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Cardoso, 2017

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ARTIGO

CONSTRUCIONISMO SOCIAL: EM DIREÇÃO À


ASSISTÊNCIA SOCIAL

SOCIAL CONSTRUCTIONISM: TOWARD SOCIAL ASSISTANCE

DAVID TIAGO RESUMO: O Construcionismo Social vem ga- ABSTRACT: Social Constructionism has been
CARDOSO nhando força na Psicologia por meio de seus gaining strength in Psychology through its non-
fundamentos epistemológicos não essencialis- essentialist, non-universalizing epistemological
Universidade Federal de
Santa Catarina tas, não universalizantes, com foco no processo foundations, focusing on the relational process,
Mestrando em Psicologia relacional, considerando o contexto histórico e considering the historical and cultural context,
cardosodt@gmail.com cultural, possibilitando que profissionais constru- allowing professionals to build potent practices
am práticas potentes no campo de atuação. Toda in the field of performance. All this power comes
essa potência vem de cinco décadas de direcio- from five decades of directions that allowed So-
namentos que permitiram ao Construcionismo cial Constructionism to become a movement
Social se tornar um movimento marcado por re- marked by a valid alternative to the dominant
presentar uma alternativa válida frente ao modelo empiricist model. Among these directions are
empiricista dominante. Entre essas direções es- the possibility of a generative theory, a science in
tão a possibilidade de uma teoria generativa, um postmodernity, the construction of transforma-
fazer ciência na pós-modernidade, a construção tive dialogues and, more recently, the direction
de diálogos transformativos e, mais recente- of a visionary psychology. The objective of this
mente, a direção de uma Psicologia visionária. O article is to think how the constructionist social
objetivo deste artigo é pensar como o discurso discourse and its presuppositions, in Psycholo-
construcionista social e seus pressupostos, na gy, can be articulated to the public policy of Bra-
Psicologia, podem articular-se à política pública zilian social protection, non-contributory, orga-
de proteção social brasileira, não contributiva, or- nized and offered through the Unique System of
ganizada e ofertada por meio do Sistema Único Social Assistance. Using the author’s experience
de Assistência Social – SUAS. Utilizando a experi- in the field of action with the presuppositions of
ência do autor no campo de atuação com os pres- Social Constructionism, in order that the senses
supostos do Construcionismo Social, para que os constructed in this direction be discussed, it was
sentidos construídos neste direcionamento sejam possible to understand that Social Construction-
discutidos, possibilitou que o Construcionismo ism, when articulated critically with practice,
Social, quando articulado de forma crítica com allows the necessary social transformations to
a prática, permita que as transformações sociais take place in Within the framework of the rela-
necessárias aconteçam no âmbito das relações tionships created and recreated in the daily work
criadas e recriadas no cotidiano do trabalho so- of social work with families.
cial com famílias.
KEYWORDS: Psychology, social construction-
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia, construcionismo ism, social assistance.
social, assistência social.

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1970, com a crise da Psicologia Social, motivada pelo ce-
Recebido em: 30/04/2017
nário de transformações sociais, tensionadas por movimentos sociais e pela forte
Aprovado em: 21/06/2017 crítica à excessiva individualização das explicações desta ciência, onde se descon-
siderava o papel exercido pelo contex- No fim da década de 1980, Gergen Construcionismo social: em
to histórico e cultural na produção de (1990) propõe que se caminhe em di- direção à assistência social 61
subjetividades (Ferreira, 2010; Garri- reção à pós-modernidade, alertando David Tiago Cardoso

do & Álvaro, 2007), o discurso socio- que uma vez que os pressupostos
construcionista vem ganhando espaço pós-modernistas sejam saboreados,
no campo científico da Psicologia, tra- dificilmente podem ser abandonados,
zendo uma discussão epistemológica por serem potentes ao considerarem
que desafia o modo tradicional de fa- o avanço tecnológico e as novas
zer ciência como produtor de verdades formas de relações que esse avanço
incontestáveis, um fazer que busca a proporciona, e chamar os cientistas
construção de uma Verdade Universal. para participarem da vida cultural
Essa ampliação no campo cientí- onde estão inseridos, desafiando-os
fico deve muito ao Construcionismo não a dizer quais são os desafios, mas
Social não ser enquadrado como uma no que podem se tornar.
teoria explicativa do mundo, mas, sim, Já no início do século XXI, o Cons-
como um movimento crítico que con- trucionismo Social segue em direção
sidera as teorias como discursos locais a uma Psicologia que promova diálo-
cuja importância e aplicabilidade me- gos transformativos (Gergen, McNa-
dem-se por sua utilidade e não pelos mee, & Barrett, 2001), que são cons-
regimes de verdade que ela produz. truídos a partir da possibilidade da
Diversos autores e autoras têm con- responsabilidade relacional, autoex-
tribuído para essa discussão, entre os pressão, afirmação, coordenação, re-
quais podemos citar Kenneth Gergen, flexividade e cocriação de novas rea-
Vivien Burr, Dian Marie Hosking, Ma- lidades. Mais recentemente, Gergen
ria Conceição Nogueira, Emerson Ra- (2016) propõe que o direcionamento
sera, Carla Guanaes-Lorenzi, Marisa seja a uma Psicologia Visionária, que
Japur, Lupicínio Íñiguez-Rueda, Mary caminhe em direção ao futuro, para
Jane Paris Spink, entre tantos outros quebrar com a necessidade de contar
não menos importantes. com conceitos, discursos e práticas
De certo modo, é possível afirmar congeladas no passado, enquanto a
que o movimento do Construcionis- cultura avança.
mo Social sempre esteve, e continua, Com essa trajetória histórica de um
caminhando “em direção a” algo, como pouco mais de cinco décadas de dire-
destaca Kenneth Gergen, um dos im- ções, espero que, a partir da discussão
portantes nomes do movimento socio- realizada no artigo, seja possível con-
construcionista. Já na referida década tribuir com a reflexão sobre as práti-
de 1970, Gergen (1978) propôs que cas construídas pela Psicologia frente
a Psicologia caminhava em direção às constantes transformações socio-
a uma teoria generativa, sendo uma culturais e científicas que atravessam,
das premissas importantes a ênfase na tensionam, modificam e cristalizam
linguagem, abandonando o conceito discursos que influenciam visível ou
de linguagem como representante da invisivelmente o cotidiano de traba-
realidade e adotando a compreensão lho desta profissão, de modo que o
de linguagem como criação de rea- Construcionismo Social caminhe em
lidades. Ao desafiar os pressupostos direção à política pública brasileira de
prevalecentes em relação à vida social, proteção social, não contributiva, or-
buscava-se oferecer novas alternativas ganizada e ofertada por meio do Siste-
à realidade social. ma Único de Assistência Social.

