01+GEST +E+CONHEC+16-11+DOI+029+ (1) +CC
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994-1016, 2022
ISSN: 1677-9762
DOI: 10.55908/RGCV16N2-029
Recebimento do original: 14/10/2022
Aceitação para publicação: 17/11/2022
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1. INTRODUÇÃO
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TÍTULO XXXVIII -Do que matou sua mulher, pola achar em adulterio.
Achando o homem casado sua mulher em adulterio, licitamente poderá matar assi a
ella, como o adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso
Dezembargador, ou pessoa de maior qualidade.Porém, quando matasse alguma das
sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adulterio, não morrerá por isso mas
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Percebe-se, portanto, que a mulher estava à mercê da boa vontade do marido, na qual o
homem tinha seu respaldo em lei para fazer o que bem quisesse com a vida de sua companheira
sob o manto das relações domésticas, inclusive matá-la, caso quisesse. Tudo isso em defesa de
sua honra, a qual encontrava posição hierárquica em detrimento da vida feminina.
Ademais, com o Código Criminal do Império do Brasil (Brasil, 1930), surgiu a
segurança do estado civil e doméstico do casamento, garantindo para o homem a certeza da
origem de sua prole e exercendo um controle mais severo sobre os corpos femininos, conforme
aduz as autoras Leila Barsted e Jacqueline Hermann (1999).
Passado vários anos, entre o século XIX e XX, Clóvis Beviláqua, jurista e historiador
brasileiro, foi convidado pelo Presidente Campos Salles, em 1899, para criar o projeto do que
seria o Código Civil Brasileiro, cuja aprovação ocorreu em 1915, sancionado e promulgado em
1916, surgiu a codificação, convertendo-se na Lei nº 3.071/1639.
O mencionado Código Civil de 1916, redigido por um homem com seus ideais
patriarcais e machista, validou os costumes da sociedade a qual se encontrava, na qual a mulher
perdia sua identidade ao contrair matrimônio, tendo em vista que adquirir o sobrenome do
cônjuge era uma imposição. Ademais, para exercer atos da vida civil, como o trabalho, herança,
bem como sua capacidade de postulação no âmbito jurídico. Como se não bastasse, o divórcio
não era possível, havendo na época apenas o "desquite ", o qual trazia uma mancha social sobre
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Segundo a ONU, qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte
em sofrimento e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos,
coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada é considerado violência contra
a mulher (BRASIL, 2005).
A Lei 11.340/2006 cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, sendo necessariamente o sujeito passivo da norma pessoa do sexo
feminino.
Ademais, além de a violência dever ser praticada contra pessoa do sexo feminino,
também deve ter ocorrido em ambiente onde a convivência se qualifique como doméstica ou
familiar, como prevê o art. 5ª da Lei 11.240/2003 (BRASIL, 2006):
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I- no âmbito da unidade doméstica, [...] espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II- no âmbito da família, [...] formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III- em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.
Verifica-se, assim, que abrange todos que tenham convivência doméstica e familiar, e
que os desentendimentos tenham se derivado desta relação, ou seja, um pai contra a filha, um
irmão contra sua irmã, o marido contra sua esposa ou convivente, amante, ou uma amiga que
tenha tido com o homem uma convivência doméstica, não necessariamente pautada na relação
de coabitação.
No art. 7ª da Lei 11.340/06 o legislador, em rol exemplificativo, especificou as formas
de violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangendo outras formas de violência e não
apenas contemplando a violência física, mas também a violência sexual, psicológica, moral e
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A violência física é uma ação ou omissão que cause dano à integridade de uma pessoa,
causando lesões ou até mesmo a morte. Isso ocorre entre outras maneiras, por meio de
empurrões, arremesso de objetos, espancamento, arma de fogo ou arma branca. Além de ser
amparada pela Lei 11.340/06, a violência física é tipificada como crime no art. 129, §13 do
Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940). Senão, vejamos:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo
feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº
14.188, de 2021)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).
Dias (2019, p. 89-90) reforça que embora quando visíveis os sinais seja mais fáceis de
se identificar a violência física, mesmo que a agressão não deixe a presença de machucados,
como por exemplo hematomas, arranhões ou fraturas no corpo da vítima, ainda se constitui a
conduta mencionada no artigo 7°.
A Lei 11.340/2006 conceitua a violência psicológica como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Brasil, 2006).
Essa violência se relaciona aos outros tipos apresentados, interfere e prejudica a
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Conforme dispõe o art. 7ª, III, a violência sexual é entendida como qualquer conduta
que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de
qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que
a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos.
Verifica-se que na primeira parte do inciso III se refere aos chamados crimes contra a
dignidade sexual, constantes do Código Penal como o crime de estupro e o assédio sexual, por
exemplo. Já a segunda parte do inciso visa a assegurar acesso aos serviços de saúde relacionados
à sexualidade, como por exemplo, contracepção de emergência, profilaxia de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DSTs), aborto em casos de estupro e etc. (DIAS, 2019, p. 98).
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Sobre à violência moral, a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) aduz que é aquela
entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A violência moral é perpetrada para atingir a reputação e a dignidade da mulher e
acontece no espaço da relação familiar e seus vínculos afetivos (DIAS, 2019, p. 101-102).
