Liv Romo
Liv Romo
Liv Romo
SISTEMA DIGESTÓRIO:
INTEGRAÇÃO BÁSICO-CLÍNICA
SÃO PAULO
2016
Sistema Digestório: Integração Básico-Clínica
ISBN: 978-85-8039-189-3
© 2016 Reinaldo Barreto Oriá; Gerly Anne de Castro Brito
Editora Edgard Blucher Ltda.
COEDITORES
IMAGEM DA CAPA
Valquiria A. Matheus
Carla Collares Buzato
FICHA CATALOGRÁFICA
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4º andar Sistema digestório : integração básico-clínica [livro
04531-934 – São Paulo – SP – Brasil
eletrônico] / Reinaldo Barreto Oriá, Gerly Anne de Castro Brito
Tel.: 55 11 3078 2
(org.). -– São Paulo : Blucher, 2016.
Phone 55 11 3078 5366
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Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda. Índices para catálogo sistemático:
1. Aparelho digestivo
SOBRE OS AUTORES
Cordialmente,
PREFÁCIO ...........................................................................13
1 ANATOMIA DA CAVIDADE ORAL ........................ 25
1.1 ANATOMIA DESCRITIVA DA BOCA ................................25
1.2 ANATOMIA FUNCIONAL DA BOCA ..............................37
1.3 INERVAÇÃO DA BOCA .................................................52
16 CONTROLE NEUROENDÓCRINO DA
SACIEDADE ......................................................... 389
16.1 INTRODUÇÃO...........................................................389
16.2 INTEGRAÇÃO HIPOTALÂMICA ..................................392
16.3 HORMÔNIOS INTESTINAIS: VISÃO GERAL ................393
16.4 HORMÔNIOS LIGADOS À REGULAÇÃO DA
INGESTÃO ALIMENTAR...............................................394
16.5 O EFEITO DAS INCRETINAS NA FISIOLOGIA
NORMAL....................................................................400
16.6 SINAIS HORMONAIS RELACIONADOS À
ADIPOSIDADE ............................................................401
16.7 HORMÔNIOS INTESTINAIS NA DOENÇA .................402
16.8 INTERAÇÃO DE HORMÔNIOS INTESTINAIS ...............408
17 MOTILIDADE DO TRATO
GASTRINTESTINAL............................................ 411
17.1 MOTILIDADE GASTRINTESTINAL ................................411
31 ALTERAÇÕES GASTRINTESTINAIS DO
ENVELHECIMENTO ............................................ 827
31.1 INTRODUÇÃO...........................................................828
31.2 BOCA .......................................................................828
31.3 ESÔFAGO .................................................................829
31.4 ESTÔMAGO..............................................................830
31.5 PÂNCREAS ................................................................832
31.6 FÍGADO ....................................................................832
31.7 INTESTINO DELGADO ...............................................833
31.8 CÓLON.....................................................................834
31.9 RETO E ÂNUS ...........................................................835
31.10 OUTRAS ALTERAÇÕES.............................................835
31.11 CONCLUSÕES ........................................................836
CAPÍTULO
1
ANATOMIA DA
CAVIDADE ORAL
Miguel Carlos Madeira
Horácio Faig Leite
Roelf J. Cruz Rizzolo
dentes em oclusão, estas duas partes comunicam-se pelo espaço entre os últimos
molares e a borda anterior do ramo da mandíbula.
A cavidade da boca tem como limites: anterior e lateralmente os lábios e boche-
chas, posteriormente o istmo da garganta, superiormente o palato e inferiormente o
soalho da boca, onde encontramos xada a língua.
São formações limitantes da cavidade da boca: os lábios, bochechas, palato, soa-
lho e istmo da garganta.
1.1.1 LÁBIOS
1. Rima da boca
2. Ângulo da boca
3. Filtro
4. Sulco nasolabial
5. Sulco labiomarginal
A face interna dos lábios está relacionada com o vestíbulo da boca e com os
arcos dentais, sendo revestida por uma mucosa de coloração rósea e aspecto liso
brilhante. Esta face interna continua com a mucosa alveolar fazendo uma reexão
em forma de fundo de saco, o fórnice do vestíbulo. No vestíbulo podemos notar
uma prega mucosa mediana, o frênulo (freio) do lábio; outras pregas podem apa-
recer como os freios laterais (Figuras 1.2 e 1.3). O frênulo do lábio superior é nor-
malmente mais pronunciado do que o inferior e algumas vezes pode necessitar de
uma redução cirúrgica (frenectomia). Na parte mucosa do lábio inferior, podemos
notar pequenas elevações das glândulas salivares menores aí encontradas e que
podem ser sentidas com a ponta da língua ou com a palpação digital. A camada
muscular dos lábios é formada pelo músculo orbicular da boca e por algumas
bras musculares que convergem para as bordas livres dos lábios.
7. Mucosa alveolar
8. Fórnice do vestíbulo
9. Freio labial superior
10. Freio lateral
7. Mucosa labial
8. Fórnice do vestíbulo
9. Freio labial inferior
10. Freio lateral
1.1.2 BOCHECHA
1. Dente superior
2. Dente inferior
3. Fórnice do vestíbulo
4. Bochecha
5. Prega pterigomandibular
1.1.3 VESTÍBULO
1. Mucosa alveolar
2. Gengiva
3. Junção mucogengival
4. Freio labial superior
1.1.4 PALATO
1. Papila incisiva
2. Pregas palatinas
transversas
3. Rafe palatina
4. Mucosa do palato
1. Palato mole
2. Úvula
3. Arco palatoglosso
4. Arco palatofaríngeo
5. Istmo da garganta
1. Margem da língua
2. Freio da língua
3. Carúncula sublingual
4. Prega sublingual
5. Mucosa do soalho bucal
1.1.7 LÍNGUA
1. Doce
2. Salgado
3. Ácido
4. Amargo
5. Papilas circunvaladas
6. Papilas fungiformes
7. Sulco terminal
8. Tonsila lingual
9. Arco palatoglosso
10. Tonsila palatina
11. Valécula epiglótica
12. Prega glossoepiglótica
mediana
Figura 1.11 – Língua, com demarcação das zonas do gosto por linhas interrompidas
1. Glândula parótida
2. Glândula parótida acessória
3. Ducto parotídeo
4. Glândula submandibular
5. Linfonodo submandibular
Figura 1.12 – Peça anatômica com glândula parótida, ducto parotídeo, glândula submandibular e linfonodos sub-
mandibulares
1.2.4 MASTIGAÇÃO
A pressão do alimento pela língua contra o palato duro ocorre como sendo
mais uma modalidade de mastigação, ou complementação da mastigação, mas
que toma pequena parte no processo.
São quase todos os músculos envolvidos na mastigação inervados por meio
dos ramos do nervo trigêmeo. As exceções cam por conta do nervo facial (mús-
culos da expressão facial e estilo-hióideo e ventre posterior do digástrico), nervo
hipoglosso (músculos da língua e gênio-hióideo) e nervo vago, via plexo faríngeo
(levantador do véu palatino, palatoglosso, palatofaríngeo e da úvula). São, pois,
quatro nervos que determinam ações variadas, umas diferentes das outras, mas
em perfeita coordenação ou sincronia. Trabalhando assim, sob um largo espectro
de informações nervosas simultâneas e sincrônicas, são evitados movimentos ex-
temporâneos ou fora de sequência que venham a ferir a bochecha ou morder a
língua.
Citados como foram, nos movimentos gerais da mandíbula e no ato da mas-
tigação, os músculos mandibulares serão também citados na fala, na sucção, na
deglutição, por serem indispensáveis nessas ações. Até agora foram mencionados
apenas os músculos que dão dinâmica à articulação da mandíbula. Somente com
eles não seria possível realizar uma boa e completa mastigação. A movimentação
do alimento dentro da boca depende da contração dos músculos da língua, do
palato, das bochechas, dos lábios e do soalho da boca.
Por isso, todos esses músculos passam a ser agora sucintamente descritos.
Masseter - Margem inferior do - Nos dois terços inferiores - Nervo massetéri- - Levanta (com força)
osso zigomático (parte da face lateral do co, ramo do man- a mandíbula
supercial) e margem ramo da mandíbula dibular (trigêmeo)
inferior do arco zigomático
(parte profunda)
Temporal - Soalho da fossa - Bordas e face medial do - Nervos temporais - Levanta a mandíbula
temporal e super- processo coronoide (crista profundos, ramos (mais velocidade
fície medial da temporal) e borda anterior do mandibular do que potência)
fáscia temporal do ramo da mandíbula (trigêmeo) - Retrai a mesma com
a porção posterior
Pterigóideo - Fossa pterigóidea - Face medial da re- - Nervo pterigóideo - Eleva a mandíbula;
medial gião do ângulo medial, ramo do age como sinergista
da mandíbula mandibular (trigêmeo) do masseter
Pterigóideo - Face lateral de lâ- - Fóvea pterigóidea - Nervo pterigóideo - Protrai (e com os
lateral mina lateral do e margem anterior lateral, ramo do digástricos abaixa) a
processo pterigoi- do disco da ATM mandibular (trigêmeo) mandíbula pela con-
de e superfície in- tração bilateral
fratemporal da simultânea
asa maior do esfe- - Movimenta para um
noide dos lados pela
contração unilateral
- Estabiliza o disco
articular
Digástrico - Incisura mastóidea - Fossa digástrica - Ventre anterior: nervo - Retrai (e com os
- O tendão intermédio milo-hióideo, ramo pterigóideos laterais
prende-se pela alça do alveolar inferior, abaixa) a mandíbula
digástrica (indiretamente) que é ramo do
ao osso hioide nervo mandibular
- Ventre posterior: ramo
digástrico, do nervo facial
Estilo-hióideo - Processo estiloide - Osso hioide - Ramo estilo-hióideo - Puxa o hioide para
do nervo facial cima e para trás
Milo-hióideo - Linha milo-hióidea - Rafe milo-hióidea - Nervo milo-hióideo, - Eleva o soalho da boca,
e corpo do hioide ramo do alveolar hioide e língua Protrai
inferior, que é ramo do o hioide ou retrai (e
mandibular (trigêmeo) abaixa) a mandíbula
* Este Quadro 1.1, bem como os próximos Quadros 1.2 e 1.3, foram modificados dos originais que se encon-
tram nos livros de dois dos autores deste capítulo, CRUZ RIZZOLO & MADEIRA (2010).
46 Sistema digestório: integração básico-clínica
Genioglosso Espinha mentoniana Ápice, dorso e raiz Nervo hipoglosso Abaixa a língua.
superior da língua Fibras médias e
posteriores protraem.
Fibras anteriores
retraem a ponta
Hioglosso Corno maior e corpo Aspecto lateral Nervo hipoglosso Abaixa e ajuda a
do osso hioide da língua retrair a língua
Tensor do véu Fossa escafoide Contorna o hâmulo Ramo do nervo Torna tenso o
palatino pterigóideo e mandibular do palato mole
insere-se na trigêmeo
aponeurose palatina
Levantador do Aspecto inferior da Aponeurose palatina Nervo vago Eleva o palato mole
véu palatino parte petrosa do
temporal
Da úvula Espinha nasal posterior Mucosa da úvula Nervo vago Movimenta a úvula
Orbicular da boca Quase todo cutâneo; fóveas Pele e mucosa dos Comprime os lábios contra
incisivas da maxila e mandíbula lábios; septo nasal os dentes; fecha a boca;
protrai os lábios
Levantador do lábio superior Margem infra-orbital Lábio superior Levanta o lábio superior
Levantador do lábio superior Processo frontal Asa do nariz e Levanta o lábio superior e a
e da asa do nariz da maxila lábio superior asa do nariz (dilata a narina)
Levantador do ângulo da boca Fossa canina da maxila Ângulo da boca Levanta o ângulo da boca
Abaixador do ângulo da boca Base da mandíbula (da Ângulo da boca Abaixa o ângulo da boca
região molar ao tubér-
culo mentoniano)
Abaixador do lábio inferior Base da mandíbula, acima Lábio inferior Abaixa o lábio inferior
da origem do abaixador
do ângulo da boca
1.2.6 DEGLUTIÇÃO
palato mole, formam um diafragma bem fechado entre as partes nasal e oral da
faringe, ajudados pela contração das bras mais superiores do constritor superior
da faringe. Desta maneira, o bolo alimentar ca impedido de adentrar a parte
nasal da faringe (MOORE, 1994; JOHNSON & MOORE, 1999).
“Se uma pessoa ri durante este estágio, os músculos do palato mole relaxam
e podem permitir a entrada de algum alimento na porção nasal da faringe. Nes-
ses casos, o alimento é expelido através do nariz, especialmente se for líquido”
(MOORE, 1994).
A faringe é levantada, junto com a laringe, pelos músculos estilofaríngeo e
palatofaríngeo de encontro à epiglote que, como já visto, se movimentam para
fechar a passagem de ar à laringe e evitar a invasão de fragmentos de comida.
Assim que o bolo alimentar chega à parte oral da faringe, pressiona certas
áreas mucosas, cuja inervação é estimulada para deagrar reexos. Iniciado o re-
exo, os músculos constritores da faringe contraem-se uniforme e sucessivamente,
de cima para baixo, impelindo o bolo ao esôfago.
1.2.7 SUCÇÃO
1.2.8 FALA
Os sons são produzidos pela laringe (fonação) durante a expiração, mas mo-
dicam-se quando o ar passa pela boca e/ou pelo nariz. Durante a fala normal,
o ar escapa livremente pela cavidade da boca na produção das vogais. Mesmo
assim, o grau de abertura da boca determina maior ou menor ressonância da voz,
com variação do timbre. Este pode ser mais aberto ou mais fechado nas vogais,
denindo a entonação própria de cada uma delas.
Boca aberta totalmente, no entanto, inclui a elevação do palato mole; se
estiver abaixado, parte do ar é desviada pela cavidade nasal, provocando, como
efeito acústico, o tom anasalado da voz.
Ligeira e rápida obstrução do ar pelo palato mole ocorre na emissão de
consoantes. Contudo, maior obstrução é dada pela língua, dentes e lábios, verda-
deiros responsáveis pela produção das letras consoantes, com exceção do fonema
H. O impedimento temporário é breve, mas suciente para a formulação das con-
soantes chamadas labiais ou bilabiais (M, P, B), labiodentais (F, V), linguodentais
(D, T), linguopalatinas (Z, Q, G).
Assim, o som é emitido quando o ar expelido passa pela laringe em uxos
oscilantes (e não uniforme como na respiração normal) determinados pela adução/
abdução das pregas vocais em frequências variáveis e em maior ou menor volume,
pressão e rapidez, que regulam a sonoridade. Depois, o som é articulado por bar-
reiras naturais que se abrem ou se fecham acionadas pelos músculos do palato, da
língua, da boca e, obviamente, os músculos da mastigação. A estes músculos devem
ser adicionados os do tórax e da laringe, onde a fonação se inicia.
N. facial-intermédio (VII) Componente sensitivo - Sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua
N. glossofaríngeo (IX) Componente sensitivo - Somestésica: tonsila palatina, mucosa faríngea, base da língua
*Em razão de sua pequena participação na inervação da boca, a descrição do n. vago foi omitida deste texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[2] Para uma descrição detalhada da distribuição periférica destes nervos, ver CRUZ-RIZZOLO & MADEIRA, 2009.
ANATOMIA DO
TUBO DIGESTIVO
Rodrigo Martinez
Jane Faria
Helena L. Borges
Vera Lucia Antunes Chagas
2.1 FARINGE
A faringe é um canal irregular do tubo digestório, localizado posteriormente
as cavidades nasal, oral e a laringe, sendo comum aos sistemas respiratório e di-
gestório (Figura 2.1). Mede aproximadamente 13 cm e possui paredes de consti-
tuição musculomembranosa, sendo a mucosa de revestimento do órgão contínua
com as cavidades que se comunicam com a faringe. O limite superior da faringe
é da base do crânio, estendendo-se em direção inferior, até a margem inferior da
cartilagem cricóidea, na altura da 6a. vértebra cervical. A partir daí, continua com
o esôfago. Na sua porção anterior, comunica-se com as cavidades nasal e oral, e
62 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 2.1 Esquema da geral do tubo alimentar (digestivo), identicando a faringe e a sua comunicação com a
cavidade oral (amarelo), o esôfago (roxo), o estômago (rosa), e os intestinos delgado e grosso (vermelho).
Reinaldo Barreto Oriá & Gerly Anne de Castro Brito 63
Figura 2.2 Hemicabeça plastinada. Acervo do Programa de Anatomia, ICB, UFRJ identificando em
destaque as três proporções da faringe: nasofaringe, orofaringe e laringofaringe.
Figura 2.3 Fotograas de faringes abertas pelas porções posteriores. Em A identicam-se o dorso da língua, cartila-
gem epiglótica, ádido da laringe e o esôfago está fechado. Em B, identica-se a cartilagem epiglótica, o ádido da laringe e o
esôfago está aberto (acervo do Programa de Anatomia, ICB, UFRJ).
- constritor médio xa-se aos cornos maior e menor do osso hioide e ao liga-
mento estilo-hióideo;
- constritor inferior xa-se `as cartilagens cricoide e tireóidea.
Na região posterior, todos os constritores se superpõem e se xam através da
rafe da faringe. Eles tem como função a constricção da faringe.
A inervação dos músculos constritores é feita pelo nervo vago (X par de
nervo craniano).
A camada mais interna apresenta músculos de direção longitudinal chama-
dos estilofaríngeo, palatofaríngeo e salpingofaríngeo. A origem do músculo es-
tilofaríngeo é a base do processo estiloide, a do palatofaríngeo é a aponeurose
palatina e do salpingofaríngeo é a extremidade faríngea da tuba auditiva. Os três
músculos se inserem na porção profunda da parede faríngea. Têm como função a
elevação da laringe e encurtamento da faringe, na deglutição e fonação.
A inervação do músculo estilofaríngeo é realizada pelo nervo glossofaríngeo
(IX par) e a dos músculos palatofaríngeo e salpingofaríngeo pelo nervo vago (X par).
2.2 ESÔFAGO
2.3 DIAFRAGMA
2.3.2 PERITÔNIO
Figura 2.4 - Esquema de um corte mediano da cavidade abdominal, evidenciando a organização geral do peritônio (indicado
em rosa)
70 Sistema digestório: integração básico-clínica
2.4 ESTÔMAGO
Figura 2.5 Fotograas de estômagos. Acervo do Programa de Anatomia, ICB, UFRJ, para identicação das porções do
estômago: cárdia – região ao redor da entrada do esôfago (esôfago foi representado pelas linhas contínuas pretas paralelas),
fundo, corpo gástrico e parte pilórica. Esta última ainda se subdivide em antro e canal pilórico. A) Estômago, inado antes
do procedimento de plastinação, ainda ligado ao duodeno e pâncreas. B) Estômago parcialmente aberto antes da plastinação
para visualização das pregas gástricas. Nessa imagem é possível visualizar parte do omento maior. C) Estômago aberto onde
chama-se a atenção da região pilórica.
Reinaldo Barreto Oriá & Gerly Anne de Castro Brito 71
- Tronco vagal anterior (ramo hepático, ramo celíaco e ramos gástricos anteriores)
e
- tronco vagal posterior (ramo hepático e ramos gástricos posteriores).
2.5 DUODENO
porções, e não por sua nomenclatura anatômica tradicional. Como em todo o restante
do intestino delgado, a sua mucosa apresenta pregas que se estendem ao longo de toda
a circunferência do órgão, denominadas assim de pregas circulares (Figura 2.7), com
papel essencial no aumento da área de superfície de mucosa, representando ganho im-
portante na capacidade da digestão e absorção por esse órgão.
Figura 2.7 - Fotograa do duodeno aberto, evidenciando a papila maior e menor do duodeno (acervo do Programa de
Anatomia, ICB, UFRJ).
Porção superior: é a primeira das porções do duodeno, sendo aquela que fun-
cionalmente recebe o conteúdo gástrico que passa pelo esfíncter pilórico. Caracte-
riza-se, sobretudo, por apresentar uma dilatação na sua porção proximal denomi-
nada ampola ou bulbo duodenal, que não se mostra xada ao peritônio parietal,
e sendo assim, é a porção mais móvel desse órgão. Pela mesma razão, essa porção
do duodeno apresenta uma pequena extensão de mesentério que a xa ao tecido
pancreático subjacente e ao ligamento hepatoduodenal. A partir de sua origem, o
duodeno se direciona para a direita, ligeiramente superior e posteriormente, quan-
do então se torna mais xo pela sua relação com o peritônio parietal, e termina em
ângulo abrupto com curvatura inferior, aí se iniciando a segunda porção.
Porção descendente: a partir da primeira curvatura duodenal, a porção descen-
dente se inicia. Trata-se da porção clinicamente mais importante desse órgão, uma
74 Sistema digestório: integração básico-clínica
vez que é o segmento para onde drenam os ductos pancreático principal (de Wir-
sung) e o colédoco. Possui cerca de 7cm de extensão e mobilidade bastante reduzida
pela sua xação lateral ao peritônio parietal e íntima relação com a porção lateral
da cabeça pancreática. A sua parede anterior é descoberta de peritônio no ponto
sobre a qual se xa o mesocólon transverso. A cerca de 10cm do esfíncter pilórico,
na parede medial, destaca-se uma projeção na mucosa denominada papila maior do
duodeno (Figuras 2.6 e 2.7). Esse é um acidente de enorme importância, pois repre-
senta o local onde deságuam conjuntamente o ducto pancreático principal e o ducto
colédoco. A localização da papila maior do duodeno é também demarcada pelo
cruzamento entre uma elevação (prega) longitudinal da parede medial com uma das
pregas circulares, determinando a formação de um “T” de mucosa (Figura 2.7). A
localização desse acidente é uma etapa crucial na realização de exames complemen-
tares, como a colangiograa endoscópica retrógrada. Acerca de 2cm proximamente
e discretamente anterior à papila maior, encontra-se a papila menor do duodeno
(Figura 2.7), de formato semelhante à anterior, porém com dimensões signicativa-
mente reduzidas, representando o sítio de drenagem do ducto pancreático acessório
(de Santorini). Distalmente, a porção descendente apresenta curvatura abrupta para
a esquerda, demarcando assim o início da porção horizontal.
Porção horizontal: a porção mais extensa do duodeno, medindo cerca de 10
cm, e tendo trajeto transverso da direita para a esquerda, até que tem suave curva-
tura superior, determinada pela tração cranial exercida pelo ligamento de Treitz (ver
adiante). Da mesma forma que a porção descendente, é também xada pela união do
peritônio parietal à sua parede inferior. Sua borda superior é desprovida de peritônio,
tendo em vista a sua íntima relação com a borda inferior da cabeça do pâncreas.
Porção ascendente: a porção mais curta do duodeno é caracterizada por apre-
sentar trajeto ascendente até terminar na exura duodeno-jejunal, uma angulação
abrupta no tubo digestivo que demarca o início do jejuno. Essa angulação é decor-
rente da tração cranial por uma estrutura músculo-ligamentar denominada ligamen-
to de Treitz, que se origina do pilar diafragmático e do tronco celíaco e se xa à
parede superior da exura, suspendendo a mesma. De forma relevante também, essa
porção do duodeno é cruzada anteriormente pelos vasos mesentéricos superiores.
Relações anatômicas do duodeno: cranialmente, o duodeno possui relação ín-
tima com a vesícula biliar, com especial destaque para o fundo da vesícula que por
muitas vezes repousa sobre a parede cranial da porção superior. O lobo quadrado
também repousa sobre essa porção do duodeno. O ducto colédoco, após passar
pelo ligamento hepato-duodenal, cruza posteriormente a primeira porção duodenal
estando assim em íntima relação com a sua parede posterior. Medialmente a este,
encontramos a artéria gastroduodenal que também possui assim relação estreita
com a parede posterior do mesmo. Essa relação é clinicamente importante, já que
Reinaldo Barreto Oriá & Gerly Anne de Castro Brito 75
uma ulceração na parede posterior do duodeno causada, por exemplo, pelo excesso
de inuxo de secreções ácidas vindas do estômago, pode erodir a artéria gastroduo-
denal e assim causar uma hemorragia signicativa. É notável a relação da cabeça
e do colo pancreáticos com o duodeno. Como já descrito, o duodeno se molda ao
redor da cabeça pancreática, e as porções descendente e horizontal são totalmente
aderidas a esse órgão. A porção mais lateral do mesocólon transverso surge da pa-
rede anterior da porção descendente. Posteriormente, o duodeno se relaciona com
o rim direito e os vasos renais correspondentes. Como já espresso, os vasos mesen-
téricos superiores cruzam anteriormente a porção ascendente.
Figura 2.8 Visão posterior do duodeno e da cabeça pancreática, evidenciando as arcadas pancreatoduodenais ao
longo do sulco entre esses dois órgãos.
assim da exura duodeno-jejunal, enquanto que as ileais têm localização mais inferior
e à direita, portanto mais próximas da válvula íleocecal (ou valva ileocecal). Todas as
alças desse segmento intestinal apresentam-se totalmente cobertas por peritônio. Sua
grande mobilidade é decorrente esua xação à parede posterior do abdome ser feita
por meio do mesentério, um duplo folheto de peritônio visceral que surge da parede
posterior do abdome, reetindo-se sobre a alça intestinal. A maioria das alças intesti-
nais está recobertas pelo omento maior. Além do mais, o intestino grosso circunda o
jejuno-íleo nas porções superior e lateral. Inferiormente, as alças desse segmento intes-
tinal repousam sobre a cúpula vesical, o útero e o reto superior e médio.
Figura 2.9 Fotos representativas de alças intestinais jejunais (A) e ileais (B) destacando as diferenças descritas no
texto.
- Artéria ileocólica e artéria cólica direita, que são ramos da artéria mesen-
térica superior.
O cólon sigmoide, com cerca de 40cm, tem formato de “S”. Tem início na
abertura pélvica, atravessa anteriormente o sacro, e encontra-se voltado para o
lado direito da pelve. A partir daí, curva-se para a esquerda até a linha média, ao
nível da terceira linha de fusão do sacro, onde se dobra para baixo em direção ao
reto. Está geralmente localizado entre o recesso retovesical e o recesso retouteri-
no. O cólon sigmoide possui um longo mesentério, o mesocólon sigmoide, que o
xa à parede pélvica.
2.8 RETO
Figura 2.11 Esquema geral do reto e canal anal. Inferior ao colo sIgmoide o intestino grosso dirige-se longitudinalmente
formando o reto. Os 3 ou 4 cm terminais recebem o nome de canal anal, rodeado por músculos esfíncteres externo e interno.
84 Sistema digestório: integração básico-clínica
A palavra câncer tem origem do latim karkinOma” e quer dizer caranguejo. Ela foi usada por Hipócrates na antiga Grécia, para indicar o aspecto de uma
massa central de onde partem prolongamentos que invadem tecidos adjacentes como se fossem as patas de um caranguejo. Hoje sabemos que o que
chamamos de câncer se refere a um conjunto de mais de 100 doenças que compartilham o crescimento desordenado como característica.
As causas de câncer são em geral variadas e complexas envolvendo agentes externos, como hábitos alimentares, estilo de vida e infecções, e agentes
internos como a genética do indivíduo, aspectos celulares da geração de energia e da homeostasia dos tecidos. Hoje sabemos que:
1-Câncer é uma doença genética. Mesmo fatores ambientais ou infecciosos, que propiciam o desenvolvimento de cânceres, alteram a estabilidade
genômica e/ou a expressão de genes humanos.
2- O câncer é o resultado de um processo de múltiplos passos. Levando em consideração a idade média da população acometida por cânceres
esporádicos, modelos matemáticos estimam que são necessários de 4 a 7 eventos para que o câncer ocorra. A cada evento, identica-se na massa
tumoral características progressivamente mais malignas, incluindo a formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) e a colonização de tecidos
adjacentes ou distantes (metástase). A racionalização desses eventos os agrupou em classes que afetam: a manutenção da sinalização proliferativa,
evasão aos supressores decrescimento, a resistência a morte celular, a imortalidade replicativa, a indução de angiogênese, a invasão e metástase.
Subjacente a estas características é a instabilidade do genoma e a inamação, ambos facilitam a geração de diversidade genética que acelera a
aquisição de genótipos malignos. Um corpo crescente da pesquisa sugere que há ainda duas características adicionais ao câncer que estão envolvidas
na patogênese de alguns e talvez todos os cânceres. Uma delas envolve a capacidade de modicar ou reprogramar o metabolismo celular, a m de
apoiar de forma mais ecaz a proliferação neoplásica. A segunda permite que as células cancerosas fujam da destruição imunológica, em especial
dos linfócitos T e B, macrófagos e células natural killer.
3- O tumor tem origem clonal, mas é heterogêneo. Embora todas as células compartilhem uma origem celular neoplásica comum, distintos graus de
malignidade podem ser percebidos na massa tumoral. Nesse contesto, destaca-se a ideia de uma célula-tronco tumoral: uma célula com característica
maligna, que expressa marcadores de progenitores/células-tronco e que seria o principal componente celular na manutenção do tumor. Além disso, há
células normais recrutadas, que formam o estroma tumoral que são participantes ativos na tumorigênese por produzir fatores que por exemplo promovem
proliferação, ou facilitam a invasão tecidual.
4- O ambiente exerce um papel selecionador das subpopulações cancerosas. As variações presentes nas subpopulações celulares cancerígenas fornecem
repertório genético amplo, que podem conferir vantagem seletiva frente `as pressões do sistema imune ou agentes quimioterápicos favorecendo `a
persistência ou recidiva do tumor.
Devido ao aumento da expectativa de vida do brasileiro as neoplasias ocupam o segundo lugar como causa de óbito, sendo o colorretal a terceira causa
mais comum de câncer no mundo em homens e a segunda em mulheres (ver Quadro 2.2).
Cientistas no Brasil e no mundo vêm estudando cânceres que acometem o tubo digestivo de variadas maneiras e enfoques. São exemplos de
pesquisa clínica e pré-clínica os estudos moleculares no organismo in vivo através do uso de modelos de animais geneticamente modicados, o
desenvolvimento de vacinas antitumorais, os desenhos e testes de novos fármacos que interferem com a angiogênese, e novas abordagens técnicas
de diagnóstico por imagem (ver Quadro 2.2). A esperança é que o câncer, se não curável, se torne uma doença crônica com exames não invasivos
de rotina e medicação personalizada.
86 Sistema digestório: integração básico-clínica
MICROSCOPIA: A) Mucosa colônica normal, caracterizada por epitélio colunar mucossecretor, com células caliciformes (asterisco).Os núcleos são basais e
regulares. B) Adenocarcinoma bem diferenciado do cólon. Estruturas glandulares, constituídas por epitélio colunar pseudoestraticado, com células cilíndricas
com núcleo atípico, volumoso, eucromático ou hipercromático (Departamento de Patologia. FM – UFRJ).
Histologicamente, 95% dos tumores colorretais são adenocarcinomas. A diferenciação celular pode variar de células altas e colunares, em arranjo glandular (tipo
intestinal), que inltram a parede, até massas constituídas por células francamente anaplásicas (tumor indiferenciado). O tumor, quando invasivo, provoca reação
desmoplásica levando à consistência rme, devido à neoformação conjuntiva excessiva, que acompanha a proliferação das células neoplásicas.
Podem ser observadas, ainda, algumas exceções como: focos de diferenciação endócrina, células neoplásicas com citoplasma preenchido por muco ou com
aspecto em anel de sinete”, carcinoma mucinoso, carcinoma indiferenciado de pequenas células e o carcinoma do canal anorretal, no qual predomina o
padrão epidermoide. Tumores associados à HNPCC tendem a ser pouco diferenciados e ricos em mucina.
Reinaldo Barreto Oriá & Gerly Anne de Castro Brito 87
(A) (B)
(A) Imagem de BMU do cólon de camundongo contendo as camadas mucosa (Mu) hiperecoica, muscular da mucosa (Mm)
hipoecoica, e muscular externa (Me) hipoecoica. A região central refere-se à presença de um linfoma (Li), hipoecoico. Os traços
horizontais hiperecoicos, nas partes inferior e superior, referem-se à membrana de PVC e à superfície da placa de sara (Sa),
respectivamente. (B) Histologia obtida através coloração com hematoxilina e eosina. (Créditos ao CNPq e FAPERJ pelo apoio
nanceiro ao projeto de desenvolvimento da instrumentação de BMU).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIU, C.; CRAWFORD, J.M. O trato gastrointestinal. IN: ROBBINS & COTRAN.
Patologia – Bases patológicas das doenças. Elsevier, 2005.
3.1.1 HISTÓRICO
pôde, todavia, começar a ser obtida por volta do século XIX, com o uso de téc-
nicas mais renadas, como os estudos de corrosão, por Hugo Rex (1861-1936)
e James Cantlie (1851-1926), quando então os conceitos de divisão desse órgão
com base em seus limites externos puderam nalmente começar a ser questiona-
dos. Uma contribuição fundamental e denitiva para a melhor compreensão e
segmentação do fígado foi nalmente dada por Claude Couinaud (1922-2008),
que introduziu o conceito fundamental de anatomia segmentar do fígado (ver
adiante), o qual é atualmente base para o planejamento da grande maioria das
ressecções hepáticas cirúrgicas.
3.1.3 VASCULARIZAÇÃO
Figura 3.3 Representação fotográfica (C) e esquema (B) do ligamento hepatoduodenal, evidenciando
as suas estruturas mais relevantes. A: Esquema geral. f: fígado; d: duodeno; e: estômago; vb: via biliar; vp:
veia porta; vpe: ramo esquerdo da veia porta; vpd: ramo direito da veia porta; ah: artéria hepática; ahd:
artéria hepática direita; ahe: artéria hepática esquerda; tc: tronco celíaco.
94 Sistema digestório: integração básico-clínica
A drenagem venosa do fígado se dá por meio das veias hepáticas que sur-
gem no interior do parênquima, destacando-se três veias de maior calibre: direita,
média e esquerda (Figura 3.4). Essas três veias ultimamente drenam para a veia
cava retro-hepática na sua porção mais superior, sendo que a veia hepática es-
querda e a média mais comumente unem-se em tronco único. O sistema descrito
é responsável pela drenagem de todo o fígado, à exceção do lobo caudado, que
possui drenagem por diversos pequenos ramos que deságuam diretamente na
veia cava. A drenagem linfática se dá inicialmente para linfonodos localizados no
ligamento hepatoduodenal, incluindo-se alguns retrocoledocianos e ao longo da
artéria hepática. Embora o sítio nal de drenagem desses linfonodos seja para os
linfonodos celíacos, há grande intercomunicação dessa drenagem com os linfono-
dos pancreaticoduodenais posteriores.
Reinaldo Barreto Oriá 95
3.1.6 INERVAÇÃO
Figura 3.5 A segmentação hepática. Linha amarela: cisura lobar. Linha branca: cisura segmentar
direita. Linha vermelha: cisura segmentar esquerda. SPD: setor posterior direito. SAD: setor anterior direito.
SME: setor medial esquerdo. SLE: setor lateral esquerdo.
Reinaldo Barreto Oriá 97
mais distal, sendo a única porção visível a partir da face diafragmática. O corpo
corresponde à maior parte da glândula, de tamanho variável e formato aproxima-
damente cilíndrico. O colo corresponde ao alamento que surge a partir do corpo
e que emite por sua vez o ducto cístico. A vesícula apresenta duas faces: a que está
em contato com o fígado é desprovida de peritônio e faz uma impressão sobre
a face visceral deste órgão. A face visceral é recoberta pelo peritônio e apresenta
aspecto brilhoso.
3.2.1 HISTÓRICO
Nenhum órgão no corpo humano é circundado tão intimamente por tantas ou-
tras entidades anatômicas como o pâncreas, estando o órgão diretamente relacionado
ao duodeno, estômago, baço, rim esquerdo, cólon transverso, jejuno e ureter direito.
Localiza-se posteriormente ao estômago, com íntima relação com arco duo-
denal em sua porção mais proximal, deslocando-se posteriormente em um trajeto
ascendente que varia entre 15 e 25 cm, até se aproximar do pedículo (ou hilo) es-
plênico. É descrito como tendo cinco partes: cabeça, colo, corpo, cauda e processo
uncinado (Figura 3.7).
3.2.4 VASCULARIZAÇÃO
3.2.6 INERVAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Figura 3.10 A reconstrução dos uxos portal (A) e biliar (B) no transplante hepático é realizada por meio de anastomoses
término-terminais.
Reinaldo Barreto Oriá 105
Figura 3.11 Esquema evidenciando o enxerto de transplante pancreático (A), bem como a forma habitual de sua implan-
tação nos vasos ilíacos do receptor (B).
106 Sistema digestório: integração básico-clínica
O tratamento de diversas condições patológicas como tumores e infecções hepáticos está associado à remoção de quantidades variáveis do órgão
(cirurgias denominadas de hepatectomias). Para isso, o cirurgião deve ter um conhecimento bastante profundo da anatomia hepática bem como de sua
segmentação. De uma forma geral, a remoção de uma parte do tecido hepático deve ser feita de maneira que o funcionamento do restante do órgão não
que comprometido e preservando ao máximo a circulação sanguínea. Sendo assim, a primeira etapa de uma hepatectomia é se liberar os ligamentos
daquele segmento de fígado que se pretende ressecar a partir da sua secção. Após isso, os vasos arteriais e portais que vascularizam o segmento de fígado
a se ressecar devem ser ligados, o que pode ser feito a partir da dissecção das estruturas hilares ou pela sua abordagem direta sobre o parênquima hepático
(Figura 3.12A). Após isso, o euxo de sangue é também bloqueado a partir da ligadura de uma das veias hepáticas (Figura 3.12B), vericando-se assim a
isquemia do parênquima hepático (Figura 3.12C). Finalmente, o parênquima hepático é transsecionado com a ligadura dos pequenos ramos localizados no
seu interior (Figura 3.12D). De uma forma geral, indivíduos que possuem fígados saudáveis podem ter até 80% de seu parênquima ressecado, desde que o
fígado remanescente tenha o seu inuxo e euxo sanguíneos e drenagem biliar preservados. Para isso, um respeito à segmentação hepática é preconizado.
Figura 3.12 Etapas das hepatectomias. A: Ligadura dos ramos portais (p). B: Ligadura da veia hepática direita (v). C: Isquemia
dos segmentos hepáticos que se deseja ressecar. D: Aspecto nal após a transecção do parênquima.
4
CAPÍTULO
IMAGEM DO
TUBO DIGESTIVO E
GLÂNDULAS ANEXAS
Jesus Irajacy F. da Costa
Figura 4.1 Radiograa de tórax em PA, representando as diversas densidades básicas em ordem crescente: ar (pulmões);
gordura (tecido subcutâneo nas axilas); aquosa (coração, vasos, diafragma, músculos) e cálcica (clavículas, arcos costais).
Figura 4.2 Alças intestinais delgadas distendidas com gás. Típico pregueado mucoso.
Figura 4.3A Trânsito intestinal. Opacicação de Figura 4.3B Colangiograa transoperatótria. Diver-
alças intestinais delgadas com pregueado mucoso característico. tículo duodenal com compressão sobre o colédoco.
Reinaldo Barreto Oriá 111
Figura 4.6 Vesícula biliar distendida, contendo cálculos (com sombra) e conteúdo líquido espesso (debris).
114 Sistema digestório: integração básico-clínica
inócuo (não usa radiação ionizante), e em mãos experientes e bem treinadas, com
alta sensibilidade, sobretudo para doenças do fígado, vesícula e vias biliares.
Figura 4.7A Doença hepática difusa hepatopatia crônica). Fígado heterogêneo e de contornos irregulares e bardas rombas.
Figura 4.9C Angiotomograa em 3D: Aorta, tronco Figura 4.9D Colonoscopia virtual por TC: normal.
celíaco, vasos mesentéricos e vasos ilíacos.
Figura 4.10 Câmara gástrica e alças intestinais contrastadas. Fígado (dir), baço (esq), pâncreas, artéria mesentérica,
aorta e rins.
RM do abdome, cortes axiais em T1 (11A): (líquor no canal raquiano com hipossinal) e em T2 (11B) (líquor com hipersinal): cicatriz
(setas) de HNF (hiperplasia nodular focal) com hipos-sinal em T1 e hipersinal em T2.
