Boletim N° 090
Boletim N° 090
Boletim N° 090
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020
SUMÁRIO
SUMÁRIO .................................................................................................................................. 2
ESTUDOS DO CAOCRIM .............................................................................................................. 3
1- Tema: Execução penal provisória no Tribunal do Júri (artigo escrito pelo Procurador-Geral de
Justiça em coautoria com dois PGJs). .................................................................................................... 3
3 -Tema: Sentenciados em meio aberto - Recom n.º 62/20 CNJ e Ofício n.º 559 DMF-CNJ ............... 15
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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020
ESTUDOS DO CAOCRIM
1- Tema: Execução penal provisória no Tribunal do Júri (artigo escrito pelo procurador-geral de
Justiça em coautoria com dois PGJs).
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga de forma virtual um caso de feminicídio ocorrido em Santa
Catarina que pode mudar o entendimento sobre a prisão de condenados pelo Tribunal do Júri em
todo o País.
Historicamente, sempre houve um grande confronto entre o principio da soberania dos veredictos
e o princípio da não culpabilidade antecipada.
O princípio da proporcionalidade é operado por meio da verificação, pelo Juiz, de determinado caso
concreto, no qual surja o conflito de dois interesses juridicamente protegidos. Em caso afirmativo,
deverão esses interesses, postos em causa, ser pesados e ponderados. A partir daí estabelecer-se-
ão os limites de atuação das normas, na verificação do interesse predominante. Desse modo, o
magistrado, mediante minuciosa valoração dos interesses, decidirá em que medida deve-se fazer
prevalecer um ou outro interesse, impondo as restrições necessárias ao resguardo de outros bens
jurídicos.
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Realmente, com frequência, o julgador depara-se com dilemas em que a solução de um problema
processual implica o sacrifício de um valor conflitante com outro, não obstante ambos tenham
proteção legal. Nesse caso, devemos valorar os princípios em conflito, estabelecendo, em cada
caso, que direito ou prerrogativa deve prevalecer. Na solução do conflito é preciso desvendar o
seguinte paradigma: se quaisquer das soluções afrontarão direitos, qual a solução menos injusta,
ou seja, qual a solução que, dentro das desvantagens, apresentará mais vantagem à solução do
litígio, de modo a dar-se a solução concreta mais justa?
Para Robert Alexy, o “caminho do constitucionalismo discursivo, que começa com os direitos
fundamentais e segue com a ponderação, o discurso e a jurisdição constitucional terminará com
uma ilusão, na qual a legitimação de qualquer coisa é possível”.
Sua formulação estrutural é sintetizada pela lei da ponderação, segundo a qual “quanto maior for o
grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da
satisfação do outro”.
A lei da ponderação, portanto, é uma estrutura racional concebida para estabelecer a correção, ou
valoração, do juízo jurídico de um discurso, o que significa dizer que a ponderação é uma forma de
argumentação própria do constitucionalismo discursivo, instrumentalizada em torno da máxima da
proporcionalidade.
E ainda que a ponderação não possa ser tida por si mesma como um modelo suscetível de conduzir
o intérprete à melhor decisão em todos os casos, o modelo da ponderação como um todo, ao
associar a lei da colisão à teoria da argumentação jurídica, pode ser aceito como um modelo
discursivo confiável, em cuja essência consiste a busca pela fundamentação racional de enunciados
de precedências condicionadas entre dois ou mais valores, interesses ou princípios colidentes.
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Nesse sentido, para uma adequada colocação normativa do problema, deve-se desde logo registrar
que culpa e prisão não podem ser consideradas como entidades caracterizadoras do mesmo
mandado normativo perante a Constituição, pois decorre da própria ordem constitucional a
possibilidade de segregação sem declaração inequívoca de culpa, “em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (art. 5º, LXI, CRFB).
Resulta importante, aqui, a advertência do Ministro Eros Roberto Grau, segundo o qual a
Constituição não pode simplesmente ser lida em tiras, aos pedaços isolados.
3) e à soberania dos veredictos nos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida.
Nessa lógica, ao contrário dos demais crimes comuns, a Carta Magna conferiu ao próprio povo a
prerrogativa de julgar seus pares pelo cometimento de crimes contra a vida, e o fez não apenas na
perspectiva de uma cláusula institucional de soberania, mas também como uma garantia
fundamental do próprio indivíduo contra o Estado, vez que, no julgamento comum de crimes
contra a vida, não é dado a nenhum integrante da Magistratura nacional interferir no mérito dessa
decisão (5º, XXXVIII, alínea “c”, da CRFB).
