Final, Uma Colecao de Demonstracoes

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V OLUME 6 - N ÚMERO 2 A BRIL DE 2019 PÁGINAS : 34 A 43

U MA C OLEÇÃO DE D EMONSTRAÇÕES DA E XIS -


TÊNCIA DE I NFINITOS P RIMOS
Daniel Dunck Cintra
IFMT - Campus Pontes e Lacerda - Fronteira Oeste
danieldunck@gmail.com

RESUMO
Os números primos são fascinantes e despertam a curiosidade dos estudiosos há
muitos séculos. Euclides, há mais de dois mil anos, mostrou que os números primos
são infinitos. Neste artigo apresentaremos diversas demonstrações da infinitude dos
primos.

ABSTRACT
The prime numbers are fascinating and cause the curiosity of scholars for many cen-
turies. Euclid, more than two thousand years ago, showed that the prime numbers
are infinite. In this article we will present several demonstrations of the infinity of
primes.

Palavras-chave: Números primos, Infinitude.

1 I NTRODUÇÃO
A ideia da construção deste artigo se deu durante o desenvolvimento de uma disser-
tação do PROFMAT que foi descontinuada, pois o autor mudou o objeto de pesquisa no
decorrer do mestrado.
Um dos objetivos do trabalho que vinha sendo desenvolvido era reunir, em um capítulo,
diversas demonstrações da infinitude dos números primos criadas ao longo dos séculos.
Por meio de pesquisa bibliográfica, reunimos uma quantidade razoável de demonstrações,
algumas mais simples e outras mais elaboradas. É interessante perceber que as demons-
trações envolvem diversas áreas da matemática, fazendo com o que leitor possa relembrar
alguns tópicos da matemática e se entreter na leitura.
No final do artigo, apresentamos uma demonstração da infinitude dos números primos
que é um novo olhar sobre outras demonstrações já realizadas. Ela foi inspirada na de-
monstração realizada por Northshield (2015), pelo fato de conseguir ser escrita em somente
uma linha.

2 D EMONSTRAÇÕES DA INFINITUDE DOS NÚMEROS PRIMOS


A partir daqui, apresentaremos as demonstrações que encontramos da infinitude dos
números primos em diversas literaturas. Tomamos a liberdade de reescrever alguns passos
das demonstrações, mas mantendo sua ideia original, de modo que fique bem didático
para quem está lendo. Começaremos com a demonstração mais tradicional que consta
basicamente em todos os livros que envolvem teoria dos números. Essa demonstração foi
feita por Euclides. Na sequência, trataremos de outras, algumas parcialmente similares à
realizada por Euclides, e outras um tanto diferentes e intrigantes.
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R EVISTA E LETRÔNICA M ATEMÁTICA E E STATÍSTICA EM F OCO

2.1 E UCLIDES (A PROXIMADAMENTE 300 A .C).

Podemos encontrar a demonstração feita por Euclides em diversos livros, por exemplo,
em [1].
Suponha, por absurdo, que 2, 3, 5, ..., pr sejam todos os números primos, ou seja, existe
uma quantidade finita de números primos. Considere N = 2 × 3 × 5 × 7 × ... × pr + 1, como
esse número é maior que pr , então N é um número composto. Entretanto, observe que
ao dividir N por qualquer primo que vai 2 a pr teremos resto 1, pois podemos escrever
N = pi · k + 1 com i variando de 1 a r. Ou seja, N é primo ou é divisível por outro primo
além de 2, 3, 5, 7, ..., pr , isso é uma contradição, pois supomos que 2, 3, 5, 7, ..., pr são todos os
primos.

É comum pensar que multiplicar a sequência de todos números primos até certo p primo
e somar 1 resultaria em um número primo e isso nem sempre é verdade. Observe:
2 + 1 = 3, primo
2 × 3 + 1 = 7, primo
2 × 3 × 5 + 1 =, primo
2 × 3 × 5 × 7 + 1 = 211, primo
2 × 3 × 5 × 7 × 11 + 1 = 2311, primo
2 × 3 × 5 × 7 × 11 × 13 + 1 = 30031 = 59 × 509, composto
Observe que a demonstração realizada não garante que 2.3.5.7...pr + 1 será um número
primo. Ela mostra apenas que que número 2.3.5.7...pr + 1 será divisível por um número
primo maior que pr , implicando que haja pelo menos um primo além desses.

