Consideracoes Anatomicas Medula Espinhal

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CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS DA MEDULA ESPINHAL,

TRAUMA RAQUIMEDULAR, CHOQUE NEUROGÊNICO E


CHOQUE MEDULAR

Ítalo Íris Boiba Rodrigues da Cunha


Alana Carvalho Evaristo
Bárbara Queiroz de Figueiredo
Keila Cristiane Batista do Valle
Maitê Bonfim Nogueira
Raimundo Nonato Fernandes Junior

Editora Amplla
Campina Grande, Abril de 2023
2023 - Editora Amplla
Copyright da Edição © Editora Amplla
Copyright do Texto © Os autores
Editor Chefe: Leonardo Pereira Tavares
Design da Capa: Editora Amplla
Diagramação: Juliana Ferreira
Revisão: Os autores

Considerações anatômicas da medula espinhal, trauma raquimedular, choque neurogênico e


choque medular está licenciado sob CC BY 4.0.
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ISBN: 978-65-5381-119-5
DOI: 10.51859/amplla.can195.1123-0

Editora Amplla
Campina Grande – PB – Brasil
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2023
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Thayla Amorim Santino – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Thiago Sebastião Reis Contarato – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Tiago Silveira Machado – Universidade de Pernambuco
Virgínia Maia de Araújo Oliveira – Instituto Federal da Paraíba
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Yuciara Barbosa Costa Ferreira – Universidade Federal de Campina Grande
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Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

C755

Considerações anatômicas da medula espinhal, trauma raquimedular, choque


neurogênico e choque medular / Ítalo Íris Boiba Rodrigues da Cunha, Alana Carvalho
Evaristo, Bárbara Queiroz de Figueiredo, et al. – Campina Grande/PB: Amplla, 2023.

Outros autores: Keila Cristiane Batista do Valle, Maitê Bonfim Nogueira,


Raimundo Nonato Fernandes Junior.

Livro em PDF

ISBN 978-65-5381-119-5
DOI 10.51859/amplla.can195.1123-0

1. Traumatismos da medula espinhal. 2. Choque. I. Cunha, Ítalo Íris Boiba Rodrigues


da. II. Evaristo, Alana Carvalho. III. Figueiredo, Bárbara Queiroz de. IV. Título.

CDD 617.15

Índice para catálogo sistemático

I. Traumatismos da medula espinhal

2023
SUMÁRIO
Capítulo i - ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL ......................................................................................... 8
Capítulo Ii - ESTRUTURA INTERNA DA MEDULA ESPINAL ........................................................................... 12
1. SUBSTÂNCIA CINZENTA ........................................................................................................ 12
1.1. SUBDIVISÕES DA SUBSTÂNCIA CINZENTA ............................................................................ 12
1.2. CORNO ANTERIOR........................................................................................................... 13
1.3. CORNO LATERAL ............................................................................................................ 14
1.4. CORNO POSTERIOR ......................................................................................................... 14
1.5. NÚCLEO DE CLARKE ........................................................................................................ 14
2. SUBSTÂNCIA BRANCA .......................................................................................................... 15
3. COLUNA ANTERIOR:............................................................................................................. 15
3.1. TRATO CORTICOSPINAL ANTERIOR ..................................................................................... 15
3.2. OUTROS TRATOS ............................................................................................................. 16
4. COLUNA LATERAL................................................................................................................ 16
4.1. TRATO CORTICOSPINAL LATERAL ....................................................................................... 16
4.2. TRATOS ESPINOCEREBELARES .......................................................................................... 16
4.3. TRATOS ESPINOTALÂMICOS .............................................................................................. 16
4.4. OUTROS TRATOS ............................................................................................................. 16
5. COLUNA POSTERIOR ............................................................................................................ 17
5.1. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA ESTRUTURA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: GLOSSÁRIO .............. 18
5.2. ESTRUTURA DA MEDULA .................................................................................................. 20
5.3. SUBSTÂNCIA CINZENTA DA MEDULA................................................................................... 20
5.4. SUBSTÂNCIA BRANCA DA MEDULA ..................................................................................... 25
5.5. CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS .................................................................................... 32
Capítulo IIi - TRAUMA RAQUIMEDULAR: EPIDEMIOLOGIA, MECANISMOS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS,
DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E COMPLICAÇÕES ......................................................................................... 34
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 34
2. ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA ................................................................................................ 34
3. MECANISMO DA LESÃO.........................................................................................................36
4. FISIOPATOLOGIA ................................................................................................................. 38
4.1. PATOLOGIA MACROSCÓPICA ............................................................................................. 38
4.2. HISTOPATOLOGIA............................................................................................................39
5. DIAGNÓSTICO, AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA E CLASSIFICAÇÃO ....................................................... 41
5.1. AVALIAÇÃO CLÍNICA........................................................................................................ 41
5.2. EXAMES DE IMAGEM ....................................................................................................... 42
5.3. AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA E CLASSIFICAÇÃO ....................................................................... 44
6. TRATAMENTO CLÍNICO NA FASE AGUDA...................................................................................48
6.1. MEDIDAS GERAIS PARA ESTABILIZAÇÃO PÓS-TRAUMÁTICA.....................................................48
6.2. CORTICOSTEROIDES ........................................................................................................49
6.3. DISFUNÇÃO AUTONÔMICA E ESTABILIZAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL ........................................49
6.4. TRATAMENTO INTENSIVO .................................................................................................50
6.5. TRATAMENTO CIRÚRGICO.................................................................................................50
7. TRATAMENTO CLÍNICO CRÔNICO ............................................................................................ 52
7.1. DISREFLEXIA AUTONÔMICA .............................................................................................. 52
7.2. DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA ..................................................................................... 53
7.3. DOENÇA PULMONAR ....................................................................................................... 53
7.4. COMPLICAÇÕES GENITURINÁRIAS ...................................................................................... 54
7.5. DISFUNÇÃO GASTRINTESTINAL .......................................................................................... 55
7.6. ANORMALIDADES DO METABOLISMO ÓSSEO ........................................................................ 55
7.7. ESPASTICIDADE.............................................................................................................. 55
7.8. COMPLICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ........................................................................................56
8. CONCLUSÃO .......................................................................................................................56
Capítulo iV - CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR ....................................................................... 57
1. TIPOS DE CHOQUE ............................................................................................................... 58
2. CHOQUE DISTRIBUTIVO ........................................................................................................59
3. EPIDEMIOLOGIA .................................................................................................................. 62
4. NEUROANATOMIA E FISIOPATOLOGIA ...................................................................................... 62
5. CHOQUE MEDULAR VERSUS CHOQUE NEUROGÊNICO ..................................................................64
6. APRESENTAÇÃO CLÍNICA ......................................................................................................65
6.1. CONTROLE PRESSÓRICO E SÍNDROME DA SECREÇÃO INAPROPRIADA DE HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO
(SSIADH) ......................................................................................................................66
6.2. ARRITMIAS CARDÍACAS....................................................................................................66
6.3. SISTEMA RESPIRATÓRIO ..................................................................................................66
6.4. REGULAÇÃO TÉRMICA ..................................................................................................... 67
6.5. CUIDADOS CUTÂNEOS E SENSIBILIDADE .............................................................................. 67
6.6. SISTEMA GENITURINÁRIO ................................................................................................. 67
6.7. SISTEMA GASTROINTESTINAL ............................................................................................68
7. ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE NA SALA DE EMERGÊNCIA.....................................................68
7.1. SUPORTE VENTILATÓRIO ..................................................................................................68
7.2. PRIORIDADES DO PACIENTE EM CHOQUE E OBJETIVOSTERAPÊUTICOS ...................................... 72
7.3. INTERVENÇÃO NEUROCIRÚRGICA ...................................................................................... 72
7.4. PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS .......................................................................................... 72
8. CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................... 75
CAPÍTULO I
ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL
• A medula é uma continuação direta do tronco encefálico que se estende do forame
magno e termina no cone medular (nível de L1 – L2 em adultos).
• É envolvida por camadas meníngeas, líquido cerebrospinal (LCS) e se localiza no canal
vertebral, composto pelos forames vertebrais unidos.
• Possui função intrínseca, que se dá através de processamento neural local (p. ex.
reflexos). Porém, possui função de condução ao possibilitar o trajeto de tratos
superiores ascendentes e descendentes.
o Os tratos são feixes de fibras nervosas que tem mesma origem, mesma função e
mesmo destino.
• A medula se organiza em substância branca (mais externa) e substância cinzenta (mais
interna).
• Os tratos medulares se localizam na substância branca, que se caracteriza pela
presença de maioritariamente fibras mielínicas e neuróglia.
• A substância cinzenta contém os corpos celulares, neuróglia e fibras amielínicas.
• Os tratos carregam informações do córtex para os neurônios motores da médula, bem
como informações sensoriais da periferia para os centros superiores.
• Os neurônios motores no córtex são denominados neurônios motores superiores, e os
neurônios motores medulares são chamados neurônios motores inferiores.

Figura 1 – corte transversal da medula espinal

• A substância cinzenta possui formato de borboleta e se localiza no centro, envolvida


pela substância branca.

ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL


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o A substância cinzenta ainda é divida em corno ventral e um corno dorsal.
o O corno lateral é encontrado entre T1-L2 da medula simpática e nos níveis S2-
S4 da medula parassimpática.7
• A medula possui 31 segmentos e um par de nervos está relacionado com cada
segmento.
o São 8 cervicais (C1-C8), 12 torácicos (T1-T12), 5 lombares (L1-L5), 5 sacrais
(S1-S5) e 1 coccígeo.
o Os nervos contêm informações motoras e sensitivas.

Figura 2 – Visão geral da medula espinal. Co = coccígeo

• As informações sensitivas entram na medula através das raízes dorsais.


o Os corpos celulares dos neurônios sensoriais encontram-se no gânglio espinal
em cada nervo espinal.
• A informação motora deixa a medula através das raízes ventrais.
o O neurônio motor inferior está localizado no corno ventral de cada nível espinal.
• As raízes dorsal e ventral que se deslocam através da cisterna lombar do fim da
medula espinal (L1-L2) até seus respectivos níveis vertebrais são chamadas de cauda
equina.
• Há duas intumescências nas regiões cervical e lombar, onde os neurônios suprem os
plexos para os membros.
• Cada segmento medular inerva uma área específica da pele, chamada de dermátomo, e
um grupo muscular específico, denominado míotono.

ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL


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Figura 3 – Nervo espinal

• A medula é marcada em sua superfície externa por fissuras e sulcos longitudinais.


o Anteriormente, está a proeminente fissura mediana anterior, proeminente por
toda extensão medular.
▪ A artéria espinal anterior está localizada neste local, encontrada no
espaço subaracnóideo.
o Profunda a essa fissura, está a comissura branca anterior.
▪ Local onde há cruzamento de fibras sensoriais e motoras para o outro
lado.
o Na região dorsal, o sulco mediano posterior é identificado.
o Além disso, há um sulco posterolateral que marca a entradas radículas
sensoriais e um sulco anterolateral que marca a saída das radículas motoras.

Figura 4 – Fissuras e sulcos

• Entre as fissuras e os sulcos arranjados longitudinalmente encontram-se elevações


chamadas funículos.
• Um funículo é uma espécie de cordão que contém tratos, ou colunas, ascendentes ou
descendentes.
o As três colunas são: Posterior, lateral e anterior.

ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL


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→ O livro Neuroanatomia Funcional de Angelo Machado, nomeia como “colunas” os cornos
da substância cinzenta. Dessa forma, ele chama de funículo anterior, lateral e posterior esses
segmentos supracitados da substância branca.
• A coluna posterior está localizada bilateralmente entre o sulco mediano posterior e o
sulco posterolateral. Na região cervicale torácica superior, a coluna posterior é dividida
em fascículos largos.
o Um fascículo é um trato mais compacto.
o O fascículo grácil carrega a informação da parte inferior do tronco e dos
membros inferiores.
o O fascículo cuneiforme carrega informação da parte superior do tronco e dos
membros superiores.
▪ Informação essa que inclui tato discriminativo (fino), vibração e
propriocepção das articulações e músculos.
• A coluna lateral está entre o sulco posterolateral e o sulco anterolateral.
O trato corticospinal lateral e trato espinocerebelar passam nessa região.
• A coluna anterior está entre a fissura mediana anterior e o sulco anterolateral.
Contém o trato corticospinal anterior.

Figura 5 – Fascículos e tratos principais

ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL


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CAPÍTULO II
ESTRUTURA INTERNA DA MEDULA ESPINAL
• Na medula espinal, a substância cinzenta está localizada centralmente e é envolvida
pela substância branca. A substância cinzenta contém os corpos celulares nervosos:
neurônios motores e circuitos de interneurônios no corno anterior e neurônios
sensoriais no corno posterior. A substância branca é dividida em três colunas:
anterior, lateral e posterior.

1. SUBSTÂNCIA CINZENTA
• A substância cinzenta contém os corpos celulares da medula espinal. No corno
anterior, são os neurônios motores inferiores (NMIs) e interneurônios moduladores
denominados células de Renshaw.
• No corno posterior, é um conjunto de interneurônios responsável pela primeira
integração de informação sensorial, sobretudo, referente à dor e temperatura.
• Um corno lateral pode ser identificado dos níveis T1 a L2 e S2 a S4. É nesse local que
se encontram os corpos celulares motores viscerais pré-ganglionares dos sistemas
simpático (T1-L2) e parassim-pático (S2-S4).
• O corno anterior é maior naqueles segmentos dos quais os plexos braquial (C5-T1) e
lombossacral (L2-S4) se originam devido à população aumentada de motoneurônios
para suprir os membros supe-riores e inferiores.

1.1.SUBDIVISÕES DA SUBSTÂNCIA CINZENTA

• A substância cinzenta pode ser subdividida em 10 camadas distintas, lâminas de Rexed


I a X (Tab. 5.1).
• As camadas I a VI compreendem o corno posterior, as camadas VII a IX compreendem
o corno anterior e a camada X circunda o canal central.
• As lâminas de Rexed são particularmente úteis quan-do se estuda o corno posterior e
os diferentes níveis de modulação de dor que nele ocorrem.

ESTRUTURA INTERNA DA MEDULA ESPINAL


CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS DA MEDULA ESPINHAL, TRAUMA RAQUIMEDULAR, CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR
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Tabela 1 – Estruturas importantes das lâminas de Rexed

• Outra forma de examinar a substância cinzenta é por meio dos subnúcleos específicos.
o A substância gelatinosa, o núcleo sensorial principal (núcleo próprio) e o núcleo
de Clarke (núcleo dorsal de Clarke)estão localizados no corno posterior.
o Um núcleo intermédio-lateral (IML) contém os corpos celulares motores
viscerais no corno lateral, e núcleos motores específicos estão localizados no
corno anterior.

1.2.CORNO ANTERIOR

• Os neurônios motores no corno anterior projetam-se para os músculos supridos pelo


nível da medula espinal do qual saem. Os neurônios motores alfa são regulados pelas
células de Renshaw.
• Nas intumescências cervical e lombar, o corno anterior é muito grande, pois os membros
superiores e inferiores são supridos por essa região. Nos níveis torácicos, o corno
anterior é relativamente pequeno, uma vez que ele supre apenas a musculaturaaxial.
• Os neurônios no corno anterior são arranjados em uma distribuição somatotópica, o
que significa que eles correspondem tanto anatômica como funcionalmente às
estruturas que atendem.
o Os neurônios que suprem os músculos flexores são mais ventrais.
o Os grupos musculares distais têm seus neurônios mais laterais no corno
anterior, e os neurônios motores do grupo muscular proximal e axial (tronco)
são mediais (ver Fig. 5.10).

ESTRUTURA INTERNA DA MEDULA ESPINAL


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1.3.CORNO LATERAL

• Um corno lateral localiza-se nos níveis T1-L2 e S2-S4 da medula espinal.


• De T1 a L2, o corno lateral contém os corpos celulares eferentes motores viscerais do
sistema simpático; de S2 a S4, ele contém os corpos celulares eferentes motores
viscerais do sistema parassimpático, como mostrado na Figura 5.11.
o O conjunto desses corpos celulares é chamado de núcleo intermédio-lateral.

1.4.CORNO POSTERIOR

• Toda informação sensorial da periferia penetra na medula espinal por meio do corno
posterior nos vários níveis espinais.
• Fibras carregando tato discriminativo e propriocepção não formam sinapse no corno
posterior, mas ascendem nas colunas posteriores ipsilaterais.
• Fibras carregando dor e temperatura penetram a medula espinal no corno posterior,
onde, então, ascendem ou descendem diversos níveis espinais no funículo
posterolateral, ou trato de Lissauer.
• Em seguida, elas formam sinapse na lâmina I e no núcleo próprio (lâminas III e IV).
Células do núcleo próprio estendem os processos para a substância gelatinosa (lâmina
II).
• Uma grande quantidade de modulação de dor ocorre na substância gelatinosa antes de
o impulso percorrer os centros corticais superiores.