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Tal revela que a Constituição da República, ao atribuir ao Tribunal do Júri a competência para o
julgamento de crimes dolosos contra a vida e qualificá-los sob a cláusula da “soberania dos
veredictos”, retirou dos tribunais a possibilidade de substituição da decisão proferida pelo Conselho
de Sentença, sendo vedado ao órgão do Poder Judiciário reapreciar os fatos e as provas que
assentaram a responsabilidade penal do réu reconhecida soberanamente pelo Júri.
Não cabendo aos Tribunais a reapreciação dos fatos e provas – ressalvada apenas a hipótese de
decisão manifestamente contrária à prova dos autos -, não há se falar em violação ao princípio da
presunção de inocência ou de não culpabilidade na execução imediata da condenação imposta pelo
Tribunal do Júri.
Nos autos do HC n. 118.770/SP, de relatoria para acórdão do Eminente Ministro Luís Roberto
Barroso, a Primeira Turma firmou a tese de que: “A prisão de réu condenado por decisão do
Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de
inocência ou não-culpabilidade”.
De acordo com esse julgamento, a “Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri
para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a
soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem
substituir a decisão proferida pelo júri popular”. Diante disso, “não viola o princípio da presunção
de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri,
independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está
em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel.
Min. TeoriZavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os
fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente
pelo Júri. 3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à
prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o
julgamento do recurso”.
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constitucional da inocência” (Habeas Corpus nº 133528/PA, 1ª Turma do STF, Rel. Marco Aurélio. j.
06.06.2017, maioria, DJe 21.08.2017).
No ano de 2019, em primoroso trabalho coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, foi
elaborado o “Diagnóstico das Ações Penais de Competência do Tribunal do Júri”.
Esse relatório concluiu que: “o desfecho mais recorrente nos processos de competência do Tribunal
do Júri foi acondenação (47,9% dos casos decididos). Em seguida, vieram as decisões pela extinção
da punibilidade (32,4%) e, em menor proporção, as decisões absolutórias (19,6%)”.
Além disso, na comparação da natureza da decisão final em relação à duração dos processos,
referido estudo demonstrou que “a prescrição ocorreu em 14% dos julgamentos e representa 42%
dos casos de extinção da punibilidade. O tempo médio decorrido entre o início da ação penal e a
decisão pela extinção da punibilidade é de oito anos e seis meses, porém, nas prescrições, a média
sobe para treze anos. Cerca de 64% das decisões que reconhecem a prescrição ocorrem justamente
nos processos mais longevos, com mais de oito anos de tramitação”.
Atuamos muito tempo no Tribunal do Júri, precisamos muitas injustiças fáticas, mas a pior das
injustiças é a denominada “injustiça hermenêutica”, que pode ser revelada como “o dedo riste e o
riso cínico na cara da justiça”. Como?
Réu assassino confesso de jovens e mulheres, ganha como prêmio um longo procedimento e um
belo dia podem ir a julgamento. Após uma longa batalha de debates, enfim a justiça demonstra seu
veredito: “Condenado”. O alívio é total por parte daqueles que sonhavam com esse momento, as
frases que suspiram no plenário do júri é: “enfim, a justiça foi feita”, mas a alegria logo é arrefecida
quando o juiz ao concluir a sentença diz: “defiro o pedido para que o réu recorra em liberdade”.
Nesse contexto, questiona-se: É razoável? É proporcional que ainda aguarde o réu em liberdade o
desfecho de seus subsequentes artifícios recursais? Quantos julgamentos de feminicídios Brasil
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afora estão em condições mais morosas do que o presente caso? Quantos assassinatos vinculados
ao tráfico de drogas e à guerra entre facções criminosas?
Nesse cenário de conflituosidade normativa, não se pode perder de vista, ainda, o princípio da
razoabilidade, na sua propriedade de conexão e sentido entre o Direito e a Justiça. Oliveira (2003,
p. 92) conceitua o princípio da razoabilidade como:
O pensamento de Kant buscou uma compreensão ética da natureza humana, conforme descreve
(1785, apud LÔBO, 2009, p.37):
“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço,
pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de
todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”.
Mas qual seria o verdadeiro “pano de fundo” da superação do princípio da soberania dos
julgamentos do júri ao condicioná-lo ao voluntarismo recursal do acusado?
