os limites e
mantem a dissociação dado que qualquer situação nova desorganiza-a e
provoca confusão. Ou seja, é expressa na impossibilidade de modificar os
atributos outorgados ao objeto. E normalmente essa modalidade de brincadeira
empobrece o ego e o resultado é uma brincadeira monótona e pouco criativa.
 Características de indivíduos neurótico.

c. Estereotipia ou perseverança é o brincar repetido e sem sentido, havendo


patologias do funcionamento egóico. Há uma desconexão com o mundo
externo, onde o mesmo funciona com a finalidade de descarga. Ou seja, há
repetição de conduta onde não há fins comunicacionais.
 Características de indivíduos psicóticos ou com lesão orgânica.

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3) Personificação
É a capacidade de assumir e atribuir papéis de forma dramática. Possibilita a
elaboração de situações traumáticas. Há, também, aprendizagem de papéis sociais
e a compreensão do papel do outro e o ajuste de sua conduta em função disso,
favorece o processo de socialização e individualização; assumindo características
diferentes em cada momento evolutivo. Pode –se através da personificação avaliar
a qualidade e intensidade das diferentes identificações, o equilíbrio entre o superego,
o id e a realidade.
A personificação é um vínculo explicativo com as imagens mentais (imagos). Onde
mostra-se a qualidade e a intensidade das identificações através da atribuição de
papéis. Ao mostrar alternância dos papeis é uma expressão de labilidade das
identificações.
EGO - REALIDADE

SUPEREGO

ID

Um superego mais permissivo reflete com maior realidade as figuras de


autoridade real, há menor Sadismo.
Ego – satisfação de desejos e impulsos sem entrar em conflito com a realidade.

 Quando a criança pede para o terapeuta assumir determinado papel -


deve explicar claramente as características do papel atribuído. Para que
fique bem definido e responda as fantasias projetadas.

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4) Motricidade
A adequação da motricidade é uma etapa evolutiva que atravessa, que é
influenciada por fatores neurológicos, psicológicos e ambientais. A Comunicação
gestual e postural enriquece a mensagem que se pretende passar. Um bom uso do
corpo produz prazer e resulta em um fortalecimento egóico, que permite o alcance
de novos ganhos e facilita a sublimação permite, também, o domínio dos objetos do
mundo externo e a possibilidade de satisfazer suas necessidades com autonomia
relativa, já que as dificuldades provocam frustrações e incrementam tensões em nível
intra e interpessoal
Deve verificar a adequação da motricidade à etapa evolutiva e a manipulação
adequada das possibilidades. Pontos a serem verificados relacionados a
motricidade:
a) Deslocamento geográfico
b) Possibilidade de encaixe
c) Preensão e manejo
d) Alternância de membros
e) Lateralidade
f) Movimentos bizarros
g) Ritmo do movimento
h) Hipocinesia
i) Ductibilidade
j) Movimentos voluntários e involuntários

 Disfunção motora é a falta de estimulação ambiental. Pode causar


problemas na escrita, há discordância entre o que se diz e o que se
expressa corporalmente.

5) Criatividade
Criar é unir ou relacionar elementos dispersos num elemento novo e diferente. É
produto de um equilíbrio adequado entre o princípio do prazer e o princípio da
realidade. A criança age a sua volta para conseguir fins propostos. Ocorre uma
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dinâmica entre a projeção e a reintrojeção do objeto modificado transformado em um
produto qualitativamente diferente, promotor de crescimento e mudança estrutural
EGO plástico é capaz de abertura para experiências novas, com tolerância a não
estruturação do campo.
Princípio do prazer X princípio da realidade
 Alterações desta função pode levar a uma submissão extrema com
elementos destrutivos e masoquistas ou uma intolerância à frustração
com um ego imaturo que não adia os desejos insatisfeitos.

6) Capacidade Simbólica
O brincar é uma forma de expressão da capacidade simbólica e a via de acesso
às fantasias inconscientes. A criança consegue pelo brincar a emergência de
fantasias através de objetos afastados do conflito primitivo e que cumprem papéis de
mediadores, apelando para as suas possibilidades de elaboração secundária para
expressar a fantasia.

7) Tolerância a frustração
É detectada pela possibilidade de aceitar as instruções com as limitações que elas
impõem (o estabelecimento de limites e finalização da tarefa), e pela maneira de
enfrentar as dificuldades inerentes a atividades que se propõe a realizar. A
capacidade de tolerar a frustração está intimamente relacionada com o princípio do
prazer e de realidade. Há duas reações esperadas diante das frustrações. A primeira
é a adaptação e a segunda é a desorganização, que representa uma atitude negativa.
A frustração vem do mundo interno, é o desejar algo que vai além de sua
capacidade, que não esteja presente, portanto se localiza de preferência no mundo
externo.

8) Adequação a Realidade
É a aceitação ou não do enquadramento que lhe foi proposto com a possibilidade
de se colocar no papel do outro ou não.

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CONCLUSÃO
Para concluir podemos a brincadeira é a “estrada real” para o mundo interno
consciente e inconsciente da criança é uma escolha motivada por processos internos,
desejos, problemas, ansiedades. Portanto, o que se passa na mente da criança
determina suas atividades lúdicas, é a maneira como a criança vê e constrói o mundo
– como ela gostaria que ele fosse, quais as suas preocupações e que problemas a
incomodam ou seja o brincar é sua linguagem secreta.
O brincar exercita o corpo e a mente e resolve de forma simbólica problemas não
resolvidos do passado, enfrenta direta ou simbolicamente questões do presente e
prepara para o futuro e suas tarefas. O prazer imediato do brincar se estende e se
transforma em um prazer de viver, e a satisfação de funcionar bem sozinho e com s
outros. Ou seja, é o esforço da criança de simplesmente entender o mundo.

“AS BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS DEVERIAM


SER CONSIDERADAS SUAS ATIVIDADES MAIS
SÉRIAS” M. de Montaigne

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REFERENCIA
ABERASTURY. A. Psicanálise da criança – teoria e técnica. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1982.
BETTELHEIM, B. Uma vida para seu filho. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
GRAÑA, R.B. e PIVA, A.B.S. (orgs). A atualidade da Psicanálise de crianças. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
Martins, C, A. Hora de Jogo Diagnóstica.
Moura, L. A hora de Jogo Diagnóstica.

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