2.2 K UMMER (1878)


Podemos encontrar a demonstração de Kummer, por exemplo, em [2].
O matemático alemão Ernst Kummer apresentou um novo olhar sobre a demonstração
feita por Euclides.
Suponha, por aburdo, que a quantidade de números primos seja finita, ou seja, 2, 3, 5, 7, ..., pr
sejam todos os primos. Seja N = 2 × 3 × 5 × 7 × ... × pr , observe que N − 1 é composto pois
é maior que o último primo pr . Então existe pi que divide N − 1, mas pi também divide N ,
pois é um fator desse número. Então pi divide N − (N − 1) = 1, ou seja pi divide 1, isso
acontece somente se pi for 1, isso é uma contradição pois pi é primo.

2.3 S TIELTJES (1890)


Podemos encontrar a demonstrção de Stieltjes, por exemplo, em [2].
Suponha, por absurdo, que a quantidade de números primos seja finita, ou seja,
p1 , p2 , ..., pr são todos os primos. Agora considere N = p1 p2 .p3 ...pr = a.b, com a, b ≥ 2. Note
que pi divide a ou pi divide b não podendo dividir a e b simultaneamente, pois é fator primo
de apenas um deles. Logo, a + b, que é composto, por ser maior que pr , não é divisível por
pi , o que é um absurdo.

2.4 G OLDBACH (1730)


Podemos encontrar a demonstração de Goldbach, por exemplo, em [2].
O matemático prussiano Christian Goldbach mostrou que os números de Fermat, que
n
são da forma Fn = 22 + 1 são relativamente primos dois a dois. A consequência disso é que
existem infinitos números primos.
Para fazer essa demonstração primeiro será demonstrado que se m < n, então Fm |Fn − 2,
para isso, vamos mostrar, usando o princípio da indução finita, que Fm = F0 .F1 .F2 ...Fm−1 +2.
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(Observação: o símbolo | significa divide, ou seja se a|b, com a e b inteiros, temos que b = ka,
com k número inteiro).
1 0
• Para m = 1, F1 = 22 = 4 = 22 + 2 = F0 + 2.
m−1
• Suponha válido para m − 1. Então F0 F1 ...Fm−2 Fm−1 + 2 = (Fm−1 − 2)Fm−1 + 2 = (22 +
m−1 m−1 m−1 m m
1 − 2)(22 + 1) + 2 = (22 − 1)(22 + 1) + 2 = 22 − 1 + 2 = 22 + 1

(Observação: usaremos a denotação (a, b) = d ao longo do artigo que significa dizer que
o máximo divisor comum de a e b é igual a d.)
Agora, temos que Fm = F0 .F1 .F2 ...Fm−1 + 2, ou seja, Fm − 2 = F0 .F1 .F2 ...Fm−1 , isso significa
que dado n < m, então Fn |(Fm − 2), ou seja, Fm − 2 = Fn .t, com t ∈ N. Logo (Fn , Fm ) =
(Fn , Fn .t + 2) = (Fn , Fn .t + 2 − Fn .t) = (Fn , 2) = 1, pois Fn é ímpar. Assim, todos números de
Fermat são relativamente primos entre si.
Um corolário desse resultado é que existem infinitos números primos, pois cada número
de fermat terá primos distintos em sua decomposição, caso contrário não seriam primos
entre si. Veja:
0
• 22 = 3
1
• 22 = 5
2
• 22 = 17
3
• 22 = 257
4
• 22 = 65537
5
• 22 = 4294967297 = 641 × 6700417, e assim sucessivamente e infinitamente.
n
Como podemos variar n infinitamente em 22 + 1, serão “descobertos” infinitos números
primos distintos. Portanto, a quantidade de números primos é infinita.