122 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 4.12 Colangio-RM demonstrando a anatomia da vesícula, vias biliares, do ducto de Wirsung (setas brancas) e do
duodeno (cabeça de seta).
Em razão do seu forte campo magnético, deve-se ter atenção aos pacientes e às
pessoas que circulam próximo à máquina de RM. Implantes metálicos ferromagné-
ticos como, clipes de aneurisma, implantes cocleares, válvulas cardíacas metálicas
e marca-passos cardíacos, são contraindicações absolutas para quem pretende se
submeter à RM, pelo risco desses dispositivos serem deslocados ou pelo seu mau
funcionamento. Há a possibilidade de lesões graves, com risco até de morte.
Os contrastes orais em RM têm o objetivo de alterar a intensidade de sinal
da luz do trato digestivo. Assim, poderão ser utilizados contrastes à base de ferro,
disponíveis comercialmente; porém esses contrastes são caros e podem desenca-
dear reações desagradáveis como dor abdominal ou diarreia. Recentemente, al-
guns grupos obtiveram bons resultados com contrastes naturais como açaí e leite.
Os contrastes endovenosos em RM são constituídos principalmente por ga-
dolinium quelado com DTPA. Eles exercem funções semelhantes às dos contrastes
endovenosos utilizados em TC, realçando as características anatômicas do corpo
humano bem como permitindo a identicação e compreensão das doenças.
Enm, os métodos de diagnóstico por imagem se aperfeiçoam a cada dia,
acompanhando os avanços tecnológicos e proporcionando, assim, benefícios in-
contestáveis no estudo anatomopatológico. Cabe a nós, portanto, estudá-los e
compreendê-los em sua plenitude no sentido de otimizar as respectivas aplicações
no campo médico e cientíco.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATLAN, H.; DOYON, D.; HALIMI, Ph.; SIGAL, R. Imagerie par Résonance
Magnétique: Bases d’Interpretation. Paris: Springer-Verlag, 1988.
BREE, R. L.; MARN, C. S.; SILVER, T. M. Imaging of the Liver and Biliary Tree.
Radiologic Clinics of North America. 29: 1151-1327, 1991.
DACHMAN, A. H.; FRIEDMAN, A .C. Radiology of the Liver, Biliary Tract, and
Pancreas. Mosby. 1994.
5.1 INTRODUÇÃO
A busca constante pelo entendimento dos instigantes e intricados processos
por meio dos quais um ser humano se forma completamente a partir de uma
única célula é inerente ao ser humano, e, parte deste mistério, corresponde ao
entendimento do genoma humano, a carta magna responsável pela vida. Uma só
célula tem potencialidade para dar origem ao um novo ser e responder por uma
série de questões morfológicas e comportamentais que acompanham o indivíduo
durante toda sua vida.
128 Sistema digestório: integração básico-clínica
Quadro 5.1 Esquema compreendendo os três estágios do período pré-natal e sua cronologia em dias.
Figura 5.1 Representação esquemática da liberação do óvulo pelo folículo de Graaf e seu encontro com os espermato-
zoides.
Figura 5.2 Representação esquemática do trajeto do óvulo/ovo na trompa de Falópio, ou tuba uterina, e suas
correspondentes divisões celulares.
Reinaldo Barreto Oriá 133
Figura 5.3 Desenho representativo do blastocisto implantado na mucosa uterina, onde se estabelece uma relação
materno-embrionária. Fonte:MOORE, K. L.; PERSAUD, T. V. N. Embriologia Clínica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
gan, 2000. p. 40.
A B C
Figura 5.4 Microscopia óptica, vistas dorsal (A) e ventral (B) do embrião em sua fase bidérmica. Em (C) eletromi-
croscopia eletrônica de varredura, embrião com 20mm. Fonte: Imagens cedidas pela Prof. Dra. Kathleen Sulik.
Reinaldo Barreto Oriá 135
Figura 5.5 Desenho esquemático de um corte transversal de um embrião no estágio de disco trilaminar, onde o
ectoderma está representado em azul, o mesoderma, em vermelho e o endoderma, em amarelo. A notocorda representa o
eixo da linha média do embrião.
Figura 5.6 Eletromicrografia de varredura de embrião humano por volta da quarta semana de vida intrauterina, em
flagrante processo de neurulação, em dois diferentes cortes (A e B). Fonte: Imagens cedidas pela Prof. Dra. Kathleen Sulik.
Reinaldo Barreto Oriá 137
A
138 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 5.7 Desenho representativo de um corte transversal do embrião no momento em que está ocorrendo a neuru-
lação. As pregas neurais se elevam e se fusionam, formando o tubo neural. O tubo neural separa-se, então, do ectoderma
superficial. As setas indicam a migração das células das cristas neurais.
B C
Reinaldo Barreto Oriá 139
Figura 5.8 Esquema representativo de embrião humano com aproximadamente 23 dias, durante processo de
neurulação (A), eletromicroscopia de varredura (B), microscopia óptica (C). Fonte da Imagem 5.8-A: Imagem cedida pela
Prof. Dra. Kathleen Sulik. Fonte das Figuras 5.8-B e 5.8-C: ALLEN, W. M.; CORNER, G. W. Physiology of the cor-pus luteum:
III. Normal growth and implantation of embryous after very early ablation of the ovaries, under the influence of extracts of
the corpus luteum. American Journal of Physiology, v. 88, n. 2, p. 340-346, Mar. 1929.
Na época do fechamento do tubo neural e subsequente separação do ectoder-
ma, uma população especial - células das cristas neurais - migra dorsolateralmente
de ambos os lados do tubo neural (Figura 5.7, setas). Como verdadeiros lençóis, elas
saem do ectoderma e invadem o mesoderma subjacente, criando associações celula-
res, dando origem às células ectomesenquimais. Esta nova população celular oferece
possibilidades vitais para o desenvolvimento subsequente do embrião, é importante
na formação do mesênquima ou tecido conjuntivo embrionário, fundamental para
140 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 5.9 Microssomia hemifacial. (A) vista extrabucal frontal; (B) e (C) vista extrabucal dos perfis direito e es-
querdo; (D) e (E) vista extrabucal das orelhas direita e esquerda apresentando malformação. Fonte: Arquivo do Hospital de
Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.
Figura 5.10 Representação de um corte transversal de um embrião tridérmico. Após o dobramento do embrião,
142 Sistema digestório: integração básico-clínica
temos delineado os tubos: neural (TN) e gastrointestinal (TG). As setas indicam as direções das migrações das células da crista
neural, que se iniciam na terceira semana.
A B
Figura 5.11 Representação esquemática da migração subectodérmica de células das cristas neurais (setas) num
embrião tridérmico.
A B C
Figura 5.13 (A) Esquema de um embrião de aproximadamente 5 semanas, onde se observam em sua superfície ex-
terna os quatro pares de arcos faríngeos (numerados em algarismos romanos), separados pelos sulcos faríngeos. Nesse período,
a face do embrião encontra-se comprimida entre o prosencéfalo ou cérebro primitivo (P) e a proeminência cardíaca (C). Em (B)
eletromicroscopia de varredura de embrião humano com cinco semanas de vida. Fonte: Imagens cedidas pela Prof. Dra. Kathleen
Sulik.
D
Nesse período, a face do embrião ainda é constituída de um aglomerado de
processos, um frontal, dois maxilares e dois mandibulares (Figura 5.12). Um dos
primeiros eventos na formação das estruturas faciais é a fusão das extremidades
mediais dos processos mandibulares na linha média para formar o mento e o
144 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 5.14 Fissura mandibular ou fissura mediana inferior. (A) vista extrabucal frontal; (B) e (C) vista extrabucal
dos perfis direito e esquerdo; (D) vista intrabucal inferior. Nota-se a completa separação dos segmentos mandibulares direito
e esquerdo. Fonte: Arquivo do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.
Reinaldo Barreto Oriá 145
Figura 5.15 Embrião humano com aproximadamente oito semanas de vida. Observe a flexão cervical e o apare-
cimento dos membros superiores e inferiores. Em ambas as figuras, flagra-se o reduzido espaço para o desenvolvimento da
face, comprimida entre a cabeça e o coração do embrião, desproporcionalmente maiores do que ela. Fonte: Imagens cedidas
pela Prof. Dra. Kathleen Sulik.
Figura 5.16 Desenvolvimento da face: eletromicrografia de varredura de um embrião humano com aproximada-
mente sete semanas de vida, onde se destaca, unilateralmente no embrião de rato, a formação dos processo nasal lateral (1),
processo nasal medial (2) e fossa nasal (3). Fonte: Imagens cedidas pela Prof. Dra. Kathleen Sulik.
Figura 5.17 Eletromicrografia de varredura de embrião com aproximadamente 6,5 semanas, observe o aspecto de
olhos de peixe. Fonte: Imagens cedidas pela Prof. Dra. Kathleen Sulik.
maxilares, e dos processos maxilares com o processo nasal lateral na base do na-
riz, denem a face ao nal do estágio embrionário. Por m, o comprimento dos
lábios é denido na região da comissura labial e estabelecido com a fusão dos
processos maxilar e mandibular (SILVA FILHO; FREITAS, 2007).
Ainda neste período, uma cunha de células epiteliais penetra no tecido con-
juntivo subjacente ao longo dos processos maxilar e mandibular para separar o
tecido do futuro rebordo alveolar do lábio. Ao mesmo tempo, a segunda lâmina,
localizada lingualmente à primeira, surge no rebordo alveolar e dá origem aos ór-
gãos epiteliais do esmalte. Somados às papilas dentárias adjacentes originadas do
tecido conjuntivo, estes órgãos se diferenciam rapidamente para formar o esmalte
e a dentina dos dentes (AVERY, 1991).
O mecanismo pelo qual ocorre a fusão dos processos faciais é explicado
primeiramente pela aderência epitelial que ocorre quando os processos se encon-
tram. O epitélio então é destruído, e o mesênquima de um processo se une ao
mesênquima do outro, fenômeno conhecido como mesodermização.13 A atuação
de fatores teratogênicos nesta fase do desenvolvimento pode contribuir com a
ausência ou falha na mesodermização dos processos, originando, por exemplo, o
aparecimento de ssuras labiopalatinas (AVERY, 1991; SILVA FILHO; FREITAS;
A B
OZAWA, 2000; SILVA FILHO; FREITAS, 2007).
As ssuras labiopalatinas são estabelecidas precocemente na vida intrauteri-
na, mais precisamente até a 12ª semana gestacional, ou seja, no nal do período
embrionário (SILVA FILHO; FREITAS, 2007). O comprometimento anatômico
das ssuras está diretamente relacionado à época de atuação do fator terato-
gênico responsável pela sua formação e à época de fusão dos processos faciais
envolvidos, portanto, as ssuras de lábio e de rebordo alveolar se formam até a 8ª
semana, enquanto as de palato, até a 12ª semana (DIEWERT, 1983). Quanto mais
cedo atuar o fator teratogênico, mais grave será a ssura. As ssuras mais comuns
são aquelas que envolvem, simultaneamente, o palato primário e o secundário, as
denominadas ssuras transforame incisivo ou ssuras completas de lábio e palato
C
(Figura 5.18). Este tipo de ssura representa um grande desao para os prossio-
nais envolvidos em sua reabilitação, exigindo um protocolo de tratamento que se
inicia com as cirurgias primárias, nos primeiros meses de vida, até a idade adulta.
As ssuras podem ainda acometer somente o lábio, o lábio e o rebordo alveolar
ou o palato. A Figura 5.19 ilustra uma paciente apresentando uma ssura que
acometeu o lábio e o rebordo alveolar do lado esquerdo. Neste tipo de ssura,
somente a ruptura do lábio e rebordo alveolar ocorreu, preservando a integridade
do palato, sendo denominada, então, ssura incompleta unilateral, pois acometeu
150 Sistema digestório: integração básico-clínica
A B
C D
Figura 5.18 Fissura completa de lábio e palato do lado esquerdo (A e B). A lesão envolve a maxila como um
todo, do lábio até a úvula (C). A parte óssea, a partir do assoalho nasal, está dividida em dois segmentos. Fonte: Arquivo do
Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.
E F
Reinaldo Barreto Oriá 151
G
152 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 5.19 Paciente apresentando fissura pré-forame incisivo unilateral do lado esquerdo (A e B). O protocolo
A B C
reabilitador iniciou-se com a cirurgia de fechamento de lábio (C e D), acompanhamento de crescimento (E, F e G). A atuação
de outras especialidades odontológicas faz parte da rotina desses pacientes. Fonte: Arquivo do Hospital de Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.
D E
Figura 5.20 Face de embrião próximo ao final do período embrionário. Os processos faciais unidos conferem ao
embrião suas feições humanas, embora ainda rudimentares. Fonte: Imagens cedidas pela Prof. Dra. Kathleen Sulik.
Reinaldo Barreto Oriá 153
Figura 5.21 Esquema demonstrando o desenvolvimento da face humana, onde os processos maxilares estão
representados em amarelo, os processos nasais laterais, em azul e os processos nasais mediais, em vermelho, em embriões
de aproximadamente quatro semanas (A), 5,5 semanas (B), 6,5 semanas (C) e final da sétima semana (D). Na face adulta
(E) estão representados, de maneira aproximada, os derivados dos processos nasais mediais, processos nasais laterais e
processos maxilares.
Durante o período fetal, a face cresce emergindo da base do crânio e tem sua
proporção alterada em relação ao todo, mas seu desenho já está praticamente de-
nido por volta da oitava semana, aproximadamente (DIEWERT, 1985; HOWE;
HAWKINS, WEBSTER, 2004). A base do crânio tem sua angulação estabelecida
nos períodos embrionário e fetal e não é objeto de grandes mudanças desde então.
Os padrões humanos de angulação da base craniana e posição maxilar desenvol-
vem-se no nal do período embrionário, quando o rápido crescimento direcional
154 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 5.22 Representação esquemática da localização do forame incisivo no palato. O forame incisivo é o marco
embriológico que separa o palato primário ou pré-maxila, localizado anteriormente ao forame, do palato secundário ou
posterior, localizado posteriormente ao forame incisivo. O resquício embrionário da origem do palato secundário na vida
pós-natal é a sutura palatina mediana. Fonte:SILVA FILHO, O. G.; FREITAS, J. A. S. Caracterização morfológica e origem
embriológica. In: TRINDADE, I. E. K.; SILVA FILHO, O. G. (Coord.). Fissuras labiopalatinas: uma abordagem interdisciplinar.
São Paulo: Editora Santos, 2007. p. 17-49.
Reinaldo Barreto Oriá 155
Figura 5.23 Corte histológico frontal de embrião humano com aproximadamente seis semanas de vida. (A) observe
o desenvolvimento das lâminas palatinas (PS) no sentido medial, a presença do septo nasal (NS) e da língua interpondo-se
a elas. Em (B) e (C) observa-se a fusão dos processos palatinos (PS) com o septo nasal (NS) definindo a morfologia do palato
posterior. Fonte: JOHNSTON, M. C.; SULIK, K. K. Desenvolvimento da face e da cavidade oral. In: BHASKAR, S. N. (Ed.).
Histologia e Embriologia Oral de Orban. 10a. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1989. cap.1, p. 1-23.
Figura 5.24 - Esquema representativo do processo de redução da flexão dorsal de embrião em fase de transição para feto.
Reinaldo Barreto Oriá 157
Figura 5.25 Paciente com Sequência de Robin. A tríade clássica, composta por micrognatia, fissura isolada de palato
e glossoptose leva a denominação de Sequência de Robin. Em (A) (B) e (C) vistas extrabucais de frente, perfis esquerdo e
direito, respectivamente. Em (D), observa-se a grande deficiência mandibular, característica dos pacientes com Sequência
de Robin, observada mesmo na vista frontal. Em (E) vista intrabucal mostrando a separação total do palato posterior. Fonte:
Arquivo do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.
158 Sistema digestório: integração básico-clínica
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTOS
Agradecemos gentilmente à Dra. Kathleen K. Sulik, pesquisadora do Depar-
tament of Cell and Development Biology/ University of North Caroline US, pela
cessão das imagens 4, 6, 8, 13, 15, 16, 17 e 20 apresentadas neste capítulo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A B
Figura 6.1 – Formação do intestino anterior, médio e posterior pelo dobramento craniocaudal (A) e lateral (B) do
embrião, representado em corte longitudinal e transversal, respectivamente.
166 Sistema digestório: integração básico-clínica
6.1.1 ESÔFAGO
O esôfago forma-se na porção inicial do tubo digestório, logo após a farin-
ge, persistindo sob a forma de tubo (Figura 6.2). O mesoderma subjacente ao
epitélio endodérmico diferencia-se em músculo estriado na região cefálica (dois
terços superiores) e músculo liso na região caudal, cando a região intermediária
com os dois tipos de músculo. O lúmen ou luz esofágica forma-se a partir de um
processo de proliferação da mucosa derivada do endoderma, obliterando o lúmen
até a recanalização do esôfago que normalmente acontece no nal do período
embrionário, por volta da oitava semana. Nesse período, são formados vacúolos
que subsequentemente coalescem, gerando um lúmen. A recanalização incomple-
ta leva à estenose, ou seja, estreitamento da luz do esôfago.
Inicialmente, o esôfago é curto, mas, com a descida do coração, se alonga,
alcançando seu comprimento nal relativo durante a sétima semana. Caso o esô-
fago deixe de se alongar o suciente durante o desenvolvimento do pescoço e do
tórax, parte do estômago pode se deslocar para o tórax, através do hiato esofági-
co, caracterizando uma hérnia congênita do hiato.
Figura 6.2 – Corte mediano de um embrião, mostrando o sistema digestivo como tubo longo que se estende por todo
o comprimento do embrião e seu suprimento sanguíneo. A artéria celíaca irriga as estruturas derivadas do intestino anterior;
a artéria mesentérica superior irriga as estruturas derivadas do intestino médio e a artéria mesentérica inferior irriga as
estruturas derivadas do intestino posterior.
Reinaldo Barreto Oriá 167
Figura 6.3 – Representação esquemática de anomalias do desenvolvimento esofágico. A) Atresia de esôfago com
fístula traqueoesofágica distal; B) atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica proximal; C) atresia de esôfago com fístula
traqueoesofágica proximal e distal; D) fístula traqueoesofágica sem atresia.
6.2.2 ESTÔMAGO
Na metade da quarta semana do desenvolvimento, uma dilatação na porção
nal do intestino anterior, delimita o primórdio do estômago. Inicialmente, a face
dorsal do estômago cresce mais rapidamente do que sua face ventral, resultando
na grande curvatura. À medida que o estômago cresce e adquire a sua forma
adulta, ele roda 90 graus no sentido horário, de tal forma que sua face ventral,
a pequena curvatura, se desloca para a direita e a dorsal, grande curvatura, se
168 Sistema digestório: integração básico-clínica
desloca para a esquerda, o que justica a inervação da parede anterior pelo nervo
vago esquerdo e a da parede posterior pelo nervo vago direito.
A anomalia relacionada ao estômago mais comum é a estenose pilórica hi-
pertróca congênita, onde ocorre hipertroa das bras musculares do piloro, re-
sultando em grave estenose do canal pilórico e obstrução à passagem de alimen-
tos. O estômago torna-se muito distendido e o bebê expele o conteúdo gástrico
em vômitos fortes e em jato.
A artéria celíaca, um dos grandes ramos da aorta, irriga a maior parte das es-
truturas derivadas do intestino anterior, como o a porção abdominal do esôfago,
estômago, o duodeno, o fígado e o pâncreas (Figura 6.2).
6.2.3 FÍGADO
O endoderma hepático forma um epitélio colunar, circundado por uma
membrana basal que é interrompida, e os hepatoblastos (precursores hepáticos)
se delaminam e migram para o estroma adjacente e formam o brotamento hepá-
tico, no início da quarta semana (Figura 6.4)
A fase de expansão hepática depende de contínua interação de hepatoblastos
e o tecido mesodérmico adjacente. As células endoteliais que circundam o broto
hepático promovem a proliferação dos hepatoblastos e o septo transverso (Figura
6.2) é fonte de BMP (proteína morfogenética) necessária para expansão hepática
(LEMAIGRE, 2009).
O desenvolvimento hepático requer uma malha com vários fatores de trans-
crição, como Hhex, Oncecut 2, Prox 1, e parece ser mediado por metaloprotea-
ses da matriz. Vias de sinalização do mesênquima hepático e células endoteliais,
como FGF, BMP, Wnt, e HGF; bem como fatores de transcrição como Hnf4α,
Tbx3, e Hlx, promovem o crescimento e diferenciação do broto hepático. Os
hepatoblastos são bipotenciais, isto é, os próximos ao mesênquima da veia porta
são induzidos via sinalização Notch a formar células biliares epiteliais; enquanto
os demais se tornam hepatócitos.
A indução gênica no endoderma para a formação do fígado de camundongos
começa quando se inicia a produção de FGF pelo mesoderma cardiogênico. Cons-
tatou-se também que, em embriões de camundongos, o septo transverso produz
BMP-2 e BMP-4, a qual contribui, juntamente com FGF, na indução da expressão
gênica hepática. Faz-se ainda necessários movimentos coordenados do endoder-
ma e mesoderma nestes eventos morfogênicos (LEMAIGRE, 2009).
Experimentos com camundongos sugerem que o ácido retinóico estimula
a proliferação de hepatoblastos, induzindo a produção de fatores trócos pe-
las células mesodérmicas, em vez de agir diretamente nos hepatoblastos. Muitos
componentes da matriz extracelular, como laminina e colágeno dos tipos I e IV,
facilitam a diferenciação hepatocítica. A maturação hepatocítica também requer
Reinaldo Barreto Oriá 169
Figura 6.4 – Corte mediano de um embrião de cinco semanas mostrando o fígado em desenvolvimento a partir do
endoderma do intestino anterior que forma as células biliares epiteliais e os hepatócitos.
6.2.4 PÂNCREAS
O pâncreas surge da fusão do broto dorsal e broto ventral, oriundos da pro-
liferação do endoderma do intestino anterior, induzida por células mesodérmicas
próximas. O divertículo endodérmico pancreático ventral é pequeno em relação
ao dorsal, está situado na região onde se originou o fígado, e seu ducto desemboca
170 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 6.5 – Desenvolvimento pancreático durante a quinta semana embrionária, mostrando a formação do broto
pancreático ventral e dorsal e formação do ducto pancreático principal a partir dos ductos do broto dorsal que se une com o
do broto ventral.
Figura 6.6 – Desenhos esquemáticos ilustrando a rotação do intestino médio de 270o no sentido anti-horário em torno
da artéria mesentérica superior. Na primeira rotação de 180o, o intestino grosso (representado pelo ceco e apêndice) que era
caudal, se torna cefálico (A, B, C e D) e, posteriormente, numa rotação de 90o adicionais, o ceco e o apêndice vão se colocar à
direita (E). À medida que roda, o intestino médio retorna à cavidade abdominal. Adaptado de Keith L Moore Elsevier Sauders.
6.2.6 ONFALOCELE
A falha do intestino médio em retornar para dentro da cavidade celômica
abdominal por volta da décima semana do desenvolvimento causa a onfalocele.
A onfalocele é um defeito de fechamento da parede abdominal, mais precisa-
mente do anel umbilical, com a herniação do conteúdo abdominal. Consiste na
persistência dos componentes intestinais na porção inicial do cordão umbilical.
Os órgãos são envolvidos por uma membrana protetora (membrana amniótica
e peritônio), exceto se ocorreu ruptura da membrana, e os vasos umbilicais es-
tão separados sobre o saco e se unem no ápice, formando um cordão umbilical
de aparência normal. Como falta estímulo para seu crescimento, a cavidade
abdominal é proporcionalmente pequena quando há uma onfalocele (Figura
6.7A). A formação do compartimento abdominal ocorre durante a gastrulação,
uma falha crítica de crescimento nesta época normalmente é associada a outras
anomalias congênitas envolvendo os sistemas cardíaco e urogenital (MOORE,
2012).
174 Sistema digestório: integração básico-clínica
A B
Figura 6.7 - Demonstração fotográca da onfalocele (A), mostrando herniação de órgãos abdominais para o cordão
umbilical recobertos por peritônio e membrana aminiótica com vaso umbilical visível. Demonstração fotográca de gastrosqui-
se (B), apontando alças intestinais expostas. Fotos cedidas pelo Dr. Ricardo Azevedo.
6.2.7 GASTROSQUISE
É um defeito de fechamento de toda a espessura da parede abdominal, de
causa ainda não denida, localizado à direita da cicatriz umbilical, com exterio-
rização do intestino e exposição direta das alças intestinais ao líquido amniótico,
sem a proteção de uma membrana envolvente. A abertura da parede abdominal
mede cerca de 2-4 cm de diâmetro e o cordão umbilical encontra-se bem denido
ao nível da parede abdominal, à esquerda do defeito. Os órgãos sólidos fígados
e baço encontram-se na cavidade peritoneal. O intestino apresenta-se exteriori-
zado à direita do cordão umbilical, sem um saco protetor. O intestino apresenta
aspecto edematoso, endurecido e deformado devido à exposição intrauterina ao
líquido amniótico, que é irritante. Na maioria das vezes, o diagnóstico de gastros-
quise é feito por meio da ultrassonograa pré-natal. O ideal é que a criança com
diagnóstico pré-natal de gastrosquise venha a nascer em unidade neonatal prepa-
rada com equipe habilitada para o tratamento do bebê (Figura 6.7B).
Figura 6.8 - Desenhos ilustrando os estágios sucessivos da divisão da cloaca no reto e no seio urogenital pelo septo
urorretal. (A e B) septo urogenital descendo caudalmente dividindo a cloaca; (B1) pregueamento da parede lateral da cloaca
dividindo a membrana cloacal; (C e D) fusão do septo urorretal com a membrana cloacal formando o períneo; (D1) formação
do períneo, da membrana urogenital e membrana anal. Adaptado de Keith L Moore Elsevier Sauders
176 Sistema digestório: integração básico-clínica
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Daniela Ogias
Reinaldo Barreto Oriá
Estela Bevilacqua
Figura 7.1 - Estágios iniciais da organogênese hepática e pancreática. (A) Durante o fechamento do corpo do embrião na
4ª semana do desenvolvimento, o epitélio do saco vitelino é incorporado ao intestino primitivo. Na parede endodérmica contígua
ao septo transverso e o mesoderma pró-cardiogênico surge a placa hepática. (B) A proliferação das células da placa hepática forma
o divertículo hepático. (C-D) O divertículo hepático cresce no mesoderma do septo transverso e dá origem aos cordões hepáticos, ao
duto cístico e ao broto pancreático dorsal.
Reinaldo Barreto Oriá 181
Figura 7.2 - Dois divertículos podem ser observados na 4a semana do desenvolvimento na base do divertículo hepático (A).
O broto superior forma o duto cístico e a vesícula biliar e o inferior o pâncreas ventral (B). O broto pancreático dorsal se forma a a
partir do endoderma dorsal do intestino primitivo que dará origem ao estômago (A-B). Na 6ª semana do desenvolvimento, o pân-
creas ventral e o duto hepático comum sofrem uma rotação de 180o no sentido horário (B). Os brotos ventral e dorsal do pâncreas
se aproximam e fusionam após a rotação do broto ventral ao redor do intestino (C-E). Os dutos pancreáticos principais do pâncreas
dorsal e ventral também se fusionam e se juntam ao duto biliar, formando o canal de drenagem das secreções pancreáticas. O duto
hepatopancreático compartilha áreas do duto pancreático principal e do duto hepático comum em sua região proximal ao intestino.
o duto pancreático principal. Junto com o ducto biliar comum, o duto principal
desemboca no duodeno em uma região denominada de papila maior. O segmento
proximal do duto dorsal degenera; no entanto, se persistir (em cerca de 10% dos
casos), constituirá o duto pancreático acessório que desemboca na papila menor.
Ao nal de seu desenvolvimento, o pâncreas está fusionado à parede corpo-
ral, tornando-se então um órgão retroperitonial secundário.
Figura 7.3 - Fatores de transcrição e vias de sinalização envolvidos na diferenciação das células pancreáticas. Células
endodérmicas progenitoras ativadas pelos fatores Pdx1 e Ptf1a dão origem à células progenitoras pancreáticas para a forma-
ção dos dutos, ácinos e células endócrinas pancreáticas (modificado de Rojas et al., 2010).
cessária para o correto desenvolvimento das estruturas acinares, uma vez que sua
inativação causa hipoplasia pós-natal da porção exócrina do pâncreas.
7.3 HEPATOGÊNESE
Figura 7.4 - Esquema dos mecanismos regulatórios e marcadores de superfície encontrados durante a diferenciação do
fígado, pâncreas e vesícula biliar.
Figura 7.5 - A ramificação dos cordões hepáticos forma os primeiros ácinos hepáticos por entre a rede capilar que se
constitui entre as veias umbilical e onfalomesentérica ou vitelínica.
Figura 7.6 - O sistema de dutos condutores da bile intra-hepático é oriundo de células-tronco do divertículo hepático,
enquanto que o duto cístico forma o duto biliar. Como os dutos hepáticos e biliar se comunicam ainda não está muito claro.
Figura 7.7 - Durante a morfogênese hepática, o septo transverso entre o fígado e a parede ventral do corpo forma o
ligamento falciforme, e o que fica entre o fígado e o intestino anterior forma o omento menor. Em conjunto, estas estruturas
constituem o mesentério ventral. A superfície cranial hepática mantém o contato com o septo transverso original, que dá
origem ao tendão central do diafragma.
Por volta da 10ª semana de desenvolvimento, o fígado inicia suas funções he-
matopoiéticas. Ilhas de células hematopoiéticas (inicialmente oriundas do saco vite-
lino e posteriormente das regiões aórtica, gonadal e mesonéfrica) colonizam a região
entre os hepatócitos e seus vasos circunjacentes para produzir células sanguíneas:
hemácias e leucócitos. Nessa fase, o peso do fígado atinge aproximadamente 10%
do peso fetal, em razão, dos sinusoides em formação; ao nascimento, esta relação
192 Sistema digestório: integração básico-clínica
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Alice H. Reis
Nathalia G. Amado
Jose G. Abreu
Wells, 2009). Essa via de sinalização promove a expressão de uma rede conserva-
da em vertebrados de fatores de transcrição dentro da linhagem endodermal que
inclui: Foxa2, Sox17, Eomesodermina e Gata4-6. Embora o papel preciso desses
fatores varie entre espécies, juntos eles ativam uma cascata de expressão gênica
que tem como principais funções: 1- Segregar as linhagens endodermais e meso-
dermais; 2- Estabelecer o comprometimento das células a um destino endoder-
mal; 3- Integrar eventos de sinalização responsáveis por regionalizar o endoderma
nascente ( Stainier, 2002; Zorn e Wells, 2007).
Vários fatores de transcrição marcam territórios que darão origem ao esô-
fago, estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado e intestino grosso muito pre-
cocemente no desenvolvimento embrionário. Em camundongos foi observada a
expressão assimétrica de certos genes desde 6.5 - 7 dias pós-coito (dpc). A proteí-
na secretada Cerberus e os fatores de transcrição homeobox Orthodenticle ho-
meobox (Otx) 2, Homeobox expresso em células tronco embrionárias 1 (Hesx1)
e homeobox hematopoieticamente expresso (Hex) são restritos as regiões ante-
riores do endoderma (Wells e Melton, 1999), enquanto Sox17 é necessário para a
formação do endoderma posterior (Kanai-Azuma et al, 2002). Em conjunto, dife-
rentes genes especicarão molecularmente a padronização do trato gastrointesti-
nal, induzindo ao correto desenvolvimento morfológico e funcional dos diversos
órgãos deste sistema (Figura 8.1).
Figura 8.1 - Limites de expressão dos fatores implicados na especificação do endoderma e do mesoderma que contri-
buem na formação de órgãos do trato gastrointestinal.
200 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 8.2 - Modelo de padronização ântero-posterior do tubo digestivo. Durante a gastrulação e somitogênese,
níveis diferenciais nas vias de Wnt, FGF4 e BMP ao longo do eixo ântero-posterior padronizam o endoderma em endoderma
anterior, médio e posterior através de domínios que expressam os fatores Hhex, Sox2, Foxa2, Pdx1 e Cdx. No endoderma
anterior fatores antagonistas de Wnt reprimem a formação do intestino posterior anteriormente, permitindo que estruturas
anteriores se formem nesta região.
202 Sistema digestório: integração básico-clínica
8.7.1.1 FÍGADO
8.7.1.2 PÂNCREAS
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Por uma questão meramente didática, todas as vezes que citarmos Cavidade
Bucal estaremos nos referindo à boca como um todo (vestíbulo mais cavidade
oral propriamente dita). Quando citarmos Cavidade Oral, estaremos nos referin-
do a cavidade bucal propriamente dita.
A cavidade bucal é limitada anteriormente pelos lábios; posteriormente pelo
istmo das fauces; lateralmente pelas bochechas; inferiormente pelo assoalho bucal
e superiormente pelo palato duro e pelo palato mole.
Figura 9.1 - O esquema representa um corte coronal na face, na altura dos pré-molares. Em “A” a fotomicrografia
mostra os tecidos pulpar (p), dentinário (d), ligamento periodontal (PL) e ósseo (b). “B” é um detalhe de “A”, salientando
por meio de setas o cemento, que é o delgado tecido duro que recobre a raiz dentária e provê inserção para o ligamento
periodontal. Em “C” as setas indicam as papilas filiformes – as mais numerosas da língua- em formato de ondas. “D” realça
com a seta uma papila fungiforme ladeada por papilas filiformes. “E” e “F” mostram a mucosa em variadas regiões da boca.
A camada de queratina pode ser visualizada em “F” (setas).
218 Sistema digestório: integração básico-clínica
9.2 LÁBIOS
Localizados anteriormente ao vestíbulo, são duas pregas musculares
(músculo orbicular da boca), formadas de músculo estriado esquelético, e re-
vestidas em suas três faces. Externamente, é revestido por pele. Nesta região,
o epitélio de revestimento é pavimentoso estraticado queratinizado. No teci-
do conjuntivo abaixo, encontramos pelos, glândulas sudoríparas e glândulas
sebáceas. A porção intermediária, conhecida como zona vermelha do lábio,
apresenta um epitélio estraticado pavimentoso levemente queratinizado, e
cujo tecido conjuntivo adjacente é ricamente capilarizado. Finalmente, a face
interna é recoberta pela mucosa bucal. Nesse caso, o epitélio é estratica-
do pavimentoso não queratinizado, com lâmina própria de tecido conjuntivo
frouxo. No tecido conjuntivo, encontramos inúmeras glândulas mucosas, as
glândulas labiais.
9.3 BOCHECHAS
Em vez de três faces, apresentam apenas duas: mas, da mesma forma que os
lábios, apresentam um músculo central, o músculo bucinador, formado de bras
musculares estriadas esqueléticas. Externamente são resvestidas por pele e inter-
namente por uma mucosa de epitélio estraticado pavimentoso não queratiniza-
do e tecido conjuntivo frouxo rico em bras elásticas que se prendem ao músculo
da bochecha, evitando o pregueamento da mucosa durante o processo mastigató-
rio, especialmente quando a boca está fechada.
220 Sistema digestório: integração básico-clínica
9.4 PALATOS
Contínua ao palato duro, mas, em vez de osso, sua mucosa está apoiada em
camadas de tecido muscular estriado esquelético e tecido conjuntivo broso, que
impedem a passagem do ar no momento da deglutição. É formada por mucosa
do tipo revestimento.
9.5 LÍNGUA
Situada na cavidade bucal propriamente dita (e parte na orofaringe), é um
órgão muscular, formado de bras estriadas esqueléticas, que tem importante fun-
ção na condução do alimento para os dentes durante a mastigação, bem como
para a faringe durante a deglutição. Além disso, a língua desempenha importantes
tarefas-gustação, fonação e deglutição. Entre os feixes dos músculos intrínsecos
da língua (aqueles têm origem e inserção no órgão), encontramos tecido conjun-
tivo com vasos sanguíneos e linfáticos, gânglios nervosos, nervos, tecido adiposo
e tecido linfóide. Os músculos intrínsecos estão dispostos em três planos (longitu-
dinal, transversal e vertical) que se cruzam em ângulo reto. Além destes músculos,
existem também músculos estriados esqueléticos que se estendem da língua para
a mandíbula, processo estiloide do crânio e palato mole, chamados de músculos
extrínsecos, e que são responsáveis por mudar a posição do órgão.
Toda essa massa tecidual é recoberta por uma mucosa, cujas características
variam de acordo com a região considerada. A porção da língua voltada para o
palato é denominada dorso lingual e a porção voltada para o assoalho bucal é
denominada ventre lingual.
Reinaldo Barreto Oriá 221
9.6 DENTES
9.6.1 ESMALTE
9.6.2 DENTINA
9.6.3 CEMENTO
9.7 GENGIVA
Quadro 9.1
Os tecidos não mineralizados - polpa e ligamento periodontal - se caracterizam por serem altamente vascularizados e
inervados. Os odontoblastos, responsáveis pela deposição de dentina, se localizam na periferia da polpa dentária, fa-
zendo com que haja uma interação entre polpa e dentina. Desta forma, embora a dentina não possua nervos e vasos em
seu interior, é altamente sensível pela comunicação propiciada pelos túbulos dentinários que conectam o prolongamento
do odontoblasto, contido na dentina, com o seu corpo que se encontra na periferia pulpar.
9.8 FARINGE
A faringe transporta o alimento da boca para o esôfago; mas também o ar
das cavidades nasais para a laringe, portanto é dividida em orofaringe e nasofa-
ringe. A região da orofaringe é revestida por epitélio pavimentoso estraticado,
enquanto que a nasofaringe é revestida por epitélio pseudo-estraticado cilíndrico
ciliado. Numerosas glândulas há na lâmina própria, principalmente na nasofarin-
ge. A faringe tem uma parede músculo membranosa incompleta anteriormente,
onde é substituída pelas aberturas nasais posteriores, istmo orofaríngeo e comu-
nicação da laringe.
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salivares maiores e menores, bem como células descamadas do epitélio oral, mi-
croorganismos e seus produtos, detritos alimentares, componentes do soro e cé-
lulas inamatórias provenientes do sulco gengival. Por outro lado, a saliva total
não é o simples somatório desses componentes; porque muitos desses elementos
podem ser degradados por proteases, ou mesmo removidos da saliva por adesão
à superfície dos dentes e mucosas.
Tabela 10.1 Volume total e uxo salivar em repouso e sob estímulo, em diferentes glândulas salivares (adaptado de
Ten Cate, 2008)
Tabela 10.2 Funções da saliva, relacionadas aos seus diferentes componentes (adaptado de Kaufman et al, 2002)
Efeito-tampão Bicarbonato
Figura 10.1 - Corte de mucosa de palato mole, mostrando glândulas salivares menores. Observa-se a unidade secre-
tora terminal (US) e o ducto excretor (DE), que se abre no epitélio de revestimento (hematoxilina-eosina, escala: 500 µm).
Figura 10.2 - Corte de glândula sublingual, mostrando unidades secretoras formada por túbulos mu-
cosos (M). O asterisco indica o lúmen da unidade secretora. Há dutos estriados (Es). A seta aponta ducto
intercalado (hematoxilina-eosina, escala: 20 µm).
Figura 10.3 - Corte de glândula submandibular, contendo na região central ducto estriado. Observar as estriações
basais eosinofílicas. As unidades secretoras terminais em torno desse ducto são do tipo mista, formadas por túbulos mucosos
circundados por semiluas serosas. Essas unidades mistas são vistas em detalhe na Figura 10.8 (hematoxilina-eosina, escala:
20 µm).
Figura 10.4 - Ducto excretor formado por epitélio pseudoestraticado colunar. O lúmen do ducto apresenta secreção
salivar eosinofílica. O estroma conjuntivo apresenta arteríolas (A), vênulas (V) e feixes nervosos (N) (hematoxilina-eosina,
escala: 20 µm).
Figura 10.5 - Corte de glândula parótida, exibindo unidades secretoras terminais de ácinos serosos. As células
possuem formato piramidal, com núcleo esférico na região basal. O citoplasma, apresenta basolia característica (hematoxi-
lina-eosina, escala: 20 µm).
