Livro - Tema4 (p.93-117)
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A Política Económica
3.1. ORÇAMENTO
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DINHEIRO GRÁTIS – Uma das funções do Estado de que mais se fala é a de apoiar
e ajudar empresas em dificuldades. Na verdade, o poder público tem a possibili-
dade de utilizar meios da sociedade para promover os interesses que ela considerar
adequados, e o apoio a sectores em dificuldades pode ser algo que a sociedade con-
sidere adequado. É importante, porém, referir alguns aspectos importantes desta
actividade.
Em primeiro lugar deve notar-se que o dinheiro grátis é um remédio muito
perigoso para as empresas. É claro que um subsídio é sempre um alívio bem-vindo
e significativo para empresas que lutam arduamente no mercado. Nesse sentido, o
dinheiro grátis é bom para a empresa. Mas o problema aparece quando o subsídio
sobe à cabeça do empresário, porque então desvirtua toda a sua actuação. Receber
dinheiro grátis representa precisamente o contrário da actividade normal da empresa.
Muitas são as empresas que, uma vez viciadas no subsídio, deixam praticamente de
trabalhar e produzir, para lutarem pela próxima migalha de apoio. A cultura do subsí-
dio pode destruir muitas empresas e isso vê-se bem por cá. Note-se que em Portugal
usam-se expressões como «apoio», «ajuda», «atenção dos poderes públicos», que
só se aplicam a dois tipos de pessoas: os empresários e os deficientes. Estas são pala-
vras que não se adequam a empresas saudáveis.
Por outro lado, é importante manter na atribuição de subsídios uma grande dose
de seriedade e realismo. Em Portugal, alegadamente, todas as empresas falidas têm,
alegadamente, «excelentes oportunidades», apesar de estarem falidas. Se têm boas
perspectivas porque estão falidas? Se receberem apoios, o que garante que não con-
tinuem com «boas perspectivas» e falidas?
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I) impostos
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96
50
40
% PIB
30
20
10
0
1835 1895 1935 1985
Défice do Estado/PIB
4
0 1885
1835 1935 1985
-2
% PIB
-4
-6
-8
-10
-12
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ver com a capacidade de pagar das pessoas. Assim se vê que existe, nos
impostos, também um conflito eficiência-equidade: os impostos que não
distorcem a economia, e logo não reduzem a eficiência, podem perturbar
a equidade.
A figura anterior apresenta (em percentagem do produto nacional)
o valor dos impostos e das despesas públicas em Portugal desde 1836.
Repare-se no aumento da dimensão do Estado na economia portuguesa,
evolução semelhante à dos outros países desenvolvidos. Mas o aspecto
mais notório da figura é que a maior parte das despesas públicas são pagas
por impostos.
A diferença entre o dinheiro gasto pelo Estado e a parte arrecadada
em impostos é o chamado «défice das contas públicas» que também vem
apresentado (ver pág. anterior), em percentagem do produto nacional.
Esse défice tem de ser pago pelas outras duas formas do Estado obter
recursos.
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uma forma correcta de adiar o peso das despesas, pois, como alguns dos
benefícios da actividade do Estado recaem no futuro (quando a estrada ou o
hospital estiverem prontos), os custos devem ser pagos também no futuro.
Não é, como parece a alguns, um almoço grátis.
Aliás, olhando melhor, não é verdade sequer que a dívida interna seja
uma carga sobre as gerações futuras. Na verdade, o Estado hoje tira recursos
à sociedade, pedindo emprestado. É verdade que se compromete a pagar no
futuro, mas hoje a sociedade ficou sem dinheiro, enquanto o Estado ficou
com o dinheiro dela, tal como num imposto. Amanhã o Estado tira dinheiro
a uns (lançando impostos) para pagar aos primeiros (pagando a dívida).
Como se vê, no futuro existirá apenas uma redistribuição contemporânea
do produto dentro da sociedade, sem tirar dinheiro dela. Assim, uma dívida
representa um imposto já hoje.
Este resultado, da equivalência formal entre impostos e dívida, ficou
conhecido na ciência económica pelo nome de «equivalência ricardiana».
Ele foi apresentado pela primeira vez por David Ricardo (1772-1823), um
economista britânico, de uma família de origem portuguesa, que foi o
homem que formalizou as ideias de Smith num modelo científico.
A única situação em que a dívida pública significa uma carga sobre
as gerações futuras é no caso da dívida externa. Aí, verifica-se hoje uma
entrada real de recursos vindos do estrangeiro que, por isso mesmo, no
futuro exigirá a obrigação de os pagar ao exterior.
A figura seguinte apresenta a evolução da dívida pública portuguesa
desde meados do século passado. A figura descreve, em percentagem do
produto, os valores da dívida pública total e da dívida pública externa.