2.5 S AIDAK (2006)


Podemos encontrar a demonstração de Saidak em [3].
A ideia dessa demonstração é que para mostrarmos que existem infinitos números pri-
mos, basta criarmos uma sequência com infinitos números inteiros que tenham, cada
um, pelo menos um número primo distinto em sua decomposição dos demais inteiros da
sequência.
Considere n ≥ 2, temos que (n, n + 1) = 1, ou seja, os números primos da decomposição
de n são distintos dos de n + 1. Logo, n(n + 1) é formado por pelo menos dois números
primos distintos. Repetindo o processo, temos que (n(n + 1), n(n + 1) + 1) = 1, ou seja,
os números primos da decomposição de n(n + 1) são distintos dos de n(n + 1) + 1. Logo,
como n(n + 1) tem pelo menos dois números primos distintos em sua decomposição, então
n(n + 1)(n(n + 1) + 1) tem pelo menos três números distintos em sua decomposição. Note
que esse processo pode ser repetido infinitas vezes, fazendo com que os números gerados
tenham pelo menos um número primo em sua decomposição a mais que o número gerado
anteriormente.
Desse modo, a sequência:

n, n(n + 1), n(n + 1)(n(n + 1) + 1), n(n + 1)(n(n + 1) + 1)(n(n + 1)(n(n + 1) + 1) + 1), ...

é composta por números em que o cada número da sequência tem pelo menos um
número primo a mais em sua decomposição que seu antecessor.
Vamos fazer um exemplo com n = 2, teremos a seguinte sequência,

2, 2(2 + 1), 2(2 + 1)(2(2 + 1) + 1), 2(2 + 1)(2(2 + 1) + 1)(2(2 + 1)(2(2 + 1) + 1) + 1), ...
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Escrevendo como multiplicação de potência de números primos fica


2, 2 × 3, 2 × 3 × 7, 2 × 3 × 7 × 43, ...
Observe que à medida que a sequência é construída de modo que cada novo termo tem
pelo menos um número primo a mais em sua decomposição que o termo anterior, como
deve acontecer. Logo, como essa sequência tem infinitos números, então existem infinitos
números primos.

2.6 T HUE (1897)


Podemos encontrar a demonstração, por exemplo, em [2].
Essa demonstração da infinitude dos números primos foi realizada pelo matemático no-
rueguês Axel Thue.
Suponha, por absurdo, que existam k números primos e p seja o maior primo. Agora
considere os inteiros que vão de 1 até 2n , de modo que 2n > p. A quantidade de ele-
mentos desse conjunto é 2n . Assim, todo inteiro de 1 até 2n deve ser escrito na forma
2n1 × 3n2 × 5n3 × ... × pnk onde 0 ≤ n1 ≤ n, 0 ≤ n2 < n, 0 ≤ n3 < n, ..., 0 ≤ nk < n, pois, caso
contrário, o número seria maior que 2n . A quantidade de elementos possíveis de serem
formados pelos expoentes é de (n + 1)nk−1 . Observe que temos que ter 2n ≤ (n + 1)k , senão
não é possível formar todos inteiros de 1 até 2n , mas isso é falso para n grande, pois o
número k, que é a quantidade de números primos, é fixa.

