Boletim N° 260 - CAO Crim - MPSP
Boletim N° 260 - CAO Crim - MPSP
Boletim N° 260 - CAO Crim - MPSP
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Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Assessores
Fernanda Priscilla Bergamaschi Moretti Iassuoka
Fabiola Sucasas Negrão Covas (Núcleo de Gênero)
Vanessa Therezinha Sousa de Almeida (descentralizada- Núcleo de Gênero)
Mariana Ueshiba da Cruz Gouveia (descentralizada- Núcleo de Gênero)
Márcio Friggi
Paulo José de Palma (Coordenador do Núcleo de Execuções Criminais)
Marcelo Orlando Mendes (descentralizado-Assessor-Núcleo de Execuções)
Olavo Evangelista Pezzotti (descentralizado para Tribunais Superiores)
Ricardo Silvares (Tribunais Superiores)
Eduardo Caetano Querobim (descentralizado)
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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024
Colaborador do Boletim
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina
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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024
SUMÁRIO
SUMÁRIO .................................................................................................................................4
1.Tema: Tráfico de drogas. Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Ausência de apreensão da substância
entorpecente. Comprovação da materialidade delitiva por meio de outros elementos de prova.
Impossibilidade. .................................................................................................................................9
1.Tema: Arquivamento de inquérito policial por entender tratar-se de crime de estelionato estando
ausente representação da vítima. Não homologação do juízo. ......................................................... 26
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Avisos
STJ- Processo: REsp 1.986.672-SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por
maioria, julgado em 8/11/2023, DJe 21/11/2023.
Em situações envolvendo dano moral presumido (in re ipsa), a definição de um valor mínimo
para a reparação dos danos (i) não exige instrução probatória específica, (ii) requer um pedido
expresso e (iii) a indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade ou não de indicação objetiva do valor da
indenização na peça acusatória e de instrução específica para fixação do valor mínimo para
reparação dos danos morais, previsto no art. 387, inciso IV do CPP, quando se tratar de crime
de estelionato, o qual resultou em inclusão do nome da vítima em serviço de proteção de
crédito.
O sistema legal brasileiro voltado ao processo tem recentemente buscado aprimorar a garantia
fundamental do contraditório, impondo requisitos mais rigorosos tanto aos tribunais quanto às
partes envolvidas, visando a promover um debate profissional.
Nesse contexto, deve ser destacado que, no âmbito do CPC/2015, mesmo nos cenários em que
se presume o dano moral, como no presente caso originado de um delito de estelionato no qual
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Outrossim, a atuação do juiz de forma oficiosa é desencorajada, visto que violaria o princípio de
congruência, presente no art. 492 do CPC, entre o que é pedido e o que é decidido, contrariando
a abordagem processual de não inclusão do valor pretendido na inicial. Isso contraria, aliás, a
própria natureza do sistema acusatório (agora expressamente declarada no art. 3º-A do CPP),
por na prática exigir que o juiz defina ele próprio um valor, sem indicação das partes. Tal
situação poderia levar a decisões definitivas sobre questões não abordadas no processo,
privando o réu da oportunidade de se manifestar a respeito do valor da indenização.
Observe-se que a construção dessa interpretação está respaldada pelo art. 3º do CPP, o qual,
claramente, estabelece a viabilidade da utilização suplementar do CPC. Tal dispositivo dispõe
que a lei processual penal admite interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o
suplemento dos princípios gerais de direito.
Dessa forma, em situações envolvendo dano moral presumido, a definição de um valor mínimo
para a reparação dos danos, embora não exija instrução probatória específica, requer pedido
expresso e indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS
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Direito Processual Penal
Informativo 801-STJ
A apreensão e perícia da substância entorpecente é imprescindível para a comprovação da
materialidade do crime de tráfico de drogas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Tribunal de origem assentou que não houve a apreensão de entorpecentes com os acusados,
inexistindo, consequentemente, o laudo de exame toxicológico, definitivo ou preliminar, a
comprovar a materialidade do delito de tráfico de drogas.
Acerca da matéria, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do HC 350.996/RJ, DJe de 29/8/2016,
reconheceu que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da
materialidade dos delitos envolvendo entorpecentes, sem o qual é forçosa a absolvição do
acusado, admitindo-se, no entanto, em situações excepcionais, a possibilidade de
demonstração da materialidade do crime de tráfico de drogas por laudo de constatação
provisório, desde que tal documento permita grau de certeza idêntico ao do laudo definitivo e
haja sido elaborado por perito oficial, em procedimento e conclusões equivalentes.
