Cardoso, 2017
Cardoso, 2017
Cardoso, 2017
DAVID TIAGO RESUMO: O Construcionismo Social vem ga- ABSTRACT: Social Constructionism has been
CARDOSO nhando força na Psicologia por meio de seus gaining strength in Psychology through its non-
fundamentos epistemológicos não essencialis- essentialist, non-universalizing epistemological
Universidade Federal de
Santa Catarina tas, não universalizantes, com foco no processo foundations, focusing on the relational process,
Mestrando em Psicologia relacional, considerando o contexto histórico e considering the historical and cultural context,
cardosodt@gmail.com cultural, possibilitando que profissionais constru- allowing professionals to build potent practices
am práticas potentes no campo de atuação. Toda in the field of performance. All this power comes
essa potência vem de cinco décadas de direcio- from five decades of directions that allowed So-
namentos que permitiram ao Construcionismo cial Constructionism to become a movement
Social se tornar um movimento marcado por re- marked by a valid alternative to the dominant
presentar uma alternativa válida frente ao modelo empiricist model. Among these directions are
empiricista dominante. Entre essas direções es- the possibility of a generative theory, a science in
tão a possibilidade de uma teoria generativa, um postmodernity, the construction of transforma-
fazer ciência na pós-modernidade, a construção tive dialogues and, more recently, the direction
de diálogos transformativos e, mais recente- of a visionary psychology. The objective of this
mente, a direção de uma Psicologia visionária. O article is to think how the constructionist social
objetivo deste artigo é pensar como o discurso discourse and its presuppositions, in Psycholo-
construcionista social e seus pressupostos, na gy, can be articulated to the public policy of Bra-
Psicologia, podem articular-se à política pública zilian social protection, non-contributory, orga-
de proteção social brasileira, não contributiva, or- nized and offered through the Unique System of
ganizada e ofertada por meio do Sistema Único Social Assistance. Using the author’s experience
de Assistência Social – SUAS. Utilizando a experi- in the field of action with the presuppositions of
ência do autor no campo de atuação com os pres- Social Constructionism, in order that the senses
supostos do Construcionismo Social, para que os constructed in this direction be discussed, it was
sentidos construídos neste direcionamento sejam possible to understand that Social Construction-
discutidos, possibilitou que o Construcionismo ism, when articulated critically with practice,
Social, quando articulado de forma crítica com allows the necessary social transformations to
a prática, permita que as transformações sociais take place in Within the framework of the rela-
necessárias aconteçam no âmbito das relações tionships created and recreated in the daily work
criadas e recriadas no cotidiano do trabalho so- of social work with families.
cial com famílias.
KEYWORDS: Psychology, social construction-
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia, construcionismo ism, social assistance.
social, assistência social.
INTRODUÇÃO
Desde a década de 1970, com a crise da Psicologia Social, motivada pelo ce-
Recebido em: 30/04/2017
nário de transformações sociais, tensionadas por movimentos sociais e pela forte
Aprovado em: 21/06/2017 crítica à excessiva individualização das explicações desta ciência, onde se descon-
siderava o papel exercido pelo contex- No fim da década de 1980, Gergen Construcionismo social: em
to histórico e cultural na produção de (1990) propõe que se caminhe em di- direção à assistência social 61
subjetividades (Ferreira, 2010; Garri- reção à pós-modernidade, alertando David Tiago Cardoso
do & Álvaro, 2007), o discurso socio- que uma vez que os pressupostos
construcionista vem ganhando espaço pós-modernistas sejam saboreados,
no campo científico da Psicologia, tra- dificilmente podem ser abandonados,
zendo uma discussão epistemológica por serem potentes ao considerarem
que desafia o modo tradicional de fa- o avanço tecnológico e as novas
zer ciência como produtor de verdades formas de relações que esse avanço
incontestáveis, um fazer que busca a proporciona, e chamar os cientistas
construção de uma Verdade Universal. para participarem da vida cultural
Essa ampliação no campo cientí- onde estão inseridos, desafiando-os
fico deve muito ao Construcionismo não a dizer quais são os desafios, mas
Social não ser enquadrado como uma no que podem se tornar.
teoria explicativa do mundo, mas, sim, Já no início do século XXI, o Cons-
como um movimento crítico que con- trucionismo Social segue em direção
sidera as teorias como discursos locais a uma Psicologia que promova diálo-
cuja importância e aplicabilidade me- gos transformativos (Gergen, McNa-
dem-se por sua utilidade e não pelos mee, & Barrett, 2001), que são cons-
regimes de verdade que ela produz. truídos a partir da possibilidade da
Diversos autores e autoras têm con- responsabilidade relacional, autoex-
tribuído para essa discussão, entre os pressão, afirmação, coordenação, re-
quais podemos citar Kenneth Gergen, flexividade e cocriação de novas rea-
Vivien Burr, Dian Marie Hosking, Ma- lidades. Mais recentemente, Gergen
ria Conceição Nogueira, Emerson Ra- (2016) propõe que o direcionamento
sera, Carla Guanaes-Lorenzi, Marisa seja a uma Psicologia Visionária, que
Japur, Lupicínio Íñiguez-Rueda, Mary caminhe em direção ao futuro, para
Jane Paris Spink, entre tantos outros quebrar com a necessidade de contar
não menos importantes. com conceitos, discursos e práticas
De certo modo, é possível afirmar congeladas no passado, enquanto a
que o movimento do Construcionis- cultura avança.