2.7 A. E NGEL (1998)


Podemos encontrar a demonstração de A. Engel em [4].
A ideia dessa demonstração é mostrar que para cada inteiro não negativo n, a expressão
n+1 n
f (n) = 22 + 22 + 1 tem pelo menos n + 1 fatores primos distintos, desse modo, a medida
que aumentamos n, conseguimos fazer aparecer n + 1 números primos distintos.
Para demonstrar, usaremos indução em n, para n ≥ 1. Para isso, usaremos o seguinte
n−1
fato: x4 + x2 + 1 = (x2 − x + 1)(x2 + x + 1). Assim, se g(x) = x4 + x2 + 1, então f (n) = g(22 ).
n−1 n−1 n−1 n−1 n−1 n n−1 n n−1
Pois g(22 ) = ((22 )2 − 22 + 1)((22 )2 + 22 + 1) = (22 − 22 + 1)(22 + 22 + 1) =
2n+1 2n
2 + 2 + 1 = f (n).
n n−1 n n−1
Note também que (22 − 22 + 1, 22 + 22 + 1) = 1, pois a diferença entre esses dois
n−1
números vale 22 +1 e isso só pode ser divisível por uma potência de 2, entretanto ambos
números são ímpares.
Agora vamos a demonstração de fato, usando indução finita em n.
2 1
(i) para n = 1, f (1) = 22 + 22 + 1 = 21 = 3.7, um número com exatamente 1 + 1 = 2 fatores.
n+1 n
(ii) Suponha válido para n ≥ 1. Ou seja f (n) = 22 + 22 + 1 tem pelo menos n + 1 fatores
n+2
primos. Assim, usando o que foi mostrado anteriormente, temos que f (n + 1) = 22 +
n+1 n+1 n n+1 n n+1 n
22 +1 = (22 −22 +1)(22 +22 +1) = f (n)(22 −22 +1). Note que, usando o que foi
n+1 n n n n+1 n n+1 n
mostrado, (f (n), 22 −22 +1) = (22 +1 −22 +1, 22 + 22 + 1) = 1, ou seja 22 −22 + 1
tem fatores primos distintos de f (n) em sua decomposição. Como, por hipótese de
n+1 n
indução f (n) tem pelo menos n + 1 fatores primos, então f (n + 1) = f (n)(22 − 22 + 1)
tem pelo n + 2 fatores primos, e a demonstração está completa.
Vamos elencar alguns números dessa forma
• n = 1, temos que f (1) = 3.7
• n = 2, temos que f (2) = 3.7.13.241
• n = 3, temos que f (3) = 3.7.13.97.241.673
Em que podemos verificar que à medida que aumentamos n, a quantidade de primos
em sua decomposição de fato aumenta.
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2.8 M. W UNDERLICH (1965)


Podemos encontrar a demonstração de Wunderlich em [5].
Nesta demonstração, usaremos os números de Fibonacci juntamente com princípio das
gavetas para chegar em uma contradição, caso existam finitos números primos. Lembra-
mos que os números de fibonacci são formados através da construção de uma sequência
em que cada elemento é gerado pela soma dos dois anteriores, considerando que os dois
primeiros números da sequência são 1 e 1, assim os primeiros termos dessa sequência são:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55 etc.
Suponha que os números primos sejam finitos, ou seja p1 = 2, p2 = 3, p3 = 5, p4 = 7, ..., pk
são todos os primos. Observe que (Fpi , Fpj ) = F(pi ,pj ) = F1 = 1, ou seja os números Fpi são
relativamente primos entre si. Descartamos a primeira gaveta F2 = 1, pois 1 não é primo.
Assim, nas k − 1 gavetas que sobraram, temos k primos para distribuir, isso significa que
temos crédito de um primo a mais somente em uma delas. Mas F19 = 4181 = 37.113, aqui
utilizamos dois primos em uma gaveta que podíamos gastar, ou seja, nas demais k − 2
gavetas, só podemos ter potência de um primo, entretanto, f31 = 1346269 = 557.2417, e isso
é uma contradição, ou seja, existem mais que k números primos.
Veja os números de Fibonacci Fpi até F37

• F2 = 1

• F3 = 2

• F5 = 5

• F7 = 13

• F11 = 89

• F13 = 233

• F17 = 1597

• F19 = 4181 = 37.113

• F23 = 28657

• F29 = 514229

• F31 = 1346269 = 557.2417

• F37 = 24157817 = 73.149.2221

Desse modo, percebemos que, se fixarmos uma quantidade k de números primos, rapi-
damente a sequência de Fibonacci nos mostra que existe mais que k.
Outra maneira de pensar é parecida com a demonstração feita por Euclides, se F2 , F3 , ..., Fpk
engloba todos os números primos, então F2 F3 ...Fpk + 1 não é divisível por nenhum desses
números primos, e isso é uma contradição.