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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024
Nessa toada, por ocasião da apreciação do EREsp 1.544.057/RJ, DJe de 9/11/2016, a Terceira
Seção uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico definitivo implica
a absolvição do acusado, por falta de provas da materialidade delitiva, não podendo essa ser
confundida com mera nulidade. Na oportunidade, foi ressalvada a possibilidade de se manter o
édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva estiver amparada em laudo
preliminar, dotado de certeza idêntica à do definitivo, certificado por perito oficial e em
procedimento equivalente, que possa atestar, com certo grau de certeza, a existência dos
elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga, nos termos previstos
na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
Pelo que se infere dos referidos precedentes, em um ou outro caso, ou seja, com laudo
toxicológico definitivo ou, de forma excepcionalíssima, com laudo de constatação provisório, a
apreensão de drogas se revela imprescindível para a condenação do acusado pela prática do
crime de tráfico de drogas, não se prestando os demais elementos de prova, por si sós, ainda
que em conjunto, à comprovação da materialidade do delito. Tal entendimento foi
recentemente consolidado pela Terceira Seção desta Corte Superior, na apreciação do HC
686.312/MS, DJe de 19/4/2023, oportunidade em que se assentou que, "para a perfectibilização
do tipo previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 [...] é necessário que a substância seja
efetivamente apreendida e periciada, para que se possa identificar, com grau de certeza, qual
é o tipo de substância ou produto e se ela(e) efetivamente encontra-se prevista(o) na Portaria
n. 344/1998 da Anvisa".
No caso, embora as provas oriundas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas
e a prova oral tenham evidenciado que os ora recorridos supostamente adquiriam, vendiam e
ofereciam "drogas" a terceiros, não havia mesmo como subsistir, como entendeu o Tribunal a
quo, a condenação pela prática do delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, na
medida em que, em nenhum momento, houve a apreensão de qualquer substância
entorpecente em poder dos corréus ou de terceiros não identificados.
Processo:REsp 2.107.251-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 26/2/2024.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
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Quando se alterou a redação do art. 366 do CPP, firmou-se um entendimento inicial no sentido
de que a prisão preventiva seria sempre cabível a partir da suspensão do processo. Afinal,
tratando-se de um réu que se encontra foragido, que foi, bem por isso, citado por edital porque
inviável seu chamamento in facien, restaria apenas decretar-lhe a prisão, como forma,
inclusive, de obter-se sua localização a fim de propiciar a retomada do curso do processo. Esse
entendimento mereceu o prestígio do Superior Tribunal de Justiça (HC n. 6789-SP).
Passado esse primeiro momento e com o amadurecimento das interpretações, o entendimento
que hoje prevalece é no sentido de que a decretação da prisão preventiva dependerá da análise
concreta, frente ao caso em exame, da presença dos requisitos e pressupostos que justifiquem
essa medida extrema. Em outras palavras: o fato, por si só, de ter sido o réu citado por edital
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Direito Penal
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COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Já se ensina que o §2º do art. 28-A do CPP traz um rol de pressupostos negativos do acordo.
Entre eles, condições pessoais do investigado podem servir de impedimento para o ajuste
(investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal
habitual, reiterada ou profissional).
Alerta-se que a vedação mira o criminoso habitual, que não se confunde com crime habitual.
Criminoso habitual faz do crime sua atividade, seu meio de vida. Já o crime habitual revela
delito que demanda, para sua tipificação, reiteração de atos, como acontece, por exemplo, com
o crime de perseguição (art. 147-A do CP).
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1.Tema: Execução da pena privativa de liberdade. Pessoa transgênero.
Estabelecimento prisional adequado. Liberdade sexual e de gênero. Princípio da
igualdade material. Presídio feminino com estrutura para receber mulher
transgênero. Escolha da pessoa presa.
Informativo 801-STJ
É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da
preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na
unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A determinação do local do cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício
de livre discricionariedade do julgador, mas sim uma análise substancial das circunstâncias que
tem por objeto resguardar a liberdade sexual e de gênero, a integridade física e a vida das
pessoas transgênero presas, haja vista que o art. 7° da Resolução CNJ n. 348/2020 determina
que a referida decisão "será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa".
