Sheyla Pedrosa
Sheyla Pedrosa
Sheyla Pedrosa
NATAL-RN
2017
SHEYLA PAIVA PEDROSA BRANDÃO
NATAL-RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Edmilson Lopes Junior (Orientador)
____________________________________________
Profa. Dra. Lore Fortes (Membro interno)
________________________________________________
Profa. Dra. Suzaneide Ferreira da Silva Menezes (Membro externo - UERN)
___________________________________________
Profa. Dra. Renata Rocha leal de Miranda Pereira Pinheiro (Membro Interno)
__________________________________________
Profa. Dra. Ludimilla Carvalho Serafim de Oliveira (Membro Externo - UFERSA)
___________________________________________
Prof. Dr. Alex Galeno (Suplente interno)
__________________________________________
Prof. Dr. Kilder Barbosa da Silva (Suplente externo – UFPB)
Dedico não só este trabalho, mas a conquista
deste título, às pessoas que mais se
orgulhariam dele: Minhas mães. Vocês viram o
inicio, mas não puderam estar presentes
fisicamente no fim, mas foi em vocês que
pensei e me inspirei todas as vezes que tendi a
fraquejar, e sei, que vocês seguraram na minha
mão, me colocaram no colo, e disseram: Você
consegue! Meu amor e minha eterna gratidão
por ter tido vocês.
AGRADECIMENTOS
Não posso afirmar que o doutoramento tenha sido um grande sonho na minha
vida. Não. Foi muito mais uma consequência, ou sequência inevitável para um
caminho que escolhi trilhar, que foi o caminho da docência. Mas, uma vez tendo
entrado nesta estrada, sonhei que ela fosse marcante, e que eu pudesse de fato por
meio do conhecimento produzido, contribuir de alguma forma com a temática do
envelhecimento, que sempre me foi tão cara, e mais especificamente no caso desta
tese, com a questão da violência vivenciada pela pessoa idosa, e infelizmente,
naturalizada.
Nunca tive a ilusão que seria fácil. Comparando ao momento de vivência do
mestrado, que na medida do possível, foi tranquilo, sempre soube que cursar um
doutorado em uma cidade diferente de onde resido, trabalhando em uma
universidade privada, com filho pequeno, casa e marido, seriam elementos novos a
serem acrescidos, que tornariam esse momento um grande desafio, mas para quem
não quer ficar parada na condição atual, os desafios são os degraus. E hoje finalizo
esta etapa afirmando veementemente que vivenciar esse processo acadêmico talvez
tenha sido o maior desafio de minha vida até o momento. Todas as minhas forças
foram postas a prova. Os limites foram testados, e os extremos foram vivenciados. A
resiliência teve que se fazer presente para que fosse possível chegar ao momento
final. Percalços profissionais, perdas irreparáveis, inexistência de tempo para
dedicar-se a esta tese em tempos de luta pela sobrevivência, dificuldades para a
realização da pesquisa, foram apenas alguns dos eventos marcantes. Mas
chegamos ao fim. E chegamos ao momento de agradecer.
Não poderia começar de outra forma. Quem me conhece sabe o quanto o ano
de 2013, inicio deste doutorado, ficou tragicamente marcado. Perdi em 25 dias de
diferença, minhas duas mães, minhas maiores incentivadoras, meu suporte e apoio
com o meu filho, para esse momento. De repente, sem maiores preparações, elas se
foram. E como eu gostaria que elas estivesses aqui nesse momento. Maria Edite,
minha vó, que me criou e me acompanhou em todas as etapas, foi a mulher mais
forte e determinada que eu conheci. Minha grande inspiração. Meu apoio e incentivo
em todos os momentos. De pouco estudo, mas de muita sapiência, sempre viu na
educação a oportunidade de se ter uma vida digna. Sempre me direcionou, como a
todos os seus dez filhos e outros 3 netos que criou, ao estudo, para que eu pudesse
ter uma profissão, o meu emprego, o meu salário, para que não precisasse
depender de ninguém, para que eu pudesse ter autonomia, ter voz. Na ocasião da
aprovação na seleção do doutorado, ouvi dela uma frase que representa muito isso:
“Minha filha, nem sei muito o que significa isso, mas o mais importante é que agora
você vai ficar igual a Thadeu (esposo), e ele nunca vai poder dizer que é mais do
que você”. Frase marcante, que caracteriza a mulher a frente do seu tempo,
emancipada, decidida, determinada, com a qual convivi. Mamãe, quem dera um dia
ser metade do que a senhora foi. Quero acreditar que com relação a mim, a senhora
se foi em paz, com a sensação de missão cumprida. Esse é o meu maior conforto.
Não existem palavras para o tamanho da minha gratidão, mamãe Edite.
Minha mãe Maria José... me vem agora na memória o dia da minha colação
de grau em Serviço Social, e a minha defesa de mestrado, em que em ambos os
momentos, a senhora estava do meu lado. Talvez mais nervosa e emocionada do
que eu. Lembro do sacrifício que fez para ir para Natal, para acompanhar de perto a
filha se tornar mestre. As lágrimas escorreram no seu rosto... os olhinhos brilhavam.
Era como se pudesse exibir um troféu, por ter conseguido, a senhora e mamãe
Edite, contribuir para que eu me tornasse uma pessoa de bem, mesmo sem a
presença de um pai. E foi tão bom ter a senhora ali naquele momento... Foi tão
importante poder te dar esse orgulho... E a senhora também não estará fisicamente
presente nesse momento. Mas sei que de alguma forma estará. Fico a imaginar o
tamanho da satisfação, o seu nervosismo... e que com certeza, estaria novamente
comigo, assistindo da primeira fila... E também me faltam palavras para expressar o
tamanho da falta que a senhora me faz, e o quanto tenho a agradecer... por todo
amor, por todos os sacrifícios, por todo apoio.
Thadeu Brandão... como te agradeço. Principalmente por acreditar em mim,
muitas vezes, mais do que eu mesma. Por estar ao meu lado em todos os
momentos, sempre dizendo que ia dar certo, que eu conseguiria, me apoiando,
segurando a minha mão, enxugando as minhas lágrimas, se orgulhando, e me
dando todo o suporte necessário com Thadeuzinho, com a nossa casa, com a nossa
vida, muitas vezes negligenciada. Você é um marido e pai maravilhoso, perfeito nas
suas imperfeições, aperfeiçoando-se a cada dia. Sou muito grata a Deus pelo
companheiro de vida que ele me deu. Desejo que estejamos juntos até o fim, para
que juntos possamos colher os frutos de tudo o que plantamos, juntos. Obrigada,
sempre.
Thadeuzinho... meu filho... amor da minha vida... a quem, num momento em
que eu explicava para ele que não podia brincar, porque precisava trabalhar na tese,
e que complementada a informação por seu pai, seria para que eu me tornasse
doutora, afirma veementemente que para ele eu já era a doutora mamãe, e me deu
o título de Doutora em mamãelogia, meu melhor título, sem dúvidas... que todos os
dias me abastece do maior amor do mundo, dizendo que me ama e que eu sou a
melhor mãe do mundo... mesmo tão ausente. Agradeço a Deus todos os dias pela
graça de ser sua mãe, uma criança inteligente, sensível, madura, que só me dá
alegria. Meu maior presente de Deus, e a certeza de que Ele existe. Em você, e por
você, levanto todos os dias e tenho forças para seguir em frente. Espero que um dia
você olhe para trás e tenha orgulho da sua mamãe, compreenda as ausências,
talvez mais sentida por mim do que por você.
Agradeço ao meu irmão Genilton, pelo apoio, preocupação, suporte... pelas
inúmeras vezes que me levou de madrugada para a rodoviária para poder ir para
Natal assistir aula, e me esperou na volta... pelo orgulho que sei que sente de mim,
pela certeza de que temos um ao outro, em todos os momentos. Obrigada por tudo,
sempre.
Agradeço sempre, e sem ressalvas, ao meu irmão, tio, pai, compadre Edilson
Pedrosa, por ter estendido a mão para aquela garotinha que gostava de estudar, e
não tinha muitas oportunidades em vista, porque a escola do Estado estava em
greve, faltava professor... por ter apostado em mim, por ter acreditado que eu
conseguiria, e ter me possibilitado uma base mais sólida. Espero que hoje se
orgulhe, e saiba que aquele pontapé foi fundamental para que eu pudesse chegar
até aqui. Mas para além disso, por todo amor e apoio de sempre. Agradeço muito a
você e toda a sua família que amo muito, pela acolhida no mestrado, e por todo
carinho que sempre tiveram comigo.
Aos meus queridos alunos, alguns já ex-alunos, que durante esse processo,
sempre tiveram uma palavra de apoio, de otimismo, se orgulharam em cada etapa, e
também muitas vezes acreditaram mais em mim do que eu mesma. Vocês foram
oxigênio nessa estrada.
Agradeço ao professor Edmilson Lopes Júnior pela oportunidade de te-lo
como orientador, referencia intelectual desde a graduação, quando fui sua aluna
pela primeira vez, repetindo-se no mestrado. Ou seja, pela contribuição em toda a
minha formação acadêmica. Minha admiração pelo profissional que é.
Agradeço a professora Lore Fortes, pelas instigantes discussões vivenciadas
sobre as teorias sociais contemporâneas, pela oportunidade da publicação e
especialmente, pela sensibilidade no momento mais difícil da minha vida.
Aos professores do PPGCS – UFRN, pelas discussões e contribuições,
especialmente os professores Luiz de Carvalho Assunção pelas ricas discussões
sobre memória e oralidade, fundamentais para o aprimoramento do objeto de estudo
desta tese, e ao professor Willington Germano, pelo reencontro com os clássicos da
sociologia.
Agradeço as contribuições dos professores Janio Filgueira e Suzaneide
Ferreira, na pré-qualificação, e novamente, as professoras Suzaneide Ferreira e
Ilnete Porpino, na ocasião da banca de qualificação. Agradeço ainda aos
professores convidados a comporem esta banca, pela presteza em aceitar o convite.
Agradeço a Prefeitura Municipal de Mossoró e a Secretaria de
Desenvolvimento Social, na figura das secretárias Irenice de Fátima, no momento
inicial, e Lorena Ciarline, para a finalização, pela oportunidade de realizar a pesquisa
de campo nos Centros de Referência da Assistencia Social - CRAS. Agradeço as
coordenadoras desses equipamentos, que tão prestamente me receberam.
Por, fim, mas de uma grande importância, agradeço aos idosos com os quais
pude vivenciar esse momento. Primeiro, aqueles das rodas de conversas, que me
contavam com um olhar, ou por meio de algum esclarecimento ou pergunta sobre o
tema, que vivenciava uma situação de violência, mas que, muito
compreensivelmente, não gostariam de falar sobre o assunto. Vocês me deixam a
certeza que que este trabalho esta só no inicio. E depois, agradeço de coração
aqueles que após a explanação teórica e legal da dura realidade referente a
violência que vivencia a pessoa idosa, se dispuseram a conversar individualmente
comigo, confiaram-me as suas histórias, choraram e se emocionaram comigo, e
segundo relato dos mesmos, conseguiam sair mais leves daquele momento. Espero
realmente ter podido contribuir com uma informação, uma orientação, um
direcionamento... ou mesmo, apenas por ouvi-los. Mas, a contribuição que eu
realmente anseio, é que vocês tenham se percebido de fato nessa condição de
violência, e que de ali em diante, não mais a aceitem, ou a entendam como natural.
