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Tese Marivania Leonor Souza Furtado 150

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Além disso, de acordo com alguns estudos, o conceito de


quilombo passa a ser não só utilizado em referência à questão fundiária, mas,
também, a um tipo de reivindicação e reparação aos efeitos simbólicos e
estigmas gerados por situações de exclusão. Assim, é nítida a contribuição dos
militantes de movimentos sociais referente às questões etnicorraciais no
sentido de ver o conceito de quilombo como um elemento aglutinador capaz de
expressar, de nortear pautas cruciais à mudança e de dar sustentação à
afirmação da identidade negra ainda fragmentada.
Para a Associação Brasileira de Antropólogos (ABA), o critério de
definição quilombola estaria relacionado diretamente com pressupostos
internos aos grupos, ou seja, cabe a cada comunidade definir os de “dentro e
os de fora”, uma vez que cada comunidade constitui-se, conceitualmente,
enquanto grupo étnico específico.
A conceituação antropológica de quilombo amplia a visão dessa
categoria, conferindo-lhe uma maior pertinência em relação a sua construção.
Instauraram-se, dessa forma, novos critérios para se abordar o conceito de
quilombo, de modo que a reivindicação das comunidades quilombolas quanto à
titulação de suas terras pudesse ser contemplada nessa categoria, além de
assegurar o reconhecimento de uma identidade social e étnica a essas
comunidades, o que garantiria a manutenção e reprodução de seus modos de
vida e de suas etnoterritorialidades.
Incorporando essa perspectiva em 2003, através do Decreto nº
4.887/2003, definiram-se, para fins de atos demarcatórios dos territórios
quilombolas, quem seriam os sujeitos a quem se destinaria tal direito. Nesse
documento oficial, conceituam-se como comunidades “remanescentes de
quilombos” os grupos étnico raciais que se autoatribuem tais características,
devendo possuir uma trajetória histórica própria que estabelece relações
territoriais específicas, sobretudo, vinculados a uma ancestralidade negra na
qual estão relacionadas formas de resistência à opressão histórica que tais
comunidades sofreram.
Considera-se, nesse princípio, a autoatribuição dos próprios
sujeitos referenciados em suas relações territoriais específicas, bem como suas
distintas formas de construção identitária, tendo com ponto comum a
102

reprodução sociocultural baseada na tradição, ou seja, como contraponto à


racionalidade moderna.
Segundo Souza Filho (2008), essa nova acepção do conceito de
quilombo expressa um contexto social de lutas políticas e ideológicas que
incorpora demandas apresentadas pelo próprio movimento social. Reflete,
também, as disputas no plano acadêmico, institucional. De todo modo, a
categoria “comunidade quilombola” tem sido acionada como forma de aglutinar
diferentes situações sociológicas.
Entender o Estado, por meio de suas políticas de demarcação de
terra para “comunidades tradicionais”, sobretudo de “remanescente de
quilombos”, revela como este tem concebido a igualdade e a diferenciação dos
elementos formadores da chamada “Nação Brasileira” e as contradições
inerentes ao processo histórico da formação desta Nação. Observando os
processos demarcatórios oficiais de territórios quilombolas, ou melhor; a
inoperância17 quanto a esses atos, percebo uma sobreposição de visões e
interesses, notadamente reconhecida pelos quilombolas como atos de
“desmarcação”.
A noção de “desmarcação” é apresentada de maneira informal
por moradores dessas comunidades ao comentarem sobre a intervenção dos
técnicos do Estado nos procedimentos para regularização das terras
tradicionalmente ocupadas, como se observa nos depoimentos:
Nossa terra ainda não está totalmente regularizada, por que o
moço que veio fazer a desmarcação não aceitou o tamanho
da terra que a gente disse que é da Santa e que agora nós
tomamos conta. Já vieram vários fazer a desmarcação e o
processo está parado... (Moradora da comunidade
Itamatatiu/Alcântara-MA,2008)

Aqui ninguém tem documento de terra registrado, escriturado.


Só umas pessoas que pagam imposto, depois que o
Engenheiro passou aqui desmarcando pedaço de terra... e as
famílias que têm esse papelzinho pensam que a terra é
deles..(Morador do Rio Grande/Bequimão-MA,2008)

Ao tomar as prerrogativas constantes nos decretos que


normatizam os atos demarcatórios, constato um impasse ou contradição no

17
No capítulo seis será apresentado o Mapa da inoperância do INCRA quanto aos processos
de titulação de territórios quilombolas.
103

que diz respeito às trajetórias históricas dessas comunidades e os ditames de


uma sociedade baseada na racionalidade moderna. Segundo os critérios
apresentados pela Fundação Cultural Palmares, para efetuar a certificação das
comunidades negras rurais como “quilombolas”, faz-se necessária a
apresentação de uma ata por meio da qual fique atestado que a comunidade
tomou a decisão formal de se reconhecer como quilombola. Tal documento
deve ser acompanhado de uma lista de presença, devidamente assinada pelos
presentes no ato deliberativo e, em qualquer caso, a comunidade pleiteante
deve apresentar “relato sintético da trajetória comum do grupo (história da
comunidade)”.
A partir do momento em que se exige o registro por escrito
dessas experiências, impõe-se uma lógica de dominação, na qual se deixa
implícita a subalternização dos saberes tradicionais dessas comunidades.
Tal contradição se evidencia, sobretudo, porque, para que sejam
reconhecidas como quilombolas, devem atestar vínculo histórico com a
opressão. Não seria essa exigência uma atualização das formas de opressão
pelas quais têm passado essas comunidades, e a manutenção da tradição oral,
uma forma de resistência?
De maneira sutil, escamoteado em legislações que “aparentam”
um alto grau de aceitação e respeito às diferenças étnicas e raciais, o Estado,
como instituição voltada para atender aos interesses “de todos”, tem tornado
esses todos em “um”, ou seja, tem usado de dispositivos legais para que a
diversidade seja devidamente “controlada” e não esbarre no questionamento
contundente do caráter homogeneizador do Estado-Nação.
Faz-se necessário, portanto, uma incursão no processo de
inserção de uma comunidade quilombola no plano dos direitos formais, a fim
de que se interprete a dinamicidade das contradições da relação Estado e
comunidades tradicionais. Para tal análise, a comunidade quilombola do Rio
Grande será tomada como referência. Com esse intento, a análise da
territorialidade dessa comunidade remanescente de quilombo será realizada
sob enfoques em se perceba a multidimensionalidade do território.
104

2.3.1 Rio Grande: território em aquilombamento

O território do Rio Grande está localizado no município de


Bequimão, que integra a microrregião do Litoral Ocidental Maranhense, sendo
esta inserida geograficamente na mesorregião norte Estado. Esse município é
um dos 217 que compõe o mapa político maranhense. Este estado apresenta
densidade demográfica de 17,03 hab/Km² e uma distribuição demográfica que
compreende 59,55% da população vivendo na zona urbana e 40,5% na zona
rural, sendo portanto um dos entes federativos que apresenta ainda grande
percentual de ocupação territorial campesina.
O Norte maranhense é a região que apresenta maior
dinamicidade em termos de uma economia de base capitalista. Apresenta o
maior quantitativo populacional e nela se situa a capital do Estado, São Luís. A
mesorregião Norte é dividida em 5 (cinco) microrregiões: Litoral Ocidental
Maranhense, Aglomeração urbana de São Luís, Lençóis Maranhenses,
Baixada e Itapecuru-Mirim.
Além do município de Bequimão, estão inseridos na microrregião
do Litoral Ocidental Maranhense: Alcântara, Apicum-Açu, Bacuri, Bacurituba,
Cajapió, Central do Maranhão, Cururupu, Guimarães, Mirinzal, Porto Rico do
Maranhão e Serrano do Maranhão. No total, o Litoral Ocidental possui uma
área de 9.575,92 Km² e uma população, estimada pelo IBGE/2010, de 161.371
habitantes.
105

Figura 5: Micro-região do Litoral Ocidental Maranhense


Org: CONCEIÇÃO FILHO, 2012

De acordo com Souza e Feitosa (2009), o litoral maranhense


corresponde à faixa de terras banhadas por águas marinhas, por meio dos
movimentos de fluxo e refluxo, que determinam a preamar e baixa mar.
A região do litoral ocidental maranhense insere-se na Planície
Litorânea cujo ambiente é modelado pelo fluxo das marés que, diretamente
denominada por processos marinhos e fluviomarinhos, dá origem às praias,
mangues, vasas, apicuns, lagunas e falésias. Nas áreas de fluxo indireto,
conhecida como maré dinâmica, ocorrem os pântanos.
Dentre os municípios que compreendem o Litoral Ocidental
Maranhense e que têm características geomorfológicas e sociogeográficas
semelhantes, destaca-se o município de Bequimão, que tem uma área de
768.951 Km², população de 20.344 mil habitantes, o que representa uma
densidade demográfica de 26,46 hab/Km². 18
Nas estimativas do PNUD/2000, o IDH de Bequimão é de 0,577 e
o PIB, segundo dados do IBGE/2010, é de R$ 57.912 mil reais. Tomados esses
dados, o PIB per capita é de aproximadamente R$ 2.846 reais, segundo essas