1.5.NÚCLEO DE CLARKE

• Um núcleo especializado, denominado núcleo de Clarke, estende-se de C8 a L3.


• Ele é uma importante estação de transmissão para propriocepção não consciente indo
para o cerebelo.
• Fibras Ia, Ib, e II, contendo informação sobre tônus muscular e posição da articulação,
enviam aferentes para o núcleo de Clarke, de onde as fibras pós-sinápticas viajam até o
cerebelo através do trato espinocerebelar posterior.
• Fibras proprioceptivas abaixo de L3, viajam no fascículo grácil para L3, onde formam
sinapse no núcleo de Clarke.
• Fibras proprioceptivas acima de C8 descolam-se pelo fascículo cuneiforme e formam
sinapse no núcleo cuneiforme acessório (o equivalente do núcleo de Clarke no tronco
cerebral).
o Elas viajam no trato cuneocerebelar para o cerebelo.

ESTRUTURA INTERNA DA MEDULA ESPINAL


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2. SUBSTÂNCIA BRANCA
• Enquanto a substância cinzenta é composta de corpos celulares, a substância branca é
composta de axônios neuronais.
• Na medula espinal, ela contém toda a informação ascendente para centros superiores
no tronco cerebral e no prosencéfalo, bem como toda informação descendente para os
neurônios da medula espinal.
• Sua coloração branca é dada pelos axônios mieliniza-dos ricos em lipídeos que ela
contém.
• A informação ascendente é sobretudo sensorial do corpo. A informação descendente é
motora para os NMIs. Além disso, há fibras sensoriais descendentes que modulam o
estímulo sensorial (principalmente a dor).
• A substância branca na medula espinal é dividida em três colunas ou fascículos (ou
“feixes”).
• Nas regiões cervicais, há mais substância branca do que nas mais caudais. Segmentos
rostrais, ou cervi-cais, contêm a acumulação de fibras ascendentes, bem como todas as
fibras descendentes em seu caminho para segmentos inferiores

3. COLUNA ANTERIOR:
• A coluna ventral está localizada entre o ponto de entrada da raiz ventral e a linha
média. O principal trato na coluna ventral é o trato corticospinal anterior.

3.1.TRATO CORTICOSPINAL ANTERIOR

• O trato corticospinal anterior localiza-se medialmente.


• Ele carrega informação motora do córtex para os NMIs relacionados com a
musculatura do tronco proximal.
o Esses NMSs não cruzam o tronco cerebral, como acontece com os NMSs no trato
corticoespinal lateral.
o Em vez disso, os neurônios do trato corticospinal anterior atravessam no nível
da medula espinal em que inervam os NMIs.
• A maior parte da inervação para o tronco é bilateral, permitindo a manutenção da
postura durante a marcha em posição ereta.

ESTRUTURA INTERNA DA MEDULA ESPINAL


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3.2.OUTROS TRATOS

• Outros tratos motores descendentes, como os vestibuloespinais e reticuloespinais,


também viajam na coluna anterior (não mostrados).

4. COLUNA LATERAL
• A coluna lateral está localizada entre os pontos de entrada das raízes dorsal e ventral.
• Esse é o local em que o trato motor principal para a medula espinal, o trato
corticospinal lateral, descende do prosencéfalo, tendo cruzado no tronco cerebral, para
alcançar os NMIs em cada nível da medula espinal.

4.1.TRATO CORTICOSPINAL LATERAL

• O trato corticospinal está localizado medialmente na coluna lateral, adjacente à


substância cinzenta.
• Suas fibras são arranjadas somatotopicamente, portanto, as fi-bras para a parte
superior do corpo estão localizadas mais medialmente.
• Essas são as primeiras fibras a formar sinapse com os NMIs no corno anterior.
• As fibras para a parte inferior do corpo estão localizadas mais lateralmente e são as
últimas a alcançar seu destino nos NMIs dos níveis lombar e sacral.

4.2.TRATOS ESPINOCEREBELARES

• Lateral ao trato corticospinal locali-zam-se os tratos espinocerebelares. Esses tratos


carregam informação proprioceptiva para o cerebelo ipsilateral.

4.3.TRATOS ESPINOTALÂMICOS

• O trato espinotalâmico está localizado na parte ventral da coluna lateral e é parte do


sistema ventrolateral. Ele carrega dor e temperatura do lado contralateral do corpo.

4.4.OUTROS TRATOS

• Tratos adicionais, tais como o espino-olivar ascendente e o rubrospinal descendente,


também podem ser encontrados na coluna lateral.
o Esses tratos são importantes na coordenação do movimento entre os circuitos
dos NMIs e o cerebelo e o córtex.

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5. COLUNA POSTERIOR
• A coluna posterior está localizada no aspecto dorsal da medula espinal, entre o ponto
de entrada da raiz dorsal e a linha média.
• É nesse local que toda informação sensorial relativa ao tato discriminativo e à
propriocepção (consciência da posição do corpo) do lado ipsilateral do corpo ascende
para o tronco cerebral.
• A informação sensorial da parte inferior do corpo, T6 e abaixo, ascende no
menor fascículo grácil, que está localizado medialmente.
• A informação da parte superior do corpo, acima de T6, ascende no fascículo
cuneiforme, que é apertado lateralmente entre o fascículo grácil e o corno posterior.
• Todas as fibras nas colunas posteriores são arranjadas de uma maneira somatotópica.
o A informação sensorial dos dermátomos sacrais é mais medial (primeira a
entrar no fascículo grácil), seguida pelos dermátomos lombares.
o No fascículo cuneiforme, o primeiro feixe de axônios (mais medial) provém dos
dermátomos torácicos, sendo seguido pelos dermátomos cervicais.

Figura 6 – substancia branca: tratos e somatotopia

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5.1.INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA ESTRUTURA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL:
GLOSSÁRIO

O estudo da estrutura interna do sistema nervoso central, que será iniciado neste
capítulo, é uma das partes mais importantes e interessantes da neuroanatomia, uma vez que,
no sistema nervoso, estrutura e função estão intimamente ligadas. Por outro lado, o
conhecimento da estrutura do sistema nervoso central é fundamental para a compreensão
dos diversos quadros clínicos que resultam das lesões e processos patológicos que podem
acometê-lo. Embora o estudo destes aspectos seja objeto da patologia e da neurologia, o
simples conhecimento da estrutura funcional do sistema nervoso central permite ao aluno
localizar lesões no sistema nervoso central com base nos sinais e sintomas que delas
decorrem. Antes de iniciarmos o estudo da estrutura da medula, vamos conceituar alguns
termos que serão largamente usados nos capítulos seguintes.
a) substância cinzenta - tecido nervoso constituído de neuróglia, corpos de neurônios e
fibras predominantemente
amielínicas;
b) substância branca - tecido nervoso formado de neuróglia e fibras predominantemente
mielínicas;
c) núcleo - massa de substância cinzenta dentro
de substância branca, ou grupo delimitado de neurônios com aproximadamente a
mesma estrutura e mesma função;
d) formação reticular - agregado de neurônios separados por fibras nervosas que não
correspondem exatamente às substâncias branca ou cinzenta e ocupa a parte central
do tronco encefálico;
e) córtex - substância cinzenta que se dispõe em uma camada fina na superfície do
cérebro e do cerebelo;
f) trato - feixe de fibras nervosas com aproximadamente a mesma origem, mesma função
e mesmo destino. As fibras podem ser mielínicas ou amielínicas. Na denominação de
um trato. usam-se dois nomes: o primeiro indicando a origem e o segundo a
terminação das fibras. Pode, ainda, haver um terceiro nome indicando a posição do
trato. Assim, trato corticoespinhal lateral indica um trato cujas fibras se originam no
córtex cerebral. terminam na medula espinhal e se localiza no funículo lateral da
medula.

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18
g) fascículo - usualmente o termo se refere a um trato mais compacto. Entretanto, o
emprego do termo fascículo, em vez de trato, para algumas estruturas deve-se mais à
tradição do que a uma diferença fundamental existente entre eles;
h) lemnisco - o termo significa fita. Ê empregado para alguns feixes de fibras sensitivas
que le-vam impulsos nervosos
ao tálamo;
i) funículo - o termo significa cordão e é usado para a substância branca da medula. Um
funículo contém vários tratos
ou fascículos;
j) decussação - formação anatômica constituída por fibras nervosas que cruzam
obliquamente o plano mediano e que têm aproximadamente a mesma direção. O
exemplo mais conhecido é a decussação das pirâmides;
k) comissura - formação anatômica constituída por fibras nervosas que cruzam
perpendicularmente o plano mediano e que têm, por conseguinte, direções
diametralmente opostas. O exemplo mais conhecido é o corpo caloso;
l) fibras de projeção - fibras de projeção de uma determinada área ou órgão do sistema
nervoso central são fibras que saem fora dos limites desta área ou deste órgão;
m) fibras de associação - fibras de associação de uma determinada área ou órgão do
sistema nervoso central são fibras que associam pontos mais ou menos distantes desta
área ou deste órgão sem, entretanto, abandoná-lo.
n) modulação - mudança da excitabilidade de um neurônio causada por axônios de outros
neu-rônios não relacionados com a função do primeiro. Por exemplo, um axônio pode
mudar a excitabilidade de um neurônio motor sem se relacionar diretamente com a
motricidade;
o) neuroimagem funcional - técnica que permite estudar o estado funcional de áreas do
SNC em indivíduos sem anestesia. Baseia-se no fato de que quando os neurônios são
ativados há aumento do metabolismo e do fluxo sanguíneo, o que é detectado pelo
equipamento.

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Figura 7 – Diferença entre decussação e comissura. As fibras originadas em A e A’ cruzam o plano mediano (XX’),
formando uma decussação; as originadas em B e B’ cruzam este plano formando uma comissura

5.2.ESTRUTURA DA MEDULA

Na da medula existem os sulcos lateral anterior, lateral posterior, intermédio posterior,


mediano posterior e a fissura mediana anterior. A substância cinzenta é circundada pela
branca, constituindo, de cada lado, os funículos anterior, lateral e posterior, este último
compreendendo os fascículos grácil e cuneiforme. Entre a fissura mediana anterior e a
substância cinzenta, localiza-se a comissura branca, local de cruzamento de fibras. Na
substância cinzenta, notam-se as colunas anterior, lateral e posterior.
Existem diferenças entre os vários níveis da medu· la no que diz respeito à forma,
localização e tamanho destes elementos. Assim, a quantidade de substância branca em relação
à cinzenta é tanto maior quanto mais alto o nível considerado. No nível das intumescências
lombares e cervicais, a coluna anterior é mais dilatada: a coluna lateral só existe de TI até L2.
Estes e outros critérios permitem identificar aproximadamente o nível de uma secção de
medula.

5.3.SUBSTÂNCIA CINZENTA DA MEDULA

5.3.1. DIVISÃO DA SUBSTÂNCIA CINZENTA DA MEDULA


A substância cinzenta da medula tem a forma de borboleta ou de um H. Existem vários
critérios para a divisão desta substância cinzenta. Um deles considera duas linhas que
tangenciam os contornos anterior e posterior do ramo horizontal do H, dividindo a substância

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cinzenta em coluna anterior, coluna posterior e substância cinzenta intermédia. Por sua vez, a
substância cinzenta intermédia pode ser dividida em substância cinzenta intermédia central e
substância cinzenta intermédia lateral por duas linhas anteroposteriores. De acordo com este
critério, a coluna lateral faz parte da substância cinzenta intermédia lateral. Na coluna
anterior, distinguem-se uma cabeça e uma base, esta em co-nexão com a substância cinzenta
intermédia lateral. Na coluna posterior observa-se, de diante para trás, uma base, um pescoço
e um ápice. Neste último existe uma área constituída por tecido nervoso translúcido, rico em
células neurogliais e pequenos neurônios, a substância gelatinosa.

Figura 8 – Divisão da substância cinzenta da medula

Figura 9 – Secção da medula espinhal ao nível de 15 mostrando, do lado direito, as lâminas de Rexed e do lado
esquerdo alguns núcleos medulares

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5.3.2. CLASSIFICAÇÃO DOS NEURÔNIOS MEDULARES
Os elementos mais importantes da substância cinzenta da medula são seus neurônios,
que têm sido classificados de várias maneiras. A classificação adotada baseia-se, com algumas
modificações, na classificação esquematizada abaixo:

Figura 10

5.3.2.1. NEURÔNIOS RADICULARES


Os neurônios radiculares recebem este nome porque seu axônio, muito longo, sai da
medula para constituir a raiz ventral. Neurônios radiculares viscerais são os neurônios pré-
ganglionares do sistema nervoso autônomo, cujos corpos localizam-se na substância cinzenta
intermédia lateral, de TI a L2 (coluna lateral), ou de S2 a S4. Destinam-se à inervação de
músculos lisos, cardíacos ou glândulas.
Os neurônios radiculares somáticos destinam-se à inervação de músculos estriados
esqueléticos e têm seu corpo localizado na coluna anterior. São também denominados
neurônios motores inferiores. Costuma-se distinguir, na medula dos mamíferos, dois tipos de
neurônios radiculares somáticos: alfa e gama. Os neurônios alfa são muito grandes e seu
axônio, bastante grosso, destina-se à inervação de fibras musculares que contribuem
efetivamente para a contração dos músculos. Estas fibras são extrafusais, ou seja, localizam-se
fora dos fusos neuromusculares. Cada neurônio alfa, juntamente com as fibras musculares que
ele inerva, constitui uma unidade motora. Os neurônios gama são menores e possuem axônios
mais finos (fibras eferentes gama), responsáveis pela inervação motora das fibras intrafusais.
O papel dos motoneurônios gama na regulação da sensibilidade dos fusos neuromuscularcsjá
foi discutido. Eles recebem influência de vários centros supraespinhais relacionados com a
atividade motora e sabe-se hoje que, para a execução de um movimento voluntário, eles são
ativados simultaneamente com os motoneurônios alfa (coativação alfa-gama). Isso permite
que os fusos neuromusculares continuem a enviar informações proprioceptivas ao sistema

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nervoso central, mesmo durante a contração muscular desencadeada pela atividade dos
neurônios alfa.

5.3.2.2. NEURÔNIOS CORDONAIS


Neurônios cordonais são aqueles cujos axônios ganham a substância branca da medula,
onde tomam direção ascendente ou descendente, passando a constituir as fibras que formam
os funículos da medula. O axônio de um neurônio cordonal pode passar ao funículo situado do
mesmo lado onde se localiza o seu corpo, ou do lado oposto. No primeiro caso, diz--se que ele
é homolateral (ou ipsilateral); no segundo caso, heterolateral (ou contralateral). Os neurônios
cordonais de projeção possuem um axônio ascendente longo, que termina fora da medula
(tálamo, cerebelo etc.), integrando as vias ascendentes da medula. Os neurônios cordonais de
associação possuem um axônio que, ao passar para a substância branca, se bifurca em um
ramo ascendente e outro descendente, ambos terminando na substância cinzenta da própria
medula. Constituem, pois, um mecanismo de integração de segmentos medulares, situados em
níveis diferentes, permitindo a realização de reflexos intersegmentares na. As fibras nervosas
formadas por estes neurônios dispõem-se em tomo da substância cinzenta, onde formam os
chamados fascículos próprios, existentes nos três funículos da medula.