mo Social sempre esteve, e continua, Com essa trajetória histórica de um
caminhando “em direção a” algo, como pouco mais de cinco décadas de dire-
destaca Kenneth Gergen, um dos im- ções, espero que, a partir da discussão
portantes nomes do movimento socio- realizada no artigo, seja possível con-
construcionista. Já na referida década tribuir com a reflexão sobre as práti-
de 1970, Gergen (1978) propôs que cas construídas pela Psicologia frente
a Psicologia caminhava em direção às constantes transformações socio-
a uma teoria generativa, sendo uma culturais e científicas que atravessam,
das premissas importantes a ênfase na tensionam, modificam e cristalizam
linguagem, abandonando o conceito discursos que influenciam visível ou
de linguagem como representante da invisivelmente o cotidiano de traba-
realidade e adotando a compreensão lho desta profissão, de modo que o
de linguagem como criação de rea- Construcionismo Social caminhe em
lidades. Ao desafiar os pressupostos direção à política pública brasileira de
prevalecentes em relação à vida social, proteção social, não contributiva, or-
buscava-se oferecer novas alternativas ganizada e ofertada por meio do Siste-
à realidade social. ma Único de Assistência Social.
Escolhi iniciar pela “Postura crítica existe é o que eu percebia existir (Burr,
em relação ao conhecimento adquiri- 2006), em outras palavras, abandonar
do” (Burr, 2006; Conceição Noguei- a observação dos adolescentes e a re-
ra, Neves, & Barbosa, 2005), não por beldia “natural” da idade em contextos
existir uma hierarquia epistemológica, de vulnerabilidade social para explicar,
da menos importante para a mais im- por meio de discursos fatalistas, que
portante, mas, sim, porque a postura “não há como escapar do conflito com
crítica frente ao conhecimento adqui- a lei”. Assim, sem problematizar as
rido e colocado como verdade coloca categorias da tipificação, utilizando a
em suspeita categorias que podem es- observação do mundo dos adolescen-
tar postas como “naturais” ou “essen- tes que não cometiam ato infracional
cializadas”. No âmbito da Assistência como a vida possível para enquadrar
Social, é preciso colocar algumas ca- os adolescentes atendidos pelo ser-
tegorias sob suspeita; entre elas, indi- viço, não produzia resultados – além
co: “pobreza”, “vulnerabilidade social”, da pouca frequência dos mesmos nos
“projeto de vida”, “família”, “comunida- grupos propostos.
de” e “empoderamento”, para proble- Não pretendo dizer com isso que se
matizar como elas produzem – ou po- deve aceitar que o adolescente cometa
dem estar produzindo – sentidos nos atos infracionais ou, mesmo, os auto-
atendimentos realizados no cotidiano rize, mas, sim, que, no atendimento, se
de trabalho. possibilite a reflexão sobre a vida que
Isso porque não é incomum ouvir vive, em que contexto ela está sendo
de trabalhadoras/es frases como “Essa vivida, com quem esse adolescente
família não tem jeito, sempre foi assim”, está construindo relacionamentos e
ou “Esse adolescente não possui um como todo esse processo social produz
projeto de vida, precisamos ajudá-lo”, sentidos e constrói um certo modo de
ou, ainda, “os usuários deste bairro realidade que o faça ser capturado pela
possuem muitas vulnerabilidades” e “É óptica da marginalidade.
preciso criar estratégias para empoderar Isso porque o “Conhecimento sus-
os usuários”. Quando iniciei o trabalho tentado por processos sociais” res-
com os adolescentes em cumprimento salta a construção por meio das rela-
de medida socioeducativa, em 2006, os ções, das conversações (Burr, 2006;
grupos que coordenava tinham como Hosking, 1999), não apenas o conheci-
objetivo principal a construção de no- mento científico, mas o conhecimento
vos projetos de vida, tal como solicita a de si e do outro, do reconhecer-se e do
Tipificação dos Serviços Socioassisten- reconhecimento do outro. É nas inte-
ciais (Ministério do Desenvolvimento rações cotidianas entre as pessoas no
Social e Combate à Fome, 2014). Com decurso da vida social que as versões
o Construcionismo Social, questões desses conhecimentos são fabricadas
começaram a surgir no planejamento (Conceição Nogueira, Neves, & Bar-
de novos grupos. Entre todas, as prin- bosa, 2005, p. 201). Assim, “Conheci-
cipais eram: “Que vida considero uma mento e ação social caminham juntos”
boa vida para o adolescente?” e “Qual (Burr, 2006), pois esses conhecimen-
vida estou usando como referência tos, ao serem dialogados e, desta for-
para esses adolescentes?”. ma, negociados, podem tomar uma