2.9 S. N ORTHSHIELD (2015)


Podemos encontrar a demonstração de Northshield em [6].
Essa demonstração foi criada recentemente, é chamada de "Prova em uma linha", pois
cabe somente em uma linha. Veja:
!
1 + 2 p0 p0
  Y Q
Y π
0< sen = sen π =0
p
p p
p

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Apesar de não estar escrito, nessa demonstração supõe que a quantidade de primos é
finita, por isso chega em uma contradição.
Para clarificar, um passo intermediário entre as igualdades pode ser interessante.
Q 0 ! !
1 + 2 p0 p0
Q
π 2 p0 p
  Y
Y π Y
0< sen = sen + π = sen π =0
p
p p
p p p
p
   
π π
Observe que sen p = sen p + 2kπ , com k ∈ Z, ou seja,

Q 0 
π 2 p0 p
  Y 
Y π
sen = sen + π
p
p p
p p

pois o produtório sempre resultará em um 


inteiro divisível
 pelo p em questão. Mas ao
1+2 p0 p0
Q
Q
somarmos essas frações, chegamos que p sen π p deve ser divisível por algum pi ,
pois supomos que a quantidade de primos é finita e esse número, com certeza, é maior que
o último primo. Com isso, o produto resulta zero pois sen(kπ) = 0 ∀ k ∈ Z e irá aparecer zero
no produtório para algum p. Ou seja, concluiremos que 0 < 0, e isso é uma contradição.

2.10 U SANDO A FUNÇÃO φ DE E ULER


Essa demonstração usa a função φ de Euler. Não foi possível conhecer seu surgimento,
alguns dizem que o próprio Euler foi quem a produziu, mas não se tem certeza. Sabemos
que φ(n) conta quantos números são primos entre si com n de 1 até n. Usaremos apenas
duas propriedades dessa função na demonstração, que são, se a, b são primos entre si,
então φ(ab) = φ(a)φ(b) e se p é primo, então φ(p) = p − 1.
Suponha, por absurdo, que existam finitos números primos, ou seja p1 , p2 , ..., pk são
todos os primos. Agora considere o número N = p1 p2 ...pk , note que esse número contém
todos os números primos, logo, somente o número 1 é relativamente primo com N . Assim
temos que:

1 = φ(N ) = φ(p1 .p2 ...pn ) = φ(p1 )φ(p2 )...φ(pn ) = (p1 − 1)(p2 − 1)...(pn − 1) > 1

Isso é uma contradição, então a quantidade de números primos não pode ser finita, ou
seja, tem que ser infinita.

2.11 P. E RDÖS (1938)


Essa demonstração de Erdös pode ser encontrada em [7].
Antes de começar, definimos a função π(n) como a função que conta a quantidade de
números primos menores ou iguais a n.
Seja n ∈ N = 1, 2, 3, 4, .... Considere o conjunto S(n) = {(k, l) ∈ N2 onde l é um número
livre de quadrado e k 2 l ≤ n}.
De fato, é fácil verificar que, pelo Teorema Fundamental da Aritmética, todo número
natural tem representação única na forma k 2 l, em que k e l são números naturais e l é livre
de quadrados. Como a representação é única, isso nos dá que |S(n)| = n. Ou seja, existem
n elementos em S(n).
Assim, se temos um par (k, l) com k 2 l ≤ n, então temos que k 2 ≤ n e l ≤ n. Note que

isso resulta que k ≤ n. Como l é um número livre de quadrado, l pode ser escrito como
o produto de números primos menores ou iguais a n, ou seja, como produto dos primos
p1 , p2 , ..., pπ(n) . Desse modo, existem 2π(n) combinações possíveis desse produto para l.

Como (k, l) ∈ S(n), então existem no máximo n possibilidades para k e no máximo
√ √
2π(n) possibilidades para l. Isso significa que |S(n)| ≤ 2π(n) n =⇒ n ≤ 2π(n) n =⇒ √nn ≤
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1
 
2π(n) =⇒ log(n 2 ) ≤ π(n)log(2) ≤ π(n) =⇒ log n2 ≤ π(n).
 
Note que log n2 é uma função crescente, assim, π(n) também cresce, ou seja, a quan-
tidade de números primos diferentes menores ou iguais a n cresce à medida que n cresce,
e temos a garantia de que essa quantidade não fica "estagnada". Ou seja, existem infinitos
números primos.