Figura 11 – Esquema de formação dos fascículos próprios da medula

5.3.2.3. NEURÔNIOS DE AXÔNIO CURTO (OU INTERNUNCIAIS)


Em razão de seu pequeno tamanho, o axônio destes neurônios permanece sempre na
substância cinzenta. Seus prolongamentos ramificam-se próximo ao corpo celular e
estabelecem conexão entre as fibras aferentes, que penetram pelas raízes dorsais e os

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neurônios motores, interpondo-se, assim, em vários arcos reflexos medulares. Além disso,
muitas fibras que chegam à medula trazendo impulsos do encéfalo terminam em neurônios
internunciais, que têm, assim, importante papel na fisiologia medular. Um tipo especial de
neurônio de axônio curto encontrado na medula é a célula de Renshaw, localizada na porção
medial da coluna anterior. Os impulsos nervosos provenientes da célula de Renshaw inibem
os neurônios motores. Admite-se que os axônios dos neurônios motores, antes de deixar a
medula, emitem um ramo colateral recorrente que volta e termina estabelecendo sinapse com
uma célula de Renshaw, cujo neurotransmissor é inibitório. Esta, por sua vez, faz sinapse com
o próprio neurônio motor que emitiu o colateral. Assim, os impulsos nervosos que saem pelos
neurônios motores são capazes de inibir o próprio neurônio através do ramo recorrente e da
célula de Renshaw. Este mecanismo é importante para a fisiologia dos neurônios motores.
5.3.3. NÚCLEOS E LÂMINAS DA SUBSTÂNCIA CINZENTA DA MEDULA
Os neurônios medulares não se distribuem de maneira uniforme na substância
cinzenta, mas agrupam-se em núcleos ora mais ora menos definidos. Estes núcleos são,
usualmente, representados em cortes, mas não se pode esquecer que, na realidade, formam
colunas longitudinais dentro das três colunas da medula. Alguns núcleos, entretanto, não se
estendem ao longo de toda a medula. A sistematização dos núcleos da medula é complicada e
controvertida, e o estudo que se segue é extremamente simplificado. Os vários núcleos descri·
tos na coluna anterior podem ser agrupados em dois grupos: medial e lateral, de acordo com
sua posição. Os núcleos do grupo medial existem em toda a extensão da medula e os neurônios
motores aí localizados inervam a musculatura relacionada com o esqueleto axial. Já os núcleos
do grupo lateral dão ori-gem a fibras que inervam a musculatura apendicular, ou seja, dos
membros superior e inferior. Em função disso, estes núcleos aparecem apenas nas regiões das
intumescências cervical e lombar, onde se originam, respectivamente, os plexos braquial e
lombossacral. No grupo lateral, os neurônios motores situados mais medialmente inervam a
musculatura proximal dos mem-bros, enquanto os situados mais lateralmente inervam a
musculatura distal dos membros, ou seja, os músculos intrínsecos e extrínsecos da mão e do
pé.
Na coluna posterior, são mais evidentes dois nú-cleos: o núcleo torácico (= núcleo
dorsal) e a substância gela1inosa. O primeiro, evidente apenas na região torácica e lombar alta
(LI - L2), relaciona-se com a propriocepçào inconsciente e contém neurônios cordo-nais de
projeção, cujos axônios vão ao cerebelo.
A substância gelatinosa tem organização bastante complexa. Ela recebe fibras
sensitivas que entram pela raiz dorsal e nela funciona o chamado portão da dor. mecanismo

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24
que regula a entrada de impulsos dolorosos no sistema nervoso. Para o funcionamento do
portão da dor são importantes as fibras que che-gam à substância gelatinosa vindas do tronco
encefálico.
A substância cinzenta da medula foi objeto de exaustivos estudos de citoarquitetura
realizada por Rexed, cujos trabalhos mudaram as concepções existentes sobre a distribuição
dos neurônios medulares. Este au-tor verificou que os neurônios medulares se distribuem em
extratos ou lâminas bastante regulares, as lâminas de Rexed, numeradas de I a X. no sentido
dorsoventral. As lâminas 1 a IV constituem uma área receptora, onde terminam os neurônios
das fibras exteroceptivas que penetram pelas raízes dorsais. As lâminas V e VI recebem
informações propríoceptivas. A lâmina IX contém os neurônios motores que corres-pondem
aos núcleos da coluna anterior.

5.4.SUBSTÂNCIA BRANCA DA MEDULA

5.4.1. IDENTIFICAÇÃO DE TRATOS E FASCÍCULOS


As fibras da substância branca da medula agrupam-se em tratos e fascículos que
formam verdadeiros caminhos, ou vias, por onde passam os impulsos ner-vosos que sobem e
descem. A formação, função e posição destes feixes de fibras nervosas serão estudadas a
seguir. Convém notar, entretanto, que não existem na substância branca septos delimitando
os diversos tra-tos e fascículos, e as fibras da periferia de um trato se dispõem lado a lado com
as do trato vizinho. Contudo, há métodos que permitiram aos neuroanatomistas loca-lizar a
posição dos principais tratos e fascículos.

Figura 12 – Penetração das fibras da raiz dorsal e formação das principais vias ascendentes da medula. O
esquema não leva em conta o fato de que os ramos de bifurcação das fibras da raiz dorsal podem percorrer
vários segmentos antes de terminarem da substância cinzenta.

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25
O mais importante deles baseia-se no fato de que, quando seccionamos uma fibra
mielínica, o segmento distal sofre degeneração walleriana. Seccionando-se
experimentalmente a medula de animais ou, no homem, aproveitando-se casos de secção
resultantes de acidentes, observam-se áreas de degeneração acima ou abaixo das lesões. Elas
correspondem aos diversos tratos e fascículos cujas fibras foram lesadas. Se a área de
degeneração se localiza acima do ponto de secção, concluímos que o trato degenerado é
ascendente, ou seja, o corpo do neurônio localiza-se em algum ponto abaixo da lesão. Se a área
de degeneração localiza-se abaixo, concluímos, por raciocínio semelhante, que o trato é
descendente. Temos, assim, tratos e fascículos descen- dentes e ascendentes, que constituem
as vias ascenden-tes e vias descendentes da medula. Modernamente foi desenvolvida uma
técnica de neuroimagem (tratografia por ressonância magnética) que permite identificar os
principais tratos no indivíduo vivo.
5.4.2. VIAS DESCENDENTES
As vias descendentes são formadas por fibras que se originam no córtex cerebral ou
em várias áreas do tronco encefálico e terminam fazendo sinapse com os neurônios medulares.
Algumas terminam nos neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo.
constituindo as vias descendentes viscerais. Outras terminam fazendo sinapse com neurônios
da coluna posterior e participam dos mecanismos que regulam a penetração dos impulsos
sensoriais no sistema nervoso central. Contudo, o contingente mais importante termina direta
ou indiretamente nos neurônios motores somáticos, constituindo as vias motoras
descendentes somáticas.
Durante muito tempo essas vias foram divididas em piramidais e extrapirami-dais, que
pertenceriam, respectivamente, aos sistemas piramidal e extrapiramidal. Nesta acepção, esta
divisão não é mais válida, pois não se aceita mais a divisão do sistema motor em piramidal e
extrapiramidal. Modernamente, é mais utilizada a divisão morfofuncional de Kuyper. Este
pesquisador seccionou especificamente os funículos lateral e anterior da medula do gato. A
lesão do funículo lateral resultou na perda dos movimentos finos das extremidades, sem alterar
a postura do animal. Já a lesão do funículo anterior resultou em alterações na postura e
impossibilidade de ajustes posturais. Por exemplo, quan-do se joga um gato para o alto, ele se
movimenta para cair em pé. No gato com o funículo anterior lesado, isto não ocorre, embora o
animal não perca a capacidade de realizar movimentos apendiculares finos. Com base nesta
experiência, foi proposta, e é hoje mais utilizada, inclusive para o homem, a classificação das
vias descendentes motoras em dois sistemas, lateral e medial (anteromedial).

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5.4.2.1. SISTEMA LATERAL
O sistema lateral da medula compreende dois tratos: o corticoespinhal, que se origina
no córtex e o rubroespinhal, que se origina no núcleo rubro do mesencéfalo. Ambos conduzem
impulsos nervosos aos neurônios da coluna anterior da medula, relacionan-do-se com estes
neurônios diretamente ou através de neurônios internunciais. No nível da decussação das
pirâmides no bulbo, os tratos corticoespinhais se cruzam, o que significa que o córtex de um
hemisfério cerebral comanda os neurônios motores situados na medula do lado oposto,
visando a realização de movimentos voluntários. Assim, a motricidade voluntária é cruzada.
sendo este um dos fatos mais importantes da neuroanatomia. É fácil entender, assim, que uma
lesão do trato corticoespinhal acima da decussação das pirâ-mides causa paralisia da metade
oposta do corpo. Um pequeno número de fibras, no entanto, não se cruza na decussação das
pirâmides e continua em posição anterior, constituindo o trato corticoespinhal anterior,
localizado no funículo anterior da medula e faz parte do sistema medial.
O trato corticoespinhal lateral localiza-se no funículo lateral da medula atinge até a
medula sacral e, como suas fibras vão pouco a pouco terminando na substância cinzenta,
quanto mais baixo, menor o número delas. O trato rubroespinhal, bem desenvolvido na
maioria dos animais, liga-se aos neurônios motores situados lateralmente na coluna anterior, os
quais, como vimos, controlam os músculos responsáveis pela motricidade da parte distal dos
membros (músculos intrínsecos e extrínsecos da mão e dopé). Neste sentido, ele se as-semelha
ao trato corticoespinhal lateral, que também controla esses músculos. Entretanto, durante a
evolução, houve aumento do trato corticoespinhal e dimi-nuição do trato rubroespinhal, que,
no homem, ficou reduzido a um número muito pequeno de fibras.

5.4.2.2. SISTEMA MEDIAL


São os seguintes os tratos do sistema medial da medula: trato corticoespinhal anterior,
tetoespinhal, vestibuloespinhal e os reticuloespinhais pontino e bulbar. Os nomes referem-se aos
locais onde eles se originam, e que são respectivamente: o córtex cerebral, teto mesencefálico
(colículo superior); os núcleos vestibulares, situados na área vestibular do IV ventrículo; e a
formação reticular. estrutura que ocupa a parte central do tronco encefálico, sendo que as
fibras que vão à medula se originam da forma-ção reticular da ponte e do bulbo. Todos esses
tratos terminam na medula em neurônios internuncíais, através dos quais eles se ligam aos
neurônios motores situados na parle medial da coluna anterior e, deste modo, controlam a
musculatura axial, ou seja, do tronco e pescoço, assim como a musculatura proximal dos
membros.

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Os tratos vestibuloespinhais e reticuloespinhais são importantes para manutenção do
equilíbrio e da postura básica. sendo que estes últimos controlam, também, a motricidade
voluntária da musculatura axial e proximal. O trato reticuloes-pinhal pontino promove a
contração da musculatura extensora (antigravitária) do membro inferior necessária para a
manutenção da postura ereta, resistindo a ação da gravidade. Isso dá estabilidade ao corpo
para fazer movimentos com os membros superiores. Já o trato reticuloespinhal bulbar tem
efeito oposto, ou seja, promove o relaxamento da musculatura exten-sora do membro inferior.
O trato tetoespinhal tem funções mais limitadas relacionadas a reflexos cm que a
movimentação decorre de estímulos visuais. O trato corticoespinhal anterior, pouco antes de
terminar, cruzam o plano mediano e termina cm neurônios motores situados do lado oposto
àquele no qual entrou na medula. O trato corticocspinhal anterior é muito menor que o lateral,
sendo menos importante do ponto de vista clínico. Suas fibras vão penetrando na coluna
anterior e ele termina, mais ou menos, ao nível da metade da medula torácica. A tabela abaixo
sintetiza o que foi visto sobre as vias motoras des-cendentes somáticas dos sistemas lateral e
medial.

Tabela 2 – Características das vias motoras descendentes somáticas da medula

5.4.3. VIAS ASCENDENTES


As fibras que formam as vias ascendentes da medula relacionam-se direta ou
indiretamente com as fibras que penetram pela raiz dorsal do nervo espinhal, trazendo
impulsos aferentes de várias partes do corpo.

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5.4.3.1. DESTINO DAS FIBRAS DA RAIZ DORSAL
Cada filamento radicular da raiz dorsal, ao ganhar o sulco lateral posterior, divide-se
cm dois grupos de fibras: um grupo lateral e outro medial. As fibras do grupo lateral são mais
finas e dirigem-se ao ápice da coluna posterior, enquanto as fibras do grupo medial dirigem-se
à face medial da coluna posterior. Antes de penetrar na coluna posterior, cada uma dessas
fibras se bifurca, dando um ramo ascendente e outro descendente sempre mais curto, além de
grande número de ramos colaterais mais finos. Todos esses ramos terminam na coluna
posterior da medula, exceto um grande contingente de fibras do grupo medial, cujos ramos
ascendentes, muito longos, terminam no bulbo. Estes ramos constituem as fibras dos fascículos
grácil e cuneiforme. que ocupam os funículos posteriores da medula e terminam fazendo
sinapse nos núcleos grácil e cuneiforme, situados, respectivamente, nos tubércu-los do núcleo
grácil e do núcleo cuneiforme do bulbo.
A seguir são relacionadas as diversas possibilidades de sinapse que podem fazer as
fibras e os colate-rais da raiz dorsal ao penetrar na substância cinzenta da medula. Convém
acentuar que os impulsos nervosos que chegam por uma única fibra podem seguir mais de um
dos caminhos abaixo relacionados:
a) sinapse com neurônios motores, na coluna anterior - para a realização de arcos reflexos
monossinápticos (arco reflexo simples), sendo mais conhecidos os reflexos de
estiramento ou miotáticos. dos quais o reflexo patelar é um exemplo;
b) sinapse com os neurônios internunciais - para a realização de arcos reflexos
polissinápticos, que envolvem pelo menos um neurônio internuncial cujo axônio se liga
ao neurônio motor. Um exemplo é o reflexo de flexão ou de retirada. no qual um
estímulo doloroso causa a retirada reflexa da parte afetada. Os reflexos polissinápticos
podem ser muito complexos, envolvendo grande número de neurônios internunciais;
c) sinapse com os neurônios cordonais de associação - para a realização de arcos reflexos
intersegmentares, dos quaisum exemplo é o reflexo de coçar;
d) sinapse com os neurônios pré-ganglionares - para a realização de arcos reflexos
viscerais;
e) sinapse com neurónios cordonais de projeção - cujos axônios vão constituir as vias
ascendentes da medula, através das quais os impulsos que entram pela raiz dorsal são
levados ao tálamo e ao cerebelo.
Do que já foi exposto no item anterior, conclui-se que as fibras que formam as vias
ascendentes da medula são ramos ascendentes de fibras da raiz dorsal (fascículos grácil e
cuneiforme) ou axônios de neurônios cordonais de projeção situados na coluna posterior. Em

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qualquer destes casos, as fibras ascendentes reúnem-se em tratos e fascículos com
características e funções próprias, que serão estudadas a seguir, anali-sando-se
separadamente os funículos posterior, anterior e lateral.

5.4.3.2. SISTEMATIZAÇÃO DAS VIAS ASCENDENTES DA MEDULA


Vias ascendentes do funículo posterior
No funículo posterior existem dois fascículos, grácil. situado mediaimente, e
cuneiforme, situado lateralmente, separados pelo septo intermédio posterior. Como já foi visto,
estes fascículos são formados pelos ramos ascendentes longos das fibras do grupo medial da
raiz dorsal, que sobem no funículo para terminar no bulbo. Na realidade, estas fibras nada
mais são que os prolongamentos centrais dos neurônios sensitivos situados nos gânglios
espinhais.

