Educação Infantil para Surdos
Educação Infantil para Surdos
Educação Infantil para Surdos
1 INTRODUÇÃO
Falar sobre educação infantil para surdos exige uma discussão prévia sobre as
línguas de sinais, o processo de aquisição da linguagem por crianças surdas e os seus
direitos lingüísticos. Isso se faz necessário, uma vez que a língua natural das crianças
surdas é a língua de sinais. Considerando os direitos lingüísticos, as crianças surdas têm o
direito de usar sua língua materna em todas as situações oficiais (cf. Skutnabb-Kangas
(1994:152) e as escolas devem reconhecer a língua de sinais como língua da educação do
surdo. O presente artigo objetiva, portanto, apresentar uma discussão em torno desses
assuntos e introduzir algumas reflexões sobre a educação infantil de crianças surdas.
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1. As línguas de sinais existem em comunidades de pessoas surdas. A LIBRAS é
a língua de sinais que se constituiu naturalmente na comunidade surda
brasileira. Tal língua apresenta todos os níveis de análise de quaisquer outras
línguas, ou seja, o nível sintático (da estrutura), o nível semântico (do
significado), o nível morfológico (da formação de palavras), o nível
fonológico (das unidades que constituem uma língua) e o nível pragmático
(envolvendo o contexto conversacional).
2. As línguas de sinais são distintas, isto é, existem diferentes línguas de sinais
para cada comunidade de surdos. Existe, por exemplo, a língua de sinais
americana que é usada por surdos dos Estados Unidos, há a língua de sinais
brasileira - LIBRAS - que é usada pelos surdos dos grandes centros urbanos
do Brasil, entre outras.
3. A língua de sinais não pode ser considerada como uma língua “primitiva” – ela
é uma língua altamente complexa e capaz de exprimir uma idéia do universo. O
vocabulário das línguas de sinais pode ser alargado de forma a incluir novas
palavras para novos conceitos.
4. As línguas de sinais evoluem através dos tempos.
5. A relação entre o significante e o significado nas línguas de sinais são, na maior
parte dos casos, arbitrária.
6. As línguas de sinais utilizam um sistema finito de elementos que se combinam
formando elementos com significação ou palavras que, por sua vez, constituem
um sistema infinito de frases possíveis.
7. A gramática das línguas de sinais apresenta regras semelhantes para a formação
de palavras e frases.
8. Todas as línguas de sinais incluem unidades mínimas como configuração de
mão, ponto de articulação e movimento, que podem ser definidos por um
conjunto finito de propriedades visuais ou traços.
9. As línguas de sinais apresentam categorias gramaticais semelhantes às línguas
orais, por exemplo, nome, verbo, etc...
10. As línguas de sinais têm recursos para referir a um tempo passado, a capacidade
de negar, a capacidade de formular perguntas, emitir ordens, etc.
11. Falantes de todas as línguas de sinais são capazes de produzir e compreender
um conjunto infinito de frases. Universais sintáticos são compartilhados entre
línguas de sinais e línguas orais.
12. Toda criança surda, independente de sua origem racial, geográfica, social ou
econômica, é capaz de adquirir a língua de sinais, desde que esteja em contato
com usuários dessa língua.
13. Existe organização gramatical nas língua de sinais, isto é, elas têm estrutura
própria e independente das línguas orais.
Os tópicos acima procuram mostrar que as línguas de sinais, sob o ponto de vista
lingüístico, são completas, complexas e possuem uma abstrata estruturação nos diversos
níveis de análise.
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3 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM1
Alguns anos depois dos estudos sobre as línguas de sinais fazerem parte
das investigações lingüísticas, iniciaram-se as pesquisas sobre o processo de aquisição da
linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos (Fischer (1973; Hoffmeister (1978);
Meier, 1980; Loew, 1984; Lillo-Martin, 1986; Petitto, 1987). Essas crianças apresentam
a oportunidade de terem acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao acesso que
as crianças ouvintes naturalmente têm em uma língua oral-auditiva. "Oportunidade"
porque representam apenas 5% das crianças surdas, ou seja, 95% das crianças surdas são
filhas de pais ouvintes e que, portanto, na maioria dos casos, não dominam uma língua de
sinais. No Brasil, a LIBRAS começou a ser investigada na década de 80 (Ferreira-Brito,
1986) e a aquisição da LIBRAS nos anos 90 (Karnopp, 1994; Quadros, 1995).