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A escolha de fazer essa discus- este artigo tem como objetivo contri-
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são tomando como contexto o SUAS buir com a articulação entre algumas
deve-se ao fato de ser este um campo ideias promovidas pelo CS e a práti-
de atuação recente para a Psicologia, ca da/o psicóloga/o, e também das/os
tendo sido efetivamente construído a outras/os profissionais que integram
partir de 2004, com a elaboração do as equipes, no âmbito da Assistência
Plano Nacional de Assistência Social Social, sendo elas: postura crítica em
e, em 2005, com a regulação do Sis- relação ao conhecimento adquirido;
tema Único de Assistência Social. É a especificidade histórico-cultural; co-
partir deste marco que profissionais nhecimento sustentado por processos
da Psicologia começam a fazer parte sociais; conhecimento e ação social
das equipes dos Centros de Referên- caminhando juntos; linguagem como
cia de Assistência Social – CRAS e dos forma de ação social; foco na interação
Centros de Referência Especializados e práticas sociais; foco no processo e
de Assistência Social – CREAS, tendo Self Relacional.
como prioridade os vínculos familia- Com esse artigo, não pretendo criar
res e comunitários (Rodrigues, Gua- verdades e estabelecer o Construcio-
reschi, & Cruz, 2013). No meu caso, nismo Social como o melhor caminho
esse campo de atuação é ainda mais re- epistemológico para a atuação de pro-
cente, tendo iniciado no fim de 2010, fissionais do SUAS, mas, sim, colocá-
com total desconhecimento da política -lo em discussão como possibilidades
pública e das atribuições da Psicologia que produzam sentidos potentes para
nesse contexto. o enfrentamento das demandas que
A caminhada começou na Proteção chegam aos serviços, sejam elas advin-
Social Especial de Média Complexi- das dos territórios onde se encontram
dade, no “Serviço de Proteção Social os equipamentos públicos, sejam elas
a Adolescentes em Cumprimento de de usuárias/os e das relações familiares
Medida Socioeducativa de Liberda- e comunitárias que constroem cotidia-
de Assistida” (LA), e de “Prestação namente.
de Serviços à Comunidade (PSC)”,
passando pelo “Serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a Famílias A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO
e Indivíduos – PAEFI”. Na Proteção DIREÇÃO
Social Básica, a atuação foi no “Servi-
ço de Proteção e Atendimento Integral Antes de dar continuidade, é preci-
à Família – PAIF”. No decorrer desses so dizer que os fundamentos do Cons-
seis anos, muito foi construído e des- trucionismo Social são sempre con-
construído, seja nas estratégias de atu- tingentes; em outras palavras, estão
ação, seja na epistemologia que funda- abertos para serem desmontados, dis-
mentava essa atuação. cutidos democraticamente para, pos-
Neste artigo, minhas reflexões par- teriormente, serem remontados com a
tem da preocupação enquanto psicólo- produção de novos sentidos. Contudo,
go que atua na política pública de As- algumas categorias são mais estáveis
sistência Social e que busca construir que outras, mas nunca essencialistas
um trabalho que favoreça a superação e universalizantes, o que Vivien Burr
das demandas junto ao público aten- (2006) trata como aquilo que você de-
dido. Assim, com base na experiência veria acreditar a fim de ser um “socio-
de trabalho do autor nestes contextos, construcionista”, e Maria Conceição

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Nogueira, Sofia Neves e Carlos Barbo- Ao abandonar os pressupostos de Construcionismo social: em
sa (2005, p. 197) chamaram de “alter- que a natureza do mundo pode ser direção à assistência social 63
nativa(s) epistemológica(s)”. revelada pela observação e que o que David Tiago Cardoso