Figura 13 – Posição aproximada dos principais tratos e fascículos da medula. Tratos ascendentes em pontilhado;
tratos descendentes em linhas horizontais

O fascículo grácil inicia-se no limite caudal da medula e é formado por fibras que
penetram na medula pelas raízes coccígea. sacrais, lombares e torácicas baixas, terminando no
núcleo grácil, situado no tubérculo do núcleo grácil do. Conduz, portanto, impulsos
provenientes dos membros inferiores e da metade inferior do tronco e pode ser identificado
em toda a extensão da medula.
O fascículo cuneiforme. evidente apenas a partir da medula torácica alta é formado por
fibras que penetram pelas raízes cervicais e torácicas superiores, terminando no núcleo
cuneiforme, situado no tubérculo do núcleo cuneiforme do bulbo. Conduz, portanto, impulsos
originados nos membros superiores e na metade superior do tronco. Do ponto de vista
funcional, não há diferença entre os fascículos grácil e cuneiforme; sendo assim, o funículo

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posterior da me-dula é funcionalmente homogêneo, conduzindo impulsos nervosos
relacionados com:
a) propriocepção consciente ou sentido de posição e de movimento (cinestesia) - permite,
sem o auxílio da visão, situar uma parte do corpo ou perceber o seu movimento. A
perda da propriocepção consciente, que ocorre, por exemplo, após lesão do funículo
posterior, faz com que o indivíduo seja incapaz de localizar, sem ver, a posição de seu
braço ou de sua perna. Ele será também incapaz de dizer se o neurologista fle-tiu ou
estendeu o seu hálux ou o seu pé;
b) tato discriminativo (ou epicrítico) - pennite localizar e descrever as características
táteis de um objeto. Testa-se tocando a pele simultanea-mente com as duas pontas de
um compasso e verificando-se a maior distância dos dois pon-tos tocados que é
percebida como se fosse um ponto só (discriminação de dois pontos);
c) sensibilidade vibratória - percepção de estí-mulos mecânicos repetitivos. Testa-se
tocando a pele de encontro a uma saliência óssea com um diapasão, quando o indivíduo
deverá dizer se o diapasão está vibrando ou não. A perda da sensibilidade vibratória é
um dos sinais preco-ces da lesão do funículo posterior;
d) estereognosia capacidade de perceber, com as mãos, a fonna e o tamanho de um objeto.
A estereognosia depende de receptores tanto para tato como para propriocepção.
Vias ascendentes do funículo anterior
No funículo anterior localiza-se o trato espinotalâmico anterior. formado por axônios
de neurônios cordonais de projeção situados na coluna posterior. Estes axônios cruzam o
plano mediano e fletem-se cranialmente para formar o trato espinotalâmico anterior, cujas
fibras nervosas terminam no tálamo e levam impulsos de pressão e tato leve (tato
protopático). Esse tipo de lato, ao contrário daquele que segue pelo funículo posterior, é pouco
discriminativo e permite, apenas de maneira grosseira, a localização da fonte do estímulo tátil.
A sensibilidade tátil tem, pois, duas vias na medula, uma direta, no funículo posterior, e outra
cruzada, no funículo anterior. Por isso, dificilmente se perde toda a sensibilidade tátil nas
lesões medulares, exceto, é óbvio, naquelas em que há transecção do órgão.
Vias ascendentes do funículo lateral
Trato espinotalâmico lateral - neurônios cordonais de projeção, situados na coluna
posterior, emitem axônios que cruzam o plano mediano na comissura branca, ganham o
funículo lateral, onde se fletem cranialmente para constituir o trato espinotalâmico lateral,
cujas fibras terminam no tálamo. O tamanho deste trato aumenta à medida que ele sobe na
medula pela constante adição de novas fibras. O trato espino-talâmico lateral conduz impulsos

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31
de temperatura e dor. Tendo em vista a grande significação que a dor tem em medicina pode-
se entender que o trato espinotalâmico lateral é de grande importância para o médico. Em
certos casos de dor, decorrente principalmente de câncer, aconselha-se o tratamento cirúrgico
por secção do trato espinotalâmico lateral, técnica denominada de cordotomia. O trato
espinotalâmico lateral constilui a principal via através da qual os impulsos de temperatura e
dor chegam ao cérebro. Junto dele seguem também as fibras espinorreticulares, que também
conduzem impulsos dolorosos. Essas fibras fazem sinapse na chamada formação reticular do
tronco encefálico. onde se originam as fibras retículotalâmi-cas, constituindo-se assim a via
espino-retículo-talâmica. Essa via conduz impulsos relacionados com dores do tipo crônico e
difuso (dor em queimação), enquanto a via espinotalâmica se relaciona com as dores agudas e
bem localizadas da superfície corporal.
Trato espinocerebelar posterior - neurônios cordo-nais de projeção, situados no núcleo
torácico da coluna posterior, emitem axônios que ganham o funículo lateral do mesmo lado,
fletindo-se cranialmente para formar o trato espinocerebelar posterior. As fibras deste trato
penetram no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar inferior, levando impulsos de propriocepção
inconsciente originados em fusos neuromusculares e órgãos neurotendinosos;
Trato espinocerebelar anterior - neurônios cordonais de projeção, situados na coluna
posterior e na substância cinzenta intermédia, emitem axônios que ganham o funículo lateral
do mesmo lado ou do lado oposto, fletindo-se cranialmente para formar o trato
espinocerebelar anterior. As fibras deste trato penetram no cerebelo, principalmente pelo
pedúnculo cerebelar superior. Admite-se que as fibras cruzadas na medula tomam a se cruzar
ao entrar no cerebelo, de tal modo que o impulso nervoso termina no hemisfério cerebelar
situado do mesmo lado em que se originou. Ao contrário do trato espinocerebelar posterior,
que veicula somente impulsos nervosos originados em receptores periféricos, as fibras do
trato espinocerebelar anterior informam também eventos que ocorrem dentro da própria
medula, relacionados com a atividade elétrica do trato corticoespinhal. Assim, através do trato
espinocerebelar anterior, o cerebelo é informado de quando os impulsos motores chegam à
medula e qual sua intensidade. Essa informação é usada pelo cerebelo para controle da
motricidade somática.

5.5.CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS

O conhecimento dos principais tratos e fascículos da medula é importante para a


compreensão dos sinais e sintomas decorrentes das lesões e processos patológicos que
podem acometer este órgão.

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32
Tabela 3 – Características dos principais tratos fascículos ascendentes da medula

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33
CAPÍTULO III
TRAUMA RAQUIMEDULAR: EPIDEMIOLOGIA,
MECANISMOS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS,
DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E COMPLICAÇÕES
1. INTRODUÇÃO
Traumatismo raquimedular (TRM) é um acontecimento súbito com consequências
potencialmente catastróficas, que pode acarretar ônus médicos, financeiros e sociais ao
indivíduo e à sociedade. O tratamento apropriado desses pacientes baseia-seno conhecimento
sobre TRM, inclusive epidemiologia e fisiopatologia; complicações médicas agudas e crônicas;
e reabilitação e necessidades sociais a longo prazo.

2. ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
Os dados epidemiológicos podem orientar a utilização dos recursos necessários ao
tratamento e à prevenção do TRM. Nos EUA, a melhor fonte desse tipo de dados é o NSCID
(National Spinal Cord Injury Database, ou Banco de Dados Nacional sobre Traumatismo
Raquimedular, em tradução livre), que tem coletado informações dos serviços médicos
participantes do MSCIS (Model Spinal Cord Injury System, ou Sistema Modelar para
Traumatismo Raquimedular, em tradução livre) a partir de 1973. Esse banco de dados inclui
informações relativas a aproximadamente 13% dos casos novos de TRM registrados a cada ano
e informaçõessobre mais de 25.000 pacientes. Nos EUA, o TRM ocorre a uma taxa de cerca de
40 por milhão ao ano, resultando em torno de 12.000 casos novos a cada ano. Esse índice não
inclui as lesões que acarretam óbito antes que o paciente chegue ao hospital, que poderiam
duplicar o número de casos. Atualmente, 225.000 a 300.000 pacientes vivem com as
consequências do TRM.
O TRM afeta principalmente adultos com idades entre 16 e 30 anos, mas a média de
idade tem aumentado. Na décadade 1970, a média de idade era de 28,7 anos; no período entre
2005 e 2008, ela aumentou para 39,5 anos. A idade média é de 27 anos e 65% das vítimas de
TRM têm menos de 35 anos. A incidência é mais alta entre as idades de 20 e 24 anos. As
alterações mais significativas entre a década de 1970 e o período de 2005 a 2008 ocorreram
nos extremos etários. A porcentagem de pacientes com mais de 65 anos aumentou de 5 para
11%, enquanto a de crianças (do nascimento até a idade de 15 anos) diminuiu de 6 para 2%. O

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34
aumento da idade poderia ser atribuído a um viés de coleta dos dados, ao índice mais alto de
sobrevivência dos pacientes de mais idade no período agudo do TRM, ou às taxas de incidência
específicas de cada faixa etária. Isto é, a população mais numerosa de pacientes idosos requer
considerações específicas relativas aos cuidados médicos, cirúrgicos e reabilitativos.
Setenta e oito por cento das vítimas de TRM são homens. Entre os pacientes com TRM
acidentados depois de 2000,63% eram da raça branca, 23% eram afro-americanos, 12% eram
hispânicos e 2% faziam parte de outros grupos raciais ou étnicos.
Os acidentes automobilísticos são responsáveis por cerca de 42% dos casos e esta
porcentagem tem se mantido estável há 30 anos. As quedas representam 27% dos casos e são
a causa mais comum entre os pacientes com mais de 65 anos. Acidentes de trabalho (10%),
esportes (7%) e violência – nos casos típicos, feridas causadas por armas de fogo (15%) – são
responsáveis pela maioria dos casos restantes de TRM. A maioria dos acidentes ocorre nos
finais de semana e nos meses do verão.
Desde o ano 2000, a condição mais frequente por ocasião da alta é tetraplegia parcial
(34%) seguida de paraplegia total (23%), tetraplegia total (18%) e paraplegia parcial (19%).
Menos de 1% dos pacientes teve recuperação neurológica completa até a alta hospitalar. A
duração média das internações hospitalares dos pacientes com TRM era de 15 dias em 2005,
enquanto a duração da permanência no serviço de reabilitação era de 36 dias. Como seria
esperado, a duração da internação dos pacientes com lesões neurológicas completas é
significativamente mais longa. A expectativa de vida das vítimas de TRM é expressivamente
menor que a dos indivíduos não acidentados. As taxas de mortalidade são significativamente
maiores no primeiro ano depois do acidente, que nos anos subsequentes.
O TRM tem consequências sociais e financeiras profundas. Cerca de 57% das vítimas
de TRM estavam empregadas por ocasião de seu acidente. Dez anos depois do acidente,
apenas 32% dos pacientes com paraplegia e 24% dos indivíduos com tetraplegia estavam
empregados. Cerca de 80 a 90% das vítimas de TRM finalmente recebe alta para uma
residência privada e apenas 6% são encaminhados a uma instituição asilar de longa
permanência. Os demais casos recebem alta para hospitais de cuidados crônicos, instalações
de vida em grupo ou outros destinos. A maioria dos pacientes (53%) era solteira por ocasião
do acidente e os que estavam casados (ou se casaram depois) têm probabilidade ligeiramente
maior de divorciarem que os indivíduos não acidentados. Os custos médios anuais e totais das
vítimas de TRM estão diretamente relacionados com a gravidade e o nível da lesão. Por
exemplo, estima-se que os gastos com um paciente com tetraplegia alta (lesão de C1-C4)
totalizem US$ 775.000 no primeiro ano e US$ 140.000 a cada ano subsequente. Um homem de

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25 anos com lesão de C1-C4 acarretará um custo de US$ 3 milhões ao longo da vida, enquanto
um paciente de 50 anos importará em custo de US$1,8 milhão. Um paciente com tetraplegia
baixa (lesão de C5-C8) acarretará custos de US$ 500.000 no primeiro ano e cerca de US$
55.000 a cada ano subsequente. Os paraplégicos e os pacientes com lesões motoras parciais
custam entre US$ 225.000 e 300.000 no primeiro ano e US$ 15.000 e 30.000 a cada ano
subsequente. Esses valores não refletem os custos indiretos adicionais, que estão relacionados
com o desemprego e a perda de produtividade – em média, mais US$ 60.000 anuais por
paciente.

Figura 4 – Expectativa de vida depois do traumatismo raquimedular

As lesões não traumáticas da medula espinal representam um número expressivo dos


casos e podem ter várias causas. Isso inclui esclerose múltipla (EM), doenças neoplásicas ou
vasculares, doenças inflamatórias, infecções e estenose medular degenerativa. Na maioria dos
casos, esse grupo de pacientes têm lesões parciais, que têm evolução subaguda ou crônica. A
extensão da lesão por ocasião da apresentação, a resposta ao tratamento e o prognóstico do
processo patológico subjacente determinam o tratamento clínico e as metas de reabilitação
final.

3. MECANISMO DA LESÃO
Em geral, acredita-se que o TRM agudo seja um processo em duas etapas, que inclui
mecanismos primário e secundário. O mecanismo primário resulta do traumatismo mecânico
inicial causado pela deformação local e da transformação de energia, enquanto os mecanismos
secundários consistem em uma sequência de processos bioquímicos e celulares
desencadeados pelo mecanismo primário, que causam lesão e morte celular progressivas.

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36
Na maioria dos casos, o TRM primário é uma combinação do impacto inicial com a
compressão subsequente persistente. O mecanismo primário mais comum do TRM é impacto
do osso e do ligamento contra a medula espinal por ação das forças translacionais intensas (p.
ex., forças geradas por flexão, extensão, rotação axial ou compressão vertebral). Esses
movimentos podem causar várias lesões da coluna vertebral, que podem ser demonstradas
por exames de imagem como radiografias simples, tomografia computadorizada (TC) ou
ressonância magnética (RM). Consequentemente, a medula espinal pode ser comprimida,
estirada ou esmagada por fraturas ou luxações, fraturas “explosivas” do corpo vertebral, ou
ruptura aguda dos discos intervertebrais. O TRM também pode resultar apenas do impacto
inicial, sem compressão subsequente. Isso pode ser atribuído às lesões ligamentares graves,
nas quais a coluna vertebral desvia-se e depois volta à posição espontaneamente, ou quando
há espondilose cervical ou estenose medular preexistente. Nesses casos, um traumatismo
trivial pode causar lesão neurológica, mesmo sem fratura ou luxação evidente depois do
acidente.
Do mesmo modo, o TRM causado por fragmentos ósseos pontiagudos ou lesões
provocadas por instrumentos cortantes ou projéteis de arma de fogo pode causar uma
combinação de laceração, concussão, contusão e/ou compressão da medula espinal. Assim
como ocorre com as lesões indiretas, as diretas podem ser parciais ou completas em sua
destruição da medula.
O entendimento do mecanismo do acidente e das anormalidades radiológicas pode
fornecer indícios quanto à estabilidade biomecânica da coluna vertebral depois do TRM. Por
exemplo, lesões causadas por flexão – especialmente das regiões cervical e torácica – podem
causar fraturas compressivas anteriores dos corpos vertebrais e luxações unilaterais ou
bilaterais das facetas articulares que, por sua vez, podem acarretar compressão medular e
instabilidade da coluna vertebral. A sobrecarga axial intensa pode causar fratura completa do
corpo vertebral com deslocamento dos fragmentos ósseos e do material discal para dentro do
canal espinal e TRM. Qualquer combinação de forças pode ocorrer em determinado caso. A
compreensão do mecanismo do acidente possibilita uma avaliação mais detalhada da lesão
raquimedular subjacente e da instabilidade da coluna vertebral.
Os mecanismos secundários resultantes das sequências de efeitos bioquímicos que
ocorrem depois do evento inicial também causam TRM e deterioração neurológica
subsequente. Esses mecanismos causam lesão dos tecidos neurais no nível celular e incluem as
consequências fisiopatológicas das alterações da microcirculação e dos aminoácidos

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37
excitatórios, desestabilização da membrana celular, formação de radicais livres e mediadores
inflamatórios e apoptose da neuróglia.

4. FISIOPATOLOGIA
4.1.PATOLOGIA MACROSCÓPICA

A patologia do TRM foi subdividida em quatro grupos relativamente simples com base
nas anormalidades macroscópicas: lesão medular sólida, contusão/cavitação, laceração e
compressão grave. A expressão lesão medular sólida refere- se à medula aparentemente
normal ao exame macroscópico, ou seja, sem evidência de amolecimento, alterações de cor ou
formação de cavidades. Contudo, a lesão da medula pode ser demonstrada claramente ao
exame histológico. A contusão ou a formação de cavidades não causam ruptura ou interrupção
da anatomia de superfície e não há aderências durais. Áreas de hemorragia e necrose(que, por
fim, formam cistos) são detectadas facilmente no parênquima medular. Em alguns casos, essas
lesões estendem-se em direções proximal e distal com padrão cuneiforme ao longo das
regiões ventrais dos cornos posteriores. As lacerações causam ruptura bem demarcada na
anatomia de superfície. Na maioria dos casos, esse tipo de lesão é causado por projéteis
perfurantes ou fragmentos ósseos pontiagudos. As lesões caracterizam-se por uma
interrupção da membrana glial limitante (glia limitans), com lesão do parênquima medular
subjacente. Em geral, o epicentro da lesão apresenta pouca ou nenhuma evidência de
cavitação; em vez disto, a lesão é dominada por deposição de quantidades variáveis de tecido
conjuntivo colagenoso que, na maioria dos casos, fica aderido às meninges sobrejacentes.
Quando há lesão compressiva grave, a medula é macerada ou pulverizada em graus variáveis.
Em geral, esse tipo de lesão é causado por fraturas ou luxações graves dos corpos vertebrais.
Na maioria dos casos, o epicentro dessa lesão é substituído por tecido conjuntivo fibrótico e
fragmentos das raízes neurais. Essa resposta tecidual é semelhante à que se observa com as
lesões causadas por laceração, nas quais se acumula tecido cicatricial fibroso com o transcorrer
do tempo.
Outras características anatômicas do TRM são dignas de menção. A lesão pode ser
surpreendentemente pequena e nãoacometer mais que um segmento da medula espinal. Pode
haver lesões múltiplas, especialmente nos casos de feridas provocadas por projéteis de arma
de fogo. Também é raro encontrar transecção completa da medula espinal; ao exame
detalhado, quase sempre há uma pequena quantidade de tecido remanescente interligando a
medula.