236 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 10.6 - Corte de glândula sublingual, mostrando unidades secretoras formadas por túbulos mucosos (hemato-
xilina-eosina, escala: 20 µm).
Reinaldo Barreto Oriá 237
Figura 10.7 - Corte de glândula parótida exibindo cápsula (C) de tecido conjuntivo denso não-modelado. Os asteriscos
indicam na trave de tecido conjuntivo, dividindo o parênquima glândular em lóbulos (hematoxilina-eosina, escala: 20 µm)..
Reinaldo Barreto Oriá 239
Figura 10.8 - Corte glândula submandibular, com unidades secretoras terminais mistas, formadas por túbulos muco-
sos (M) circundados por semiluas serosas (setas). Plasmócitos (cabeça-de-seta) são evidenciados em múltiplas áreas (hema-
toxilina-eosina, escala: 20 µm).
240 Sistema digestório: integração básico-clínica
10.2.5 ESTROMA
O estroma ou tecido de sustentação é formado por tecido conjuntivo denso
não-modelado (Figura 10.7). Dessa forma, fazem parte do estroma das glândulas
salivares: a cápsula, septos que partem da cápsula dividindo a glândula em lobos
e lóbulos, além dos vasos sanguíneos, linfáticos e nervos.
Finas traves de tecido conjuntivo carregam, para dentro dos lóbulos arterío-
las, vênulas e capilares da microcirculação, além de ramicações dos nervos do
sistema autônomo que inervam células do parênquima glandular. Os plasmócitos
(Figura 10.8) são abundantes no tecido conjuntivo ao redor das unidades secreto-
ras terminais e dos ductos intralobares. Produzem as imunoglobulinas secretadas
na saliva, em especial IgA.
Figura 10.9 - Corte de mucosa palatina, exibindo epitélio pavimentoso estraticado queratinizado (E) e lâmina
própria ,representada na sua maioria por tecido conjuntivo denso não-modelado (TC). A submucosa apresenta glândula salivar
menor (GS) (hematoxilina-eosina, escala: 50 µm).
Reinaldo Barreto Oriá 245
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DODDS, M. W. J.; JOHNSON, D. A.; YEH, C. K. Health benets of saliva: review.
Journal of Dentistry. 33: 223233, 2005.
NANCI, A. Ten Cate’s oral histology. Development, structure and function. 7 ed.
Ed. Mosby-Elsevier, 2008.
11.1 INTRODUÇÃO
O ciclo de vida de uma célula envolve seu nascimento, diferenciação, migra-
ção, senescência e morte. Para entender mais claramente os mecanismos envolvi-
dos na renovação ou turnover do epitélio gastrointestinal, será apresentada, no
tópico seguinte, breve revisão sobre o ciclo celular e seu controle.
Para informações mais detalhadas, é indicada a consulta de livros didáticos
sobre Biologia Celular e artigos especícos e atualizados.
248 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 11.1 – Diagrama mostrando o ciclo celular de uma célula somática. A interfase compreende as fases de cres-
cimento celular G1 e G2 e a fase de síntese de DNA. A mitose (M) é a fase do ciclo em que a célula se divide e origina duas
células lhas. A célula em G0 está fora do ciclo.
11.2.1 INTERFASE
Durante a interfase, a célula somática duplica a sua massa por um conti-
nuum, resultante da transcrição e da tradução dos genes que codicam as proteí-
nas que constituem o fenótipo celular. Nesta etapa, ocorrem as fases G1 (G= gap,
que signica intervalo), fase do crescimento pós-mitótico, e G2, em que ocorre
basicamente a síntese de RNA, de proteínas e outras estruturas necessárias para o
Reinaldo Barreto Oriá 249
início da divisão celular, como preparativos para a mitose, bem como o reparo de
DNA que possa ter passado por alteração durante a fase S.
Durante a fase S, a célula duplica o seu material genético, o qual posterior-
mente será dividido igualmente entre as duas células lhas. Embora o tempo em
que as células permaneçam em interfase seja bastante variável, estima-se que dure
em média 24 horas em tecidos que se renovam rapidamente.
O período G1 é o mais variável, pois as células podem decidir entre a saí-
da permanente do ciclo celular (p.ex. neurônios) ou apenas por um determinado
período (p.ex. hepatócitos); neste caso, podem retornar ao ciclo sob condições
especícas, como a lesão do tecido. Diz-se, então, que a célula está em G0, em fase
de repouso ou fora do ciclo. Em G1 as células respondem a estímulos tanto posi-
tivos como negativos, podendo ser levadas para o crescimento, a diferenciação, a
divisão ou a morte.
11.2.2 MITOSE
A mitose (Figura 11.2) corresponde à etapa da divisão celular propriamente
dita. A duração da mitose em tecidos adultos com renovação constante e rápida
pode ser muito variável, mas é estimada em uma ou duas horas. É subdividida em
seis estágios sucessivos que resultam na distribuição de dois conjuntos idênticos de
DNA para cada célula lha (cariocinese) e na divisão do citoplasma (citocinese).
Figura 11.2 – Esquema demonstrando as fases da mitose. (adaptado de Neumüller AR, Knoblich JA: Dividing cellular
asymmetry: asymmetric cell division and its implications for stem cells and cancer. Genes Dev. 2009, 23:2675-99).
Figura 11.3 – Esquema demonstrando os momentos e os sinais intracelulares que controlam o ciclo celular. O sistema
de controle do ciclo celular pode interromper o ciclo em vários momentos (checkpoints). (adaptado de Alberts, B, Bray, D,
Hopkin, K, Johnson, A, Lewis, J, Raff, M, Roberts, K, Walter, P. Essential Cell Biology. 2 ed. New York: Garland Science, 2004).
Tabela 11.1 – Principais ciclinas, fases do ciclo em que aparecem e CDK´s às quais se ligam
D G1 CDK4 e CDK6
E G1/S CDK2
A S/M CDK2
B M CDK1
Reinaldo Barreto Oriá 253
Figura 11.4 – Esquema exemplicando o núcleo do sistema de controle do ciclo celular. (adaptado de Alberts, B,
Johnson, A, Lewis, J, Raff, M, Roberts, K, Walter, P. Molecular Biology of the Cell. 5 ed. New York: Garland Science, 2007).
Por exemplo: a ciclina D se liga e ativa CDK4 durante a fase G1, formando
o complexo D-CDK4 que fosforila proteínas de susceptibilidade, e que, por sua
vez, é o controle para ligar e desligar o ciclo celular. A progressão na via da fase
S e o início da síntese do DNA envolvem a formação do complexo E-CDK2. A
transição G2/M é iniciada com a montagem do complexo A-CDK2, que regula
os eventos da prófase. Para que a célula avance por via da mitose é essencial a
formação do complexo B-CDK1, que começa a ser acumulado durante a prófase.
O complexo ciclina B/cdc2 forma o fator promotor de mitose.
A atividade dos complexos ciclina-CDKs é regulada por meio dos inibido-
res de CDK, conhecidos como supressores de tumor. Destes, destaca-se a família
Cip/Kip, cujo componente p21 está sob o controle de p53, um gene supressor de
tumor envolvido na interrupção do ciclo de uma célula defeituosa, promovendo
seu reparo ou levando à sua morte.
11.2.3.2 CHECKPOINTS
11.2.3.3 PROTO-ONCOGENES
11.3.1 APOPTOSE
As células de um organismo multicelular pertencem a uma comunidade alta-
mente organizada. O número de células nesta comunidade é fortemente regulado,
não somente pelo controle da taxa de mitose, mas também controlando o índice
de morte celular. A morte celular programada ou apoptose é um mecanismo de
morte celular siológica, responsável pela eliminação de células desnecessárias em
tecidos normais para a manutenção do número constante da população celular.
Durante o desenvolvimento do organismo, a apoptose é responsável pela remo-
Reinaldo Barreto Oriá 257
Figura 11.5 – Esquema mostrando os mecanismos de divisão celular que mantêm constante o número de células
estaminais. A) Divisão simétrica da célula-tronco ocorre quando se originam duas células estaminais (A1) ou duas células
progenitoras (setas-A2). B) Divisão assimétrica da célula-tronco, em que uma das células lhas permanece no nicho, enquanto
a outra segue o caminho da diferenciação.
Figura 11.6 – Fotomicrograa da mucosa do esôfago. Setas - compartimento basal; chave - compartimento supraba-
sal. (Modicado de http://biology.clc.uc.edu- Acesso em 19/11/2010).
262 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 11.7 – Esquema mostrando o plano de divisão perpendicular que ocorre na região interpapilar. Uma célula
permanece no nicho (azul), enquanto a outra é uma progenitora que migra para a região suprabasal (vermelha).
Figura 11.8 – Fotomicrograa da mucosa gástrica da região do corpo do estômago, indicando as fossetas e as regiões
da glândula gástrica. (Imagem cedida pela Profa. Dra. Patrícia Gama- CCB-USP).
Reinaldo Barreto Oriá 265
Figura 11.9 – Fotomicrograa da mucosa do intestino delgado, mostrando a vilosidade (seta) e as glândulas ou criptas
intestinais. (Modicado de http://histology.medicine.umich.edu/resources/small-large-intestine- Acesso em 30/12/2015).
268 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 11.10 – Fotomicrograa destacando o compartimento proliferativo da cripta do intestino delgado. Observar a
grande quantidade de mitoses bloqueadas em metáfase (setas). (Imagem cedida pela Profa. Dra. Patrícia Gama - CCB-USP).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTS, B.; BRAY, D.; HOPKIN, K.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; et al. Essential
Cell Biology. 2 ed. New York: Garland Science, 2004.
ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P.
Molecular Biology of the Cell. 5 ed. New York: Garland Science, 2007.
ALISON, M. R.; ISLAM, S. Attributes of adult stem cells. J. Pathol. 217: 144-60,
2009.
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KUMMAR, V.; ABBAS, A. K.; FAUSTO, N. Robbins & Cotran Patologia- bases
patológicas das doenças. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
OGIAS, D.; SÁ, E. R. A.; KASAI, A.; MOISAN, M. P.; ALVARES, E. P.; GAMA,
P. Fasting differentially regulates plasma corticosterone-binding globulin,
glucocorticoid receptor, and cell cycle in the gastric mucosa of pups and adult
rats. Am. J. Physiol. Gastrointest. Liver. Physiol. 298: G117-G125, 2010.
Figura 12.1 – Organização histológica geral do tubo digestório. A. Desenho esquemático identicando a posição das
túnicas mucosa (epitélio de revestimento, lâmina própria e muscular da mucosa), submucosa, muscular externa (camada circu-
lar interna e camada longitudinal externa) e serosa no tubo digestório. B. Identicação das túnicas da imagem A no corte his-
tológico do intestino grosso. Mucosa (TM), submucosa (TS), muscular externa (ME) e serosa (SE). Aumento 40X, coloração HE.
INTESTINO INTESTINO
ESTRUTURA ESÔFAGO ESTÔMAGO
DELGADO GROSSO
Epitélio Estraticado Cilíndrico simples Cilíndrico simples Cilíndrico simples
(da mucosa) pavimentoso secretor absortivo e secretor absortivo e secretor
Camada mucosa e
Glândulas Na camada submucosa
submucosa (essa
e às vezes na Camada mucosa Camada mucosa
intra-murais lâmina própria
última apenas
no duodeno)
12.2 ESÔFAGO
O esôfago é um órgão tubular de aproximadamente 25 cm de comprimento,
com segmentos que obedecem um trajeto ao longo do pescoço e do tórax, e apre-
sentando uma curta porção (2 a 4 cm) intra-abdominal, logo após a passagem
pelo hiato esofágico do diafragma, quando então estabelece sua conexão com o
estômago através do orifício denominado de cárdia. O esôfago tem como função
principal a condução dos alimentos recém-macerados na cavidade oral pela mas-
tigação até o estômago, onde os eventos de digestão têm continuidade.
A estrutura histológica do esôfago segue o padrão básico de organização em
quatro túnicas do tubo gastrointestinal. Deste modo, de dentro para fora, o esôfa-
go é constituído pelas túnicas mucosa, submucosa, muscular e adventícia (sendo
esta última substituída por uma serosa o peritônio quando o órgão atinge a
cavidade abdominal após a sua passagem pelo diafragma) (Figura 12.2).
Figura 12.2 – Padrão mural do esôfago. Fotomicrograa do esôfago ao nível cervical, identicando suas túnicas/
camadas (mucosa, submucosa, muscular e adventícia). A túnica muscular ainda se subdivide em camada circular interna (CI)
e longitudinal externa (LE). O asterisco indica a muscular da mucosa. Aumento 40X, coloração HE.
Reinaldo Barreto Oriá 277
Figura 12.3 – Fotomicrograa do esôfago. A. Notar a camada mucosa (TM) que se estende até a muscular da mucosa
(MM), que separa a lâmina própria da camada submucosa (TS). B. Fotomicrograa da mucosa do esôfago, mostrando o
detalhe do epitélio estraticado pavimentoso não queratinizado (E) e a lâmina própria (LP) de tecido conjuntivo frouxo. As
setas indicam pequenos vasos sanguíneos. Aumentos: A – 40X; B – 400X, coloração HE.
Figura 12.4 – Padrão mural do esôfago ao nível cervical. A. Na camada submucosa (TS) ocorrem glândulas mucosas
(asterisco). A muscular externa é de músculo estriado esquelético. B. Túbulos mucosos (seta) das glândulas esofágicas imersos
no tecido conjuntivo da submucosa (TC). Notar as células secretoras mucosas com citoplasma pouco corado e o núcleo no polo
basal. TM= túnica mucosa; TS: túnica submucosa; ME: muscular externa do órgão. Aumento: A – 40X; B – 400X, coloração HE.
Estas glândulas são abundantes principalmente nos terços cranial e distal do esô-
fago, porém, podendo estar em quantidades variáveis ao longo de toda a submucosa.
Seus ductos se apresentam revestidos por um epitélio dotado de poucas camadas
de células cuboides, atravessando a camada muscular da mucosa, desembocando na
superfície do epitélio da mucosa. As glândulas esofágicas são responsáveis em grande
parte pela lubricação da mucosa esofágica, possibilitando a diminuição do atrito
entre a mucosa e o alimento a caminho do estômago. A submucosa também contém
pequenos gânglios do sistema nervoso autônomo, os quais constituem o plexo sub-
mucoso ou de Meissner (Figura 12.5). As abundantes veias na submucosa do esôfago
tornam o órgão propenso ao desenvolvimento de varizes esofágicas, as quais se ca-
racterizam como veias dilatadas em função de um aumento de pressão sanguínea no
sistema porta venoso do fígado, muito frequentemente em consequência de lesões de
caráter brótico no órgão (cirrose hepática).
280 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 12.5 – Detalhe da túnica muscular do esôfago ao nível médio, mostrando a camada circular interna (CI) somen-
te com bras musculares esqueléticas (seta) em corte longitudinal e camada longitudinal externa (LE) com bras musculares
esqueléticas (seta) e grupos de bras musculares lisas (seta na) em cortes transversais. Notar corpos celulares de neurônios
do plexo mioentérico (asterisco). Aumento: 400X, coloração HE.
Figura 12.6 – Transição esôfago-gástrica. Fotomicrograa mostrando a porção distal do esôfago e a região da cárdia
do estômago. Notar a região de transição entre os dois órgãos (asterisco) e a mudança abrupta do epitélio estraticado pavi-
mentoso não queratinizado do esôfago para o cilíndrico simples do estômago. Notar as túnicas mucosa (TM) e submucosa (TS)
dos dois órgãos e as glândulas mucosas da cárdia (seta). Aumento 40X, coloração HE.
12.3 ESTÔMAGO
O estômago é o órgão que recebe em seu lúmen o bolo alimentar semissó-
lido proveniente do esôfago. Apresenta rugas ou pregas internas em direção ao
lúmen que podem se distender à medida em que o bolo alimentar se acumula
em seu interior. Grande quantidade de glândulas gástricas em sua parede é res-
ponsável pela digestão química do bolo alimentar que é misturado às secreções
enzimáticas pela ação da contração de sua espessa musculatura. Ao nal desse
processo, um quimo ácido é liberado gradativamente para o lúmen do duodeno.
Além da digestão química e mecânica, o estômago apresenta ainda um baixo
poder de absorção de água e eletrólitos. Anatomicamente, é dividido em cárdia,
corpo, fundo e piloro (Figura 12.7), onde o corpo e o fundo são semelhantes
histologicamente. A sua parede segue o padrão mural do tubo digestório, sendo
dividido em mucosa, submucosa, muscular e serosa, mas com características his-
tológicas próprias que permitem ao órgão assumir suas determinadas funções.
Reinaldo Barreto Oriá 283
Figura 12.7 – Regiões anatômicas do estômago. Modelo sintético aberto longitudinalmente, mostrando marcos ana-
tômicos do estômago, como a cárdia (CA), fundo (FU), corpo (CO) e região pilórica (RP). A cárdia é a continuação do esôfago
abdominal (esfíncter esofágico inferior) e o piloro se abre para o lúmen do duodeno. Notar dobras longitudinais (seta) que
representam as rugas do estômago.
Figura 12.8 – Fotomicrograa mostrando a túnica mucosa (TM) com o epitélio de revestimento (seta) e fosseta gás-
trica (asterisco) e a túnica submucosa (TS) da região fúndica do estômago. Notar a grande quantidade de glândulas gástricas
(GL) preenchendo a lâmina própria da mucosa. MM= muscular da mucosa. Aumento 40X, coloração HE.
Figura 12.9 – Microfotograas da túnica mucosa do estômago. A. As células epiteliais produtoras de muco da cripta/
fosseta (seta) são contínuas com o epitélio de revestimento. Há lâmina própria (LP) de tecido conjuntivo frouxo. B. Reação
pelo método do ácido periódico de Schiff (PAS) nas criptas gástricas. A. Aumentos: A – 100X e B – 400X, colorações: A – HE
e B – PAS/Hematoxilina.
Figura 12.10 – Desenho esquemático representando uma glândula tubular corpo-fúndica com a distribuição das
células nas regiões da glândula: istmo, colo e base. Notar célula-tronco no ápice do istmo. Essas células se dividem e as
células progenitoras migram ascendentemente para a fosseta ou de forma descendente para o resto da glândula gástrica.
Figura 12.11 – Glândulas corpofúndicas. A. Fotomicrograa da região da base (B) da glândula gástrica mostrada em
maior aumento na imagem. B. Célula parietal acidóla (seta vermelha) e a célula principal basóla (seta escura), essa última
mais comum na região da base da glândula gástrica. Aumento A – 40X; B – 600X, coloração HE.
288 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 12.12 – Túnica muscular do estômago. A. Fotomicrografia da túnica muscular com as suas subdivisões
em camada circular interna (CI) e longitudinal externa (LE). O gânglio nervoso (dentro do pontilhado) do plexo mioe-
ntérico está entre as duas subcamadas de músculo liso. O mesotélio da túnica serosa é indicado pela seta. Aumento
400X, coloração HE.
Aplicação clínica
A anemia perniciosa sucede em decorrência de uma resposta autoimune às células parietais. Essas células
secretam HCL e produzem o fator antianêmico intrínseco, que é importante para a absorção de vitamina B12
no íleo. A destruição das células parietais pelo processo imune-inamatório leva a deciência de vitamina B12,
essencial no processo de eritropoiese, gerando assim uma anemia megaloblástica, com hemácias grandes.
Figura 12.13 – Fotomicrograa do intestino delgado ao nível do duodeno. Notar a presença de vilosidades altas. TM=
túnica mucosa e TS= túnica submucosa. Glândulas de Brunner são vistas na submucosa (asterisco). Aumento 4X, coloração HE.
Figura 12.14 – Camada muscular externa do intestino delgado. A. Fotomicrograa de um corte transversal do jejuno,
mostrando detalhe da túnica muscular subdividida em camada muscular circular interna (CI) e longitudinal externa (LE) de
músculo liso. O gânglio nervoso do plexo mioentérico é indicado pela seta. Aumento 400X, coloração HE.
Figura 12.15 – Vilosidades intestinais. A. Ultramicrograa de varredura de uma alça intestinal com várias vilosi-
dades (uma delas circundada) se projetando para o lúmen intestinal. B. Fotomicrograa do intestino delgado com uma das
vilosidades circundada. E= epitélio de revestimento. LP=lâmina própria. A lâmina própria também está presente nas criptas.
Aumento: A - 100X; B – 100X, coloração HE.
Figura 12.16 – A. Fotomicrograa da mucosa do intestino delgado. Notar a glândula intestinal (circundada) em
continuidade com o epitélio de revestimento cilíndrico simples. B. Detalhe da vilosidade intestinal. Notar o epitélio cilíndrico
simples (E) e bras musculares lisas na lâmina própria (LP). Essas bras musculares constituem o músculo de Brucke (seta).
Aumentos: A – 40X; B – 400X, coloração HE.
Reinaldo Barreto Oriá 295
Figura 12.17 – Microfotografias da cripta intestinal. A. Criptas intestinais hiperplásicas, com elevada atividade
proliferativa. Notar diagrama (em vermelho) da localização de células-tronco Lgr5-positivas. Figuras de mitose (setas pretas)
e de apoptose (setas brancas) são observadas. Aumento: 400X, coloração HE. B. Imunomarcação para Edu (em magenta)
por microscopia confocal, que indica células em mitose nas criptas de camundongo cultivadas in vitro (modelo enteroide).
Aumento: X100. Moore et al, 2015, com permissão.Os demais tipos celulares presentes no epitélio intestinal também são
derivados das células-tronco, embora haja relatos sobre a origem neuroectodérmica – a partir das cristas neurais – das células
do sistema neuroendócrino difuso de todo o trato gastrointestinal, incluindo-se, portanto, as células do Sistema Neuroendócrino
Difuso (SNED) presentes no epitélio intestinal.
296 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 12.18. A. Fotomicrograa de células de Paneth, encontradas na base das glândulas intestinais, contendo grâ-
nulos apicais acidólos (seta) B. Ultramicrograa das células de Paneth (seta) com seus grânulos de secreções apicais. A secre-
ção é lançada no lúmen (asterisco) da glândula intestinal. LP= lâmina própria. Aumentos: A – 400X, coloração HE; B – 6000X.
Reinaldo Barreto Oriá 297
Figura 12.19 – A. Fotomicrograa das vilosidades intestinais com células caliciformes (seta). Notar citoplasma mal
corado em HE. Aumento 400X. B. Ultramicrograa da célula caliciforme (seta). Notar a liberação da secreção em direção ao
lúmen (asterisco). Aumento: X3.000.
298 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 12.20 – Fotomicrograas de vilosidades intestinais, mostrando enterócitos com borda estriada (seta), linfócito
intraepitelial (seta vermelha) e célula caliciforme (asterisco). A. Corte semino corado pelo método de azul de toluidina.
Aumento: X100. B. Corte no corado por H.E. Aumento: 100X. C. Corte ultrano (microscopia eletrônica). Aumento: X2.500.
Notar detalhe da borda em escova.
Reinaldo Barreto Oriá 299
Figura 12.21 – Corte semino de vilosidades intestinais, mostrando enterócitos com borda estriada no duodeno
de camundongo. O duodeno foi colhido logo após dieta de leite. Notar drenagem do conteúdo para o vaso linfático lactífero
dilatado (área pontilhada em vermelho) na lâmina própria. Coloração com azul de toluidina. Aumento X400.
Figura 12.22 – A. Imuno-histoquímica para e-caderina na velocidade intestinal. Imunomarcação no limite interce-
lular entre enterócitos (seta preta) e enterócito-célula caliciforme (seta vermelha). Aumento X400. B. Ultramicrograa de
enterócitos, com detalhe do complexo unitivo. Aumento X20.000. MV= microvilosidade. ZA= Zônula de adesão, ao nível do
trama terminal (asterisco). DS= desmossoma. Os desmossamas e a zônula de adesão apresentam e-caderinas.
estas glândulas podem se estender por uma curta distância pela submucosa do an-
tro pilórico, ou, quando eventualmente muito desenvolvidas, podem ultrapassar
e desestruturar a camada muscular da mucosa e ter algumas porções secretoras
imersas em meio à lâmina própria da mucosa duodenal. O jejuno e o íleo não
apresentam glândulas em sua submucosa.
Figura 12.23 – Glândulas de Brunner ou duodenais. A. Fotomicrograa do duodeno com a identicação dos túbulos
mucosos das glândulas de Brunner (asterisco) na túnica submucosa (TS). Coloração HE. Aumento X40. B. Detalhe das glândula
duodenais. Notar célula secretora com núcleo ovoide achatado. Coloração HE. Aumento X400.
Por sua vez, a mucosa e a submucosa do íleo abrigam abundantes agregados
de nódulos (ou folículos) linfoides em meio a tecido linfoide denso difuso, for-
mando as placas de Peyer (Figura 12.24), um dos principais tipos de formações
linfoides subepiteliais da mucosa gastrointestinal e componente do GALT (tecido
linfoide associado ao tubo digestório, gut-associated lymphoid tissue), por sua
vez uma subdivisão do MALT (tecido linfoide associado a mucosas, mucous-as-
sociated lymphoid tissue). Cada uma das cerca de 30 a 40 placas de Peyer do íleo
geralmente encontradas na borda antimesentérica deste segmento é formada
por grandes folículos linfoides que ocupam tanto a mucosa como a submucosa,
provocando a formação de áreas de aspecto abaulado (áreas em cúpula) e mudan-
ça das vilosidades nesta região da mucosa.
306 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 12.24 – Placa de Peyer no íleo. A. Nódulos linfoides (asterisco) na submucosa. Coloração HE. Aumento X100.
B. Detalhe dos nódulos linfoides imersos no tecido conjuntivo (TC) da túnica submucosa. Notar centro germinativo (asteriscos),
um local de proliferação de linfócitos B. ME= túnica muscular externa. Coloração HE. Aumento X400.
Aplicação clínica
Quando um indivíduo é tratado com o quimioterápico irinotecano, um inibidor da mitose, para combater o crescimento de
um câncer, a renovação do epitélio do trato gastrointetinal, que normalmente ocorre a cada 5-6 dias, ca prejudicada. As
células epiteliais continuam a descamar na extremidade das vilosidades intestinais e não são repostas, pois a proliferação
das células-tronco, nas criptas ou glândulas de Lieberkuhn, está impedida pelo inibidor de mitose. Sendo assim, as células
musculares lisas da lâmina própria se contraem, causando achatamento das vilosidades e as células epiteliais remanescentes
se aplanam, tornando o revestimento das vilosidades pavimentoso. Por sua vez as criptas intestinais tornam-se atrócas ou
necróticas e células inamatórias invadem a lâmina própria. O resultado desse processo é chamado de mucosite intestinal que
se apresenta clinicamente com diarreia, que pode debilitar o paciente, prejudicando o tratamento de sua doença de base.
Figura 12.25 – Fotomicrograas do cólon do intestino grosso. A. Fotomicrograa do cólon, mostrando uma prega
de mucosa (TM) e submucosa (asterisco). Notar ausência de vilosidades e glândulas profundas (seta). Coloração HE. Aumento
X40. B. Ultramicrograa, mostrando a superfície luminal plana, sem formação de vilosidades. A seta branca indica a abertura
da glândula intestinal no lúmen. Aumento X40.
Figura 12.26 – Fotomicrograa do intestino grosso com criptas contendo células caliciformes (seta). TM= túnica
mucosa; TS: túnica submucosa. PM: plexo de Meissner. ME= muscular externa. Aumento: X400. Coloração HE.
Figura 12.27 – Desenho esquemático representando a camada muscular do intestino grosso dividida em circular
interna (CI) e longitudinal externa (LE). O órgão foi seccionado transversalmente. A. Camada muscular uniforme e contínua
ao redor de todo o órgão. Esse formato é comum na porção do reto. B. Espessamento da camada longitudinal externa (LE),
formando as tênias (seta) que ocorrem no cólon.
Reinaldo Barreto Oriá 311
Figura 12.28 – Fotomicrograa do intestino grosso, mostrando evaginação da serosa, formando o apêndice epiploico
(asterisco) e recoberto por mesotélio, um epitélio pavimentoso simples (E). LE= camada muscular longitudinal externa. GN:
gânglio nervoso do plexo mioentérico. Aumento: X100. Coloração HE.
Aplicação clínica
O Clostridium difcile é uma bactéria que causa diarreia associada ao uso de antibióticos. Os antibióticos, especialmente
os de largo espectro, destroem a microbiota normal do intestino, permitindo o crescimento do C. difficile. Essa bactéria
produz duas exotoxinas a toxina A e a toxina B que induzem morte celular do epitélio intestinal e causam uma reação
inflamatória intensa, resultante em doença que varia desde uma diarreia leve até a colite pseudomembranosa. A
pseudomembrana são placas amarelo esbranquiçadas formadas de restos celulares, neutrófilos e mucina recobrindo a
mucosa do cólon. A doença pode evoluir para necrose do cólon e levar à morte.
colunas e válvulas anais, a mucosa do canal anal ainda se apresenta com a mesma
estrutura da mucosa retal (epitélio simples cilíndrico com células caliciformes e pla-
nura estriada, lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo e camada muscular da
mucosa com tecido muscular liso). A seguir, no terço médio do canal anal, observa-
-se uma mudança abrupta na mucosa, com a substituição do epitélio simples para
um epitélio estraticado p avimentoso n ão q ueratinizado. E sta t ransição a brupta
é denominada (inclusive sob o ponto de vista anatômico) de linha pectinada. No
terço médio, a camada muscular da mucosa desaparece. Do terço médio para o
terço inferior, o epitélio da mucosa passa de epitélio estraticado pavimentoso não
queratinizado para um epitélio estraticado pavimentoso queratinizado ou seja,
a epiderme da pele que forma o revestimento do orifício anal (ânus propriamente
dito). A pele perianal é dotada de abundante quantidade de folículos pilosos, glân-
dulas sebáceas e glândulas sudoríparas écrinas e apócrinas. A túnica muscular do
canal anal é formada por duas camadas musculares, sendo que a camada interna é
constituido por bras musculares lisas em disposição circular, constituindo o mús-
culo esfíncter interno do ânus, enquanto que a camada externa é formada por bras
musculares estriadas esqueléticas em disposição circunferencial que constituem o
músculo esfíncter externo do ânus.
A submucosa do terço superior do canal anal é dotada de abundantes anasto-
moses vasculares entre artérias e veias, abastecidas com sangue derivado de artérias
retais; tais anastomoses arteriovenosas constituem o corpo cavernoso do reto, que
representa um dos recursos do canal anal relacionado ao mecanismo de contenção
de fezes. Em conjunto, estes componentes formam o órgão de continência fecal, do
qual também fazem parte os músculos esfíncteres interno e externo do ânus. Os
vasos anastomosantes do corpo cavernoso do reto formam coxins vasculares, os
quais constituem uma espécie de tecido erétil que permanece constantemente ingur-
gitado com sangue, colaborando com o fechamento parcial do canal anal. Quando
da emissão de fezes, o sangue é drenado para veias, esvaziando o corpo cavernoso
do reto e permitindo assim o alargamento do canal anal. Frequentemente, hemor-
roidas internas (as quais eventualmente podem ter prolapso através do ânus) são
derivadas destes vasos do corpo cavernoso do reto, enquanto hemorroidas externas
são geralmente derivadas de veias subcutâneas da área anal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, H. F.; COLLARES-BUZATO, C. B. Células - Uma abordagem
multidisciplinar. São Paulo: Editora Manole, 2005.
WEISS, L. Cell and Tissue Biology - A Textbook of Histology. 6 ed. Urban &
Schwarzenberg, 1988.
WELSCH, U.; DELLE, T. Sobotta Lehrbuch Histologie. Auage: Urban & Fischer,
2006.
SOLCIA, E.; CAPELLA, C.; BUFFA, R.; USELINI, L.; FIOCCA, R.; SESSA, F.
Endocrine cells of the digestive system. In: JOHNSON, L. R. (ed.). Physiology
of the Gastrointestinal Tract, 2 ed. New York: Raven Press, 1986.
13
O SISTEMA NERVOSO CAPÍTULO
ENTÉRICO
Ana Frauches
Márcia Sanae Mizuno
Juliana Coelho
Ana Lúcia Tavares
Rossana Soletti
Carmem Gotifried
Patrícia Castelucci
Vivaldo Moura Neto
316 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 13.2 – Representação da diferença entre plexos mioentérico e submucoso. Material de imuno-histoquímica de
Patricia Castelucci.
Cada plexo contém vários tipos neuronais, incluindo os neurônios motores, in-
terneurônios, e neurônios aferentes primários intrínsecos, que reexamente con-
trolam as funções gastrintestinais. A rede neural do plexo mioentérico está pre-
dominantemente envolvida com a regulação reexa das atividades contráteis da
musculatura externa, enquanto os neurônios motores do plexo submucoso estão
relacionados com o controle das atividades secretomotora e vasomotora da túni-
ca mucosa.
Reinaldo Barreto Oriá 319
Figura 13.3 – Representação esquemática dos 14 tipos de neurônios do sistema nervoso entérico descrito em cobaias
(ML – músculo longitudinal, PM – plexo mioentérico, CM – músculo, PS – plexo submucoso, MM – muscular da mucosa,
Muc – Mucosa). Adaptado de Furness, 2006.
13.5.1 NEUROPATIAS
13.5.3 OBESIDADE
A obesidade afeta o trato digestório, dentre os sintomas vericados que fo-
ram signicativamente positivos quando comparado ao indivíduo normal foram:
atos, constipação, diarreia, distensão, dor abdominal, doença do reuxo gastro-
-esofágico, síndrome do intestino irritável, vômito, azia, inchaço, diarreia, aumen-
to no volume das fezes e perda de água nas fezes.
No trato gastrintestinal de camundongos diabéticos obesos, a diminui-
ção no volume das fibras nervosas assim como no número de corpos celu-
lares por área ganglionar de neurônios mioentéricos do duodeno contendo
peptídeo-intestinal-vasoativo (VIP) e NOS, no entanto, no colo, o volume
das fibras nervosas contendo neuropeptídeo Y e do transportador vesicu-
lar de acetilcolina (VAChAT) apresenta uma diminuição significativa. Estes
achados podem ter alguma relevância nas disfunções gastrintestinais em in-
divíduos obesos diabéticos.
Além disto, a expressão da NOS neuronal apresenta-se diminuída nos
neurônios miontéricos de camundongos obesos machos, porém não em fêmeas
(Figura 13.3).
Figura 13.4 – Demonstração de neurônios do plexo mioentérico (A-D´) sob diferentes condições de tratamento dos
animais, como isquemia com reperfusão, obesidade e colite experimental. Na letra E-E´ demonstra plexo submucoso de
protocolo de nutrição e renutrição. Óxido nitrico sintase neuronal (NOSn), acetil colina transferase (ChAT), calretinina, (Calr),
Calbindina (Calb).
326 Sistema digestório: integração básico-clínica
da CN sacral (originada na região posterior ao somito 28), que migram para o trato
digestório pelo nervo de Remak e gânglios pélvicos. A CN sacral dá origem apenas
a algumas células ganglionares do intestino pós-umbilical, que se misturam às célu-
las derivadas da CN vagal.
Figura 13.5 – Origem embrionária dos gânglios parassimpáticos e simpáticos desde a crista neural de embrião de
pinto. A gura esquematiza a formação do sistema parassimpático (amarelo) e simpático, (verde). Os gânglios parasimpá-
ticos que irão originar as células do SENG são provenientes dos segmentos da crista neural vagal (1-7) e sacral (posterior ao
segmento 28). Os gânglios simpáticos têm origem no segmento 5. Figura modicada de Le Douarin, N. & Kalcheim, C. (1999).
De fato é uma modicação?? Copy right
Algumas das células que dão origem ao sistema nervoso entérico se diferenciam
rapidamente, e neurônios e células gliais diferenciados já estão em embriões de
camundongos à E9,5; entretanto, células progenitoras persistem nos estágios pe-
rinatais, até mesmo na idade adulta.
Figura 13.6 – Representação esquemática dos plexos e das interações anatomofuncionais das células que compõem
o SENG. (A) Os plexos mientérico e da submucosa estendem-se ao longo do sistema digestório, próximos de capilares e (B)
são divididos por uma camada muscular. (C) As células gliais fazem parte da sinapse química como o terceiro elemento (1),
modulam o microambiente pela secreção de citocinas e moléculas sinalizadoras, as quais podem atuar de forma autócrina e
parácrina (2) e participam da barreira hematoneural (3).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUSH et al. Fulminant jejuno-ileitis following ablation of enteric glia in adult
transgenic mice. Cell. 17;93(2): 189-201, 1998.
com o ducto biliar. Este broto logo se localiza posteriormente ao broto pancreático
dorsal e, mais tarde, se funde a ele na sexta semana embrionária. Quando os bro-
tos pancreáticos se fundem, os seus ductos se anastomosam. O ducto pancreático
principal (ou ducto de Wirsung) se forma a partir do ducto do broto ventral e da
parte distal do ducto do broto dorsal. O brotamento pancreático ventral forma o
processo uncinado e parte da cabeça do pâncreas, enquanto o brotamento dorsal
forma o restante da cabeça, o corpo e a cauda do pâncreas.
Figura 14.1 Localização topográfica e anatomia do fígado, das vias biliares e do pâncreas (detalhes no texto).
Imagem obtida sob licença de Wikimedia Commons (autor: J.K. Punoose, 2007).
Figura 14.2 Desenvolvimento embrionário do fígado, das vias biliares e do pâncreas (detalhes no texto). Imagem
obtida sob licença de Wikimedia Commons (autor: J. Suckale e M. Solimena, Nature Precedings, 2008).
338 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 14.3 Representação esquemática de parte do lóbulo hepático e do espaço porta em fígado humano. Notar
que os hepatócitos (H, em laranja) apresentam uma superfície voltada para o canalículo biliar (seta curta) e outra superfície
voltada para o capilar sinusoide (S); repare que o sangue arterial (em vermelho) e o venoso (em azul) se misturam nesses
capilares. Célula de Kupffer (K, em verde) é observada no lúmen do capilar sinusoide e, entre o capilar e o hepatócito, no
espaço de Disse, se localiza a célula estrelada ou de Ito (I, em amarelo). No espaço porta, notam-se vasos linfáticos (L) que
drenam o liquido intersticial oriundo do lóbulo hepático (fluxo indicado pela seta), ramo da artéria hepática (A) que se ramifica
originando artérias menores (a), que, por sua vez, originam o plexo capilar (P) que irriga o ducto biliar (B), delimitado pelos
colangiócitos (C, em rosa) e os outros elementos do espaço porta.
340 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 14.4 Esquema ilustrativo dos modelos de organização estrutural e/ou funcional do fígado. No lóbulo hepático clássico,
que se baseia no arranjo estrutural de elementos hepáticos, a região periférica do lóbulo faz limites com lóbulos adjacentes e com o
espaço porta, no qual se notam ramos da veia hepática (VP), ramos do ducto biliar (DB) e ramos da artéria hepática (A); enquanto o
centro do lóbulo clássico é marcado pela veia central (VC). O lóbulo portal, por sua vez, leva em consideração o fluxo da bile; o centro
do lóbulo é representado pelo ducto biliar e suas extremidades delimitadas pelas veias centrais de três lóbulos clássicos vizinhos. O ácino
hepático baseia-se no suprimento sanguíneo dos hepátócitos, ou seja, na qualidade do sangue, quanto à quantidade de nutrientes e
oxigênio, que nutre essas células: a zona I, que fica próxima ao espaço porta, é rica em oxigênio e nutrientes; a zona III, próxima à veia
central, é pobre em oxigênio; e a a zona II é intermediária em relação à quantidade de oxigênio e nutrientes.
342 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 14.5 Fotomicrografias de corte histológico de fígado humano corado com tricrômico de Masson mostrando o
lóbulo hepático (a, aumento pequeno), um detalhe do espaço porta (c, aumento médio) e dos cordões de hepatócitos entremea-
dos por capilares sinusoides (d, sinusoides indicados por cabeças de seta; aumento grande). Em b, histologia do fígado de porco
(coloração com Tricrômico de Masson) que mostra uma lobulação bem definida. Em a e b, cabeça de seta indica a veia central.