Escolhi iniciar pela “Postura crítica existe é o que eu percebia existir (Burr,
em relação ao conhecimento adquiri- 2006), em outras palavras, abandonar
do” (Burr, 2006; Conceição Noguei- a observação dos adolescentes e a re-
ra, Neves, & Barbosa, 2005), não por beldia “natural” da idade em contextos
existir uma hierarquia epistemológica, de vulnerabilidade social para explicar,
da menos importante para a mais im- por meio de discursos fatalistas, que
portante, mas, sim, porque a postura “não há como escapar do conflito com
crítica frente ao conhecimento adqui- a lei”. Assim, sem problematizar as
rido e colocado como verdade coloca categorias da tipificação, utilizando a
em suspeita categorias que podem es- observação do mundo dos adolescen-
tar postas como “naturais” ou “essen- tes que não cometiam ato infracional
cializadas”. No âmbito da Assistência como a vida possível para enquadrar
Social, é preciso colocar algumas ca- os adolescentes atendidos pelo ser-
tegorias sob suspeita; entre elas, indi- viço, não produzia resultados – além
co: “pobreza”, “vulnerabilidade social”, da pouca frequência dos mesmos nos
“projeto de vida”, “família”, “comunida- grupos propostos.
de” e “empoderamento”, para proble- Não pretendo dizer com isso que se
matizar como elas produzem – ou po- deve aceitar que o adolescente cometa
dem estar produzindo – sentidos nos atos infracionais ou, mesmo, os auto-
atendimentos realizados no cotidiano rize, mas, sim, que, no atendimento, se
de trabalho. possibilite a reflexão sobre a vida que
Isso porque não é incomum ouvir vive, em que contexto ela está sendo
de trabalhadoras/es frases como “Essa vivida, com quem esse adolescente
família não tem jeito, sempre foi assim”, está construindo relacionamentos e
ou “Esse adolescente não possui um como todo esse processo social produz
projeto de vida, precisamos ajudá-lo”, sentidos e constrói um certo modo de
ou, ainda, “os usuários deste bairro realidade que o faça ser capturado pela
possuem muitas vulnerabilidades” e “É óptica da marginalidade.
preciso criar estratégias para empoderar Isso porque o “Conhecimento sus-
os usuários”. Quando iniciei o trabalho tentado por processos sociais” res-
com os adolescentes em cumprimento salta a construção por meio das rela-
de medida socioeducativa, em 2006, os ções, das conversações (Burr, 2006;
grupos que coordenava tinham como Hosking, 1999), não apenas o conheci-
objetivo principal a construção de no- mento científico, mas o conhecimento
vos projetos de vida, tal como solicita a de si e do outro, do reconhecer-se e do
Tipificação dos Serviços Socioassisten- reconhecimento do outro. É nas inte-
ciais (Ministério do Desenvolvimento rações cotidianas entre as pessoas no
Social e Combate à Fome, 2014). Com decurso da vida social que as versões
o Construcionismo Social, questões desses conhecimentos são fabricadas
começaram a surgir no planejamento (Conceição Nogueira, Neves, & Bar-
de novos grupos. Entre todas, as prin- bosa, 2005, p. 201). Assim, “Conheci-
cipais eram: “Que vida considero uma mento e ação social caminham juntos”
boa vida para o adolescente?” e “Qual (Burr, 2006), pois esses conhecimen-
vida estou usando como referência tos, ao serem dialogados e, desta for-
para esses adolescentes?”. ma, negociados, podem tomar uma

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grande variedade de formas e numero- Ministério do Desenvolvimento Social
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sas construções sociais de mundo, que e Combate à Fome – MDS, no docu-
podem se transformar em um convite mento “Concepção de Convivência e
a uma forma particular de ação (Con- Fortalecimento de Vínculos”, quando
ceição Nogueira, Neves, & Barbosa, é possível construir ações com as/os
2005, p. 203). usuárias/os a fim de “Promover bons
Esses fundamentos permitem afir- encontros, que fortaleçam a potência
mar que o Construcionismo Social se de agir que pode impulsionar a ação
apresenta como um movimento que para enfrentar situações conflituosas,
tem profundo interesse na linguagem, alterar condições de subordinação, es-
no processo social dialogado, pois tabelecer diálogos, desejar e atuar por
cada sujeito constrói, por meio das re- um mundo mais digno e mais justo”
lações sociais, o mundo ao seu modo, e (Ministério do Desenvolvimento So-
essa diferença se encontra nas relações cial e Combate à Fome, 2013, p. 22).
sociais que estabelecem, criando no- Tanto no contexto no PAIF quanto
vos mundos (Gergen & Gergen, 2010). no PAEFI, esses encontros acontecem
A/o psicóloga/o que acredita nos fun- por meio do instrumento técnico-
damentos socioconstrucionistas está -operativo denominado Oficina com
interessada/o, portanto, em saber famílias, que “pressupõe uma parti-
como as pessoas constroem os senti- cipação mais ativa de seus membros.
dos sobre os fenômenos e quais ações Apresentam-se como uma oportuni-
se tornam possíveis com esses sentidos dade de vivenciar ou refletir sobre si-
construídos (Gergen, 1999 como cita- tuações concretas significativas para
do em Corradi-Webster, 2014), sendo seus participantes” (Ministério do
esses sentidos construídos por meio Desenvolvimento Social e Combate à
da linguagem, concebida como uma Fome – MDS, 2016, p. 33). No espaço
forma de ação social. destas oficinas, as ideias construcio-
O enfoque socioconstrucionista, nistas têm me permitido, como téc-
como destaca Ibañez (1990), acentua a nico do serviço, desconstruir relações
importância da linguagem como cons- hierarquizadas com as usuárias, dando
trutora da realidade social; em outras lugar a um espaço democrático-dialó-
palavras, a linguagem é considerada gico de inúmeros saberes, onde cada
em termos de “atividade”, ou seja, não um dos integrantes da oficina narra
se limita a revelar como é o mundo, sua vida e o seu mundo. A partir daí,
pois também o constrói (Ibañez, 2005). das disputas de sentidos, de descons-
Corradi-Webster (2014, p. 74) ressalta truções e reconstruções, novas reali-
que “assim, a linguagem é considerada dades são possíveis e novas formas de
uma prática social, já que diferentes viver e de relacionar-se com o mundo
descrições constroem diferentes re- acontecem.
alidades, diferentes tipos de ação so- Como exemplo, trago as oficinas
cial”. Assim, não existe uma realidade, que realizei em 2015, utilizadas como
nem sujeitos a priori, pois é por meio preparatórias para a Conferência Mu-
da linguagem e na disputa de sentidos nicipal de Assistência Social, que tive-
que estes são construídos, por meio da ram como tema Direitos Sociais. As
interação e das práticas sociais. oficinas foram organizadas de modo
Mas, como esses fundamentos a possibilitar que usuárias/os falassem
constroem possibilidades de atuação sobre o que compreendiam como di-
na Assistência Social? Conforme o reito e o que entendiam como falta de