Dessa forma, o órgão estatal judicial responsável pelo acompanhamento da execução da pena
não deve ter por objeto resguardar supostos constrangimentos das agentes carcerárias, pois,
para isso, o Estado tem outros órgãos e outros instrumentos, que, inclusive, utilizam a força e
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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024
a violência; e, por isso, é objetivo do Judiciário resguardar a vida e a integridade físicas das
pessoas presas, respeitando a diversidade de gênero e a liberdade sexual.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, em razão da diversidade de gênero e da igualdade
material, havia concedido medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 527, para que pessoas presas transexuais e travestis com identidade de
gênero feminino possam escolher cumprir a pena em estabelecimentos prisionais femininos ou
masculinos. Assim também determina o art. 8° da Resolução CNJ n. 348/2020.
Portanto, é dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual
acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver,
e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas
específicas.
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Núcleo de Gênero
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Boletim Criminal COMENTADO – n° 260-Março-2024
(...) Há, no writ, informação de que o paciente teria descumprido as medidas protetivas de
urgência, pois "o histórico de perseguição se remonta ao ano de 2021, insistindo o Custodiado
em perseguir a ofendida, indo até Galinhos, onde fora capturado por novamente infringir
ordem judicial, consistente em se aproximar e manter contato (envio de mensagem), daí
sobressaindo sua periculosidade." Face a tais elementos, não há razões para a concessão da
ordem pleiteada. Em casos de violência doméstica e familiar, o simples descumprimento de
uma determinação judicial é suficiente para gerar, na vítima, temor, medo e caracterizar, em
tese, o crime previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006. Não é relevante, portanto, no
momento da decretação de medidas de natureza cautelar especialmente previstas naquela
legislação, o conteúdo de mensagens ou os motivos de aproximação para além do permitido
pela decisão judicial, uma vez que o ato, por si só, é danoso e demonstra aparente falta de
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1 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.
Área Técnica de Saúde da Mulher. Atenção Humanizada ao Abortamento: norma técnica/Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas – Brasília: Ministério da Saúde,
2005.
2 G1. Ministério da Saúde suspende nota técnica que derrubava orientação do governo Bolsonaro sobre aborto
legal: recomendação do governo Bolsonaro era de que o aborto legal fosse feito até 21 semanas e 6 dias de gestação.
Nota técnica da atual gestão retirava essa orientação de prazo e reforçava que serviço de saúde deveria oferecer o
atendimento sem impor qualquer limitação além das previstas na Constituição. 29 fev. 2024. Disponível em:
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Há que se ressaltar que a resistência expressa pelo texto mencionado, já que 67,4% das
vítimas de crimes sexuais não tiveram acesso ao abortamento legal e seguro e o abortamento
inseguro decorre de restrições legais, ambientais e administrativas, de políticas impeditivas ao
acesso a serviços existentes, de dificuldades dos profissionais com atitude na aceitação ao
abortamento3 e do repasse de responsabilidade pelo abortamento4. A não aceitação de
abortamento a depender da idade gestacional encontrou eco inclusive no Judiciário5, já tendo
o Superior Tribunal de Justiça em caso de criança vítima de estupro não autorizado a
https://g1.globo.com/saude/noticia/2024/02/29/ministerio-da-saude-nota-tecnica-aborto-legal.ghtml. Acesso em
03 mar. 2024.
3Para se ter dimensão do obstáculo que a objeção representação ao acesso ao serviço de abortamento deve-se
considerar que pesquisas concluíram que 40% de médicos ginecologistas e obstetras manifestam intenção de
auxiliar pacientes que desejam realizá-lo, mas somente 2% deles efetivamente fariam o abortamento (FAÚNDES,
Anibal; SHAH, Iqbal H. Evidence supporting broader access to safe legal abortion. International Journal of
Gynecology and Obstetrics. 131 (2015), S56-S59).
4 BLAKE, Marcia de Toledo; et al. Factors associated to late-term abortion after rape: literature review. Reprodução
& Climatério. 2014; 29(2): 60-65.
5BRASIL 247. Juíza nega aborto legal para menina vítima de estupro e teria exposto sentença no WhatsApp:
após sofrer perseguição de assistentes sociais e ter o aborto negado na Justiça, adolescente vítima de estupro
precisou recorrer ao MP para acessar direito. 22 set. 2021. Disponível em: <https://www.brasil247.com/geral/juiza-
nega-aborto-legal-para-menina-vitima-de-estupro-e-teria-exposto-sentenca-no-whatsapp>. Acesso em: 24 nov.
2021.
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6 HABEAS CORPUS. AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. ABORTO NECESSÁRI 6O. NÃO
COMPROVAÇÃO DE RISCO DE MORTE À GESTANTE. ABORTO HUMANITÁRIO. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO
A ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OCORRÊNCIA. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.
