História, Ciência e Saúde Coletiva History, Science, and Collective Health
História, Ciência e Saúde Coletiva History, Science, and Collective Health
História, Ciência e Saúde Coletiva History, Science, and Collective Health
17982020 4715
ARg AR
História, ciência e saúde coletiva
Abstract The article analyzes the presence of the Resumo O artigo analisa a presença da história
history of health in the “ Journal Ciência & Saúde da saúde no periódico “Revista Ciência & Saúde
Coletiva” from 1996 to 2020, exploring relations Coletiva” entre 1996 e 2020. Discute as relações
between the disciplinary eld of history and the entre o campo disciplinar da história e a multi-
multidisciplinary eld of public health and exa- disciplinaridade da saúde coletiva, suas tensões,
mining their tensions, commonalities, and poten- convergências e potenciais sinergias. Apresenta a
tial synergies. It shows how the history of health trajetória do tema da história da saúde nos artigos
has featured in the journal’s articles and issues e fascículos ao longo dos 25 anos de existência da
over the course of the journal’s twenty-ve years revista, as principais iniciativas, resultados e te-
and describes the main initiatives, results, and máticas abordadas. Faz um balanço crítico e dis-
topics addressed in this realm. The article then cute caminhos para incrementar presença da his-
offers a critical evaluation and discusses pathwa- tória em artigos e números temáticos de “Revista
ys for boosting the presence of history in articles Ciência & Saúde Coletiva”.
and thematic issues of “Journal Ciência & Saúde Palavras-chave História, Saúde pública, Perió-
Coletiva”. dicos cientícos, Ciências humanas, Políticas de
Key words History, Public health, Scientic pe- saúde
riodicals, Human sciences, Health policies
1
Casa de Oswaldo Cruz,
Fiocruz. Av. Brasil 4365,
Manguinhos. 21040-900
Rio de Janeiro RJ Brasil.
gilberto.hochman@ocruz.br
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Hochman G
… a saúde será, neste século objeto de inn- no pós-Segunda Guerra Mundial O resultado da
dáveis, mas necessárias, discussões. Não é tarefa chamada de artigos incorporou autores de dife-
fácil abordar a complexa rede de relações na com- rentes instituições em diversos países com textos
preensão do problema saúde, nos aspectos que nos em inglês, espanhol e português. Este número
interessam: o social, o coletivo e o público. Nesse ajudou a aprofundar a dimensão internacional
sentido, é imprescindível a perspectiva interdisci- da história da saúde na revista e da própria Re-
plinar quando se cruzam conhecimentos históricos, vista Ciência & Saúde Coletiva. Outro aspecto a
sociológicos, antropológicos, políticos, biológicos, ser ressaltado é o caráter crítico da perspectiva
demográcos, estatísticos, ecológicos. E, para isso, histórica no campo da saúde. Ela deve ser “he-
somente a participação de um grupo de especialis- rética e incômoda” mesmo quando celebra uma
tas é que torna possível recuperar, mesmo que de conquista da saúde global conforme a carta dos
forma incompleta, aquilo que vem constituindo a editores convidados:
construção da saúde pública brasileira21. A análise histórica produz conhecimento e re-
Na esteira do crescimento e institucionaliza- exão crítica ao abrir as caixas-pretas dos sucessos
ção do campo da história da saúde no Brasil cres- da saúde pública nacional e global, ao desvelar as
ceu a demanda pela perspectiva histórica na saú- tramas sociais e culturais envolvidas na imuniza-
de coletiva e na revista18. Em 2008 foi publicado o ção, ao investigar as redes de interesses políticos e
número temático A história dos trabalhadores da econômicos que a envolvem e apontar a diversida-
saúde. Esse número temático (volume 13, nº 2) de e a assimetria entre países, atores e instituições.
aprofundou a presença da perspectiva histórica Nesse sentido, a maior contribuição da história
em Revista Ciência & Saúde Coletiva promoven- para a saúde pública é o seu fundamental senti-
do o diálogo entre história, prossões e trabalha- do de temporalidade, espacialidade, contingência e
dores da saúde estimulada pelo Relatório Mun- complexidade24.