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direito. A atividade foi desenvolvida que eu atuo, pois, com eles, fica impos- Construcionismo social: em
por meio da utilização de um novelo sibilitada a criação de práticas indivi- direção à assistência social 65
de lã como estratégia. Com o novelo dualistas ou de responsabilização de David Tiago Cardoso

em mãos, a/o participante tinha que um único sujeito. Em outras palavras,


falar de um direito que tinha garantido quero afirmar que a política pública
e de outro que faltava, para, então, pas- de Assistência Social nesse município
sar para outra/o participante. Ao final, não é produto de uma única pessoa,
foi possível dialogar sobre como todos mas a construção de um grupo de pes-
estavam ligados não só pelos direitos soas em um processo de constante in-
que tinham, mas também por aqueles teração e em disputa de sentidos.
direitos que faltavam; indo além, trou- Ao citar que esta construção está
xeram quais outros direitos que falta- localizada em um município especí-
vam não haviam sido falados. Ao fim, fico, abro espaço para outra premissa
foi possível elaborar uma lista de direi- importante para o Construcionismo
tos que deveriam ser levados à Confe- Social, a “Especificidade histórico-cul-
rência Municipal para serem enviados tural” (Burr, 2006). Vivien Burr (2006)
ao conhecimento de todo o município, é enfática ao afirmar que as maneiras
repassado ao Governo Estadual e, en- pelas quais comumente entendemos o
tão, chegar ao Governo Federal. mundo, as categorias e conceitos que
Com as oficinas com famílias, po- usamos, são historicamente e cultural-
demos enfocar outras alternativas mente específicas. Em outras palavras,
epistemológicas do Construcionismo o que a autora quer dizer é que se al-
Social, como o “Foco na interação e guém entende o mundo em quaisquer
práticas sociais” e o “Foco no proces- que sejam os termos (conceito de ho-
so” (Burr, 2006). Cito o primeiro foco mem e mulher; conceito de criança;
para deixar marcado o que venho ten- conceito de violência, por exemplo),
tando deixar claro até aqui, que, dife- estes dependem de onde e quando este
rente da Psicologia tradicional, que alguém vive. Conceição Nogueira, Ne-
tem foco nos aspectos intrapessoais, ves e Barbosa (2005) complementam
como, por exemplo, motivação, cog- as ideias apresentadas por Burr (2006)
nição, para citar alguns, o Constru- ao afirmarem que as palavras que uti-
cionismo Social tem me possibilitado lizamos só fazem sentido se estiverem
olhar para as/os usuárias/os através do dentro de um contexto relacional es-
modo como interagem com o mundo pecífico.
e, por meio desta interação, constroem No âmbito da Proteção Social Bá-
práticas sociais. sica, onde se encontra o Centro de
Com o segundo foco, o Constru- Referência de Assistência Social –
cionismo Social, o objetivo e interesse CRAS, responsável pelo PAIF, a Espe-
consistem em compreender essas in- cificidade histórico-cultural torna-se
terações e práticas como um processo importante devido ao princípio da
socialmente construído, ou seja, o co- Territorialização, que, segundo a Po-
nhecimento não é algo que as pessoas lítica Nacional de Assistência Social –
têm ou não têm, mas, sim, como algo PNAS, “significa o reconhecimento da
que estes sujeitos fazem em conjunto. presença de múltiplos fatores sociais e
Esses dois focos têm sido extremamen- econômicos, que levam o indivíduo e
te úteis nas minhas atuais atribuições a família a uma situação de vulnera-
enquanto psicólogo da equipe técnica bilidade, risco pessoal e social” (Mi-
da Assistência Social do município em nistério do Desenvolvimento Social e