A hipótese coloca em risco não apenas a efetivação da própria justiça, hoje em fase de total
descrédito pelas constantes efetivações de “injustiça hermenêutica” patrocinada por um
doutrinamento “garantista hiperbólico monocular”, mas, igualmente, enfraquece e esvazia o
sentido do próprio Estado Democrático de Direito, que tem na soberania dos veredictos um de seus
postulados mais evidentes de expressão, ao atribuir ao povo o poder de intervenção direta nos
domínios da Justiça.
Não por outra razão, o princípio da soberania dos veredictos foi introduzido no catálogo dos
direitos fundamentais, basicamente vinculado à defesa da VIDA, bem nuclear que reclamou o
estabelecimento de um degrau de proteção constitucional maior que os demais valores e princípios
constitucionais, porque, na invocação de Kant, o ser humano deve estar no centro do
conhecimento, como um fim em si mesmo, o que faz com que a proteção de sua existência seja
gravada com especial nível de proteção na ordem constitucional.
Usando como alicerce o garantismo integral, o promotor de Justiça Caio Márcio Loureiro destaca
que o modelo ideal de direito penal garantista é o que busca não apenas evitar a hipertrofia da
punição, mas também, com a mesma ênfase, impedir a intervenção insuficiente do Estado na tutela
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O denominado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019) promoveu alterações no artigo 492 do CPP,
ao instituir a letra “e”, no inciso “I”, do art. 492, bem como dos parágrafos 3o, 4o, 5o e 6o, in verbis:
I – no caso de condenação:
(…)
(…)
§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou
superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.
II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo
julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.
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Isto é, não obstante as discussões recentes sobre a antecipação do cumprimento da pena a partir
do segundo grau de jurisdição, cria-se a execução da pena a partir de decisão em primeiro grau de
jurisdição, tendo como justificativa a condenação pelo conselho de sentença a uma pena elevada.
Todavia, ao determinar a prisão do condenado sem o trânsito em julgado de sentença penal, viola-
se o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no inciso LVII da Constituição
Federal (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”), bem como o princípio do duplo grau de jurisdição, expresso como garantia judicial
mínima no Pacto de San José da Costa Rica no artigo 8, II, h (“direito de recorrer da sentença para
juiz ou tribunal superior”).
a) Condenados pelo tribunal do júri em pena menor que 15 anos, o juiz mandará o acusado
recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão
preventiva= afronta ao princípio da soberania dos vereditos.
b) Condenados pelo tribunal do júri em uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso,
sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos = preserva o princípio da
soberania dos vereditos.
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A anulação de decisão do tribunal do júri, por manifestamente contrária à prova dos autos, não
viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (CF, art. 5º, XXXVIII, c),
pois, in casu, a soberania dos vereditos é relativizada ante à possibilidade concreta de efetivação de
uma injustiça, que seria a condenação de uma pessoa sem provas contundentes ou erro formal
grave. A relativização do princípio da soberania dos veredictos, na hipótese, encontra razões
materiais no próprio texto constitucional. Fora daí, não há margem para restrições formais no plano
infraconstitucional à aplicabilidade do princípio constitucional da soberania dos veredictos,
condicionando-o à quantidade da pena ou à natureza de “questão substancial” não identificada
com a contrariedade manifesta da prova.
Assim como a aplicação de uma norma constitucional deve se realizar em conexão com a totalidade
das normas constitucionais em busca de uma concordância prática, não se pode conceber a
existência de um princípio constitucional sem o reconhecimento de um espaço normativo que lhe
confira eficácia jurídica na ordem vigente.
Por essa razão, condicionar a aplicação do princípio da soberania dos veredictos ao trânsito em
julgado da sentença penal condenatória equivale ao próprio esvaziamento do conteúdo nele
impregnado – porque de ínfima interferência na eficácia social -, além da caracterização de patente
violação à proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais em matéria criminal.
Nesse sentido, vale lembrar a lição do Ministro Gilmar Mendes em relação aos “mandatos
constitucionais de criminalização”, no julgamento do HC 104.410/RS, julgado 06.03.2012, segundo
o qual, “os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso
(Übermassverbote), como também podem ser traduzidoscomo proibições de proteção insuficiente
ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização,
portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do
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Dentro desse espírito, é fundamental que nossa Suprema Corte, no julgamento histórico que se
desenvolve em plenário virtual, dentro de sua competência constitucional, faça a
devida ponderação entre os princípios da não culpabilidade e da soberania dos veredictos,
conferindo, a este último a sua devida efetividade, à luz da necessária concordância prática com as
demais normas constitucionalmente convergentes na aplicação do caso concreto, reconhecendo-se
a plena constitucionalidade da imediata execução do veredicto condenatório proferido pelo
Tribunal do Júri, por inexistir afronta, na hipótese, ao princípio da presunção de não culpabilidade.