4. ANÁLISE TEÓRICA
4.1 DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
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Diante disso, verifica-se que o crime previsto no art. 147-B se consuma com a
provocação do dano emocional à vítima; tem natureza jurídica de crime doloso, pois aquele
que pratica dolosamente tais atos de ameaça, humilhação, manipulação, isolamento,
chantagem, ridicularização, limitação da liberdade ou similares, não poderá afirmar que não
sabia que tais condutas tinha o potencial de causar danos emocionais. Trata-se ainda de crime
que não admite a modalidade tentada, sendo o processo realizado por meio de ação pública
incondicionada a representação da vítima.
Ademais, a Lei 14.188/2021 (BRASIL, 2021) alterou o art. 12-C da Lei 11.340/2006
(BRASIL, 2006), passando a constar a locução “ou psicológica” em seu caput, na qual a
redação anterior agora é disciplinada da seguinte forma:
Essa inserção, embora pareça pequena, é de grande valia, pois confere à violência
psicológica uma hipótese suficiente para que haja o deferimento das medidas protetivas de
urgência asseguradas no dispositivo.
Thiago Pierobom de Ávila (ÁVILA et al., 2020). disciplina que o deferimento da
medida protetiva de urgência era uma forma de segurança difícil de se aplicar, nas quais,
comumente eram remetidos casos de violência psicológica sob o tema do afastamento do lar
para a Vara de Família por ser considerado um conflito sem violência física. Por outro lado,
a situação de o casal se separar e continuar vivendo sob o mesmo teto, em contexto conflitivo
verbal, já é documentada como um fator de risco de feminicídio.
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Assim, percebe-se que documento pode ser dividido em dois conceitos: o de documento
sendo qualquer escrito, instrumento oi papel público ou particular, conforme disposto no art.
232 do Código de Processo Penal, e de outra forma na visão mais atual a qual interpreta o
documento como qualquer objeto representativo de um fato ou ato relevante, nas quais estão
inclusas fotos, desenhos, esquemas, planilhas, e-mails, figuras digitalizadas, entre outros
(TÁVORA; ASSUMPÇÃO, 2012, p. 95).
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5. CONSTRUÇÃO PRAGMÁTICA
5.1 OBSTÁCULOS PROBATÓRIOS E DESAFIOS ENFRENTADOS PARA
COMPROVAR A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA EM ÃMBITO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
O art. 155 do Código de Processo Penal aduz o juiz irá avaliar as provas produzidas
usando seu livre convencimento motivado, através das apresentadas e irá tirar suas conclusões,
fundamentando a decisão devidamente baseadas em provas e nos demais elementos presentes
no processo.
Assim, conforme assevera Pacelli (PACELLI, 2017), a função primordial das provas é
tentar reconstruir fatos ocorridos e buscar relação com a realidade dos fatos e, assim, convencer
o juiz de que os fatos ocorreram conforme elas apresentam.
Contudo, existem situações em que a palavra da vítima é a prova principal do processo,
pois o fato ocorreu sem testemunhas que presenciassem como comumente ocorre nos crimes
domésticos, conforme explica Santos (apud PIRES, 2018, p. 60).
Dessa forma, as possibilidades de colher os indícios da infração penal se delimitam, e
por muitas vezes a única versão verdadeira dos fatos é comprovada somente pela palavra da
vítima.
No mesmo sentido, vem decidindo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça sobre o
assunto ao admitir como prova a palavra da vítima nos crimes no âmbito da violência
doméstica:
Nesse sentido, nos crimes que foram executados em situação de violência doméstica e
familiar, os quais, geralmente, ocorrem de forma clandestina, sem a presença de testemunhas,
a palavra da ofendida assume especial relevo, podendo representar, inclusive, prova suficiente
para a condenação desde que coerente com os demais elementos dos autos, conforme disposto
no Acórdão 1283726 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Em que pese Eugênio Pacelli (2017), afirmar que não há hierarquia entre os meios de
prova no processo penal brasileiro, Machado (2014) aduz que apesar de existir a paridade entre
as provas, a palavra da vítima não deve ter o mesmo valor que a de uma testemunha, tendo em
vista que esta é devidamente compromissada e faz um juramento de falar a verdade dos fatos,
sob pena de incorrer no crime de falso testemunho.
Nesse diapasão, verifica-se que a palavra da vítima é desvalorizada quando comparada
a outros meios de provas, o que fragiliza ainda mais a situação da mulher que busca os órgãos
de segurança uma medida de proteção a seu agressor.
Assim, quando possível, utilização de meios tecnológicos também poderia ser um
recurso para a comprovação da violência, seja por prints de conversas, vídeos, áudios entre
outras, as quais se transformarão em prova documental.
No mesmo sentido afirma a promotora Valéria Scarance (apud BRANDINO, 2016):
Ademais, há diversos acórdãos que trás relevância à palavra da vítima quando o delito
é cometido em ambiente doméstico e familiar, todavia, esse depoimente está condicionado à
demonstração de outros elementos de convicção acostados aos autos, como do Acórdão
1606715, publicado pela Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distruto Federal
em 04/09/2022.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando o objetivo geral apresentado para este trabalho, que versou sobre
apresentar uma revisão sobre a violência contra a mulher e a utilização da palavra como prova
em casos de violência doméstica psicológica, observa-se que o mesmo fora atendido já que a
partir da revisão de literatura aplicada foi possível notar que há uma evolução ainda em curso
da compreensão sobre a tipificação da violência psicológica contra a mulher e do uso da
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Referências
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contra mulher, dizem autoridades. Redação Folha Vitória, São Paulo, 05/08/2022, Rede
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Revogada pela Lei nº 10.406, de 2002. Disponível em:
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