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Combate à Fome, 2004, p. 90), o que destacar dois fatos a partir do discurso
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torna necessária a elaboração de ações socioconstrucionista sobre o Self Re-
de caráter protetivo, ou seja, “a exigên- lacional: primeiro, não há como tra-
cia de uma ação antecipada, baseada balhar a convivência familiar e comu-
no conhecimento do território, dos fe- nitária se não for por ações coletivas
nômenos e suas características especí- conversacionais, por meio das quais
ficas (culturais, sociais e econômicas) as pessoas vão dando sentido ao mun-
e das famílias e suas histórias” (Minis- do e às suas próprias ações no mundo
tério do Desenvolvimento e Combate (Guanaes & Japur, 2003); segundo, que
à Fome, 2012, p. 11). essas ações coletivas sem reflexão não
Assim, tornou-se impossível fazer geram mudanças, mas tendem a man-
os atendimentos sem considerar a tra- ter o status quo.
jetória histórica das famílias, o modo Esses dois fatos justificam a impor-
como narram essa história, bem como tância/relevância do trabalho com gru-
ficou ressaltada a necessidade de co- pos, que, como bem ressaltam Emer-
nhecer o local onde essas famílias son Fernando Rasera, Livia Andrade
constroem suas relações. No contexto Santos e Marisa Japur (2016), implica
das oficinas, enquanto processo gru- uma ação colaborativa onde a fala de
pal, isto permite que as narrativas tran- cada um convida os demais a novos
sitem livremente, sem preconceitos entendimentos e significações. Coe-
e sem considerar algo como falso ou rente com a premissa construcionista,
verdadeiro, mas, sim, compreendendo Kenneth J. Gergen, Sheila McNamee
que aquela é uma versão de realidade e Frank J. Barrett (2001) oferecem re-
que, se for constatada posteriormente cursos conversacionais que não devem
como falaciosa, não deve criar barrei- ser enquadrados como técnicas, mas
ras no atendimento, mas compreensão como recursos fluidos e flexíveis para
de como e porque aquela/e usuária/o a ação, sendo eles: responsabilidade
utiliza-se de tal narrativa para estabe- relacional, a autoexpressão, a afirma-
lecer relações. ção, a coordenação, reflexividade e a
Isso porque, para o Construcionis- cocriação de novas realidades.
mo Social, como já deve ter ficado evi- Em termos gerais, com a responsa-
dente, o próprio Self é uma construção bilidade relacional, a proposta é sair da
relacional (Gergen, 2011), ou seja, não culpa individualizada e compreender
existe sujeito se não existir relação, que o conflito, ou a situação, é cria-
sendo que a própria relação acontece do na relação. Com a autoexpressão,
por intermédio da linguagem, o que é possibilitado que a/o usuária/o fale
faz ser possível afirmar que a lingua- de determinada situação a partir de si,
gem é anterior ao pensamento (Burr, em primeira pessoa, podendo utilizar-
2005). Assim, o pensamento crítico -se de histórias, sendo isso importante
da realidade só é possível por meio por três razões: (a) elas/es são facil-
da possibilidade de vivenciar relações mente compreendidas/os; (b) contar
permeadas de criticidade. histórias pode convidar a um envolvi-
Na Assistência Social, portanto, mento mais abrangente das ideias abs-
quando se trata de falar de Convivên- tratas; (c) a história pessoal tende a ge-
cia Familiar e Comunitária, seja no rar aceitação em oposição à resistência
PAIF, no PAEFI ou, mesmo, no pró- (Gergen, McNamee, & Barrett, 2001).
prio Serviço de Convivência e Forta- Com o recurso da Afirmação, a pro-
lecimento de Vínculos, é importante posta é a afirmação do outro, ou seja,

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implica localizar na expressão do outro suas vidas, sendo essa compreensão Construcionismo social: em
algo que podemos apoiar. Quando se uma construção coletiva compartilha- direção à assistência social 67
trata da Coordenação, o convite feito da pela conversação. David Tiago Cardoso