Note-se como os graves problemas financeiros dos finais da monarquia
se revelaram num endividamento crescente, que chegou a mais de 80%
do produto nacional, valor astronómico para a época. O «Estado Novo»
resolveu o problema, pagando a dívida externa e controlando a interna. As
últimas décadas criaram novas tensões nesse campo, que devem ser acau-
teladas no futuro próximo.
99
120
100
80
%
60
40
20
0
1850 1900 1950 2000
III) moeda
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3.2. MOEDA
I) a moeda e a economia
A moeda é a única realidade sobre a qual se tomam decisões e que não tem
qualquer utilidade. Aliás, olhando bem, temos mesmo dificuldades em
entender o que a moeda faz no mundo e no sistema económico. Todas as
escolhas e decisões incidem sobre coisas com utilidade, directa ou poten-
cial, e é essa utilidade que governa as decisões tomadas sobre elas. Porém,
temos de enfrentar o paradoxo de muitas transacções serem feitas com uma
coisa que não tem qualquer utilidade: a moeda.
Por que razão as sociedades usam moeda? À primeira vista este pro-
blema parece difícil de entender. A moeda não tem qualquer utilidade
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directa, não serve para qualquer produção nem satisfaz qualquer necessi-
dade. A verdadeira finalidade da moeda só se torna clara quando analisamos
as transacções de valor.
O valor económico, como vimos, nasce da utilidade que atribuímos às
coisas. Mas, em certos casos, é preciso lidar com o valor em termos puros,
independentemente de qualquer bem em concreto. Existem muitos casos,
por exemplo, em que queremos guardar valor para o futuro sem saber ainda
em que coisa o queremos aplicar. Quando alguém acumula mais valor do
que deseja consumir imediatamente, encontra o problema de conservar
valor económico em estado puro.
A moeda é exactamente o símbolo do valor económico puro. Ela serve,
deste modo, para guardar e medir valor e facilitar as trocas. A existência da
moeda está estreitamente ligada às trocas, sejam elas contemporâneas ou
desfasadas no tempo. Pode ver-se a moeda como um lubrificante do sis-
tema geral de trocas, de interacção de decisões que, como vimos, é a base
da sociedade.
Deste modo, compreendemos o interesse da moeda. Mas também fica
claro o seu paradoxo profundo. A moeda representa valor, mas ela própria
não vale nada. Quando é usada nas transacções, ela aparece sempre em
substituição de um bem valioso, que o agente virá a adquirir no futuro. Mas,
como agora ele não sabe ou não pode comprar esse bem, coloca a moeda em
lugar dele, guardando o valor até ao momento da futura aquisição. A moeda
é o joker do baralho. Para a estudar não podemos usar a «teoria do valor»
que vimos antes.
É preciso construir uma nova abordagem: a teoria monetária.
Se fosse sempre possível na sociedade saber ou ter acesso ao bem em
que, no futuro, se pretende gastar o valor que se acumulou, a moeda não
seria necessária. Como não é, a moeda tem um papel essencial.
Assim, a moeda é uma entidade sumamente estranha na realidade
económica. Na verdade, tem a característica essencial de não ter qualquer
valor, visto que não satisfaz directamente qualquer necessidade. Este facto
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no Verão, antes das vindimas, havia pouco vinho que não chegava para
beber, quanto mais para trocar. Uma pessoa podia «beber» ou «fumar»
a riqueza da família, ou então, no caso das vacas, podia a fortuna de uma
pessoa fugir atrás de um boi...
Aqui aparecia o primeiro grande problema da moeda: para garantir
que o bem era aceite por todos era preciso que o bem fosse útil, e até muito
útil. No entanto, isso fazia com que a quantidade de moeda que havia em
circulação variasse fortemente, devido ao «consumo não monetário» desse
bem, o que gerava grande instabilidade na economia, sobretudo do nível
geral dos preços, como veremos adiante.
Note-se a grande contradição que se defronta na escolha de um bem
para moeda, e que resulta daqui: para ter um bem que apenas sirva como
moeda (não tenha procura não monetária) o bem deve ser inútil. Se for útil,
serve para muitas coisas e não apenas para moeda e o seu uso como moeda
ressente-se. Mas uma forma simples de ser aceite por todos, é a moeda
ser um bem útil (vinho, cigarros, vacas). Daqui um problema que durante
séculos a teoria monetária defrontou.
Se fosse possível encontrar um bem que as pessoas desejassem, mas que
quase não servisse para mais nada a não ser para fazer trocas, o problema
ficava resolvido. E essa foi a situação daquelas sociedades que passaram a
usar um tipo especial de bens, a que podemos chamar «bens decorativos
ou de luxo», que pouco consumo tinham, mas que eram aceites por todos.
As conchas, pérolas e, sobretudo, os chamados metais preciosos podiam ser
usados como moeda, por serem aceites por todos, sem medo de que o seu
montante total fosse alterado frequentemente de forma significativa pelo
consumo não monetário. Por isso, durante a maior parte da história, o ouro
foi a moeda utilizada em quase todo o mundo.