"O velho não tem armas. Nós é que temos de lutar por ele”.
Ecléa Bosi.
RESUMO
Esta tese discute a temática referente a violência cometida contra a pessoa idosa,
mais especificamente, aquela violência vivenciada no ambiente familiar, e que em
grande parte das vezes, é naturalizada, ou mesmo não percebida. A escolha deste
tema se deu a partir da observação do aumento do número de casos de violência
vivenciada por esse grupo geracional, mesmo após a promulgação do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), o qual criminaliza esta prática e prevê pena para quem a
exerce, e ainda mais, após conhecimento do perfil do agressor, que em sua grande
maioria das vezes, encontra-se nos filhos, netos, noras/genros e cônjuges, o que
nos leva a acreditar num número ainda maior de subnotificações, pela existência do
grau de parentesco ou relação de afetividade existente, o que acaba tornando a
violência uma vivência cotidiana, privada, naturalizada, e que gera muitas vezes,
uma autoculpabillização por parte da pessoa idosa, por não ter criado bem seus
filhos ou netos, ou por não conseguir atingir as expectativas dos mesmos. Nessa
perspectiva, a hipótese é que o reconhecimento da violência, ou mesmo a denúncia
desta aos órgão competentes, só ocorre quando ela se configura de maneira física,
ou ainda, quando atinge graus extremos na violência patrimonial, e em ambos os
casos, a decisão pela denúncia não é da pessoa idosa. Assim, objetivou-se com a
mesma, identificar, através da memória dos idosos que frequentam grupos de
convivência no município de Mossoró-RN, situações reais da violência, (in)visível
para os mesmos, vivenciadas em sua condição de velhice, nas relações familiares, e
como específicos, identificar os principais tipos de violência vivenciados pela pessoa
idosa nas relações familiares; conhecer as causas da violência cometida contra a
pessoa idosa e verificar a percepção das pessoas idosas frente ao quadro de
violência vivenciada. Como percurso metodológico, indica-se tratar-se de uma
pesquisa exploratória, bibliográfica, de campo e analítica, tendo como técnica de
estudo, a história de vida, e como público alvo, 17 idosos que frequentam os
Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV no município de
Mossoró-RN, configurando-se a análise de cunho qualitativa. A bese teórica
sustenta-se na perspectiva de Beauvoir, Teixeira, Zygmunt Bauman, Giddens,
Foucault, Bourdieu , entre outros, através dos quais é possível afirmar a confirmação
da hipótese levantada, quando aquelas chamadas “violências simbólicas” se
efetivam de maneira repetida e sequenciada em suas histórias de vida,
caracterizando-se em sua maioria das vezes, de forma psicológica, negligência ou
patrimonial, porém são naturalizadas, identificando-se ainda a existência de
sentimentos de culpa por parte dos idosos, da condição de violência vivenciada.
This thesis discusses the issue of violence against the elderly, more specifically,
violence experienced in the family environment, which is often naturalized or even
unrecognized. The choice of this theme was based on the observation of the
increase in the number of cases of violence experienced by this generational group,
even after the enactment of the Elderly Statute (Law No. 10.741 / 03), which
criminalizes this practice and provides for punishment for who practice it, and even
more, after knowing the profile of the aggressor, which in its majority of the times, is
found in the children, grandchildren, daughters/sons-in-law and spouses, which leads
us to believe in an even greater number of underreporting, by the existence of the
degree of kinship or relation of affectivity existing, which ends up making violence a
daily experience, private, naturalized, and that often generates a self-carelessness
on the part of the elderly person, for not having created their children or
grandchildren well, or by failing to meet their expectations. In this perspective, the
hypothesis is that recognition of violence, or even denouncing it to the competent
organs, occurs only when it is physically configured, or even when it reaches extreme
degrees of patrimonial violence, and in both cases, the decision by complaint is not
from the elderly person. The objective of this study was to identify, through the
memory of elderly people living in social groups in the city of Mossoró-RN, real
situations of violence (in) visible to them, experienced in their condition of old age, in
familiar relationships, and as specific, identify the main types of violence experienced
by the elderly person in family relationships; to know the causes of violence
committed against the elderly and to verify the perception of the elderly in the face of
the violence experienced. As a methodological course, it is indicated that it is an
exploratory, bibliographical, field and analytical research, having as a study
technique, the life history, and as a target audience, 17 elderly people who attend the
Services of Coexistence and Strengthening of Links - SCFV in the city of Mossoró-
RN, setting the qualitative analysis. The theoretical basis is based on the perspective
of Beauvoir, Teixeira, Zygmunt Bauman, Giddens, Foucault and Bourdieu among
others. Confirmation of the hypothesis raised, when those so-called "symbolic
violence" take place repeatedly and sequentially in their life histories, characterizing
themselves mostly psychologically, negligently or patrimonially, but are naturalized or
not understood as such , identifying also the existence of feelings of guilt on the part
of the elderly, of the condition of violence experienced.
Esta tesis discute el tema de la violencia contra los ancianos, más específicamente,
la violencia experimentada en el entorno familiar, que a menudo se naturaliza o
incluso no se reconoce. La elección de este tema se basó en la observación del
aumento en el número de casos de violencia experimentados por este grupo
generacional, incluso después de la promulgación del Estatuto del Adulto Anciano
(Ley No. 10.741 / 03), que criminaliza esta práctica y establece el castigo para quien
lo practica, y aún más, luego de conocer el perfil del agresor, que en la mayoría de
las veces, se encuentra en los hijos, nietos, noras/yernos y cónyuges, lo que nos
lleva a creer en un número aún mayor de subregistro, por la existencia del grado de
parentesco o relación de afectividad existente, que acaba convirtiendo la violencia
en una experiencia cotidiana, privada, naturalizada, y que a menudo genera un
descuido propio por parte de la persona anciana, por no haber creado bien a sus
hijos o nietos, o por no cumplir con sus expectativas. En esta perspectiva, la
hipótesis es que el reconocimiento de la violencia, o incluso la denuncia a los
órganos competentes, ocurre solo cuando está configurada físicamente, o incluso
cuando alcanza grados extremos de violencia patrimonial, y en ambos casos, la
decisión por denuncia es no de la persona anciana. El objetivo de este estudio fue
identificar, a través de la memoria de personas ancianas que viven en grupos
sociales en la ciudad de Mossoró-RN, situaciones reales de violencia (in) visibles
para ellos, con experiencia en su condición de ancianidad, en relaciones familiares,
y, como específico, identificar los principales tipos de violencia que experimenta la
persona anciana en las relaciones familiares; conocer las causas de la violencia
cometida contra las personas ancianas y verificar la percepción de las personas
ancianas delante de la violencia experimentada. Como curso metodológico, se indica
que se trata de una investigación exploratoria, bibliográfica, de campo y analítica,
que tiene como técnica de estudio, el ciclo de vida, y como público objetivo, a 17
personas ancianas que asisten a los Servicios de Convivencia y Fortalecimiento de
Enlaces. - SCFV en la ciudad de Mossoró-RN, estableciendo el análisis cualitativa.
La base teórica se basa en la perspectiva de Beauvoir, Teixeira, Zygmunt Bauman,
Giddens, Foucault y Bourdieu, entre otros. La confirmación de la hipótesis
planteada, por la así llamada "violencia simbólica" tiene lugar repetidas y
secuencialmente en sus historias de vida, caracterizándose mayormente
psicológicamente, negligentemente o patrimonialmente, pero son naturalizadas o no
entendidas como tales, identificando también la existencia de sentimientos de
culpabilidad por parte de los ancianos, de la condición de violencia experimentada.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................15
2 VELHICES, E NÃO VELHICE: OS SENTIDOS DO ENVELHECER NA
MODERNIDADE........................................................................................................24
2.1 O ENVELHECIMENTO SOB O OLHAR DO ESTADO: ASPECTOS
HISTÓRICOS, MARCOS LEGAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL...............34
1 INTRODUÇÃO
1
Nomenclatura utilizada a época do início da pesquisa. Na atualidade, retoma-se o termo
“Secretaria”.
19
Entende-se ainda que estes idosos vivenciam hoje uma realidade onde estão
presentes novos arranjos familiares, compondo em grande parte das vezes o que
chamamos de família extensa, convivendo com filhos, noras, genros, netos, entre
outros, e estes são – conforme as estatísticas oficiais e as levantadas pelos vários
estudos – os seus principais agressores. A questão econômica aparece como um
eixo central, não querendo dizer, é claro, que não exista violência contra a pessoa
idosa nas classes economicamente mais favorecidas, porém a condição de
vulnerabilidade social torna este evento mais evidente, especialmente quando o
idoso é o principal provedor de sua família, mesmo que, em grande parte das vezes,
o seu recurso seja oriundo de um benefício social ou aposentadoria de salário
mínimo, recurso garantido, diante de um quadro socioeconômico diante de uma
sociedade sem emprego, principalmente o formal.
Nosso caminho hipotético, leva-nos ainda a vizualizar que os tipos de
violência vivenciados pelos mesmos, têm por vezes, um caráter coercitivo, visto que
termina por encarcerar o idoso utilizando o medo, que pode causar a não-denúncia,
a vergonha, a autoresponsabilização pela violência sofrida, limitando-o da vivência
do envelhecimento de maneira plena e saudável, interferindo, assim, em seu
desenvolvimento enquanto sujeito. Ou seja: tem-se o idoso que reconhece a
violência mas não denuncia por se tratar o seu agressor de alguém muito próximo,
ou tem-se o idoso que não reconhece a violência. Ambos os casos contribuem para
a perpetuação dessa realidade e consequentemente para um processo de
degradação da qualidade de vida da pessoa idosa.
Assim, a importância em pensar essa problemática materializa-se na sua
contemporaneidade e possibilidade de contribuição com as várias áreas do saber
que discutem a temática do idoso, especialmente saúde, segurança e assistência
social (proteção social), possibilitando a estas a construção de um pensamento
integrativo com um único fim, o qual seja, a construção das melhores estratégias
para a promoção da melhoria das condições de vida do idoso.