é a improvisação, ao agir espontâneo. Outra questão que gostaria de trazer


Contudo, é preciso estar atento ao rit- à discussão é como os fundamentos
mo da conversa e das expressões que socioconstrucionistas têm contribuí-
dela surgem. Outro recurso utilizado do com a minha atuação na direção de
é a autorreflexividade, que, para Ger- tornar as categorias Gênero e Mascu-
gen, McNamee e Barrett (2001) signi- linidades úteis para o trabalho social
fica dizer que é colocar como desafio com família no cotidiano de atuação,
transformador a possibilidade de ou- auxiliando na ampliação da minha
tras formas de questionar o Self – em matriz de inteligibilidade com relação
que devemos adotar, necessariamente, não apenas ao trabalho proposto, mas
uma voz diferente que questiona a voz também ao compreender que existem
dominante. muitas vidas que não chegam aos ser-
Assim, no autointerrogatório, re- viços, seja por falta de acessibilidade,
nunciamos a “posição rápida e firme” seja por todo um processo maior de
de resolver conflitos para que possi- invisibilidade. Estou falando não ape-
bilidades abertas de outras formas de nas de sujeitos com deficiência, mas
conversações aconteçam. O que torna de toda a população LGBTTI, em es-
possível afirmar que a autorreflexi- pecial aqueles sujeitos que escapam ao
vidade é polivocal, ou seja, inúmeras enquadramento heteronormativo de
vozes em uma única voz, pois difi- performatividade de gênero, ou que, a
cilmente participamos de um único partir de sua performatividade, tensio-
contexto e relacionamo-nos com uma nam a norma; estou falando de traves-
única pessoa, tanto que a tendência é ti, transgênero e intersex.
dificilmente falarmos na primeira pes- Para Conceição Nogueira (2001), o
soa. E, por fim, da mesma forma que gênero é uma construção social, um
a responsabilidade é compartilhada, a sistema de significados que se constrói
solução também o é, pois é na relação nas interações, governando acessos
conversacional que surge o recurso da ao poder e aos recursos, não sendo,
cocriação de novas realidades. portanto, um atributo individual, mas
A concepção de diálogos transfor- uma forma de dar sentido às transa-
mativos vai ao encontro ao que propõe ções; em outras palavras, não existe no
a Política Nacional de Assistência So- sujeito, mas, sim, nas relações sociais,
cial ao afirmar que objetivo principal está no entre, na linguagem, naquilo
é “o engajamento do usuário na ges- que concordamos que o Gênero seja.
tão dos serviços como experiência de Essa concepção é potente no âmbito
construção conjunta. Práticas demo- do SUAS por ser primeiramente uma
cráticas, participativas e inclusivas po- política executada em sua maioria
tencializam esta premissa” (Ministério por mulheres e para mulheres, mas,
do Desenvolvimento Social e Combate também, por ajudar a pensar se estou
à Fome, 2004, p. 14). As/os usuárias/ atendendo apenas ao Gênero que con-
os inseridas/os nessa proposta de tra- cordei atender, ou seja, se não chegam
balho com trabalhadoras/es compre- travestis no atendimento é porque o
endendo os fundamentos propostos próprio serviço, por não compreen-
poderão se engajar naquilo que com- der que essas pessoas sejam passíveis
preenderem como importante para de atendimento, não cria e fomenta

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possibilidades de acesso – conforme se ário sobre a possibilidade de que a
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discute a seguir. Assistência Social seja o lugar para o
Assim, na compreensão de Concei- atendimento aos homens autores de
ção Nogueira (2001, p. 57), “a exposi- violência, e que este lugar seja o PA-
ção selectiva de homens e mulheres a EFI. E, por fim, na revisão do Plano
contextos genderizados suscita com- Municipal de Educação Permanente
portamentos onde o sexo é compa- de Trabalhadoras/es da Assistência
tível com o gênero, reforçando desse Social, inserindo Gênero e Masculi-
modo a percepção que o gênero é nidades como categorias a serem es-
sexualmente diferenciado e sexual- tudadas para serem transformadas em
mente definido”. Com as palavras da ações junto às famílias e usuárias/os
autora, quero afirmar que, se manti- atendidas/os.
vermos o atendimento na Assistência
Social para sujeitos que não escapam
às normas de Gênero, possivelmente CONSIDERAÇÕES FINAIS
iremos cristalizar as mulheres como
responsáveis pelo cuidado das crian- Ainda que resistente ao termo con-
ças, os homens como responsáveis siderações finais, é preciso colocar um
pelo sustento familiar e todos aqueles ponto final, mas que ele venha acom-
que escapam à norma, deixaremos in- panhado de outros pontos finais a fim
visibilizados, ou, melhor dizendo, re- de se transformar em reticências e o
servaremos a estes um “não lugar” na debate permanecer em aberto. Para
chamada proteção social. tal, é preciso admitir a possibilidade de
O que tenho feito para desestabili- haver algo no Construcionismo Social
zar esse “não lugar”? A partir do meu que não se encaixe à política pública
próprio “não lugar” nos feminismos de Assistência Social; isso porque, con-
devido à interseccionalidade “homem- forme afirma Ian Parker (2014), as teo-
-heretossexual-branco”, falando da mi- rias psicológicas são sempre criaturas
nha experiência a partir daí, por meio de seu tempo, lutando entre si para se
de todos os fundamentos supracitados adaptarem e sobreviverem ao merca-
do Construcionismo Social, mas, es- do intelectual, na busca pela vitória de
pecificamente por ter o privilégio de qual se adapta melhor ao capitalismo.
sempre haver um lugar de fala, que O que quero dizer com as palavras
venho construindo estratégias para de Ian Parker? Quero refletir sobre o
ampliar a compreensão de que a Assis- lugar que o Construcionismo Social
tência Social não é apenas um lugar de ocupa no capitalismo, se está em um
mulheres; deve também ser um lugar lugar de se adaptar e adaptar as pes-
para as masculinidades e para toda a soas ou se está em um lugar de pro-
população LGBTTI. blematizar e possibilitar que as pessoas
Entre essas estratégias, ainda no reflitam sobre as desigualdades provo-
campo do projeto, estão a construção cadas por este sistema capitalista. Pelo
de um espaço coletivo de diálogo. A olhar de Parker (2014, p. 27), em uma
função desse ambiente seria a garantia nota de rodapé de seu livro, os repre-
e construção de direitos para o públi- sentantes do Construcionismo Social
co LGBTTI, em especial para travesti, não estão interessados em compreen-
transgênero e intersex. No campo das der e contestar o capitalismo. Desta
masculinidades, iniciaram as primei- forma, surge uma questão: como pode
ras conversas com o sistema judici- o Construcionismo Social ir em di-