2.12 S. P. M OHANTY (1978)


As próximas duas demonstrações foram feitas por Mohanty e podem ser encontradas
em [8].
Existem infinitos conjuntos de inteiros positivos com infinitos elementos tais que quais-
quer elementos desses conjuntos são primos entre si, dois a dois. Consequentemente,
existem infinitos números primos.
Demonstração: Escolha quaisquer inteiros a e m primos entre si e forme a seguinte
sequência: (
A0 = a + m
An+1 = A2n − mAn + m, n > 0
Vamos provar que (Ai , Aj ) = 1 para i 6= j. O passo principal para isso é concluir que
An = αA0 A1 A2 ...A(n−1) + m, com α inteiro. Primeiramente, note que




A1 = A20 − mA0 + m =⇒ A1 = (A0 − m)A0 + m




A1 = αA0 + m
= A21 − mA1 + m = (A1 − m)A1 + m

A
2


A2 = ((A0 − m)A0 + m − m)A1 + m = A2




A2 = (A0 − m)A0 A1 + m

A
2 = αA0 A1 + m

Assim, vamos assumir que Ak+1 = αA0 A1 ....Ak + m e mostrar por indução que isso é
verdade.

(i) para n = 0, A0 = α, ok.

(ii) Suponha válido para n, temos que An+1 = A2n − mAn + m = (αA0 A1 ...An−1 + m)2 −
m(αA0 A1 ...An−1 + m) + m, logo, An+1 = (αA0 A1 ...An−1 )2 + mαA0 A1 ...An−1 + m, então
temos que An+1 = (αA0 A1 ...An−1 )(A0 A1 ...An−1 + m) + m, assim concluímos que An+1 =
αA0 A1 ...An−1 An + m, como queríamos mostrar.
n
Com isso, note que An ≡ a2 (mod m). Agora, suponha (Ai , Aj ) = d com j > i. Note que
d|m, pois d divide αA0 A1 ...Aj−1 , pois Ai está nesse produto, mas (a, m) = 1, logo d|1, ou seja
d = 1, como queríamos demonstrar.
Um corolário disso é que existem infinitos números primos. De fato, como (Ai , Aj ) = 1
para todo i 6= j, temos que cada A1 , A2 , A3 , ... é divisível por um primo que não é divide
nenhum outro elemento da sequência, logo, há pelo menos n primos distintos menores ou
iguais a An . Como n pode crescer infinitamente, existem infinitos números primos.
Vamos fazer um caso particular dessa sequência. Vamos pegar a = 3 e m = 5, note que
(3, 5) = 1, a sequência fica definida da seguinte maneira:
(
A0 = 3 + 5 = 8
An+1 = A2n − 5An + 5, n > 0
Que resulta na seguinte sequência de números:

1 A0 = 23
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2 A1 = 29
3 A2 = 701
4 A3 = 19 × 25679
5 A4 = 1279 × 186118019

Note que realmente a medida que n aumenta, são gerados números com primos distin-
tos em sua decomposição como queríamos.

2.13 S. P. M OHANTY (1978)


Agora uma demonstração também feita por Mohanty.
Todo divisor primo de 31 (2p + 1), em que p é primo maior que 3, é maior que p.
Demonstração: Primeiro, vamos mostrar que 31 (2p + 1) em que p é um primo maior que
3, não é divisível por 3.
p +1
Note que 13 (2p + 1) = 22+1 = 2p−1 − 2p−2 + 2p−3 − 2p−4 + ... − 2 + 1, e isso é um inteiro. Logo,
1 p p−1 p−3
3 (2 + 1) = (2 +2 + ... + 1) − (2p−2 + 2p−4 + ... + 2). Como 22k ≡ 1(mod 3) e 22k+1 ≡ 2(mod 3).
2(p−1)
Assim 13 (2p + 1) ≡ p+12 − 2 (mod 3) ≡ −p+32 (mod 3).
Como p é primo > 3, então p = 6k + 1 ou p = 6k + 5. Se p = 6k + 1, então temos
1 p
3 (2 + 1) ≡ −6k−1+3
2 ≡ 1(mod 3) e se p = 6k + 5 temos 31 (2p + 1) ≡ −6k−5+3 2 ≡ 2(mod 3). Ou seja,
1 p
de fato 3 (2 + 1) não é divisível por 3.
Suponha, por absurdo, que 31 (2p + 1) ≡ 0(mod q) com q primo maior que 3. Note que não
pode ser 3 pelo que já vimos e não pode ser 2, pois 13 (2p + 1) ≡ 1(mod 2).
Note que, pelo pequeno teorema de Fermat, temos que 2q−1 ≡ 1(mod q). Temos dois
casos para analisar, o caso de q = p > 3 e o caso q < p.