Estudos da aquisição da linguagem infantil, realizados nas línguas de
sinais e nas línguas orais, revelaram algumas generalizações interlingüísticas e
intermodais em relação à produção dos primeiros sinais e em relação ao desenvolvimento
do vocabulário. É importante enfatizar que o objetivo desta seção não é realizar uma
comparação estreita entre línguas de modalidades diferentes, mas pretende-se trazer
dados para a discussão da precedência de aquisição de sinais em relação à aquisição de
palavras no período de aquisição da linguagem. Para tal fim, definiu-se que a aquisição
dos primeiros sinais representa o limite entre os estágios pré-lingüístico e o lingüístico,
sendo que as produções do período lingüístico referem-se a qualquer sinal do padrão
adulto que é articulado pelo bebê em um contexto consistente e que é entendido pelos
interlocutores com algum significado, embora variável (Karnopp, 1999).
Portanto, considerando que o processo de aquisição das línguas de sinais é
análogo ao processo de aquisição das línguas faladas, as seções seguintes estão
subdivididas nos estágios de aquisição adotados nos estudos sobre a aquisição da
linguagem em geral.
1
Parte desta sessão está baseada no capítulo 3 do livro Educação de surdos: a aquisição da linguagem de
Ronice Müller de Quadros (1997).
3
Nos bebês surdos foram detectadas duas formas de balbucio manual: o
balbucio manual silábico e a gesticulação. O balbucio manual silábico apresenta
combinações que fazem parte do sistema lingüístico das línguas de sinais. Ao contrário, a
gesticulação não apresenta organização interna.
Os dados apresentam um desenvolvimento paralelo do balbucio oral e do
balbucio manual. Os bebês surdos e os bebês ouvintes apresentam os dois tipos de
balbucio até um determinado estágio e desenvolvem o balbucio da sua modalidade. É
por isso que os estudos afirmavam que as crianças surdas balbuciavam (oralmente) até
um determinado período. As vocalizações são interrompidas nos bebês surdos assim
como as produções manuais são interrompidas nos bebês ouvintes, pois o input2 favorece
o desenvolvimento de um dos modos de balbuciar ou de ambos no caso de crianças
ouvintes filhas de pais surdos.
As semelhanças encontradas na sistematização das duas formas de
balbuciar sugerem haver no ser humano uma capacidade lingüística inata que sustenta a
aquisição da linguagem independente da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaço-
visual.
Investigações realizadas por Karnopp (1999), na LIBRAS, investigam três
aspectos do desenvolvimento infantil: a questão da percepção visual, da produção
manual e da importância do input visual. O input em língua de sinais é, obviamente,
importante para que o bebê passe para etapas posteriores no desenvolvimento da
linguagem. Quanto à percepção, inicialmente ocorre contato visual entre os
interlocutores e, então, o bebê surdo com a atenção visual voltada para a face do
interlocutor, capta indícios sutis no rosto que lhe servirão para atribuir significado aos
sinais de sua língua. O uso de expressões faciais, a repetição de sinais e a utilização de
movimentos mais lentos e amplos na articulação dos sinais são estratégias utilizadas
pelos pais para atraírem a atenção visual dos bebês surdos. Por fim, quanto à produção
manual, o período pré-lingüístico caracteriza-se, em linhas gerais, pela produção do que é
denominado balbucio manual, pelos gestos sociais (bater palmas, dar ‘tchau’ e enviar
beijinhos, etc...) e pela utilização do apontar.
2
Input: é aquilo que é absorvido; entrada.