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reção à Assistência Social, sendo esta gada de rótulos, pré e pós-conceitos, e Construcionismo social: em
uma política pública de atendimento de perguntas que devem sempre estar direção à assistência social 69
a pessoas vulnerabilizadas justamente martelando na cabeça de quem a exe- David Tiago Cardoso

pelo capitalismo? cuta: “Quem faz parte desse Social que


Quem dá um caminho para a res- precisa de Assistência?”; “Esse Social
posta a esse questionamento é Donna precisa de Assistência?”; “Que assis-
Haraway (1995), ao afirmar que aque- tência é essa e o que ela pretende?” e “A
les que possuem interesses políticos quem interessa a Assistência Social?”.
não podem permitir que o Constru- No Construcionismo Social, essas
cionismo Social seja desintegrado por perguntas ficam constantemente aber-
discursos cínicos. Embora Haraway tas, pois as respostas nunca darão a
esteja falando especificamente da prá- satisfação necessária, justamente por
tica científica, amplio a ideia para a não serem respostas cristalizadas e
prática no cotidiano do trabalho social produtoras de uma verdade universal
com famílias; seria um “discurso cí- comum a todas/os as/os usuárias/os
nico” afirmar que todas/os aquelas/es e a todos os contextos socioculturais
interessadas/os no Construcionismo onde a política pública de Assistência
Social estejam alheias/os ou desinte- Social atue. Com o Construcionismo
ressadas/os pelo sistema capitalista e Social, essa universalidade está sem-
sua produção de subjetividades. pre em aberto. Tal como sugere Judith
Em outras palavras, se estou falan- Butler (1998, p. 17), filósofa feminista,
do de levar em consideração o con- “o termo ‘universalidade’ teria de ficar
texto histórico e cultural na atuação permanentemente aberto, permanen-
com as famílias, é necessário pensar temente contestado, permanentemen-
e problematizar o capitalismo nesses te contingente, a fim de não impedir
contextos, uma vez que ele faz parte de antemão reivindicações futuras de
da construção dessas conjunturas; a inclusão”. Falta “apenas” que essa aber-
crítica de Parker serve para permane- tura saia do campo teórico e se concre-
cermos atentos se estamos dispostos a tize no campo da política pública.
questionar o capitalismo e possibilitar Neste sentido, para que o Constru-
conversas transformativas que não cionismo Social se articule à Assis-
só transformam as pessoas, mas que tência Social, por meio da prática de
permitam a transformação de desi- psicólogas e psicólogos, cabe resgatar
gualdades em rumo a contextos igua- as palavras de Ximenes, Paula e Bar-
litários, comprometidos a construir ros (2009, p. 695) ao afirmarem que a
um Construcionismo Social Crítico inserção de profissionais da Psicolo-
(Hosking, 2007). gia na Assistência Social deve consi-
Encontro na Assistência social o derar dois pontos: “(a) as correlações
campo para essas transformações, ain- de força que perpassam sua atuação,
da que seja um campo relativamente na condição de prática social e (b) as
novo. Contudo, é importante desta- implicações da prática profissional
car que, por ser um campo aberto ao nos microespaços sociais onde ela se
atendimento a pessoas vulnerabiliza- dá”. Nas palavras de Quintal de Freitas
das, precisa estar sempre aberto a re- (1998, p. 1 como citado em Ximenes;
flexões, seja para pensar novas estra- Paula; Barros, 2009, p. 691), “a visão
tégias de atuação, seja para repensar o de homem e a de mundo, assumidas
próprio nome desta política pública, e vividas pelos profissionais, é que se
já que “Assistência Social” vem carre- constitui em aspecto crucial na cria-

