989-Texto Do Artigo-2842-2880-10-20160306
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questionado
(Written language acquisition by the deaf: a process to be examined)
nea.santana@yahoo.com.br
Abstract: This paper aims to discuss one of the many complex issues involving the education
of the deaf: the acquisition of written language. Therefore, we bring some relevant aspects about
deaf people’s education over the years and its consequences for their educational process. We
will also discuss mother tongue acquisition (CASTRO, 2007), considering that a sign language
has such function for the deaf. Subsequently we will deal with written language acquisition.
As theoretical support we bring the considerations formulated by the interactionist perspective
in language acquisition initiated by Cláudia de Lemos (1997, 1999, 2002), to whom language
acquisition is a subjectivation process, thus standing away from conceptions that view language
acquisition as natural or effectuated upon overcoming the steps necessary to finally reach profi-
cient speaker level in one’s mother tongue.
Keywords: language acquisition; deafness; interactionism.
Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir uma das muitas questões complexas que
envolvem a educação dos surdos: a aquisição da língua escrita. Para tanto, trazemos alguns
aspectos relevantes sobre a educação dos surdos ao longo dos anos e suas consequências no
processo educacional. Faremos, também, uma discussão sobre a aquisição da língua materna
(CASTRO, 2007), considerando que a língua de sinais ocupa esse lugar para os surdos, para,
posteriormente, adentrar na aquisição da língua escrita. Como suporte teórico, buscamos as
considerações formuladas no interior da perspectiva interacionista em aquisição da linguagem
iniciadas por Cláudia de Lemos (1997, 1999, 2002), para a qual a aquisição da linguagem é um
processo de subjetivação; por isso, essa perspectiva afasta-se de concepções que veem a aqui-
sição da linguagem como natural ou efetivada por superação de etapas por meio das quais se
atinge, ao final, a condição de falante proficiente da sua língua materna.
Palavras-chave: aquisição de linguagem; surdez; interacionismo.
Introdução
As dificuldades de leitura e escrita ainda são alardeadas como principal problema
das pessoas com surdez. Muitas questões povoam a situação linguística dos surdos,1 a
iniciar, por serem brasileiros e, portanto, por se considerar que deveriam ter o portu-
guês como língua materna. Embora, um número ínfimo tenha domínio da língua falada,
a maioria dos surdos é usuário da língua de sinais; e, ao chegar à escola, começa seu pro-
cesso de alfabetização em uma língua oral. Isso se dá pelo fato de a língua de sinais ser
considerada uma língua ágrafa e não ter um sistema de escrita ainda em uso e, sobretudo,
pela hegemonia da língua portuguesa.
Destacamos, neste trabalho, a complexidade desse tema. Dessa forma, contex-
tualizamos aspectos relevantes sobre a educação dos surdos ao longo da história, des-
1
Neste trabalho, nos referimos aos surdos como um grupo linguístico e cultural usuário da língua de
sinais.
[...] o surdo deve ser bilíngue, ou seja, deve adquirir como língua materna, à língua de
sinais, que é considerada a língua propícia aos surdos pela sua modalidade linguística
espaço-visual e, como segunda língua, a língua oficial de seu país. (GOLDFELD, 2002,
p. 42)
A visão que se tem do surdo nessa abordagem é bastante diferente das abordagens
anteriores, pois não concebe o surdo como um deficiente, mas como um ser diferente que
pode aceitar e assumir sua surdez.
[...] a educação bilíngue para os surdos é, de longe, um projeto utópico na grande maioria
das escolas. Isso se deve ao fato de que a educação bilíngue não só impõe a necessidade
de um novo olhar sobre os surdos, mas, sobretudo, porque envolve a transformação da
situação monolíngue da escola, fundada na língua portuguesa.
2
Neste trabalho, defendemos a concepção socioantropológica da surdez e não a concepção clínica.
O bebê é visto como um potencial parceiro comunicativo do adulto, que empreende uma
“sintonia fina” com as manifestações potencialmente comunicativas e significativas da
criança, qualquer que seja seu conteúdo expressivo (gesto, voz, balbucios, palavras ou
frases). (SCARPA, 2012, p. 253-254)
Nessa perspectiva, e com base nos estudos realizados por Pettito, Bellugi e Klima
(1979), Quadros3 (1997) analisam as primeiras manifestações de linguagem das crianças
e, dessa forma, presenciou, nos bebês, o balbucio como primeira manifestação de lingua-
3
Autores que trabalham na perspectiva inatista da aquisição de linguagem.
4
Surdo pré-linguístico é aquele que adquiriu a surdez no período pré-natal ou na primeira fase de sua
vida, antes da aquisição de uma língua oral.
5
A expressão refere-se aos surdos com treinamento para a fala oral.
6
Essa concepção concebe a surdez como uma patologia, havendo a necessidade de reabilitar o ouvido
defeituoso.