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sinais iniciaria mais cedo do que a aquisição das línguas orais gerou discussões entre
alguns pesquisadores sobre a questão da iconicidade nas línguas de sinais, sobre o
desenvolvimento motor das mãos, sobre a questão da visibilidade dos articuladores e a
interferência dos pais na produção dos sinais. (Karnopp 1999)
Petitto (1987) argumenta que a criança simplesmente produz gestos que
diferem dos sinais produzidos por volta dos 14 meses, analisando essa produção gestual
como parte do balbucio, período pré-lingüístico. Ackerman et al (1990, p. 339)
confirmam que os primeiros sinais na Língua de Sinais Britânica (BSL) foram
produzidos aos 11 meses por uma criança surda e aos 11 meses por uma criança ouvinte.
Além disso, os autores relatam que a média de idade na produção dos dez primeiros
sinais é de 15 meses de idade em crianças surdas e de 13 meses em crianças ouvintes
adquirindo a Língua de Sinais Britânica e o Inglês, respectivamente.
5
ocorrer uma reorganização básica em que a criança muda o conceito da apontação
inicialmente gestual (pré-lingüística) para visualizá-la como elemento do sistema
gramatical da língua de sinais (lingüístico).
6
pronomes estabelecidos no espaço de sinalização, assim como observado por Meier
(1980) e Hoffmeister (1978) na ASL.
7
*LIKE[X: ‘to it’]/LIKE
( Bellugi, vanHoek, Lillo-Martin & O'Grady, 1990:139)
8
4 DIREITOS LINGÜÍSTICOS DA CRIANÇA SURDA
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7. DIREITO LINGÜÍSTICO DOS PAIS DE CRIANÇAS SURDAS - Direito de
aprender e usar sem opressão a língua de sinais, canal natural de comunicação para o
filho surdo, para que possa comunicar-se com ele na vida diária e no período em que
a interação pais e filhos se faz necessária para a criança.
8. DIREITO DO PROFESSOR SURDO E DE SURDOS. Direito de receber formação
sobre a natureza da língua de sinais, sua estrutura e seus usos e de ensinar nesta
língua, meio mais natural de comunicação com e/ou entre surdos.
Além desses direitos, vale a pena verificar a questão das línguas minoritárias nos
currículos escolares. Em 1950, discutiu-se acerca do ensino de grupos minoritários e,
neste contexto, a UNESCO afirmou que " o melhor meio para o ensino de crianças é
através da língua materna". (UNESCO 1953, p. 11).
Desde então, no mundo inteiro tem crescido a tendência de se valorizar o papel
das línguas minoritárias nos currículos escolares. Os argumentos a seguir, relacionados
por Appel e Muysken (1996), referem-se à situação educativa e ao futuro de crianças de
línguas minoritárias:
a) Deve-se empregar a L13 da criança como meio inicial de instrução para
garantir a progressão acadêmica, enquanto que a língua majoritária pode ser
aprendida como L2 (segunda língua). Os educadores concordam que a L1 é o
melhor instrumento de aprendizagem, especialmente nas primeiras etapas do
desenvolvimento.
b) b) O desenvolvimento cognitivo de crianças com línguas minoritárias será
prejudicado se não receberem o ensino na sua língua materna.
c) O ensino da língua minoritária é imprescindível para um desenvolvimento
saudável da personalidade da criança e para o desenvolvimento de uma auto-imagem
positiva. Se as escolas não proporcionam nenhum tipo de ensino na língua minoritária,
então a escola se converte para a criança que possui essa língua minoritária em "um lugar
no qual não existe nem sua língua nem sua cultura, e onde possivelmente nem eles são
bem aceitos, ou seja, um lugar onde sua identidade social se vê questionada e sufocada.
d) A língua minoritária é o vínculo entre a criança e sua comunidade.
e) O ensino da língua minoritária é necessário para desenvolver a primeira língua
da criança, e este, por sua vez, é um pré-requisito para a aquisição da língua majoritária.
f) O pluralismo cultural deve ser visto como um enriquecimento global da
sociedade.
g) O reconhecimento da língua (e da cultura) dos grupos minoritários melhora as
relações sociais e culturais entre estes grupos e o resto da sociedade.
Tais direitos apenas legitimam a natureza humana das pessoas surdas em
comunicarem-se utilizando a língua de sinais. Pensar em educação infantil requer
considerar tais direitos, pois a criança surda de hoje será o adulto surdo de amanhã.