Em c, asterisco indica ramo da veia porta; seta indica ramo da artéria hepática; cabeça de seta indica ducto biliar.
este vaso denomina-se veia central, ou centrolobular (Figura 14.3 a 14.5). Assim,
ao se observar um corte transversal do lóbulo hepático, em microscopia de luz
com a utilização de objetiva de pequeno aumento, percebe-se que as placas de
hepatócitos se organizam de forma radial da periferia em direção à veia central
(Figura 14.3 a 14.5).
A veia central, ao abandonar o lóbulo, conui para a veia hepática sublo-
bular; o local anatômico onde isto ocorre é distinto do lugar onde está a veia
porta. Assim, em humanos, é possível identicar histologicamente estes dois ra-
mos venosos, pois ramos da veia porta sempre estarão compondo a tríade portal,
enquanto a veia hepática segue isolada em septos de tecido conjuntivo até deixar
o fígado e conuir para as veias supra-hepáticas, que por sua vez, desembocam
na veia cava inferior.
Quanto ao lóbulo portal (Figura 14.4), ele inclui porções de lóbulos hepáti-
cos vizinhos cujos canalículos biliares drenam para o mesmo ducto biliar, que, por
sua vez, se encontra no espaço porta comum a esses lóbulos. Assim, o centro do
lóbulo portal é o ducto biliar, tendo por essa razão um espaço porta como centro
e uma veia central a demarcar as extremidades de um triângulo (Figura 14.4).4,5
Este modelo de lóbulo é raramente empregado.
O modelo do ácino hepático (Figura 14.4), por outro lado, é bastante em-
pregado, principalmente em avaliações histopatológicas, devido ao seu critério
funcional que se baseia na unidade microcirculatória do fígado, relacionada com
os ramos terminais da circulação aferente.4,5 Assim, o conceito de ácino hepático
reete a posição que os hepatócítos ocupam em relação ao seu suprimento sanguí-
neo. Os hepatócitos mais próximos ao espaço porta, onde se encontram os ramos
da artéria hepática e veia porta, estão em contato, por via dos capilares sinusoi-
des, com sangue mais oxigenado e com maior quantidade de nutrientes. A primei-
ra região do ácino hepático é denominada zona 1 e equivale à região perilobular
no conceito do lóbulo clássico. Já os hepatócitos mais distantes do espaço porta,
ou seja, aqueles situados perto da veia central, recebem menor concentração de
oxigênio e o mesmo se dá com os nutrientes; esta região do ácino é denominada
zona 3 e equivale à região centrolobular no conceito de lóbulo clássico. O sangue
circulante na zona 3 contém maior concentração de dejetos metabólicos, os quais
foram eliminados pelos hepatócitos situados nas zonas anteriores. A zona inter-
mediária é conhecida como zona 2.
Em função desse distinto gradiente de oxigênio e de vários outros elementos
no suprimento sanguíneo, os hepatócitos apresentam uma nítida heterogeneidade
funcional em relação à zona do ácino hepático que ocupam.5 Assim, hepatócitos
localizados na zona 1, preferencialmente, catalisam o metabolismo oxidativo, o
metabolismo energético de ácidos graxos e aminoácidos, e estão envolvidos com
344 Sistema digestório: integração básico-clínica
14.2.2 HEPATÓCITO
Figura 14.6 Em a, fotomicrografia ultraestrutural do fígado, mostrando hepatócitos (He) entremeados por um
capilar sinusóide (S), no interior do qual é possível ver hemácias. Em b, hepatócitos (He) repletos de autofagolisossomos
(setas) em modelo animal de esteatose hepática não alcoólica. Ainda, é possível observar em b, capilar sinusoide (S) e células
de Ito (cabeça de seta) contendo gotículas lipídicas no seu citoplasma. Em c, fotomicrografia ultraestrutural (em grande au-
mento) mostrando detalhe do espaço de Disse (Di) entre o hepatócito (He) e a parede endotelial interrompida por fenestras
(setas em preto) no sinusóide (Lu, luz do sinusóide). Em d, imagem mostra ausência de fenestras na parede do sinusóide e
acúmulo de material granular eletrondenso (setas em branco) no espaço de Disse (Di), o que está associada com um quadro
de esteatose e fibrose hepática em modelo animal. Em e, fotomicrografia de células de Kupffer (K) no interior do sinusoide
(S). Imagens a e b reproduzidas do periódico PLoS ONE 10(5):e0124173, 2015. doi:10.1371/journal.pone.0124173,(auto-
res: Liang T. et al.), sob licença da Creative Commons. Imagens c e d reproduzidas do periódico PLoS ONE 9(12): e115005,
2014. doi:10.1371/journal.pone.0115005,(autores: Herrnberger L. et al.), sob licença da Creative Commons. Imagem d foi
gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Paulo P. Joazeiro.
Figura 14.7 Fotomicrografias de cortes histológicos, corados com hematoxilina e eosina, de fígado humano normal
(a) e um com esteatose (em b, setas indicam hepatócitos com gotículas de lipídios e cabeças de seta, células de Kupffer) e
fibrose (em c, seta indica acúmulo de tecido conjuntivo perilobular). Em d e e, cortes histológicos de fígado processados para
imuno-histoquímica para actina alfa de músculo liso (em marrom), marcador de miofibroblastos, mostrando a ativação
das células estreladas no fígado fibrótico (em e, marcação na região perilobular e ao redor da veia centrolobular) mas não
no fígado normal (d), em modelo animal. Asteriscos em d e e indicam veia centrolobular. Imagens d e e reproduzidas do
periódico PLoS One 8(7): e69114, 2013. doi:10.1371/journal.pone.0069114 (autores: Chiang D.J. et al.), sob licença da
Creative Commons.
Reinaldo Barreto Oriá 349
A velocidade de renovação dos hepatócitos no indivíduo adulto e saudável é bastante lenta; a vida média do hepatócito é
de 200 a 300 dias; contudo, a capacidade regenerativa do fígado adulto é bastante ampla e reflete uma complexa resposta
fisiológica à ressecção cirúrgica ou injúria hepática, onde a porção do órgão remanescente inicia uma série de reações que
promovem a replicação celular ou o crescimento para restaurar as funções hepáticas, onde a replicação celular é mediada por
fatores endócrinos, parácrinos e autócrinos. Assim, o fígado pode ser restaurado a partir de células maduras preexistentes,
que constitue a primeira opção de resposta ao dano hepático.9 Também mostra, entretanto, células progenitoras como um
compartimento de reserva que é ativado quando a capacidade regenerativa das células maduras está comprometida. 9,10
A origem das células progenitoras hepáticas é muito investigada e discutida, dado o interesse do tema para estabelecimento
de terapias para o tratamento e controle de doenças crônicas hepáticas e para maior sucesso nos casos de transplante. 9,10
Atualmente, parece já estar bem estabelecido que essas células se originam de nichos de células progenitoras no trato
biliar, particularmente nos canais de Hering, sendo que estas células têm potencialidade tanto para originar hepatócitos
como colangiócitos. Essa população de células progenitoras parenquimais é representada por células pequenas, quando
comparadas com os hepatócitos preexistentes, de núcleo ovoide e citoplasma escasso e que por conta dessa morfologia foram
denominadas células ovais. As células ovais respondem a uma série de eventos de sinalização, em momentos distintos, sendo
que as respostas a estes fatores podem ser agrupadas em quatro estágios: ativação, proliferação, migração e diferenciação.
Reinaldo Barreto Oriá 351
Dada a associação das células ovais aos processos de injúria hepática, tem sido postulado que alterações na frequência ou
capacidade proliferativa destas células podem contribuir para o câncer hepático. 9,10 De fato, a identificação de uma série de
oncogenes (c-myc, Ras) e da expressão de proteínas fetais (como a proteína alfa-feto, proteína usualmente expressa por cé-
lulas tumorais) nas células ovais ativadas tem contribuído para essa hipótese. Finalmente, outro aspecto que tem estimulado
pesquisas na área é a estreita relação entre o fígado e o pâncreas durante o desenvolvimento embrionário. Estudos inves-
tigam a possibilidade de existir uma célula precursora hepatopancreática (célula fonte ou stem cell) que possa persistir no
fígado e no pâncreas do indivíduo adulto.9,10 Esta hipótese tem sido fortalecida a partir de ensaios onde células semelhantes
a hepatócitos surgem no pâncreas de roedores em resposta a numerosos estímulos, como carcinógenos, por exemplo. Em
humanos, a existência dessa célula progenitora comum tem sido sugerida pela expressão de marcadores hepatocelulares em
câncer de pâncreas. Por outro lado, também ocorrem células progenitoras no fígado que expressam marcadores pancreáticos,
como células de colangiocarcinomas que expressam amilase e lipase do tipo pancreática. Observou-se ainda que células ovais
em cultura secretam insulina e ao serem transplantadas em ratos diabéticos restauram a função pancreática. No entanto,
apesar das várias hipóteses apresentadas, o completo esclarecimento da origem da célula precursora hepática ainda está por
vir a partir de estudos in vitro, in vivo e clínicos que vem sendo desenvolvidos de forma crescente.
Figura 14.8 Fotomicrografia de corte histológico de vesícula biliar em aumento panorâmico (a) e em médio aumento
(b,c) mostrando as túnicas mucosa (b, e 1 em c), muscular (2, em c) e adventicia (3 em c) que compõem a parede do órgão.
dos produtos de secreção desta célula. O núcleo esférico da célula acinar tem localiza-
ção basal ou para-basal e contém um nucléolo proeminente e agregados de heterocro-
matina na periferia (Figura 14.10a, b). Na região supranuclear, há uma região menos
corada onde se concentra o complexo de Golgi. A região apical é altamente acidóla
e repleta de vesículas secretoras, que em razão da sua aparência à microscopia eletrô-
nica de transmissão, são denominadas grânulos de secreção ou grânulos de zimogênio
(que contém pró-enzimas) (Figura 14.10c).
A função principal das células acinares pancreáticas é sintetizar, estocar e
secretar 20 enzimas digestivas, como alfa-amilase, lipase-colipase e proteases, que
catalizarão a hidrólise de amido, lipídios e proteínas, respectivamente, ingeridos
nas refeições. A maioria das enzimas pancreáticas é armazenada na forma inativa
(pró-enzimas), o que inclui todas as proteases, as quais são ativadas, em condições
siológicas, somente no lúmen do duodeno sob a ação de enzimas intestinais e em
pH ligeiramente alcalino. Este é um fato importante para a proteção do pâncreas
contra a ação destas enzimas.
A síntese das enzimas pancreáticas inicia-se, à semelhança de qualquer outra
proteína, com a transcrição do DNA em RNAm, o qual é convertido em uma
sequência de aminoácidos nos ribossomos associados ao retículo endoplasmá-
tico no citoplasma da célula acinar. A molécula proteica completa é transferida
para o complexo de Golgi e empacotada dentro de vesículas secretoras. Após um
processo de maturação, que envolve perda de água, formam-se os grânulos de
zimogênio, que se concentram na porção apical da célula.
A secreção acinar pancreática é primariamente induzida pela ingestão de ali-
mento, a qual desencadeia múltiplas vias de regulação neuroendócrina e parácrina
que modulam a liberação de quantidades adequadas de enzimas no lúmen duo-
denal.11 Dentre os vários moduladores da secreção enzimática pancreática, des-
tacam-se: 1) a colecistocinina, secretada pelas células enteroendócrinas da muco-
sa intestinal, estimuladas por produtos de digestão de proteínas e lipídios, e 2) a
acetilcolina, liberada pela inervação parassimpática.11 Ambos agonistas interagem
com receptores localizados na membrana basal da célula acinar e desencadeiam
a via de sinalização intracelular mediada pelo IP3/diacilglicerol, resultando em
um aumento da concentração de cálcio citoplasmático, especicamente no pólo
apical da célula (onde cam localizados os grânulos de zimogênio). O íon cálcio
e a reorganização da rede microlamentos de actina são essenciais para promo-
ver o transporte dos grânulos para as proximidades da membrana apical. Numa
etapa seguinte, ocorre a fusão da membrana do grânulo com a membrana apical,
que depende de proteínas de ancoragem de membranas pertencentes à familia das
SNAREs (do inglês, soluble N-ethylmaleimide-sensitive factor (NSF) attachment
356 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 14.9 Esquema (a) e fotomicrografias da estrutura histológica do pâncreas que é composta por uma porção
secretora em forma de ácino (b) e um sistema de ductos ramificados: ducto intercalar (c) e ducto interlobular (d). Setas em
b indicam células centroacinares. Esquema modificado de Taboga et al. (2005) In: Carvalho, H. F. & Collares-Buzato, C. B.
Células: uma abordagem multidisciplinar. Editora Manole, SP, pp. 156-162.
Reinaldo Barreto Oriá 357
Figura 14.10 Citologia e ultraestrutura da célula acinar pancreática. Em a, detalhe de um corte histológico de um
ácino seroso (corado com hematoxilina e eosina e observado por microscopia de luz), o qual é formado pelas células acinares
pancreáticas. No lúmen do ácino, observa-se o núcleo da célula centroacinar (seta). Em b, fotomicrografia ultraestrutural da
célula acinar pancreática e de seus componentes, incluindo os grânulos de zimogênio (detalhe em c). Imagem b, cortesia de
Paulo P Joazeiro.
Figura 14.11 Fotomicrografias de cortes histológicos de ilhotas pancreáticas murinas (a-d) e humana (e). Em a e
b, ilhotas coradas com Hematoxilina e Eosina; a, em aumento médio e b, em grande aumento mostrando detalhe da mor-
fologia das células endócrinas pancreáticas. Em c, ilhota corada com hematoxilina crômica-floxina, que permite a distinção
de células beta (em azul, ocupando a região central da ilhota, asterisco) das não beta (em rosa, localizadas na periferia da
ilhota, cabeça de seta). Em d e e, ilhotas processadas para imuno-histoquímica para insulina (verde), glucagon (verme-
lho) e somatostatina (azul; em e). Imagem reproduzida do periódico PLoS ONE 6(11): e27445, 2011. doi:10.1371/journal.
pone.0027445 (autores: Kilimnik G et al.), sob licença da Creative Commons.
As ilhotas são constituídas por cinco tipos celulares com função endócri-
na, cada uma responsável em secretar um hormônio peptídico distinto: as célu-
las beta, secretoras de insulina; as células alfa, secretoras de glucagon; as células
Reinaldo Barreto Oriá 361
Figura 14.12 Fotomicrografia ultraestrutural de uma célula beta justaposta a outra célula beta (pâncreas de
rato) obtida por microscopia eletrônica de transmissão (a). Em a, setas indicam região de contato intercelular, cabeça de
seta, grânulo de secreção e N, núcleo. Na região de contato intercelular, essas células formam junções intercelulares que
contêm proteínas de adesão, que podem ser detectadas por imunofluorescência (em verde, b). Em c, réplicas de criofraturas
de membranas de uma célula beta contendo junções comunicantes (vistas como agregados de partículas, que correspondem
aos canais intercelulares, seta) e junções de oclusão (constituídos por cordões de adesão, cabeça de seta).
Reinaldo Barreto Oriá 363
Figura 14.13 Fotomicrografia ultraestrutural, mostrando as diferenças morfológicas dos grânulos de secreção da célula beta,
secretora de insulina (a) e da célula alfa, secretora de glucagon (b) (detalhes no texto). As cabeças de seta indicam os respectivos grânulos.
Figura 14.14 Estrutura de ilhotas pancreáticas em indivíduos sadios (a, b, e) e diabéticos tipo 2 (c, d, f). No indiví-
duo sadio (a), as células beta (imunomarcadas para insulina, em rosa) ocupam grande parte do volume da ilhota (na região
central), enquanto no diabético, há redução significativa do número de células beta ou mesmo perda total desse tipo celular
na ilhota (c), enquanto as células alfa (imunomarcadas para glucagon, em rosa) são preservadas (d em relação a b). Ainda,
ilhota de indivíduo diabético tipo 2 (f) mostra alterações morfológicas (como formação de cisto contendo material necrótico) e
ruptura da citoarquitetura em relação à ilhota de não diabético (e). Em e e f, ilhotas processadas para imunoistoquímica para
insulina (verde), glucagon (vermelho) e somatostatina (branco). Imagens a a d reproduzidas do periódico PLoS ONE 9(9):
e106537, 2014. doi:10.1371/journal.pone.0106537 (autores: Subauste A et al.), sob licença da Creative Commons. Imagens
e e f reproduzidas do periódico PLoS ONE 6(11): e27445, 2011. doi:10.1371/journal.pone.0027445 (autores: Kilimnik G et
al.), sob licença da Creative Commons.
O tratamento atual da diabetes melito envolve reposição hormonal com insulina, o qual não é capaz de
manter um controle completamente eficiente da glicemia resultando em complicações clínicas em longo prazo. Nas
últimas décadas, o transplante de pâncreas ou o transplante duplo de pâncreas e rim tem sido o tratamento mais
efetivo de pacientes diabéticos graves; porém, em função da falta de órgãos disponíveis para transplante, do risco
da própria cirurgia e da possibilidade de rejeição do orgão transplantado, novas alternativas terapêuticas, mais
366 Sistema digestório: integração básico-clínica
eficientes e menos invasivas, têm sido propostas, incluindo a terapia celular. Uma dessas alternativas, que tem sido
utilizada com certo sucesso na clínica, é o transplante de ilhotas pancreáticas isoladas de cadáveres. 22 As ilhotas são
isoladas enzimaticamente do pâncreas exócrino e mantidas em cultura até o momento do transplante. Mas como
as células beta diferenciadas não se dividem em cultura, o fator limitante do emprego do transplante de ilhotas
como estratégia terapêutica continua sendo a disponibilidade de órgãos. Então, os avanços na terapia celular da
diabetes têm focado na obtenção de uma fonte renovável de células produtoras de insulina e responsivas à glicose.
O uso de células tronco embrionárias humanas (CTEh) tem atraído muita atenção por causa do potencial pluripo-
tente dessas células e da facilidade de expansão dessas células em cultura. 22 Entretanto, existem várias limitações
no emprego das CTEh como ferramentas terapêuticas tais como: 1) falta de métodos confiáveis para induzir a
diferenciação dessas células em células beta terminalmente diferenciadas em condições in vitro; 2) dificuldade em
separar a população de células diferenciadas das células progenitoras; e 3) a impossibilidade de se controlar o des-
tino das CTEh uma vez transplantadas ou, de induzir sua diferenciação in vivo. Entretanto, alguns grupos de pes-
quisa tem reportado a obtenção de células beta a partir de CTEh usando procedimentos que mimetizam as etapas
de organogênese do pâncreas endócrino, tais como: 1) formação do endoderma através da estimulação das CTEh
com ativina A (um membro da família do fator de crescimento transformante ß) e Wnt3a (membro da família
da Wnts, proteínas secretadas e envolvidas em vários eventos da embriogênese); 2) sua diferenciação em epitélio
pancreático (que expressa a proteína marcadora pancreática, Pdx1) através do tratamento com ciclopamina, um
inibidor da via de sinalização mediada pelo Hedgehog; e 3) a indução da diferenciação dessas células progenitoras
pancreáticas positivas para Pdx1 em células da linhagem endócrina.22 O resultado desse protocolo foi a obtenção
de células endócrinas pancreáticas (incluindo a célula beta), mas não terminalmente diferenciadas (imaturas).
O uso de células precursoras pancreáticas isoladas de pacientes tem sido sugerido como uma possivel solu-
ção para obtenção de células beta responsivas à glicose e evitar-se problemas imunológicos desencadeados pela
terapia celular. Entretanto, o principal problema com esse procedimento é que células fonte adultas são raras
e difíceis de expandir em cultura. Tem sido também sugerido o emprego de células fontes derivadas de outros
tecidos/órgãos (como as células ovais do fígado, as células do cordão umbilical, da placenta ou da medula óssea)
no tratamento celular da diabetes, mas estudos nessa linha de investigação ainda são preliminares e inconclusivos
quanto à sua aplicabilidade clínica.
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Liver Physiol., v. 299, p. G10-22, 2010.
nos que devem ser incorporados, e ao mesmo tempo promovendo uma resposta
efetiva contra patógenos, quando necessária.
Células do sistema imunológico, como macrófagos, células dendríticas, lin-
fócitos T e linfócitos B (plasmócitos) produtores de anticorpos da classe IgA,
encontradas em associação à mucosa intestinal, juntamente com fatores como a
microbiota comensal, o peristaltismo, a produção de muco e substâncias antimi-
crobianas produzidas por células intestinais, atuam em conjunto para proporcio-
nar o equilíbrio do organismo em relação aos agentes siológicos ou patogênicos
nesse microambiente. Além disso, as células T reguladoras e produção de citoci-
nas anti-inamatórias na mucosa gastrointestinal proporcionam, na maioria das
vezes, um ambiente de tolerância contra antígenos provenientes da dieta e da
microbiota residente, evitando assim o desenvolvimento de uma resposta inama-
tória indesejável contra essas moléculas.
Figura 15.1 – A. Barreira epitelial intestinal. A zônula de oclusão (ZO) representa uma barreira paracelular selativa,
regulando o microambiente intestinal. ZA= zônula de adesão; DM= desmosoma; MV=microvilosidade; INT: interdigitações.
Microscopia eletrônica. 20.000X. B. Células de Paneth na base da glândula intestinal. Essas células possuem grânulos citoplas-
máticos contendo peptídeos antimicrobianos (seta). Notar célula de Paneth, mostrando degranulação (asterisco). Microscopia
eletrônica. Aumento: 2.500X. As células de Paneth estão localizadas na base das criptas de Lieberkuhn e produzem proteínas
antimicrobianas (duas α-defensinas, HD5 e 6, e ainda secretam lisozima, fosfolipase A2 e RegIIIA, regenerating islet-derived
protein IIIA), e também expressam PRRs, especicamente NOD2, TLR2, TLR4, TLR5 e TLR9.
372 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 15.2 – Esquema da região do íleo, mostrando um arranjo nodular da placa de Peyer. O epitélio intestinal,
contendo enterócitos, que expressam receptores toll-like, e células caliciformes, forma uma barreira paracelular (com junções
de oclusão ou rmes tight junctions) contra a translocação bacteriana da microbiota. A barreira de muco e de peptídeos
antimicrobianos restringe a penetração de bactérias patogênicas. Notar linfócitos B (LTsB) e linfócitos T, incluindo células da
resposta Th1 e células Th2 e suas citocinas na lâmina própria. Células M (microfold) são importantes para transferir antígenos
(sem processá-los) para linfócitos da lâmina própria e linfócitos intraepiteliais (não representadas). Macrófagos e células
dentríticas,apresentadoras de antígenos, também estão na lâmina própria. Linfócitos T reguladores (LTreg) estão nas placas
de Peyer e são formados pela inuência do ácino retinoico e TGF-β.CG=centro germinativo do folículo linfoide; ZM= zona
marginal do folículo linfoide.
374 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 15.3 – Ultrafotograa do epitélio intestinal com um linfócito intraepitelial (asterisco). Os linfócitos intraepite-
liais têm um papel importante na homeostase, mas podem participar de respostas inamatórias e contribuir para reparo em
caso de lesão da barreira epitelial. A maioria dos linfócitos intraepiteliais representa células T CD8+. Aumento 3.000X.
e induzir a produção de IgA por linfócitos B nas placas de Peyer. Esse processo
de amostragem de microrganismos comensais às células do sistema imune em um
microambiente regulador (anti-inamatório) permite a manutenção da tolerância
à microbiota intestinal.
Outra função da S-IgA é atuar no controle de patógenos invasores nas mu-
cosas do hospedeiro. O intestino alberga uma população de células B que pode
seguir uma via de diferenciação em células especializadas (plasmócitos) produ-
toras de anticorpos S-IgA. Células epiteliais intestinais expressam na superfície
basolateral o receptor poli-IgR que permite o transporte transepitelial da S-IgA
para a face luminal do intestino. Um fragmento do poli-IgR (componente secre-
tor) ca conjugado à IgA após transporte transepitelial e diculta a proteólise da
molécula no ambiente intestinal rico em preteinase. Uma vez no lúmen, as S-IgAs
bloqueiam a aderência de toxinas e microrganismos invasores à superfície epite-
lial (neutralização), impedindo os efeitos patogênicos causados por eles. Cerca
de 1/3 dos indivíduos que apresentam deciência na produção seletiva de IgA
(imunodeciência primária humana mais comum) são acometidos por infecções
recorrentes nos tratos respiratório e gastrointestinal causadas por bactérias, pro-
tozoários, entre outros patógenos. Além disso, esses podem manisfestar doenças
inamatórias intestinais crônicas e doenças autoimunes, evidenciando dessa for-
ma o papel crítico da IgA na manutenção da homeostasia e proteção intestinal.
A IgA está no colostro e no leite materno maduro, conferindo proteção ao
recém-nascido por meio da transferência de IgA materna. A concentração de IgA
no colostro é elevada nos primeiros dias após o parto e em seguida decai rapi-
damente. A amamentação se faz importante em virtude dessa transferência de
anticorpos maternos, conferindo proteção ao recém-nascido até o momento que
ele possa sintetizar os próprios anticorpos protetores.
Reinaldo Barreto Oriá 381
Figura 15.4 – Imuno-histoquímica para CD40, um marcador de linfócitos B, no duodeno de camundongos C57BL/6J.
Notar a presença de muitos linfócitos B na lâmina própria da vilosidade intestinal. Os linfócitos B ativados se diferenciam em
plasmócitos secretores da imunoglobulina A (IgA). Nesse processo, linfócitos Th ativam linfócitos B, no reconhecimento do
complexo peptídeo/MHC-II e o engajamento das proteínas CD40L/CD40, com posterior liberação de citocinas indutoras de IgA.
IMUNOLÓGICO
Os seres humanos possuem trilhões de microrganismos (bactérias, vírus, fun-
gos) associados às diversas regiões do corpo e são coletivamente chamados de
microbiota ou microrganismos comensais. Todas as superfícies epiteliais do corpo
humano, como a pele, cavidade oral, tratos respiratório, genital e gastrointestinal,
abrigam diversos microrganismos comensais, sendo que no trato gastrointestinal
estima-se que há mais de 100 trilhões de células bacterianas e cerca de 100-150
espécies de bactérias no intestino.
A colonização microbiana humana tem início na vida intrauterina a partir da
microbiota materna e vai se desenvolvendo ao longo da vida do indivíduo. Após
o nascimento, o aleitamento materno auxilia nesse processo uma vez que contém
em sua composição oligossacarídeos (prebióticos) que estimulam a colonização.
Na vida adulta, os hábitos alimentares inuenciam a composição da micro-
biota e de forma importante, a ingestão de bras solúveis, precursores de ácidos
graxos de cadeia curta, produzidos pela microbiota, podem contribuir nas res-
postas anti-inamatórias através da ligação a receptores acoplados à proteína G
(GPRs) nas células imunes.
Assim, a microbiota intestinal exerce um papel importante no desenvol-
vimento e maturação das células do sistema imune do hospedeiro. Além disso,
diversos estudos mostram que alterações da microbiota, denominadas disbiose,
inuenciam fortemente diversos processos patológicos nos seres humanos, uma
vez que parecem estar relacionadas com o desenvolvimento de doenças inama-
tórias intestinais, autoimunes, metabólicas (obesidade e síndrome metabólica) e
até mesmo neurológicas. É importante destacar que algumas doenças são a causa
primária do estabelecimento da disbiose no hospedeiro, como é o caso da síndro-
me da imunodeciência adquirida (SIDA).
Diversos mecanismos imunológicos atuam no controle e na composição da
microbiota intestinal, na tentativa de manter a relação de simbiose entre o hos-
pedeiro e os microrganismos, promovendo homeostasia e prevenindo o desenvol-
vimento de doenças inamatórias. Alterações no reconhecimento de PAMPs por
TLRs e NLRs em células da imunidade inata e células epiteliais intestinais, bem
como produção insuciente de defensinas pelas células de Paneth e de muco pelas
células caliciformes podem afetar a composição da microbiota. Células (células
Th17, células T reguladoras e células B) e moléculas (IgA) da imunidade adaptati-
va também inuenciam e são inuenciadas pela composição da microbiota.
Sendo assim, o controle da composição microbiana pode ter um m te-
rapêutico, uma vez que esse controle é capaz de inuenciar respostas imunológi-
cas. O desenvolvimento de estratégias que modulem a composição da microbiota
para um perl terapêutico é o foco de pesquisas em todo o mundo. Entre essas
Reinaldo Barreto Oriá 383
15.8 CONCLUSÃO
O trato gastrointestinal compreende ampla superfície de permeabilidade
seletiva em nutrientes em contato constante com uma diversicada microbiota
intestinal e também agentes potencialmente patogênicos. Possui o maior conjuto
de linfócitos de todo o corpo humano e também maior quantidade de anticorpos
produzidos. A mucosa do trato intestinal representa uma via potencial de entrada
de microrganismos, e seus produtos precisam ser controlados para limitar seu
acesso ao restante do corpo. Nesse sentido, o trato gastrointestinal possui conjun-
tos de células imunes agregadas e dispersos na mucosa que medeiam processos
da resposta imunológica inata e adquirida atuantes na eliminação de agentes pa-
togênicos e na manutenção da homeostasia intestinal, evitando respostas contra
antígenos alimentares e da microbiota. Falhas nos mecanismos reguladores e o
desenvolvimento de uma resposta imune exacerbada na mucosa podem causar
doenças inamatórias graves. Conhecer as bases do sistema imunológico asso-
ciado à mucosa intestinal é fundamental para compreender como acontecem os
processos de interação do organismo humano com o meio que o cerca.
Reinaldo Barreto Oriá 385
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1286, 2009.
.
388 Sistema digestório: integração básico-clínica
16
CAPÍTULO
CONTROLE
NEUROENDÓCRINO DA
SACIEDADE
Jacqueline Isaura Alvarez-Leite
Fabíola Lacerda Pires Soares
Lílian Gonçalves Teixeira
16.1 INTRODUÇÃO
O peso corporal é regulado por um complexo sistema que coordena a inges-
tão alimentar e o gasto energético. O cérebro interpreta e integra os sinais neu-
ronais e hormonais para promover uma resposta reguladora coordenada da ho-
meostase energética. Esse sistema é centrado no hipotálamo e no tronco cerebral,
os quais possuem conexões neuronais recíprocas. Especicamente dois grupos de
neurônios do núcleo arqueado do hipotálamo parecem ser cruciais: neurônios
orexígenos (ligados ao estímulo do apetite) que expressam o neuropeptídeo Y
(NPY) e a proteína relacionada à agouti (AgRP), e neurônios anorexígenos (rela-
390 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 16.1 - Principais sítios de ação dos hormônios intestinais influenciando a ingestão alimentar:hipotálamo, tronco
cerebral e nervo vago. NPY - neuropeptídeo Y, AgRP - proteína relacionada à agouti, POMC - pró-ópiomelanocortina, CART
- transcrito regulado por anfetamina e cocaína.
16.4.1.1 GRELINA
16.4.2.1 AMILINA
36) se liga com alta anidade ao receptor Y2 hipotalâmico (e com menor anida-
de nos demais recptores) reduzindo a ingestão alimentar. A concentração de PYY
circulante é baixa no jejum e aumenta rapidamente após uma refeição, sendo seu
pico 1-2 horas após esta e continuando elevada por horas. Esse perl de elevação
de longa duração sugere que seu efeito seja importante na saciedade. A ingestão
de gorduras resulta em maior liberação de PYY comparado com a ingestão de
carboidratos ou proteínas.
Figura 16.3 - Mecanismo de ação das principais incretinas. A ligação do peptídeo tipo glucagon 1 (GLP-1) ou do pep-
tídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) aos seus receptores nas células β pancreáticas desencadeiam uma série de
reações que culminam no aumento do
Além dos hormônios intestinais, alguns sinais vindos ou não do tecido adi-
poso, estão envolvidos na regulação do balanço energético e da adiposidade a
longo prazo.
Os níveis circulantes de insulina são proporcionais ao tecido adiposo e estão
envolvidos na regulação, em longo prazo, do balanço energético. A insulina é
rapidamente secretada após uma refeição e atravessa a barreira hematoencefálica
de forma dose-dependente, por mecanismo de saturação de receptor. Ela atua no
núcleo arqueado hipotalâmico, onde os receptores de insulina são altamente ex-
pressos, via ativação dos neurônios POMC.
Outro sinal de adiposidade, a leptina, é produzida e secretada principalmente
pelos adipócitos. Essa adipocina mantém um controle em longo prazo da adiposidade
e regula mudanças metabólicas adaptativas em resposta a modicações nutricionais.
A leptina é transportada pela barreira hematoencefálica e exerce seus efeitos
anorexígenos por meio do núcleo arqueado do hipotálamo, onde tanto os neurô-
nios NPY/AgRP quanto os POMC/CART expressam receptores de leptina. Assim,
a leptina inibe os neurônios NPY/AgRP e ativa os POMC/CART resultando em
redução da ingestão alimentar e aumento do gasto energético. Já os baixos níveis
de leptina ativam vias anabólicas e inibem vias catabólicas, aumentando neurônios
NPY/AgRP e bloqueando a atividade dos neurônios POMC/CART, o que resulta
em aumento do tamanho da refeição e diminuição do gasto energético.
A Tabela 16.1 mostra as principais características dos hormônio ligados à
regulação da ingestão alimentar.
402 Sistema digestório: integração básico-clínica
Tabela 16.1 - Resumo das características e ação dos hormônios intestinais e de alguns sinais de adiposidade impor-
tantes
16.7.1 OBESIDADE
Grande parte dos estudos tem como objetivo isolar os hormônios intestinais e
analisar seus efeitos individuais na ingestão alimentar e no gasto energético. Entre-
tanto, quando uma refeição é consumida, ocorrem múltiplas alterações na secreção
de hormônios intestinais, os quais podem exercer efeitos no apetite, em sinergismo,
adição ou antagonismo com os demais hormônios intestinais. Certas combinações,
como, por exemplo, PYY + GLP-1 ou amilina, possuem efeitos aditivos na inibição
da ingestão alimentar, enquanto outras combinações, por exemplo, o PYY + PP,
não parecem ter qualquer efeito aditivo sobre ingestão alimentar.
Mais investigações são necessárias, a m de se descobrir combinações si-
nérgicas dos hormônios intestinais, de modo a desenvolver um tratamento ecaz
contra a obesidade, com a redução da ingestão alimentar e aumento do gasto
energético, e contra o DMT2, principal transtorno metabólico associado à obe-
sidade.
Reinaldo Barreto Oriá 409
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS
HAMEED, S.; DHILLO, W. S.; BLOOM, S. R. Gut hormones and appetite control.
Oral Diseases. 15(1): 1826, 2009.
musculatura gastrintestinal até decai, sem ser abolida. Essa tensão em repouso é
chamada de tônus basal.
A contratilidade do músculo liso gastrintestinal é mais complexa que a do
esquelético. No acoplamento excitação-contração, os neurotransmissores promo-
vem a abertura de canais dependentes de voltagem na membrana celular com
inuxo de Ca++, mas também pode haver liberação de Ca++ dos estoques citoplas-
máticos, via fosfatidilinositol. Assim, mesmo sob potencial de membrana está-
vel, ativadores da proteína G liberam Ca++ (acoplamento farmacomecânico). Pela
ideia prevalente, com a formação no citoplasma do complexo Ca++-calmodulina,
é ativada a miosina-cinase, que, por sua vez, fosforila a cadeia leve da miosina e
potencia a capacidade da actina em ativar a miosina-Mg-ATPase hidrolisar o ATP
ligado à cabeça da miosina, fazendo deslizar os miolamentos. Por outro lado, os
níveis citosólicos de Ca++ são subtraídos pela bomba Ca++ATPase (transferindo o
Ca++ para fora da célula ou de volta aos estoques intracelulares) bem como pela
própria repolarização (inibindo o inuxo de Ca++, via canais operados por volta-
gem). A miosina é então desfosforilada, interrompendo a interação miolamentar
e permitindo o relaxamento muscular. Sabe-se que as ICC e os miócitos do trato
gastrintestinal apresentam canais iônicos mecanossensíveis, e que a distensão da
parede intestinal eleva a amplitude e frequência das ondas lentas e, por conse-
quência, a contração. Tais canais contribuem para elevar no miócito a amplitude
das correntes de Ca++, via canais operados por voltagem.
O curso temporal dos movimentos ao longo do TGI é bem heterogêneo. Mús-
culos do corpo do esôfago, antrogástrico e intestino delgado retraem-se em segun-
dos (contrações fásicas). Já os esfíncteres esofagiano inferior, íleocecal e anal inter-
no ou o fundo gástrico exibem contrações sustentadas; por horas, até, de duração
(contrações tônicas). Embora a latência da contratilidade esquelética seja menor, a
gastrintestinal produz grau similar de tensão por área de secção transversal.
O arranjo espacial e temporal da motilidade afeta o trânsito dos conteúdos
no tubo digestivo. Com o advento da radiologia, Walter Cannon descreveu as
contrações de segmentação, síncronas, nas quais o quimo pouco se desloca entre
segmentos vizinhos (favorecendo a mistura do bolo alimentar com as enzimas
digestivas e a exposição dos nutrientes à superfície absortiva do intestino), e a
propulsão do quimo mediante a contração consecutiva de segmentos vizinhos,
ou peristalse.
17.1.5 MASTIGAÇÃO
Com a ingestão de alimento sólido, iniciamos a mastigação. A estimulação
das papilas gustativas e epitélio olfatório respondem por muito da satisfação do
ato de comer e inclusive desencadeiam a fase cefálica da digestão. Ademais, há
secreção reexa de saliva que, ao se misturar à comida, amacia o bolo alimentar.
Aliás, a mastigação reduz o alimento a um volume cômodo à deglutição. Embora
a mastigação seja ato voluntário, tem natureza em parte reexa tanto que ani-
mais descerebrados acima do mesencéfalo mastigam tão logo o alimento é posto
na boca. A mastigação combina a ação de músculos estriados na mandíbula, lá-
bios, bochechas e língua – graças ao núcleo ambíguo que coordena a atividade do
V par craniano (trigêmeo).
A pressão nos dentes, gengivas, língua e palato relaxa os músculos de fecha-
mento da maxila (principalmente os pares de masseter e temporais) enquanto
ativa os músculos de abertura (digástrico e pterigoídes laterais). Graças à articula-
ção temporomandibular, a mastigação, além de mover a maxila para cima e para
baixo, também o faz para diante e para trás, bem como lateralmente, moendo o
alimento sob a frequência de um ciclo/s. Apesar de a força gerada entre os molares
ser necessária para triturar o alimento comum, o principal fator de eciência mas-
tigatória é a área de contato oclusivo. Distúrbios oclusivos (por ex.: bruxismo)
podem originar quadros de cefaleia e desgaste dentário intensos.
Reinaldo Barreto Oriá 421
17.1.6 DEGLUTIÇÃO
A deglutição é descrita em etapas segundo as regiões de trânsito do bolo ali-
mentar em direção ao estômago: oral, faríngea, esofágica. Aparentemente singelo,
o ato de engolir é crucial pelo risco potencial de aspiração pulmonar do material
e carece de perfeita coordenação. Embora possa ser iniciada voluntariamente, a
deglutição progride de maneira autônoma, sem ser interrompida. Aliás, é iniciada
na maioria das vezes de modo inconsciente, independente de ingestão e inclusive
ocorrendo durante o sono. Muitos dos fenômenos vigentes na deglutição aparecem
na cinerradiograa, após a pessoa ingerir suspensão radiopaca de bário. Mediante
sondas contendo pequeninos transdutores em vários pontos do trajeto oro-farin-
go-esofagiano é possível se medir as pressões vigentes durante e após a deglutição.
nível de tensão por 1-2. Após discreta zona de transição no terço medial do esôfago,
o terço distal é composto de bras lisas. Nos dois terços inferiores, o músculo do
esôfago é inervado desde o plexo mioentérico, cuja atividade excitatória e inibitória
é modulada por bras vagais pré-ganglionares colinérgicas. Daí haver peristalse re-
sidual no esôfago distal, mesmo após a vagotomia. Já a neurotransmissão inibitória
é do tipo não adrenérgica, não colinérgica, seja pela liberação de ATP, VIP ou NO.