18
Dados do IBGE 2010
106

informações estatísticas. Tais dados não correspondem à realidade da


população do município, tomando-se como referência a possibilidade de
consumo aferida pela frota de veículos do município, pois somente 20,6% da
população possui veículos automotores e não se registra nesse município
nenhum trator, o que denota a ausência de uma agricultura mecanizada em
Bequimão.
A subdivisão administrativa do município se dá em polos. São, no
total, 17 polos com 57 comunidades: Areal, Maracujá, Pericumã, Ramal de
Areal, Santa Tereza, São João, Barroso, Balandro, Floresta, Frederico, Santa
Vitória, Beira Campo, Bem Posta, Muricizal, Rio Grande, Monte Alegre,
Matinha, Vila Nova, Centrinho dos Santana, Iribuí, Itaputíua, Jurereitá, Santana,
Centro dos Câmara, Codozinho, Deserto, Geniparana, Macajubal, Privado,
Baixo Escuro, Jacioca I, Jacioca II, José Felipe, Titara, Mojó, Vila do Meio, Boa
Vista, Calhau, Botija, Iriritiua, Paricatíua, Ponta do Soares, Marinha, Pontal,
Jacaretíua, Quindíua, Mafra, Ramal do Quindiua, Santa Rita, Buritirana,
Marajatuia, Sumaúma, Centrinho, Buritizeiro, Coelho, Águas Belas, Ariquipá e
Flexal. Dessas comunidades, somente Rio Grande, Ariquipá e Ramal do
Quindíua obtiveram, até o ano de 201019, o certificado de reconhecimento
emitido pela Fundação Cultural Palmares, como “comunidades remanescente
de quilombos”.
Bequimão é um município cuja condição histórica foi marcada
pela intervenção da Coroa Portuguesa com a criação da Companhia Geral do
Grão-Pará e Maranhão, que tinha como objetivo dar sequência ao projeto de
enriquecer Portugal. Em função disso, toda a região, que hoje compreende boa
parte dos municípios do Litoral Ocidental, era considerada o lugar mais
próspero do Maranhão. O contexto de formação de Bequimão, assim como de
boa parte do Brasil remete a origem colonial de exploração desse território pela
metrópole.
Os primeiros habitantes dessa região eram os indígenas do
tronco linguístico Tupi-Guarani, os Tupinambás e, com os empreendimentos
portugueses, o município passou a fazer parte da subdivisão das Capitanias do
Maranhão. Com o nome Tapuiatapera, passou à condição de cabeça da

19
No final de 2011 mais duas comunidades foram certificadas pela Fundação Cultural
Palmares como “remanescentes de quilombos”, sendo estas Mafra e Conceição.
107

Capitania de Cumã, doada pelo primeiro governador do Maranhão, Francisco


Coelho de Carvalho ao seu irmão Antônio Coelho de Carvalho, em 1624. No
local, foi construída uma capela por iniciativa de Antônio Rodrigues que seria
dedicada a Santo Antônio, e, a partir daí, o local passou a ser chamado
Freguesia de Santo Antonio das Almas.
Pelos nativos, o local era conhecido como Cabeceira por ficar
perto do mar e da nascente do Rio Itapetininga. A região passou a prosperar a
partir de 1648, tornando-se uma das grandes responsáveis pelo abastecimento
de farinha e arroz, ligado à vila de Alcântara. As práticas econômicas mais
significativas baseavam-se em agricultura e pesca. Com a prosperidade da
Freguesia, os moradores passaram a buscar emancipação. Em 31 de
dezembro de 1923, tornou-se município, desmembrado de Alcântara e passou
a se chamar Godofredo Viana, em homenagem ao então governador do
Maranhão. Pelo decreto estadual de 22 de abril de 1930, o município é
denominado Bequimão.
Em 1931, outro decreto estadual extingue o município de
Bequimão, anexando-o às áreas de Alcântara. Finalmente, em 1935, pelo
Decreto nº. 855, o município é definitivamente desmembrado de Alcântara e
ganha autonomia com o nome definitivo de Bequimão e passa a constituir
distrito sede.
Observa-se que a configuração espacial desse município
expressa a disputa de territorialidade entre Alcântara e Bequimão,
evidenciando, assim, que, na base dos processos de territorialização,
assentam-se relações de poder.
Economicamente, Bequimão tem práticas agrícolas tradicionais
voltados para a produção de alimentos, como arroz, mandioca, milho e feijão.
Outra atividade bastante significativa nesse município é a pesca.
Além das características socioeconômicas já destacadas, o
município de Bequimão compreende uma área de proteção ambiental
permanente (APA), por estar situado em região de reentrâncias, sendo esta
denominada, Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses e,
108

por tal razão, está inserido na Convenção sobre Zonas Úmidas (Convenção
Sítios Ramsar)20.
Situado a 5 km da sede do município de Bequimão, encontra-se o
povoado do Rio Grande. O território é banhado por três rios temporários e um
perene. Os rios temporários são: o rio Grande que designa, na atualidade, o
nome do povoado, o rio Polica, e o rio Brilhante. O rio dos Fugidos, principal
“indício” que o povoado fora resultante do processo de autolibertação dos
escravizados é um rio perene, embora com lâmina e curso limitado, deságua
no rio Polica, um dos principais tributários do rio Grande. Ver no mapa abaixo.

MAPA 2. Perímetro do território do Rio Grande


Dados: FURTADO, 2011
Org.FILHO,J.2011

20
A convenção Ramsar foi um termo de cooperação internacional assinado nessa cidade situada às
margens do Mar Cáspio no Irã, aos 2 de fevereiro de 1971. Essa convenção trata dos termos de
conservação e uso racional de zonas úmidas. Para efeito dessa Convenção, são consideradas zonas
úmidas: áreas de pântanos, charcos, turfas e corpo d’água, naturais ou artificiais, permanentes ou
temporários; com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo estuários, planícies
costeiras, com menos de seis metros de profundidade na maré baixa, onde se encontram alguns dos
ambientes mais produtivos e de maior diversidade biológica do planeta. O Brasil aprovou a Convenção
Ramsar em 24 de fevereiro de 1993, designando cinco zonas a serem incluídas na lista de Zonas Úmidas
de Importância Internacional: Ilha do Bananal (TO), Lago dos Peixes (RS), Marimauá(AM), Pantanal
Matogrossense (MT) e Reentrâncias Maranhenses (MA).
109

O território do Rio Grande compreende uma área de 1.065,8240


ha e um perímetro de 13.096,6730. Para a elaboração dessa carta foi utilizada
a seguinte metodologia: localizei por entre as matas do Rio Grande os pontos
limites, ou as pedras de rumo como são denominadas pelos moradores, e com
o auxílio de um GPSmap 76CSx de navegação, foram georreferenciados 21 os
quatro vértices existentes assim como rios, estradas, escola, barracão de
festas, igrejas, comércio e casas de forno existentes no território.
O primeiro vértice, chamado de P1, encontra-se a nordeste e
possui as seguintes coordenadas geográficas w 44 o 48´ 40.348´´ de longitude
oeste e s 02o 26´ 32.782´´ de latitude sul e limita-se com o povoado Benfica e
terras “dos paulistas”; o segundo vértice P2 está a sudeste, limitando-se com
Terras dos paulistas, Manoel Moraes e a terra dos Ramalhos com as
coordenadas geográficas w 44o 49´ 7.212´´ e s 02o 28´ 7.042´´; o terceiro
vértice P3 localiza-se a sudoeste próximo à cabeceira do rio Grande com as
coordenadas w 44o 40´ 57.182 e s 02o 27´ 58.327, limitando-se com Zé Balaio,
Monte Alegre, Ramalho, São Raimundo e Cantanhede. O quarto vértice P4
limita-se com Zé Balaio e Benfica e possuem as coordenadas w 44 o 50´ 27.726
de longitude oeste e s 02o 26´ 14.460´´ de latitude sul, situado a noroeste.

21
Para a operacionalização do equipamento, bem como para a organização dos dados de
campo que fundamentaram a carta do perímetro do Rio Grande, contei com o apoio do
geógrafo João Filho do Núcleo de Geoprocessamento da UEMA.
110

Mapa 3: Localização do território do Rio Grande em Bequimão-MA


Fonte: FURTADO,2011
Org.: FILHO, J.2011

De acordo com depoimentos dos moradores mais antigos, é


sabido que a comunidade existe há mais de 200 anos, e o território já foi área
de ocupação de indígenas e, posteriormente, de ex-escravizados que, no
processo de autolibertação, fugiam das fazendas vizinhas22.
A maioria das pessoas possui o sobrenome Rodrigues, o que as
identifica como pertencentes à mesma família, o que poderia indicar
inicialmente como um “território de parentesco”.
De acordo com CASTRO (2004), o “território de parentesco”
apresenta-se como categoria que comporta dois sentidos. O primeiro, como
patrimônio da família, designando um espaço em que se reproduzem

22
A 4km do Rio Grande situava-se o engenho de Ariquipá, atual território quilombola
reconhecido pela Fundação Cultural Palmares. Além desse engenho, os moradores antigos
citam a área da Canjiqueira como local de “origem” de algumas famílias que integram a
comunidade do Rio Grande. Atualmente o local que antes era conhecido como Canjiqueira está
inserido na fazenda Agromasa comprada no início da década de 70 por empreendedores
“paulistas”. Esse território tem sido alvo de litígio entre quilombolas da antiga fazenda
Conceição e os atuais “proprietários das terras”.
111

socialmente várias famílias de parentes, descendentes de ancestral comum. E


o segundo, como território em que os herdeiros possuem o direito à casa de
morada (casa-quintal), à terra de respeito (a área de roçado) e à terra comum
(acesso a terra para o trabalho, as pastagens e os recursos naturais).
(CASTRO, 2004, p.6)
O que se apreende pelos relatos orais é que o território foi se
constituindo através de várias frentes que o ocuparam em períodos distintos,
mas que, na atualidade, é, enquanto espaço geográfico, construído por um
mesmo grupo social, tornando-se assim “lugar praticado” (CERTEAU, 2004,
p.2002), expresso em sua territorialidade particular.
Um dos moradores da comunidade, seu Agnaldo, comenta sobre
as marcas históricas da ocupação do território:
Vestígio de habitações, bem antes dos negros fugitivos, isto é,
pelos indígenas, que ocuparam há muito o pedaço de terra. Se
sabe, que moraram várias pessoas negras fugitivas aqui perto
das várzeas e cabeceiras dos pequenos córregos, afluentes do
rio maior, que se chama Rio Grande. Eles vieram de fazendas
vizinhas até mesmo de outros municípios, como Alcântara,
Pinheiro, Viana, etc., ocupando especialmente o porto da
cabeceira, que ainda havia moradores e pra chegar até aqui.
Ainda no século XVIII veio um casal de negros da fazenda
Canjiqueira e fizeram moradia onde atualmente hoje em dia é
chamado Sítio Velho do Rio Grande. Mas antes disso já
morava a 1 km daqui uma família que plantara e cultivara
manga e café. Daqui eles se mudaram para o Monte Alegre.
(Depoimento de seu Agnaldo, dia 01/05/2008).