Aponta-se como objetivo geral do estudo, identificar, através da memória dos
idosos que frequentam grupos de convivência no município de Mossoró-RN,
situações reais da violência, (in)visível para os mesmos, vivenciadas em sua
20
A sociedade destina ao velho seu lugar e seu papel, levando em conta sua
idiossincrasia individual: sua importância, sua experiência; reciprocamente,
o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade
em relação a ele. (BEAUVOIR, 1990, p. 16)
são esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que
podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais
podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso
não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu
modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam
mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de
construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de 'grupos
28
A vida ainda não atingiu os extremos que a fariam sem sentido, mas muito
dano foi causado, e a todas as futuras ferramentas da certeza, inclusive as
novíssimas rotinas (que provavelmente não durarão o suficiente para se
tornarem hábitos) não poderão ser mais que muletas, artifícios do engenho
humano que só parecem a coisa em si se nos abstivermos de examiná-las
muito de perto” (BAUMAN, 2001, p. 32).
pública (a própria política em si, por exemplo) “é reduzida à exposição pública das
questões privadas e a confissões de sentimentos privados (quanto mais íntimos,
melhor). As ‘questões públicas’ que resistem a essa redução tornam-se quase
incompreensíveis” (BAUMAN, 2001, p. 51). Afinal,
Tudo, por assim dizer, corre agora por conta do indivíduo. Cabe ao indivíduo
descobrir o que é capaz de fazer, esticar essa capacidade ao máximo e
escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir – isto é, com a
máxima satisfação concebível. Compete ao indivíduo ‘amansar o
inesperado para que se torne um entretenimento’” (BAUMAN, 2001, p. 80-
81).
Como lembrou Michel Foucault, “(...) o poder não pode em hipótese alguma
ser considerado nem um princípio em si nem um valor explicativo que funcione logo
de saída”. O poder em si nada mais é do que a designação de “um [campo] de
relações que tem de ser analisado por inteiro, e o que propus chamar a conduta dos
homens, não mas que uma proposta de grande análise para essas relações de
poder”, ou seja, daquilo que ele denominou de “micropoder” (2008, p. 257-258).
Assim,
(NERI, 2001). Torna-se importante ressaltar, porém, que essas limitações não são
gerais, pois é real o fato de, como já mostrado, muitos idosos sustentam suas
famílias mesmo com poucos proventos, podem manter uma vida social ativa por
conta dos avanços da medicina e políticas públicas, no entanto é notório que nem
todos conseguem ter acesso a esses serviços por desconhecimento ou barreiras
econômicas.
O desconhecimento de seus direitos, ou ainda o reconhecimento das
dificuldades de acesso aos mesmos, pode fazer com que o velho deixe de solicitá-
los, evidenciando-se a necessidade de fortalecimento do pensar na perspectiva do
envelhecimento positivo que busca ações, reivindicações, posicionamento e garantia
de vivência plena das possibilidades que a conjuntura social, econômica e cultural
oferece; “ser velho não é o contrário de ser jovem. Envelhecer é simplesmente
passar para uma nova etapa de vida [...] é preciso investir na velhice como se
investem nas outras faixas etárias” (ZIMERMAN, 2000, p. 28). Essas indicações
remetem para a importância de reflexão quanto ao entendimento e estudo por parte
dos pesquisadores e profissionais no que diz respeito à importância de obtenção de
conhecimento referente ao processo de envelhecimento em suas minúcias, no
contexto da modernidade, para que sejam construídas políticas públicas de
atendimento a esse público, que venham realmente a contemplar as suas
necessidades. Para uma melhor explanação desse aspecto, o tópico seguinte
aborda a questão do envelhecimento no Brasil como questão de política pública,
dando-se ênfase aos seus limites e possibilidades.
Marinha contra o risco social morte, protegendo assim a velhice das viúvas. Em
1808, estabeleceu-se o Montepio para a guarda pessoal de Dom João VI e, em
1835, o Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral), onde estes passavam
a contribuir com uma quantia mensal para assegurar um rendimento no momento da
velhice ou enfermidade. Em 1º de outubro de 1821, Dom Pedro de Alcântra publicou
Decreto concedendo o direito à aposentadoria aos mestres e professores, desde
que completassem 30 (trinta) anos de serviço, bem como assegurou um abono de ¼
dos ganhos para aqueles que continuassem trabalhando depois de completarem o
tempo para inativação.
Na vigência da Constituição Imperial, já no ínterim da formação do Estado
Brasileiro, merecem destaque também o Decreto nº 9.912-A (1888) e nº 9.212
(1889), que, respectivamente, concedeu aos empregados dos Correios o direito à
aposentadoria, ao completarem 60 (sessenta) anos de idade e 30 (trinta) anos de
serviço e criou o montepio obrigatório para os seus empregados dos Correios; e o
Decreto nº 221 (1890), que instituiu o direito à aposentadoria para os empregados
da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Salienta-se que a Constituição Federal de 1891 foi a primeira a referir
expressamente o termo “aposentadoria”, concedendo o direito à inativação somente
aos funcionários públicos, no caso de invalidez. As outras categorias de
trabalhadores não foram contempladas pela Constituição, e essa proteção era dada
aos militares porque eram eles que defendiam as fronteiras territoriais e mantinham
a ordem, sacrificando-se pelo país. Ainda nessa Constituição, tem-se a edição da Lei
nº 217 (1892), que concedeu o direito à aposentadoria por invalidez e a pensão por
morte dos operários da marinha do Rio de Janeiro, da Lei nº 3.724 (1919), que
estabeleceu o seguro acidente e tornou obrigatório o pagamento de indenização
pelos empregadores e, principalmente, a Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682/1923),
sendo esta última considerada um marco na evolução da Seguridade Social no
Brasil, pois criou nacionalmente as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os
ferroviários, portuários e marítimos, e posteriormente, ao pessoal das empresas de
serviços telegráficos e radiotelegráficos.
Na perspectiva de ampliação dos direitos da pessoa idosa para outras
esferas, destaca-se a proclamação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em
10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual
vem afirmar que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos,
38
que não haverá distinção de raça, sexo, cor, língua, religião, política, riqueza ou de
qualquer outra natureza, e aponta no artigo 25, direitos direcionados aos mais
velhos:
ART. 25: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar
a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito
à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS,
ONU, 1948).
Brasileiro, Lei nº 7.209, de 11/07/1984, o qual possuía alguns artigos que favoreciam
este cidadão, como:
Em 1988, foi publicada no Brasil uma nova Constituição Federal. O novo texto
constitucional trouxe um capítulo abordando a Seguridade Social (artigos 194 a
204), que foi dividida em Previdência Social, Assistência Social e Saúde. Alguns
artigos da Carta magna referentes à idade merecem destaque:
Como objeto desta tese, destaca-se a orientação prioritária III, no seus itens 3
e 4, os quais referem-se a: “3) criação de serviços de apoio para atendimento dos
casos de abandono, maus tratos e violência na e 4) imagens do envelhecimento no
reconhecimento público da autoridade, sabedoria, produtividade e outras
45
Orienta ainda a LOAS, em seu Art. 5°, que estas ações devem ser
embasados em diretrizes de descentralização político-administrativa para os
Estados, o Distrito Federal e os municípios, ficando cada um desses entes cientes
do seu papel na implementação da política, enfatiza-se o comando único das ações
em cada esfera de governo; a participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis; e a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de
assistência social em cada esfera de governo (BRASIL, 1993).
Salienta-se porém que para que as necessidades da população idosa venham
a ser atendidas, considera-se fundamental a articulação das diversas políticas, que
possam contribuir para a construção de uma imagem do processo de
envelhecimento como algo natural e não perjorativo, ou ainda, uma falsa ideia de
melhor idade, representando uma pseudovalorização desse segmento. Assim, a Lei
no 8.842/94 (PNI) recomenda que sejam desenvolvidos programas educativos, via
políticas públicas ou iniciativas privadas, que venham a trabalhar nessa direção,
buscando formas de melhorar a vida cotidiana dessa população, e sobretudo,
51
Costa (2005) nos aponta que a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica
de Assistência Social - Lei no 8.742 – e a Norma Operacional Básica de 2005,
norteiam e disciplinam a operacionalização da gestão da política de assistência
social por meio do Sistema Único de Assistência Social, o qual ressalta, entre outras
coisas: a divisão de competências e responsabilidades entre as três esferas de
governo; os níveis de gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que
compõem o processo de gestão e controle desta política e como elas se relacionam.
Como eixos estruturantes da gestão do SUAS, aponta-se a precedência da
gestão pública da política; o alcance de direitos socioassistenciais pelos usuários;
matricialidade sociofamiliar; a territorialização, a descentralização
políticoadministrativa; o financiamento partilhado entre os entes federados; o
fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil; a valorização
da presença do controle social; a participação popular/cidadão usuário; a
qualificação de recursos humanos; a informação, monitoramento, bem como a
avaliação e sistematização de resultados. Deste modo, os referidos eixos de forma
direta ou indireta ressaltam a importância da participação da sociedade civil. Neste
sentido, os espaços públicos podem posicionar-se enquanto possibilitadores, na
tentativa de uma construção – quiçá – hegemônica “que requer o reconhecimento da
pluralidade como ponto de partida de um processo de busca de princípios e
interesses comuns [...] na abertura de caminhos para a configuração do interesse
público (DAGNINO, 2002, p. 286).
Em sua essência, a Assistência Social é política pública universal, tendo foco
no direito de cidadania, direcionada a todos os brasileiros, de acordo com suas
necessidades e independente de sua renda, a partir de sua condição inerente de ser
sujeito de direitos. Ocupa-se de prover proteção à vida, reduzir danos, monitorar
populações em risco e prevenir a incidência de agravos à vida, ante às situações de
vulnerabilidade. Porém, sabe-se que historicamente as políticas públicas brasileiras
52
Ora promete protegê-los de uma forma tão paternalista que os torna alvo de
preconceito por parte da população em idade produtiva, ora os discrimina
como causadores dos problemas previdenciários e de saúde pública que
afetam todos os cidadãos. São afetados pelo discurso da medicina e da
mídia impressa e televisiva, que lhes atribui a responsabilidade por
envelhecer com boa saúde e bons níveis de atividade e aceitação social
(NERI, 2007, p. 50).
com cada uma das seguranças afiançadas pela Política de Assistência Social. O
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos deve ser capaz de afiançar:a
segurança de acolhida (diz respeito ao direito de todo cidadão ter suas demandas e
necessidades acolhidas, ouvidas e respeitadas, recebendo as devidas informações
e os encaminhamentos apropriados); a segurança do desenvolvimento da
autonomia individual, familiar e social (compreende a necessidade de desenvolver-
se de forma independente, com respeito e liberdade de escolha, poder de decisão e
condições de exercício da cidadania); e a segurança do convívio ou vivência familiar,
comunitária e social (diz respeito à necessidade humana de estar em relação com o
outro, com seu núcleo primeiro, a família; com seu entorno, os grupos sociais aos
quais pertence, a comunidade, o espaço, o território onde vive).
A implementação dessas premissas também dizem muito respeito à forma
como o profissional recebe o usuário que procura o serviço, ao ambiente e estrutura
física, que deve observar a privacidade das famílias e pessoas atendidas, primar
pelo sigilo, respeitar as singularidades e diferenças e atender a necessidades
específicas dos usuários (Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais –
BRASIL-MDS, 2015)
A família, na política de assistência social, ocupa o lugar central, para a qual
se busca garantir a convivência familiar e comunitária. Isso quer dizer que esta
política compreende a família como unidade de atenção primeira e é também no seu
contexto que os indivíduos são considerados, entre eles, a pessoa idosa,
compreendendo-se que a família exerce um papel fundamental no processo de
identidade dos indivíduos, nas referências de afeto e na proteção e cuidado de seus
membros, incluindo a pessoa idosa.