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38
4.2.HISTOPATOLOGIA

As alterações histológicas do TRM podem ser divididas em fases imediata, aguda,


intermediária e tardia.
Fase imediata (1 a 2 h depois do acidente)
A fase imediata, provavelmente causada pela lesão primária, consiste na ruptura
mecânica real dos tecidos, que ocorre no momento do acidente (p. ex., lacerações, compressão
e distorções). Alterações vasculares são comuns e caracterizam-se por vasodilatação,
congestão (hiperemia) e hemorragias petequiais. Contudo, em alguns casos, não são
detectadas quaisquer anormalidades nesse período inicial, principalmente quando não há
compressão grave ou lesão provocada por laceração. A inexistência de alterações patológicas
no período inicial reflete a observação de que a patologia do TRM também é causada por
fenômenos secundários, inclusive edema progressivo, isquemia, hemorragia, inflamação,
hipertermia e lesão celular mediada por cálcio, radicais livres, óxido nítrico e glutamato.
Fase aguda (algumas horas até 1 a 2 dias)
Essa fase caracteriza-se por alterações vasculares, edema, hemorragia, inflamação e
anormalidades dos neurônios e da mielina. O edema pode ser vasogênico ou citotóxico. O
edema vasogênico é causado pelo extravasamento do líquido plasmático para o espaço
extracelular em consequência da violação da barreira hematencefálica (BHE). O edema
citotóxico resulta do edemaciamento intracelular depois da morte celular.
Independentemente do seu mecanismo, o edema pode provocar isquemia compressiva
causada pela redução da irrigação sanguínea da região traumatizada. O edema é evidenciado
dentro de 3 h a 3 dias depois do acidente. Além de causar efeitos compressivos, o edema
celular também pode alterar as funções da astróglia.
A lesão dos vasos sanguíneos pode causar hemorragia, que afeta principalmente a
substância cinzenta depois de uma lesão causada por contusão. Basicamente, as hemorragias
são atribuídas à ruptura das vênulas pós-capilares ou das arteríolas sulcais, seja por ruptura
mecânica traumática ou por coagulação intravascular, que resulta em estase e distensão
venosas.
A resposta inflamatória que se desenvolve logo depois do acidente é um processo
complexo e envolve alterações vasculares, reações celulares e mediadores químicos. Há afluxo
discreto de neutrófilos no primeiro dia, que alcança intensidade máxima em 2 dias e
praticamente desaparece no terceiro dia. É provável que a reação neutrofílica seja de natureza
neurotóxica, porque estas células normalmente atuam no sentido de erradicar infecções
liberando radicais livres.

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Os neurônios são muito vulneráveis às lesões causadas por TRM. A maioria dos
neurônios morre por necrose, mas também se observa apoptose neuronal. A lesão aguda
caracteriza-se por edema axonal evidenciado por esferas retráteis ou esferoides. A
interrupção da camada de mielina ocorre pouco depois do TRM e, inicialmente, caracteriza-se
por edemaciamento das bainhas de mielina e, por fim, por sua fragmentação e fagocitose
pelos macrófagos. A perda da mielina está associada ao processo destrutivo e quase sempre à
patologia axonal. Assim como os neurônios, os oligodendrócitos são extremamente sensíveis
ao TRM e sofrem necrose e apoptose. É provável que a morte dos oligodendrócitos contribua
significativamente para o processo de degeneração walleriana.
Fase intermediária (dias a semanas)
Ao longo dos dias e das semanas seguintes, ocorrem reações gliais marcantes com
eliminação dos restos necróticos, início do processo de cicatrização da astróglia, regressão do
edema, revascularização dos tecidos e recuperação da BHE.
Fase tardia (semanas a meses/anos)
As fases mais tardias do TRM caracterizam-se por degeneração walleriana, fibrose
astroglial e mesenquimal, formaçãode cistos e siringes e schwannose.
A degeneração walleriana consiste na desintegração anterógrada dos axônios e suas
bainhas de mielina, que foram transeccionadas depois do traumatismo. Esse processo
caracteriza-se por distorção e fragmentação das bainhas de mielina com axônios malformados
ou inexistentes. Por fim, uma “cicatriz” astroglial – composta de processos astrocitários
firmemente entrelaçados e matriz extracelular – substitui o axônio mielinizado destruído. A
degeneração walleriana é um processo longo, que pode demorar mais de 1 ano até ser
concluído. A medula espinal também pode ser substituída por tecido conjuntivo fibroso e
colágeno. Isso ocorre principalmente depois das lesões causadas por lacerações e é
estimulado pela violação da camada glial limitante (glia limitans). Essa cicatrização anormal
combinada com retração fibrótica astroglial parece formar barreiras físicas e bioquímicas à
migração axonal e à recomposição da medula espinal.
Outra alteração tardia é a formação de cistos e siringes, que podem ser simples,
múltiplos ou multiloculados. Os cistos e as siringes são circundados por uma camada
astrogliótica e representam a fase de “cicatrização” final do processo necrótico. Essascavidades
são preenchidas por líquido extracelular e geralmente contêm macrófagos residuais, faixas
curtas de tecido conjuntivo e vasos sanguíneos. Nos casos típicos, essas cavidades não
acarretam problemas clínicos, com exceção de que não oferecem um substrato apropriado à
regeneração.

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Schwannose é uma proliferação intramedular e extramedular anômala das células de
Schwann com seus axônios correspondentes. Esse processo é semelhante ou mesmo idêntico
aos neuromas pós-traumáticos, que se formam nos nervos periféricos danificados.
Quantidades variadas de tecido medular podem ser substituídas pela schwannose. As células
de Schwann são introduzidas na medula espinal pelas lesões com perfuração. A incidência da
schwannose no TRM humano é muito alta e está diretamente relacionada com o intervalo
decorrido desde o acidente, sugerindo um mecanismo persistente. O significado clínico dessa
alteração patológica é desconhecido. A schwannose abundante pode ser um impedimento
físico à regeneração da medula espinal. Os axônios anormais que fazem parte do processo
podem ter consequências fisiológicas desfavoráveis e contribuir para a dor, a espasticidade e
outras reações anormais observadas nos pacientes com TRM crônico.
Em geral, as reações morfológicas encontradas no TRM humano são estereotipadas e
seguem padrões discerníveis.
As reações gliais iniciais (astrocítica e microglial) podem afetar profundamente o
prognóstico do TRM.

5. DIAGNÓSTICO, AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA E CLASSIFICAÇÃO


5.1.AVALIAÇÃO CLÍNICA

O diagnóstico e o tratamento inicial dos pacientes com TRM geralmente estão


entremeados, porque uma porcentagem expressiva tem apresentação aguda (em geral,
politraumatismo) e requer avaliação e intervenção médica rápidas.
Os protocolos de atendimento pré-hospitalar às vítimas de traumatismo são
fundamentais para evitar lesões adicionais da medula espinal, principalmente por modificação
dos fatores que contribuem para a lesão medular secundária. Todos os pacientessob suspeita de
TRM devem ser imobilizados com um colar cervical rígido e/ou tiras cranianas
rígidas/pranchas, até que seja possível realizar uma avaliação neurocirúrgica definitiva. O
tratamento da hipoxia e da hipotensão, o monitoramento adequado dos sinais vitais e a
transferência a um centro de traumatologia especializado afetam favoravelmente os
prognósticos finais.
Na chegada ao centro de traumatologia, deve-se realizar uma avaliação rápida para
determinar o estado das vias respiratórias, da respiração e da circulação (sistema ABC). Além
disso, hoje estão incluídas nas etapas iniciais dos protocolos de atendimento às vítimas de
traumatismo uma avaliação sucinta do estado neurológico (“déficits neurológicos”) e a
remoção de todas as roupas (“exposição”), atentando-se para possíveis lesões que passaram

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41
despercebidas na avaliação primária. Os sinais clínicos de choque e hipoxia requerem atenção
imediata e tratamento apropriado.
O diagnóstico específico do TRM requer um exame neurológico mais abrangente,
conforme está descrito adiante neste capítulo, com as etapas necessárias para determinar o
grau exato de disfunção medular. Junto com o exame físico, é necessário realizar exames de
imagem completos e detalhados da medula espinal quando se suspeita do diagnóstico de
TRM. Esses exames podem aumentar a precisão do diagnóstico e determinar a extensão da
lesão da coluna vertebral, especialmente nos pacientes comatosos, confusos ou incapazes de
cooperar. Os exames de imagem não são necessários quando os pacientes estão acordados,
alertas e cooperativos, sem qualquer indício de intoxicação; não mostram evidência de lesão
neurológica; não referem dor ou hipersensibilidade à palpação da coluna vertebral; e não têm
outras lesões que impeçam a avaliação geral.

5.2.EXAMES DE IMAGEM

Estratificação dos riscos


Nos casos típicos, os pacientes traumatizados chegam com colares cervicais. Alguns
pacientes claramente têm riscos elevados, enquanto outros podem ser classificados
clinicamente no setor de emergência ou na unidade de tratamento intensivo (UTI) sem
exames de imagem. O colar cervical e as precauções espinais devem ser mantidas e os exames
de imagem da coluna cervical certamente são necessários; quando existem sintomas
inequívocos, dor cervical ou outras lesões que possam desviar a atenção, as condições clínicas
são atendidas. Os critérios do NEXUS (National Emergency X-Radiography Utilization Study, ou
Estudo Nacional de Utilização de Radiografias na Emergência) referem-se à questão de quem
não precisa de exames de imagem quando chega com traumatismo craniano ou cervical. Um
paciente que preencha todos os cinco critérios do NEXUS é classificado com probabilidade
pequena de ter lesão da coluna cervical e pode ser tratado clinicamente sem exames de imagem,
porque o risco de lesão significativa é mínimo. A regra C canadense alcança sensibilidade e
especificidade ainda ligeiramente maiores para identificar pacientes em risco baixo, mas seu
uso é um pouco mais complexo.

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Tabela 5 – Critérios para pacientes de risco elevado, que certamente necessitam de exames de imagem da coluna
cervical

Tabela 6 – Critérios do NEXUS para pacientes de risco baixo, que não requerem exames de imagem depois de
traumatismo craniano ou cervical*

Radiografias da coluna cervical


As radiografias anteroposterior (AP) e em perfil podem ser obtidas da região vertebral
apropriada, conforme definida pela avaliação clínica. A avaliação radiográfica inicial pode
incluir radiografias da coluna cervical nas incidências AP e perfil demonstrando a parte
superior do corpo da primeira vértebra torácica e a incidência odontoide com a boca aberta.
Entretanto, em razão da facilidade do exame e da sensibilidade superior, a maioria dos centros
de traumatologia recorre diretamente à TC da coluna cervical como exame de imagem inicial
preferido. Quando se dispõe de TC, as radiografias simples não fornecem informações
adicionais e não precisam ser realizadas.
As imagens em flexão e extensão na posição ereta, quando são possíveis, ajudam a
avaliar instabilidade biomecânica causada por lesões ligamentares. Nos casos suspeitos de
lesões torácicas e lombares, podem ser necessárias imagens nas incidências AP, perfil, oblíqua,
em posição ereta e radiografias dinâmicas (flexão/extensão). As indicações para realizar
radiografias da coluna toracolombar incluem quedas de alturas maiores que 2 metros,

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43
expulsão de veículos em movimento, queixas de dor lombar, lesões coexistentes e alterações
do estado mental com mecanismo de lesão desconhecido.
Tomografia computadorizada da coluna cervical
A TC de alta resolução com reconstruções nos planos sagital e coronal é o melhor exame
para avaliar anormalidades duvidosas evidenciadas nas radiografias, assim como para
detectar alterações ósseas anormais. Esse exame deve ser realizado desde o occipício até a
vértebra T1 com reconstruções tridimensionais sagital e coronal. As reconstruções
tridimensionais permitem o exame nos planos coronal, sagital e axial e possibilitam detecção
mais precisa das lesões, em comparação com as radiografias simples. A limitação principal da
TC é sua insensibilidade relativa para detectar alterações dos tecidos moles, inclusive medula
espinal e estruturas ligamentares.
Se é seguro ou não remover o colar cervical de um paciente obnubilado ou comatoso
com TC cervical normal é uma controvérsia clínica que persiste há anos. No passado,
acreditava-se que fosse necessário realizar uma RM cervical nas primeiras 72 h, de forma a
excluir a existência de possíveis lesões ligamentares, que se evidenciam como edema ou
espessamento dos ligamentos interespinais. Dados mais recentes sugeriram que, nos pacientes
obnubilados ou intubados, a realização da TC moderna seja suficiente para excluir lesões
instáveis da coluna cervical. A inexistência clara de qualquer sinal de fratura ou
desalinhamento das estruturas ósseas indica que a chance de que o paciente tenha uma lesão
cervical instável clinicamente significativa seja menorque 0,1%.
A RM é a melhor modalidade de exame de imagem da medula espinal propriamente
dita. As indicações específicas desse exame incluem as seguintes: déficit neurológico com
radiografias normais; falta de correlação entre um déficit neurológico e os resultados das
radiografias; deterioração depois da redução fechada; e tentativas infrutíferas de redução
fechada. A RM multiplanar de alta resolução com imagens em T1 ou T2 é a técnica mais
sensível e específica para avaliar lesões dos tecidos moles paraespinais, hérnia de disco,
hemorragia e edema da medula espinal e hemorragia intradural ou extradural. Quando se
considera a realização da RM, a prioridade deve ser a capacidade de monitorar adequadamente
o paciente traumatizado em estado crítico. Quando a RM não está disponível ou não pode ser
realizada, a mielografia por TC é a melhor alternativa disponível hoje em dia.

5.3.AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA E CLASSIFICAÇÃO

O método padronizado de classificação do TRM mais amplamente aceito é o


International Standards for Neurological and Functional Classification of Spinal Cord Injury
(Padrões Internacionais para a Classificação Neurológica e Funcional do Traumatismo
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Raquimedular, em tradução livre), publicado conjuntamente pela American Spinal Injury
Association (ASIA) e International Medical Society of Paraplegia (IMSOP). Esse método é
conhecido mais comumente como Escala de Limitação Física ASIA e é um guia excelente para o
exame clínico e a avaliação neurológica, além de permitir comparações uniformes entre
clínicose pesquisadores.
A Escala de Limitação Física ASIA é pontuada de A a E e está detalhada abaixo,
descrevendo as etapas necessárias à classificação da gravidade da lesão. Existem alguns
termos que precisam ser definidos claramente de forma a classificar as limitações físicas com
base no sistema ASIA. O nível motor é o grupo muscular principal mais distal graduado em
3/5 ou mais, enquanto a força dos segmentos proximais a este nível é graduada como normal
(5/5). O nível sensitivo é o dermátomo mais distal com preservação bilateral da sensibilidade
ao toque suave e à picada de agulha. O nível neurológico da lesão é o segmento mais distal no
qual as funções motora e sensitiva estão preservadas. Uma lesão completa significa que não
há funções motoras e sensitivas nos segmentos sacrais mais distais. Uma lesão parcial
preserva as funções motoras ou sensitivas abaixo do nível neurológico da lesão, que inclui os
segmentos sacrais inferiores. Uma zona de preservação parcial significa que todos os
segmentos situados abaixo do nível neurológico da lesão têm funções motoras ou sensitivas
preservadas; esta expressão é utilizadaapenas quando há lesões completas.