Segundo o relato de seu Agnaldo, nesse local, antes de se formar


um povoado, possuía muitas fazendas de engenhos onde se produzia açúcar
bruto para Portugal. Ele contou que: “ Os negros vinham fugidos das fazendas
para essa região aqui todinha.”
Descrevendo a história de ocupação do território, Dona Matilde,
esposa de seu Agnaldo, informa:
A minha avó contava que o nome do Rio era Fugido por que o
pessoal vinha fugido da escravatura; tinha aquela velha que
morava lá. (...) Eu digo minha avó, mas era minha sogra. A
minha sogra me contava que ia fazer a roça, na época tava
nova, ela ia fazer roça pra lá e eu ia com ela. Aí ela achava
caco de vidro, achava caco de pote, aí tinha aquela fornalha de
forno, que eles tinham trabalhado no forno né?! Aí a minha
sogra, que eu chamava de vó, ela falava assim: Aqui foi os
escravos que vieram lá do engenho do Ariquipá e fizeram
moradia aqui, aí chamavam, aí morava aqui na beira desse rio,
e por isso o nome do rio é Fugido. Aí lá era caco de tigela, lá
era caco de pote, lá era caco de tudo, a gente achava. Ainda
112

acha tudo isso lá, que nunca se acaba. Aí ela falava que era os
fugidos que fugiram de lá, e vieram e fizeram essa moradia, e
moravam lá. E tinham muito esse ferro velho, tudo, aquele
forno. Ela falava que eles faziam forno pra mexer farinha aí
dentro dos matos, na beira do rio. Faziam aquele forno de
barro, e lá mesmo eles plantavam a mandioca e lá mesmo eles
faziam a farinha. Ela me contava muito. E tinha mesmo umas
taperas velhas que eles moravam. Aí nós íamos pra lá assim
trabalhar e ela me contava. Só que eu era nova quando eu
cheguei aqui, vivia muito junto com ela. A mãe dele
(S.Agnaldo). Ela falava também que tinha uma preta velha que
veio num sei de onde e morava lá num mato mais ali que eles
chamam de Brilhante, na beira de um rio também, lá tem umas
juçareiras, ela falava que era essa mulher que morava lá, e
que tinha vindo também de lá, do Ariquipá, foi pessoas que
vieram do Engenho morar praí...(Entrevista concedida em maio
de 2008)

Na perspectiva de Halbwachs(1990), a memória deve ser


entendida como um fenômeno coletivo e social. Para esse autor, as memórias
“particulares”, ou seja, individuais, são mediadas pelas experiências coletivas,
formando, assim, quadros sociais de memória. Tais quadros inserem os
indivíduos como sujeitos dos acontecimentos e suas lembranças possibilitam
ver de forma abrangente os acontecimentos vividos coletivamente.
Outra característica da memória é que esta está submetida a
flutuações, ressignificações e mudanças constantes no sentido de sua
atualização, isso porque é fruto de uma construção coletiva.
Mesmo não tendo vivenciado o processo de escravidão, D.
Matilde se refere a ele como uma marca na ocupação do território do Rio
Grande. Nesse sentido, corrobora com a noção de “ memória herdada”,
proposta por Pollak(1992). Concordando com Halbwacks, para quem a
memória é um fenômeno socialmente construído, como dito anteriormente,
Pollak apresenta os seguintes elementos para definir a constituição da
memória individual ou coletiva. Em primeiro lugar, relaciona os acontecimentos
vividos pessoalmente. Em segundo lugar, destaca como elemento constitutivo
da memória coletiva aquilo que chamou de “acontecimentos vividos por tabela”.
Neste último caso, o acontecimento não precisaria ser experienciado de forma
particular pelo sujeito, mas se refere àqueles acontecimentos vividos pela
coletividade à qual esse sujeito se sente pertencente.
113

Para Pollak esses acontecimentos “vividos por tabela” conjugam-


se a todos os eventos que não podem ser demarcados num espaço-tempo de
uma pessoa, ou mesmo grupo. Para esse autor
É perfeitamente possível que por meio da socialização política,
ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção
ou de identificação com determinado passado, tão forte que
podemos falar numa memória quase que herdada.
(POLLAK,1992,2002).

Além dos fatos comentados por D. Matilde quanto à existência de


antigos moradores ocupando as cabeceiras dos rios, informações essas
obtidas com sua sogra, a quem ela chama de “Vó”, o registro dos
equipamentos usados pelos antigos escravizados acionam memórias que se
reportam à construção social do lugar. “Os cacos de potes”, “cacos de tigelas”,
“pedras de forno” são testemunhos na paisagem e, sobretudo, na memória de
construção desse lugar, que podem ser colados, enquanto “cacos de memórias
do lugar”.
Na atualidade, impelidos pelo processo de aquilombamento que
pretende garantir do poder público políticas compensatórias pelo processo de
opressão sofrida, tais “cacos de memória” têm sido reconstruídos a fim de que
o registro, agora cronológico, da ocupação do território do Rio Grande seja
mais uma peça jurídica para a conquista de tais direitos, sobretudo no que se
refere ao direito territorial.
Daí concordo, mais uma vez com Pollak, quando afirma que
existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança,
que pode ser uma lembrança pessoal, mas que também podem ter apoio no
tempo cronológico.
Nesse sentido, a comunidade mantém um antigo mangueiral
como rugosidades do território que confirmam a ancianidade da ocupação pela
comunidade quilombola do Rio Grande. Os moradores afirmam que essa área
tem solo muito fértil e compreende um conjunto arbóreo de frutíferas
centenário.
114

Foto 1. Mangueiral centenário


Autor: GUTMAN,S. 2008

Juntamente com esse uso do território, onde se verifica um


plantio de mangueiras e jaqueiras, testemunhas de uma ocupação antiga, os
moradores do Rio Grande identificam também as pedras que delimitam o
território e que são chamadas de “pedras de rumo”, como dito anteriormente e
que podem ser visualizadas nas fotografias abaixo.

Foto 2. Moradores identificam pedra de rumo Foto 3. Marco da terra dos “paulistas”
Autora: FURTADO, 2011 limite com pedra de rumo do Rio Grande
Autora: FURTADO, 2011

Segundo Almeida (2002), as pedras de rumo eram utilizadas


como marcos delimitadores das datas de sesmarias a serem confirmadas ou
muitas delas já concedidas pelo poder real aos nobres e homens de posses.
115

Na atualidade, tais pedras passam a servir de referência para a construção


social do espaço pretendido pelas comunidades em aquilombamento na luta
por seus territórios.
Elementos materiais e simbólicos são acionados pelas
comunidades quilombolas em forma de relatos orais e escritos reafirmando
assim que a memória é em parte herdada, e que, nesse sentido, não diz
respeito à vida física das pessoas, mas a uma coletividade que a constrói e a
atualiza de acordo com as preocupações do momento. Instigados pelos
critérios formais quanto à definição de uma terriorialidade quilombola, a
comunidade do Rio Grande passa a reestruturar seus “cacos de memória” com
esse objetivo, ter assegurado o direito sobre a terra conquistada na luta pela
libertação da escravidão. Como afirma Seu Chita “nós já estamos em cima
desse chão”.
No capítulo seguinte, será enfocado o território enquanto
construto social, a partir da lógica simbólica de ocupação, e das atividades
produtivas que representam a indissociável relação sociedade-natureza.
Posteriormente, serão analisadas as manifestações culturais que determinam a
territorialidade ética do Rio Grande e, em seguida, será discutido o território
social das mulheres no processo de aquilombamento dessa comunidade.
116