Assim, a política assistencial social, conceitua família como um “conjunto de
pessoas unidas por laços consanguíneos, afetivos e ou de solidariedade, cuja
sobrevivência e reprodução social pressupõem obrigações recíprocas e o
compartilhamento de renda e ou dependência econômica” (BRASIL, 2009, p. 12).
Esse conceito vem acompanhado do reconhecimento da formação de novas
arranjos familiares, que na sua diversidade, rompe com a ideia mais tradicional de
família, e entre eles, temos avós responsáveis por netos, ou coabitando com filhos já
casados, e seus netos, nos fazendo lembrar que além de lugar de socialização,
proteção e cuidado, a família é também lócus de conflito e contradições, e conforme
Gomes (2006), as famílias vivenciam as tensões presentes na sociedade e também
58
aquelas que são próprias de cada fase do ciclo de vida. Experimentam impasses,
novas exigências de organização, produzem alternativas possíveis para
enfrentamento das situações vividas, “estratégias familiares de sobrevivência”,
desenvolvem habilidades e respostas de acordo com o contexto em que estão
inseridas.
A política de assistência social entende ainda a família como capaz de
desempenhar as funções que lhes são atribuídas pela legislação, porém, coloca
como responsabilidade do Estado a proteção social das famílias que estão em
situação de vulnerabilidade social. No caso da família que tem pessoa idosa ou que
é formada por pessoas idosas, considera-se as características individuais destas
para saber como direcioná-las e inseri-las na política, e trabalhar no sentido de
fortalecer os vínculos familiares das pessoas idosas significa reforçar a relação
destas com as pessoas com quem se mantêm “laços consanguíneos, afetivos e/ou
de solidariedade”, reconhecendo ainda que nessas relações, também podem se
constituir conflitos, cuidados e descuidados exercidos tanto pela família quanto pela
pessoa idosa.
É importante salientar que, conforme a PNAS (BRASIL, 2005), o CRAS e as
demais unidades públicas que implementam os serviços de convivência e
fortalecimento de vínculos para pessoas idosas, devem ser implantadas nos
territórios de vulnerabilidade social com o objetivo de facilitar o acesso desta
população aos serviços socioassistenciais, aproximar os serviços da realidade de
seus usuários, das famílias, e constituir na presença do poder público nestes
territórios, e é no território, no espaço público, que as relações comunitárias e sociais
se estabelecem, incluindo a pessoa que tem mais de 60 anos, sendo este entendido
como conjugações de forças sociais, políticas, econômicas e culturais da sociedade.
Para Neri (2005) esse suporte social é imprescindível para a melhoria da
qualidade de vida, bem estar e saúde da pessoa idosa, afirmando que uma rede
social ampla e variada, com amigos, vizinhos, a comunidade de uma maneira geral,
possibilita a esta pessoa um melhor enfrentamento de situações de crises,como
doenças ou perda de parentes, fortalecendo a sua autoestima e autoconfiança,
aumentando a sensação de domínio e competência diante de dificuldades. Assim,
como objetivos dos SCFV aponta-se conforme a tipificação:
dentro dos seus lares. É ainda, um dos elemento mais frequentemente mencionado
por idosos como importante ao próprio bem-estar; porém, é também a instituição
onde estão presentes os maiores conflitos e contradições, e isso tem a ver com as
mudanças vivenciadas pelas estruturas sociais, as quais afetam diretamente a
organização familiar, quando se assume novos padrões e arranjos.
Assim, nos baseamos em Calderon e Guimarães (1994) para afirmar que não
existe um modelo familiar único. Historicamente, esta tem se apresentado em
diversas composições e características. “Inclusive, num mesmo espaço histórico,
têm coexistido, e ainda coexistem, diversos modelos familiares, embora sempre haja
um que predomine, isto é, que seja hegemônico” (CALDÉRON; GUIMARÃES,1994,
p. 23).
Mioto (1997) afirma que a família é um núcleo de pessoas que convivem em
determinado lugar, durante um lapso de tempo, unidas ou não por laços
consanguíneos, tendo como principal tarefa o cuidado e a proteção de seus
membros. Assim, entende-se que para esta autora, o objetivo principal da família
encontra-se na perspectiva da proteção, inclusive no momento do envelhecimento,
sendo este o que cuida e que é cuidado. Nesta mesma linha de raciocínio, tem-se
Kaloustian (1985), o qual também vê a família como o local indispensável para a
garantia de sobrevivência do indivíduo, do seu desenvolvimento e da proteção
integral de todos os seus membros, independentemente do arranjo familiar ou da
forma como esteja estruturada. Nessa visão, temos a figura do idoso tanto como
aquele que protege, no caso de assumirem a criação de netos e permanecerem com
filhos em casa, até quando estes estão mais velhos, como quem deverá ser
protegido, quando da sua necessidade.
José Filho (2002) entende que a família possui as seguintes funções: de
ordem biológica e demográfica – que garantem a reprodução e a sobrevivência do
ser humano; educadora e socializadora –transmitem conhecimentos, valores, afetos
através de uma comunicação verbal e corpórea, e no caso da pessoa idosa, por
meio da sua memória que traz a experiência de tempos passados; econômica –
unidade produtora e consumidora que se relacionam ao campo do trabalho, e aqui
nesse contexto, destaca-se que a pessoa idosa mesmo não mais enquadrando-se
no perfil produtivo, ainda assim é uma potencial consumidora; seguridade – cuida da
seguridade física, moral, afetiva, criando uma dimensão de tranquilidade, porém no
caso da pessoa idosa, ainda assume espaço de tensão; recreativa – se traduz em
63
atividades diversas que rompem com o tédio, as tensões, como festas em família
(aniversário, casamento e outras).
Numa outra perspectiva, tem-se que etimologicamente família é um “termo
proveniente do latim famulus, que significa o conjunto de servos e dependentes de
um chefe ou senhor” (ROCHA-COUTINHO, 2006, p. 91). Essa concepção nos
direciona para uma relação de hierarquia e não de afetividade, que ainda está
impregnada no conceito de família, refletindo relações de subordinação, para
justificar o poder de um ser humano em relação a outro, e ao nos depararmos com o
exercício do poder nas relações familiares, nos referimos a Foucault (2010), quando
o mesmo nos explica que este se caracteriza de uma forma específica, diferenciada
daquele poder exercido pelo Estado. Vejamos:
Temos assim, um sujeito que deve ser “disciplinado” e “moldado” para uma
verdadeira “economia jurídica de uma governamentabilidade indexada à economia
econômica”. Ou seja, “uma prática governamental e a uma arte de governar”, que
não é sentida nos corpos dos indivíduos, pois se impõe nas práticas e na própria
reprodução social. Como apontou o filósofo francês, um verdadeiro “governo
onipresente, um governo a que nada escapa, um governo que obedece às regras do
64
família nuclear, constituída pelo pai, mãe e filhos; família ampliada, que
abrange uma ou mais unidades domésticas vizinhas, em geral organizadas
em torno de uma chefia monoparental; o indivíduo que mora sozinho, mas
que mantém uma rede de relações – apoio afetivo, serviços e até apoio
econômico – com filhos adultos, inclusive casados, e netos; há uma nova
divisão de trabalho e de papéis intrafamiliares se processando; tanto
geracionais quanto de gênero; a exemplo da troca de bens e serviços
dentro ou fora da unidade doméstica, e da mudança de posições de poder e
de chefia. (MOTTA, 1998, p. 37)
Assim, entende-se que da mesma forma que a família é para ser um espaço
de afeto, tem se configurado também de conflito, e a forma como as relações foram
67
sendo construídas ao longo da história dessa família, servirá para apontar onde e se
encontrará zonas de apoio, de solidariedade, de segurança, ou de disputa pelo
poder,autoritarismo, imposição de ideias, que causam frequentes desentendimentos.
Para Maragoni e Oliveira (2010), uma relação conflituosa é característica do
espaço democrático de convivência que a família compartilha com o idoso. É um
espaço de discordância, de divergência, de descontinuidade. Esse espaço de trocas,
ora é contínuo, ora descontínuo, é nesta dialética da harmonia que valores
tradicionais e modernos coexistem. O problema é que muitas vezes esse espaço
tem se transformado no motivo da violência em suas múltiplas formas.
No espaço familiar de convivência do idoso com os filhos e netos, “a
representação antiga do avô de pijama ou da avó de cabelos brancos fazendo tricô
em cadeira de balanço está ultrapassada”. Os cabelos brancos identificam a idade,
mas estes estão cheios de obrigações, que não mais lhes permite o tricô. Isso
poderia ser considerado algo positivo, no contexto da discussão proposta pela
gerontologia, a qual aborda a velhice ativa, a melhor idade, ou a velhice como
momento de recomeço, se as ações desenvolvidas se dessem pela livre escolha dos
mesmos, e não por imposição de uma dada realidade. Essa perspectiva pode
parecer a uns negativista, porém, ela é reflexo do reconhecimento da existência de
um modelo de sociedade onde os benefícios do envelhecimento chegam apenas
para uma pequena minoria.
Sarti (2004), aponta que as famílias menos favorecidas acabam se
constituindo como uma espécie de rede, na qual existem várias ramificações,
configuradas sob a forma de uma trama de obrigações morais que enreda seus
membros, num duplo sentido, ao dificultar sua individualização e, ao mesmo tempo,
viabilizar sua existência como apoio e sustentação básicos. Dessa forma,
consideram como membros de sua família aqueles indivíduos com quem se pode
contar, ou melhor, dizendo aqueles em quem se pode confiar. A noção de família
define-se, assim, em torno de um eixo moral, e nesse eixo moral, a pessoa idosa
acaba por sentir-se responsável pela manutenção daqueles membros que por si só
não conseguem sobreviver.
Aponta ainda que essa característica se impõe especialmente pelo fato de
que as nossas instituições públicas são incapazes de substituir as funções privadas
da família. “Num país onde os recursos de sobrevivência são privados, dada a
precariedade de serviços públicos de educação, saúde, previdência, amparo à
68
NOME IDADE SEXO ESTADO CIVIL FILHOS? COABITAÇÃO? FONTE DE VIOLÊNCIA (S)
RENDA IDENTIFICADA(S)
FÍSICA,
CRAVO 72 ANOS M CASADO 5 SIM APOSENTADO FINANCEIRA/PAT
RIMONIAL
PSICOLÓGICA,
ROSA 69 ANOS F SEPARADA 6 SIM BPC FÍNANCEIRA/PAT
RIMONIAL
PSICOLÓGICA,
73
Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não
conhecemos, pode chegar-nos pela memória dos velhos. Momentos desse
mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até
humanizar o presente. A conversa evocativa de um velho é sempre uma
experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignação pelo
desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição dos entes amados,
é semelhante a uma obra de arte. Para quem sabe ouvi-la é desalienadora,
pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador da cultura
com a mísera figura do consumidor atual (BOSI,1979,p.40-41).
dia. A seleção drena assim, duplamente, o que ela criva” (ZUMTHOR, 1997, p.15). O
esquecimento é ainda algo de grande utilidade para a cultura hegemônica. Pensar
que vivemos uma organização social que violenta os seus velhos não contribui para
a construção da ideia de uma sociedade ordeira e civilizada.