dial da Saúde de 2006: “Trabalhando juntos pela Essas iniciativas editoriais e as agendas exem-
Saúde”22. Uma característica importante nesse plicadas nos editoriais dos números temáticos
número foi o aprofundamento das contribuições fazem parte do processo de institucionalização do
sobre outras experiências nacionais, como dos campo da história da saúde no Brasil em diferen-
EUA, México, Argentina e Índia, em inglês e es- tes instituições de pesquisa e ensino, sociedades
panhol, denotando uma característica desse cam- cientícas e associações prossionais e nos perió-
po que é a sua intrínseca internacionalização. Na dicos, em diversas áreas do conhecimento. Revista
apresentação os editores convidados atualizaram Ciência & Saúde Coletiva contribuiu ativamente
a agenda da história da saúde coletiva na revista: ao abrir espaço crescente para colaborações no
A história como instrumento de conhecimento campo da história. Por sua vez estas auxiliaram
e reexão crítica tem estado presente no campo da no adensamento do próprio campo da saúde co-
saúde pública desde os seus primórdios. A agenda letiva com impacto na revista. Um indicador de
internacional hoje reforça esta presença, expressa reconhecimento desse processo de mão dupla
pela reivindicação manifestada por historiadores, foi a criação a partir de 2014 de uma editoria es-
outros especialistas e gestores, de um encontro ati- pecíca de História e Saúde, uma distinção em
vo da história com a saúde, visando à compreen- relação a outros periódicos no campo da saúde
são presente e futura das reformas dos sistemas de coletiva no Brasil e mesmo no exterior. Revistas
saúde. Ao analisar processos no tempo e no espaço, importantes como The Lancet e o Journal of Epide-
contextualizando-os e inserindo saúde e doença na miology and Community Health publicam artigos
sociedade e na cultura, historiadores podem infor- de história de saúde mas de modo intermitente. A
mar sobre práticas passadas, iluminar opções, pos- iniciativa da série aproxima a revista da Abrasco
sibilitar comparações23. da American Journal of Public Health (AJPH), da
Em 2011 foi publicado um novo volume te- argentina Salud Colectiva e da colombiana Revista
mático articulando desta vez saúde global e his- de Ciencias de la Salud que têm estimulado e pu-
tória por ocasião dos 30 anos da erradicação da blicado artigos de história e historiadores, inclu-
varíola em campanha coordenada pela Organi- sive com editorias especializadas.
zação Mundial da Saúde (OMS) e anunciada em Por ocasião dos 20 anos de Revista Ciência &
maio de 1980. Sob o título de Imunização, vaci- Saúde Coletiva em 2015, criou-se a série “Cons-
nas: passado e futuro (vol. 16, nº 2) foram reu- trutores da Saúde Coletiva” editada por Gilber-
nidos artigos sobre diferentes experiências histó- to Hochman e Everardo Nunes Duarte. Foi uma
ricas de vacinação e imunização desde o século iniciativa inédita com poucos similares nacionais
XIX com ênfase na experiência da erradicação e internacionais como, talvez o único exemplo
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como das diferenças de comunidades epistêmi- submetidos demandando um papel mais ativo à
cas e prossionais em permanente crescimento e editoria na consolidação das demandas por revi-
transformação. Para um crescimento nos próxi- são e resubmissão.
mos anos é necessário compreender esses fatores O desao de tornar mais permanente tempo
e superá-los com ações editoriais. Do ponto de e espaço como elementos constituintes dos de-
vista editorial mais geral, um periódico de ciên- bates, dos processos, das ideias, das práticas, das
cias humanas e sociais em saúde compete com políticas, dos agentes e das agências da saúde co-
periódicos de história na atração de artigos em letiva foi superado. Porém, há, ainda, caminhos
perspectiva histórica. Com a vantagem de que a serem trilhados para que o lugar da história
nestes últimos os formatos de citação, notas e da saúde se expresse de modo mais saliente em
bibliograa são mais amigáveis para os textos de Revista Ciência & Saúde Coletiva. Entre estes ca-
historiadores que, na maioria das vezes, utilizam minhos, a maior articulação entre as editorias
fontes primárias em vários suportes que são mais associadas, a proposição de debates, o incentivo
difíceis de serem referenciadas no modelo Van- a números temáticos em perspectiva histórica,
couver. O tamanho dos artigos também constitui maior divulgação de artigos publicados e temas
uma questão, pois em revistas disciplinares de de história nas redes sociais e formas de comuni-
histórias aceitam submissões em torno de 10-12 cação pública da Abrasco e da revista.
mil palavras, um número mais atraente para tra- Em tempos dramáticos e trágicos, como o
balhos com material empírico que caracteriza os da pandemia de Covid-19, o papel das ciências
resultados de pesquisa histórica. Por último o sis- humanas e sociais, das quais a história faz par-
tema de avaliação de periódicos na pós-gradua- te, é fundamental para sua compreensão e para
ção brasileira (Qualis), até recente exclusivamen- as respostas públicas e da sociedade à emergên-
te por área de conhecimento, também diminuiu cia sanitária. O dicionário público da pandemia
os incentivos a se publicar artigos sobre história é o das humanidades e da história: afastamento,
da saúde em periódicos de saúde coletiva. O ca- contágio, crise, cuidados, desigualdade, discri-
ráter multidisciplinar da história da saúde coleti- minação, distopia, doença, gênero, insegurança,
va ainda provoca incompreensões, mencionadas interação, isolamento, limpeza, máscara, medo,
anteriormente, que por vezes têm impacto nos morte, ocultamento, políticas, práticas, remédios,
processos avaliativos de originais submetidos resistência, resiliência, risco, ruptura, saúde, siste-
à editoria de História e Saúde. Avaliadores com ma, violência entre dezenas de outros vocábulos.
formações diferentes têm expectativas e exigên- A história em Revista Ciência & Saúde Coletiva
cias muitas vezes distintas em relação aos artigos continuará a fazer parte desse empreendimento.
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