17.1.8 VÔMITO
Expulsão oral, repentina e forçada, do conteúdo gástrico e às vezes duode-
nal é antecedida de náusea e eructação, além de ativação autonômica: salivação
copiosa, palidez, sudorese fria, hipotensão arterial e taquicardia. A respiração é
interrompida por instantes enquanto a vedação da nasofaringe e laringe, impedin-
do a inalação de material. A principal força para a expulsão advém da contração
dos músculos abdominais, mais do que das vísceras – a intoxicação pelo curare
até evita a indução de vômito. Já o estômago, desde o piloro até o cárdia, torna-se
ácido e a contração duodenal inverte o gradiente normal da pressão intralu-
minal, levando ao reuxo intestino-gástrico (ou peristalse reversa). Contraem-se
então vigorosamente o diafragma e a parede abdominal, enquanto o esfíncter eso-
fagiano inferior se relaxa e o piloro se contrai. A crescente pressão intraluminal
expulsa por m o conteúdo gástrico. O vômito é, portanto, ato reexo primitivo,
coordenado na plano dorsal do tronco cerebral, próximo às áreas de regulação
cardio-vascular e respiratória.
Embora o vômito nos proteja ao remover substâncias com potencial tóxico,
quadros prolongados podem induzir hemorragias esofagianas e estado de alcalose
metabólica, em razão da drenagem de ácidos do organismo.
nervos pélvicos para a medula sacral; donde bras parassimpáticas vão ter ao
cólon distal e aos esfíncteres anais. O nervo pélvico provê bras eferentes para
o cólon distal e o esfíncter anal interno, enquanto as do esfíncter anal externo
provém do nervo pudendo. Assim, a atividade parassimpática converte o fraco
reexo mioentérico em potente ato de defecar. Se a evacuação for inibida desde
centros nervosos mais altos, o reto relaxa-se, dissipando o estímulo da distensão
e adiando a defecação.
Tal como ocorre noutros segmentos do TGI, os nervos intrínsecos que libe-
ram ACh ou substância P estimulam a motilidade colônica, enquanto os nervos
extrínsecos que liberam purinas, VIP ou NO a inibem. Já a atividade nervosa
aferente oriunda dos cólons e reto tem importante inuxo funcional: a obstipação
voluntária retarda o esvaziamento gástrico em voluntários sadios enquanto pa-
cientes que sofrem de constipação crônica tendem a exibir maior limiar sensório
à distensão colônica.
Na constipação crônica funcional, há desvios na siologia da defecação pela
interação de vários fatores, como alimentares, emocionais (evacuações dolorosas)
e, em particular, alteração na motilidade colônica. Mediante estudo radiológico,
após a ingestão de marcadores radiopacos, os distúrbios de motilidade colônica
podem ser classicados em: obstrução da via de saída, obstrução distal ou inércia
colônica. Em geral, o retardo de trânsito colônico ocorre de modo especial no
sigmoide e no reto, isto é, na via de saída.
Aspecto desconcertante da motilidade colônica é a eliminação diária de gases
(~500ml) oriundos do ar deglutido, da neutralização da acidez gástrica e dos pro-
cessos da fermentação bacteriana. Além de CO2, O2, H2, CH4 e N2 há substâncias
feitas ácidos graxos, enxofre, indol e escatol que dão o odor típico dos atos.
Embora a distensão gasosa possa facilmente estimular a motilidade dos cólons,
pouco se sabe dos mecanismos envolvidos na sua continência.
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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Figura 18.1 – Logo abaixo da base da microvilosidades, as membranas plasmáticas das células adjacentes são fundi-
das por meio das junções rmes. As proteínas formadoras dessas junções são claudinas, ocludina e ZO-1, que interagem com os
milamentos do citoesqueleto (F-actina e Miosina). Mais abaixo se encontram as proteínas das Junções aderentes: E-caderina,
α-catenina 1, β-catenina, δ1 catenina (também conhecido como P120 catenina; não mostrado) que interagem comr F-actina.
A MLCK está associada com o anel de actomiosina perijunctional. Desmossomos, que estão localizados abaixo do complexo
juncional apical é formado por interações entre desmogleína, desmocolina, desmoplaquina e lamentos de queratina. MLCK
(Myosin light-chain kinase, do inglês).
446 Sistema digestório: integração básico-clínica
18.3.1 OCLUDINA
A ocludina foi à primeira proteína integral de membrana a ser identicada
nas junções rmes de células epiteliais, em 1993. Seu nome vem do latim occlu-
dere que signica passagem restrita. A ocludina é uma fosfoproteína tetraspani-
na de 65 kDa de membrana, com quatro domínios transmembranares, duas alças
voltadas para o meio extracelular e uma alça para o espaço intracelular. Possui
um N-terminal curto e um longo domínio C-terminal citoplasmático. A interação
homofílica das alças extracelulares de ocludina com as células adjacentes parece
criar uma barreira para macromoléculas, mas não contra os pequenos íons. O do-
mínio C-terminal longo interage com várias proteínas intracelulares das junções
rmes, como as ZOs, que são necessárias para a ligação de ocludina ao citoesque-
leto de actina.
18.3.2 CLAUDINAS
As claudinas fazem parte de uma família multigênica, composta de pelo
menos 27 membros. Suas isoformas mostram um padrão de expressão dife-
rente, importantes para determinar as propriedades fisiológicas das junções
firmes. Semelhante à ocludina, as claudinas são proteínas de 20-27 Da e,
morfologicamente, possuem alça intracelular e duas extracelulares, além de
domínios C-terminal e N-terminal citoplasmáticos. As alças extracelulares
das claudinas fazem as interações homofílicas e heterofílicas com células
adjacentes.
Essas interações criam tanto uma barreira, como poros seletivos para
a passagem de determinadas moléculas pela via paracelular. Mesmo na au-
sência de outras proteínas de membranas (p. ex. ocludina), as claudinas são
capazes de manter a função de barreira de forma independente e, por ter essa
atribuição, é considerada a espinha dorsal e fundamental para manter a per-
meabilidade intestinal. Recentemente tem se atribuído às claudinas 2 e 15,
função primordial para absorção intestina. Essas duas proteínas são forma-
doras de poros e expressadas em todas as regiões do intestino (Figura 18.2).
Trabalhos utilizando camundongos geneticamente modificados vêm ca-
racterizando melhor a importância dessa família de proteína. Animais com
Reinaldo Barreto Oriá 447
Figura 18.2 – Modelo de poros formados por claudinas. As claudinas (em azul) se ligam ao domínios PDZ-1 das pro-
teínas ZO-1. Por vez, a proteína ZO-1 se liga aos lamentos de actina do citoesqueleto.O complexo de interções moleculares
propricia a uma via seletividade para a permeação e a função de barreira funcional intestinal para moléculas que possuam
tamanho de 4-8 Å. AA: Aminoácido.
448 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 18.3 – Transportes nos enterócitos intestinais. Transporte transcelular e paracelular para íons, aminoácidos e
substratos é mantido por proteínas e canais especializados. O gradiente eletroquímico de Na+ fornece condições para absorção
adequada de considerável quantidade das moléculas pela via transcelular. As proteínas que formam as junções rmes direcio-
nam seletivamente uma via paracelular para Na+, Cl- água. TJ: Tight Junctions.
Figura 18.4 - Disrupção do transporte paracelular decorrente da deciência de claudina -2 e -15 em camundongos
geneticamente modicados. Simultânea ausência de claudina -2 e -15 no espaço paracelular leva a falha na absorção dos
principais nutrientes (glicose, aminoácidos e ácido graxos via ácido biliares) que depende de valores adequados de Na+
luminais. A) Esquematização da absorção dos principais substratos em condição normal. B) Transporte deciente de Na+ na
ausência de claudina -2 e -15 resulta em comprometimento da absorção de glicose, aminoácido, e ácido biliares e subsequen-
temente morte durante a infância.
Figura 18.5 - Representação histológica dos componentes da barreira intestinal. A barreira intestinal é composta
de uma camada simples de células epiteliais colunares, assim como pela camada mucóide e lâmina própria. As células calici-
formes, que sintetizam e liberam mucina, assim como outras células especializadas, estão presentes. Mais externamente, a
camada mucóide (que não pode ser visualizada histologicamente) é localizada imediatamente acima das células epiteliais.
As junções rmes fecham o espaço paracelular entre as células epiteliais. A lâmina própria, localizada abaixo da membrana
basal, contém várias células do sistema imune.
458 Sistema digestório: integração básico-clínica
lular. Tais efeitos parecem estar associados à ativação de receptores TLR e NOD,
que induzem sinais de forticação da barreira.
Figura 18.6 - Representação esquemática da regulação da barreira funcional intestinal. Diversos componentes atuam
na manutenção da homeostase desta barreira. No lúmen intestinal, a microbiota residente tem papel protetor contra bactérias
patogênicas, evitando a colonização e invasão no epitélio. A camada mucóide, com peptídeos antimicrobianos e mucinas,
funciona como barreira para a penetração de antígenos microbianos. Tais substâncias são produzidas por células especializadas
do epitélio intestinal, células caliciformes (mucina) e células de Paneth (peptídeos antimicrobianos). A IgA, presente também
na camada mucóide é secretada por células plasmáticas na lâmina própria. A regulação imunológica da barreira se inicia
com a ativação por antígenos de receptores de reconhecimento de padrões (PRRs), receptores toll-like (TLRs) e receptores de
domínio de oligomerização de ligação de nucleotídeos (NODs), que induzem a liberação de citocinas que podem ativar células
do sistema imune localizadas na lâmina própria. Alternativamente, células do epitélio intestinal especializadas em endocitar
e transportar antígenos para a lâmina própria (células M) podem atuar, havendo reconhecimento por células apresentadoras
de antígenos (células dendríticas) para processamento e indução de células T, podendo gerar distintos pers Th1, Th2 e Treg.
Os mediadores inamatórios liberados no processo (citocinas TNF-α e IFN-γ) podem modicar as funções das junções rmes,
levando à distúrbios de permeabilidade intestinal. A complexa interação sistema nervoso-sistema imune também ocorre na
barreira intestinal, com atuação importante de células especializadas do epitélio, células neuroendócrinas, que podem secretar
neuropeptídios reguladores da resposta imune.
460 Sistema digestório: integração básico-clínica
%L está associada
%L mensura com doenças
% Excreção de o aumento da que alteram a Barbosa Jr. et
lactulose (%L; Urina permeabilidade permeabilidade al., 1999
342 Da) ou do dano do e / ou lesão da Wang et al., 2015
epitélio intestinal. barreira funcional
gastrointestinal.
464 Sistema digestório: integração básico-clínica
Essa proteína é
produzida em células Detecção da proteína
Litostatine-1-beta de criptas intestinais presente nas fezes,
Fecal e desempenha um é um indicador Peterson et al., 2013
(Reg1β; 19 kDa) papel na reparação de da proliferação de
tecidos, crescimento e células da cripta.
proliferação de células.
Inamação Intestinal
Este indica o aumento
Leucócitos ligados
de mediadores
a radiomarcadores,
inamatórios Turkay; Kasapoglu,
Leucócitos marcados Fecal considerado o padrão
no aumento da 2010
ouro para teste de
permeabilidade
inamação nas fezes
intestinal
A presença na amostra
α-1-AT é uma fecal reete um Kosek et al., 2013
Alfa-1-antitripsina glicoproteína, proteína aumento da
Fecal, Soro Turkay; Kasapoglu,
(α-1-AT; 52 kDa) de fase aguda e é permeabilidade
inibidor de proteinase. 2010
intestinal durante o
processo inamatório.
Reinaldo Barreto Oriá 465
Atua na regulação de
É uma glicoproteínaa reações inamatórias
que age anti- e inibe a atividade
alfa2-macroglobulina proteinase, capaz proteolítica da tripsina, Turkay; Kasapoglu,
Fecal, Soro
(α2M, 820kDa) de inativar uma da plasmina e da 2010
grande variedade calicreína. Associado a
de proteínase. doença de Crohn, mas
não doença ulcerativa.
Uma concentração
LAF está presente nos
Lactoferrina elevada é um
grânulos de neutrólos Turkay; Kasapoglu
Fecal indicador de
(LAF; 80 kDa) e tem atividade B, 2010
inamação do
antimicrobiana.
intestino.
CAP é presente
no citoplasmática
CAP é uma proteína
de neutrólos,
ligadora de cálcio
macrófagos e
e zinco da família
eosinólos do tecido
de proteínas Jun et al., 2010
Calprotectina do íleal. Tem atividade
Fecal, plasma, S100, formada
antimicrobiana, Turkay; Kasapoglu,
(CAP; 36.5 kDa) soro, urina em granulócitos
imunomodulafdora 2010
neutrólos (também
e efeitos
conhecida como MRP-
antiproliferativos.
8/14, calgranulina
É um potente
A/B ou S100A8/A9).
fator quimiotático
de neutrólos
O sistema MPO
MPO está presente
H2O2 tem um
nos grânulos Kosek et al., 2013
Mieloperoxidase efeito tóxico sobre
de neutrólos e
Fecal, urina os microrganismos Turkay; Kasapoglu,
(MPO; 150 kDa) catalisa a oxidação
e reete a atividade 2010
da substância
inamatória no
através H2O2.
intestino.
NEP é sintetizado
e liberado pela a
reação do sistema
Neopterina NEP está associada Kosek et al., 2013
Fecal , plasma, imune celular de
com a ativação do
(NEP; 253 Da) soro, urina macrófagos e de Nancey et al., 2013
sistema imune celular
células dendríticas
após estimulação
com IFN-g.
466 Sistema digestório: integração básico-clínica
É uma proteinase
serina de grânulos Elastase neutrofílica
primários de leucócitos pode solubilizar matrix
Elastase neutrofílica Turkay; Kasapoglu,
Fecal polimorfonucleares os extracellular e é um
(NE) 2010
quais são liberados indicador de doenças
após ativação inamatórias.
neutrofílica.
Homólogo à
parede celular de Indica inamação
Anticorpos anti- enterobactérias crônica correlacionada
Turkay; Kasapoglu,
Saccharomyces Plasma Associados a pacientes com aumento de
2010
(ASCA). com doença Crohn, permeabilidade
mas não doença intestinal
ulcerativa.
Figura 18.7 - Avaliação da permeabilidade intestinal pelo método de lactulose e de manitol. A) e B) apresenta a
quanticação da lactoluse e manitol, respectivamente, em urina de crianças com e sem diarreia aguda m apresenta. C) A razão
entre lactulose/manitol no grupo avaliado. D) Cromatograma da quanticação dos carboidratos utilizados na avaliação da
permeabilidade intestinal. Em ambos os cromatogramas apresentaram picos de melibiose como padrão interno na quanti-
cação dos biomarcadores. O aumento de lactulose sugere alterações na permeabilidade intestinal das crianças com diarreia
em ralação a crianças sem a manifestação de diarreia. Reproduzido a partir de A.A.M Lima. Barbosa-Junior MS, Silva TMJ,
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478 Sistema digestório: integração básico-clínica
19
CAPÍTULO
FISIOLOGIA DAS
SECREÇÕES SALIVARES E
GASTRINTESTINAIS
Vilma Lima
Iracema Matos Melo
Vilana Maria Adriano Araújo
Jairo Diniz Filho
19.1 INTRODUÇÃO
A função do sistema digestório consiste em prover nutrientes para o cor-
po enquanto o alimento transita pelo tubo digestivo desde a boca, seguindo
pelo esôfago, o estômago e os intestinos, antes de ser esvaziado. O trato gas-
480 Sistema digestório: integração básico-clínica
Os ácinos e as células dos ductos das glândulas salivares expressam vários re-
ceptores ionotrópicos e metabotrópicos P2, tanto no lúmen como nas membranas
basais (Turner et al., 1999; Lee et al., 2012). Os receptores P2Y parecem ser mais
importantes no desenvolvimento glandular e, talvez, também na sua reparação.
Já os receptores P2X podem ter papel preponderante na secreção de uidos e ele-
trólitos. Estudos têm mostrado que a estimulação dos receptores P2X7 expressos
tanto nos ácinos como nas células dos ductos das glândulas salivares determina
um aumento da concentração intracelular de Ca2+ (Li et al., 2003; Nakamoto et
al., 2009; Novak; Jans; Wohlfahrt, 2010).
A saliva é um uido aquoso encontrado na cavidade oral, composto por
uma mistura complexa de produtos secretórios orgânicos e inorgânicos (Lima et
al., 2010). Cerca de 90% desse uido oral originam-se de três pares de glândulas
salivares maiores, as glândulas parótidas, as submandibulares e as sublinguais.
Outras fontes responsáveis por sua composição nal, aproximadamente 10%,
compreendem o sulco gengival, além de inúmeras glândulas salivares menores
presentes na língua, mucosas labial, bucal e palatina, além de secreções da na-
sorofaringe (Aps; Martens, 2005), compostos derivados do sangue e de reuxo
gastrointestinal (Dodds; Johnson; Yeh, 2005).
A saliva inicial é produzida nos ácinos das glândulas salivares, e estocada
nos grânulos desses ácinos. Tais grânulos são preenchidos com água, nos quais
eletrólitos e proteínas são dissolvidos (Aps; Martens, 2005). As células acinares
são amplamente divididas em dois tipos: células serosas e mucosas. Assim, cada
tipo de glândula produz uma secreção salivar típica. A glândula parótida produz
um líquido seroso; a submandibular produz secreção mucoserosa, enquanto que
as glândulas sublinguais secretam apenas saliva mucosa. As glândulas menores,
situadas na mucosa bucal dos lábios e no palato, produzem secreções viscosas
(Veerman et al., 1996).
Em condições basais, ocorre secreção de cerca de 0,5 ml de saliva por minu-
to, variando de 0,5 a 1 litro de saliva por dia (Catalán; Nakamoto; Melvin, 2009),
quase que totalmente do tipo mucoso, exceto durante o sono, quando a secreção é
reduzida (Guyton; Hall, 2011). Nesse contexto, observa-se que a secreção salivar
se torna extremamente importante para a manutenção da saúde dos tecidos orais,
uma vez que o uxo salivar contribui para a higiene desses tecidos, e também por
que a saliva contém vários fatores capazes de destruir micro-organismos.
A saliva é um dos uidos mais complexos, versáteis e importantes do cor-
po, compreendendo uma vasta extensão de necessidades siológicas (Lima et
al., 2010). A saliva secretada possui papel multifuncional, pois na cavidade oral
protege dentes e mucosa contra os efeitos prejudiciais de toxinas microbianas,
de estímulos nocivos e de traumas menores decorrentes da presença alimentar,
além de favorecer meio adequado para os receptores gustativos, e a capacidade
Reinaldo Barreto Oriá 483
Figura 19.3 – Modelo estrutural da lisozima. (A) Na cor vinho, um fragmento de parede bacteriana; (B) detalhe da
modicação proposta para a estrutura da parede bacteriana sob atuação da lisozima. Nesta situação, o anel circulado em
vermelho encontra-se mais aplanado (Baseado em Sanner, 1999; PMV-MGLTools, v. 1.5.6, para Windows).
Figura 19.4 – Modelo estrutural da amilase salivar. Em vermelho vivo, o local aproximado do sítio ativo (Baseado em
Sanner, 1999; PMV-MGLTools, v. 1.5.6, para Windows).
superfície (GUYTON; HALL, 2011). Essa região funcional é formada por glân-
dulas tubulares oxínticas ou gástricas, localizadas nas superfícies internas do
corpo e do fundo do estômago, constituindo 80% do estômago proximal, bem
como por glândulas tubulares pilóricas, localizadas na porção antral do estôma-
go, correspondente aos 20% distais deste órgão (GUYTON; HALL, 2011). Tais
unidades funcionais são divididas em fenda (pit), istmo, pescoço e base, sendo as
células-tronco e as células progenitoras localizadas no istmo das glândulas (CHU;
SCHUBERT, 2012).
Basicamente, as glândulas oxínticas, do grego oxys que signica ácido, secre-
tam ácido clorídrico, pepsinogênio, fator intrínseco e muco (GUYTON; HALL,
2011; SCHUBERT, 2001). As glândulas pilóricas secretam principalmente muco,
assim como o hormônio gastrina (GUYTON; HALL, 2011). Entre essas glându-
las, a superfície da mucosa estomacal possui ainda uma camada contínua de um
tipo especial de células denominadas de células mucosas superciais, que secretam
grandes quantidades de um muco muito viscoso e alcalino, constituído por muco-
proteínas e mucopolissacarídeos, de forma que uma camada gelatinosa de muco
adere à mucosa do estômago. Tal camada proporciona uma barreira de proteção,
muitas vezes com mais de um milímetro de espessura, para a parede estomacal,
protegendo-a contra a abrasão promovida pelos alimentos sólidos e contra o áci-
do do lúmen do estômago, bem como contribuindo para a lubricação do trans-
porte de alimento. A proteção ácida é também conferida pelos íons bicarbonato
(HCO3-) secretados nessa camada mucosa e conferem a esta um pH ligeiramente
alcalino. A alcalinidade desse muco impede, ainda, que a parede do estômago seja
exposta à secreção proteolítica altamente ácida desse órgão, uma vez que a pepsi-
na requer um pH inferior a cinco para permanecer ativa. Assim, é importante que
essa camada de muco esteja em contínua renovação, pois, de outra forma, o ácido
pode promover eventuais ulcerações. Irritações locais da mucosa aumentam a se-
creção de muco e de HCO3-, mediante a produção de prostaglandinas no local, de
modo que fármacos anti-inamatórios que inibem a produção de prostaglandinas
limitam a renovação dessa barreira mucosa. As catecolaminas também podem
contribuir para a formação de úlceras, uma vez que inibem a secreção de HCO3-.
Por m, o álcool aumenta a produção de ácido e, se suciente, pode superar essa
barreira mucosa (GUYTON; HALL, 2011; FRY, 2009).
todas as regiões das glândulas, que secretam ácido clorídrico e fator intrínseco
(GUYTON; HALL, 2011; SCHUBERT, 2001; 2002). Essas células parietais, em-
bora estejam predominantemente presentes na mucosa oxíntica (fundo e corpo do
estômago), também são encontradas no antro, em até 50% das glândulas antrais,
correspondendo a 5% do total dessas células (CHOI et al, 2014; SCHUBERT,
2015). Células neuroendócrinas também são encontradas na base das glândulas
oxínticas, como as células enterocromans, responsáveis pela síntese de serotoni-
na, peptídeo natriurético atrial e adrenomedulina; as células semelhantes às ente-
rocromans, produtoras de histamina; as células D, produtoras de somatostatina;
e células tipo A ou Gr, produtoras de grelina (SCHUBERT, 2001; CHU; SCHU-
BERT, 2012). Dentre todas essas células da mucosa oxíntica, as predominantes
são as parietais e as semelhantes às enterocromans (CHU; SCHUBERT, 2012).
O ácido clorídrico facilita a digestão de proteínas pela conversão do pepsino-
gênio à enzima proteolítica ativa, pepsina. Além disso, o ácido clorídrico facilita
a absorção de ferro, cálcio, vitamina B12, certas medicações, bem como previne
o crescimento bacteriano excessivo, infecções entéricas e, possivelmente, pneumo-
nia adquirida na comunidade, peritonite bacteriana espontânea e alergia alimen-
tar mediada por IgE (CHU; SCHUBERT, 2012; Schubert, 2015). Juntamente com
o ácido clorídrico, é secretada pelas células parietais a substância fator intrínseco,
essencial para absorção de vitamina B12 no íleo (GUYTON; HALL, 2011).
Existem vários tipos de pepsinogênio, que, apesar de ligeiramente diferentes,
realizam as mesmas funções. São secretados não somente pelas células pépticas das
glândulas gástricas, mas também pelas células mucosas. O pepsinogênio não possui
atividade digestiva, entretanto, assim que entra em contato com ácido clorídrico é
clivado para formar pepsina ativa. Assim, a pepsina atua como uma enzima proteo-
lítica ativa em meio muito ácido (pH ideal entre 1,8 e 3,5), tornando-se completa-
mente inativada em pouco tempo em um pH acima de 5 (GUYTON; HALL, 2011).
A secreção gástrica de ácido é regulada por vias aferentes e eferentes dos sis-
temas nervosos central e entérico, assim como por mecanismos neuroendócrinos e
células do sistema imune que atuam por vias autócrinas, parácrinas e hormonais.
Essas vias convergem para quatro células essenciais para a secreção ácida: células
parietais da mucosa oxíntica, que são as responsáveis pela produção de ácido
clorídrico; células semelhantes às enterocromans, também ocorrentes na mucosa
oxíntica, e responsáveis pela síntese de histamina, substância principal para esti-
mulação parácrina da secreção de ácido; células G das glândulas pilóricas, pro-
dutoras de gastrina, principal estimulante hormonal da secreção ácida; e células
D, nas mucosas oxíntica e pilórica, e responsáveis pela síntese de somatostatina, o
principal inibidor parácrino da secreção de ácido clorídrico (SCHUBERT, 2004).
Resumidamente, os maiores responsáveis pela secreção ácida gástrica são a
histamina, a gastrina e acetilcolina, sejam agindo de forma direta nas células pa-
rietais ou estimulando-as indiretamente. No entanto, outras substâncias podem
estimular a liberação de ácido, como a grelina, o glutamato e o peptídeo ativador
da adenilato ciclase pituitária (SCHUBERT, 2011; 2015). A acetilcolina, liberada
494 Sistema digestório: integração básico-clínica
na. O GLP-1 também inibe a liberação de ácido ao atuar em seu receptor (GLP-1R),
encontrado tanto nas células parietais da mucosa oxíntica, como nas célula neuroen-
dócrinas da mucosa pilórica (SCHUBERT, 2015).
Quando o estômago está vazio, ocorre uma secreção gástrica basal, que
corresponde a aproximadamente 10% da taxa máxima, sendo maior durante
a noite. Essa secreção é em geral quase que inteiramente do tipo não-oxín-
tico, composta basicamente de muco, pouca pepsina e quase nenhum ácido.
Estímulos emocionais, no entanto, aumentam a secreção gástrica nesse pe-
ríodo interdigestivo e acredita-se que seja um dos fatores responsáveis pelo
desenvolvimento de úlceras pépticas. Após uma refeição, a secreção aumenta
rapidamente e ocorre em três fases: cefálica, gástrica e intestinal (GUYTON;
HALL, 2011; FRY, 2009).
A fase cefálica da secreção gástrica inicia-se mesmo antes do alimento al-
cançar o estômago, enquanto está sendo digerido e é resultante da visão, do
odor, da lembrança ou do sabor do alimento. Outros fatores como a hipoglice-
mia no sangue arterial cerebral também evocam secreção gástrica. Essa fase é
mediada pelo nervo vago, e quanto maior o apetite, mais intensa é a estimula-
ção. O controle central da secreção gástrica é complexo, no entanto, os sinais
neurogênicos que causam a fase cefálica são originados no córtex cerebral e
nos centros do apetite da amígdala e do hipotálamo, sendo transmitidos até o
estômago pelos núcleos motores dorsais do nervo vago. Fibras e neurônios co-
496 Sistema digestório: integração básico-clínica
Os íons bicarbonato e a água são secretados pelas células epiteliais dos duc-
tos que se originam nos ácinos, principalmente nos pequenos ductos pancreáticos
intralobulares e intercalados, assim como por células centroacinares (GUYTON;
HALL, 2011; ISHIGURO et al, 2012, LEE et al, 2012). Uma vez estimulado, o
pâncreas secreta grandes quantidades de suco pancreático em que a concentração
de íons bicarbonato pode atingir 145 mEq/l, valor cinco vezes maior que a sua
concentração no plasma, o que confere uma grande quantidade de álcali no suco
pancreático, que serve para a neutralização do ácido clorídrico que alcança o
duodeno após o esvaziamento do estômago (GUYTON; HALL, 2011).
Os mecanismos celulares da secreção da solução de íons bicarbonato (HCO3-)
nos ductos pancreáticos são complexos e envolvem tanto a secreção de HCO3-,
quanto à absorção de Cl-. Além disso, nesse processo participam diversos canais
iônicos, bombas de prótons e transportadores localizados nas membranas basola-
teral e apical (luminal) das células ductais (GUYTON; HALL, 2011; ISHIGURO
et al, 2012; LEE et al, 2012). Essa tarefa impõem diversos critérios para que possa
ser cumprida. Em primeiro lugar, há a necessidade de que o HCO3- concentre-se
no citoplasma celular. Em segundo, uma vez secretado no espaço luminal é neces-
sário que o HCO3- se concentre nesse local. Por m, enquanto absorve Cl- e secreta
HCO3-, o ducto pancreático deve mediar a secreção de sais, necessária para a
secreção copiosa de uidos (LEE et al 2012).
Basicamente, o dióxido de carbono difunde-se para o interior das células
ductais a partir do sangue e, sob a inuência da enzima anidrase carbônica,
combina-se com a água para formar ácido carbônico (H2CO3). Esse ácido dis-
socia-se, então, em H+ e HCO3-. Os íons hidrogênio (H+) formados, por sua vez,
são trocados por íons Na+ por meio de transporte ativo secundário na membra-
na basolateral (membrana sanguínea) da célula. Por outro lado, os íons bicar-
bonato (HCO3-) são transportados acopladamente com os íons Na+ na membra-
na luminal para o lúmen do ducto (GUYTON; HALL, 2011; ISHIGURO et al
2012). Ainda, essa secreção de HCO3- para o lúmen envolve a troca deste por
Cl-, de forma a ocorrer a absorção de Cl-. Simultaneamente, no entanto, o Cl- é
reciclado para o lúmen ductal através do CFTR, um canal de ânions regulado
por AMPc, de forma que quando essa reciclagem é acelerada pela ativação do
CFTR por AMPc, a troca de HCO3- por Cl- ocorre mais rapidamente e a secre-
ção de HCO3- aumenta (ISHIGURO et al 2012). Por m, a secreção de Na+ e
HCO3- para o lúmen do ducto cria um gradiente de pressão osmótica, causando
o uxo de água para o interior do ducto pancreático, formando uma solução de
bicarbonato quase isotônica (GUYTON; HALL, 2011).
pouco dessa secreção ui imediatamente através dos ductos pancreáticos para
o duodeno, pois somente pequenas quantidades de água e eletrólitos (secreção
líquida) são secretadas juntamente com as enzimas (GUYTON; HALL, 2011).
A fase intestinal da secreção pancreática inicia-se quando o quimo entra no
intestino, uma vez que este estimula a liberação de colecistocinina e secretina pelas
mucosas do duodeno e do jejuno (GUYTON; HALL, 2011). A colecistocinina é
um polipeptídeo com 33 aminoácidos liberado pelas chamadas células I, na mucosa
duodenal e jejunal, em decorrência de produtos da digestão parcial de proteínas,
como proteoses e peptonas, e de ácidos graxos de cadeia longa no quimo que alcan-
ça o intestino. Ela chega ao pâncreas pela corrente sanguínea e provoca, principal-
mente, a secreção de enzimas digestivas pancreáticas pelas células acinares, apesar
de poder pronunciar o efeito da secretina nas células ductais (GUYTON; HALL,
2011; CHANDRA; LIDDLE et al 2009; LEE et al 2012). O efeito da colecistocini-
na nos ácinos é semelhante ao efeito promovido pela estimulação vagal, sendo, en-
tretanto, mais pronunciado, respondendo por cerca de 70 a 80% da secreção total
das enzimas digestivas após uma refeição (GUYTON; HALL, 2011).
O mecanismo de ação da colecistocinina nas células acinares é controverso,
mas sugere-se que ela atue por dois possíveis mecanismos. Primeiro, interação da
colecistocinina aos seus receptores nos ácinos pancreáticos, com o consequente
aumento dos níveis intracelulares de Ca2+ e exocitose das enzimas. Segundo, efeito
indireto via estimulação vagal, devido à ligação da colecistocinina a receptores
sensíveis à capsaicina do tipo C, presentes em bras aferentes do nervo vago, o
que resulta na liberação de acetilcolina pelas terminações nervosas vagais eferen-
tes (LEE et al 2012).
A secretina, em contrapartida, estimula o pâncreas a secretar grandes quanti-
dades de líquido contendo elevadas concentrações de íons bicarbonato. Ela é um
polipeptídeo com 27 aminoácidos, em sua forma inativa, a pró-secretina, nas cha-
madas células S no duodeno e jejuno. O pH intraduodenal inferior a 4,5, resultan-
te da entrada do quimo ácido proveniente do estômago no intestino, promove a
ativação e liberação da secretina da mucosa duodenal para o sangue (GUYTON;
HALL, 2011; LEE et al 2012). A sua liberação aumenta bastante quando o pH cai
para 3,0, levando à secreção abundante de suco pancreático com grande quanti-
dades de bicarbonato de sódio, o que é de enorme importância para a proteção da
mucosa intestinal, pois a neutralização do ácido gástrico é essencial para evitar o
desenvolvimento de úlceras duodenais. Essa neutralização ocorre pela reação entre
o ácido clorídrico (HCl) com o bicarbonato de sódio (NaHCO3), com consequente
formação de cloreto de sódio (NaCl) e ácido carbônico (H2CO3), o qual se dissocia
imediatamente em dióxido de carbono (CO2) e água (H2O). O dióxido de carbono é
transferido, então, para o sangue e expirado pelos pulmões, deixando uma solução
neutra de NaCl no duodeno (GUYTON; HALL, 2011).
502 Sistema digestório: integração básico-clínica
19.7.1 BILIRRUBINA
A bilirrubina não conjugada é um pigmento tetrapirrol formado pelo cata-
bolismo de hemoglobina (Ostrow, 1986), produzida no sistema reticuloendote-
lial do baço, fígado e medula óssea, predominantemente a partir da degradação
do heme, ou seja, da destruição de eritrócitos. Embora citocromos e mioglobina
contribuam com uma pequena quantidade (Butcher, 2003), a bilirrubina se torna
504 Sistema digestório: integração básico-clínica
Após cada refeição, a vesícula biliar libera o conteúdo de sais biliares no in-
testino, onde se misturam com quimo proveniente do estômago e participam do
processo de metabolismo e absorção das gorduras (Reshetnyak, 2015). Aproxima-
damente 95% desses ácidos biliares são reabsorvidos e retornam ao fígado através
da circulação portal, enquanto que os não reabsorvidos são excretados nas fezes
(Guyton; Hall, 2011). Na porção intestinal da circulação ênterohepática, os ácidos
biliares são reabsorvidos tanto por processo passivo como por processo ativo, este
limitado ao íleo e responsável pela maior reabsorção dos ácidos biliares por meio
do transportador de ácido biliar dependente de sódio (ASBT) (Reshetnyak, 2015;
Kullak-Ublick; Stieger; Meier, 2004). O passo nal da circulação ênterohepática é
a captação dos ácidos biliares presentes na circulação porta, que estão associados
à albumina ou a liproteínas de baixa densidade (HDL), pelos hepatócitos. Essa
captação é mediada por um sistema de transporte de membrana especíco, que
compreende polipeptídeos e glicoproteínas com fortes anidades para os ácidos bi-
liares, tais como o polipeptídeo co-transportador sódio-dependente de taurucolato
(NTCP). Além disso, os hepatócitos contêm outras proteínas transportadores inde-
pendentes de sódio, incluindo os polipeptídeos transportadores de ânions orgânicos
(OATPs) (Reshetnyak, 2015; Kullak-Ublick; Stieger; Meier, 2004).
Figura 19.5 – Mecanismo de ação dos fármacos que reduzem a secreção gástrica.
A respeito das secreções salivares, sabe-se que estas são produzidas por glân-
dulas controladas pelo sistema nervoso autônomo e afetadas por uma variedade
de fármacos, induzindo xerostomia ou hipersalivação. No que concerne à xeros-
tomia, esta consiste em um sintoma oral desconfortante e potencialmente prejudi-
cial, geralmente provocada por uma diminuição da taxa de secreção de saliva pela
hipofunção da glândula salivar. Possui etiologia relacionada aos hábitos, como
tabagismo e alcoolismo, além de uma ampla variedade de fármacos, os quais au-
mentam a suscetibilidade da condição (Sreebny; Schwartz, 1997). Cerca de 70%
dos adultos que estão sendo submetidos a tratamentos farmacológicos podem de-
senvolver a xerostomia como efeito adverso (Ciancio, 2004). Dentre estes, desta-
cam-se os indivíduos que tomam antidepressivos tricíclicos, anticolinérgicos, α- e
β-bloqueadores, diuréticos, antipsicóticos, anti-histamínicos e anti-hipertensivos
(Scully, 2003; Miranda-Rius et al., 2015).
Os antidepressivos tricíclicos (ADT) exercem seus efeitos através de mecanis-
mos noradrenérgicos, histamínicos e colinérgicos, culminando no aparecimento
de xerostomia ao bloquear os receptores muscarínicos M3. Choi et al. (2006)
observaram que a desipramina inibe diretamente a bomba de Na+/H+, a qual é
importante para a secreção salivar na glândula submandibular em humanos. Ao
utilizar glândulas parótidas de ratos, Silva et al. (2009) revelaram que a uoxetina
e venlafaxina reduziu o uxo salivar estimular e aumentou o volume celular, re-
sultando em hipertroa glandular com uoxetina e em ação anticolinérgica mais
pronunciada quando administrada por 60 dias.
Agentes antimuscarínicos podem atuar em algumas condições sistêmicas,
como incontinência urinária e bexiga hiperativa. Entretanto, a maioria desses
fármacos não possui seletividade para os receptores, induzindo o aparecimento
de efeitos adversos, como a xerostomia (Scully, 2003). Quanto aos antagonistas
adrenérgicos relacionados também aos problemas urinários, destacam-se os anta-
gonistas seletivos para α1, como prazosina, silosina, tansulosina. Esses fármacos,
além de promoverem o relaxamento das células musculares da próstata e uretra,
agem em receptores pós-sinápticos α1 presentes em glândulas salivares, causan-
do a xerostomia (Scully, 2003; Rang et al., 2012). De fato, Ynai-Inamura et al.
(2012) mostraram que a tansulosina inibiu a secreção salivar, induzida por fenile-
frina, de maneira dose-dependente.
Os diuréticos de alça e os poupadores de potássio se destacam na indução da
xerostomia, visto que seus mecanismos de ação incluem a maior excreção de ele-
trólitos como Na+, Cl- e K+, os quais participam do processo da produção salivar
(Nederfors; Nauntofte; Twetman, 2004).
512 Sistema digestório: integração básico-clínica
Benzodiazepínicos, hipnóticos,
Morna, diazepam Xerostomia
opioides e drogas de abuso
Inibidores da bomba de prótons Omeprazol Xerostomia
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Figura 20.1 - Estrutura anato mica do pa ncreas. Fonte: Traduzido de OpenStax College, 2013.
Reinaldo Barreto Oriá 525
tação e outros estímulos vagais, mas seus efeitos metabólicos ainda não são tão
bem esclarecidos.
Células G: Representam 1% das células da ilhotas. Elas produzem gastrina.
Células ε: São as menos numerosas, respondendo por 0,5-1%. Responsáveis
pela produção de grelina.
As ilhotas pancreáticas podem receber até 15% do uxo sanguíneo, apesar de
representarem no máximo 2% da massa pancreática. A irrigação das ilhotas pan-
creáticas se dá de forma centrífuga, sendo as células β, localizadas no centro, as pri-
meiras a receberem uxo sanguíneo arterial. Posteriormente ocorre a irrigação das
células mais periféricas, α e δ. Devido aos capilares fenestrados que são responsáveis
por essa vascularização e possibilitam que os hormônios secretados rapidamente
atinjam a circulação, essas células cam expostas a altas concentrações de insuli-
na, provocando uma inibição na síntese de glucagon. As ilhotas são ricamente
inervadas por bras provenientes do sistema nervoso autônomo, simpáticas e
parassimpáticas, as quais desempenham um papel fundamental na modulação
da secreção hormonal através de neurotransmissores e neuropeptídios.
Galanina: Presente tanto nas bras simpáticas que inervam as ilhotas, como
no pâncreas exócrino. Inibe tanto a secreção basal de insulina quanto a estimu-
lada.
Neuropeptídeo Y: Presente tanto na porção endócrina, quanto exócrina do
pâncreas. Inibe a secreção de insulina basal e estimulada.
20.3.2.1 INSULINA
20.3.2.1.1 Síntese
Figura 20.3 - Síntese e ativação da insulina. Fonte: Traduzido de Beta Cell Biology Consortium, 2015.