VULNERABILIDADE. TEMPO DE GESTAÇÃO AVANÇADO. ORDEM DENEGADA.
1. O pedido de interrupção da gravidez está alicerçado nas complicações geradas à saúde da jovem e na configuração
do ato análogo ao estupro de vulnerável, dado presunção absoluta de violência.
2. Conquanto haja a defesa da jovem, não há documento assinado por profissional da saúde por profissional da saúde
que demonstre o iminente risco de morte. Infirmar a conclusão alcançada pela Corte de origem demandaria
necessária dilação probatória, iniciativa inviável no âmbito desta ação constitucional.
3. Em que pese o caráter limítrofe da situação apresentada – um casal de namorados, ela com 13 e ele com 14 anos
de idade, que, em decorrência de ato sexual consentido, enfrenta o peso de uma gravidez não desejada -, a rigor, se
trata de caso de ato análogo a estupro de vulnerável (Art. 217-A, do Código Penal).
4. Acerca da configuração do delito em situações como a dos autos (na espécie, ato infracional análogo), por força
do recente julgamento do REsp repetitivo n. 1.480. 881/PI, de minha relatoria, a Terceira Seção desta Corte Superior
sedimentou a jurisprudência, então já dominante, pela presunção absoluta da violência em casos da prática de
conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos.
5. A vulnerabilidade da vítima é o elemento definidor para a caracterização do delito, de modo que o fato de ser o
agente ainda um adolescente não exclui a ocorrência do ato infracional. Configurada a presunção de violência, houve
ato infracional análogo ao caso de estupro de vulnerável (art. 217-A, do Código Penal), circunstância que, por si só,
permitiria a autorização do procedimento.
6. A gravidez encontra-se, aproximadamente, na trigésima primeira semana, de modo que, a esta altura, uma
intervenção médica destinada à retirada do feto do útero materno pode representar riscos maiores tanto à vida da
paciente quanto à da criança em gestação.
7. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC 359.733/RS, Rel. Min. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, j. em
23.08.2016, DJe 19.09.2016)
7 GONZAGA, Vanessa. Aborto de Criança de 10 anos ocorre em segurança após expulsão de extremistas. Brasil de
Fato. 16 ago. 2020. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/08/16/aborto-legal-de-crianca-de-10-
anos-ocorre-em-seguranca-apos-a-expulsao-de-extremistas>. Acesso em: 24 nov. 2021.
8BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS. Disponível em:
https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/docs/1709209133_sei-ms-0038246948-nota-te-cnica-
conjunta.pdf. Acesso em 03 mar. 2024.
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cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços, sem imposição de qualquer limitação
e/ou discriminação, senão as impostas pela Constituição, pela lei, por decisões judiciais e
orientações cientificas internacionalmente reconhecidas9.
Foi ela ainda mais longe ao ressaltar que a restrição para a realização do aborto nas
condições previstas em lei por meio de normas infralegais como é o caso da Nota Técnica, sob a
justificativa da viabilidade de vida extrauterina, ofende o artigo 128 do Código Penal e a decisão
proferida pelo STF na ADPF n. 54/DF, pois estes não estabelecem prazo para o exercício do direito.
No plano da Constituição Federal ofende os artigos 1º, III, 3º, IV e também o ar go 5º, II, segundo o
qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” 10.
Ademais, frisou que a Nota Técnica nº 44 vulnerabiliza meninas e mulheres que precisam acessar
os serviços de aborto legal no país e traz insegurança aos profissionais de saúde que prestam este
cuidado, gerando uma atmosfera de medo e intimidação, além de induzir os profissionais à
realização de práticas obsoletas, superadas pelas evidências científicas violando, com isso, o
direito à saúde das mulheres (crianças, adolescentes e adultas) que necessitam do amplo apoio dos
profissionais e serviços de saúde em todo o território nacional11.
A nota técnica nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS veio para adequar a normativa do
Ministério da Justiça aos demais marcos normativos, em especial porque já se defendia que as
normativas brasileiras do Ministério da Saúde sobre o abortamento legal e a idade gestacional
estavam desatualizadas no que tange ao conceito de aborto induzido e às possibilidades médicas
para sua realização, independentemente da idade gestacional e viabilidade fetal12.
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pelo ordenamento jurídico pátrio. Ignorou que ela representava buscava apenas adequar as
normas do Ministério da Saúde à Constituição, ao Código Penal, às normativas internacionais
e à jurisprudência tanto dos Tribunais Superiores como dos órgãos internacionais e não
obstáculos indevidos de acesso ao abortamento legal.