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ção ou determinação das possibilida- Como exemplo potente de como o
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des sobre o como estudar, pesquisar e/ Construcionismo Social já tem servi-
ou intervir”. do a Assistência Social, em especial
Assim, por meio de uma concepção a Proteção Social Especial de Média
não essencialista, o Construcionismo Complexidade, onde se encontra o
Social permite que as/os profissionais CREAS, é o trabalho desenvolvi-
compreendam que o mundo social é o do por Marlene Magnabosco Marra
produto de processos sociais, não ha- (2016) que, por meio da epistemo-
vendo qualquer natureza determina- logia socioconstrucionista, propõe
da para o mundo ou as pessoas (Burr, o método de cunho narrativo para
2006). Ou seja, tanto a pobreza quanto prestar atendimento às famílias em
a violência são construções sociais e situação de abuso sexual. Com esse
não fazem parte da essência das pes- método, a família pode narrar sua
soas e do mundo; em outras palavras, história e encontrar na narrativa do
as pessoas não “são” pobres e violen- outro similaridades e coincidências,
tas, mas, sim, “estão”. produzindo maneiras criativas de
Da mesma forma, o posicionamen- lidar com a situação e superando o
to não realista também pode ser útil discurso produzido que cristaliza a
na Assistência Social, pois se pode di- relação no binário vítima-algoz.
zer que construímos nossas próprias No âmbito da Proteção Social Bá-
versões da realidade entre nós (Burr, sica, um trabalho que pode servir
2006). Esse posicionamento permite como ponto de partida é o proposto
uma postura mais aberta na relação por Carolina Duarte de Souza, Julia-
com a população atendida, pois acei- na Borges de Souza, Núbia Daniela
ta a realidade desta população como de Oliveira Rolim e Rita de Cássia
uma versão da realidade e que novas Maciazeki Gomes (2016), que rea-
realidades podem ser construídas a liza intervenções psicológicas com
partir de novas relações e construções crianças no CRAS, tendo como foco
de sentidos. a promoção da interação entre os par-
Acredito que o Construcionismo ticipantes, prevenindo situações de
Social pode, sim, ir em direção à po- risco e vulnerabilidade, contribuindo
lítica pública de proteção social brasi- com o fortalecimento de vínculos fa-
leira que traz consigo possibilidades, miliares e comunitários, o que resulta
alternativas epistemológicas que am- na transformação no modo de se re-
pliam a matriz de inteligibilidade fren- lacionarem entre si e posicionarem-se
te àquelas/es usuárias/os que precisam diante de questões conflituosas dentro
de atendimento e precisam ter suas se- e fora do grupo.
guranças afiançadas garantidas. O que Da mesma forma, ainda que sejam
quero dizer é que o Construcionismo práticas que não aconteçam na Assis-
Social, ao ir em direção à Assistên- tência Social, destaco os trabalhos de
cia Social, pode possibilitar que as/os Harlene Anderson (2016), que coloca
usuárias/os e suas famílias sigam em foco no convite ao diálogo como um
direção à responsabilidade relacional, processo transformador, sendo este
ou seja, ter a possibilidade de vivenciar uma atividade relacional e colaborati-
experiências potencializadoras de par- va, que é influenciada pelos inúmeros
ticipação cidadã e de respeito próprio contextos e discursos. Para Anderson
e aos outros, dentro da perspectiva da (2016), pelo menos quatro itens são
justiça social. úteis para que os diálogos possam

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acontecer: convidar e manter um diá- REFERÊNCIAS Construcionismo social: em
logo colaborativo requer uma mudan- direção à assistência social 71
ça de orientação; o diálogo requer um Acosta, F., Andrade, A., & Bronz, A. David Tiago Cardoso

projeto colaborativo; o diálogo é uma (2004). Conversas homem a homem:


atividade natural, espontânea que grupo reflexivode gênero. Rio de Ja-
ocorre momento a momento; e as di- neiro: Instituto Noos.
ferenças são fundamentais ao diálogo. Andersen, T. (1996). Processos reflexi-
Tom Andersen (1996) pode con- vos. Rio de Janeiro: Instituto Noos.
tribuir, da mesma forma, com a As- Anderson, H. (2016). Algumas consi-
sistência Social por meio do trabalho derações sobre o convite ao diálogo.
realizado na metodologia de “Equipes Nova Perspectiva Sistêmica, 25(56),
Reflexivas”. Essa metodologia é exe- 49-54.
cutada por meio de uma equipe que Burr, V. (2006). An Introduction to
é subdividida em duas, uma que atua Social Constructionism. London:
como mediadora e facilitadora do pro- Routledge.
cesso dialógico terapêutico, enquanto Butler, J. (1998). Fundamentos contin-
a outra fica como observadora do pro- gentes: o feminismo e a questão do
cesso, sendo que, quando necessário, “pós-modernismo”. Cadernos Pagu,
essa entra em cena para contribuir 11, 11-42.
com o que tem observado. Com isso, Conceição Nogueira, M. (2001). Cons-
permite que outras reflexões e novos trucionismo Social, discurso e gé-
sentidos sejam possíveis. Essa propos- nero. Psicologia, XV(1), 43-65.
ta tem sido útil para a condução de Conceição Nogueira, M., Neves, S., &
grupos reflexivos de gênero (Acosta, Barbosa, C. (2005). Fundamentos
Andrade, & Bronz, 2004), em especial, construcionistas, sociais e críticos
com homens autores de violência, pú- para o estudo do gênero. Psicolo-
blico que também é enquadrado como gia: Teoria, Investigação e Prática, 2,
usuário do SUAS. 1-15.
Cabe reafirmar, portanto, que Corradi-Webster, C. M. (2014). Fer-
os pressupostos epistemológi- ramentas teórico-conceituais do
cos do Construcionismo Social discurso construcionista. In C.
são alternativas para fundamentar Guanaes-Lorenzi, M. S. Moscheta,
o trabalho social com famílias, C. M. Corradi-Webster, & L. Vilela
ou seja, como o próprio discurso e Souza. (Orgs.), Construcionismo
socioconstrucionista enfatiza e não Social: discurso, prática e produção
se cansa de afirmar, tais pressupos- de conhecimento (pp. 73-87). Rio de
tos não são A Verdade, mas, sim, um Janeiro: Instituto Noos.
modo de construir um tipo de verda- Ferreira, M. C. (2010). A Psicologia
de sem essencializar a vida e construir Social contemporânea: principais
um sujeito universal. Da mesma for- tendências e perspectivas nacionais
ma, não tem interesse em ser a melhor e internacionais. Psicologia: Teoria e
alternativa, apenas ser uma alternati- Pesquisa, 26(n. spe), 51-64.
va potente que mantenha as/os traba- Garrido, A. & Álvaro, J. L. (2007). Psico-
lhadoras/es em direção à postura crí- logía Social: perspectivas psicológicas
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