Figura 20.4 - Regulação da síntese de insulina. Fonte: Traduzido de Hartley; Brumell; Yolchuk, 2008.
20.3.2.1.2 Secreção
A insulina persiste armazenada até que algum estímulo promova sua exo-
citose, sendo o principal a concentração de glicose no interstício. O processo de
secreção da insulina é complexo, envolvendo vários mecanismos, muitos deles
ainda não muito bem esclarecidos.
Na célula β, a glicose atravessa a membrana plasmática por difusão facili-
tada, através de seus transportadores GLUT1 e 2, os quais possuem baixa ani-
dade pela mesma (Km entre 15-20 mM). Uma vez dentro da célula, a glicose é
fosforilada em glicose-6-fosfato, via ação enzimática da glucoquinase. Essa enzi-
ma, pertencente à família das hexoquinases, possui baixa anidade pela glicose
(Km 6-10mM), mas alta capacidade enzimática. Regula a secreção de insulina
de acordo com a concentração de glicose do meio, funcionando assim como um
sensor de glicose da célula β. Também está presente em abundância nas células
hepáticas. Mutações no gene que codica a glucoquinase resultam em isoformas
hipoativas, levando ao MODY-2 (maturity-onset diabetes of the young).
A fosforilação da glicose em glicose-6-fosfato leva à geração de acetil-coenzi-
ma A (Acetil CoA) e trifosfato de adenosina (ATP) no ciclo de Krebs. O aumento
da relação ATP/ADP promove o fechamento dos canais de potássio (K+) ATP-de-
pendentes, reduzindo o euxo de K+.
Os canais de potássio são compostos por dois complexos de proteínas: um
receptor de sulfoniuréia SUR1 e Kir6.2. São responsáveis por controlar a movi-
mentação de cátions através da membrana, mantendo um potencial em torno
de -70 mV. O acúmulo de cargas positivas dentro da célula (K+ e Na+) provoca
a despolarização da membrana. Quando o potencial atinge em torno de -20 mV,
ocorre abertura dos canais de cálcio (Ca+) voltagem-dependentes, aumento do
inuxo de cálcio, além da mobilização das reservas intracelulares do cátion. A
Reinaldo Barreto Oriá 531
Vias de Sinalização
Reinaldo Barreto Oriá 535
essa via pode estar aumentada no DM2, podendo contribuir para a aterosclerose
associada à resistência insulínica.
A proteína cinase mTOR (mammalian target of rampamycin) pertence a família
da PI3K. Está envolvida na síntese e degradação de proteínas. AAKT estimula direta-
mente o crescimento celular através da ativação do complexo mTOR, que fosforila a
p70 S6-quinase e eIF-4E-BP1 (também conhecido como PHAS-1). A consequência é ati-
vação da síntese ribossomal, aumentando a tradução do mRNAe síntese de proteínas.
A sinalização insulínica também controla a atividade de vários fatores de
transcrição nuclear, incluindo a Foxo-1(forkhead box-containig gene, O subfa-
mily). A Foxo- 1, que é inativada pela AKT após sinalização insulínica, modula a
atividade de genes envolvidos no metabolismo de nutrientes, agindo juntamente
com outros fatores transcricionais como oSREBP3, membros da família de recep-
tores PPARs e o PGC1α (coativador dos receptores PPARs). As proteínas Foxo
podem regular expressão de genes envolvidos em apoptose, ciclo celular, reparo
de DNA, estresse oxidativo, longevidade e controle de crescimento. Na presen-
ça de insulina, através da via PI3K, a Akt catalisa a fosforilação da Foxo1 em
Ser253, o que culmina na produção hepática de glicose (Figura 20.7).
Reinaldo Barreto Oriá 537
ESTIMULA INIBE
FÍGADO Síntese de glicogênio Glicogenólise e gliconeogênese
Síntese de TGL e lipoproteínas Oxidação dos ácidos graxos e cetogênese
Síntese protéica Degradação do glicogênio
MÚSCULO Síntese protéica Degradação do glicogênio
Síntese de glicogênio Oxidação dos ácidos graxos e cetogênese
Transporte de glicose Degradação de proteína
Taxa de glicólise
TECIDO ADIPOSO Transporte de glicose Lipólise
Taxa de glicólise
Síntese de glicogênio
Síntese protéica
Aumenta o armazenamento de TGL
TGL= Triglicerídeos
Fonte: Adaptado de Jameron; Groot, 2010.
Reinaldo Barreto Oriá 539
Figura 20.8 Alterações metabólicas e resistência à insulina. Fonte: Traduzido de Lingerlan, 2006.
Defeitos genéticos no
receptor de insulina são ra-
ros, mas representam as for-
mas mais graves de resistên-
cia à insulina. Interferem
coma ligação da insulina,
síntese do receptor, proces-
samento pós-trasducional e
transporte do receptor à
membrana. O resultado é a
não fosforilação das tirosi-
nas, e eventualmente redu-
ção da captação de glicose.
Figura 20.9 - Resiste ncia a insulina causada por defeitos geneticos em seu receptor. Fonte: Traduzido de Lingerlan, 2006.
20.3.2.1.7 Betatrona
20.3.2.1.8 Peptideo C
20.3.2.1.9.1 carboidratos
20.3.2.1.9.2 lipídeos
20.3.2.1.9.3 proteínas
ESTIMULA INIBE
SECREÇÃO DE GLUCAGON Aminoácidos Glicose
Gastrina Somatostatina
Cortisol Secretina
Hormônio do crescimento Ácidos Graxos Livres
Caletolaminas Insulina
Acetilcolina GABA
Estresse / Hipoglicemia GLP1
GIP/Colecistocinina/Jejum Gravidez
Figura 10 Sinalização celular, após ligação do glucagon ao seu receptor e conseqüente ativação. Fonte: Traduzida e
adaptada de Guoqiang Jiang; Bei B. Zhang, 2002.
Reinaldo Barreto Oriá 551
20.3.2.3 SOMATOSTATINA
20.3.2.4 INCRETINAS
Figura 20.11 – Secreça o de GLP1 pelas celulas intestinais em resposta a presença de nutrientes no lumem intestinal.
Fonte: Traduzida de Reimann; Ward; Gribble, 2006.
Figura 20.12 Efeitos da ativaça o do receptor de GLP1 nas celulas β pancreaticas. Fonte: Adaptada de Salehi; Aulinger; DAlessio,
2008.
Figura 20.13 – Efeitos do GLP1 em diversos sistemas. Fonte: Traduzida de Buglioni; Burnett Jr, 2013.
20.3.2.6 GRELINA
20.4.1.1 JEJUM
20.4.1.1.1 Gliconeogênese
20.4.1.1.2 Glicogenólise
20.4.1.1.3 Cetogênese
20.4.1.2 ALIMENTAÇÃO
20.4.1.2.1 Glicólise
20.4.1.2.2 Glicogênese
Figura 20.14 – Distribuiça o corporal de glicose/glicoge nio. Fonte: Extrado de Adeva-Andany; Gonzalez-Lucan; Donapetry-Garca,
Fernandez-Fernandez; Ameneiros-Rodrguez, 2016.
Reinaldo Barreto Oriá 565
20.4.1.3 HIPOGLICEMIA
na secreção e/ou ação da insulina. O DM pode ser classicado em dois grandes gru-
pos: DM tipo 1, cuja causa primária é a falência de células β por destruição auto-imu-
ne e o DM tipo 2, cuja causa primária é a resistência insulínica, associada ou não à
falência progressiva das células β. O DM2 é a forma frequente de diabetes e é consi-
derado uma das grandes epidemias mundiais do século XXI, além de um problema
de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima uma incidência de
300 milhões de casos de DM2 em 2030. Apresenta fatores genéticos importantes, é de
caráter poligênico, onde múltiplos genes podem estar envolvidos em mecanismos pre-
disponentes. Fatores ambientais também podem predispor ao surgimento de DM2,
tais como idade, sedentarismo, hábitos alimentares e obesidade.
A resistência à insulina é um dos principais fatores predisponentes ao desen-
volvimento de DM2 e está relacionada também a hipertensão, dislipidemia, ate-
rosclerose e obesidade, congurando a Síndrome Metabólica (SM). Sabe-se que
indivíduos com SM apresentam risco cardiovascular aumentado, em parte pelo
aumento de citocinas pró-inamatórias, aumento do estresse oxidativo e presença
de um estado pró-trombótico. Para diagnóstico de SM, utilizam-se os critérios
da National Cholesterol Education Program (NCEP) Adult Treatment Panel III
(ATPIII). O indivíduo deve apresentar pelo menos três dos cinco critérios: obe-
sidade visceral, hiperglicemia, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia e baixos
níveis de colesterol HDL (High-density lipoprotein.).
Indivíduos com DM2 apresentam disfunção das células β, caracteristicamen-
te a perda da primeira fase da secreção de insulina estimulada pela glicose. Esse
defeito também está em estados de pré-diabetes ou intolerância à glicose, quando
ocorre hiperglicemia no período pós-prandial. A segunda fase de secreção insu-
línica também é prejudicada no DM2, porém em menor extensão, aparecendo
na evolução da doença. Outra característica de pacientes com DM2 é a perda do
padrão oscilatório de secreção de insulina, que pode ocorrer precocemente, antes
mesmo do diagnóstico da doença, ou tardiamente. Alterações na pulsatilidade da
secreção insulínica prejudicam o controle regulatório da insulina sobre a produ-
ção hepática de glicose.
Há evidências de que a disfunção das células β possa ocorrer até dez anos
antes do diagnóstico de DM2. À medida que a resistência insulínica progride, as
células βrespondem com aumento na secreção insulínica, na tentativa de compen-
sar a hiperglicemia. Nos obesos há aumento compensatório da massa de células β,
estimulado pelos ácidos graxos livres provenientes da dieta e pelo GLP1. Quando
há falha nos mecanismos compensatórios, ocorre falência progressiva das células
β e instalação do DM2. No momento do diagnóstico, o paciente já pode apresen-
tar deciência de 50% da secreção insulínica (Figura 20.15).
Reinaldo Barreto Oriá 567
Figura 20.15 – Compensação das células β ante a privações/excesso de alimento. Fonte: Adapatado de Nolan, 2006.
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ramo da veia porta e o ducto biliar. Embora o ácino hepático seja considerado a
unidade estrutural do órgão, a função hepática é mais bem descrita com o ácino
portal que se estende desde a veia central até as seis tríades portais circunvizinhas
Quadro 21.1 Heterogeneidade ultraestrurural e metabólica de acordo com a zona lobular hepática
Quadro 21.2 Sumário das organelas hepáticas mais relevantes (adaptado de Alberts, 1983)
Proporção
Proporção
da superfície
em relação Número/
em relação à Função
ao volume do Hepatócito
superfície do
hepatócito
hepatócito
Retículo
Síntese de proteínas, glicose-6- fosfatase,
Endoplasmático 35% 13% 1
fatores de coagulação, triglicerídeos.
Rugoso
trações, cada uma em torno 150-170 nm de diâmetro e são cercados por uma
complexa mistura de moléculas, incluindo colágenos I, III, IV, V, e VI, laminina,
bronectina, sulfato de condroitina, heparina. As células endoteliais apresentam
intensa atividade pinótica e avidamente limpam macromoléculas, proteínas e co-
loides que chegam até o gado pela circulação sanguínea, sendo portanto a prin-
cipal via de eliminação de macromoléculas da circulação. Na cirrose hepática,
ocorre uma capilarização dos sinusoides, contribuindo para hipertensão portal,
formação de varizes esofagogástricas e de circulação colateral.
bolizados na fase I já podem ser eliminados, sem que tenham que receber meta-
bolismo na fase II, desde que o produto seja um composto inativo e já polarizado
que possa ser eliminado pela urina ou bile.
Uma série de fatores pode contribuir para uma menor capacidade de meta-
bolização de uma determinada droga ou xenobiótico, a saber, fatores genéticos
(acetiladores lentos, produção deciente ou em excesso de citocromo P450), dife-
rença de gênero, uso de contraceptivos orais, uso concomitante de drogas indu-
toras do citocromo; faixa etária os recém-nascidos e idosos apresentam menor
capacidade de metabolização; estado nutricional, estado patológicos; inibição ou
competição enzimática quando uma ou mais droga compete pelo mesmo sítio
ativo; o uso de álcool, fumo podem interferir na metabolização.
bonato, que contribui bastante para o volume total de bile produzida diariamente
pelo fígado, cerca de 600 a 1.000 ml. Na vesícula, o material é concentrado por
absorção ativa de água e eletrólitos pela mucosa, formando a bile vesicular. O uido
obtido por um tubo implantado no ducto colédoco é uma mistura das biles hepáti-
ca e vesicular. Já a bile duodenal é uma mistura de secreções biliopancreáticas.
Os sais biliares são produtos do metabolismo do colesterol. Inicialmente são
formados os ácidos cólico (CA) e quenodesoxicólico (CDCA), ditos ácidos bi-
liares primários. A adição de grupos OH ocorre só num lado da molécula, de
tal modo que o CA e o CDCA têm um lado hidrofóbico e o outro hidrofílico.
A Figura 21.1 ilustra as principais etapas da síntese hepática e excreção biliar
dos ácidos biliares. Logo após a biossíntese ocorre, ainda no hepatócito, o aco-
plamento do radical carboxila dos ácidos biliares primários ao radical amino do
aminoácido glicina ou taurina. Após ligação ao Na+, formam enm os sais biliares
hidrossolúveis. Ácidos biliares conjugados são mais solúveis sob pH ácido e re-
sistentes à precipitação por íons Ca++ que os ácidos biliares não-conjugados. Em
termos biológicos, a conjugação torna os ácidos biliares impermeáveis às mem-
branas celulares. Assim sendo, só são absorvidos no trato biliar ou no intestino
delgado pela ação de molécula carreadora ou bacteriana.
Os sais biliares são moléculas anpáticas, isto é, têm regiões tanto hidrofó-
bicas quanto hidrofílicas. Até atingir um certo teor (concentração micelar crítica
ou CMC) os sais biliares formam micelas simples. Agregam-se de tal modo que os
grupos hidrofílicos dos sais biliares cam voltados para o meio aquoso, enquanto
os hidrofóbicos, voltados um para o outro, formam o núcleo. Tal propriedade
química dos sais biliares é crucial à emulsicação das gorduras. As lipases e este-
rases pancreáticas convertem os ésteres de lipídeos ingeridos em ácidos graxos e
monoglicerídeos. Em lactentes, a lipólise é facilitada pela lipase do leite materno.
Os ácidos graxos e os monoglicerídeos se acumulam na interface óleo/água até se
difundirem passivamente através das membranas dos enterócitos.
Uma vez secretados na bile e eliminados no duodeno, pequena parcela dos
ácidos biliares primários é transformada por desidroxilação bacteriana nos ácidos
biliares secundários, desoxicólico (DCA) e litocólico (LCA). A maioria dos ácidos
biliares conjugados excretados no duodeno é absorvida intacta. Uma pequena fra-
ção (~ 15%) é alvo de desconjugação no intestino distal e após absorção passiva
retorna ao fígado, onde é reconjugado e secretado na bile. Tal circulação êntero-
-hepática é parte normal do metabolismo. Pequena fração dos ácidos biliares não
absorvidos alcança o intestino grosso, onde se completa a desconjugação. A desi-
droxilação bacteriana forma os ácidos biliares secundários, absorvidos em parte no
cólon. Assim sendo, os ácidos biliares na bile dos adultos são compostos por CA,
CDCA e DCA. Outro tipo menor de modicação bacteriana é a epimerização em
C7 que leva à formação de ácido ursodeoxicólico (UDCA), o principal ácido biliar
Reinaldo Barreto Oriá 591
dos ursos. Embora UDCA seja conjugado e circule com os ácidos biliares primários,
não constitui nem 5% do conjunto de ácidos biliares. O UDCA é usado com algum
sucesso nas síndromes colestáticas, principalmente na colestase benigna gestacional,
cirrose biliar primária e colangite esclerosante primária.
Os ácidos biliares são os principais componentes da secreção biliar. Os
ácidos biliares induzem a secreção de fosfolipídeos, cuja existência reduz a cito-
toxicidade da bile e promove a formação de micelas mistas. Os ácidos biliares
secretados no duodeno são reabsorvidos ao nível do íleo e retornam ao fígado
pela veia portal. A excreção hepática pelas células periportais é altamente e-
ciente e os ácidos biliares transportados novamente através do hepatócito para
os canalículos. Graças à eciência do processo, acumula-se no corpo grande
massa de ácidos biliares, (~5 mmol) no adulto.
Estima-se que a meia-vida dos ácidos biliares circulantes seja de dois a três
dias. Durante o jejum, a maior parte é armazenada na vesícula. Quando uma re-
feição é ingerida, a vesícula se contrai, liberando os ácidos biliares armazenados
no intestino delgado, onde são reabsorvidos e novamente secretados na bile. Du-
rante uma grande refeição, a vesícula permanece contraída e os ácidos biliares se-
cretados pelo fígado passam diretamente ao duodeno. Após a refeição, o esfíncter
de Oddi se contrai e a vesícula se relaxa, acumulando a bile secretada na vesícula.
Assim, o ciclo êntero-hepático dos ácidos biliares se acelera durante a digestão e
se retarda entre refeições ou sob o jejum. Da divisão da secreção diária dos ácidos
biliares pelo tamanho do “pool têm-se um quociente de 6 a 10, indicativo do
número da circulação diária do “pool dos ácidos biliares.
A conservação intestinal dos ácidos biliares é parcial, sendo alguns eliminados
na evacuação. A perda fecal é compensada pela síntese de novos ácidos biliares a
partir do colesterol. Em animais, a síntese dos ácidos biliares ocorre principalmente
nos hepatócitos pericentrais. Os ácidos biliares recém-sintetizados são transporta-
dos para os canalículos junto com os ácidos biliares previamente sintetizados que
retornam do intestino via porta. No adulto sadio, menos de 3% dos ácidos biliares
da bile hepática são recém-sintetizados. A absorção de ácidos biliares pelo intes-
tino delgado se dá por via transcelular, pois o ânion conjugado de ácido biliar é
muito grande para ser absorvido pela via paracelular. A ecácia de tal conservação
decorre do mecanismo de cotransporte acoplado ao Na+ da membrana apical dos
enterócitos no íleo distal. Este carreador, chamado de transportador ileal de ácido
biliar (IBAT), já foi até clonado. Como os ácidos biliares conjugados são ácidos
relativamente fortes, estão no pH intestinal sob a forma aniônica, dicultando sua
absorção passiva. Nos intestinos delgado (distal) e grosso, os ácidos biliares são
desconjugados pelas bactérias. Ácidos biliares não-conjugados são ácidos fracos e
absorvidos passivamente, se presentes no lúmen.
592 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 21.1 – Processo de formação da bile hepática. A – transporte ativo dependende de ATP; T – trocador; S-sim-
porte; A+ e O- – cátions e ânions orgânicos; PL – fosfolipase C; MDRL – protéina multi-resistente à drogas; BESB – bomba
excretora de sais biliares – MOAT e T/GSH – Transportador de Glutationa. (Adaptado de Carlos R. Douglas – Tratado de
Fisiologia, 6a. Ed. Guanabara, Rio de Janeiro – 2006 )
Cerca de 94% dos sais biliares que chegam ao intestino na bile são reabsor-
vidos para a circulação porta, por transporte ativo, no íleo distal. A maior parte
dos sais biliares retorna intacto ao fígado e são reciclados. Alguns, desconjugados
no lúmen intestinal, retornam ao fígado, onde passam por nova reconjugação e
reciclagem. Alguns poucos ácidos biliares desconjugados são acidicados pelas
bactérias intestinais, gerando os ácidos biliares secundários. Alguns destes, em
especial o ácido litocólico, são relativamente insolúveis e excretados nas fezes. Esti-
ma-se que os ácidos biliares sejam reciclados até 20 vezes, antes de serem enm
excretados.
A via biliar é rota crítica para a excreção de íons e moléculas menos polares
e de alto peso molecular, incapazes de serem excretados pela via urinária, como
colesterol, bilirrubina, cobre e ferro. O colesterol é insolúvel na água, sendo trans-
portado na bile como vesículas lipídicas que após a emulsicação com sais bilia-
res formam micelas mistas, à base de ácidos biliares, fosfolipídeos e colesterol. Os
ácidos biliares induzem a secreção de fosfolipídeos (em especial a lecitina) na bile
594 Sistema digestório: integração básico-clínica
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602 Sistema digestório: integração básico-clínica
22
DIGESTÃO E ABSORÇÃO DE CAPÍTULO
NUTRIENTES ORGÂNICOS
Sônia Malheiros Lopes Sanioto
22.1 INTRODUÇÃO
Os processos digestivos dos nutrientes orgânicos são efetuados por enzimas
luminais e da borda em escova dos enterócitos do delgado,
A digestão de macronutrientes orgânicos (carboidratos, proteínas e lipídios)
é efetuada pelas enzimas do sistema gastrintestinal (SGI) ou sistema digestório
(SD). Estas são hidrolases, que catalisam a adição de moléculas de água às ligações
C-O e CN dos nutrientes em sítios especícos como representado na sequência:
604 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 22.1 – Sítios de secreção das enzimas luminais e localização das enzimas da borda em escova ao longo do
trato gastrointestinal.
Reinaldo Barreto Oriá 605
Figura 22.2 – Aumento da superfície absortiva do intestino delgado mostrando as pregas circulares (dobras de
Kerckring), as vilosidades e nas suas bases as criptas de Lieberkhün.
Figura 22.3 – As dobras ou pregas circulares que aumentam a superfície absortiva 3 vezes, em B e C as vilosidades
(aumento de dez vezes) e em D as microvilosidades da membrana luminal ou borda em escova (aumento de 20 vezes).
São muitas as barreiras que devem ser transpostas para a absorção de subs-
tâncias da luz intestinal até os capilares.
Reinaldo Barreto Oriá 609
Figura 22.4 – As barreiras epiteliais absortivas intestinais. Adaptada de Johnson L.R. In Gastrointestinal Physiology,
The Mosby Physiology Monograph Series, 6th Ed, 2001.
1. A camada de água não agitada que recobre a borda em escova. Sua es-
pessura é de 200 a 500 µm e é a principal barreira para a absorção dos produtos
da hidrólise lipídica. 2. O glicocálix. 3. A estrutura lipoproteica da membrana
luminal ou borda em escova das células absortivas. 4. O citosol, se a absorção
for transcelular; se for intercelular, as tight-junctions apicais e os espaços interce-
lulares. 5. A membrana basolateral das células absortivas. 6. O endotélio capilar.
Estas barreiras estão esquematizadas na Figura 22.4.
Figura 22.5 – Esquema dos principais processos de transporte através de epitélio do tipo tight”: a via transcelular de
transporte e a via intercelular. A parte inferior do esquema representa o perl de potencial elétrico transepitelial DPtrans, sendo
esta a diferença entre a DP da membrana celular, a membrana luminal (ML) e a basolateral (MBL). O compartimento luminal é
negativo e o intersticial positivo. O compartimento intracelular é mais negativo do que os compartimentos luminal e intersticial.
RESUMO
1. Digestão e absorção dos nutrientes orgânicos ocorrem predominantemente
no duodeno e nas porções proximais do jejuno. A digestão é efetuada por en-
zimas lançadas na luz intestinal, enzimas luminais, e pelas enzimas da borda
em escova, proteínas integrais da ML dos enterócitos.
2. O íleo absorve vitamina B12 e a grande parte dos sais biliares. O cólon não
possui enzimas e absorve água, íons, produtos da fermentação bacteriana e
ácidos graxos voláteis.
3. A área absortiva do delgado é grandemente amplicada pelas dobras circu-
lares, vilosidades e microvilosidades (borda em escova) sendo cerca de 100
vezes superior à área corpórea supercial.
4. As células dos ápices das vilosidades do delgado e das porções mais super-
ciais do cólon são absortivas. As células das criptas são predominantemente
secretoras.
5. As células das criptas são indiferenciadas e estão em constantes mitoses ge-
rando células que migram para os ápices das vilosidades substituindo-as a
cada 6 a 7 dias.
6. As barreiras epiteliais que as substâncias absorvidas atravessam são a cama-
da não agitada de água, o glicocálix, a ML, o citosol, as tight-junctions (TJ),
os espaços intercelulares, a MBL e a membrana basal do epitélio.
7. O epitélio intestinal apresenta um gradiente decrescente de condutividade
iônica das TJ no sentido cefalocaudal. O duodeno é mais leaky do que o
jejuno, este mais do que o íleo, sendo o cólon um epitélio tight. Por este
motivo, a DPtrans aumenta no mesmo sentido.
8. As vias intercelulares contribuem signicantemente para a absorção no del-
gado, e menos no cólon.
Reinaldo Barreto Oriá 613
Figura 22.6 – Estruturas químicas das cadeias retas de amilose (a) do amido ou glicogênio (b) da cadeia ramicada
da amilopectina (c).
Figura 22.7 – Os produtos intermediários da hidrólise de polissacarídeos (glicogênio ou amido) pelas α-amilases
lumiais (salivar e pancreática) e pelas enzimas da borda em escova intestinal e os produtos nais destas hidrólises.
A Figura 22.7 ilustra a hidrólise dos polissacarídeos tanto pelas enzimas lumi-
nais, as α-amilases salivar e pancreática, como pelas enzimas da borda em escova,
maltase, dextrinase, lactase, sacarase, trealase e glicoamilase.
As enzimas da borda em escova têm especicidades para vários substratos.
Assim, as α-dextrinases hidrolisam quase 95% das α-limite dextrinas que também
podem ser hidrolisadas (cerca de 5%) pela maltase, embora apenas as α-dextri-
nases hidrolisem as ligações α[1-6]-glicosídicas. A maltotriose pode ser hidroli-
sada tanto pela α-dextrinase (50%) como pela maltase (25%) e pela sacarase
(25%). As mesmas enzimas hidrolisam a maltose em proporções similares. As en-
zimas da borda em escova com especicidade para os seus substratos são a lactase
e a trealase. Lactose, trealose e sacarose são 100% hidrolisadas, respectivamente,
pelas lactase, trealase e sacarase. Os produtos nais da digestão dos carboidratos
pelas enzimas luminais e da borda em escova são glicose, cerca de 70 a 80%, fru-
tose, cerca de 15% e galactose, cerca de 5% (Figura 22.7).
616 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 22.8 - Esquema indicando a cadeia reta de amilose com ligações [alfa-1-4]-glicosídicas (a); a estrutura do
amido ou glicogênio, sendo cada círculo um monômero de glicose (b) e a cadeia ramicada da amilopectina com ligações
[alfa-1-6]-glicosídicas (c).
ML
Figura 22.9 – Mecanismos de absorção de glicose, galactose e frutose nas duas membranas das células do delgado, a
membrana luminal (ML) e a membrana basolateral (MBL). Os produtos nais da digestão dos carboidratos, glicose, galactose e frutose
são absorvidos em duas etapas mediados por carregadores nas duas membranas dos enterócitos.
Figura 22.10 – Transportador de glicose e/ou galactose através da membrana luminal dos enterócitos. Esta proteína
apresenta 12 domínios intramebrânicos. Seu PM é cerca e 73 kDa e é especíco para o transporte de hexose que tem confor-
mação D e anel piranose como na gura em que o anel é o da D-glicose. O anel da D-galactose tem o H e o OH no carbono 4
invertidos (adaptado do livro de Mediacal Physiology, Boron WF e Boulpaep EL, updated ed., 2005, gura 44-4, pag. 952).
Reinaldo Barreto Oriá 619
FISIOPATOLOGIA
RESUMO
1. O amido, a sacarose (açúcar da cana) e a lactose (açúcar do leite e derivados)
são os carboidratos mais frequentes da dieta humana.
2. Quando totalmente degradados a CO2 e água, 1 g de carboidrato fornece 4
kcal. São ingeridos cerca de 300 a 500 g/dia, o que representa o fornecimento
de 1.200 a 1.300 kcal/dia.
3. Na cavidade oral são hidrolisados 3-5% e no estômago, antes da mistura do
quimo, aproximadamente 75% pela α-amilase salivar. No delgado a α-amilase
pancreática e as oligossacaridases da borda em escova terminam a digestão dos
carboidratos resultando glicose (~80%), galactose (~5%) e frutose (~15%).
4. Glicose e galactose são absorvidas por transporte ativo secundário eletrogê-
nico mediado pelo cotransportador SGL-T1 da ML que acopla o transporte
das hexoses a 2 íons Na+. A frutose é absorvida passivamente pelo GLUT5
na ML. Na MBL as hexoses são absorvidas por GLUT2, passivamente.
5. A intolerância à lactose na idade adulta é a patologia mais frequentemente
observada.
tripsina que, além de ter ação autocatalítica sobre o tripsinogênio, ativa todas as
outras proteases pancreáticas, o quimiotripsinogênio, as pró-carboxipeptidases
A e B e a pró-elastase, originando, respectivamente, a quimiotripsina, as carboxi-
peptidades A e B e a elastase.
O suco pancreático contém normalmente uma pequena quantidade de um
polipeptídeo de baixo peso molecular, denominado inibidor da tripsina, que neu-
traliza a tripsina prevenindo sua ativação no interior dos ductos e tecido pancreá-
tico.
As enzimas proteolíticas pancreáticas têm altas especicidades. Assim, a trip-
sina, a quimiotripsina e a elastase são endopeptidases, hidrolisando ligações no
interior das cadeias polipeptídicas. A tripsina hidrolisa ligações peptídicas cujo
grupo carbonila é fornecido pela lisina e arginina. A quimiotripsina hidrolisa li-
gações peptídicas envolvendo resíduos de fenilalanina, tirosina e triptofano e, em
menor velocidade, metionina. As carboxipeptidases são exopeptidases, removem
sucessivamente aminoácidos das terminações COOH. A elastase hidrolisa liga-
ções peptídicas da elastina, proteína brosa do tecido conjuntivo.
Figura 22.11 – Digestão luminal e na borda em escova das proteínas. (de Van Dyke RW em: Mechanisms of digestion
and absorption of food. Em: Scleisenger MH & Fordtran JS, editors: Gastrintestinal disease, 4. ed., Phyladelphia, 1989, WB
Saunders (retirado do Berne RM et al. Em: Physiology, 5. ed. Mosby Inc, 2004).
Quadro 22.3 - Inuxo de aminoácidos mediado por carregadores através da ML dos enterócitos
1. Sistema Y+: difusão facilitada de aminoácidos básicos ou catiônicos sem acoplamento com o Na+. Exemplos: arginina, lisina
histidina e ornitina
2. Sistema bo,+: difusão facilitada de aminoácidos neutros, básicos e de cisteína, sem acoplamento com o Na+.
3. Sistema B: transporte ativo secundário eletrogênico de aminoácidos neutros por cotransporte com o Na+.
4. Sistema Bo,+: transporte ativo secundário de aminoácidos neutros, básicos e de cisteína por cotransporte com o Na+.
5. Sistema IMINO: transporte ativo secundário de iminoácidos (prolina e hidroxiprolina) por cotransporte com Na+ e Cl-
6. Sistema: β: transporte ativo secundário de β-aminoácidos, betaína, ácido gama amino butírico (GABA) e taurina por cotransporte
com Na+ e Cl-.
7. Sistema X:-AG : transporte ativo secundário de aminoácidos ácidos ou aniônicos em acoplamento com o Na+ (sentido absortivo) e
o K+ (sentido secretor) como glutamina e aspartato.
1. Sistema A: inuxo para os enterócito por cotransporte de Na+ e de aminoácidos. Aminoácidos neutros, iminoácidos e glutamina.
2. Sistema ASC: inuxo para o enterócito por cotransporte de Na+ e de aminoácidos. Aminoácidos neutros, Alanina, Serina e
Cisteína.
4. Sistema L: difusão facilitada de cisteína, glutamina, aminoácidos neutros e hidrofóbicos no sentido enterócito- plasma.
5. Sistema Y+: difusão facilitada de aminoácidos básicos, lisina, arginina, ornitina e dina no sentido enterócito- plasma.
626 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 22.12 – Sistemas de transporte de aminoácidos livres através da membrana luminal (ML) dos enterócitos. (de
Berne RM et al. Em: Physiology, 5. ed. Mosby Inc, 2004). Estes sistemas foram descritos nos Quadros 22.3 e 22.4.
Figura 22.13 – A absorção de di, tri e tetrapeptídeos ocorre através de um contransportador dependente do gradiente
de potencial eletroquímico de H+ através da ML (Brush border. Borda em escova); MBL (membrana basolateral).
Reinaldo Barreto Oriá 627
Figura 22.14 – Absorção de aminoácido livre, glicina, nas formas de mono-,di- e tripeptídeo.
neste processo são pouco elucidados e provavelmente diferem dos processos que
sucedem nos recém-nascidos. Há indicações de que os enterócitos podem efetuar
endocitose de proteínas que são posteriormente degradas nos lisosomas.
Um via absortiva mais especíca ocorre através das células M dos folículos
das placas de Peyer onde as proteínas são armazenadas em vesículas envoltas por
clatrina que são secretadas através da MBL para a lâmina própria onde células
imuno-competentes transferem a proteína a linfócitos que iniciam a resposta imu-
ne.
Doença de Hartnup ou aminoacidúria: é uma doença genética recessiva cujo nome é da família
onde foi primeiramente descrita. Consiste em defeito na absorção intestinal e renal de aminoácidos neutros, especicamente do
sistema B de transporte da ML tanto dos enterócitos como dos túbulos proximais do néfron. O defeito clínico é um aumento
da excreção renal de aminoácidos neutros essenciais como o triptofano, precursor da síntese de nicotinamida. Neste caso podem
aparecer sintomas semelhantes à pelagra que acompanham a doença. Quando os sistemas de absorção intestinal de peptídeos
não estão alterados nestes indivíduos, os aminoácidos neutros podem ser absorvidos e não há carência nutricional. Cistinúria:
é um defeito genético dos sistemas Bo,+ e bo,+, da ML tanto do enterócito como do túbulo proximal do néfron, comprometendo
a absorção de aminoácidos neutros e básicos, lisina, arginina e cisteína que são excretados na urina. Também esta doença não
causa problemas nutricionais. A principal manifestação desta doença é a formação de cálculos renais. Intolerância lisinúrica
proteica: defeito genético no sistema IMINO da ML dos enterócitos e dos túbulos proximais do néfron, para prolina e
hidroxiprolina que são excretadas na urina. Não há carência nutricional. Intolerância proteica lisinúrica defeito genético do
sistema Y+ de transporte de aminoácidos catiônicos da MBL dos enterócitos. Neste caso, há problemas nutricionais. Esta defeito
está presente também em hepatócitos e células renais e, provavelmente em células não epiteliais.
RESUMO
1. Há cerca de 35 a 200 g de proteínas endógenas na luz do delgado que resul-
tam da descamação das células, do muco e das secreções do SGI. Elas são
completamente digeridas e absorvidas, como as proteínas da dieta. Proteínas
encontradas nas fezes originam-se do cólon.
2. A pepsina hidrolisa cerca de 10 a 15% das proteínas da ingesta. O pepsino-
gênio é ativado na luz gástrica pelo HCl que também cria o pH adequado
para a sua ação catalítica.
3. No delgado, a digestão proteica luminal é efetuada pela tripsina, quimiotrip-
sina e elastase, que são endopeptidases e pelas carboxipeptidases, exopepti-
dases. A hidrólise dos oligopeptídeos é continuada pelas enzimas da borda
em escova, as aminooligopeptidases, aminopeptidases e dipeptil-peptidases.
4. Tetra, tri, e dipeptídeos podem ser absorvidos através da ML dos enterócitos.
São hidrolisados pelas peptidases citosólicas e absorvidos na MBL por siste-
mas especícos de transporte. Os peptídeos são absorvidos mais rapidamen-
te do que os aminoácidos livres.
5. Os aminoácidos livres são transportados através da ML dos enterócitos por
sistemas especícos de transporte em acoplamento com o Na+ ou com outros
630 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 22.15 – Os três principais lipídeos da dieta e os processos hidrolíticos pelas enzimas pancreáticas com os
produtos nais da hidrólise. (adaptado de Berne et al., (2014)
Destes, 44% são representados pelo colesterol, 32% por fosfolipídeos e 24% por
TAG. A quantidade de gordura na dieta tem sido preocupação de nutricionistas e
médicos nas últimas décadas devido à elevada correlação entre o nível de gorduras,
principalmente as que contêm ácidos graxos saturados (com exceção do ácido es-
teárico), e o nível de colesterol plasmático com o risco de doenças cardiovasculares e
aterosclerose. Recomenda-se que as gorduras devam fornecer apenas 30% ou menos
das calorias diárias e a média de ácidos graxos saturados deve ser inferior a 10%.
Os TAG da dieta contribuem com cerca de 80% do total de calorias. Entre
os fosfolipídeos, a fosfatidilcolina é quantitativamente o mais signicativo, sendo
que a grande parte é originária da bile. O esterol mais abundante da dieta é o co-
lesterol, predominantemente de origem animal. O de origem vegetal é encontrado
em batatas e na aveia. Os esteróis vegetais perfazem cerca de 20 a 25% da dieta
como o β-sitosterol.
Os lipídeos endógenos no TGI são os provenientes da bile: 10-15 g/dia de
fosfolipídio, predominantemente a lecitina e o colesterol não estericado 1 a 2 g/
dia. Quantitativamente os lipídeos biliares excedem cerca de dois a quatro vezes
os provenientes da dieta. Há, também, os lipídeos provenientes das células desca-
madas do TGI perfazendo um total de 2 a 6 g/dia e cerca de 10 g/dia de lipídeos
das bactérias mortas que são adicionados ao cólon.
As gorduras animais são sólidas na temperatura ambiente, contendo lipídeos
nos quais a maioria dos ácidos graxos é saturado (palmítico e esteárico), enquan-
to as gorduras vegetais são líquidas, a maioria com ácidos graxos insaturados
(oleico e linoleico).
cerca de 90% inferiores aos normais. Esta enzima já foi sequenciada em suínos e
é uma glicoproteína com PM de 48 kDa com 449 aminoácidos com um resíduo
serina na posição 152 que parece ser o sítio ativo de ligação da enzima para a sua
ancoragem às gotículas de gordura.
Para a total atividade da lipase pancreática, é necessária a colipase. A co-
lipase foi descrita em 1963 como uma proteína termoestável necessária para a
ação da lipase. A colipase tem o PM de 10 kDa, é secretada na luz do delgado
na forma de pró-colipase. Ela é clivada pela tripsina no terminal N de um penta-
peptídeo, conhecido como enterostatina. A colipase de várias espécies animais,
inclusive da humana, já foi clonada e o seu gene localiza-se no cromossoma 6. O
sítio de ligação da colipase à lipase localiza-se em duas regiões, os aminoácidos
6-9 e 53-59.
Estudos com a lipase pancreática demonstram, que quando a enzima se en-
contra livre em solução, o seu sítio catalítico localiza-se numa fenda de sua molé-
cula parcialmente recoberta por uma alça de sua cadeia peptídica. A interação da
colipase com a enzima induz uma alteração conformacional da lipase movendo
a alça que recobria o sítio catalítico propiciando ao substrato lipídico difundir-se
ao sítio catalítico agora exposto.
Os sais biliares sob forma micelar também provocam a emulsicação das
gotas de gordura já previamente emulsicadas no estômago, elevando ainda mais
a área supercial das gorduras para a ação lipolítica. Os movimentos do delgado
facilitam a emulsicação. Entretanto, os agentes emulsicadores inibem a lipólise
recobrindo externamente as gotículas emulsicadas e, assim, impedindo a intera-
ção da lipase pancreática com as gorduras. A colipase reverte esta inibição por
dois prováveis mecanismos, ligando-se à interface e servindo como uma âncora
para a ligação da lipase, ou formando um complexo colipase-lipase que se liga à
interface das gotículas com a água e permitindo a ação hidrolítica da lipase. As
micelas dos sais biliares não só permitem a proximidade da colipase com as gotí-
culas mas participam, também, da remoção dos produtos da hidrólise lipídica das
gotículas. Os ácidos graxos aumentam também a lipólise porque provavelmente
elevam a ligação do complexo colipase-lipase com as gotículas.