3. ENTRE O QUILOMBO E O AQUILOMBAMENTO: UM “RIO GRANDE”


PASSA SOB A PONTE

A apropriação teórica da construção social do território quilombola


do Rio Grande será privilegiada aqui, tomando-se como referência o
materialismo histórico e dialético. A compreensão de que o espaço geográfico
é socialmente construído está assentada na relação dialética entre a sociedade
e a natureza.
A base fundante do pensamento teórico materialista permite
entender que o ser social é histórico e construído mediante relações de
apropriação dos recursos naturais, através do trabalho humano e das regras
sociais que determinam relações de produção específicas, determinando assim
os modos de produção e os respectivos tipos de propriedades.
Necessário se faz diferenciar a relação que Marx estabelece entre
propriedade e propriedade privada. Para esse autor, a relação que o
trabalhador mantém com as condições objetivas para o seu trabalho é de
propriedade. A propriedade seria, portanto, a unidade natural do trabalho com
seus pré-requisitos materiais. (MARX, 1982, p.66)
O ser social que trabalha, sendo aqui definido como trabalhador,
tem sua existência independente de qualquer formação social em que possa
ser inserido, no dizer de Marx, “o trabalhador tem sua existência objetiva,
independente de seu trabalho” (id, ib.). Ao relacionar-se com outros seres
sociais, sobretudo na família, que é a base da comunidade, os “outros” são
também, por sua vez, “proprietários” independentes que coexistem com o
indivíduo, estabelecendo-se relações entre proprietários privados
independentes. Trabalhadores independentes, trabalhando em terras de uso
comum, que antes a tudo absorvia (ager publicus), subsistem ao lado dos
numerosos proprietários privados de terra.
A construção identitária do ser social que compartilha uma
comunidade não se sobredetermina a partir da condição de trabalhador, mas
como proprietário e participante da comunidade em que trabalha. A realização
do trabalho se efetiva tendo como fito principal a manutenção do proprietário
individual e sua família, bem como da comunidade como um todo. A
cristalização do indivíduo como trabalhador está diretamente relacionada às
117

condições históricas de sua produção. Tanto a condição social de trabalho


“livre” ou escravo são produtos do (des) envolvimento das condições humanas
e históricas de produção.
A análise realizada por Marx sobre o desenvolvimento das
civilizações humanas fundamenta-se, portanto, na compreensão do ser social.
A relação da história de ocupação do Rio Grande insere-se no contexto da
produção territorial do Maranhão, de forma específica, no Litoral Ocidental
Maranhense.
Este capítulo objetiva apresentar a imbricada história de produção
social do espaço territorial quilombola do Rio Grande, a partir da construção
das condições de trabalho dos sujeitos sociais. Com o aporte da Metodologia
da História Oral pretendo também identificar os quadros sociais e as memórias
dos “filhos do Rio Grande”, a fim de que se observe, como a história, vinculada
ao processo de escravidão, determinante do conteúdo organizativo dessa
comunidade, pode ser silenciada ou acionada em contextos específico e como
pode servir de pano de fundo para a observação do movimento do
aquilombamento, como um movimento socioterritorial na atualidade.

3.1 A produção social do território do Rio Grande

Ao destacar a dimensão material do território, observa-se que


este é, no dizer de Haesbaert (2005), ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em
diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exerce domínio sobre o
espaço tanto para realizar funções, quanto para produzir significados. O
território é funcional a começar pelo ponto de vista do recurso, seja como
proteção ou abrigo do lar para repouso, seja como fonte de recurso naturais:
matéria-primas.
A comunidade do Rio Grande é composta de 7223 famílias, sendo
que em duas casas moram duas famílias. As famílias que integram a
comunidade do Rio Grande são formadas num intervalo entre um morador até

23
Como dito na introdução deste trabalho, foram visitadas 58 casas, nas quais encontramos
60 famílias. As oito casas não contatadas estavam fechadas ou estavam parcialmente
abandonadas por seus moradores que residem na sede de Bequimão. Para a realização deste
trabalho de coleta de dados com o auxílio do questionário contei com a colaboração de três
bolsistas de iniciação científica sob minha orientação.
118

nove pessoas listadas como participantes desse quadro familiar. A média de


moradores por casa é de 3 a 4 pessoas seguindo um padrão de marido,
esposa e filhos, seguido de mulheres com filhos e netos, como demonstram as
tabelas 1 e 2.
Tabela 1. Total de pessoas por família no Rio Grande
QUANTIDADE DE PESSOAS POR FAMÍLIA QTD %
1 3 5
2 5 8
3 17 28
4 16 27
5 10 17
6 3 5
7 5 8
9 1 2
Total de Famílias 60 100
Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Ainda se observa uma predominância do modelo tradicional de


família composta de pai mãe e filhos, tendo o marido como chefe, verificado em
55% das famílias entrevistadas. Entretanto a presença das mulheres como
chefes de famílias nas quais não se verifica a presença de homens na
qualidade de maridos ou companheiros vem em segundo lugar em termos
percentuais do universo pesquisado, seguida, em terceiro, de famílias com o
marido, mulher e filhos tendo a mulher como chefe. Do total de famílias
entrevistadas observa-se que em 26 são as mulheres que assumem a
liderança da família (mulheres com filhos, mulheres com filhos e netos,
mulheres com filhos e parentes e mulheres sozinhas).
Tabela 2. Organização familiar do Rio Grande
COMPOSIÇÃO FAMILIAR QTD %
Casais com filhos tendo o homem como chefe da família 33 55
Casais com filhos tendo a mulher como chefe da família 7 12
Mulheres com filhos 6 10
Mulheres com filhos e netos 10 17
Mulheres com filhos e parentes 1 2
Mulheres sozinhas 2 3
Homens sozinhos 1 2
Total de Famílias 60 100
Fonte: Dados da pesquisa (2010)
119

Necessário se faz registrar que, mesmo em termos percentuais


inexpressivos, socialmente é importante notar a presença de homens e
mulheres que declararam viver sozinhos. Em duas casas, constatei a presença
de mulheres que moram sozinhas e em uma casa um morador nessa condição.
A migração dos parentes próximos (filhos e netos) para o trabalho fora da
comunidade, pode ser um fator que tem determinado a diminuição dos
integrantes das famílias morando na comunidade. Por outro lado, as relações
de afinidades estabelecidas entre os moradores do lugar, diminuem a
percepção destes de isolamento, pois embora morando só, essas pessoas
estão totalmente integradas na comunidade, participando nas relações de
trabalho e das festividades locais.
No gráfico abaixo, observa-se em termos absolutos os arranjos
familiares verificados na comunidade do Rio Grande.

COMPOSIÇÃO FAMILIAR
QTD
33

10
7 6
1 2 1

Casais Casais Mulheres Mulheres Mulheres Mulheres Homens


com filhos com filhoscom filhos com filhos com filhos sozinhas sozinhos
tendo o tendo a e netos e
homem mulher parentes
como como
chefe da chefe da
família família

Gráfico 1. Composição familiar da comunidade do Rio Grande


Fonte: Dados da pesquisa (2010)
120

Dos arranjos familiares observados no Rio Grande, a união


estável é a situação conjugal dominante, com 28 casais declarando-se nesse
status, enquanto somente 11 casais afirmam ter o casamento formalizado em
termos civis e somente uma família tem a situação conjugal legitimada a partir
do casamento religioso.
A flexibilidade da união estável quanto à permanência e
dissolução do casamento pode ser um indicador do quantitativo mais
expressivo de famílias com poucos membros, em torno de três a quatro
membros. A família com o maior número de integrantes, a saber, nove, é
chefiada por uma mulher com mais de sessenta anos que declara ter estado
civil de solteira. A tabela e o gráfico a seguir ilustram o perfil conjugal das
famílias encontradas no Rio Grande.

Tabela 3: Da legitimação social dos casamentos

SITUAÇÃO CONJUGAL DOS CASAIS QTD %

Casamento civil 11 28

Casamento religioso 1 3

União estável (vive junto) 28 70

Total de Famílias 40 100

Fonte: Dados da pesquisa (2010)

SITUAÇÃO CONJUGAL
Casamento
civil
27%
União
estável (vive
junto) Casamento
70% religioso
3%

Gráfico 2 : Dados percentuais da situação conjugal em Rio Grande


Fonte: Dados da pesquisa (2010)
121

Em Rio Grande, as 60 famílias diagnosticadas compreendem um


total de 242 pessoas. Convém registrar que nem todas essas pessoas moram
na comunidade, pois algumas migraram para outros destinos, sobretudo, em
busca de trabalho. Entretanto como essas pessoas são citadas como
componentes das famílias serão aqui tratadas no universo de pessoas que
integram a comunidade, estendo assim a noção de território, cujas fronteiras
são elásticas ao serem aplicadas ao contexto étnico quilombola.
A faixa etária dos integrantes das famílias contatadas varia entre
recém nascido24 até idosos com mais de 80 anos, conforme se verifica na
tabela 4 e gráfico 3.

Tabela 4 - Faixa etária por quantidade de pessoas da comunidade do Rio Grande

FAIXA ETÁRIA DOS MEMBROS DAS QTD %


FAMÍLIAS
0a2 14 6
3a5 16 6
6a8 16 6
9 a 11 16 7
12 a 15 16 7
16 a 21 29 12
22 a 30 48 20
31 a 40 30 12
41 a 50 18 7
51 a 60 19 8
61 a 75 16 7
76 a 85 4 2
Total de Pessoas 242 100
Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Observa-se uma predominância de jovens na faixa etária entre 22


a 30 anos, compondo um universo de 20% do total de integrantes das famílias
entrevistadas. Entretanto, em termos relativos, o quantitativo de crianças e
adolescentes supera o percentual de jovens, pois este se configura em 32% do
total de pessoas nessa faixa etária.
O quantitativo de idosos é relativamente baixo, por outro lado, se
consideramos o somatório entre adultos a partir dos 41 anos e o total de idosos

24
No dia da coleta de dados visitei uma casa na qual havia um recém nascido de oito dias, de
sexo feminino, mas não tinha nome.
122

em termos percentuais, teremos uma população no Rio Grande de 24% de


pessoas na segunda e terceira idade, como visto no gráfico 3.

76 a FAIXA ETÁRIA DOS MEMBROS DAS FAMÍLIAS


51 a 85
60 2% 61 a 75 0a2 3a5
8% 7% 6% 6% 6a8
6%
41 a 50
7% 9 a 11
7%
31 a 40
12%
16 a 21
22 a 30 12 a 15
12%
20% 7%

Gráfico 3. Percentual de membros das famílias por faixa etária


Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Tomando como referência os dados relativos à faixa etária posso


inferir que a população do Rio Grande está em equilíbrio entre a população
jovem e adulta.
A distribuição das pessoas por sexo e faixa etária também foi alvo
do recorte dessa investigação, a fim de observar o percentual de homens e
mulheres na comunidade estudada. Conforme tabela 5, é possível verificar
uma diferença de 2% do quantitativo de mulheres sobre o de homens na
população total do Rio Grande que é de 242 pessoas, como já assinalado.