(i) Se q = p > 3, temos que 2p−1 ≡ 1(mod q), daí 2p ≡ 2(mod q), logo 2p + 1 ≡ 3(mod q)(i),
mas, por hipótese 31 (2p + 1) ≡ 0(mod q), então (2p + 1) ≡ 0(mod q)(ii), juntando as (i) e
(ii) temos que 0 ≡ 3(mod q), o que é uma contradição, pois q > 3.
(ii) Agora, suponha q < p. Logo, temos que (q − 1, p) = 1, isso implica que existem inteiros
a e b tais que ap+b(q −1) = 1. Então 2 = 2ap+b(q−1) = (2p )a (2q−1 )b ≡ (−1)a (1)b ≡ −1(mod q)
para a ímpar e ≡ 1(mod q) para a par. Assim, chegamos que 2 ≡ ±1(mod q) e isso é
uma contradição, pois q é primo maior que 3.

Portanto, todo divisor primo de 31 (2p + 1) é maior que p.


Como corolário, existem infinitos números primos.
Seguem alguns exemplos a partir do primo 5:
1 5
1) 3 (2 + 1) = 11
1 7
2) 3 (2 + 1) = 43
1 11
3) 3 (2 + 1) = 683
1 13
4) 3 (2 + 1) = 2731
1 17
5) 3 (2 + 1) = 43691
1 19
6) 3 (2 + 1) = 174763
1 23
7) 3 (2 + 1) = 2796203
1 29
8) 3 (2 + 1) = 59 × 3033169

Interessante notar que nos sete primeiros exemplos, todos resultados são números pri-
mos. Vamos ter um número composto quando p = 29 e, de fato, os divisores primos desse
número, que são 59 e 3033169, são maiores que 29, como deve acontecer.
C INTRA , D. D. 41
V OLUME 6 - N ÚMERO 2 A BRIL DE 2019 PÁGINAS : 34 A 43

2.14 M. A IGNER , G. M. Z IEGLER (1998)


Podemos encontrar a demonstração de Aigner e Ziegler em [7].
Assim como na demonstração de Mohanty, vamos mostrar que todo divisor primo de
2p − 1 é maior que p. Note que, 2n > n para n ∈ N, n ≥ 2, logo, seja p um primo maior que 3,
temos que 2p − 1 > p. Isso significa que existe q primo tal que q|2p − 1, logo 2p ≡ 1(mod q),
como p é primo, ordq 2 = p, então, temos que p|φ(q) = q − 1, como p 6= q − 1, pois q − 1 é par,
logo, q > p. Como corolário, existem infinitos números primos. (lembramos que a ordem de
a módulo n, denotado por ordn a é o menor inteiro t > 0 tal que at = 1.
Seguem alguns exemplos, vamos fazer do primo 3 em diante,

1) 23 − 1 = 7

2) 25 − 1 = 31

3) 27 − 1 = 63

4) 211 − 1 = 23 × 89

Os três primeiros números encontrados são primos, já o quarto número é um produto de


primos maiores que 11, como deve acontecer.

2.15 E ULER (1737)


Podemos encontrar essa demonstração de Euler
P 1em [9].
Para essa demonstração usaremos o fato que n é a série harmônica, logo, diverge.
Primeiramente, note que
1 1 1 1
1 + + 2 + 3 + ... =
p p p 1 − p1
Essa fração representa a soma dos termos de uma PG infinita em que a razão é maior que
0 e menor que 1.
Agora vamos calcular o produto dessa série com todas possibilidades possíveis para p
primo.
Y 1  1 1   1 1 
1 = 1+ + 2 + ... · 1 + + 2 + ... + ...
p
1− p
p1 p1 p2 p2

Veja que essa multiplicação gera todos os números n1 pois ocorre toda combinação pos-
sível ao multiplicarmos os números dentro de cada parênteses. Logo, usando o Teorema
Fundamental da Aritmética temos que

Y 1 1 1 1 1 X1
1 =1+ + + + + ... = =∞
p
1− p
2 3 4 5 n
n

1
Logo, como cada parcela de parênteses representa 1− p1
, a quantidade de números primos
não pode ser finita, caso contrário teríamos a multiplicação de uma quantidade finita de
números e sabemos que a série harmônica diverge. Portanto, por consequência, a quanti-
dade de números primos deve ser infinita.