A lipase pancreática hidrolisa as ligações ésteres dos TAG nos carbonos 1 e
3 originando os 2-monoacilgliceróis (2-MAG) e ácido graxo livre de cadeia longa
(AGL-CL). Os AGL-CL, no pH alcalino da luz do delgado, estão nas formas io-
nizadas (Figura 22.15).
A maioria do colesterol da dieta está sob forma livre. Apenas, 10 a 15%
estão na forma estericada. A colesterol-éster-hidrolase hidrolisa os ésteres de
colesterol originando o colesterol livre e AGL-CL. A colesterol-éster-hidrolase foi
clonada em várias espécies animais, inclusive em humanos, onde seu PM é de 100
636 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 22.16 – A quebra das gotículas emulsicadas (A) formando vesículas multilamelares (B), vesícula unilamela-
res (C) e micelas mistas (D). COL = colestrol livre; E-COL = colesterol estericado; DAG = diacilglicerol; LPL = lisofosfolipídeo ou
lisolecitina; MAG = monoacilglicerol; SB = sal biliar; TAG = triacilglicerol. Explicação no texto. (do livro de Mediacal Physiology,
Boron WF e Boulpaep EL, updated ed., 2005).
porte dos produtos da hidrólise lipídica nesta barreira. Cálculos demonstram que
realmente a difusão micelar é o mecanismo mais provável, uma vez que, quando
comparado com o processo de difusão dos monômeros, a solubilização micelar
eleva a concentração dos AGL-CL próximo à ML por um fator de 1.000.000.
O pH da camada não agitada de água é acídico e este microclima é gera-
do pelo contratransportador Na+/H+ da ML. Postula-se, assim, que os AGL-CL
dissociados das micelas sejam protonados e penetrem a ML dos enterócitos por
difusão simples, não iônica. Outra teoria proposta para o inuxo dos AGL é a de
colisão e incorporação do AGL com a ML, o que seria facilitado pelos movimen-
tos intestinais. Os outros produtos da hidrólise lipídica, os lisofosfolipídeos, os
2-MAG e o colesterol também penetram a ML.
De longa data tem sido proposto que todos estes produtos da hidrólise lipídi-
ca seriam transportados através da ML por difusão simples. Atualmente, porém,
têm sido identicadas proteínas transportadoras tanto nos enterócitos como nos
hepatócitos que transportariam os AGL, o colesterol e os FL através das membra-
nas celulares provavelmente por um processo mediado de difusão facilitada ou
por um processo ativo.
Após o inuxo dos produtos da hidrólise lipídica nos enterócitos, os sais
biliares remanescentes retornam à luz intestinal e são reabsorvidos ao longo do
intestino, mas predominantemente no íleo por processo ativo secundário em aco-
plamento com o Na+. Os sais biliares retornam ao fígado pela circulação ente-
rohepática. Esta recirculação dos sais biliares ocorre várias vezes durante o perío-
do digestivo até que o processo de digestão e absorção lipídica termine. Os sais
biliares que retornam ao fígado estimulam a secreção de bile pelos hepatócitos,
efeito este denominado colerético.
Figura 22.17 – Transporte dos ácidos graxos e dos fosfolipídios através da membrana luminal. AG L= ácido graxo
livre; AGL-CC = ácido graxo de cadeia curta; AGL-CL = ácido graxo de cadeia longa; 2MG = 2-monoacilglicerol; SB = sais
biliares. Figura adaptada de Medical Physiology, de Boron WF e Boulpep EL, 2005.
FISIOPATOLOGIA
RESUMO
1. Os lipídeos da dieta são os triacilgliceróis, os fosfolipídeos, o colesterol e seus
ésteres; 1 g de gordura fornece 9 kcal. No mundo ocidental desenvolvido,
são ingeridas gorduras em excesso. O recomendado é que as gorduras devam
fornecer apenas 30% ou menos das calorias diárias e a média de ácidos gra-
xos saturados deve ser inferior a 10%.
2. A hidrólise lipídica inicia-se pelas lipases pré-duodenais, a lingual e a gás-
trica. A emulsicação das gorduras em suspensão no uido luminal do TGI
começa com a mastigação e prossegue por ação da motilidade gástrica e do
delgado. Agentes estabilizadores das gotículas emulsicadas, que inibem suas
coalescências, são o colesterol e os fosfolipídios principalmente.
3. No delgado, os sais biliares agem como detergentes, elevando a emulsicação
e otimizando a digestão lipídica. As enzimas pancreáticas lipolíticas são a li-
pase, a colesterol esterase e as fosfolipases A2; que são hidrossolúveis e agem
na interface das gotículas com a água.
4. A colipase propicia a ação hidrolítica da lipase. Os produtos nais da
hidrólise lipídica são: 2-MAG, ácidos graxos com tamanhos diferentes,
lisofosfolipídios, colesterol livre e glicerol.
5. Os produtos da hidrólise lipídica sofrem partição nas micelas dos sais bilia-
res, que os transferem através da camada não agitada de água até membrana
luminal (ML) dos enterócitos do jejuno proximal. São absorvidos na forma
de monômeros livres e são transportados através da ML, provavelmente por
mecanismos mediados.
6. Os ácidos graxos de cadeias longas, os 2-MAG, os fosfolipídios e o colesterol
ligam-se a proteínas ligadoras de ácidos graxos dos enterócitos, sendo trans-
portados ao REL, onde são reestericados por duas vias: a de acilação dos
MAG, que predomina no período absortivo, e as do ácido fosfatídico, que
ocorre nos períodos interdigestivos.
Reinaldo Barreto Oriá 643
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644 Sistema digestório: integração básico-clínica
23
CAPÍTULO
FÁRMACOS PARA O
CONTROLE DA ACIDEZ
GÁSTRICA E PROTETORES
DA MUCOSA
Flávia Almeida Santos
Vietla Satyanarayana Rao
23.1 INTRODUÇÃO
A secreção ácida gástrica pelas células parietais do estômago é um processo
dinâmico regulado por vias neurais, hormonais e parácrinas, a nível central e peri-
férico, assim como por estímulos mecânicos e químicos. Os principais estimulantes
da produção ácida pelas células parietais são a histamina, a acetilcolina e a gastrina.
A secreção ácida estomacal facilita a digestão de proteínas, a absorção de fer-
ro, cálcio e vitamina B12, e reduz o risco de infecções gastrintestinais (Helicobacter
pylori, Vibrio cholera, Salmonella sp., dentre outros). Uma secreção ácida insu-
ciente pode resultar em má absorção e aumento na susceptibilidade a infecções
646 Sistema digestório: integração básico-clínica
intracelular. A ativação dos receptores CCK2 nas células parietais leva à secreção
ácida gástrica, enquanto a ativação desses receptores nas células ECL leva à libe-
ração de histamina, sendo o principal mecanismo pelo qual a gastrina estimula a
secreção ácida. Acetilcolina, GRP, secretina, agonistas adrenérgicos b2/b3 e cálcio
estimulam a secreção de gastrina, enquanto somatostatina, galanina e adenosina
inibem a secreção de gastrina.
A gastrina age não somente como um segretagogo, mas, na presença de hi-
pergastrinemia, também promove a hipertroa e a hiperplasia das células ECL
e das células parietais, diretamente ou indiretamente via fatores de crescimento
(como HBEGF e TGF-α). A ação tróca da gastrina sobre as células ECL é respon-
sável pela acidez de rebote observada quando os IBPs são retirados abruptamente.
O principal inibidor da secreção ácida gástrica é a somatostatina. A soma-
tostatina, das células D nas glândulas parietais e na mucosa da região pilórica,
inibe a secreção ácida pelas células parietais, a secreção de histamina pelas células
ECL e de gastrina pelas células G. No estômago, as ações da somatostatina são
mediadas pelos receptores da somatostatina do tipo 2 (SST2) que estão ligados
com a diminuição dos níveis intracelulares de AMPc. Gastrina, GRP, VIP, PACAP,
agonistas adrenérgicos b2/b3, secretina, ANP (peptídeo natriurético atrial), ade-
nomedulina, amilase, adenosina e CGRP estimulam a secreção de somatostatina,
enquanto acetilcolina inibe a secreção de somatostatina.
23.3.1 ANTIÁCIDOS
ção de AMPc, que, por meio da ativação da proteína cinase A (PKA), fosforila as
proteínas envolvidas com o transporte da bomba de prótons do citoplasma para
a membrana plasmática da célula parietal.
A famotidina é a que possui maior potência relativa para a inibição da se-
creção ácida, enquanto a cimetidina é a menos potente. Ranitidina e nizatidina
possuem potências iguais. Como resultado da redução da secreção ácida e do
aumento do pH gástrico, os bloqueadores H2 tendem a aumentar a concentração
sérica da gastrina, além de reduzirem a atividade péptica por uma redução na
secreção do pepsinogênio.
A absorção de cimetidina, ranitidina e famotidina é rápida. Enquanto cime-
tidina, ranitidina e famotidina sofrem extenso metabolismo de primeira passagem
com biodisponibilidade entre 43-60% após administração oral, a nizatidina sofre
pouco desse metabolismo e apresenta biodisponibilidade de aproximadamente
100%. O pico de concentração plasmática dos bloqueadores H2 ocorre entre
1-3h após administração oral. A ligação às proteínas plasmáticas é de 13-35%.
Todos os fármacos são encontrados no líquido cefalorraquidiano, atravessam a
barreira placentária e são excretados no leite.
Embora existam consideráveis diferenças no clearance e na meia-vida de eli-
minação dos bloqueadores H2, a meia-vida no soro varia de 1,5-4h em indiví-
duos normais. A eliminação ocorre por uma combinação de metabolismo hepá-
tico, ltração glomerular e secreção tubular renal. O clearance renal dos quatro
fármacos é de duas a três vezes maior que o clearance da creatinina, reetindo a
extensa secreção tubular renal.
A distribuição da cimetidina leva à extensa captação pelos rins, pulmões
e tecido muscular. O volume de distribuição é da ordem de 1L/Kg. O tempo de
meia-vida é de aproximadamente 2h e a ligação às proteínas plasmáticas é de
20%. Sua distribuição no líquido cefalorraquidiano é aumentada na doença he-
pática severa, devendo a dose ser reduzida nesses pacientes para evitar a confusão
mental, enquanto o volume de distribuição é diminuído em aproximadamente
40% no idoso. Entre 50-80% da dose administrada por via intravenosa são recu-
peradas inalteradas da urina. Essa fração é menor após uma administração oral,
mas é independente da quantidade da dose. Em pacientes com úlceras gástricas,
40% é recuperado inalterado na urina após administração oral. A excreção biliar
da cimetidina ocorre para apenas 2% da dose.
Os principais fatores, relacionados ao paciente, que alteram a farmacociné-
tica dos bloqueadores H2 são a idade e a função renal. A idade deve ser conside-
rada quando esses fármacos são usados em pacientes pediátricos e geriátricos, em
que neonatos requerem menores doses devido à redução da secreção renal. Nos
idosos observa-se uma redução no clearance por uma redução da função renal. A
Reinaldo Barreto Oriá 653
bular renal, o que eleva em 15% os níveis séricos da creatinina, com redução no
seu clearance.
As principais indicações terapêuticas dos bloqueadores H2 referem-se à
doença ulcerosa péptica e à doença do reuxo gastroesofágico e à dispepsia.
23.4.2 SUCRALFATO
O sucralfato é uma droga segura e bem tolerada, e seu principal efeito adver-
so é a constipação. Outros efeitos adversos incluem boca seca, náuseas, vômitos,
cefaléia, urticária e rash cutâneo.
A absorção e a biodisponibilidade de alguns fármacos podem ser reduzi-
das quando administrados em combinação com uoroquinolonas, aminolina,
teolina, tetraciclinas, cetoconazol, fenitoína, digoxina, levotiroxina, cimetidina,
ranitidina e amitriptilina.
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e que suas funções são coordenadas pelas regiões superiores do sistema nervoso
central (SNC).
O SNA é comumente dividido em três partes: sistema nervoso simpático,
sistema nervoso parassimpático e sistema nervoso entérico, constituído pelos
plexos intramurais em uma intrincada rede de neurônios que se situam na
parede das vísceras e que participam do controle de várias funções dos órgãos
ali localizados.
A divisão entre alças simpática e parassimpática do SNA foi baseada no ar-
ranjo neuroanatômico desde suas aferências que partem do sistema nervoso cen-
tral até atingirem os tecidos-alvo e foi separada desta forma, obedecendo alguns
critérios, tais como: i) a distribuição dos órgãos inervados; ii) os efeitos opostos
a partir da estimulação dos nervos; iii) o desenvolvimento embrionário; e iv) os
efeitos provocados por substâncias exógenas (ex: adrenalina, pilocarpina, atropi-
na) nos órgãos efetores.
Os neurônios simpáticos e parassimpáticos que inervam os órgãos-alvo têm
sua origem no SNC tanto no tronco cerebral quanto na medula espinal, enviando
seus axônios para estruturas agrupadas de corpos celulares denominadas gân-
glios, sendo desta forma denominados neurônios pré-ganglionares. A partir dos
gânglios, uma nova série de axônios se projeta em direção aos órgãos inervados,
quando são então denominados neurônios pós-ganglionares. Há uma diferen-
ça estrutural entre as duas divisões do SNA, sendo que a alça simpática possui
axônios pré-ganglionares curtos que terminam em gânglios localizados próximos
à coluna vertebral e seus axônios pós-ganglionares são longos e se incorporam a
nervos periféricos se estendendo por todo o organismo até chegarem aos órgãos-
-alvo. Por outro lado, a alça parassimpática caracteriza-se por apresentar axô-
nios pré-ganglionares que emergem do SNC e fazem suas sinapses ganglionares
próximo aos órgãos-alvo, desta forma, suas bras pré-ganglionares são longas.
Seus gânglios e plexos estão situados próximos aos órgãos-alvo ou até mesmo na
parede das vísceras e portanto suas bras pós ganglionares são curtas. Essas dife-
renças estruturais na organização espacial das bras pré e pós ganglionares estão
demonstradas na Figura 24.1.
Reinaldo Barreto Oriá 673
Figura 24.1 – Diferenças estruturais na organização espacial das bras pré e pós-ganglionares do Sistema nervoso
autônomo.
sanguíneos locais, foi descrita uma outra rede de neurônios sensoriais (afe-
rentes) responsáveis por gerar informações acerca da tensão da parede das
vísceras, bem como neurônios capazes de processar informações químicas
provenientes das vísceras. Esses neurônios são responsáveis pelo fornecimen-
to de importantes informações químicas e mecânicas acerca dos estados dos
órgãos viscerais a centros superiores localizados no SNC. Nesses centros, as
informações são processadas e respostas reexas são geradas a m de corrigir
ou atuar na manutenção de importantes funções viscerais. A transmissão da
informação sensorial dos órgãos viscerais até o SNC, bem como as respostas
eferentes geradas nos centros superiores a m de controlar as funções viscerais
serão tratadas a seguir.
Figura 24.2 – Neurônios pré-motores de neuronios pré-ganglionares parassimpáticos que se projetam para vias
aéreas e pâncreas. Núcleo paraventricular do hipotálamo (PVH); Hipotálamo lateral (LH); Terceiro ventrículo (3V) Substância
cinzenta periaquedutal (IAPG); Aqueduto cerebral (Aq); Locus Ceruleus (LC); Parabraquial (PB); Área A5 (A5); Trato pira-
midal (PY); Quarto ventrículo (4V); Núcleo obscuro (Rob); Bulbo rostral ventro medial (RVLM); Bulbo caudal ventro lateral
(CVL); Neurônios noradrenérgicos (NA). Imagem publicada no livro The Integrative Action of the Autonomic Nervous System-
Neurobiology of Homeostasis” de autoria de Wilfrid Jänig. Editora Cambridge, 2006, atualizada para esta publicação.
Figura 24.3 – Neurônios pré-motores no tronco cerebral e hipotálamo, interneurônios e neuronios proprioespinais
se projetando para neuronios pré-ganglionares simpáticos. Bulbo rostral centro medial (RVLM); Área A5; Hipotálamo Lateral
(LH); Núcleo paraventricular do hilotálamos (PVH); Funículo lateral (LF); Núcleos espano-laterais (LSN); Segmentos cervicais
(c1 a c4); Olivas inferiores (IO); Trato piramidal (PY); Trato trigeminal piramidal (sp5); Terceiro ventrículo (3V); Quarto
ventrículo (4V); Coluna intermédio-lateral (IML); Locul Ceruleus (LC); Núcleo parabraquial (PB). Imagem publicada no livro
The Integrative Action of the Autonomic Nervous System- Neurobiology of Homeostasis” de autoria de Wilfrid Jänig. Editora
Cambridge, 2006, atualizada para esta publicação.
Reinaldo Barreto Oriá 679
Ativação
Órgão ou Tecido Ativação Simpática Mecanismo
Parassimpática
Esvaziamento (contração
Enchimento (relachamento da
da musculatura lisa
Bexiga musculatura lisa e contração Antagonista
e relaxamento do
do esncter interno)
esncter interno)
Modicada de: Lent, R. Cem bilhões de Neurônios, 1a edição, Editora Atheneu, 2001
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. TEFF, K. L. Visceral Nerves: Vagal and sympathetic innervation. Journal of
Parenteral and Enteral Nutrition. 32(5): 2008.
Estas úlceras podem ser causadas por trauma físico, mecânico, térmico, quí-
mico ou por radiação. As três primeiras correspondem às lesões de tecidos moles
orais mais comumente observadas. Localizam-se preferencialmente em bordas de
língua e mucosa jugal ou labial. Quando removida a causa, tendem a cicatrizar
dentro de sete a dez dias. No entanto, as de aparecimento crônico devem ser
Reinaldo Barreto Oriá 685
As úlceras malignas orais são fatais se não forem detectadas e tratadas no iní-
cio de seu aparecimento e desenvolvimento. Por isso, como regra geral, lesões que
persistam por mais de duas a três semanas na cavidade oral devem ser biopsiadas,
especialmente porque várias lesões malignas são assintomáticas e, muitas vezes,
de difícil percepção pessoal e/ou prossional. Logo, exames completos devem ser
envidados nas seguintes regiões: assoalho da boca, bordas e dorso da língua, re-
giões posteriores da boca, inclusive garganta, sendo que as bordas laterais da
língua e mucosa jugal são os locais mais comuns, muito embora qualquer região
possa ser acometida por neoplasias. Clinicamente, o aspecto de endurecimento
ou espessamento, e xação a estruturas subjacentes, são relevantes no caso de
suspeitar de se tratar de lesões malignas, em associação ainda, ao aspecto já men-
cionado de indolor. Sendo tais lesões persistentes, somadas às características de
base acinzentada ou bordas indistintas, devem ser consideradas potencialmente
malignas. As úlceras malignas, portanto, incluem carcinoma de células escamosas,
carcinoma intraepitelial e adenocarcinoma do palato com aspecto ulcerado.
Vale salientar, ainda, que várias pessoas podem apresentar algum tipo de
ulceração, não necessariamente decorrente de um trauma especíco, e, por isso,
não apresentando ao clínico uma etiologia denida da úlcera. Nesse caso, tais
lesões são ditas úlceras aftosas recorrentes, com fator imunológico predisponente.
As úlceras aftosas podem apresentar diâmetro de até 1 cm e serem isoladas ou em
número de até 10. Assim como as úlceras traumáticas, estas também cicatrizam
dentro de 7 a 10 dias, sem deixar cicatriz. As aftas maiores, contudo, apresentam-
-se com diâmetro superior a 1 cm, geralmente únicas e com bordas irregulares,
profundas e podem permanecer por semanas a meses na mucosa não queratini-
zada. Curam-se, mas deixam cicatriz. As aftas herpetiformes podem se apresentar
em número bastante grande, chegando até 200, ocorrendo na mucosa não que-
ratinizada, de forma recorrente, em pacientes saudáveis. Além das úlceras aftosas
recorrentes, a síndrome de Behçet e o lúpus eritematoso são outras condições
imunológicas nas quais o aparecimento de úlceras orais é comum, onde a história
e os achados clínicos são importantes para a determinação do diagnóstico. Em
relação ao lúpus eritematoso, existem dois tipos, o discóide (LED) e o sistêmico
(LES). Para o primeiro, as lesões devem ser distinguidas das lesões do líquen plano
oral (LPO), e atentar-se para o fato de que pequenas lesões labiais do LED tentem
a pré-malignização.
Esse grupo de condições inclui o Granuloma Não Letal da Linha Média, Epi-
dermólise Bolhosa e Sialometaplasia Necrosante. Tais doenças são raras e todas
se caracterizam, dentre outros achados não menos importantes, pelo aparecimen-
to de úlceras necróticas, as quais podem surgir por perfurações de cartilagens no
caso do Granuloma Não Letal de Linha Média, ou serem decorrentes de bolhas
na Epidermólise Bolhosa, ou ainda como resultado de trauma no local da injeção
de anestesia no palato, no caso de Sialometaplasias. Estas condições, se frequen-
temente repetidas, lembram as úlceras malignas.
A queilite (do grego Keilos = lábios) glandular é uma afecção rara, confundi-
da clinicamente com a queilite actínica, caracterizada por um aumento das glân-
Reinaldo Barreto Oriá 691
25.2.2 SIALADENITE
Quadro 25.1 Condições que indicam a necessidade de intervenção cirúrgica em sialadenites (incisão e
drenagem da glândula).
a) ausência de melhora depois de três a cinco dias de antibioticoterapia;
b) envolvimento do nervo facial (quando a glândula parótida é acometida);
c) envolvimento de estruturas adjacentes vitais (espaço faríngeo lateral, espaços fasciais profundos); e
d) formação de grandes abscessos dentro do parênquima glandular.
Figura 25.1 Microbiologia das doenças periodontais. A base da pirâmide é composta por espécies que colonizam
a superfície dental no espaço subgengival nos estágios iniciais da formação do biofilme. O complexo laranja torna-se nume-
ricamente dom-inante posteriormente, e é apenas após o estabelecimento deste que ocorre o crescimento das espécies do
complexo vermelho, mais patogênicas.
FONTE: SOCRANSKY, S.S.; HAFFAJEE, A.D. Periodontology 2000, v. 28, p. 12-55, 2002.
698 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 25.2 Gengivite marginal: área eritematosa no contorno parabolóide gengival superior. Note-se o acúmulo
de matéria alba (biofilme + restos alimentares) provavelmente devido a dificuldades de higienização em virtude de aparelho
ortodôntico.
Figura 25.3 Hiperplasia gengival associada a biofilme dental: cobertura de gengiva hiperplásica, sangrante ao to-
que, o que de-nuncia processo inflamatório subjacente. Note-se a presença de matéria alba (biofilme + restos alimentares)
na cervical do canino direito, e presença generalizada de biofilme nas superfícies dentárias.
Figura 25.4 Periodontite crônica generalizada: perda de inserção da gengiva, com exposição radicular, sangra-
mento espontâneo, halitose e mobilidade dos elementos dentários. Note-se que apenas o tracionamento labial já causou
Reinaldo Barreto Oriá 699
o sangramento.
tecidual, enquanto o frio alivia a dor via vasoconstricção. A resposta negativa aos
testes térmicos pode caracterizar a necrose pulpar.
Teste elétrico: a utilização de estimulação elétrica controlada em dentes com
vitalidade pulpar gera um potencial de ação rápido com surgimento de dor. Re-
sultados falsos positivos podem ocorrer em dentes multirradiculares nos quais
o tecido pulpar pode ainda estar vital em uma das raízes. Alguns fatores podem
reduzir a sensibilidade ao teste elétrico: movimentação ortodôntica, trauma, hi-
pertireoidismo e calcicações do canal radicular. Nos casos de pulpite reversível,
o dente responde a uma intensidade de corrente menor do que aquela usada para
um dente hígido. Os dentes acometidos por pulpite irreversível respondem ao
teste elétrico apenas em intensidades de corrente muito elevadas.
Teste de percussão: quando a resposta inamatória já alcançou a área pe-
riapical, é possível a ocorrência de sensibilidade à percussão. Tanto na pulpite
reversível quanto nos estágios iniciais da pulpite irreversível não se observa sen-
sibilidade à percussão. A ocorrência de dor após a percussão sugere a existência
de necrose pulpar e geralmente está associada aos quadros de pulpite irreversível.
ABSCESSO PERIAPICAL
Cáries ou restaurações extensas
A fístula pode existir, mas nem sempre próxima ao dente envolvido
É possível inserir um cone de guta-percha na entrada da fístula para
facilitar o diagnóstico do dente afetado (rastreamento da fístula)
Maioria dos dentes drena através da cortical vestibular
Incisivos laterais superiores, segundos e terceiros molares drenam através da cortical lingual/palatina
Resposta positiva aos testes perirradiculares (palpação e percussão),
dor espontânea, lancinante, extrusão e mobilidade dentária
A drenagem do abscesso quer seja por uma fístula cutânea, quer seja por
uma fístula oral ou via canal radicular, determina a sua cronicação com redu-
ção da sintomatologia. Entretanto, uma complicação grave do abscesso periapical
712 Sistema digestório: integração básico-clínica
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Diagnosis and Management. 1 ed. Chicago: Quintessence, 2013.
GUTMANN, J. L. et al. Identify and Dene All Diagnostic Terms for Periapical/
Periradicular Health and Disease States. Journal of Endodontics, New York.
35(12): 1658-1674, 2009.
Figura 26.1 Distribuição mundial (%) de crianças menores de cinco anos de idade abaixo do peso.
Adaptado de GHO/WHO (2015). Underweight in children. Disponível em:
http://gamapserver.who.int/gho/interactive_charts/MDG1/tablet/atlas.html
Tabela 26.1 Classificação da desnutrição de acordo com o escore z de peso-por altura- -por idade (WHZ).
Classificação Valores de escore - z
Normal escore z ≥ - 1,0 DP*
Leve - 2,0 ≤ escore z < - 1,0 DP
Moderada - 3,0 ≤ escore z < - 2,0 DP
Severa escore z < - 3,0 DP
* segundo população de referência definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), disponível em: (http://www.who.int/
childgrowth/software/en/). DP= desvio-padrão
KWASHIORKOR MARASMO
Prevalência e incidência maior em crianças menores de 2 anos Prevalência e incidência maior em crianças maiores de 2 anos
Deprivação predominantemente proteica Deprivação crônica de macronutrientes
Infecções recorrentes
Atroa muscular grave sem perda de gordura subcutânea Hipotroa muscular com parcial perda de gordura subcutânea
Edema importante, anasarca Edema discreto
Altura e peso compatíveis com a idade Altura e peso incompatíveis com a idade
Pele descamativa, dermatite com áreas conuentes de Pele descamativa, dobras cutâneas redundantes por perda do
hiperpigmentação e hiperceratose panículo adiposo
Cabelo hipopigmentado, alopécia Cabelo esparso, sem alteração de pigmentação
Hipotermia Bradicardia, hipotensão, hipotermia, Anorexia nervosa
Esteatose Ausência de esteatose
Hipoalbuminemia, aumento dos níveis séricos de IL-6, proteína Aumento menos evidente dos níveis séricos de IL-6, proteína C
C reativa, redução de IGF-1, hipercortisolismo reativa, redução de IGF-1, hipercortisolismo, hipoglicemia
Recentemente, tem se prestado mais atenção a uma condição muito prevalente em países em desenvolvimento, chamada de enteropatia ambiental
(enteropatia tropical), uma síndrome multifatorial que afeta crianças residentes em áreas carentes, com precárias condições de saneamento
e higiene. Essa condição está associada à exposição continuada a coliformes fecais, com afecções recorrentes de doenças parasitárias.
Figura 26.2 Ciclo vicioso envolvendo diarreia e desnutrição, incluindo fatores intrínsecos e extrínsecos ao indiví-
duo e possíveis consequências.
Figura 26.3 Alteração da arquitetura de vilos e da superfície absortiva em camundongos C57BL6J de 14 dias de
idade após desnutrição induzida por separação materna prolongada.
Legenda: Nut = Nutridos, sem separação materna; Des = Desnutridos, após separação materna. Notar atrofia de vilos e
da borda em escova dos enterócitos. Imagens de microscopia eletrônica de varredura.
sangue e nos tecidos linfoides que sofrem atroa, incluindo o timo, responsável
pela produção e liberação de células T. A desnutrição tende a desviar a reposta
imunológica para TH2 em vez de TH1. Entretanto, a presença de infecções po-
dem aumentar a produção de citocinas pró-inamatórias, especialmente IL-6 e
TNF, com produção das proteínas de fase aguda pelo fígado, incluindo níveis
séricos mais elevados da proteína C reativa, caracterizando um processo de ina-
mação sistêmica.
Figura 26.4 Mecanismos das alterações de transporte de íons e fluidos induzidas pela desnutrição
26.7 CONCLUSÃO
O impacto da desnutrição (especialmente pelas alterações da programação
genética e epigenéticas) é ainda pouco compreendido, apesar de muitos estudos
apontarem para uma forte contribuição para o risco de doenças metabólicas,
doenças cardiovasculares e doenças crônico-degenerativas. A desnutrição
asso-ciada com doenças entéricas recorrentes pode levar à atrofia da mucosa
intestinal, deficiência imunológica, alteração da barreira epitelial e má-absorção
de nutrien-tes, que podem amplificar ainda mais o ciclo, com uma doença
inflamatória que pode ser crônica e subclínica (mesmo sem diarreia),
contribuindo para o aumento da taxa global do escore de anos perdidos por
incapacitação, reduzindo o poten-cial genético de um indivíduo e o capital
humano de uma sociedade.
A compreensão da fisiopatologia do ciclo vicioso da desnutrição e de
co-morbidades no trato gastrintestinal é crítica para desenvolver estratégias te-
Reinaldo Barreto Oriá 729
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
27.1 INTRODUÇÃO
Até há aproximadamente três décadas, a patogenia da úlcera péptica (UP)
era atribuída a um desequilíbrio entre a secreção ácida e os mecanismos de defesa
da mucosa, cuja causa ou causas não eram conhecidas; entretanto, em 1982, na
Austrália, Robin J Warren e Barry J Marshall isolaram uma bactéria, posterior-
mente denominada Helicobacter pylori, com origem em fragmentos de mucosa
gástrica de pacientes com gastrite e úlcera duodenal. Estudos subsequentes em
várias partes do mundo conrmaram a hipótese inicial de que a bactéria estaria
associada à gênese da doença péptica ulcerosa em adultos e crianças.
Pouco mais de uma década depois do isolamento do H. pylori, em 1994, com
base em estudos epidemiológicos e plausibilidade biológica a infecção foi classi-
cada pelo Instituto para a Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde
como carcinógena.
Esses achados mudaram a compreensão sobre a siopatologia dessas duas
doenças e; embora, tenha ocorrido um avanço signicativo no conhecimento,
muitos aspectos relativos à siopatologia da úlcera péptica e do câncer gástrico
permanecem desconhecidos. Neste capítulo será abordada a siopatologia da úl-
cera péptica e do câncer gástrico, bem como o papel do H. pylori na gênese dessas
doenças.
27.2.1 DEFINIÇÃO
A UP é uma afecção heterogênea, multifatorial, que acomete 15% a 20%
da população mundial. A úlcera é denominada péptica porque ocorre em sítios
expostos à secreção de ácido clorídrico e pepsina. Ocorre mais frequentemente
no estômago e duodeno, mas pode também acometer o terço inferior do esôfago,
o jejuno, anastomoses gastroentéricas, e o divertículo de Meckel, quando existe
mucosa gástrica ectópica. Em 90% dos casos, a UP é uma lesão única; raramente
dupla ou múltipla. Na maioria das vezes, apresenta-se como lesão arrendondada
ou ovalada, com diâmetro variando de 0,5 a 2,0 cm e bordas regulares, pouco
elevadas e cortadas a pique, tendendo a se afunilar na medida em que se aprofun-
dam na parede do órgão. O fundo é geralmente limpo, mas pode estar coberto
por material brancancento, por tecido de granulação avermelhado ou por tecido
broso. A lesão pode estar restrita à submucosa, ou atingir a muscularis mucosae,
serosa ou a cápsula ou parênquima de um órgão vizinho. De acordo com a pro-
fundidade da lesão e a intensidade da reação conjuntiva, a UP pode ser classi-
cada em supercial, localizada na submucosa; profunda, quando atinge a lâmina
Reinaldo Barreto Oriá 733
27.2.2 ETIOLOGIA
Embora a doença ulcerosa péptica seja multifatorial, diversos fatores etioló-
gicos estão bem estabelecidos como a infecção pelo H. pylori e o uso crônico de
anti-inamatórios não esteroides (AINES).
A infecção por H. pylori pode ser responsabilizada por 90-95% das UD e
70-75% das UG. A erradicação do microrganismo reduz dramaticamente a taxa
de recorrência da doença para 5% ao ano, em contraposição a taxas de 70-85%
observadas quando os tratamentos convencionais, que não visam erradicação do
H. pylori, são adotados.
O uso de AINEs é, provavelmente, a causa mais comum de lesões na mucosa
gastrointestinal nos países desenvolvidos, onde a prevalência da infecção pelo
H. pylori vem diminuindo rapidamente. O uso de AINEs é responsabilizado por
aproximadamente 25% das UG, sendo considerado causa mais frequente de úlce-
ras não decorrentes da infecção pelo H. pylori. UP assintomática pode ser encon-
trada endoscopicamente em aproximadamente 15-45% das pessoas que fazem
uso crônico de AINES.
Outras causas menos comuns de úlcera incluem gastrinoma, mastocitose,
pâncreas anular, doença de Crohn, infecção gástrica por outras espécies de He-
licobacter como o Helicobacter suis e possivelmente por outros microrganismos
como Herpes simplex tipo I. As lesões ulcerosas pépticas têm também sido des-
crita em indivíduos que fazem uso de medicamentos contendo potássio, em pa-
cientes submetidos à quimioterapia, usuários de cocaína, e mais recentemente
734 Sistema digestório: integração básico-clínica
parietais. A ativação dos receptores CCK-2 localizados nas células ECL parece ser
a principal via pela qual a gastrina estimula a secreção ácida.
A somatostatina inibe a secreção gástrica impedindo a secreção de hista-
mina e gastrina. É sintetizada a partir de uma molécula precursora denominada
preprossomatostatina, liberada pelas células D localizadas na mucosa do corpo
e antrogástricos. A redução signicativa do pH no lúmen gástrico induz a um
aumento de produção de somatostatina que, por sua vez, inibe a liberação de
histamina e gastrina.
2. Esses agentes são ecazes em aliviar a dor e a inamação, não afetam signica-
tivamente a produção de PG e causam alterações discretas na mucosa gástrica, já
que não interferem com a produção de COX-1.
Figura 27.1 – Interações do hospedeiro com o meio ambiente e infecção por H. pylori no desenvolvimento
de úlceras gástricas e duodenais: O curso clínico da infecção pelo H. pylori é altamente variável e depende do padrão de
distribuição da gastrite, da virulência da linhagem de H. pylori, da susceptibilidade genética do hospedeiro, da idade de aquisição
da infecção e de fatores ambientais. Esses fatores favorecem a colonização do corpo do estômago pelo H. pylori que resulta em
pangastrite e, consequentemente, redução na secreção de ácido. A hipocloridria decorrente da colonização pelo H. pylori e da
inamação intensa no corpo pode resultar no desenvolvimento de atroa gástrica, úlcera gástrica e câncer. Pacientes com gastrite
predominantemente antral apresentam secreção gástrica de ácido normal ou elevada e hipergastrinemia e estão predispostos a
desenvolver úlcera duodenal. Ocorre, ainda, diminuição da secreção de HCO3- e muco. A mucosa duodenal se torna permeável e
é agredida pelos íons H+ e outros irritantes, sendo substituída por mucosa gástrica metaplásica. A bactéria presente na mucosa do
estômago migra e coloniza as áreas de metaplasia gástrica no duodeno, onde estimula a resposta inamatória local predispondo
à formação do nicho ulceroso. Figura adaptada de CHAN & LEUNG. The Lancet,V.360, p.935, 2002.
27.4.1. CLASSIFICAÇÃO
As neoplasias gástricas são predominantemente malignas e dentre elas 90 a
95% são adenocarcinomas. Outras neoplasias observadas menos frequentemente
incluem os linfomas, especialmente do tipo MALT (tecido linfóide associado à
mucosa), que representam 2% a 8% dos tumores gástricos e mais raramente os
sarcomas e leimiossarcomas.
Os adenocarcinomas gástricos são classicados em dois tipos, de acordo com
a localização anatômica, quais sejam os tumores proximais (localizados na car-
dia) e distais (não localizados na cardia). Os tumores são também classicados
de acordo com parâmetros morfológicos e histológicos nos tipos descritos por
Laurén: tipo intestinal (bem diferenciado aproximadamente 50% dos casos),
tipo difuso (indiferenciado ao redor de 33%) e tipo misto ou não classicável.
Os carcinomas distais estão associados com a infecção pelo H. pylori, en-
quanto os proximais guardam relação com doença do reuxo gastrosofagiano e
não se associam com a infecção pelo microrganismo.
20%, esses fatores são considerados de baixo risco, sendo a história familiar e
deciência alimentar os fatores de risco mais relevantes. Nessa população, re-
centemente, foi descrita uma mutação no gene PLCE1 que codica a fosfolipase
C1e que pertence à família da fosfolipase C1 associada com risco aumentado
de adenocarcinoma da cárdia sem; entretanto, associar-se com o tumor gástri-
co distal. Denomina-se fosfolipase C1 um grupo constituído por pelo menos
seis isoenzimas que atuam na defosforilação de fosfofoinositídeos, fosfolipídeos
componentes da membrana celular, responáveis pela regulação de grande parte
das funções celulares, como sobrevida, proliferação, crescimento, motilidade,
polimerização de lamentos de actina e adesão célula-célula PLCe1, além de
interagir com o proto-oncogene RAS, estimula a expressão de citocinas pró-in-
amatórias e quimiocinas como IL-1 e CXCL2 induzindo inamação crônica,
substrato de muitos tipos de câncer.
1 – Fatores genéticos:
Tumor difuso: mutação no gene que codica a E-caderina – CDH1
Tumor intestinal: polimorsmo em genes que codicam citocinas pró- e anti-inamatórias e
em genes que codicam receptores celulares da resposta imunológica inata
Outras mutações: mutação no gene que codica a fosfolipase C1e – PLC1
2 – Fatores ambientais:
Infecciosos: H. pylori
Nutricionais: consumo de alimentos contendo nitratos, excesso de sal e alimentos
defumados, baixa ingestão de frutas, vegetais e bras alimentares
Substâncias tóxicas: uso de tabaco
Úlcera
vacA s1 duodenal
cagA+
Gastrite do
Linfoma MALT
antro
Pangastrite
normal crônica assintomática
Gastrite
atrófica Úlcera gástrica
Infecção vacA s1m1
cagA+, ↑EpiyaC
aguda
Metaplasia
intestinal
idade
Figura 27.2 – Evolução da infecção por H. pylori. A infecção é adquirida predominantemente na infância, persiste
por toda a vida do indivíduo e cursa com inamação, cujo padrão de distribuição determina o desfecho em doenças ou não. Na
grande maioria dos indivíduos, a gastrite aguda evolui para gastrite ou pangastrite crônica de intensidade leve, sem complica-
ções. A gastrite pode car restrita ao antro gástrico sem alterar a secreção ácida predispondo à úlcera duodenal. Em parte dos
indivíduos com pangastrite crônica pode ocorrer o aparecimento de úlcera péptica gástrica ou lesão evolui para gastrite crônica
atróca, metaplasia intestinal, displasia e nalmente o carcinoma intestinal. Finalmente, em indivíduos com gastrite crônica
leve, a infecção pode também evoluir para o linfoma gástrico do tipo MALT. Embora os mecanismos envolvidos na progressão
da infecção para as diferentes doenças não sejam completamente conhecidos, fatores de virulência da bactéria, genética
do hospedeiro e fatores ambientais são cruciais para o desfecho da infecção. Figura adaptada de Sauerbaum & Michetti. N
England J Medicine: v374:1175-86, 2010.
748 Sistema digestório: integração básico-clínica
27.6 CONCLUSÕES
Atualmente o H. pylori é reconhecido como o principal agente etiológico da
UP e sua erradicação com antimicrobianos leva à cura da doença, uma vez que a
reinfecção ocorre em menos do 1% da população adulta. Outra causa frequente
de UP é o uso crônico de AINEs para o tratamento de doenças inamatórias crô-
nicas, que são cada vez mais frequentes em decorrência do aumento da expectati-
va de vida da população mundial.