Nos processos dos crimes dolosos contra a vida, mais que a ampla defesa, exigida em todo e
qualquer processo criminal (art. 5º, inc. LV, da CF), vigora a plenitude de defesa. No júri, não apenas
a defesa técnica, relativa aos aspectos jurídicos do fato, pode ser produzida. Mais que isso,
dadas as peculiaridades do processo e o fato de que são leigos os juízes, permite-se a
argumentação não jurídica, com referências a questões sociológicas, religiosas, morais, ou seja,
argumentos que, normalmente, não seriam considerados se o julgamento fosse proferido por um
juiz togado.
Ainda como consequência desse princípio, ressalta Pontes de Miranda (Comentários à Constituição
de 1946, p. 270), inclui-se o fato de os jurados serem tirados de todas as classes sociais para
julgamento de seus pares, o que confere um tom democrático ao julgamento, em que sete pessoas
decidem conforme as nuances da ideia de justiça presente em vários segmentos da sociedade.
A plena oportunidade para que o acusado exerça sua defesa no julgamento é, portanto, outro fator
que se agrega para justificar a execução imediata da pena. A plenitude de defesa é algo que não se
repete nas fases recursais, que, se insista, não revisitam o mérito a não ser em
casos excecionalíssimos. A apelação, que na regra geral é ampla e pode provocar a reanálise de
tudo o que foi objeto do processo na primeira instância, no júri é muito restrita devido ao princípio
da soberania dos veredictos. E os recursos especial e extraordinário, no júri como em qualquer
outra situação, só podem ser interpostos se rigorosamente cumpridos seus diversos requisitos
restritivos.
Consignamos, por fim, um dado histórico que não pode ser ignorado, principalmente num
julgamento emblemático aqui comentado. A doutrina alerta que, em governos ditatoriais, umas das
primeiras atitudes do governante é extinguir a soberania dos veredictos. Essa providência
sintomática serve para ocultar de todos a lembrança viva de que o poder emana do povo. Vivemos
esse cenário sombrio na nossa história recente, mais precisamente em duas oportunidades: em
1937 e em 1969. Na primeira supressão, a garantia foi restaurada apenas no final da década
seguinte. Na segunda, a garantia retornou somente com a redemocratização (1988).
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Um aspecto positivo do levantamento foi a constatação de que houve apenas 2 (dois) casos de
prisão em flagrante por descumprimento de medida protetiva de urgência, o que revela a
efetividade dessas medidas.
Na Capital de São Paulo, a Casa da Mulher Brasileira concentra todos os serviços e atores do
sistema de Justiça. O Ministério Público, representado pela Dra. Juliana Tucunduva, atua no
atendimento a vítimas, presencial e virtual, bem como em pedidos de medidas protetivas de
urgência, que podem ser concedidas para mulheres de todo o país, independentemente de registro
de boletim de ocorrência.
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No âmbito da Política de Saúde: manter o atendimento pelos serviços de atenção à saúde sexual e
reprodutiva, esclarecer profissionais quanto aos riscos de agravamento da violência doméstica,
garantir serviços de saúde mental, adotar medidas de conscientização pública, aprimorar os canais
de disseminação de informações da prefeitura, garantir repasses financeiros para os serviços.
Desde março, criou-se em São Paulo a possibilidade de registro de Boletim de Ocorrência Eletrônico
para casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. O Ministério Público tem
acompanhado essa implementação e encaminhado sugestões à Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo para aperfeiçoamento do sistema.
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Recomenda, ainda, que atentem nos referidos procedimentos, que a concessão das medidas
protetivas não está condicionada ao registro da ocorrência ou mesmo à instauração de inquérito
policial”.
3 -Tema: Sentenciados em meio aberto - Recomendação n.º 62/20 CNJ e Ofício n.º 559 DMF-CNJ
Por meio do Ofício n.º 559 - DMF (0860143) o CNJ sugeriu aos Tribunais avaliarem a possibilidade
de dispensar as atividades presenciais no âmbito das prestações de serviços à comunidade,
decorrentes de condenação a penas restritivas de direitos, celebração de suspensão condicional do
processo ou de acordo de não persecução penal, durante o prazo de 90 dias, ou enquanto perdurar
a situação de emergência de saúde pública.