Nos tempos mais recentes, devido à falta de ouro para o crescente
número de trocas, apareceu uma outra solução. Os Estados, a pouco e
pouco, ao longo dos século e , começaram a emitir papel que substi-
tuía o ouro como moeda. Esta moeda tinha a vantagem de não ter qualquer
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outra utilidade para além de servir para as trocas, mas tinha uma razão
óbvia para ser aceite: a existência de uma lei que obrigasse as pessoas a acei-
tar e a transaccionar em moeda de papel, sem a poderem trocar por ouro.
A lei tornava o papel inconvertível em ouro. Primeiro esta medida era
tomada só em alturas de crise, mas em breve generalizou-se: não era pre-
ciso usar o ouro ou a prata se o papel servia na mesma. A moeda passou a
ser moeda fiduciária, o papel-moeda.
Agora, o Estado podia escrever num papel que ele valia 500 € e obri-
gar-nos a aceitá-lo, mesmo que não houvesse nenhum ouro representado
por esse papel, que «suportasse a emissão». Nos dias de hoje, inclusi-
vamente, muita moeda nem sequer tem um papel a suportá-la. Todas as
trocas feitas com cartão de crédito ou por transferência bancária não usam
mais do que um registo computacional. Assim se passou da «moeda mer-
cadoria» para o «papel-moeda» e deste para a «moeda desmaterializada».
Em relação ao problema relativo à dialéctica entre «aceitabilidade da
moeda» vs «procura não monetária», a evolução concreta levou-nos de
um extremo ao outro. Repare-se que inicialmente se usavam bens úteis
como moeda. Usando o papel, temos uma moeda que só é moeda. Hoje,
uma nota não serve para nada a não ser para troca e, como vimos, pode
nem sequer haver mais do que um registo informático a servir de moeda.
É claro que a aceitabilidade desta moeda é garantida pela obrigatoriedade
que o Estado lhe impõe, e na confiança que temos no sistema. Isso faz com
que, hoje, a moeda só vale porque nós dizemos que ela vale. Não há outro
suporte do valor da moeda senão a nossa confiança no sistema.
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10
0
1945 1965 1985 2005
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bancos que pedissem mais dinheiro emprestado (as taxas destes escalões
estão indicadas na figura; de 1970 a 1975 houve dois escalões e de 1976 a 1987
houve três escalões de redesconto).
O redesconto foi o método de política monetária utilizado durante
décadas para controlar a moeda em circulação em Portugal. Mas caiu em
desuso já na década de 90, devido aos seus defeitos e, sobretudo, devido ao
aparecimento do «open market», que é um sistema equivalente, mas mais
sofisticado e eficaz, de controlar a moeda.
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disso, a banca nacionalizada foi usada pelo Governo para fazer política agrí-
cola e industrial, além de se financiar a taxas favorecidas. Os créditos mais
injustificados eram concedidos por razões políticas. Ao longo da segunda
metade da década de 70 e primeira da de 80, o sistema bancário português
acumulou um grande montante de dívida incobrável.
Entretanto, o banco central utilizava a política monetária mais brutal
e restritiva, tabelando as taxas de juro e limitando os montantes concedi-
dos de crédito. Aliás, tinha de o fazer, porque o descontrolo orçamental do
Estado criava desequilíbrios graves nos mercados financeiros.
Este era o estado do nosso sistema à data da nossa adesão à CEE em
1986. Justamente, esse era uma das maiores preocupações que essa adesão
levantava. Com um sistema anquilosado, centralizado e estatizado e, recen-
temente, fragilizado em termos financeiros, seria muito difícil enfrentar a
concorrência aberta no espaço europeu. Além disso, não havia produ-
tos financeiros modernos, para além dos tradicionais depósitos e créditos
bancários e da dívida do Estado. Tudo funcionava então como tinha funcio-
nado há 40 anos e se havia alguma diferença era para pior.
Seguiu-se depois um período notável. Apesar dos erros e das hesitações,
temos de dizer que dificilmente se poderia ter feito mais em dez anos. A banca
foi privatizada e liberalizada; a política monetária foi normalizada, acabando
as limitações directas e retomando-se a condução corrente; o mercado cam-
bial foi liberalizado, voltando-se ao fim de 100 anos à flutuação livre das taxas
de câmbio; foi fomentado o aparecimento de novos produtos e empresas
financeiras que, embora artificiais no princípio, foram adquirindo solidez e
estabilidade; a bolsa de valores voltou a funcionar normalmente e, apesar
das muitas falhas que ainda apresenta, é já um mercado normal. E tudo isto
sem qualquer perturbação monetária para o público. Finalmente, o mercado
financeiro português foi aberto ao exterior e liberalizado totalmente após
1992.
Portugal tem hoje um dos sistemas financeiros mais livres e flexíveis
do Mundo. Apesar de a sua sofisticação ainda não ser muito grande, e ainda
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