Trata-se, portanto, de uma mudança estrutural, sem, contudo haver superação de [...]
“nenhuma das três posições, mas uma relação que se manifesta, na primeira posição, pela
dominância da fala do outro, na segunda posição, pela dominância do funcionamento da
língua e, na terceira posição, pela dominância da relação do sujeito com sua própria fala”.
(DE LEMOS, 1999, p. 26)
O papel do outro [...] seria o de intérprete. Lendo para a criança, interrogando a criança
sobre o sentido do que “escreveu”, escrevendo para a criança ler, o alfabetizando, como
outro que se oferece ao mesmo tempo como semelhante e como diferente, insere-se no
movimento linguístico-discursivo da escrita. (DE LEMOS, 1998, p. 29)
Como a autora defende a aquisição da linguagem escrita através das práticas dis-
cursivas, presenciamos, também, a importância do outro nesse processo, assim como na
aquisição da língua escrita.
Mediante essas considerações, na etapa seguinte, analisaremos a escrita de um
sujeito surdo discorrendo sobre as particularidades existentes.
Procedimento metodológico
O corpus7 deste trabalho é composto por produção textual em libras e em Língua
Portuguesa de um aluno surdo do curso de Pedagogia de uma universidade pública no
interior da Bahia, e foi realizado em dois momentos distintos.
Trata-se de um informante com surdez profunda bilateral, usuário da libras, do
sexo masculino, que estuda com a presença de intérprete na sala de aula, é filho de pais
ouvintes, aprendeu libras na escola com professores ouvintes e colegas surdos por volta
dos dez anos de idade. Atualmente, tem 26 anos de idade.
Com o propósito de mantermos a integridade ética da pesquisa, será atribuída a
abreviação MJ ao nos referirmos ao sujeito da pesquisa.
Na primeira etapa, MJ contou uma história em libras: “Os três porquinhos”. A
escolha dessa narrativa deu-se mediante o conhecimento que o informante já tinha da
referida história. A narrativa foi filmada e gravada em videocassete.
Na segunda etapa, MJ escreveu a história que foi narrada em libras na etapa ante-
rior e fez uma produção escrita livre em Português dessa história.
Por motivo de a libras não ter um sistema de escrita ainda em uso, os dados da
libras não serão apresentados, apenas servirão de suporte para analisarmos o nível de
aquisição e a produção da língua de sinais do sujeito informante e compararmos, em de-
terminados momentos, se há marcas da libras na escrita do informante.
7
A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia – UESB, e consentimento do informante através do Termo de Consentimento Livre Esclarecido
– TCLE.
[...] para quem não concebe a natureza da escrita dos surdos, o grau de aceitabilidade seria
menor, porém o que pode parecer incoerente, a princípio, depende do interlocutor e de
sua habilidade para interpretar e investir em uma estrutura de constituição de um relato
coerente. (GUARINELLO, 2007, p. 106)
Considerações finais
Apresentamos, neste trabalho, algumas questões que envolvem a aquisição da lin-
guagem pelo surdo. Discutimos sobre as concepções de ensino voltadas para a educação
dessas pessoas, a língua materna e a complexidade que gira em torno do seu conceito, e
a concepção de aquisição de linguagem pautadas pelo interacionismo, iniciado por De
Lemos. E finalizando, analisamos aspectos particulares da escrita de MJ, sujeito surdo,
usuário da libras.
Obviamente, discutir sobre aquisição de linguagem e, em específico, na surdez
não se trata de algo tão simples quanto a síntese demonstrada neste trabalho. Fizemos
uma reflexão sobre a língua materna por considerar que é por meio de uma língua que
se chega ao conhecimento e, também, porque as inúmeras dificuldades que as crianças
surdas têm enfrentado giram em torno das questões de linguagem.
A análise realizada neste estudo nos revelou que a escrita de MJ apresenta ca-
racterísticas bastante diferentes da escrita de um ouvinte, apesar de convergir em alguns
aspectos com a escrita de ouvintes no início do processo de alfabetização. Evidentemente,
não se trata de uma narrativa contada dentro das normas convencionais do Português; no
entanto, não deixa de expressar que MJ está na linguagem, ou melhor, está sendo captu-
rado pela linguagem escrita.
REFERÊNCIAS
CASTRO, M. F. C. P. de. Sobre o (im)possível esquecimento da língua materna. In: LIER-
DEVITTO, M. F.; ARANTES, L. (Org.). Aquisição e patologias de linguagem. São Paulo:
Educ; Fapesp, 2007. p. 135.
______. A língua materna e depois. Didáskomai, Montevideo, n. 2, p. 63-76, 2011.
CRUZ, M. C. Alfabetizando crianças surdas: análise da proposta de uma escola especial. 1992.
Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 1992.
DE LEMOS, C. T. G. de. Los procesos metaforicos y metonímicos como mecanismos de
cambio. Substratum, v. 1, n. 1, p. 120-130, 1992.