Michael Pollak, em seu texto “Memória, esquecimento, silêncio” (1989), faz
uma reflexão sobre a necessidade do esquecimento do nazismo, sobre o processo
de execução dos judeus. Aponta que
Fortalece esse contexto, a afirmativa trazida por Debert (2001, p.64 ), a qual
aponta que a maioria das queixas de violência contra idosos refere-se à violência
praticada por parentes. Vejamos:
Noventa por cento dos casos de violência contra esse grupo ocorrem no
interior dos lares; 2/3 dos agressores são filhos homens, noras, genros e
cônjuges, e há uma forte associação nos casos em que o agressor físico e
emocional usa drogas. Contribuem para a maior vulnerabilidade os
seguintes fatores: o agressor viver na mesma casa que a vítima; existirem
relações de dependência financeira entre pais e filhos; o ambiente de pouca
comunicação, pouco afeto e vínculos frouxos na família; o isolamento social
da família e da pessoa idosa; haver história de violência na família; o
cuidador ter sido vítima de violência doméstica; e a presença de qualquer
tipo de sofrimento mental ou psiquiátrico, e os estudos mostram ainda a
dificuldade das vítimas de revelarem os maus-tratos, seja por
constrangimento ou seja por temor a punições e retaliações de seus
agressores.
Existem duas dimensões para esse problema: história familiar, que pode ter
contribuído para um conflito entre pai e filho e a questão econômica, que
provoca o conflito por renda. Seja qual for o motivo, a questão é grave. Há
uma cultura no Brasil de que velho é descartável, inútil e já passou do
tempo.
o principal motivo para isso é que a maior parte dos idosos vive com o agressor
(filhos, netos etc.).
Desses, em 100% dos casos, não foi o idoso que fez a denúncia. Assim
ocorreu com o idoso 1. Casado, 72 anos, pai de 5 filhos, 3 mulheres e 2 homens.
Conforme já mencionado na introdução desta tese, a estratégia metodológica inicial
se deu por meio de uma conversa prévia com a assistente social do equipamento
CRAS, e através do olhar da mesma, a indicação de idosos que possivelmente
vivenciariam situações diversas de violência. Nesse contexto, o idoso 1 foi apontado
pela profissional como “triste”. Segundo a mesma, já havia tentado conversar com
este idoso, porém, não obtivera sucesso. Encontrava-se sempre fechado, com um
semblante de tristeza, o que prontamente também me chamou atenção. Desta
forma, tentei uma aproximação inicial, me apresentei, disse porque estava ali, e o
convidei para uma conversa reservada, na sala da assistente social. Fui
prontamente atendida, para a minha surpresa. Sentamos. Solicitei autorização para
gravar a nossa conversa, e comecei pedindo que me falasse um pouco de como era
a sua vida... “Minha vida minha filha... num tá muito boa não” (risos). Tentando dar
um direcionamento, perguntei se era casado, aposentado, se tinha filhos... com
quem morava... “Tá certo, se você quer saber mesmo...”. Me falou então o nome
completo, idade, o nome da esposa, e sobre os filhos.
Tenho cinco filhos, três moças e dois rapaz. As moças são duas casada e
uma num casou não, mas tem 2 minino, que eu crio. As outras duas vive na
casa delas, como Deus quer. O marido de uma tá desempregado. Os rapaz,
tem um casado um um solteiro... separado, né... tem um fi. Vortou para
dentro da minha casa, e agora tá lá. (CRAVO, 72 anos)
num tem né. Tô recebendo pouco, porque tem empréstimo sabe... (CRAVO,
72 anos)
Mas é assim mesmo minha filha, é muita gente para comer né, fazer o que?
Num é de deixar morrer de fome né. Ai fica desse jeito. O vei aqui tem de
dar de conta. Agora no meu tempo as coisa num era assim não viu. Quando
eu fiz da idade de 15 anos meu pai já disse que era hora de tomar o rumo
da vida, e assim eu fiz. Trabaio desde essa idade. Mas o povo hoje em dia é
tudo muito diferente num sabe? Num respeita ninguém, num quer trabaiar...
ai fica nois desse jeito. (CRAVO, 72 anos)
2
A multigeracionalidade no domicílio, associado a um contexto de vulnerabilidade social e baixa
condição socioeconômica, podem predizer eventos de violência, maus-tratos e agressão contra o
idoso (SOUZA;FREITAS;QUEIROZ, 2007; MORAES; APRATTO JÚNIOR;REICHENHEIM, 2008;
GAIOLI;RODRIGUES, 2008).
90
visualizar aspectos que nos remetem ao campo para o qual se insere o conceito de
habitus e suas implicações. Para Bourdieu, as estruturas constitutivas de um tipo
particular de meio (as condições materiais de existência características de uma
condição de classe ou grupo), que podem ser apreendidas empiricamente sob a
forma de regularidades associadas a um meio socialmente estruturado, produzem
habitus:
Oi minha fia, esse meu fi que vortou pra dendicasa é minha maior
pertubação viu. Num gosto nem de falar não, mas o négocio é fora de serie.
O cabra ta terminando de acabar com meu sussego. Sempre foi rebelde,
mas morava na casa dele, fazia as cachorrada por lá, ai a mulher num
agoentou, sobrou para mim né. A mãe dele tá é doente já(...). O cabra num
trabalha, quer dizer, toca num negócio de banda ai, que é hoje e num é
amanhã. Nunca vi um real dessa banda. E quer beber cachaça todo santo
dia. Se eu mais a mãe num der dinheiro a ele... já viu né, vira bicho
dendicasa. Os irmão é tudo revoltado com isso. E pra completar o enrredo,
ontem recebi uma intimação... Só Deus mesmo. Agora a justiça quer que eu
pague a pensão do mínino dele, que ele não tá dando dinheiro ao menino, e
a mãe foi e botou na justiça sabe. Ai ele disse que não tinha dinheiro, ai o
juiz disse que eu que vou pagar. Já pensou? Eu tenho que pagar isso
mesmo minha fia? E de onde eu vou tirar? (CACTO, 68 anos)
Pra que? Ninguem dá jeito mesmo. Ele é uma pessoa boa minha fia. O
negócio é essa cachaça. Se num fosse isso a gente vivia muito bem, em
paz sabe? Eu não o culpo, o problema é da cachaça... (CACTO, 68 anos)
Meu filho vivia na briga comigo, dizia que eu inventava as coisas, que não
era verdade o que eu favava. Eu ficava triste demais viu. Chorava todo dia.
Também, era governado por ela (a nora). Mas também minha filha, eu tava
na casa dela né, tinha que agoentar. (MARGARIDA, 65 anos)
O menino que eu criei também é muito bom, um menino bom mesmo, ele
não “fuma”, não bebe, hoje ele tá na lei dos crentes, é um menino bom, bom
mesmo, mas o meu filho tem problema, ele tem uma agitação, ‘eu não sei
não’, dizem que é de família, mas ai termina em 15 à 10 minutos, ele fica
agressivo, fica dizendo coisas que não me agrada. Ai eu fico triste, mas
depois passa né. (ROSA, 69 anos)
Essa noite ele fez uma confusão, a agitação dele é dentro de casa, ele é
assim agitado sozinho, é uma coisa com limpeza, é doente por limpeza.
Quando ele entra em casa com sapato, e tudo, vai logo pegando a vassoura
e a pá, e vai varrendo a casa e ajeitando, ai me perturba, porque têm os
dias da gente fazer a limpeza na casa, a faxina, não está direto só fazendo
a faxina não, me perturba demais. Mas é porque ele é muito bom,
organizado demais na casa dele, ai se eu não fizer direito ele fica assim.
(BULGARI, 70 anos)
É porque ele tá sem trabalhar num sabe? Ai ele fica nervoso, precisando
das coisas. E além do mais eu ainda não tenho pra dá né, que a casa é
cheia de gente e o dinheiro é pouco... Ai um dia desse ele vendeu minha
televisãozinha. Minha única diversão era assistir a novela, e agora não tive
condições de comprar ainda. Fiquei muito triste. Mas é assim mesmo né.
Mas ele nem me perguntou. (GARDÊNIA, 79 anos)
92
Ele já deixou currículo em tudo que é canto, e não tem jeito. Diz que é
porque não tem curso. Ai eu tenho que sustentar né. Num é de deixar meus
neto morrer de fome. Ele diz, mamãe, aguente as ponta ai. O negócio é que
é muita gente para comer e pouco para entrar né. (ORQUÍDIA, 70 anos)
Esse negócio de ser velho é muito ruim minha filha. Só vive para dar
trabalho aos filhos, ai eles ficam tudo nervoso, e xingam a gente, diz coisa
desagradável. Ai eu nem culpo eles sabe. Mas eles não tem paciência
minha filha. (LÍRIO, 68 anos)
É, tem dia que eu num sirvo pra nada viu... num faço o almoço, ai ele fica
estressado. Mas é porque eu não sirvo mais para nada mesmo minha filha.
(ACÁCIA, 65 anos)
Tenho uma vida tranquila, só fico triste quando ele está estressado , tenho
problema de pressão alta, e diabete, ai quando ele tá nervoso, sobe a
minha pressão, eu fico com uma frieza “...”. mas o negócio dele é só as
palavras mesmo, que me .ofende,que ele fica agressivo. Eu não digo nada,
fico calada, nessa hora eu não digo nada não, é arriscado ele fazer
qualquer coisa comigo, tenho medo de fazer alguma coisa comigo, no
momento entendeu? (ROSA, 69 anos)
eu tinha medo dele, ele era muito, assim... Ele não dava em mim, mas você
sabe, eu respeito, eu tenho um respeito por ele, que se ele disser “faça
isso!” assim uma ordem faça isso, eu ia caladinha que nem uma criança,
não respondia né? Mas aquilo ficava dentro de mim. (SAMAMBAIA, 60
anos)
(...) Passava o dia deitada na rede a trás da cozinha deles, ai eles tem um
quartinho para mim, muito bonzinho, botou cerâmica, sanitário, pia, lá no
fundo da casa. Não gostei mesmo de ficar lá, sozinha lá atrás, sozinha o dia
todinho, assim que escurecia eu me trancava dentro do quarto, com a
parede de madeira num sabe, lá é madeira de todo lado. (MARGARIDA, 65
anos)
Ai eu fui ao correio ontem, para tentar localizar ele, o endereço dele, a rua, o
bairro, eu ia mandar uma coisa para ele sabe? Mas, o homem do correio
disse que não tinha jeito não, eu fiquei tão triste, pensativa. Eu sofro, eu
sofro porque estou em casa dos outros e distante do meu filho, se eu
tivesse noticia do meu filho, e estivesse em casa eu estaria no céu. Os filhos
dela são meio besta né? Vem (e falam), ei tia não faça assim não, faz
assim... (TULIPA, 79 anos)
caso das longas filas de espera para consultas, exames e cirurgias, marcados com
intervalos de meses, contribuindo para o agravamento da doença. Destaca-se ainda
o INSS, na concessão de benefícios ou aposentadoria.