Tabela 5: Distribuição da população por faixa etária e sexo


SEXO FAIXA ETÁRIA TOTAL

0-2 3-6 7-14 15-20 21- 31 32-40 41-51 52-60 61-71 72-85

Masculino 11 11 14 15 30 14 9 7 6 2 119
Feminino 3 11 21 14 28 13 10 10 10 3 123
TOTAL 14 22 35 29 58 27 19 17 16 5 242

Fonte: Dados da pesquisa (2010)

A presença masculina só se manifesta superior sobre a feminina


nas faixas etárias entre 0 a 2, 15 a 20 e 21 a 30 anos, pois, em todas as
123

outras faixas etárias classificadas, o quantitativo feminino é superior. No gráfico


4, é possível visualizar essa distribuição também em termos absolutos.

SEXO POR IDADE


Masculino Feminino

30 28
21
14 15 14 14 13
11 11 11 9 10 7 10 6
10
3 2 3

0a2 3 a 6 7 a 14 15 a 20 21 a 31 32 a 40 41 a 51 52 a 60 61 a 71 72 a 85

FAIXA ETÁRIA

Gráfico 4. Relação entre sexo e idade na comunidade investigada


Fonte: Dados da pesquisa (2010)

O grau de escolarização dos integrantes das famílias do Rio


Grande também é um elemento que compõe os indicadores sociais dessa
comunidade. Observei que das 242 pessoas listadas na comunidade 114, ou
seja, 47,11% do total, possui ou está cursando o ensino fundamental.
O quantitativo de analfabetos, que é de 9,92%, supera o
percentual de pessoas que concluíram o ensino médio que é de 9,5% . O
número de analfabetos ou semialfabetizados aumenta se acrescentarmos o
quantitativo de pessoas que só assina o nome que é de 2,06%, fincado aí em
torno de 11.98% do total da população.
Verifiquei que o quantitativo de pessoas com o ensino médio
completo é superior ao ensino médio incompleto, e também está acima do
nível de fundamental completo, conforme tabela 6.
124

Tabela 6. Grau de escolaridade da população


GRAU DE ESCOLARIDADE QTD %
Não matriculados 20 8,27
Não alfabetizados 24 9,92
Educação Infantil 16 6,62
Fundamental Incompleto 114 47,11
Fundamental Completo 14 5,79
Médio Incompleto 18 7,43
Médio Completo 23 9,50
Superior Incompleto 3 1,24
Superior Completo 5 2,06
Só assina o nome 5 2,06
Total de Famílias 242 100
Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Na tabela 7, analiso a relação idade, sexo e escolaridade da


população do Rio Grande. Observo, portanto, que as crianças em idade escolar
obrigatória que é de 07 a 14 anos têm no sexo feminino sua maior incidência e
todos estão matriculados.
Entre os analfabetos, encontram-se dois jovens entre 19 e 30
anos, sendo ambos do sexo masculino. Acima dos 52 anos, nota-se a
predominância de mulheres analfabetas, sendo estas num total de 11,
enquanto que os homens nessa faixa etária somam 5 não alfabetizados.
Quanto ao ensino fundamental que é o quadro mais expressivo
de escolarização no Rio Grande, há uma predominância de homens com esse
grau de escolarização em todas as faixas etárias classificadas. Entretanto,
quando se trata do ensino superior, as mulheres alcançaram mais esse grau
que os homens dessa comunidade.
125

Tabela 7. Relação idade, sexo e escolaridade da população do Rio Grande

FUNDAMENTAL INCOMPLETO

FUNDAMENTAL COMPLETO

ENS. MÉDIO INCOMPLETO

SUPERIOR INCOMPLETO
ENS. MÉDIO COMPLETO

SUPERIOR COMPLETO
NÃO ALFABETIZADOS

SÓ ASSINAM O NOME
EDUCAÇÃO INFANTIL
NÃO MATRICULADO

TOTAL MASCULINO

TOTAL FEMININO

TOTAL GERAL
FAIXA ETÁRIA

SEXO

DE 0 A 2 ANOS M 12 - - - - - - - - - 12 - 12
F 2 - - - - - - - - - - 2 2
DE 3 A 6 ANOS M 3 9 - - - - - - - - 12 - 12
F 3 7 - - - - - - - - - 10 10
DE 7 A 14 ANOS M - - - - 14 - - - - - 14 - 14
F - - - - 21 - - - - - - 21 21
DE 15 A 18 ANOS M - - - - 6 2 2 - - - 10 - 10
F - - - - 1 2 5 3 - - - 11 11
DE 19 A 30 ANOS M - - 2 - 16 3 4 8 1 1 35 - 35
F - - - - 10 3 4 7 1 2 - 27 27
DE 31 A 51 ANOS M - - 4 - 17 - 2 3 - - 26 - 26
F - - 2 2 13 3 1 2 - 2 - 25 25
DE 52 A 85 ANOS M - - 5 2 8 1 - - 1 - 17 - 17
F - - 11 1 8 - - - - - - 20 20
TOTAL 20 16 24 5 114 14 18 23 3 5 126 116 242
Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Outro indicador importante para a análise da situação social de


exclusão da comunidade do Rio Grande diz respeito às condições sanitárias,
verificadas através da origem da água utilizada para consumo humano, o
destino do lixo doméstico e dos dejetos humanos.
Na totalidade da comunidade, a água utilizada para consumo
humano é retirada de cacimbas cavadas manualmente, chamadas “poço”,
conforme se observe no gráfico 5. Somente em três casas, verifiquei que o
poço era equipado com bombas hidráulicas, demonstrando assim que a água
encanada ainda é de uso restrito nessa comunidade.
126

Cacimbão
ORIGEM DA ÁGUA PARA CONSUMO
equipado
com DOMÉSTICO
bomba
3%

Poço
Cacimbão
97%

Gráfico 5. Origem da água para consumo humano


Fonte: Dados da pesquisa (2010)

O destino do lixo doméstico, segundo os informantes é, em sua


maioria conforme se registra no gráfico 6, queimado, correspondendo a um
total de 74% das famílias entrevistadas. Apesar de somente 21% dos
entrevistados referirem-se a destinar o lixo diretamente no mato, tal dado
mostra-se expressivo devido às conseqüências ambientais e à precariedade
das condições de saúde que essa prática acarreta.

DESTINO DO LIXO
Enterrado
DOMÉSTICO 5%
Jogado no
mato
21%

Queimado
74%

Gráfico 6. Destino do lixo doméstico


Fonte: Dados da pesquisa (2010)
127

As necessidades fisiológicas dos moradores do Rio Grande são


feitas em sentinas, informação esta verificada em 31 casas, conforme tabela 7.
Sendo que mesmo esta construção rudimentar, utilizada para destino dos
dejetos humanos é inexistente em 23 casas visitadas. Nessas casas os
moradores fazem suas necessidades, diretamente, no mato. Somente em 4
casas, os moradores responderam que existe banheiro com fossa séptica. Tais
dados podem ser verificados na tabela abaixo.

Tabela 8. Destino dos dejetos humanos


DESTINO DOS DEJETOS HUMANOS QTD %

Banheiro com Fossa Séptica 4 7


Sentina 31 53
Mato 23 40
Total de casas 58 100
Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Não foram coletados dados quantitativos referentes a relação


saúde e doença na comunidade, mas através, da observação participante,
verifiquei que muitos moradores apresentam sintomas de verminones com
abdômen estendido e doenças de pele tais como, impingem, pano-branco e
escabiose.

Foto 4 . Sentina padrão do Rio Grande


Autora: FURTADO, M. 2010
128

Essa fotografia registra, dentre as condições sociais do Rio


Grande, a precariedade do saneamento básico, uma vez que tais sentinas não
são construídas com determinada distância das casas ou mesmo dos cursos
d’águas utilizados para consumo humano.
Apesar da existência do programa governamental de
universalização da eletrificação rural, em Rio Grande ainda não há uma
totalidade de casas com acesso à luz elétrica. Ainda são observadas
lamparinas a querosene utilizadas como fonte de iluminação em 17% das
casas visitadas, como se verifica no gráfico abaixo.