Tabela 7 – Escala e limitação física da American Spinal Injury Associations (ASIA)

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Tabela 8 – Etapas do exame físico para classificar o traumatismo raquimedular

Um subgrupo dos pacientes com TRM é classificado com base em suas manifestações
clínicas em seis síndromes clínicas: Brown-Séquard, espinal central, espinal anterior, espinal
posterior, cone medular e cauda equina.
Síndrome de Brown-Séquard
Anatomicamente, essa síndrome caracteriza-se por uma lesão de metade do diâmetro
da medula espinal com déficits motor e proprioceptivo ipsilaterais e perda da sensibilidade a
dor e temperatura contralateral abaixo do nível da lesão. O padrão dos déficits neurológicos
observados com as lesões de Brown-Séquard é atribuído à anatomia do segmento espinal
afetado. As fibras que transmitem dor e temperatura cruzam para o lado oposto da medula
espinal no nível de entrada da raiz neural, enquanto as fibras motoras e proprioceptivas
cruzam no nível do tronco encefálico. A síndrome de Brown-Séquard representa 1 a 5% de
todas as lesões medulares traumáticas. A apresentação clínica mais comum é a síndrome de
Brown-Séquard plus, que consiste em hemiplegia ipsilateral relativa com hemianalgesia
contralateral relativa. Embora a síndrome de Brown-Séquard tenha sido associada
tradicionalmente às lesões causadas por armas cortantes ou projéteis de arma de fogo, várias
etiologias podem ser responsáveis. Entre todas as síndromes clínicas de TRM, os pacientes
com síndrome de Brown-Séquard têm o melhor prognóstico quanto à deambulação, porque
75 a 90% voltam a andar independentemente durante o período de acompanhamento crônico.
Síndrome espinal central
Essa lesão caracteriza-se por um déficit motor desproporcionalmente maior nos
membros superiores que nos inferiores, disfunção vesical e graus variáveis de perda sensitiva
abaixo do nível da lesão. O quadro clínico observado mais comumente ocorre nos pacientes
idosos com espondilose cervical preexistente, que sofreram lesões por hiperextensão da
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coluna cervical. A compressão espinal ocorre entre os complexos formados pelos osteófitos-
discos intervertebrais situados anteriormente e os ligamentos amarelos circundantes
posteriormente. Estudos demonstraram que quedas eram a causa mais comum, seguidas de
acidentes automobilísticos. Evidências recentes fornecidas por estudos
clinicopatológicos utilizando RM demonstraram que esse padrão clínico provavelmente
resulta da lesão do trato corticoespinal da medula cervical, que afeta mais a musculatura distal
que aproximal dos membros e não a representação somatotópica específica dentro deste trato
espinal. Ela é considerada a mais comum das síndromes de TRM e representa cerca de 9% de
todas as lesões espinais traumáticas. Em geral, a síndrome espinal central tem prognóstico
favorável quanto à recuperação funcional, especialmente nos pacientes mais jovens com
função manual preservada, evidência de recuperação motora precoce e inexistência de
déficits nos membros inferiores.
Síndrome espinal anterior
Essa síndrome é causada por uma lesão que afeta os dois terços anteriores da medula
espinal, com preservação dos cornos posteriores. A síndrome caracteriza-se por paralisia
completa e perda da sensibilidade à dor e à temperatura abaixo do nível da lesão, assim como
preservação da sensibilidade ao toque suave e da propriocepção. Essa síndrome ocorre em
3% de todos os casos de TRM. Ela pode resultar das lesões por flexão ou lesões diretas
causadas pelos fragmentos ósseos ou pela compressão discal, ou pode ser secundária à
obstrução da artéria espinal anterior. O prognóstico quanto à recuperação funcional dessa
síndromenão é bom.
Síndrome espinal posterior
Essa é a síndrome clínica menos comum e sua incidência é menor que 1%. A lesão afeta
os cornos posteriores e causa déficit da sensibilidade tátil e proprioceptiva abaixo do nível da
lesão, com preservação da sensibilidade à dor e à temperatura e da força motora. A síndrome
pode ser causada por hiperextensão, obstrução da artéria espinal posterior ou causas não
traumáticas (p.ex., tumores ou deficiência de vitamina B12).
Síndromes do cone medular e da cauda equina
A síndrome do cone medular consiste em uma lesão da medula espinal distal (cone) e
está associada às raízes neurais sacrais localizadas no canal medular. Nos casos típicos, o cone
medular está localizado no nível entre a primeira e a segunda vértebras lombares. Essa
síndrome caracteriza-se por uma combinação de sinais referidos aos neurônios motores
superior e inferior.As manifestações clínicas são anestesia com distribuição em sela, arreflexia
vesical e intestinal e graus variáveis de fraqueza e déficit sensitivo nos membros inferiores.

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47
A síndrome da cauda equina é causada por uma lesão das raízes neurais lombossacras
situadas dentro do canal espinal abaixo do cone medular e caracteriza-se por anestesia com
distribuição em sela, disfunções vesical e intestinal e acometimento variável dos membros
inferiores. A diferença da síndrome do cone medular é a inexistência de sinais referidos aos
neurônios motores superiores e, em geral, a síndrome da cauda equina caracteriza-se por
fraqueza e alterações reflexas assimétricas dos membros inferiores. Aparentemente, essa
síndrome tem o prognóstico mais favorável quanto à recuperação neurológica que o TRM,
porque as raízes neurais podem regenerar-se. Entre os fatores preditivos importantes de um
prognóstico favorável da síndrome da cauda equina estão diagnóstico e descompressão
cirúrgica precoces.

6. TRATAMENTO CLÍNICO NA FASE AGUDA


O tratamento imediato dos pacientes com TRM consiste basicamente em estabilização
clínica para evitar lesões secundárias e assegurar o diagnóstico clinicorradiológico preciso
das lesões da medula espinal e da coluna vertebral. Os componentes específicos do
tratamento inicial foram detalhados até certo ponto na seção anterior sobre diagnóstico do
TRM, na medida em que a avaliação imediata e o tratamento da fase aguda destas lesões
traumáticas ocorrem simultaneamente.

6.1.MEDIDAS GERAIS PARA ESTABILIZAÇÃO PÓS-TRAUMÁTICA

Em geral, os pacientes devem ser tratados em um centro de traumatologia (de


preferência, de nível 1) com experiência em TRM. Quando não se dispõe imediatamente de um
centro de traumatologia experiente, recomenda-se que o paciente seja transferido a este
serviço tão logo seja possível. Preferencialmente, os serviços médicos de emergência das
áreas urbanas devem levar os pacientes aos centros de nível 1, possivelmente sem passar
pelos hospitais mais próximos. Os centros de nível 1 devem ter neurocirurgiões de plantão
para avaliação imediata. O paciente deve ser imobilizado com um colar cervical e
prancha/correias cranianas tão logo seja possível. A prancha pode ser retirada depois da
finalização e da interpretação dos exames radiográficos. O colar cervical deve ser mantido até
que a coluna cervical tenha sido examinada clínica e/ou radiograficamente e considerada
normal. A avaliação neurocirúrgica deve ser realizada no menor tempo possível; a
descompressão dos elementos neurais e a estabilização vertebral nas primeiras 24 h pode
facilitar a recuperação neurológica dos pacientes com déficits e compressão espinal, mas não
existem dados clínicos suficientes para recomendar esta abordagem como tratamento

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48
padronizado. É importante notar que o risco de deterioração neurológica não aumenta com a
intervenção cirúrgica imediata.

6.2.CORTICOSTEROIDES

Durante muito tempo, a metilprednisolona em doses altas foi considerada um fármaco


potencialmente neuroprotetor nos casos de TRM, com potencial de reduzir a lesão tecidual
por inibição da peroxidase lipídica e da formação de radicais livres. No estudo NASCIS II
(National Acute Spinal Cord Injury Study II) realizado em 1990, o tratamento com
metilprednisolona foi avaliado em 487 vítimas de TRM. Os pacientes receberam uma dose de
saturação de 30 mg/kg de metilprednisolona em 15 min e, em seguida, infusão de 5,4 mg/kg
ao longo das próximas 23 h. Os autores relataram aumento médio de cinco pontos no escore
motor (escore total possível = 50) e de quatro pontos no escore sensorial (escore total
possível = 58) entre os pacientes tratados com metilprednisolona, em comparação com os
controles avaliados em 6 meses, mas apenas se tivessem recebido o fármaco dentro das
primeiras 8 h. Embora inicialmente o estudo NASCIS II tenha sido considerado positivo, sua
reanálise demonstrou que a força das evidências fora enfraquecida pela omissão de dados por
ocasião da publicação, pela atribuição arbitrária da janela terapêutica de 8 h, pela
inconsistência do efeito benéfico relatado e pela inexistência de medidas de prognóstico
funcional. Por essa razão, os resultados benéficos do NASCIS II foram rebaixados para a Classe
III de evidência clínica. Como o uso de corticosteroides tende a causar complicações mais
graves, as diretrizes, atuais não recomendam a administração de metilprednisolona (MP) para
tratar TRM agudo.

6.3.DISFUNÇÃO AUTONÔMICA E ESTABILIZAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL

Disfunção motora e hipotensão podem ocorrer na fase aguda do TRM, especialmente


nos pacientes com lesões cervicais. A disfunção autonômica pode ter várias causas, inclusive as
seguintes: choque espinal, choque neurogênico, hipovolemia, bradicardia, sepse e choque
cardiogênico. A hipotensão é um fator contribuinte comum para a lesão neurológica
secundária e deveser evitada; sua estabilização pode requerer reposição cuidadosa de volume,
vasopressores e procedimentos diagnósticos como um acesso arterial, um cateter venoso
central e monitoramento não invasivo contínuo do débito cardíaco. As diretrizes atuais para
TRM recomendam a manutenção da pressão arterial média no mínimo entre 85 e 90 mmHg nos
primeiros 7 dias depois do acidente. Hápoucos dados clínicos a favor dessa recomendação, mas
a hipotensão certamente deve ser evitada. Em alguns casos, pode ser necessário administrar
sulfato de atropina intravenosa (IV) para controlar a atividade parassimpática desimpedida. A

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paralisia vasomotora também pode causar descontrole térmico e causar pecilotermia, que
geralmente pode ser tratada com a utilização de mantas de aquecimento apropriadas. O TRM
cervical agudo também está associado a algum risco de arritmia cardíaca secundária à
hipertonia vagal, além de complicações como hipoxia, hipotensão e distúrbios
hidreletrolíticos.

6.4.TRATAMENTO INTENSIVO

Depois da estabilização clínica completa, da avaliação neurológica e da estabilização da


coluna vertebral e/ou aplicação de colete nas primeiras 24 a 48 h, a atenção é voltada para a
profilaxia das complicações médicas comuns nos pacientes com TRM agudo. A profilaxia para
trombose venosa profunda deve começar no máximo em 72 h depois do TRM. O esquema
terapêutico preferido são injeções subcutâneas de heparina de baixo peso molecular
(enoxaparina, 40 mg SC por dia), enquanto a segunda opção são injeções subcutâneas de
heparina não fracionada (5.000 U SC, 2 ou 3 vezes/dia). Nos pacientes com contraindicações à
anticoagulação, deve-se colocar um filtro na veia cava inferior para evitar embolia pulmonar.
Dispositivos de compressão sequencial dos membros inferiores também devem ser usados,
quando isto for possível. As úlceras de estresse podem ser evitadas com inibidores da bomba
de prótons ou bloqueadores H2, com tratamento por no mínimo 4 semanas depois do TRM. O
suporte nutricional por meio de tubos enterais ou nutrição parenteral (se for apropriada) deve
começar nas primeiras 72 h depois do acidente. As úlceras de pressão do occipício, sacro e
tornozelos devem ser evitadas por mudança de decúbito manual ou automática a cada duas
horas, sem deslizamento lateral para evitar atrito. As manobras de reabilitação devem
começar logo que seja possível e incluem exercícios de mobilização (range-of-motion ou ROM
em inglês) ativos e passivos, programas de condicionamento intestinal e vesical (p. ex.,
cateterizações intermitentes crônicas), programas respiratórios (respiração artificial, tosse
provocada manualmente) e avaliações para disfagia.

6.5.TRATAMENTO CIRÚRGICO

Depois da estabilização das intercorrências clínicas agudas e das avaliações


neurológica e radiográfica detalhadas da vítima de TRM, a atenção é voltada para a correção da
instabilidade da coluna vertebral e da compressão dos elementos neurais (se existir). Esses
procedimentos são realizados pela equipe de neurocirurgia ou ortopedia. Hoje em dia, não
existem padrões e diretrizes baseadas em evidências quanto à utilidade e ao método de
descompressão para TRM aguda. Em um estudo randomizado prospectivo recente, a
descompressão das lesões da medula espinal cervical nas primeiras 24 h depois do acidente

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foi considerada segura e estava associada à melhora do prognóstico neurológico depois de 6
meses de acompanhamento, em comparação com a intervenção cirúrgica mais tardia. O
tratamento das lesões da medula espinal e das vértebras cervicais, torácicas e lombares
depende basicamente do tipo de lesão, mas também da experiência pessoal dos cirurgiões e
das normas práticas do seu centro. As opções incluem redução fechada por tração e
procedimentos cirúrgicos abertos. Os objetivos gerais são descomprimir a medula espinal e as
raízes neurais, recuperar o alinhamento das vértebras e evitar deformidade progressiva.
As fraturas ou luxações da coluna cervical podem ser tratadas com redução fechada
por uso de tração. As fraturas torácicas e lombares não podem ser corrigidas por esse tipo de
tratamento. A tração usa tenazes cranianas ou capacete em forma de halo conectado a um
sistema para aplicar força rostral, geralmente com cordas, roldanas e pesos. Inicialmente,
aplica-se um peso de 2,5 a 7,5 kg e obtém-se uma radiografia em perfil. O peso pode ser
aumentado a cotas de 2,5 kg e o exame neurológico e as radiografias em perfil devem ser
realizados depois de cada ajuste. O peso máximo aplicado depende do nível da lesão. Como
regra geral, aplicam-se 1,5 a 2,5 kg por nível vertebral. Depois de aplicar 17,5 kg,
recomendamos que os pacientes sejam observados porno mínimo uma hora com repetição das
radiografias da coluna cervical antes que o peso possa ser aumentado ainda mais sem riscos.
Relaxantes musculares e analgésicos podem facilitar a redução.
A operação da coluna cervical está indicada para lesões que não podem ser tratadas
por redução fechada, ou que não melhoram com este tratamento. Isso inclui fraturas cervicais
instáveis e compressão medular com déficit neurológico parcial. Os pacientes sem déficits
neurológicos geralmente são tratados conservadoramente com coletes, a menos que haja
evidência de instabilidade. Algumas lesões perfurantes podem exigir exploração cirúrgica
para assegurar que não existam corpos estranhos encravados nos tecidos e também para
limpar a ferida e evitar infecção.
As lesões toracolombares não são suscetíveis à tração externa e, por esta razão, a
correção cirúrgica geralmente é realizada por redução aberta seguida de estabilização.
Existem várias abordagens anteriores e posteriores, que utilizam implantes metálicos como
gaiolas intervertebrais, parafusos para pedículos, fios ou ganchos laminares e bastonetes
conectores.
De acordo com estudos clínicos, o tratamento cirúrgico tem pouco efeito no prognóstico
neurológico da lesão primária. Quando houver evidência de compressão espinal, ou o déficit
neurológico inicial progredir, a descompressão imediata (i. e., uma a duas horas depois do
acidente) poderá sustar ou reverter o processo. Não existem regras para determinar a escolha

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51
adequada entreintervenção imediata ou tardia. Bom senso clínico e a consideração dos fatores
próprios de cada paciente ainda determinam a ocasião da intervenção cirúrgica em cada caso.

7. TRATAMENTO CLÍNICO CRÔNICO


O tratamento clínico crônico tem como objetivos evitar e tratar as complicações
médicas comuns e geralmente graves do TRM. O TRM causa inúmeras alterações da fisiologia
sistêmica, que podem acarretar diversas complicações, cujos efeitos são tão graves quanto o
impacto dos déficits neurológicos na função e qualidade de vida. De acordo com o banco de
dados do MSCI, 55% dos pacientes foram reinternados no primeiro ano depois do TRM e este
índice manteve-se estável em torno de 37% ao ano durante os próximos 30 anos. Entre os
fatores que contribuem para o risco de reinternação estão idade avançada e gravidade do
TRM. Distúrbios geniturinários, complicações respiratórias e úlceras de pressão eram as
razões mais comuns de internação hospitalar. Como foi mencionado antes, a expectativa de
vida é menor entre as vítimas de TRM. As taxas de mortalidade são maiores no primeiro ano.
Níveis de lesão mais altos, lesões mais graves e idade avançada correlacionam-se com taxas de
mortalidade mais altas. As causas mais comuns dos óbitos são doenças respiratórias e
complicações cardiovasculares.

7.1.DISREFLEXIA AUTONÔMICA

As lesões situadas acima do nível de T6 podem ser complicadas por disreflexia


autonômica, que é atribuída à supressãodas respostas autonômicas coordenadas aos estímulos
fisiológicos. As reações simpáticas exageradas ou desinibidas aos estímulos nocivos podem
causar hipertensão extrema mediada por vasoconstrição. O sistema parassimpático reage com
vasodilatação e bradicardia acima dos níveis da lesão, mas não é suficiente para normalizar a
pressão arterial (PA). Os TRM abaixo de T6 não causam efeitos notáveis, porque a inervação
esplâncnica preservada permite a dilatação compensatória dos vasos sanguíneos
esplâncnicos.
Os estímulos típicos que provocam disreflexia autonômica são distensão vesical,
impacção fecal, úlceras de pressão, fraturas ósseas ou distúrbios viscerais ocultos. As
manifestações clínicas comuns são hipertensão, bradicardia, cefaleia e sudorese. A gravidade
das crises pode variarde hipertensão assintomática até crise hipertensiva com possível parada
cardíaca secundária a bradicardia e hemorragia intracraniana. A gravidade das crises está
relacionada com a gravidade do TRM. O tratamento da disreflexia autonômica aguda consiste
em monitorar a PA, remover roupas apertadas e investigar as fontes de estímulos nocivos,
inclusive distensão vesical e impacção fecal. A redução da PA alta pode ser conseguida

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52
colocando-se o paciente sentado em posição ereta e pelo uso de anti-hipertensivos de ação
rápida e meias-vidas curtas. Nitratos orais ou sublinguais e betabloqueadores intravenosos,
bloqueadores de canais de cálcio ou inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA)
são utilizados comumente. A detecção e a prevenção dos estímulos desencadeantes são
importantes para evitar crises.
A hipotensão ortostática também pode ocorrer nos pacientes com TRM. O tratamento
consiste em instituir medidas transitórias como mudanças gradativas de posição, meias
compressivas e cintas abdominais, até que o corpo adapte-se à perda do tônus periférico.
Quando necessário, o tratamento clínico pode incluir comprimidos de sal para aumentar o
volume sanguíneo, agonistas alfa-adrenérgicos (p. ex., midodrina) ou suplementos de
mineralocorticoides (p. ex., fludrocortisona).