Já a violência psicológica refere-se a ações ou palavras que demonstrem
menosprezo, desprezo, preconceito e discriminação direcionados a pessoa idosa,
trazendo como consequência tristeza, isolamento, solidão, sofrimento mental e
também depressão. Vejamos como essa forma de violência aparece na memória
dos idosos entrevistados:
o meu ex, foi trabalhar mais meu filho na Serra do mel, ai ela veio dizer
assim- arranje um jumento, e uma carroça, e vamos lá na vila “Pará”, para
eu ver o quê que “Toim” tá fazendo”, “Toinho” eram meu filho, o marido dela,
só que ele tava mais o pai, que é o meu ex, eu disse-“ Minha filha, nunca fui
atrás do meu ex, que era o meu marido, ai eu vou atrás do meu filho mais
você? Nunca, eu não vou não, se você quiser ir vai ”, ai ela veio e me disse,
me chamou de velha safada, velha sem vergonha, disse que eu ia pro
inferno, e disse que ia dar na minha cara, e eu fiquei olhando assim para
ela... ai a vizinha chegou e não deixou, se não... (ORQUÍDIA, 70 anos)
(...) aí minha filha foi e disse-“ Meta uma “pea” nela “...”, meta uma surra
nela, bem grande”, pedindo a vizinha para bater em mim, se você não tiver
coragem pede o vizinho que ele bate( a filha dela disse isso) (JASMIM, 74
anos)
outro dia ela deu uns gritos, e disse que quando eu morava em Assu eu
tinha não sei quantos machos, aí meu marido que é mentira dela, que toda
vida eu fui honesta com meu marido, eu fazia o comer, aí ela dava para os
vizinhos, dava para os bichos, o resto jogava no mato, e eu ficava morrendo
de fome, ela pegava o prato e a colher ia para a panela, eu perguntava-“
Cadê Fatima”? ela falava -” vai comprar e fazer se quiser”. (GARDÊNIA, 79
anos)
Estes foram apenas alguns dos fragmentos que demonstram a enorme carga
de violência psicológica vivenciada pelos idosos entrevistados em suas relações
cotidianas, podendo-se afirmar que este tipo de violência está presente em 100%
das memórias relatadas. Minayo e Coimbra (2004) apontam que o sofrimento mental
provocado por esse tipo de maltrato contribui para processos depressivos e
96
Pronto, aí saíram e foram para as casas dos pais delas, eles com elas, aí
eu fiquei só em casa, só eu e Deus, aí deu a depressão eu queria me
enforcar, e eu chorava, chorava, aí veio uma voz, um voz me ensinando
bem direitinho como era que morria enforcada, que eu nunca no mundo
sabia, mas vinha a voz dizendo, a voz dizia perfeitamente assim-“ Você é
pequenininha, bote uma cadeirinha perto da mesa, quando acabar sobe na
mesa, pega a corda, bota lá no “caibre”, aí da uma laçada bota no pescoço
e puxa a corda, ai você se livra do sofrimento”, ai vinha uma outra voz, aí
disse assim- “ Não, não”, aí eu comecei a chorar, comecei a chorar, aí eu,
isso era eu “. (CAMÉLIA, 65 anos)
Um outro grave problema que tem se tornado cada vez mais frequente na
realidade da pessoa idosa é a chamada violência financeira/patrimonial, a qual
responde por 40% em média das notificações. Porém, mais uma vez é importante
frisar que os casos notificados em sua grande maioria não partem de iniciativa da
pessoa idosa, e sim de outros parentes ou terceiros. Na realidade dos idosos
entrevistados, casos graves de violência patrimonial/financeira foram relatados, e
entre eles, apenas um dos casos está no registro das estatísticas, ou seja, foi
notificado e entendido como violência. Vejamos:
minha sobrinha passa mão no meu dinheiro, o que ela me faz mais eu
sofrer, ela pega minhas coisas, passa a mão nas minhas coisas, que eu
compro, ela fez um quartinho para mim, mas com meu dinheiro, botei
cerâmica, comprei telha, tijolo, areia, “...” , fica, o meu dinheiro na mão dela,
ela me da uma coisinha, me dá R$20,00, R$10,00, me dá R$50,00, é, ai eu
dou de comer a família dela, é pesado, marido, filho, neta, o pior é que ela
passa a mão na minhas coisinhas, eu compro minhas coisinhas eu guardo,
ai ele passa a mão, comprei um carrinho para ela. (ROSA, 69 anos)
(...) eu digo que no final do ano, eu vou embora, aí ela não quer me deixar ir
não, só pode, eu fico de empregada para ela né? Lavo vasilha, enxaguo
roupa, trabalho muito.(GIRASOL, 67 anos)
é sabida ela, é interesseira, ela disse para mim que só cuidou de mim
porque eu tenho duas casas e dois salários, fiquei calada não disse nada,
ela passou a mão nos meus documento, está tudo lá no guarda roupas
dela, minhas pastas das casas. (LAVANDA, 71 anos)
aí quando é agora acontece que, ele ... mas é a mãe dele, isso é armação
da mãe dele, eu tenho certeza que não é ele, e se for ele, é ele e a mãe
dele, ai esta com 5 anos que ele mora nessa casa, nunca me deu 1
centavo, “...” e eu nem quero, agora a casa dela é em Natal, é uma mansão
a casa dela, da mãe dele, aquelas casas de muito dinheiro mesmo, muito
chique muito arrumada, o contato é de briga, porque ela é intrigada comigo,
o neto é intrigado, e a mulher do neto é intrigada comigo, é tudo intrigado, é
uma situação difícil, ele vai e diz que não entrega mais a casa, não entrega
mesmo, aí eu digo –“você vai entregar”, aí ele diz- “Eu não vou entregar,
que eu já fiz muito serviços da casa”, aí eu digo “ Mas, quem foi que
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mandou você fazer? Ninguém mandou, proibiram foi de “não” fazer, vocês
fizeram foi porque quiseram”. (ROSA, 69 anos)
ela quem mora, e a mais danada e ela, junta ela com a Fátima, a minha filha
ela é a pior, ela fala que se um dia ela soubesse, que eu ia tirar ela daquela
casa, ela botava fogo e deixava as cinzas voar na casa, a promotora disse
que ela estava merecendo uma cadeia, ela disse“ A senhora quer que eu
processe ela? Eu processo”, eu disse não eu não quero que processe, não
quero dinheiro, não quero confusão, não quero nada, eu quero a minha
casa, entregue a minha casa que eu estou satisfeita. (BULGARI, 70 ANOS)
Mas eu também nunca fui “brigar” com ela por causa disso, eu não falo com
ela, mas a minha discussão com ela, não foi por causa da separação, que
isso é muito comum se separar, já foi por outros motivos, porque ela,
principalmente porque a filha dela, minha neta sujou meu nome no comercio
né, ai eu fui falar, ela achou ruim, e eu fui quem fiz a compra pra ela, ai
pagou umas duas prestação, ai cancelou as prestação, ai não pagou mais,
eu digo-“ Eu também não pago, eu vou para o SPC, mas não pago”.
(ACÁCIA, 65 anos)
comprei cama, as coisinhas que ela queria comprar, sabe, guarda roupa, foi
duas coisas que eu comprei, eu sei que ela pagou bem direitinho, quando
ela foi para o segunda, aí foi pedir para mim fazer as compra, que ela
sempre pedia uns negocio a mim –“Não vó a senhora não tenha medo não,
que a gente paga bem direitinho”, a mãe dela também confirmou né, aí eu
fui comprei pra ela, guarda roupa, um armário e o fogão, foi nisso ai que eu
me “lasquei”, não pagou não, ficou por isso, acho que ela já deixou de pagar
porque nunca mais veio mais cobrança pra mim, eu dizia-“ Olha é no meu
nome, mas você tá na sua responsabilidade né”, mas foi pra ela, e o marido
dela ganhava bem, e ele dava o dinheiro a ela, e em vez de pagar as conta
dela, ela comprava era luxo, deixou meu nome sujo, acontece, que até um
dia eu fui comprar um micro-ondas, e passei a maior vergonha porque o
nome tava sujo. (GARDÊNIA, 79 anos)
Eu fiz dois empréstimos para a minha nora, foi o primeiro para receber, ela
sacrifício demais, e o segundo ela não pagou, aí foi e Celso disse-“ Não faz
mais empréstimo não”.(ROSA, 69 anos)
Os meus filhos, quando meu marido saiu de casa, eles se ajuntaram bem
novinho, aí agora a nora batia muito neles, e queria bater em mim também,
elas queriam bater em mim, mas ai eu dizia a elas, minha filha, não é
porque apanhei de marido que tenho que apanhar de vc também. Eu
tratava elas como filhas assim amor, com amor, porque tudo eu, eu fazia
por elas, assim meu filho, pode ser velho pode ser idoso, pode ser o que for,
é meu filho ou meu amor, aí uma queria bater em mim, a outra inventava
mentira pro meu filho, e meu filho acreditava, e vive nessa cachorrada.
(SAMAMBAIA, 60 anos)
Essa menina é tão estressada, aí o doutor falou você tem que procurar um
psicólogo para ela, aí passou no programa do psicólogo, mas só que eu não
aguento não, não tem jeito, no dia que ela está estressada, aí eu começo a
falar com ela, ela começa a dizer as coisas comigo, aí eu pego a chinela,
ela pega outra, aí eu digo solta a chinela Maria, solta a chinela, aí quando
eu ameaço ela com a chinela, aí ela vai e parte para cima de mim com a
chinela. Aí chora, tadinha... ela não quer fazer isso não. (MARGARIDA, 65
anos)
Meu marido tinha problema nos nervos, um monte de coisas sabe, era muito
doente, me deu muito trabalho. Lutei muitos anos e não deu para gente
continuar. Começou com uma menina que eu coloquei na minha casa, uma
menina com 15 anos e ela se envolveu com ele. Começou a beber,
começou a desunião, a bater em mim e foi e não foi e deu na separação. Se
não fosse essa menina, eu acho que ainda estava comeu marido ainda.
(CAMÉLIA, 65 anos)
me aposentei, ai estava com plano de sair para morar, mas morar só sabe?
Porque ele vivia me ameaçando, dizendo que ia me matar, e eu tomava
remédio controlado não podia dormir. Eu não tinha nada com ele, a gente
vivia em uma casa sem ter nada, nem eu falava com ele, nem ele falava
comigo, nem botava comida dentro de casa, aí minha vida toda foi um
atropelo.
Quando ele bebia dava em mim, quando chegava botava eu para correr
com um facão, com qualquer coisa que ele tivesse sabe? Com arma... Dizia
que ia me matar, me chamava de rapariga, dava macho sem eu ter, e toda
vida eu aguentando, aguentando, ai quando foi um tempo eu não aguentei
mais e sai, e aí meus filhos não me apoiaram não. Deram razão ao pai.