Sabe-se que os direitos humanos estão em disputa como menciona Baxi20 e a contribui
para que mulheres, crianças e adolescentes não tenham seus direitos respeitados, já que
mantém a normativa anterior que restringe o acesso ao abortamento legal e, com isso, viola a
dignidade da gestante, além dos dispositivos mencionados acima, além de configurar incentivo
para que elas se vejam em situação de risco ao buscar alternativas inseguras para interrupção
da gravidez21. Não é por outra razão que Monteiro recomendou que o Ministério Público
atuasse para estruturação de serviços de referência para realização de abortos nas hipóteses
legais de admissibilidade, inclusive para os casos de idade gestacional avançada22.
aborto/#:~:text=A%20ministra%20da%20Sa%C3%BAde%2C%20N%C3%ADsia,e%20nem%20pela%20consultori
a%20jur%C3%ADdica%E2%80%9D. Acesso em 03 mar. 2024.
20 BAXI, Upendra. Politics of reading human rights: inclusion and exclusion within the production of human rights.
In: MECKLED-GARCIA, Saladi; ÇALI, Basak (Orgs.). The legalization of human rights: multidisciplinary perspectives
on human rights and human rights law. Nova Iorque: Routledge, 2006. 202 p. p. 182-200.
21 MONTEIRO, Mirella de Carvalho Bauzys. A política pública de garantia do direito ao aborto legal em gravidez
decorrente de estupro: a inapropriada limitação da idade gestacional e a atuação do Ministério Público. In: Marcon,
Chimelly Louise de Resenes (org). A Defesa dos direitos humanos na visão das mulheres do Ministério Público. V.
II. João Pessoa: Editora Porta, 2023, p. 622-643.
22 MONTEIRO, Mirella de Carvalho Bauzys. A política pública de garantia do direito ao aborto legal em gravidez
decorrente de estupro: a inapropriada limitação da idade gestacional e a atuação do Ministério Público. In: Marcon,
Chimelly Louise de Resenes (org). A Defesa dos direitos humanos na visão das mulheres do Ministério Público. V.
II. João Pessoa: Editora Porta, 2023, p. 622-643.
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MPSP: decisões do setor art. 28 do CPP
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Q declarou que, no dia 24/09/2022, recebeu uma notificação em seu celular que havia
recebido um PIX, no valor de R$ 1.900,00. Logo após, entrou no aplicativo de seu banco, pelo
celular, porém constatou que sua conta estava bloqueada. Pensou que poderia ser o dinheiro
da venda de um celular Iphone 12 Promax, que realizou também no valor de R$1.900,00. Devido
ao bloqueio da conta, não realizou nenhuma transferência ou sacou o dinheiro. Sua conta
permaneceu bloqueada e não tem mais acesso a ela. (fl. 07).
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Observa-se no presente caso que a vítima não entregou valores de forma consciente ao
eventual autor do delito. Conforme se apurou, a vítima se surpreendeu com a retirada indevida
de valores de sua conta corrente no Banco Bradesco.
Com efeito, os elementos até agora coletados indicam que o ofendido não foi induzido
em erro mediante ardil ou meio fraudulento, mas sim teve sua a conta acessada,
indevidamente, e subtraídos valores, mediante fraude - sem autorização.
Diante de tal quadro, pode-se asseverar que houve furto qualificado pela fraude (e não
estelionato), pois se cuida de subtração de quantia atrelada a conta corrente, realizada por
meio fraudulento, sem a anuência do titular da conta.
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Nesse sentido, inicialmente ela informou que emprestou sua conta para um amigo sem
prestar maiores informações (fls. 06) e, quando ouvida em declarações, alterou a versão e
informou que imaginou que o dinheiro recebido em sua conta fosse referente a um celular
vendido (fls. 07).
De qualquer modo, restou evidenciado que, quando o agente realizou a subtração dos
valores da conta da vítima, ele já sabia para onde o numerário deveria ser transferido,
evidenciando-se que Q estava ciente e, portanto, concorrendo para prática delitiva.
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Diante do exposto, designa-se outro Promotor de Justiça para oficiar nos autos,
analisando o eventual cabimento de medidas despenalizadoras ou oferecer denúncia e
prosseguir nos ulteriores termos da ação penal, facultada a observação do disposto no art. 4-A
da Resolução n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pela
Resolução n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
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