Sem
energia
17%
Com
energia
83%

Gráfico 7: Percentual de eletrificação em Rio Grande


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Das 58 casas visitadas, 48 possuem energia elétrica e apenas 10


casas não constam com esse “fator de desenvolvimento”. A maior
concentração de casas sem energia elétrica, ou seja, que faz uso ainda da
lamparina, está na Rua da Associação. São oito casas ao todo nessa situação.
A falta de energia elétrica é um dos fatores explicativos para a
ausência de determinados itens de consumo duráveis não verificados nas
casas visitadas. Outro argumento apresentado para a inexistência de
determinados eletrodomésticos e móveis é a baixa renda constatada na
comunidade.
A presença de bens duráveis nas casas visitadas corresponde a
maior ou menor participação de benefícios sociais e assalariamento dos
membros das famílias. Como se verifica no gráfico 8, a presença da rede é de
100% nas casas visitadas o que demonstra uma unidade no padrão das
famílias quanto aos repouso.
129

100.00
90.00
80.00
70.00
60.00
50.00
40.00
30.00
20.00
10.00
-

Liquidificador
Geladeira
Cômoda
Computador
Cadeira

Filtro
Cama

Rádio
Rede
Estante

Guarda-roupa

Máquina de Costurar
Moto

Sofá
Fogão a gás

Parabólica

TV
Gráfico 8. Percentual de utensílios verificados em Rio Grande
Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Necessário se faz mencionar a ausência de filtros em 20 casas


visitadas. Esse dado revela muito mais a concepção de mundo e valores
próprios dessa comunidade que, propriamente, suas condições financeiras,
pois esse item está ausente em casas que possuem televisão, geladeira,
liquidificador, antena parabólica ou motocicleta.
Bens duráveis com valor econômico mais elevado como:
bicicletas, motocicletas, máquinas de costurar ou antenas parabólicas são
verificados em margens bastante reduzidas nessa comunidade. Existem
somente três casas que possuem máquina de costurar, o que revela que em tal
comunidade a confecção de roupas não é de autonomia das famílias, embora o
conhecimento de corte e costura fazer parte do processo de socialização das
mulheres nessa comunidade.
Já a bicicleta é, em muitos casos, o principal meio de transporte
de alunos para a sede do município de Bequimão, distante 5 Km da
comunidade para dar continuidade aos estudos a partir da segunda fase do
ensino fundamental, até o médio, estando presente em, aproximadamente, a
metade das casas visitadas (44,44%).
A presença de motocicleta em 25,86% das casas demonstra, ao
mesmo tempo, o poder aquisitivo de um quarto das famílias residentes,
130

utilizado como alternativa de renda, pois a R$5,00 (cinco reais), passageiros


transitam da sede de Bequimão para localidades vizinhas. Constatei que uma
família recém retornada ao território do Rio Grande, no qual havia chegado
somente a sete meses, e por isso tinha perdido o calendário agrícola, contava
como única fonte de renda a utilização da motocicleta como moto-táxi,
atividade muito comum no interior do Estado do Maranhão.
Como dito anteriormente, quanto à noção de valores referidos à
aquisição de determinados bens em detrimento de outros, verifiquei na
comunidade a presença de 20 casas com antenas parabólicas, sendo que,
desse total, 10% na Rua da Estrada, 9% na Rua do Prof. Agnaldo e somente
2% na Rua da Associação. Entretanto, nas 20 casas onde se verificam as
antenas parabólicas, em cinco não constam filtros, sendo que o caso mais
expressivo se dá na Rua da Associação onde somente em duas casas se
verificam antenas parabólicas, em uma delas não há filtro para tratamento da
água consumida para fins domésticos.
O computador é verificado somente em uma casa da Rua do Prof.
Agnaldo e representa a relação com o grau de escolarização dos moradores
dessa comunidade. A família que possui o computador é chefiada por uma mãe
solteira, professora da escola da comunidade que possui nível superior
incompleto.
Apesar da possibilidade de financiamentos a partir da renda
estável dos aposentados, ou mesmo dos assalariados, não se verifica na
comunidade veículos automotivos tais como: carros de passeio25, caminhões,
vans ou tratores agrícolas.
Quanto aos utensílios que representam a atividade laboral por
excelência da comunidade, ou seja, o trabalho na lavoura, verifiquei uma
predominância do facão e outros equipamentos de uso pessoal, conforme
tabela abaixo.

25
Após a coleta de dados realizada em novembro de 2010, três famílias chefiadas por
moradores com renda fixa (dois aposentados e um agente comunitário de saúde) adquiriam
automóveis semi-novos.
131

Tabela 9. Equipamentos de Trabalho


EQUIPAMENTOS DE TRABALHO QTD DE CASAS % Rua da Estrada % Rua da Associação % Rua do Prof. Agnaldo %
Motor 9 15,52 2 22,22 6 66,67 1 11,11
Bibicleta 26 44,83 16 61,54 6 23,08 9 34,62
Plantadeira manual 13 22,41 5 38,46 4 30,77 4 30,77
Tambor para grãos 12 20,69 3 25,00 7 58,33 2 16,67
Pulverizador 1 1,72 - - 1 100,00 - -
Carrinho de mão 19 32,76 7 36,84 5 26,32 7 36,84
Enxada 49 84,48 21 42,86 14 28,57 18 36,73
Foice 49 84,48 19 38,78 14 28,57 16 32,65
Facão 58 100,00 23 39,66 16 27,59 19 32,76
Animal de Carga 33 56,90 18 54,55 9 27,27 11 33,33
Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Somente uma família diz possuir o equipamento para


pulverização de veneno nas lavouras, o pulverizador costal, dado que expressa
que os moradores não fazem uso sistemático de agrotóxicos em suas lavouras.
Não é expressivo também o uso de tambor para armazenar os grãos, o que só
é encontrado em 12 casas correspondendo a, aproximadamente 21%. Os
entrevistados que diziam não possuir tambores ou balde, para acondicionarem
os grãos obtidos em suas colheitas, informam que fazem isso utilizando os
cofos de palha de babaçu.
A situação atual do Rio Grande e suas condições sociais
precárias remontam a longa e contraditória história de conflitos pela posse das
terras no Brasil e os imbróglios com o poder público, da qual surge o
movimento do aquilombamento. A própria configuração dos quilombos resulta
exatamente desse processo histórico.

3.2 “Aqui cada um é dono só do seu quintal”: a organização social da


comunidade do Rio Grande

O modo de vida camponês dos moradores do Rio Grande


expressa-se nas condições de moradia, no uso comum da terra, no
compartilhar de saberes e práticas, nas relações de parentesco, bem como nos
elementos de etnicidade mantidos e ressignificados de acordo com os fluxos
sociais.
132

As casas de Rio Grande estão dispostas em três “ruas” de


traçados desiguais, cuja extensão compreende a área construída e o quintal.
Na rua principal, aqui denominada Estrada do Rio Grande, localizam-se 29
casas, já na rua denominada da Associação existem 19 residências e na rua
Prof. Agnaldo constam 20, totalizando assim, 68 casas no povoado26.

39,66%
32,76%
27,59%

Rua da Estrada Rua da Rua do Prof.


Associação Agnaldo

Gráfico 9: distribuição das casas por rua


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

No que se pode definir como “centro” do povoado, há um campo


de futebol, com algumas casas dispostas em volta e, em frente ao campo, há
um galpão de alvenaria sem portas, construído para realização de festas e ao
lado deste galpão está a escola pública, que é um anexo do povoado vizinho,
Beira Campo e atende somente à primeira fase do Ensino Fundamental
(primeiro ao quinto ano).

26
As ruas não recebem designação pelos moradores, foram aqui identificadas, dessa forma,
com fins de apresentação do espaço geográfico do Rio Grande.
133

Figura 6: Croqui do povoado do Rio Grande


Fonte: Desenho exposto na parede da escola do povoado
Org. GUTMAN, 2010

Necessário se faz discutir que a designação de centro para a


concentração de casas e prédios com fins educacionais e lúdicos no povoado é
de origem recente, sendo tal fruto da inserção da lógica urbana, pois,
anteriormente e ainda é assim denominado pelos mais velhos da comunidade,
o centro é a área afastada do núcleo habitacional chamado de “sítio velho”,
uma reserva de mata utilizada para atividades agrícolas. Em Rio Grande,
denomina-se a área da casa da festa de Santo Antônio de sítio e a área de São
Raimundo e a do matão27 de centros. (MOURÃO,2007,86)
As casas, em sua grande maioria (67,24%), são feitas com
paredes de barro e cobertas com a palha da palmeira de babaçu, cuja
edificação é coletiva e se torna um evento que aglutina, tradicionalmente, os
moradores da comunidade. Nos gráficos abaixo, apresento a predominância

27
O matão é uma designação nativa para uma área de mata reservada no território do Rio
Grande, de onde se extrai a madeira utilizada nas cobertas das casas.
134

dos tipos de paredes e dos pisos encontrados em Rio Grande o que determina
o modelo-padrão das casas nesse território.

32,76%
Tijolo
67,24% Taipa

Gráfico 10: Tipos de parede das casas


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

O piso de chão batido, a tapagem das casas feita com barro


retirado do local e a coberta de das casas de palha de babaçu expressam a
utilização do território enquanto recurso para a reprodução física e social dessa
comunidade. Como se observa nos gráficos seguintes.

Cimento Chão Batido


5,17%
8,62%
27,59%

58,62%

Gráfico 11: Tipos de pisos das casas


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.
135

Telha de
barro
41,38%
Palha
51,72%

Telha de
amianto
6,9%

Gráfico 12: tipos de coberturas das casas


Fonte: dados da pesquisa, 2011.

Foto 5. Casa padrão Foto 6. Casa sendo construída


Autor: GUTMAN,S.,2008 Autora: LIMA, A.N.,2008

As fotografias demonstram a territorialidade construída a partir


dos recursos naturais, encontrados no território do Rio Grande bem como
demonstram uma organização social que prima pela solidariedade e se
articula segundo regras de reciprocidade que determinam, dentre outras
prescrições, trocas de serviço. Expressa também saberes seculares,
sobretudo, no que diz respeito à construção e um padrão arquitetônico das
casas.
As famílias do povoado se reproduzem materialmente, por meio
do plantio para sustento próprio, majoriatariamente, da criação de animais de
pequeno porte e algumas famílias criam algumas poucas cabeças de gado,
conforme se verifica nos dados constantes na tabela 10.
136

Como característica da economia camponesa, basicamente, essa


comunidade emprega, em suas atividades laborais, a mão-de-obra familiar e
detém o controle dos meios de produção, além de voltar-se para a reprodução
social e cultural, deixando do trabalho familiar os fundos de reserva para as
festividades, caracterizados como fundos cerimoniais. (WOLF, 1976, p.20)