(GIRASOL, 67 anos)
e mulher, porém, destaca-se o fato de em um dos casos, os filhos não apoiar a mãe,
contribuindo para a manutenção dessa realidade. Os dados estatísticos comprovam
essa realidade, quando apontam que em se tratando do gênero, a violência contra a
pessoa idosa se concentra na mulher. (FALEIROS, & BRITO, 2009)
Segundo o Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a
Pessoa Idosa “As vítimas preferenciais são as mulheres idosas em razão da
histórica marginalização a qual este gênero está submetido (BRASIL,2005). Porém,
estas, além do Estatuto do Idoso, contam com a Lei Maria da Penha, a qual
assegura no seu Art. 2° que
Não querem, querem que eu viva sempre ali... Fazendo o que elas querem,
porque eu não dependo delas para nada, eu trabalho, eu costuro, eu sou
aposentada, graças a Deus, eu tenho esse meio para eu viver, mas elas
não querem nem que eu venha para o CRAS. (ORQUÍDIA, 70 ANOS)
Eu sofri muito mesmo, meu casamento desde 69 para cá, entes desses três
anos que eu sai de casa, eu não podia me arrumar em casa não, assim
101
para sair com os idosos, que ele dizia que eu ia atrás de macho, ia para o
Cabaré, o grupo de cotinha é um grupo de idosos que eu comecei a ir para
lá, ele dizia que eu ia para o cabaré, ele dizia muito nome feio comigo, e
assim, foi enchendo, enchendo a minha cabeça, e os filhos continua do
mesmo jeito. Muito triste isso.(ROSA, 69 anos)
Ele chama de “véia”, ele diz que é que uma véia que toda enfeitada, porque
eu gosto de andar muito enfeitada assim, ele diz que é uma veia que só
anda toda enfeitada cheia de coisa, é muito feio. (ACÁCIA, 65 anos)
meu marido, ele também bebia, sabe, mas já tinha problema de saúde, já
não bebe mais, mas ele era “alcoolatra” porque ele era melhor, bom, ficava
bebo ele era bom, ele bebo, porque e sempre tá bêbado, ele nunca foi
violento não, sabe? Só era bruto, “desaforado”, ignorante, já os filhos...
quando bebe quer bagunçar, quebrar as coisas dentro de casa.
(SAMAMBAIA, 60 anos)
Meu filho, a ignorância dele, só é com os de casa, ave Maria com o pessoal
de fora ele é tão delicado, é uma capacidade, é excelente ele mesmo, todo
mundo gosta dele, nunca recebi reclamação dele, nunca bebeu em bar, tem
bons “amigos”, graças a Deus, o negocio dele mesmo é a cachaça, não sei
se foi devido ao tempo que ele sofreu um acidente, que ele ficou assim
nervoso sabe? Ai quando bebe fica dizendo as coisas.(BULGARI, 70 anos)
Não, porque às vezes ele era ignorante, ele se “afobava” sabe, a gente
perguntava uma coisa ele respondia com ignorância, quer ver eu ficar preta
de raiva, é uma pessoa dizer que eu tinha feito alguma coisa sem eu ter
feito sabe, ai ele tem uma mania de dizer, ainda hoje em dia ele gosta de
dizer isso, ele tem, eu digo-“ Homem eu não fiz isso não”, -“ Você fez, você
tem historia de fazer as coisas e negar” (GARDÊNIA, 79 anos)
Não, eu reclamo com ele, a moça cai para cima dele, a filha, porque ela já tá
com 40 anos, ninguém diga sabe, parece uma menina ela, você dá 16 anos
a ela, mas ela nunca me respondeu nunca me respondeu, aí ela tem raiva,
porque ele me responde, aí as vezes eles ficam discutindo sabe, ela vai
falar porque ele responde, aí eu me meto no meio, ai ele diz manda esse
velho se calar, e fica dizendo as coisas. (CRAVO, 72 anos)
ele bebe em casa mesmo, bebe em casa direto, todo dia, todo dia, quando
ele pode beber ele “bebe”, mas se ele tiver dormindo e acordar, ele vai la no
canto aonde ele guarda a cachaça, e ele toma uma, as vezes ele bota
102
assim escondido embaixo da rede dele encostado do sofá, ele esconde, ele
tem 55 anos. (CACTO, 68 anos)
a gente fica as vezes discutindo, mas aí quando ele tá bebendo “eu fico
bem caladinha.” bebendo, é muito complicado, faz muito anos que eu luto
com bebida, do marido e agora do filho. (GARDÊNIA, 79 anos)
Porque eles foram criados vendo a gente brigando, a gente discutia né,
todos casal discute ne, mas não foi com agressão, ele batendo em mim me
machucar não, só era discussão de boca mesmo, as vezes quando ele me
mandava eu me calar, eu me calava e começava chorar, ele diz que é
porque eu tenho muita paciência, ele mesmo reconhece. (JASMIM, 74 anos)
mas é isso mulher, a gente vai levando graças a Deus, é já tá numa idade
avançada, as vezes eu ainda fico assim, eu acho que se desgasta por
causa da cachaça. (GIRASOL, 67 anos)
Ela nunca prestou desde os 13 anos me faz chorar e meu marido chorar,
com as coisas dela, eu botei ela para morar com meu cunhado , é irmão do
meu esposo, aí já morreu ele, aí ela foi, para lá e tudo, mas nunca deixou
de ser danada, a cada dia que passa pior. (JASMIM, 74 anos)
Ele nunca respeitou nem eu nem a mãe. Toda vida foi rebelde. Apanhou
muito, mas não deu jeito. Fiz de tudo. (HIBISCO, 70 anos)
Ela fica dizendo que agora é a hora de se vingar de mim num sabe, diz na
minha cara, porque eu queria que ela tivesse uma vida regrada, nos eixo,
mas ela nunca quis prestar. Toda vida foi do mundo. Ai hoje parece que tá
pior. Não tem respeito nenhum. Se eu deixar ela pisa em cima de mim.
(ROSA, 69 anos)
Ela sabe que o pai dela não presta, porque ela viu todo o meu sofrimento,
ela que assistiu todo o meu sofrimento, ela que dormiu comigo e no quarto,
assim eu dormi na cama e ela dormiu na rede, para poder me proteger, ela
passava a noite acordada, acho que me pastorando, porque eu tomo
remédio controlado, eu dormia, e não sabia o que ele estava fazendo, aí
uma vez ela saiu para a casa de uma vizinha, aí quando chegou, ela viu eu
dormindo, eu tinha tomado um remédio, eu durmo “...”, eu dormindo e ele
olhando para mim, ai quando ele viu que ela estava vendo ele olhando para
mim, aí ela deixou de sair, e ficou assim, deprimida sabe? Aí eu penso
assim, em abandonar ela, e ir morar com ele, mas no mesmo instante, não
tenho coragem. (ACÁCIA, 65 ANOS)
É minha filha, você tá dizendo que é violência né, porque o Estatuto diz.
Mas se tudo que acontecer a gente for denunciar, ou se doer, vai faltar
cadeia viu... porque é muita coisa. E ninguém quer ver o filho na cadeia né.
Porque é ainda mais pior. (CRAVO, 72 anos)
Eu ficava muito triste. Mas achava que era normal né. Nunca vi assim, como
violência. Porque ele nunca bateu em mim, é só as humilhação, os
104
desaforo, que eu já to acostumada. Vai ser assim até o dia que Deus me
levar, ai ele vai ver o que é bom pra tosse. ( BULGARI, 70 anos)
(1) ele vive na mesma casa que a vítima; (2) é um filho(a) dependente
financeiramente de seus pais de idade avançada, ou o idoso depende dele;
(3) é um familiar que responde pela manutenção do idoso sem renda própria
e suficiente; (4) é um abusador de álcool ou drogas ou alguém que pune o
idoso usuário dessas substâncias; (5) é alguém que se vinga do idoso que
com ele mantinha vínculos afetivos frouxos, que abandonou a família ou foi
muito agressivo e violento no passado; (6) é um cuidador com problema de
isolamento social ou de transtornos mentais; (7) o fato de haver história de
violência na família; (8) o agressor ter sofrido, ou ainda sofrer, agressões
por parte do idoso, o que o leva, por vezes, a descarregar no idoso
sentimentos de ambivalência, inadequação, inferioridade e cansaço
(MINAYO, SOUZA, & PAULA, 2010, p. 75).
Tem hora que ela diz que eu sou velha. Tem hora que diz que eu ainda
tenho que me virar. Não tenho ninguém que faça nada para mim. Eu tenho
que fazer tudo para todo mundo. Nessas horas eu não sou velha, sou bem
novinha. (ORQUÍDIA, 70 anos)
Ela vem com uma historinha assim de que quer que eu me cuide, que é pra
viver mais uns anos, mas ela mesmo que acaba comigo, com essa história
de só querer viver nas farra e eu por conta dos filho dela. (GIRASOL, 67
anos)
cuidado dos idosos. Elas são filhas destes, estão na meia-idade ou já são idosas
jovens, têm problemas de saúde, dedicam muitas horas de seu dia para o cuidado
do familiar idoso e apresentam depressão e estresse. A mesma autora pondera que
esse quadro geral se enquadra nos fatores de risco para a violência contra idosos,
particularmente para as situações de negligência doméstica. Outra forma de maus-
tratos que, via de regra, acompanha a negligência e a violência psicológica é o
abuso financeiro.
Vale ainda destacar a já mencionada pesquisa realizada pelo Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (2004), consolidando dados da Delegacia
Especializada de Proteção ao Idoso de São Paulo, a qual comprova que mais de
60% das queixas desse grupo populacional à polícia se referem a disputas dos
familiares pela posse de seus bens ou por dificuldades financeiras das famílias em
arcar com a sua manutenção.
Conforme o IBCCRIM (2004), os abusos analisados geralmente foram
cometidos por familiares, em tentativas de
forçar procurações que lhes dêem acesso a bens patrimoniais dos idosos;
na realização de venda de bens e imóveis sem o seu consentimento; por
meio da expulsão deles do seu tradicional espaço físico e social ou por seu
confinamento em algum aposento mínimo em residências que por direito
lhes pertencem, dentre outras formas de coação.
Ele faz assim, chega de madrugada da farra, quer que eu vá fazer comida
naquela hora... minha filha, eu tenho é 69 anos e sou doente... num tenho
mais idade para isso. No outro dia, passo o dia mole. Mas o pobe chega
com fome né, e eu sou a mãe dele. Tem que fazer. (ROSA, 69 anos)
De acordo com Queiroz (2010), a violência pode ser estudada por níveis de
dimensão: O nível macro refere-se à violência no contexto social e seria toda a
forma de discriminação contra a idade, desrespeito em geral aos direitos
constitucionais e legais do idoso. O nível médio está ligado à violência na
comunidade. Contempla o modo como o idoso é tratado em geral pela comunidade.
O nível micro analisa a violência no âmbito doméstico contra o idoso, seus familiares
e cuidadores.
A Rede Internacional para a Prevenção dos Maus Tratos contra o Idoso assim
define a violência contra esse grupo etário: “O maltrato ao idoso é um ato (único ou
repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer
relação na qual exista expectativa de confiança”.