7.2.DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA

Nas vítimas de TRM que sobrevivem por períodos longos, doença arterial coronariana
(DAC) é uma complicação importante. Os pacientes que tiveram TRM estão mais sujeitos a
desenvolver fatores de risco para DAC que a população em geral, em razão da perda de massa
muscular, inatividade e aumento da gordura corporal. A DAC é 3 a 10 vezes mais provável nos
pacientes com TRM crônico e esta população tem taxas de mortalidade mais alta por
complicações relacionadas com DAC. Em parte, isso pode ser explicado pelas manifestações
clínicas incomuns dos pacientes com lesões situadas acima do nível de T5 e à probabilidade
mais alta de ocorrer disreflexia autonômica transitória.

7.3.DOENÇA PULMONAR

Os TRM cervicais e torácicos altos afetam a respiração. A gravidade da insuficiência


respiratória e a necessidade de usar suporte ventilatório estão diretamente relacionadas com
o nível e a gravidade do TRM. Os pacientes têm atenuação da força da tosse e dificuldade de
mobilizar secreções respiratórias e estão mais sujeitos a desenvolver pneumonias,
especialmente no primeiro ano depois do acidente. As medidas profiláticas para pneumonia
são fisioterapia respiratória e vacinação antipneumocócica. Trombose venosa profunda e
embolia pulmonar são complicações imediatas comuns do TRM. O uso profilático de heparina
de baixo peso molecular é o tratamento preferido para a maioria desses pacientes e deve ser
mantido por no mínimo 3 meses depois do acidente; daí em diante, o risco parece ser
praticamente igual ao da população em geral.

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53
7.4.COMPLICAÇÕES GENITURINÁRIAS

O TRM causa disfunção vesical, que é conhecida comumente como bexiga neurogénica.
Outras complicações podem resultar dessa disfunção, inclusive infecções, refluxo
vesicoureteral, insuficiência renal e cálculos renais. A avaliação neurológica com
acompanhamento periódico é recomendada para os pacientes que tiveram TRM. As
complicações geniturinárias podem ser assintomáticas e, se não forem tratadas, podem ter
consequências graves. A frequência e os exames específicos realizados (creatinina sérica,
cistoscopia, estudos urodinâmicos, ultrassonografia renal) não estão bem definidos, mas
dependem em parte do tipo de problema neurológico do paciente e dos outros fatores de
risco.
Depois do TRM, a percepção de que a bexiga está cheia e também o controle motor das
funções esfinctérica e vesicalpodem ser reduzidos. Dependendo do período decorrido, do nível
e da gravidade da lesão, podem ocorrer vários tipos de disfunção vesical. Isso inclui
hiperatividade vesical com esvaziamento reflexo da bexiga; hiperatividade esfinctérica com
dificuldade de esvaziar a bexiga; dissinergia detrusor-esfíncter acarretando contrações
vesicais descoordenadas; flacidez vesical com retenção urinária; e incontinência de
transbordamento.
Os programas de cateterização intermitente limpa (CIL) atendem aos propósitos de
preservar a função renal e, ao mesmo tempo, eliminar urina em situações regulares e
socialmente aceitáveis. Isso evita as pressões vesicais altas, retenção, incontinência e infecção.
O programa deve ser iniciado tão logo seja possível depois do TRM. A cateterização é realizada
a intervalos aproximados de quatro horas e pode ser ajustada conforme a necessidade. Em
geral, os pacientes têm restrição da ingestãode líquidos (2 ℓ/dia) para evitar hiperdistensão da
bexiga. Depois de excluir a possibilidade de infecção e ajustar a frequência da CIL e a ingestão
hídrica, o paciente é tratado com fármacos que atuam nos receptores simpáticos e
parassimpáticos, dependendo do distúrbio vesical específico.
As infecções do trato urinário (ITU) são comuns depois do TRM e constituem a fonte
mais comum de septicemia desses pacientes. Em geral, as ITU assintomáticas não são tratadas
e os antibióticos profiláticos não são administrados. A disfunção sexual é muito prevalente nas
vítimas de TRM; a disfunção masculina acomete mais de 75% dos pacientes e está relacionada
com a gravidade da lesão. Existem várias opções de tratamento para os homens com TRM,
inclusive fármacos para tratar disfunção erétil e próteses implantadas cirurgicamente. A
reatividade sexual das mulheres também pode ser prejudicada depois do TRM, mas a ovulação
e a fertilidade geralmente não são alteradas. Nas mulheres com TRM, a gravidez é considerada

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de alto risco em razão do índice elevado de complicações secundárias às infecções e à
disreflexia autonômica.

7.5.DISFUNÇÃO GASTRINTESTINAL

A disfunção intestinal é muito comum depois do TRM e pode afetar significativamente


a qualidade de vida. Não existem recomendações baseadas em evidência para o tratamento
clínico desse problema. Um regime intestinal estruturado com dieta regular, 2 a 3 ℓ de
líquidos por dia, 30 g de fibras e estimulantes químicos e mecânicos é utilizado comumente
para conseguirevacuações previsíveis e evitar incontinência e impacção fecais.

7.6.ANORMALIDADES DO METABOLISMO ÓSSEO

Quase certamente em razão do desuso, a osteoporose pode afetar os ossos localizados


abaixo do nível do TRM e pode predispor às fraturas. A reabsorção óssea dos primeiros meses
depois do acidente pode causar hipercalcemia sintomática. O tratamento consiste em
administrar hidratação com líquidos IV, diuréticos de alça e infusão de bifosfonatos
intravenosos.
A ossificação heterotópica – deposição de osso dentro dos tecidos moles ao redor das
articulações periféricas – também pode ocorrer depois do TRM. Isso acomete até 50% das
vítimas de TRM, mas causa sintomas como dor e inflamação das articulações afetadas em 10 a
20% dos casos. O tratamento consiste em exercícios de mobilização passiva, bifosfonatos orais,
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e, em alguns casos, tratamento cirúrgico tardio.

7.7.ESPASTICIDADE

A espasticidade é causada pela supressão das vias inibitórias descendentes, com


aumento simultâneo da excitabilidadedos reflexos espinais e do tônus muscular em repouso. A
espasticidade pode afetar negativamente a qualidade de vida porque causa dor, limitação da
mobilidade, espasmos musculares e, por fim, contraturas. A prevenção das contraturas
consiste em posicionamento adequado, exercícios de mobilização passiva, uso de talas
apropriadas e tratamento da espasticidade. Contudo, a hipertonia também pode tornar
algumas atividades mais fáceis, inclusive a postura ereta e as transferências. O tratamento
pode consistir em fisioterapia, exercícios de mobilização passiva, fármacos orais (baclofeno,
tizanidina, diazepam etc.) e intervenções cirúrgicas (bombas intratecais de baclofeno,
rizotomias etc.).

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7.8.COMPLICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS

Os transtornos psiquiátricos associados ao TRM são depressão, suicídio e drogadição.


Cerca de um terço dos pacientes com TRM fica deprimido no primeiro ano depois do acidente,
mas esta complicação não está relacionada diretamente com a gravidade da lesão. O suicídio é
quatro a cinco vezes mais comum nas vítimas de TRM e é a causa principal de morte pós-TRM
dos pacientes com menos de 55 anos. Esses pacientes devem passar por triagem periódica
para detectar sintomas depressivos, quedevem ser tratados imediatamente.

8. CONCLUSÃO
O TRM ainda é um problema médico, social e financeiro difícil. O entendimento mais
claro da fisiopatologia e das complicações clínicas resultantes aumentou a sobrevivência a
longo prazo e melhorou o estado funcional. Contudo, ainda existem problemas sem solução no
campo da reabilitação pós-TRM. É importante lembrar que prevenção é o melhor tratamento.
Os programas educacionais nacionais devem ser focados na erradicação das causas do TRM:
segurança no trânsito, segurança ocupacional e na água, evitar dirigir embriagado, respeitar
os limites de velocidade e usar obrigatoriamente cintos de segurança e outros dispositivos de
proteção.

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56
CAPÍTULO IV
CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR
O significado da palavra inglesa shock (em português, "choque") é proveniente de um
erro de tradução, ocorrido no século XVIII. Um cirurgião francês chamado Le Dran, ao escrever
um tratado sobre feridas por armas de fogo, em 1737, cunhou otermo choc como indicativo de
um "forte impacto". Ao traduzir este termo (choc para shock), o médico inglês Clarke, em
1743, mudou o seu significado ao defini-lo como "uma súbita deterioração das condições
clínicas do paciente após um grande trauma". Este termo então foi popularizado por Edwin
Morris em 1867, relacionando-o sempre a eventos pós-traumáticos
O conceito de choque foi inicialmente desenvolvido no estudo do trauma — na
verdade, tratava-se do choque hemorrágico. Passou então a constituir um importante tema da
"medicina de guerra". Antes de morrer no campo de batalha, o soldado geralmente entrava no
"estado de choque" — um prenúncio da fatalidade... À medida que foram ocorrendo as guerras
do século XX, foram-se aprimorando as teorias fisiopatológicas sobre o choque, o que levou a
diversas e sucessivas modificações da definição desse termo. O choque passou a ser
classificado em diversos tipos, como choque hipovolêmico, séptico e cardiogênico. O termo
choque cardiogênico foi introduzido em 1934 por Fishberg ao descrever um paciente com
infarto agudo do miocárdio fulminante. Segundo os conceitos atuais, choque é um estado de
hipoperfusão orgânica efetiva generalizada — uma verdadeira "isquemia" generalizada. Em
última análise, as células não recebem o aporte de oxigênio necessário para manter a sua
homeostase. A perfusão efetiva de um órgão ou tecido depende de dois fatores: (1) fluxo
sanguíneo total para este órgão; (2) distribuição adequada deste fluxo através do órgão ou
tecido, de forma que todas as suas células recebam um suprimento adequado de oxigênio.
Choque não é sinônimo de hipotensão arterial! Quando dizemos "hipotensão
arterial" nos referimos a uma PA sistólica inferior a 90 mmHg. Nem todo paciente hipotenso
encontra-se chocado. Por exemplo, é possível nos depararmos com uma pessoa que tem uma
PA = 85 x 50 sem apresentar sinais de hipoperfusão orgânica. Esta situação não é rara em
mulheres jovens. Por outro lado, nem todo paciente com choque tem PA sistólica < 90 mmHg.
Podemos encontrar um paciente com sinais francos de hipoperfusão orgânica sistêmica, mas
com PA = 100 x 60. Isto pode ocorrer nos hipertensos e idosos com aterosclerose cerebral.

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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1. TIPOS DE CHOQUE
O choque pode ser classificado em quatro categorias de acordo com o mecanismo
predominante responsável pela hipoperfusão orgânica generalizada.
1 - Choque Hipovolêmico — devido à redução do volume sanguíneo em relação ao
espaço vascular total, levando à queda das pressões e volumes de enchimento diastólico
ventricular.
2 - Choque Cardiogênico — devido à falência da bomba cardíaca, seja pela perda
contrátil, seja por um problema estrutural intracardíaco, levando ao aumento das pressões e
volumes de enchimento diastólico ventricular.
3 - Choque Obstrutivo Extracardíaco — devido a um fator estrutural extracardíaco que
dificulte a circulação de sangue, tal como o tamponamento cardíaco, o pneumotórax
hipertensivo e o tromboembolismo pulmonar maciço.
4 - Choque Distributivo — devido à perda do controle vasomotor e ao distúrbio
microcirculatório, levando à vasodilatação arteriolar e venular inapropriadas que, após a
reposição de fluidos, evolui para um estado de alto débito cardíaco e baixa resistência
vascular sistêmica. Estão incluídos nesta categoria os choques séptico, sirético, anafilático e
neurogênico (TCE, AVE etc.).
O choque é classicamente descrito em termos de fisiopatologia cardiovascular quando a
oferta de oxigênio aos tecidosé inadequada devido ao débito cardíaco reduzido (hipovolêmico,
cardiogênico ou obstrutivo) ou tônus vasomotor prejudicado (distributivo). No entanto, essas
alterações macrocirculatórias são frequentemente acompanhadas por importantes alterações
biopatológicas nas células e leitos de tecidos de órgãos vitais.
Em relação às alterações hemodinâmicas, podemos dividir o choque em dois grandes
grupos, de acordo com o DC e a RVS: (1) os choques hipodinâmicos — relacionados ao baixo
débito cardíaco e aumento da RVS (vasoconstrição); e (2) os choques hiperdinâmicos —
relacionados a um alto débito cardíaco e redução da RVS (vasodilatação). Os primeiros são
representados pelos choques hipovolêmico, cardiogênico e obstrutivo extracardíaco. Os
últimos são representados pelos choques distributivos (séptico, sirético, anafilático,
neurogênico).
Imagine o sistema circulatório como um circuito fechado contendo um fluido — o
sangue. Esse fluido é bombeado pelo coração, de modo a circular pelos órgãos e tecidos. O
fluxo total de sangue produzido pela bomba cardíaca é denominado débito cardíaco. O sangue
bombeado passa pelo sistema arterial, ganha o leito capilar e retorna ao coração através do
sistema venoso. Para que o sangue perfunda adequadamente o leito capilar dos órgãos e

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tecidos, é preciso que a Pressão Arterial Sistêmica Média (PAM) se mantenha em um nível
adequado (geralmente entre 60-120 mmHg), o que é garantido pelo produto do Débito
Cardíaco (DC) pela Resistência Vascular Sistêmica (RVS).
PAM = DC x RVS
A RVS é determinada pelo tônus muscular das arteríolas, de modo que a vasoconstrição
arteriolar aumenta a RVS, enquanto a vasodilatação arteriolar reduz a RVS. A maioria dos
órgãos e tecidos (pele, subcutâneo, musculoesquelético, vísceras) funciona como principais
reguladores da RVS, pelo tônus de suas arteríolas, de forma a garantir a pressão necessária
para manter a perfusão dos órgãos nobres (cérebro e miocárdio).
O sistema venoso é de suma importância em todo esse contexto, pois funciona como o
grande armazenador de sangue — cerca de 70% da volemia encontra-se no leito venoso,
enquanto que apenas 20% está no leito arterial e 10% no leito capilar. Quando as veias
dilatam (venodilatação ou venoplegia), chega menos sangue ao coração, isto é, diminui o
retorno venoso e, portanto, o débito cardíaco. Quando contraem (venoconstrição), o retorno
venoso se eleva.
O DC é determinado basicamente por quatro fatores: (1) pré-carga; (2) pós-carga; (3)
contratilidade miocárdica; e (4) frequência cardíaca. Os três primeiros determinam o volume
de sangue bombeado a cada batimento — o débito sistólico. A pré- carga representa o retorno
venoso que, em última análise, determina o volume de enchimento diastólico do ventrículo —
quanto maior esse volume, maior será o débito sistólico. A pós-carga representa a
"dificuldade" imposta à ejeção ventricular, determinada pela própria RVS, pela impedância da
aorta e pela geometria ventricular. O aumento da pós-carga prejudica o esvaziamento
ventricular, portanto, reduz o débito sistólico. A contratilidade miocárdica é a capacidade
contrátil intrínseca ao músculo cardíaco,independente da pré e pós-carga. O débito cardíaco é
o produto do Débito Sistólico (DS) pela Frequência Cardíaca (FC).
DC = DS x FC

2. CHOQUE DISTRIBUTIVO
No choque distributivo, a má perfusão é resultado de uma vasodilatação periférica global
que ocasiona drástica redução da PEC, comprometendo o fornecimento de oxigênio pelos
capilares e a captura de oxigênio pelos tecidos. Nesse caso, o débito cardíaco encontra-se
preservado, dado que não há qualquer problema nem com a bomba cardíaca, nem com o
volume circulante de sangue. É importante observar que o choque distributivo é a única
modalidade de choque em que ocorre vasodilatação. Em todos os outros tipos de choque vai