Tabela 10: Animais criados como fundo de reserva


Animais criados como fundo de reserva
Animais Rua do prof. % Rua da % Rua da %
Agnaldo Estrada Associação
Boi 12 26,7 14 21,9 12 21,8
Galinha 13 28,9 18 28,1 16 29,1
Porco 10 22,2 13 20,3 13 23,6
Peru 1 2,2 2 3,1 1 1,8
Galinha 1 2,2 5 7,8 3 5,5
da
angola
Pato 6 13,3 9 14,1 8 14,5
Burro 2 4,4 0 0,0 0 0,0
Jumento 0 0,0 1 1,6 1 1,8
Marreco 0 0,0 0 0,0 1 1,8
Paturi 0 0,0 1 1,6 0 0,0
Carneiro 0 0,0 1 1,6 0 0,0
Total 45 100,0 64 100,0 55 100,0
Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

A base do sustento das famílias dá-se por meio da lavoura, da


pesca e do extrativismo. Compõe a renda das famílias mais abastadas a
aposentadoria e os benefícios sociais, além de assalariamento junto à
prefeitura do município.
O trabalho nas lavouras é determinado segundo regras próprias
que definem tanto o local a ser roçado, quanto o tipo de cultura, bem como a
distribuição dos produtos cultivados. Além do trabalho na lavoura, a segurança
alimentar é garantida pela pesca no rio que banha o território, ou no campo,
distante 5 quilômetros do povoado.
Além dessa provisão protéica, verifiquei a presença de pomares
nos quintais das casas com árvores frutíferas e algumas hortas caseiras
(plantios de salsa e cebolinha dentro de cofos feitos de palha de babaçu
suspensos em jiraus).
137

Foto 7 : Jirau com cultivo de cebolinha


Autora: FURTADO, M. 2010

A salsa e cebolinha plantadas nesse jirau, como registrado nessa


fotografia, são os principais condimentos utilizados, além do sal, que é
comprado na sede do município ou nas “quitandas” existentes no povoado e do
corante que é produzido com o urucu plantado no próprio território, no preparo
de alimentos tais como: peixes cozidos com molho, carne de boi, porco e até
mesmo para o preparo de ovo de galinha cozido com molho.

3.2.1 Saberes da roça

A escolha do local a ser plantado é feita em agosto, quando


“abrem o pico”, ou seja, colocam pequenas estacas como marcos, delimitando
a área a ser usada para o plantio. Ao decidir o lugar onde será feita a “sua
roça”, a família demarca a área com pequenas cruzes, feitas com talo de
pindova, com a qual “marcam o mato” que será derrubado para o cultivo. O
terreno selecionado depende das características da vegetação, bem como de
sua topografia. Para o plantio de mandioca, milho e arroz de sequeiro,
preferem terrenos altos e não os alagadiços, que só serão utilizados para o
plantio de arroz “de baixo”. No calendário agrícola dessa comunidade, a
138

escolha do terreno já começa em abril, mas só será roçado em agosto, de


acordo com o regime das chuvas.
A limpeza do terreno ou a derrubada do mato para o plantio é
feito em regime de mutirão, no qual os moradores trocam dias de trabalho, o
que geralmente é feito em setembro. Nesse período, realizam “o broque” e,
utilizando-se de foices, fazem uma derrubada seletiva na vegetação. Nesse
momento, são cortadas as árvores de menor porte, que ficam sobre o terreno
secando por um período de meio mês para servirem de combustível para o
período posterior, que é o da queimada.
No segundo momento, procede-se à derrubada da vegetação de
maior porte e, em seguida, é feita a queimada para “limpeza da área”. As
árvores de maior porte que foram derrubadas na segunda etapa, por estarem
ainda verdes, não são consumidas totalmente pelo fogo, servindo assim como
material para fazer a cerca da área do plantio.

Foto 8: Limpeza da área com uso do fogo


Autora: FURTADO, M. 2010

Essa fotografia revela a pobreza do solo que tem nas cinzas


sobre ele depositadas a possibilidade de recomposição de seus nutrientes para
a produtividade do plantio que será realizado.
Cercado o terreno e já limpo, espera-se o período das chuvas
para iniciar o plantio, o que normalmente ocorre no início de dezembro.
139

Segundo informação de Seu Chita, ao cair as primeiras chuvas “ _ todo mundo


corre pro seu”.
O período de plantio leva de 1 a 3 meses, sendo que, ao término
desse processo, sucede-se a primeira capina da roça, ocorrendo por volta do
mês de março. A segunda capina é realizada, geralmente, entre os meses de
maio e junho, quando realizam a “bateção”. Após esse período, já iniciam a
colheita dos produtos que “dão mais cedo”, como o milho, o arroz e o feijão.
A extensão da roça não é apresentada em medidas precisas. Em
Rio Grande, não se utiliza a referência de braças ou linhas para definir o
tamanho das roças. Quando perguntado sobre a dimensão das roças, seu
Chita explicou que é considerada grande ou pequena, dependendo da
quantidade de dias que são utilizados para limpá-la ou realizar as capinas.
Uma roça pequena leva, em média, um dia e meio para ser limpa, já uma
grande pode levar até três dias de serviço.
Como toda a força de trabalho utilizada para o cultivo das roças é
familiar, ou “na base da troca” de diárias, não são verificadas grandes
extensões de terras utilizadas para esse fim por uma só família 28, o que,
secularmente, tem permitido que o perímetro que compreende o território do
Rio Grande seja “suficiente” para garantir a reprodução econômica da sua
população, mesmo em um sistema produtivo tão perigoso para o meio
ambiente. Por outro lado, tem-se verificado a diminuição do período do pousio
entre as roças, fato que tem empobrecido o solo, o que se verifica na
diminuição da sua produtividade.
De acordo com os dados expressos no gráfico 13, atualmente, as
roças são feitas em áreas de capoeira, assim denominada a área de
vegetação secundária que nasce nas áreas de pousio.

28
As roças consideradas menores compreendem aproximadamente meio hectare de terra
cultivada, enquanto que as maiores não excedem a 4 hectares de área cultivada.
140

100%
80,39%
0%
19,61%

Mata Virgem Capoeira

Gráfico 13: Terreno da área de plantio


Fonte: dados da pesquisa, 2010.

Quanto aos produtos cultivados, os principais são: mandioca,


arroz, milho, feijão, maxixe, quiabo, jerimum, cará, amendoim, melancia e
batata doce, como observado no gráfico abaixo que relaciona o percentual de
produção de cada um desses produtos.

Quiabo 58%

Pepino 4%

Milho 84%

Melancia 32%

Maxixe 82%

Mandioca
98%
Jerimum 34%

Feijão 64%

Cará 8%

Batata… 52%

Arroz 24%

Amend… 2%

Gráfico 14: Culturas temporárias


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

O arroz que é produzido é das seguintes variedades: agulha,


lajeado e o vermelho, cuja colheita varia entre 5 a 6 meses. O milho plantado é
o denominado “comum”, que é colhido em média em três meses, retirando-se
dele as espigas, que serão utilizadas como semente para o próximo plantio,
141

ficando estas penduradas nos esteios das próprias casas ou em paióis rústicos
até secarem, quando serão debulhadas e guardadas as sementes, que serão
utilizadas no plantio do ciclo seguinte.
Há uma predominância do cultivo da mandioca, que é de 98% em
relação aos demais produtos. Principal base de alimentação da comunidade,
na forma de farinha, a mandioca tem uma variedade maior: sementinha, três
ganchos, tainha branca, pretinha (que é a mais utilizada para o fabrico da
farinha d’água) e a boazona, levando de 6 meses a 1 ano para serem colhidas.
As sementes utilizadas no plantio são predominantemente de
origem crioula, o que mantém uma autonomia em relação a compra de
sementes ou dependência das doações feitas pelo sindicato dos trabalhadores
rurais do município.

Tabela 11: Origens das sementes usadas no plantio

ORIGEM DAS SEMENTES QTD DE CASAS %


Crioula 37 63,79
Sindicato 3 5,17
Prefeitura 8 13,79
Comércio de Bequimão 10 17,24
Total 58 100,00
Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Os produtos cultivados são utilizados em sua maioria como meio


de aprovisionamento familiar ou doméstico, isto é, visa basicamente suprir as
famílias de alimentos, ou a partir da venda de um pequeno excedente garantir
a compra de produtos industrializados vendidos no comércio local, numa
proporção reduzida conforme gráfico abaixo.
142

100.00
80.00
60.00
40.00
20.00
- VENDA
CONSUMO

Gráfico 15: Destino da produção agrícola


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Foto 9. Roça em consórcio: milho e mandioca Foto 10. Eira utilizada para secagem do
Autora: FURTADO,2008 arroz
Autora: FURTADO,2008

Essas fotografias registram, em dois momentos, a fertilidade da


área cultivada, cujo ciclo de chuvas contribui para o desenvolvimento desejado
do milho e da maniva (mandioca) aí plantados em roça consorciada e, no
segundo, o saber tradicional, que constrói uma eira em padrões adaptados aos
recursos do território para a secagem do arroz produzidos nas roças em
sistema de corte-queima-pousio.
Os moradores relatam como principais problemas enfrentados no
trabalho agrícola as intempéries naturais, pois o sistema é todo integrado à
natureza e depende, portanto do ciclo das chuvas. A estiagem é apontada
como principal entrave a essa atividade produtiva, seguida das próprias
143

condições de trabalho consideradas extenuantes, conforme dados constantes


na tabela 12.

Tabela 12: Problemas referentes à lavoura


PRINCIPAIS PROBLEMAS DA LAVOURA
TIPOS QTD %
Pragas 6 8,82
Estiagem 26 38,24
Chuvas 7 10,29
Mão-de-obra 7 10,29
Pobreza do solo 6 8,82
Jornada de Trabalho 13 19,12
Falta de Equipamento 3 4,41
TOTAL 68 100,00
Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Não se verifica na comunidade assistência técnica, como demonstra o


gráfico 16, para a realização das lavouras. Todo o saber é reproduzido com o
aprendizado fruto do processo de socialização primária, que será discutido em capítulo
posterior.