3
L1: Primeira Língua ou também conhecida como língua materna.
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A aquisição da linguagem em crianças surdas deve ser garantida através de
uma língua visual-espacial, no caso do Brasil, através da LIBRAS. Se a criança chega na
escola sem língua, é fundamental que o trabalho seja direcionado para a retomada do
processo de aquisição da linguagem através de uma língua visual-espacial.
É fundamental que os bebês tenham contato com pessoas que dominem a
LIBRAS, preferentemente, pessoas surdas. Garantir o acesso à língua de sinais é garantir
a aquisição da linguagem e a aquisição de valores, culturas e padrões sociais que
perpassam através do uso da língua. A criança surda precisa ter acesso à LIBRAS e
interagir com várias pessoas que usam tal língua para constituir sua linguagem e sua
identidade emocional e social.
As crianças surdas precisam ter acesso à educação na LIBRAS. Os
direitos humanos prevêem isso e é dever do estado garantir que isso aconteça. O processo
educacional ocorre mediante interação lingüística e todos os professores devem dominar
a LIBRAS para serem professores de surdos. Esse deve ser um ponto de partida de uma
seleção de profissionais que queiram trabalhar com surdos. Dominar a LIBRAS deve ser
pressuposto para se pensar em processo educacional, pois a base de tal processo se dá
através da interação lingüística. Todos os conhecimentos escolares devem passar pela
LIBRAS. Pensar em formação de cidadãos conscientes é pensar em diálogo e em troca e
isso precisa ser na LIBRAS com os surdos brasileiros.
Considerando o contexto da criança na educação infantil apresentar-se-ão
alguns objetivos específicos do processo educacional com sugestões de um plano de
atividades e conteúdos a seguir:
♦ Oportunizar a internalização das culturas e identidades surdas através do domínio da
língua de sinais brasileira
♦ Propiciar o desenvolvimento da estrutura gramatical da língua de sinais brasileira
♦ Propiciar o acesso às diferentes funções e usos da língua de sinais brasileira:
informal, formal, poético e narrativas.
II - Acesso aos aspectos formais da língua de sinais brasileira de forma implícita (mais
tarde, de forma explícita)
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1. Fonologia:
- configurações de mãos;
- alfabeto manual
- uso de uma mão
- usos de ambas as mãos com a mesma configuração
- uso de ambas as mãos com configurações diferentes,
- uso de movimentos simétricos, uso de movimentos alternados,
- exploração dos pontos de articulação dentro do espaço de sinalização
2. Morfologia:
- marcação de plural,
- de intensidade,
- de modo,
- de tempo,
- de forma,
- de tamanho,
- classificadores,
- incorporação de negação
3. Sintaxe:
- exploração do uso do espaço (organização de objetos e referentes presentes e não-
presentes);
- uso da marcação de concordância nos verbos com concordância
- uso dos elementos necessários para marcação de concordância com verbos sem
concordância (auxiliar, ordem linear, topicalização, foco)
- uso de estruturas complexas (interrogativas, relativas e condicionais)
- uso de topicalização
- uso de estruturas com foco
- uso de marcação não-manual gramatical para realização de concordância,
perguntas QU e sim/não, negação, topicalização e foco
4. Semântica
- Emprego de relações de significado no nível lexical (antonímia, sinonímia,
homonímia, polissemia, etc.)
- Exploração dos aspectos relacionados ao significado da sentença
5. Pragmática
- Exploração de implicaturas
- Figuras de linguagem
- Formas de polidez na linguagem
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3. mini-palestras, aulas em vídeo, jornais televisionados, etc.
4. relato de histórias
5. hora do conto
6. poesias
7. conversas sobre fatos históricos da comunidade surda e da sociedade brasileira
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Lodenir Karnopp - Doutora em Letras - Área de concentração Lingüística Aplicada - ULBRA -
karnopp@cpovo.net
Ronice Müller de Quadros - Doutora em Letras - Área de concentração Lingüística Aplicada -
UFRGS/Nuppes e ULBRA - ronice@cpovo.net
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