2.16 “N OVA ” DEMONSTRAÇÃO REALIZADA PELO AUTOR DO ARTIGO E NÃO PUBLI -


CADA (2017)

A fim de criar outra demonstração curta, inspirado na demonstração de Northshield,


devido a possibilidade de escrever em uma linha, o autor deste trabalho teve a ideia da
seguinte demonstração:

42 A RTIGO DE D IVULGAÇÃO
R EVISTA E LETRÔNICA M ATEMÁTICA E E STATÍSTICA EM F OCO

Suponha que p seja o maior primo, porém o (p!, p! + 1) > 1, absurdo.

A demonstração usa o fato conhecido de que o mdc de dois números inteiros consecuti-
vos sempre será 1. Essa ideia, muitas vezes, é usada em outras demonstrações, porém de
maneira não tão explícita. Entretanto, nessa demonstração em especial, usando esse fato,
conseguiu-se concluir em apenas uma linha que a quantidade de primos é infinita, pois
p!+1, que é maior que p, deve ser composto, logo, o mdc entre p! e p!+1 deve ser maior que 1,
já que p! é múltiplo de todos os primos menores ou iguais a p, mas isso é uma contradição,
pois, como foi dito, o mdc de dois números inteiros consecutivos sempre será 1. Salienta-
mos que essa demonstração é uma pequena variação de outras já conhecidas, podendo até
ter sido realizada antes. Porém, não foi possível encontrar demonstração semelhante por
meio de buscas em bibliografias e sites de pesquisa tanto na língua portuguesa quanto na
língua inglesa.

2.17 R ECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES

Podemos encontrar diversas demonstrações da infinitude dos números primos. Quase


sempre encontramos em inglês, entretanto, cada vez mais vem surgindo artigos e livros
que apresentam demonstrações também em português. Uma literatura em português que
recomendamos é o livro “Números Primos” de Paulo Ribenboim [10], publicada pelo IMPA.
Nele, encontramos algumas demonstrações interessantes sobre a infinitude dos números
primos além de diversas curiosidades sobre esses números.
Existem outras demonstrações da existência de infinitos primos que requerem alguns
conhecimentos mais avançados de conteúdos matemáticos. Optamos por deixar essas de-
monstrações fora do artigo. Nossa ideia foi construir um texto para provocar a curiosidade
do leitor em busca de novos meios de mostrar a infinitude dos primos, e, ao mesmo tempo,
que ele não encontrasse tanta dificuldade em acompanhar as demonstrações aqui apre-
sentadas.

R EFERÊNCIAS
[1] W. Narkiewicz, The development of prime number theory: from Euclid to Hardy and
Littlewood. Springer Science & Business Media, 2013.
[2] P. Ribenboim, The new book of prime number records. Springer Science & Business
Media, 2012.
[3] F. Saidak, “A new proof of Euclid’s theorem,” Biscuits of Number Theory, no. 34, p. 61,
2009.
[4] A. Engel, Problem-solving strategies, Problem books in mathematics. Springer-Verlag,
1998.
[5] M. Wunderlich, “Another proof of the infinite primes theorem,” The American Mathe-
matical Monthly, vol. 72, no. 3, pp. 305–305, 1965.
[6] S. Northshield, “A one-line proof of the infinitude of primes,” vol. 122, 05 2015.
[7] M. Aigner, G. M. Ziegler, and A. Quarteroni, Proofs from the Book, vol. 274. Springer,
2010.
[8] S. Mohanty, “The number of primes is infinite,” Fibonacci Quart, vol. 16, no. 4,
pp. 381–384, 1978.
[9] M. C. Motta, “Existência de infinitos números primos e a série dos inversos dos primos,
qual a relação?,”
[10] P. Ribenboim, Números primos: velhos mistérios e novos recordes. IMPA, 2012.

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