Sim Não Não possui plantio


3%
12%
85%

Gráfico 16: Assistência técnica ao plantio


Fonte: Dados da pesquisa, 2010.
144

3.2.2 “O apuro da safra”: do amolar do facão ao pirão na mesa

O dia começa cedo e lá pelas 5 da manhã dona Benedita, a chefa


da safra, como ela mesma se intitulou, já está no preparo do porco que seu
companheiro abateu de madrugada. Um barrãozinho de casa mesmo, criado
com babugem, palmito e o que conseguisse fuçar durante o dia todo pelo mato
no quintal da casa. É época de apurar a safra.
Tal atividade consiste em colher o plantio de um ano e sete
meses atrás, que iniciou, no dizer do Seu Chita, “com o amolar do facão”, para
o trabalho de limpeza da área a ser cultivada.
Para os moradores locais, o “apuro da safra” é todo um processo
que inicia com o arrancar da mandioca na roça até a fabricação da farinha
(d’água ou seca) que será a garantia do pirão na mesa, ou seja; “o pão nosso
de cada dia que é o pão da terra”.
Como a roça que está sendo apurada é considerada de grande
extensão, pois tem aproximadamente 4 ha de terra plantada e possui quatro
donos. Todo o trabalho de apuro, que é entendido como a fabricação da
farinha de mandioca, é feito de forma coletiva no qual são designados os
sujeitos de acordo com a divisão do trabalho: os donos são chamados “chefes
da safra”, os trabalhadores contratados para arrancar a mandioca, transportar,
descascar e ralar a mandioca são chamados safreiros. Os responsáveis pela
prensa da mandioca nos tapitis são chamados sarilheiros e as pessoas que
mexem a farinha sobre o forno de barro com tampo de ferro são chamadas de
forneiras.
De uma roça, como essa de seu Rufino e D. Benedita, que fez
questão de afirmar ser ela a “chefa da safra”, por sua extensão rendeu
aproximadamente 50 cargas de mandioca o que corresponde à produção de
cinqüenta paneiros de farinha, num total de hum mil e quinhentos quilos de
farinha de mandioca. Para tal produção, são necessários de 5 dias de trabalho
ininterruptos na casa de forno.
Como nem todos os produtores têm casas de forno, ao todo, no
Rio Grande são três as casas para a fabricação de farinha de mandioca,
sendo que em uma, a que fica no “centro”, distante das casas do povoado, só é
possível o fabrico de farinha d’água devido à inexistência dos equipamentos
145

para a fabricação da farinha seca, o dono da safra paga em produtos, numa


proporção de meio alqueire de farinha ao dono da casa de forno como aluguel
pela utilização.
O “apuro da safra” corresponde, na prática, à transformação da
mandioca in natura em farinha para ser consumida pelas famílias ou, em parte,
ser usada como moeda para pagamento dos alugados, pelo uso da casa de
forno ou mesmo para ser vendida no comércio local. O processo do apuro
inicia-se com a colheita, isto é, o arrancar da mandioca.
Arrancar mandioca é um trabalho penoso e requer prática e força,
pois puxa-se com as mãos o tronco do pé de maniva que é cortado a uma
altura de 30 cm do solo. É pegando e puxando firme nesse pequeno pedaço de
tronco que homens e mulheres conseguem trazer as raízes do seio da terra
para cima. Quando quebra alguma raiz, então, com o auxílio do patacho, é
preciso procurar o pedaço que ficou enterrado cavando o solo. Cada pé de
mandioca produz em média dois a cinco quilos de raiz a uma profundidade de
até 30 cm do solo.
Após ser arrancada, a mandioca é transportada em cofos de
palha de babaçu nos lombos dos animais de carga (principalmente boi e
jumentos) para a casa do forno. Armazenadas no centro da casa do forno ficam
as raízes que serão utilizadas para o fabrico da farinha seca. As raízes
selecionadas para fabricar a farinha d’água são depositadas em um tanque de
alvenaria localizada na área externa da casa de forno29.

29
Em comunidades onde há ausência de eletrificação rural, ou mesmo quando não há o motor
manual chamado caititu, usado para ralar a mandioca, só é possível o fabrico da farinha
d’água, pois seu processo é mais rudimentar. Consiste no sovamento manual da mandioca
após amolecida em água (que pode ser usada a de rio ou lagos, sem o equipamento do
tanque), após espremida nos tapitis é e torrada em fornos rudimentares.
146

Foto11: Mandioca armazenada para Foto12: Tanque para fabrico de farinha “d’água”
fabricar a farinha “seca” Autora: FURTADO,2011
Autora: FURTADO,2011

O preparo da farinha seca é iniciado com o descascar da


mandioca feita por safreiros e safreiras que, assentados sobre um banco de
madeira, chamado mocho, iniciam a descasca das raízes. Este processo é
realizado com o auxílio de uma pequena faca e um suporte de madeira onde
apoiam as raízes, como se verificam nas fotografias abaixo.

Foto 13: Safreiro descaca a mandioca Foto14: Suporte de madeira para descascar a
Autora: FURTADO,2011 mandioca
Autora: FURTADO,2011

Após a retirada das cascas, as raízes são levadas para triturar no


equipamento chamado caititu. Esse triturador transforma as raízes em uma
massa homogênea que é armazenada em grandes tachos de madeiras
chamados cochos, à espera de serem prensadas nos tapitis para retirar o
excesso de água da massa.
147

Foto15: Caititu Foto 16:Cocho para a massa da mandioca


Autora: FURTADO,2011 Autora: FURTADO,2011

A prensa da massa de mandioca resulta num produto que fica


armazenado nos cochos sob os tapitis, que é a goma da mandioca,
regionalmente chamado de tapioca. É essa goma fina que depois de torrada no
forno resultará num polvilho granulado que será usado para fazer os bolos de
tapioca, a serem servidos nas festas. Será usado também como massa para
mingaus e beijus.
A fotografia abaixo registra o momento em que um sarilheiro
prensa a mandioca, a fim de retirar o excesso de água da massa da mandioca
e, ao mesmo tempo, coleta a goma nos cochos que será utilizada para fabricar
a tapioca.

Foto 17: Sarilheiro prensa massa de mandioca nos tapitis


Autora: FURTADO,2011
148

A massa retirada dos tapitis, já devidamente “enxuta”, será


peneirada com um equipamento feito com talos de guarimã, utilizados,
também, para fabricar os tapitis. Não há conhecimento do processo de
fabricação desses equipamentos em Rio Grande, o que lhes determina a
compra no comércio local de Bequimão.
Peneirar a massa da mandioca, que será depois torrada até o
ponto de farinha é tarefa, basicamente, de crianças e adolescentes por ser
considerado um trabalho mais leve. Geralmente, essas crianças e
adolescentes são da mesma família dos donos da safra ou são aparentados
dos demais participantes da farinhada.

Foto 18: Adolescente participa da farinhada Foto 19: Peneira de fibra de guarimã
Autora: FURTADO, 2011 Autora: FURTADO, 2011

A massa é peneirada, conforme as fotografias acima, em malhas


que determinaram a espessura da farinha. Geralmente, para fabricar a farinha
d’água utiliza-se uma peneira com tramas maiores, o que determinará a maior
espessura do produto. A coloração amarelada desse tipo de farinha resulta do
“apodrecimento” da raiz colocada na água para esse fim.
Como a estatura das mulheres da comunidade não permite que
elas usem os fornos sem o auxílio de um suporte para ficarem mais altas,
constrói-se, na frente dos fornos, os aterros, que permitem a devida utilização
das pás para mexer a massa da mandioca, como se observa na fotografia
abaixo.
149

Foto 20: Forneiras sobre aterro torram a farinha seca


Autor: GUTMAN, 2011

A farinha seca resulta do processo de torra da massa peneirada,


que dura em média três horas e é realizado, principalmente, por mulheres
chamadas forneiras, como dito anteriormente. Os fornos são construídos de
alvenaria, com uma boca para a entrada da lenha que aquecerá o suporte de
ferro, atualmente em chapa de zinco, colocado sobre essa armação, na qual
será torrada a farinha.

Foto 21: Forneiras mexem a farinha. Criança ao fundo peneira a massa


Autora: FURTADO,2011
150

A farinha, após torrada, é medida em caixas de madeiras


chamadas meio-alqueire30 e colocada em um depósito de madeira situado em
uma das laterais da casa de forno. A somatória dos meios-alqueires que
corresponde cada um a 15 quilos de farinha de mandioca, dará o total da
produtividade daquele calendário agrícola, iniciado um ano e sete meses antes
do “apuro da safra”.

Foto 22: Caixa correspondente a meio- Foto 23: Farinha armazenada na casa de
alqueire forno
Autora: FURTADO,2011 Autora: FURTADO,2011

A farinhada, como os demais eventos que carecem de mão de


obra que excedem os “braços da unidade familiar”, é realizada num misto de
trabalho e festa. A produção da farinha, que na região é “o pão da terra”
(MOURÃO, 1972, PRADO,1974) significa para essa comunidade de economia
voltada para o equilíbrio entre necessidade e satisfação direta que a
reprodução das suas condições sociais, políticas e culturais está garantida.
Segundo Candido (2011):
A existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um
equilíbrio relativo entre suas necessidades e os recursos do
meio físico, requerendo, da parte do grupo, soluções mais ou
menos adequadas e completas, das quais dependem da

30
Embora seja mais comum o alqueire ser usado como sistema de medida de área, na região
da baixada maranhense, é sistema de medida de volume. A construção do caixote é feito por
marceneiro local, que, segundos os moradores, já tem a medida certa pra dar 15 quilos de
farinha.

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