Contudo, o Corregedor Geral da Justiça do TJSP entendeu que eventual suspensão no cumprimento
de condições de medidas cautelares e outras benesses ou mesmo da própria pena restritiva de
direitos envolve matéria jurisdicional, e determinou a comunicação do ofício-recomendação aos
magistrados com competência criminal, juizado especial criminal e execução criminal para
conhecimento e eventual adoção.
Desse modo, é importante verificar em cada comarca qual foi a deliberação do juízo no tocante à
matéria, pois não raras vezes, sentenciados recorrem ao Ministério Público, por e-mail ou telefone,
a fim de obter informação sobre o cumprimento das condições fixadas nos benefícios referidos
durante o período da pandemia.
Na última semana inúmeros colegas nos informaram que o local da prisão do sentenciado
constante da certidão de sentença expedida no Juízo de Conhecimento não está atualizado.
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Sem prejuízo, sugerimos aos colegas do processo de conhecimento conversarem com os juízes
respectivos sobre essa possibilidade, pois temos notícia de que em algumas comarcas esse diálogo
solucionou a questão e o cartório passou consultar o SIVEC e informar na certidão o local da
custódia atual do sentenciado.
De outro norte, é importante mencionar que o Provimento n.º 04/2020, que alterou as disposições
das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça atinentes à execução da multa, não
disciplinou o modo como o Ministério Público encaminhará a certidão ao Promotor das Execuções,
sendo certo que não há no ESAJ campo próprio para tal encaminhamento.
O §1.º do artigo 479-B nas NSCGJ preconiza apenas que expedida a certidão no processo de
conhecimento o oficial de justiça abrirá vista ao Ministério Público.
Desse modo, o Promotor que atuou no processo de conhecimento deverá salvar a certidão em PDF
e encaminhá-la por e-mail para a Promotoria das Execuções Criminais do domicílio do sentenciado
(se solto, onde declarou residir; se preso, na cidade onde está situado o estabelecimento em que se
encontre custodiado, ainda que a execução da pena privativa de liberdade tramite em juízo diverso,
por ex., sentenciado preso no CDP de São Bernardo do Campo, processo de execução da pena
privativa de liberdade em tramite no DEECRIM da Capital, a certidão de sentença deve ser
encaminhada à PJ das Execuções de São Bernardo do Campo).
Somente nos casos em que o sentenciado está solto não é encontrado no endereço informado nos
autos (ou possui endereço desconhecido, morador de rua, por ex.) é que a certidão deve ser
encaminhada por e-mail para a Promotoria das Execuções Criminais do Juízo da Condenação.
Importante aqui salientar que o Promotor do Conhecimento deve diligenciar junto ao Juízo para
que na certidão de sentença constem as informações imprescindíveis para o ajuizamento da
execução, tais como o valor da multa, a data do trânsito em julgado da condenação, o local da
prisão e o endereço do sentenciado.
Nos termos do Aviso n.º 146/2020-PGJ-CGMP, a execução da multa será feita em ação autônoma,
mediante peticionamento eletrônico inicial de primeiro grau, razão pela qual, não é obrigatório
constar da certidão o número do processo de execução da pena privativa de liberdade do
sentenciado.
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Estando sentenciado preso, caso o Promotor das Execuções que recebeu a certidão opte por não
executar a multa imediatamente, precisará diligenciar para obter o número do processo da
execução da pena privativa de liberdade, a fim de peticionar postulando a juntada da certidão nos
autos respectivos.
Na referida petição deverá constar expressamente que o Ministério Público quer apenas que a
certidão permaneça nos autos, para futura execução da multa, quando o sentenciado obtiver o
regime aberto, o livramento condicional ou terminar de cumprir a pena privativa de liberdade.
Fazemos tal observação porque juízes do DEECRIM de Ribeirão Preto costumavam devolver
certidões de sentença que recebiam, invocando o artigo 8.º da Resolução n.º 616/2013, que exclui
da competência das Unidades Regionais do Departamento Estadual de Execuções Criminais a
execução de multa. Daí a necessidade de ficar bem claro na petição a intenção ministerial de
apenas anexar a certidão nos autos para execução futura da multa, em processo autônomo.