A mesma autora mostra ainda que as violências contra idosos se manifestam
de forma estrutural, sendo aquela que ocorre pela desigualdade social e é
naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação; ou
interpessoal, referindo-se às interações e relações cotidianas, ou ainda, de forma
institucional, que diz respeito à aplicação ou à omissão na gestão das políticas
sociais e pelas instituições de assistência. Internacionalmente, se estabeleceram
algumas categorias e tipologias para designar as várias formas de violências mais
praticadas contra a população idosa: “Abuso físico (...), abuso psicológico, (...),
abuso sexual (...), abandono (...), negligência, (...) abuso financeiro, (...) e auto-
negligência” (BRASIL, 2001).
Além das tipologias mencionadas acima, Minayo (2004) destaca ainda os
Abusos financeiros e econômicos, geralmente cometidos por familiares, em
tentativas de forçar procurações que lhes deem acesso a bens patrimoniais dos
velhos; na realização de vendas de bens e imóveis sem o seu consentimento; por
meio da expulsão deles do seu tradicional espaço físico e social do lar ou por seu
confinamento em algum aposento mínimo em residências que por direito lhes
pertencem, dentre outras formas de coação. Mas não é apenas no interior das
famílias que se cometem abusos econômicos e financeiros contra idosos. Eles estão
presentes também nas relações do próprio Estado, frustrando expectativa de direitos
ou se omitindo na garantia dos mesmos, nos trâmites de aposentadorias e pensões
e, sobretudo, nas demoras de concessão ou correção de benefícios devidos. Assim
como são praticados por empresas, sobretudo, por bancos e lojas. E os campeões
112
das queixas dos idosos são os planos de saúde por aumentos abusivos e por
negativas de financiamento de determinados serviços essenciais. Os velhos são
vítimas também de estelionatários e de várias modalidades de crimes em agências
bancárias, caixas eletrônicas, lojas, ruas e transportes.
Com maior incidência, apresenta-se a violência familiar, sendo este um
problema nacional e internacional. Sobre este aspecto, ressalta Minayo:
Apesar de muitos idosos lutarem por sua plena cidadania, ainda existe uma
parcela deste grupo que resiste a denunciar ou confirmar a agressão, dificultando o
trabalho dos profissionais da área. Neste sentido, buscamos descortinar essa
realidade, e enquanto pesquisadora, identificar, por meio da memória dos idosos,
situações reais de violência cotidiana vivenciada pelos mesmos nas relações
familiares, entendendo que os mesmos relutam muitas vezes a compreensão de que
são violentados, e que essa violência é constituída por fases, que se repetem e se
reinventam. Vejamos:
As pessoas vem se meter sabe, dizer as coisa com ele, mas eu não gosto
não. Quem é que gosta de ouvir falar mal de seu filho? Dentro de casa eu
digo. Quando ele tá com cachorrada eu falo com ele, ele diz as coisas
também, mas de fora não aceito. (GARDÊNIA, 79 anos)
Desde o começo que ele não se deu com meu marido atual sabe, mas era
mais novo, ficava queto no canto dele. Agora que tá adulto aí quer mandar
dentro de casa, e é aquela confusão. Já disse a ele que isso não dá certo,
113
que tá bom de arranjar um emprego e ir para a casa dele, mas ele disse que
não sai de jeito nenhum. Eu fico desorientada com isso, mas é meu filho,
fazer o que? (CAMÉLIA, 65 anos)
Ainda para este autor, este é um tipo de violência imposta, velada, sutil, que
ocorre numa relação de submissão e dominação, e que não é reconhecida como tal,
pela falsa aparência de algo natural e legítimo. Os dominados aplicam categorias
construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-
as assim ser vistas como naturais.
parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por vezes para falar do que
é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo
116
tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes
são todas “sexuadas”), em todo o mundo social e, em estado incorporado,
nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de
esquemas de percepção, de pensamento e de ação. (...) Essa experiência
apreende o mundo social e suas arbitrárias divisões, a começar pela divisão
socialmente construída entre os sexos, como naturais, evidentes, e adquire,
assim, todo um reconhecimento de legitimação (2009, p. 17).
A violência simbólica sofrida pelos atores sociais aqui estudados, e cujas falas
apresentamos, apontaram como essa realidade se impõe e se “naturaliza” no próprio
discurso e no corpo dos idosos. Verdadeiros habitus que se fornam e que se
impõem como verdades intangíveis, eternas e justificadas. Nos casos supracitados,
os idosos não apenas justificaram as violências sofridas, mas, na maioria dos casos,
se culpabilizaram por elas. Vejamos:
Teve um dia num sabe, que eu sem querer quebrei um perfume dela...
minha fia, pra que... essa mulher virou bicho... disse que eu num prestava
pra nada, e ainda acabava com as coisas dela... isso me doeu tanto... mas
117
também né, era o perfume que era mais caro, e eu fui inventar de mexer.
(ROSA, 69 anos)
Minha nora diz que eu quero acabar com o casamento dela, que quero
arranjar mulher para o meu filho, acredita? Só porque eu fico querendo que
ela faça as coisas para ele direito. Mas mulher, por outro lado, eu era para
tá na minha casa. Ela manda eu simbora todo dia, mas eu num tenho pra
onde ir, é o jeito agoentar. Eu tenho é que aprender a ficar calada, a deixar
de ser metida. (GARDÊNIA, 79 anos)
Ele às vezes fica com raiva de mim e explode. Mas ele tem razão, pois eu
sou meio desastrado, termino dando trabalho pra ele. Eu sou velho e
cansado e preciso dele, melhor é que eu aguente não é? (CRAVO, 72 anos)
Eu sofro muito da forma como ela me trata às vezes sabe? Eu não escuto
direito e esqueço as coisas. Ela grita comigo e chega a me chamar de tanta
coisa. Mas ela tem muita paciência e eu tenho que ter também. Sem ela
como eu iria viver? Ia terminar num asilo abandonada. Quero isso não,
prefiro ficar assim mesmo. (BULGARI, 70 anos)
5 CONCLUSÃO
própria pessoa idosa que vivencia esses quadros de violência, sem o reconhecê-lo
como tal.
A lógica capitalista, aliada à perspectiva da ideia de “melhor idade”, tem
construído uma perspectiva de velhice a partir de padrões difíceis de serem
seguidos pela maioria, causando a imposição de regras prescritivas que acabam por
culpabilizar o velho que não tem como se enquadrar nelas, retirando por vezes sua
autonomia e liberdade de poder ser velho, quando assim se quiser. Tem-se buscado
uma forma ideal de ser velho.
Nessa linha de pensamento, produz-se ainda o discurso do entendimento do
velho como sujeito de direitos, tendo sido necessário a criação de prerrogativas de
punição legal, tal qual postas no Estatuto do Idoso, para se buscar o respeito a esse
grupo geracional, e porém, o que se observa é que mesmo assim, ainda estamos
longe de chegar ao que chamaríamos de uma velhice digna. Como consta na
Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1994), o envelhecimento populacional não diz
respeito apenas à pessoa idosa, mas à toda a sociedade, ao modo como esta se
organiza em relação a este segmento populacional. Refere-se desde a forma como o
território se organiza, expressando a própria organização social, bem como, reflete a
forma como as dimensões políticas e sociais tem buscado trabalhar para a garantia
dos direitos desse público.
Tratamos da violência. Mais especificamente, daquela violência vivenciada no
cotidiano dos seus lares, a qual compõe a sua rotina, porém, não é percebida como
tal, especialmente por ser praticada por seus familiares mais próximos, com os
quais, muitas vezes se divide o teto. Os idosos escolhidos para a pesquisa foram
aqueles que estão inseridos nos serviços de convivência e fortalecimento de
vínculos, geridos pelo âmbito municipal, e essa escolha não foi à toa: essas
instituições encontram-se em áreas de vulnerabilidade social, nas quais é possível
se identificar um número maior de coabitação e famílias com dificuldade econômica,
o que apontaria para a existência de um público que se enquadraria no perfil da
pesquisa, a partir do que se descreve o perfil nacional. Porém, mesmo não sendo o
objetivo da pesquisa, um fato nos chamou atenção: a regra que direciona esses
serviços, tal qual preconiza a Política Nacional de Assistencia Social, encontra-se na
esfera da prevenção e fortalecimento dos vínculos familiares, e os resultados da
pesquisa, descritos nos próprios trechos das memórias dos entrevistados,
demonstram que esse papel não vem sendo cumprido a contento nas referidas
120
instituições, tendo em vista que com apenas duas exceções, a instituição tinha
conhecimento da violência vivenciada pela pessoa idosa que frequenta o seu grupo,
que mesmo não sendo reconhecida pelo mesmo como tal, se faz presente no seu
cotidiano, e deveria ser identificada pela equipe técnica, como forma de prevenir que
ela evolua para situações mais complexas, como a violência física.
Ressalta-se que as hipóteses levantadas se confirmam, a medida que as
falas demonstram o não reconhecimento da situação vivenciada como violência, o
que acaba por dificultar o combate a essa realidade. O grau de
proximidade/parentesco do agressor com o agredido, relações de poder, sentimento
de culpa, entre outras situações, nos levam a concluir com muita clareza que a
violência contra o idoso encontra-se numa condição de subnotificação, ou seja,
esses dados, referidos em pesquisas e estudos, não condizem com o real universo
de violência contra o velho, exigindo-se um olhar ainda mais atento das instituições
que implementam as políticas públicas.
Violência psicológica, via agressão verbal, humilhação pela condição de
velhice, negligência, abandono, violência econômica e patrimonial, são algumas das
situações percebidas nas memórias dos entrevistados, as quais trazem como
consequência sequelas físicas e psíquicas, gerando quadros de hipertensão, crises
nervosas, depressão, desesperança e até mesmo, tentativa de suicídio. Desrespeito
familiar, privação de liberdade de expressão, infelicidade, impedimento de sair de
casa, sentimento de inutilidade, foram retratados nos quadros da memória
apontados pelo velho entrevistado, porém, frequentemente tratadas como uma
forma de agir “normal” e “naturalizada” ficando ocultas nos usos, nos costumes e nas
relações entre eles e seus agressores, existindo ainda muitas vezes a
autoculpabilização do mesmo pelo fato, sentimentos os quais puderam ser melhor
compreendidos a partir da discussão de biopoder e violência simbólica.
Beauvoir (1990) aponta como escandalosa a condição atual do idoso,
justificando que a sociedade não quer enxergar abusos, dramas e escândalos que
ocorrem com essa população, esquecendo-se de que o quê está em questão é o
próprio futuro da humanidade. A autora comenta que mesmo as pessoas adultas, as
quais exigem respeito dos seus filhos, tratam os idosos como seres inferiores,
oprimindo-os de diversas formas, desde mentiras até o uso da força física.
121
REFERÊNCIAS
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GUERRA H.L Et Al. A morte dos idosos na Clínica Santa Genoveva, Rio de Janeiro:
um excesso de mortalidade que o sistema público poderia ter evitado. Cad Saude
Publica ,2000.
SARTI,C. A. A família como espelho:um estudo sobre a moral dos pobres. 4. ed.
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SIMÕES, C. Curso de direito do serviço social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
VERAS, R.P. Pais Jovem com Cabelos Brancos: a saúde do idoso no Brasil. Rio
de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.