À semelhança da UP, o carcinoma gástrico também distal decorre da infec-
ção pelo H. pylori; entretanto, essas doenças são excludentes com mecanismos
siopatológicos distintos. Na úlcera duodenal, a gastrite não se estende ao corpo
gástrico e a secreção gástrica ácida é normal ou aumentada. Diferentemente, nos
indivíduos sem úlcera duodenal, o corpo gástrico não é preservado e em alguns
deles a gastrite do corpo evolui com hipocloridria/acloridria e atroa caracteri-
zando os indivíduos predispostos ao carcinoma gástrico.
Além dos marcadores de virulência da bactéria, fatores ligados ao hospe-
deiro, que, em última instância modula a resposta imunológica/inamatória à
infecção, são essenciais na gênese da doença.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SHANKS AM, EL OMAR EM. Helicobacter pylori infection, host genetics and
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750 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 28.1 – Interação de fatores desencadeantes de morte celular na pancreatite aguda. Na gura A é ilustrado que
aumentos oscilatórios dos níveis de Ca2+, desencadeados pela liberação de Ca2+ do retículo endoplasmático (RE) por estresse
moderado à célula, como por exemplo, bile em pequenas quantidades, causa despolarização mitocondrial (ΔΨ) parcial e
promove apoptose, quando fatores adicionais, tais como geração de espécies reativas de oxigênio (EROs), estão presentes.
Entretanto, fatores de estresse mais severos à célula (gura B), como causados por etil ésteres de ácidos graxos, causam
depleção dos estoques de Ca2+ do RE e sustentadas elevações patológicas de Ca2+, através da entrada extracelular excessiva
desse íon, que leva a uma inibição irreversível da função mitocondrial, com depleção de ATP e parada da atividade das bombas
de Ca2+ que são dependentes de energia, levando a uma ativação prematura das enzimas pancreáticas digestivas, presentes
nos grânulos de zimogênio (ZGs). O efeito nal destas mudanças é a morte necrótica da célula acinar.
Figura 28.2 Potenciais mecanismos de LPA decorrente da PA. LPA leva perda da função de barreira do epitélio alveo-
lar e células endoteliais dos capilares pulmonares, ocasionando aumento da permeabilidade da barreira alvéolo-capilar, auxo
de uido rico em proteínas e de células inamatórias para o interior dos alvéolos, ativação de macrófagos alveolares com
liberação de quimiocinas pró-inamatórios e citocinas, tais como TNF-α, IL-1 e IL-8 e migração de neutrólos, com produção
de proteases, ERO, citocinas e outros mediadores inamatórios. Essa cascata de eventos culmina na inativação do surfactante,
prejuízo na troca de gases e na função pulmonar.
Reinaldo Barreto Oriá 757
Figura 28.3 – Mecanismo geral de transmissão da dor na pancreatite. Estímulo nocivo é detectado pelas bras aferen-
tes primárias, seguindo pelo gânglio celíaco através dos nervos esplâncnicos, chegando até o Gânglio da Raiz Dorsal (GRD),
com sinapse realizada no corno dorsal da medula espinhal. O estímulo é então transmitido via neurônios de segunda ordem
até as estruturas do tálamo e córtex pré-frontal onde a dor é processado. Os terminais dos nervos aferentes primários contêm
uma variedade de receptores de canais iônicos tais como TRPV1(receptor vaniloide de potencial transitório do tipo 1), TRPV4
(receptor vaniloide de potencial transitório do tipo 4), TRPA1 (receptor de potencial transitório anquirina 1), PAR2 (receptor
ativado por protease tipo 2) P2X2 (receptor de purinérgico inotrópico 2), receptor de CCK (CCKR) e receptor de bradicinina
(BR).
essa é mais severa. Há, contudo, casos refratários a essas medicações (BANKS,
2010). Associado a isso, ainda há uma grande lacuna no conhecimento acerca do
mecanismo da dor visceral, que vem se mostrando com importantes diferenças
da dor somática. Atualmente, estão crescendo estudos experimentais buscando a
elucidação de alvos farmacológicos envolvidos, para que possa haver uma modu-
lação mais especíca e efetiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Inhibitors of ORAI1 Prevent Cytosolic Calcium-Associated Injury of
Reinaldo Barreto Oriá 761
29.1 INTRODUÇÃO
A inamação é uma resposta vascular, celular e humoral, responsável pelo
processo de defesa dos organismos vivos ante agentes agressores. Essa resposta
siológica é resultante da ação coordenada entre o sistema imunológico e o tecido
no qual ocorreu a lesão. Por incorporar vários mecanismos biológicos, como a
formação de edema, fagocitose, angiogênese, broplasia, liberação de mediadores
químicos, além de outros fatores, a inamação passou a ser entendida como um
processo, proveniente de uma soma de eventos, que, de acordo com o tempo de
evolução e as características patológicas envolvidas, pode ser classicada em in-
amação aguda ou crônica (KUMAR, 2010).
764 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 29.1 Via de sinalização dos PRRs (TLRs, NODs e RIGs). Estruturalmente, os TLRs são receptores transmem-
brana e possuem um domínio extracelular contendo repetições ricas em leucina (LRR), uma região transmembranar curta
e um domínio intracelular homologo ao do receptor para IL-1, conhecido como TIR (Domínio receptor Toll/IL-1). A ativação
desses receptores é realizada por PAMPs (como DNA dupla fita, lipopolissacarídeo – LPS – bacteriano) ou DAMPs. A via mais
comum de ativação envolve o domínio TIR dos TLRs e a via alternativa envolve a ativação do TRIF. Estes domínios iniciam o
recrutamento da MyD88 e consequente ativação da quinase associada ao receptor da IL-1 (IRAK). A ativação da IRAK induz
a ativação de serina e treonina quinases responsáveis pela degradação do IκBα. A diminuição das concentrações citoplas-
máticas de IκBα permite que o NF-κB, se desloque do citoplasma para o núcleo. Uma vez no núcleo da célula, o NF-κB
interage com genes κB dependentes, induzindo a produção de citocinas e outros mediadores inflamatórios importantes para
a resposta imune. Os receptores NOD-1 e NOD-2 juntos reconhecem o dipeptídeo iE-DAP e o muramil dipeptídeo (MDP) pre-
sente em praticamente todos os tipos de bactérias Gram-positivas e negativas, o contato com estes ligantes provoca a ativação
de fatores de transcrição pró-inflamatórios como o NF-κB, Proteína Ativadora 1 (AP-1) ou Fator de Transcrição Regulador de
Interferon (IRF-1) e consequente expressão de mediadores que estimulam a resposta imune. A ativação das vias de sinaliza-
ção do RIG-1 estimula a produção de Interferon (IFN-β), através da ativação dos fatores de transcrição IRF-3,7 e NF-κB com
consequente produção de citocinas pró-inflamatórias (Figura adaptada de MÜLLER, 2009).
Reinaldo Barreto Oriá 767
29.2.2.1 CÉLULA M
Figura 29.2 O sistema imune intestinal. No intestino, o tecido linfóide associado à mucosa é representado pelas
placas de Peyer, que são recobertas por células epiteliais especializadas, as células M. Estas células são capazes de endocitar
antígenos presentes no lúmen intestinal e transportá-los através de vesículas de transcitose até os folículos subjacentes. Estes
folículos são ricos em células Dendríticas capazes de processar o antígeno e apresentá-lo as células T dando inicio a uma res-
posta T CD4+ com ativação de células B e consequente produção seletiva de imunoglobulinas IgA. No lúmen intestinal, a IgA
tem a capacidade de ligar-se inespecificamente a antígenos presentes na superfície mucosa. Este efeito neutraliza a ação do
antígeno impedindo a penetração e a aderência deste à camada epitelial da mucosa. A IgA possui afinidade não-específica
com mucinas secretadas pela mucosa intestinal e a formação do complexo antígeno-IgA aumenta a retenção de microorga-
Reinaldo Barreto Oriá 773
nismos patogênicos ao muco e estimula sua secreção, facilitando a degradação enzimática e a eliminação do antígeno sem
haver a necessidade de ativar a resposta inflamatória. As células Dendríticas da lâmina própria da mucosa podem emitir
pequenos braços, chamados de den-dritos, para o lúmen intestinal. Esta característica permite que estas células dendríticas
fagocitem microrganismos comensais ou patogênicos presentes no lúmen. Após a internalização dos antígenos por fagocitose,
as células dendríticas imaturas migram para os linfonodos mais próximos, onde amadurecem, tornando-se capazes de apre-
sentar antígenos aos linfócitos T naïve. Após a apresentação dos antígenos a polarização das células T naïve para as dife-
rentes vias da resposta imune (Treg, Th17, Th1 e Th2) é dependente do perfil de citocinas que pode estar envolvido. Uma vez
polarizadas essas células ganham a circulação para realizar suas funções efetoras (Figura adaptada de Abraham et al. 2009).
resposta imune como: CD14 (reconhece LPS), Fcγ e Fcα (reconhece anticorpos
especícos), TLR-2 e TLR-4 (reconhece peptídeoglicanos e LPS, respectivamente)
estão pouco expressos. A baixa expressão desses receptores pode inuenciar no
tipo de resposta imune. Um estudo utilizando macrófagos isolados do intestino
humano, essas células foram incapazes de produzir citocinas (IL-1, IL-6, IL-8,
e TNF-α) em resposta a estímulos inamatórios, incluindo componentes bacte-
rianos como LPS. Contudo, a capacidade fagocítica e bactericida dessas células
ainda são mantidas e preservadas, apesar de que, devido à ausência do CD14, os
macrófagos intestinais parecem ser incapazes de realizar a explosão oxidativa
(MESTECKY J. et al. 2005).
Os macrófagos intestinais expressam moléculas com atividade antiinama-
tória, incluindo IL-10, além de modular a atividade das células Treg por um me-
canismo dependente de IL-10 e ácido retinoico. Assim, os macrófagos intestinais
passaram a ser considerados importantes para a manutenção da homeostase, por
protegerem o organismo da entrada de agentes patogênicos e ao mesmo tempo
regularem negativamente a resposta inamatória exagerada. Um exemplo da im-
portância local dessas células foi demonstrado por meio da depleção dos macró-
fagos intestinais utilizando clodronato, levando a uma exacerbada colite experi-
mental induzida com dextrana sulfato de sódio (DSS).
Por outro lado, as respostas imunes anormais aos micro-organismos comen-
sais muitas vezes são as responsáveis pelo desenvolvimento e evolução de várias
doenças intestinais, sendo que algumas subfamílias de macrófagos podem con-
tribuir na patogênese da inamação intestinal em humanos e camundongos. Por
exemplo, macrófagos originados de monócitos sanguíneos e que apresentam o
receptor ativador expresso em células mielóides-1 (TREM-1+), que amplicam a
resposta pró-inamatória por induzir a secreção de citocinas, parecem participar
na patogênese da doença de Crohn e da doença inamatória intestinal (DII) via
produção excessiva de IL-23 e TNF-α em resposta a bactérias comensais.
Estes achados permitem propor que os macrófagos residentes do intestino
teriam um papel importante para a manutenção da tolerância e regulação da
resposta inamatória intestinal, enquanto, os macrófagos oriundos da diferen-
ciação dos monócitos sanguíneos nos tecidos estariam relacionados diretamente
à patogênese das doenças inamatórias intestinais como a doença de Crohn e
outras DIIs.
776 Sistema digestório: integração básico-clínica
29.3.1 IMUNOGLOBULINAS
responsável pela regulação e ativação das defesas das mucosas. A IgA dimérica é
formada a partir da união de duas moléculas de IgA monoméricas. Sua produção
é mediada pelos plasmócitos localizados na lâmina própria da mucosa e, apesar
de ser uma proteína, a IgA presente nas secreções no lúmen é bastante resistente
a degradação proteolítica das enzimas gástricas e intestinais.
O processo de transporte e secreção dessa imunoglobulina dos plasmócitos
localizados na lâmina própria da mucosa até o lúmen intestinal ocorre através da
ligação a receptores poliméricos para imunoglobulinas (pIgR), expressos na ca-
mada basal das células epiteliais da mucosa. Após a ligação, o complexo formado
é endocitado pela célula epitelial e transportado por transcitose para a porção
apical da membrana celular, onde então é liberado no lúmen com o fragmento
extracelular do receptor, chamado de componente secretor (CS), formando assim
a IgA secretora (sIgA).
A IgA, assim que liberada pelos plasmócitos, ainda na lâmina própria da mu-
cosa, pode capturar antígenos que tenham ultrapassado a barreira epitelial. Estes
antígenos, uma vez ligados, são transportados junto a IgA, atravessam a barreira
epitelial e são deportados para o lúmen. Durante a passagem pelo citoplasma, a
IgA pode interagir com moléculas virais, impedindo a sua replicação no interior
das células epiteliais infectadas (LAMM, 1998).
No lúmen, a sIgA tem a capacidade de ligar-se inespecicamente a antígenos
da superfície mucosa. Este efeito neutraliza a ação do antígeno impedindo a pene-
tração e a aderência deste na camada epitelial da mucosa. A sIgA possui anidade
não-especíca com mucinas secretadas pela mucosa intestinal e a formação do
complexo antígeno-sIgA aumenta a retenção de micro-organismos patogênicos
ao muco e estimula sua secreção, facilitando a degradação enzimática e a eli-
minação do antígeno sem haver a necessidade de ativar a resposta inamatória
(CAMPOS, 2011) (Figura 29.2).
A IgM também é encontrada nas secreções do TGI e denota ação muito se-
melhante a realizada pela IgA com relação à neutralização de antígenos. A IgM é
a primeira imunoglobulina a ser produzida pelo plasmócito ativado e acredita-se
que no TGI, tanto a IgA como a IgM, seriam mediadores não-inamatórios cuja
a função primordial consistiria na manutenção da homeostase local e da benéca
relação com os micro-organismos comensais. Inclusive, as moléculas de IgA e
IgM poliméricas possuem a capacidade de estimular a produção de IL-10 e inibir
a produção de IL-2 e a ativação do NF-κB, reduzindo signicativamente a produ-
ção de mediadores inamatórios.
Quando, contudo, um antígeno ultrapassa os limites impostos pela IgA
rapidamente o organismo responde, aumentando a produção de IgG. Esta
Reinaldo Barreto Oriá 781
29.3.2 NEUTRÓFILOS
ligantes de selectinas (Sialil Lewis X). Essas ligações de baixa anidade são fa-
cilmente rompidas pela força de cisalhamento do uxo sanguíneo que empurra
os neutrólos forçando a interação com outras selectinas. Logo, em virtude da
natureza dessas interações, os neutrólos repetitivamente se destacam e se ligam
novamente as selectinas e assim “rolam” ao longo da superfície endotelial.
Quando os neutrólos se aproximam do local da infecção, as quimiocinas
presentes em maior concentração se ligam a receptores especícos na superfície
dos neutrólos em rolamento e estimulam a expressão de moléculas de adesão
mais fortes, chamadas de integrinas (VLA-4, LFA-1 e Mac-1). Em paralelo com a
ativação das integrinas nos neutrólos, as citocinas IL-1, TNF-α e INF-γ também
aumentam a expressão de ligantes das integrinas nas células do endotélio vascu-
lar. Dentre estas moléculas ligantes, estão à molécula de adesão de células vascu-
lares - 1 (VCAM-1) que se liga a integrina VLA-4 (Very Late Antigen-4, CD49d/
CD29) do neutrólo, a molécula de adesão intercelular - 1 (ICAM-1) ligante das
integrinas LFA-1 (Antígeno associado à função leucocitária) e Mac-1 (CD11b/
CD18). Como resultado dessas novas interações, os neutrólos xam-se rme-
mente ao endotélio vascular.
Após a adesão rme dos neutrólos é iniciado o processo de transmigra-
ção dessas células através do endotélio. Esse fenômeno ocorre mediante a ação
atraente cada vez mais forte das quimiocinas que, em favor de um gradiente de
concentração química, atraem os neutrólos na direção do local da infecção. Com
o auxílio de proteases lisossomais, os neutrólos lesam a membrana basal da pa-
rede vascular chegando ao interstício, em um fenômeno conhecido como diape-
dese. Ao nal desse processo, os neutrólos se acumulam no tecido extravascular
em torno do agente infeccioso, onde iniciam a fagocitose.
Esse radical livre altamente reativo interage com outras moléculas para produzir
radicais livres com ação oxidante, como o peroxido de hidrogênio (H2O2), o áci-
do hipocloroso (HClO) e o radical hidroxila (OH-). Quando as ROS superam
as defesas antioxidantes da célula como a superóxido dismutase, catalase, gluta-
tiona peroxidase e a glutationa (GSH), os danos aos tecidos ocorrem. Inclusive
a redução do estresse oxidativo sob estas condições pode ser um potencial alvo
terapêutico para as doenças inamatórias do intestino, particularmente a DIIs e a
enterite provocada pela radiação.
29.3.3 EICOSANOIDES
diarreia. A dor abdominal é típica na ileíte (inamação do Íleo), por outro lado
quando a doença é restrita ao cólon não é obsevada dor abdominal, mas sim uma
diarreia intensa que pode ser acompanhada de sangramento e tenesmo (sensa-
ção de evacuação incompleta). Os pacientes que apresentam a doença no cólon
desenvolvem complicações na região perianal. Apenas 5% do total de pacientes
com doença de Crohn apresentam a doença localizada na mucosa bucal, esôfago,
estômago, duodeno e jejuno. Estes pacientes apresentam estomatite aftosa, gas-
trite e deciência nutricional devido ao comprometimento da capacidade absor-
tiva do intestino. O processo inamatório na doença de Crohn, em longo prazo,
produz uma série de complicações levando à recorrente obstrução intestinal e a
formação de fístulas e abcessos, que muitas vezes são acompanhadas por mani-
festações extraintestinais.
O diagnóstico da doença de Crohn é considerado difícil em virtude das vá-
rias formas de manifestação ao longo do TGI e à grande semelhança com ou-
tras patologias. Devido a esta característica, para se obter um bom diagnóstico
é necessária a análise conjunta de dados clínicos, endoscópicos, histológicos e
radiológicos. Como resultado, identica-se um acometimento focal, assimétrico,
transmural ou granulomatoso da parede intestinal.
A sequência dos procedimentos diagnósticos deve ser estabelecida de acordo
com a apresentação clínica de cada paciente e gravidade da doença. Nos exames
radiológicos contrastados, por exemplo, é possível detectar a presença de fístulas
no intestino delgado. A endoscopia, por sua vez, permite a visualização direta das
lesões ulceradas, acompanhadas por áreas com mucosa normal. A distribuição
dessas lesões pode ser focais, assimétricas ou descontínuas. Além disso, através
da endoscopia é possível coletar material para análise histopatológica. A análise
histológica pode indicar acometimento transmural, em decorrência do padrão
segmentar e presença de granulomas não caseosos, que, apesar de serem conside-
rados patognomônicos, estão em menos de 50% dos casos.
O conjunto de achados nos exames complementares, associados aos dados
obtidos na anamnese, permite classicar a gravidade da doença em leve, mode-
rada ou grave de acordo com o índice de atividade da doença de Crohn (IADC)
(Quadro 29.1). A correta classicação da doença é determinante para o estabe-
lecimento do protocolo terapêutico mais adequado. A doença é considerada em
remissão (sem atividade da doença após tratamento) quando o IADC é inferior a
150; leve a moderada quando o IADC oscila entre 150 e 219; moderada a grave
os valores cam em torno de 220 a 450, e grave ou fulminante quando os valores
são superiores a 450.
792 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 29.3 Papel da resposta imune na saúde e na doença. O painel A demonstra que a equilibrada relação
794 Sistema digestório: integração básico-clínica
entre a microbiota e o organismo dependente do bom funcionamento da imunidade inata e adaptativa. Os receptores de
reconhecimento de padrões Toll-like e NOD-like presentes nas células epiteliais e nas células residentes como macrófagos
e células dendríticas auxiliam no reconhecimento dos micro-organismos. Como resultado dessa interação são produzidas
citocinas em níveis adequados para estabelecer a comunicação entre essas células e o ajuste da resposta imune, de forma que
esta permita a convivência com os micro-organismos comensais e ao mesmo tempo limite a entrada de micro-organismos
patogênicos. Além disso, a interação entre as APCs (macrófagos e células dendríticas) com os linfócitos também contribui para
a manutenção desse estado de equilíbrio, uma vez que, a homeostase intestinal também depende do balanço entre as células
Treg (imunosupressora) e das células efetoras Th1 e Th17. No painel B, pode-se observar que a alteração nos mecanismos
de defesa da mucosa, como a descontinuidade da barreira epitelial ou o aumento da permeabilidade intestinal, aumenta
a exposição aos micro-organismos e a ativação dos PRRs. Entre os PRRs, os NOD-Like do tipo NOD-1 e NOD-2 destacam-se
devido a sua participação ativa na imunopatogênese da doença de Crohn. A ativação desses receptores culmina com o au-
mento nos níveis de citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α, IL-12, IL-23, IL-1β, IL-6 e quimiocinas. Na lamina própria há
uma marcante expansão no número de células T CD4+ principalmente as pró-inflamatórias (Th1 e Th17). As células Th17
expressam na sua superfície, um complexo de receptores para IL-23, e o receptor de quimiocinas CCR6. A interleucina-23
(formada pelas subunidades p19 e p40), secretada pelas células apresentadoras de antígeno (célula dendrítica), se liga ao
complexo de receptores para IL-23 na célula TH17. Essa ligação resulta na ativação da quinase associada a Janus (JAK2) e
ativa o fator de transcrição STAT3 (Ativador de Transcrição e Transdutor de sinal), estimulando a proliferação de células Th17,
cuja ação é aumentada pelo membro 15 da superfamília do TNF (TNFSF15) ligando ao receptor de morte 3 (DR3) (painel
C). A célula Th17, ao se ligar à IL-23, produz grandes quantidades de IL-17. Essa citocina via fator de transcrição NF-κB,
estimula a produção de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β, IL-6 e TNF-α), e o recrutamento de células imunes para o tecido
intestinal. Desta forma, existem fortes indícios do envolvimento da via IL-23/Th17 na fisiopatologia da doença de Crohn
(Figura adaptada de Abraham et al. 2009).
dem ser normais quanto à forma e a consistência, porém pode ser constatada a
presença de sangue e muco nas fezes. As evacuações subsequentes passam a ser
diarreicas e aos poucos o volume das fezes pode diminuir ou ser ausente, ou ainda
o paciente pode eliminar apenas muco e sangue.
A sintomatologia da colite ulcerativa pode apresentar particularidades de
acordo com a localização da lesão. Quando a doença acomete o reto e o cólon
sigmóide, as fezes podem ser normais ou ressecadas e duras. Se a afecção se esten-
der ao restante do intestino grosso, as fezes tornam-se mais líquidas e os pacientes
podem ter entre 10 a 20 evacuações por dia seguidas por cólicas intensas e espas-
mos retais, acompanhados da urgência em defecar.
Complicações sistêmicas em pacientes com colite ulcerativa também são
comuns. A doença pode ser acompanhada por artrites, colangite esclerosante
primária, espodilite anquilosante, sacroileítes, uveítes e lesões cutâneas como eri-
tema e piodermite gangrenosa e, em crianças, é comum o retardo no crescimento
e desenvolvimento.
Para o diagnóstico da colite ulcerativa, é necessário considerar a avaliação
da história clínica, exame das fezes, exame radiológico, endoscópico e achados
histopatológicos. A história clínica desses pacientes cursa com manifestações e
remissões súbitas da doença. Ao exame físico, os pacientes geralmente apresentam
pouca alteração e o estado geral pode ser bom ou razoável. Contudo, na forma
mais grave da doença a palpação abdominal pode acusar aumento da sensibilida-
de e dor, principalmente nos quadrantes esquerdos do abdômen. Entre os exames
complementares, o exame radiológico contrastado pode oferecer a visualização
de todo o cólon, onde é possível identicar perda de elasticidade da víscera e a
formação de úlceras nas ou profundas (BERNSTEIN, 2013).
Como a doença pode manifestar-se em áreas do intestino grosso, a retossig-
moidoscopia exível auxilia a denir as porções acometidas. Com isso, a colonos-
copia não é normalmente necessária na fase aguda e deve ser evitada, pois pode
desencadear um quadro de megacólon tóxico. A análise histopatológica geralmen-
te apresenta as mesmas alterações independentemente da área acometida, onde
podem ser visualizados abcessos nas criptas que ajudam a caracterizar a atividade
da doença, podendo ser visualizado rompimento de cripta com inltrado neutrofí-
lico na lâmina própria e, dependendo da fase de evolução e gravidade da doença,
o inltrado pode ser marcado ainda pela inltração de linfócitos e plasmócitos
reforçando a importância do processo inamatório na patogênese da doença.
Assim como a doença de Crohn, a colite ulcerativa pode ser classicada de
acordo com a gravidade da doença, as agudizações são classicadas em três ca-
tegorias: leve até três evacuações por dia, com ou sem sangue, sem comprome-
timento sistêmico; moderada mais de quatro evacuações por dia com mínimo
800 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figura 29.4 Imunopatologia da colite ulcerativa. O defeito na imunidade inata mediada por polimorfismos
genéticos nos recep-tores Toll-like (TLR) estão fortemente relacionados à fisiopatologia da colite ulcerativa. A participação
dos TLRs na apresentação de antígenos pelos colonócitos é alterada devido à expressão aumentada de TLR2 e TLR4 nessas
células. Sob essas condições, a ativação dos TLRs desencadeia uma cascata de eventos inflamatórios descompensados que
Reinaldo Barreto Oriá 803
resulta na ativação de células den-dríticas residentes na mucosa, que logo após ativadas, estimulam linfócitos da via Th2 a
produzir auto-anticorpos como o pANCA (anticorpo anticitoplasma perinuclear citoplasmático) que reconhecem antígenos
nucleares e podem desencadear respostas autoimunes contra as células epiteliais do cólon. As células NK presentes no cólon
produzem grandes quantidades de IL-13 e contribuem para a fisiopatologia da doença mediando a citotoxicidade, apoptose
e disfunção da barreira epitelial. Este me-canismo envolve glicolípidos oriundos das células epiteliais ou das bactérias, que
induzem o aumento da expressão do receptor α2 para IL-13 (IL-13/α2) nas células NK. A ação autócrina da IL-13 ativa as
células NK, que se expandem criando um ciclo de retroalimentação positiva que amplifica os efeitos citotóxicos da IL-13 sobre
os colonócitos. A resposta autoimune e a ação das células NK contra os colonócitos rompe a barreira epitelial permitindo o
contato direto dos micro-organismos com a camada mucosa do colón. Neste ambiente, o elevado número de micro-organis-
mos e seus produtos amplifica a resposta imune via receptores TLRs, principalmente o TLR4, aumentando o recrutamento de
células efetoras, como neutrófilos, o que pode agravar as lesões e a formação de úlceras no colón características da doença.
Este contato também pode estimular as células dendríticas e macrófagos, resultando na produção de citocinas pró-inflamató-
rias (IL-1, IL-6 e TNF-α) e quimiocinas. Neste contexto, as células epiteliais quando ativadas pela IL-1β secretam o Peptídeo
Epitelial Ativador de Neutrófilos (ENA-78), IL-8, assim como a proteína quimiotática de monócitos (MCP-1), a qual atrai e
ativa os macrófagos que, por sua vez, recruta células T efetoras via RANTES. A imunidade adaptativa na colite ulcerativa é
caracterizada por um grande aumento numérico de células Th2 produtoras de IL-5 e IL-13 nos tecidos. A IL-13 produzida
pelas células Th2 estimula apoptose dos colonócitos enquanto que a IL-5 é responsável pelo recrutamento de eosinófilos
para o local. Além disso, variantes genéticas, redução da expressão do receptor ativado por proliferador de peroxissomo - γ
(PPAR-γ), anormalidades na produção de muco e na atividade das células Treg também podem contribuir para patogênese
de Colite ulcerativa. (Figura adaptada de Danese e Fiocchi,2011).
tras células T efetoras. Por outro lado, na colite ulcerativa tem sido evidenciado que
o número de células Treg está drasticamente diminuído. Esta condição reete a pre-
valência da resposta inamatória exacerbada característica da doença (Figura 29.4).
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30.1 INTRODUCTION
Diarrhea is one of the most common complaints of patients seeking medical
attention. It is commonly described as increased liquidity or decreased consisten-
cy (“loose or watery”) of stool1, 2. Other authors have dened diarrhea in terms of
increased in stool frequency or fecal weight but in general, increased in defecation
alone is not regarded as diarrhea and patients may have loose or watery stool
with normal weight. The differential diagnosis for diarrhea is broad and the basic
mechanism involved depends on the underlying etiologic cause. Understanding
810 Sistema digestório: integração básico-clínica
Thus, increased in ion transport towards the luminal side (secretion) or decreased
movement of ion or solutes towards the basal side (absorption) of the epithelium
increases water content of the stool. Infectious agents mediate diarrhea either by
release of toxins that alter transport across ion channels, by directly modifying
the structure and function of the absorptive microvilli or compromising the integ-
rity of the epithelial barrier5.
nisms. Substance P may directly activate epithelial cells and induce Cl- secretion.
Of note, CT-induced secretion has also been additionally attributed to release
of prostaglandins16.
Figure 30.1 Increased Ion Secretion. Under physiologic condition, the movement of chloride (Cl-) across the
apical cell is generated by the intracellular resting negative potential from the activity of ion transport channels at the basola-
teral membrane53. Cyclic AMP and calcium (Ca2+) are the main signaling molecules that activate the chloride channels, cystic
fibrosis transmembrane regulator (CFTR) and Ca2+ dependent chloride channel (CaCC). Any condition that causes elevated
cAMP or Ca2+ may potentially augment Cl- secretion, which is followed by Na+ secretion with the osmotic gradient generated
pulling water towards the lumen.
Reinaldo Barreto Oriá 813
Figure 30.2 Decreased Ion or Solute Absorption. The apical surface of the enterocytes has ion channels that mediate
transport of ions and water. Conditions that cause effacement or disruption of the microvilli can lead to displacement of these
channels, decreasing the absorption, thereby increasing intraluminal solute and water content.
814 Sistema digestório: integração básico-clínica
Case 2. A 70 year old lady was brought to the emergency room with low
grade fever and confusion. She has a recent history of urinary tract infection for
which she was treated with a week-long course of antibiotics. During examina-
tion, she was noted to have decreased bowel sounds. She grimaced upon palpation
of her left lower abdomen. Stool sample was reported to be positive for WBCs.
Injury to the epithelial barrier, cell death and recruitment of inammatory
cells are the pathohistologic hallmarks of inammatory diarrhea. These changes
can be due to direct invation of the enterocytes by bacteria or by the internalization
of bacterial toxins or products that affect the cytoskeleton, incite an inammatory
cascade and induce apoptosis (Figure 30.3). The increased permeability leads to
transport of ions, solutes, water, bacteria and toxins across the epithelium. Local
and systemic inammatory reactions are elicited. Stool becomes positive for leu-
kocytes or even blood, in some cases. The patient may have abdominal pain from
the inamed intestines, increased WBC in the blood (leukocytosis) and fever.
Reinaldo Barreto Oriá 815
Figure 30.3 Destruction of the epithelium by pathogens or their products. Bacteria gain entrance into the
mucosa via “M cells” which are specialized cells overlying immune cells like macrophages. Other bacteria secrete cytotoxins
which disrupt the cytoskeleton, loosen tight junctions and induce apoptosis. The leaky epithelium facilitate ion and water
secretion and importantly, access of the bacteria and their products to the immune cells in the lamina propia, furthering local
inflammation and injury and systemic spread.
junctions, and motility of the intestinal tract can lead to diarrhea. Furthermore,
any one factor or pathogen may attack more than one aspect of gut physiology to
synergistically lead to diarrhea.
30.5 DRUGS
The gastrointestinal mucosa is intimately associated with a local community
of diverse organisms (intestinal microbiota). The mucosa continuously sample
the contents of the intestinal lumen and mount local defenses to conne the mi-
crobiota to the gut36. These enteric organisms not only compete against coloniza-
tion with potentially damaging pathogen, such as C. difcile, but also modulate
the development and response of epithelial immune system37, 38. Antibiotics, can
cause diarrhea by alteration of the intestinal microbial ora, thereby, disturbing
the symbiotic relationship between the host cells and commensal organisms. Al-
though C. difcile is the most common known cause of antibiotic-associated diar-
rhea (AAD), it only accounts for 20-30% of the cases. It is possible that there are
other pathogens causing AAD and that the microbial disruption itself may cause
physiological disturbances in the intestinal mucosa leading to diarrhea.
Drugs can cause diarrhea by other various mechanisms39. Osmotic diarrhea is
caused by non-absorbable solutes that are trapped in the lumen. Magnesium-con-
taining antacids and laxatives are examples. However, prostaglandin E2 has also
been noted to be increased in the stool during Mg intake40. Carbohydrate-induced
diarrhea from lactulose (used for constipation and hepatic encephalopathy), fruc-
tose (from fruit juices), sorbitol and mannitol (from sugar-free candies) may also
occur. Hypertonic enteral feeding will, likewise, cause osmotic diarrhea. The anti-
diabetic medication-acarbose, is an example of alpha-glucosidase inhibitors that
prevent the breakdown of carbohydrates into monosaccharides and is associated
with the development of diarrhea in up to 30% of patients41. The colonic bacteria
break down undigested starch to butyrate, which in turn upregulates PGE242.
Similar to enteric pathogens and toxins, some drugs may also cause secre-
tory diarrhea by altering ion or solute transport. Digoxin, by inhibiting the car-
diac Na+K+-ATPase pump may also inhibit, often at supratherapeutic level, the
same ion channel in the intestinal mucosa41. The azo compound-olsalazine, and
perhaps, similar to sulfasalazine and mesalazine, which is used for inammatory
bowel disease, may cause diarrhea by stimulation of the HCO3- and Cl- secretion
in the ileum43. Theophylline, a phosphodiesterase inhibitor, and misoprostol, a
prostaglandin analogue, cause diarrhea by increasing cAMP levels, thereby, ope-
ning Cl- channels and enhancing secretion. Prostaglandins also induce diarrhea
818 Sistema digestório: integração básico-clínica
served in irritable bowel syndrome is still unclear although low grade intestinal
inammation as evidenced by increased T-lymphocytes and mast cells has been
recently implicated50.
Endocrinopathies, such as diabetes and hyperthyroidism, can also manifest
as diarrhea. Autonomic neuropathy in diabetes mellitus can affect the gastro-in-
testinal tract causing disordered motility51. Increased thyroid hormone levels in
thyrotoxicosis, similar to intake of excess levothyroxine, can cause increased in-
testinal motility. Neuroendocrine neoplasias like gastrinoma, VIPoma, mastocy-
tosis, carcinoid syndrome and medullary carcinoma of the thyroid all can cause
diarrhea by their local effects in the gut as well. Sepsis and septic shock are often
complicated by diarrhea. Decreased intestinal perfusion, hypoalbuminemia and
cellular derangements; parenteral or enteral feedings; and drugs administered are
all contributing factors to the development of increased secretion, malabsorption
or increased gut motility.
Local intestinal and systemic diseases may also result to small intestinal bac-
terial overgrowth (SIBO). SIBO is dened as an increased in the number of bacte-
ria in the upper intestinal tract. Achlorhydria, pancreatic insufciency, immuno-
deciency syndromes, anatomical abnormalities in the small intestines whether
from local disease or surgical procedures, and motility disorders all can lead to
SIBO52. Production of bacterial toxic agents including ammonia, D-lactate, etha-
nol or peptidoglycans, have been implicated in the pathogenesis. Induction of mu-
cosal inammation, ulceration and villous atrophy has been observed in patients
with SIBO.
30.7 SUMMARY
The mechanisms involved in the development of diarrhea depend on the etio-
logic causes, which could be multi-factorial (Figure 30.4). Often, disturbances in
the enteric or systemic immune, endocrine and/or nervous systems causing either
or a combination of net increased in ion/solute secretion, decreased absorption
of ion/solute or nutrients, dysregulated motility and/or alteration of the intestinal
microbiome can lead to diarrhea. Understanding the specic mechanisms and
addressing the underlying causes are key to the control of diarrhea.
820 Sistema digestório: integração básico-clínica
Figure 30.4 Local and systemic factors contribute to the development of diarrhea. The intestinal tract is a delicate
balance of epithelial, immune, enteric, and muscular function and mucosal commensal flora which are, in turn, affected by
local intestinal and systemic health and exogenous factors like drugs and diet. Any perturbation of this balance may cause
diarrhea.
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Reinaldo Barreto Oriá 825
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Eduardo Ferrioli
31.1 INTRODUÇÃO
Até recentemente, o envelhecimento do trato gastrointestinal era estudado do
ponto de vista morfo-funcional e isoladamente. Desta maneira, alterações associa-
das ao envelhecimento da musculatura lisa, do plexo mio-entérico e da produção
de enzimas e outras secreções seriam responsáveis por alterações pouco expressi-
vas da motilidade e da função do trato digestório. Hoje, com a visão mais ampla
da integração de sistemas siológicos observa-se que, além dessas alterações mais
evidentes, o envelhecimento do trato gastrointestinal é vinculado ao surgimento
de sintomas em outras esferas, como a anorexia do envelhecimento, a hipotensão
pós-prandial, o desenvolvimento de hipovitaminose B e outras condições. Neste
capítulo, pretendemos descrever as alterações relacionadas à idade mais importan-
tes de cada segmento do trato digestório e mostrar as novas perspectivas que os
estudos acerca desse campo de estudo rico e importante vêm indicando.
31.2 BOCA
31.3 ESÔFAGO
O envelhecimento do esôfago foi consideravelmente estudado, especialmente
nos anos de 1980. Sua estrutura é composta por musculatura estriada em seu
terço proximal e lisa em seus dois terços distais, sendo que os movimentos de con-
trações peristálticas que promovem seu esvaziamento são coordenados por iner-
vações intrínsecas e extrínsecas, vias neurais e núcleos do sistema nervoso central.
Alterações da musculatura e da sua inervação foram descritas, com a ocor-
rência mais frequente de contrações não peristálticas, relaxamento incompleto
do esfíncter inferior do esôfago e contrações terciárias, que compreenderiam as
alterações denominadas como presbiesôfago. Também em estudos realizados na
FMRP, observamos alterações importantes da motilidade e do esvaziamento eso-
fágico em idosos saudáveis e assintomáticos. É importante salientar que essas al-
terações, incluindo a permanência do alimento no esôfago por tempo prolongado,
não eram acompanhadas da sensação de disfagia ou de quaisquer outros sinto-
mas, o que indica que alterações da motilidade, isoladas, não devem ser utilizadas
para justicar queixas clínicas evidentes.
Por meio de método cintilográco, observamos ainda que alimentos reuí-
dos para o esôfago permanecem por tempo mais longo neste órgão, até a limpeza
ecaz, que em jovens controles. Isso implica em que materiais reuídos, incluindo
medicamentos e ácido, permanecem por tempo mais prolongado em contato com
a mucosa esofágica, aumentando o risco de lesões e de aspiração. A aplicação
830 Sistema digestório: integração básico-clínica
31.4 ESTÔMAGO
Com o envelhecimento, observa-se moderada elevação do tempo de esva-
ziamento gástrico (principalmente para líquidos), porém este fenômeno ainda é
controverso, podendo prejudicar a absorção de medicamentos dependentes da
exposição prolongada ao meio ácido (ex: cetoconazol, uconazol, tetraciclinas
e a indometacina).
Em relação à secreção ácida, estudos mais recentes consideram que a sua re-
dução, quando intensa, decorre de uma manifestação inicial de gastrite atróca, e
que a mesma não ocorre em idosos saudáveis. Reduções de leves a moderadas, no
entanto, podem ocorrer, associadas ao envelhecimento. Como resultado, podem
suceder duas conseqüências: sobrecrescimento bacteriano no trato proximal do
Reinaldo Barreto Oriá 831
31.5 PÂNCREAS
31.6 FÍGADO
31.8 CÓLON
31.11 CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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