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O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o entendimento de que o Código Penal não faz
distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da decisão para fins de interrupção
da prescrição. Por isso, o acórdão (decisão colegiada do Tribunal) que confirma a sentença
condenatória, por revelar pleno exercício da jurisdição penal, interrompe o prazo prescricional, nos
termos do artigo 117, inciso IV, do Código Penal. A decisão, por maioria, foi tomada no julgamento
do Habeas Corpus (HC 176473), de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com o artigo 117 do Código Penal – que, segundo o relator, deve ser interpretado de
forma sistemática –, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o
Estado não está inerte. Assim, a decisão da pronúncia, em que o réu é submetido ao tribunal do júri
(inciso II), a decisão confirmatória da pronúncia (inciso III) e “a publicação da sentença ou acórdão
condenatórios recorríveis” (inciso IV) interrompem a prescrição.
"A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal, e o que existe na confirmação da
condenação, muito pelo contrário, é a atuação do Tribunal”, afirmou o ministro Alexandre de
Moraes. “Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a
prescrição para o cumprimento do devido processo legal".
Caso concreto
O habeas corpus no qual a tese foi fixada foi impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em
favor de um homem condenado em Roraima pela prática do crime de tráfico transnacional de
drogas à pena de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime aberto, substituída por
restritivas de direitos. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a íntegra da
sentença, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o argumento da Defensoria de prescrição
da pretensão punitiva.
Segundo a DPU, na época dos fatos (17/4/2015), o réu tinha 20 anos e, por isso, o prazo de
prescrição deveria ser reduzido à metade. Como a sentença condenatória foi proferida em
13/4/2016, tendo em conta a pena em concreto e o lapso de dois anos a contar do último marco
interruptivo (publicação da sentença), a prescrição da pretensão punitiva teria se dado em
13/4/2018. Para a Defensoria, o TRF-1 apenas chancelou a sentença condenatória e, portanto, o
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acórdão não poderia interromper a prescrição. Essa tese foi reiterada no HC impetrado no
Supremo.
Divergência
Entre outros argumentos, a DPU sustentou ainda que há divergência de entendimento entre a
Primeira Turma e a Segunda Turma do STF. Por isso, pediu que a questão fosse submetida ao
Plenário.
Tese
A tese fixada no julgamento foi a seguinte: "Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal,
o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da
sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta".
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O art. 117, inciso IV, do Código Penal foi modificado pela Lei nº 11.596/07 para anunciar que, além
da sentença condenatória, também o acórdão condenatório interrompe o curso da prescrição.
Antes, tão somente a sentença condenatória recorrível era causa de interrupção.
De acordo com a nova redação legal, além da inclusão do acórdão como causa interruptiva
estabeleceu-se que a interrupção ocorre pela publicação da decisão, não pelo julgamento.
“Publicação” não deve ser confundida com divulgação na imprensa oficial, sendo compreendida
nos termos do artigo 389 do Código de Processo Penal. Desse modo, considera-se publicada a
sentença quando o escrivão procede à juntada desta aos autos – na sentença ou acórdão
proferidos na própria audiência ou sessão, a publicação ocorre neste ato.
Com a edição da lei, duas orientações passaram a debater qual espécie de acórdão condenatório
recorrível teria efeito interruptivo. Há quem sustente que a alteração, alinhando-se a decisões
judicias recorrentes, contempla somente os acórdãos condenatórios em ações penais originárias e
os reformatórios da absolvição em primeira instância. Por isso, tendo havido condenação em
primeira instância, o acórdão que simplesmente a confirme, negando provimento ao recurso da
defesa, ou que somente majore a pena, não interrompe o prazo prescricional. Aqueles adeptos
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desta orientação se alicerçam no fato de que a lei lança mão da partícula “ou” entre as expressões
“publicação de sentença” e “acórdão condenatório”; logo, exclui-se a possibilidade de que ambos
irradiem efeitos interruptivos do prazo fatal.
Outra orientação sustenta que a interrupção do prazo prescricional se dá inclusive pelo acórdão
que se limita a confirmar a condenação de primeira instância, diminuir ou a aumentar a pena,
segundo, aliás, deixou claro o relatório do projeto da lei que viria a alterar o Código Penal:
“O texto atual do Código Penal se refere à sentença condenatória recorrível. O Projeto passa a fixar
a data da publicação, não deixando margem a dúvidas quanto ao momento da sentença, que será o
da publicação, e não o de sua prolação. Também o Projeto inclui, nesse inciso, a publicação do
acórdão condenatório recorrível, contemplando a hipótese de confirmação de condenação de
primeira instância em grau recursal”.
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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020
DIREITO PENAL:
1- Tema: Homicídio culposo na direção de veículo automotor. Perda do controle do carro.
Atropelamento na calçada. Causa especial de aumento de pena. Art. 302, § 1º, II, da Lei n.
9.503/1997.
A causa de aumento prevista no art. 302, § 1°, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o
agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local.
No presente caso, o recorrente transitava pela via pública e, ao efetuar manobra, perdeu o controle
do veículo subindo na calçada e atropelando as vítimas.
Alegou-se que a causa de aumento de pena deve estar dirigida aos casos em que o motorista sabe
que, transitando pela calçada, deve ter maior atenção aos pedestres, e se não aplicando àqueles
em que, ao perder o controle do veículo na rua, termina por atingir pedestre na calçada por mero
infortúnio, cuja previsibilidade não era possível antever.
Ocorre que, sobre o tema, a doutrina leciona que "o aumento previsto no art. 302, parágrafo único,
II, do Código de Trânsito Brasileiro será aplicado tanto quando o agente estiver conduzindo o seu
veículo pela via pública e perder o controle do veículo automotor, vindo a adentrar na calçada e
atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e,
em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre".
Nesse contexto, a norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que
o ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem atingir o
pedestre em lugar presumidamente seguro.
PROCESSO: AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 23/03/2020
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O homicídio culposo na direção de veículo automotor é tipificado no art. 302 do Código de Trânsito.
O caput trata da forma básica e o § 1º elenca quatro majorantes, dentre as quais se insere a prática
do crime na calçada. Como calçada se entende, nos termos do anexo I do CTB, a “parte da via,
normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao
trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização,
vegetação e outros fins”.
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O motivo que justifica a exasperação da pena do crime praticado sobre a calçada (ou mesmo sobre
a faixa de pedestres) é a preocupação do Código de Trânsito com os transeuntes, conforme
observou Geraldo de Faria Lemos Pinheiro, membro da comissão que elaborou a Lei 9.503/97, ao
consignar que “os pedestres não foram esquecidos e terão maior proteção, especialmente quando
estiverem nas faixas a eles destinadas na via pública. É considerada infração gravíssima deixar de
reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança onde haja intensa
movimentação de pedestres (art. 220, XIV), e também é gravíssima a infração quando o condutor
deixar de dar preferência de passagem a pedestre que se encontre na faixa a ele destinada, que
não tenha concluído a travessia, mesmo que ocorra sinal verde para o veículo (art. 214, I e II). Tem
preferência o pedestre quando houver iniciado a travessia, mesmo que não haja sinalização a ele
destinada (art. 214, IV), ou que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo
(art. 214, V)” (Enfim, o código: lei n. 9503, de 23.09.1997. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 60, p. 14-
15, nov. 1997).
A incidência da majorante no crime cometido sobre a calçada não pressupõe que o motorista esteja
de fato trafegando sobre ela; basta que, por qualquer razão, o veículo se projete sobre a calçada e
atinja o pedestre. De fato, o texto do art. 302, § 1º, inc. II não traz nenhum requisito a respeito do
tráfego do veículo, limitando-se a punir mais gravemente o crime praticado sobre a calçada. Neste
sentido, decidiu o STJ:
“No presente caso, o recorrente transitava pela via pública e, ao efetuar manobra, perdeu o
controle do veículo subindo na calçada e atropelando as vítimas.
Alegou-se que a causa de aumento de pena deve estar dirigida aos casos em que o motorista sabe
que, transitando pela calçada, deve ter maior atenção aos pedestres, e se não aplicando àqueles
em que, ao perder o controle do veículo na rua, termina por atingir pedestre na calçada por mero
infortúnio, cuja previsibilidade não era possível antever.
Ocorre que, sobre o tema, a doutrina leciona que “o aumento previsto no art. 302, parágrafo único,
II, do Código de Trânsito Brasileiro será aplicado tanto quando o agente estiver conduzindo o seu
veículo pela via pública e perder o controle do veículo automotor, vindo a adentrar na calçada e
atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e,
em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre”.
Nesse contexto, a norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que
o ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem atingir o
pedestre em lugar presumidamente seguro” (AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912/SP, j. 5/3/2020).
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