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ocorrer uma vasoconstrição reflexa, que ocorre como mecanismo compensatório
determinado pela ativação simpática. No choque distributivo esse mecanismo compensatório
não consegue atuar, já que a musculatura lisa arteriolar se encontra seriamente lesada, não
respondendo ao estímulo simpático. Por esse motivo, o choque distributivo é o tipo de choque
mais grave, apresentando pior prognóstico e maiores índices de mortalidade. A vasodilatação
periférica que ocasiona o choque distributivo tem quatro causas distintas, as quais dão nome
aos quatro principais subtipos de choque distributivo: o séptico, o anafilático, o neurogênico e
o decorrente de crise adrenal.
O choque neurogênico culmina na má perfusão tecidual pela perda súbita do tônus
vascular. Tônus vascular é um estado de ligeira contração mantido nos vasos sanguíneos pelo
sistema nervoso autônomo, e é crucial para a manutenção da PA e da PEC. A perda desse
tônus de forma sistêmica causa dilatação das arteríolas - diminuição da RVP -, e das vênulas -
diminuindo o retorno venoso. Esse desequilíbrio hemodinâmico causa o choque, semelhante
ao anafilático e ao séptico. O choque neurogênico ocorre devido à injúria no centro vasomotor
no sistema nervoso central. Tal injúria pode ser proveniente de anestesia geral profunda (por
excessiva depressão do centro vasomotor), uso de drogas ou fármacos que deprimem o
sistema nervoso central, anestesia espinhal (por bloqueio da descarga simpática acima da
medula espinhal) ou por lesão cerebral difusa que cause paralisia vasomotora.
Pode ser desencadeado por condições como traumatismo cranioencefálico grave ou
Trauma Raquimedular (TRM). Todo o fluxo simpático é interrompido de forma brusca e o
paciente evolui rapidamente com uma intensa vasoplegia, acometendo os leitos arterial e
venoso. A venoplegia reduz o retorno venoso e, portanto, o DC. A dilatação arteriolar é
responsável pela queda da RVS.
As lesões traumáticas ao neuro eixo são uma das maiores causas de morbimortalidade
observadas na sala de emergência dos centros de referência em trauma. A incidência anual
varia entre 15 e 52 casos por milhão de pessoas no mundo. Cerca de 80% são homens jovens
entre 15 e 35 anos de idade, sendo apenas 5%, em crianças. O acometimento funcional
neurológico é frequentemente encontrado, e os mais comuns são a tetraplegia (53%) e a
paraplegia (42%). A lesão traumática pode causar o choque medular apresentando-se
frequentemente em lesões acima de T6, com choque neurogênico devido à perda do controle
autonômico simpático. Classicamente, o choque neurogênico possui uma tríade: hipotensão
arterial, bradicardia e disrreflexia autonômica.
O choque é a expressão clínica da incapacidade vascular em adaptar-se à demanda de
oxigênio tecidual. Trata-se de uma condição frequente e grave que coloca em risco a

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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integridade dos órgãos nobres, com elevada taxa de morta-lidade se não agudamente
revertida. Esses pacientes necessitam de cuidados intensivos nas primeiras fases do
tratamento. O diagnóstico do choque é dado pelos sinais clínicos, hemodinâmicos e
bioquímicos do paciente. O valor de pressão arterial sistólica (PAS) inferior a 90 mm Hg
e/oupressão arterial média (PAM) inferior a 70 mm Hg são critérios considerados no choque
de qualquer origem. Outros sinais clínicos incluem a presença de pele fria e pegajosa ou mesmo
quente e seca, dependendo da fase do choquecirculatórioencontrado; débito urinário reduzido
(<0,5mL/kg/h) representando hipoperfusão renal; e estado men-tal alterado, podendo haver
confusão, sonolência, obnubilação, torpor e coma. As alterações laboratoriais atualmente mais
significativas para o diagnóstico e, de certa forma, prognóstica, incluem: hiperlactatemia
(indicativa de anaerobiose tissular), aumento da proteína C reativa e da pró- calcitonina.
Marcadores de lesões de órgãos nobres são considerados: creatinina, ureia, bilirrubinas e
tempos de coagulação.
A fisiopatologia do choque inclui uma variedade de mecanismos: hipovolemia (perda
fluida por sangramentos, diarreias, vômitos, febre); fatores cardiogênicos (arritmias,
isquemias miocárdicas, dilatações ventriculares anômalas, valvulopatias); fatores obstrutivos
(tamponamento cardíaco, derrame pericárdico, tromboembolismo pulmonar, pneu-motórax
hipertensivo) ou fatores distributivos (a considerar: incapacidade de controle adequado do
tônus vascular para a demanda metabólica tissular, sendo exemplos a anafilaxia, sepse e as
lesões neurológicas que comprometam a resposta adequada do sistema nervoso autônomo
simpático). A história clínica é peça fundamental para o diagnóstico do tipo de choque: os
traumas geralmente possuem o componente hipovolêmico, podendo estar associados ao
choque neuro-gênico nas lesões do neuroeixo ou mesmo cardiogênico nas lesões de
estruturas torácicas.
O manejo adequado do choque neurogênico tem sido alvo de investigação. A
estabilização da coluna vertebral, garantia de ventilação adequada, ressuscitação volêmica e o
uso de vasopressores são etapas fundamentais para um melhor prognóstico do paciente.
Ainda não se sabe o real efeito das medidas neuroprotetoras disponíveis: a descompressão
cirúrgica de emergência está bem indicada aos pacientes com piora clínica evidente, mas há
certa dúvida sobre o momento ideal da cirurgia descompressiva nos pacientes que chegam à
emergência sem piora evidente de sua condição neurológica. A contraindicação ao uso de
opioides na lesão medular também parece consenso. O uso de corticoides está contraindicado
após estudo controlado e prospectivo de grande impacto (NASCIS III). A utilização do
magnésio, riluzol, anti-inflamatórios não esteroidais, estrógeno, progesterona, minociclina,

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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eritropoetina e hipotermia induzida ainda não está bem estabelecida no choque
neurogênico.6–8

3. EPIDEMIOLOGIA
As lesões medulares –representadas por acidentes autom-bilísticos (48,8%), lesões nos
esportes de contato (12%), agressões e quedas (40%) –que se apresentam com choque
neurogênico são importantes causas de disfunção cardio-vascular. As lesões medulares não
traumáticas são represen-tadas por doenças vasculares (25%), tumores (25%), doenças
inflamatórias (20%) e estenose espinhal (19%). As alterações cardiovasculares no choque
neurogênico chegam a repre-sentar 40% das causas de óbito desses pacientes na fase
aguda(com seu pico de incidência até o quarto dia após o trauma),sendo representadas pela
fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia supraventricular paroxística, insuficiência cardí-aca,
aterosclerose, taquicardia ventricular, cardiomiopatia, bradiarritmias, bloqueio
atrioventricular e cardiomiopatia de Takotsubo. Os pacientes classificados como ASIA (Ameri-
can Spine Injury Association) A ou B (comprometimento motor completo) apresentam
bradicardia em quase 100%dos casos e hipotensão sistólica em 60%, com necessidade de
drogas vasoativas em 35% deles. Cerca de 15 a 20% desses evoluem com parada
cardiorrespiratória. Nos pacientes clas-sificados como ASIA C e D, a bradicardia ocorre em 35
a 70%dos casos, sendo raros os casos que apresentam hipotensão arterial. Lesões medulares
toracolombares desenvolvem bradicardia em cerca de 12 a 35% dos casos. A prevalência de
lesões acima de T6 que podem apresentar disautonomia varia entre 48 e 90% dos casos,
sendo a trombose venosa profunda e o tromboembolismo pulmonar são complicações
potencialmente fatais, em especial, nos primeiros 7 a 10dias após o trauma.

4. NEUROANATOMIA E FISIOPATOLOGIA
Diversas regiões supratentoriais, tais como o córtex da ínsula, córtex medial pré-
frontal, hipotálamo, e núcleos do tronco encefálico, são responsáveis pelas funções auto-
nômicas. Didaticamente representadas pelo sistema ner-voso autônomo simpático e
parassimpático, estas fibras controlam os sinais vitais, adequando-os conforme a de-manda
ambiental. As fibras parassimpáticas chegam até ocolo transverso através do nervo vago,
inervando coração, brônquios, trato digestório e glândulas por fibras pré-gan-glionares longas
e pós-ganglionares curtas. Não há fibras parassimpáticas direcionadas aos vasos sanguíneos
perifé-ricos. Já o sistema nervoso autônomo simpático parte comfibras curtas pré-
ganglionares até uma cadeia de gânglios paravertebrais que desce paralelamente à medula

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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espinal torácica e lombar (T1-L2), emitindo fibras longas pós-gan-glionares. Estas fibras, por
sua vez, inervam a grande maioria das vísceras, incluindo coração e musculatura lisa vascular.

Figura 14 – Segmentos medulares separados didaticamete em cervicais (C1-C8), torácicos (T1-T12), lombares (L1-L5) e
sacrais (S1-S2), e seus territórios de inervação sensitiva e motora. É muito importante na avaliação neurológica inicial
delimitar o nível senditivo e motor da lesão, testando seus respectivos territóros. A figura também mostra a classificação
atualmente atilizada pela ASIA para determinar a intensidade, gravidade e prognóstico da lesão neurológica. O nível sensitivo
é determinado pelo tato prototipático edor observados no segmento mais caudal, presente bilateralmente, em ambos os
hemicorpos. O nível motor é determinado pelos miótomos testados: utiliza-se a classificação do Medical Research Council
Scale for Muscle Strengh para graduar a força presente: múculos com força grau III, IV ou V são considerados normais.
Abreviações: ASIA, escala da American Spinal Injury Association; CP, cadeia de gânglios paravertebrais; RBC +, presença do
reflexo bulbocavernoso.

Figura 15 – Fisiopatologia da lesão raquimedular. No momento da lesão há morte celular caracterizando a lesão primária.
Imediatamente após a lesão primária, o processo inflamatório inicia lesões secundárias (zona de penumbra) reversíveis com
liberação de citocinas, aumento da permeabilidade capilar, edema, trombose e ativação de micróglia e de neutrófilos. Na
presença do choque neurogênico, há hipotensão sistólica inicia uma cascata de respostas ao metabolismo anaeróbico tissular:
acidose metabólica, formação de lctato, neoglicogênese, disfunção mitocondrial com liberação de citocromo C, ativação de
caspases (indução à apoptose) e despolarização celular anômala com influxo de cálcio, ativação de canais NMDA e morte
celular por excitotoxidade. O resultado dessas mortes celulares é observado pela degeneração walleriana com perda
funcional. Adaptado de Yilmaz, Kaptanoglu. World J Orthop 2015;6(1):42-55.

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5. CHOQUE MEDULAR VERSUS CHOQUE NEUROGÊNICO
Durante a fase aguda que se segue ao trauma raquimedular, ocorre uma estimulação
maciça simpática, mediada por receptores alfa-adrenérgicos. Agudamente, ocorre aumento da
pressão arterial sistêmica, bradicardia ou taquiarritmia reflexa. Essa resposta aguda simpática
ocorre devido à liberação de noradrenalina e adrenalina da camada medular da glândula
suprarrenal, em resposta ao trauma como também à desconexão dos neurônios supraespinais
simpáticos.
Após 3 a 4 minutos, o parassimpático predomina, com vasodilatação cutânea,
venodilatação, redução do retorno venoso, hipotensão arterial sistêmica, bradicardia com
bradiarritmias e bloqueios nodais atrioventriculares devido à perda do tônus simpático e
ausência de estímulo inotrópico. O paciente ainda apresenta hipotermia. O choque
neurogênico portanto, é causado por desconexão entre os centros supraespinais simpáticos e
seus órgãos-alvo (lesão medular alta), cursando com hipotensão arterial sistêmica, bradicardia
e vasodilatação periférica.
A denominação choque medular refere-se ao evento transitório que se segue após o
trauma, com suspensão dos reflexos medulares abaixo do nível da lesão. O choque medular foi
descrito pela primeira vez por Whytt, em 1750, sendo introduzido à literatura por Hall, em
1841. O choque medular é caracterizado por déficit sensorial, paralisia flácida, ausência dos
reflexos medular e se alterações da termorregulação abaixo do nível da lesão. Se a lesão
medular for topograficamente elevada (cervical e/ou torácica), pode cursar com
comprometimento respiratório, tetraplegia, anestesia e choque neurogênico com síndromede
Horner ipsilateral associada. Nas lesões torácicas mais baixas, comumente, não haverá
comprometimento respira-tório e/ou sinais de choque neurogênico. O choque medular pode
durar dias ou semanas, com média de 4 a 12 semanas para sua resolução. Clinicamente
verificamos o retorno das funções medulares com o reaparecimento do reflexo
bulbocavernoso, como também dos reflexos osteotendinosos pro-fundos; alguns autores
consideram que o retorno do controle vesical voluntário marca o fim da fase de choque
medular. Ditunno descreve o choque medular em quatro fases: (1) arreflexia ou hiporreflexia,
as primeiras 24 horas; (2) retorno de alguns reflexos, 1 a 3 dias; (3) hiperreflexia reflexa
precoce, 4 dias a 1 mês; (4) espasticidade, 1 a 12 meses.

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS DA MEDULA ESPINHAL, TRAUMA RAQUIMEDULAR, CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR
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Figura 16 – O choque neurogênico é resultado, na grande maioria das vezes, da lesão medular alta (acima de T6)
que cursa com choque medular: plegia ou paresia, hiperextensibilidade e hipo ou arreflexia ou arreflexia
osteotendinosa profunda e cutânea superficial abaixo da lesão. Tambem há relatos de traumas à medula espinal
lombar

6. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Lesões que envolvam somente os três primeiros segmentos cervicais medulares
necessitam de suporte ventilatório ime-diato por perda do drive supraespinal excitatório,
interrom-pendo a função dos neurônios motores do nervo frênico. Nas lesões abaixo de C3, os
pacientes apresentam sintomas de comprometimento do sistema nervoso autônomo,
incluindo a possibilidade de parada cardiorrespiratória alguns minutos após a lesão. Na sala de
emergência, o paciente apresenta classicamente: paralisia flácida, bradicardia e hipotensão
arterial sistólica (PAS <90 mm Hg) em posição ortostática. A incapacidade deesvaziamento
vesical também é uma característica clínica importante. Nesse momento, o emergencista deve
estar atento para a possibilidade de choque neurogênico já que, comumente, esses sintomas
são verificados em pacientes que também apresentem choque hemorrágico e/ou
hipovolêmico concomitantes, vítimas de politraumas.17 Na prática clínica, no entanto, é
fundamental a tomografia computadorizada para seu diagnóstico. Segundo os dados
publicados no Trauma Audit and Research Network Database, o choque neurogênico
correlaciona-se às lesões cervicais em 19,3% dos casos, às lesões da medula torácica em 7% e
lombares em 3%.

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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6.1.CONTROLE PRESSÓRICO E SÍNDROME DA SECREÇÃO INAPROPRIADA DE
HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO(SSIADH)

A monitoração intensiva dos sinais vitais é necessária para manutenção da pressão


arterial média em torno de 80 a90 mm Hg, seja com expansão volêmica, seja com drogas
vasoativas. Após estabilização cirúrgica da fratura, os pa-cientes devem ser submetidos a
elevações graduais do de-cúbito: preconiza-se uma elevação de 10 graus ao dia com
monitoração constante dos parâmetros hemodinâmicos. Quando o paciente tolerar uma
elevação de 40 graus de decúbito, a cadeira de rodas passa a ser uma opção para locomoção.
Algumas vezes, há persistência da hipotensão ortostática, sendo necessária a administração
de fludrocor- tisona ou agonistas alfa-adrenérgicos; a utilização de eritro-poetina e
desmopressina (dDAVP) são tratamentos adjuvantes neste contexto.1O volume urinário fica
reduzidonos primeiros dias após a lesão, muito provavelmente devido à SSIADH. Após o
terceiro dia, há uma diurese muito au-mentada, podendo alcançar 5 a 6 litros por dia,
erroneamente associada à necrose tubular aguda decorrentedo choque apresentado logo após
o trauma. Atenção deve serdada para o volume da diurese bem como para a natremia do
paciente.

6.2.ARRITMIAS CARDÍACAS

A presença de arritmia cardíaca está diretamente relacionada à gravidade da lesão


neurológica. A bradicardia sinusal é a arritmia mais comumente observada após o choque
neurogênico, podendo ocorrer nas primeiras 2 a 3 semanas após a lesão neurológica. A perda
do controle supraespinalorigina uma persistente bradicardia sinusal. No entanto, não apenas
essa arritmia tem sido descrita, mas também bra-diarritmias ventriculares, podendo levar à
parada cardio-rrespiratória e à necessidade de uso de marca-passos trans-venosos; fibrilações
atriais, taquiarritmias supraventri-culares, bloqueios atrioventriculares e flutter atrial
também são relacionados a disautonomias.

6.3.SISTEMA RESPIRATÓRIO

As lesões à caixa torácica são responsáveis pela redução da expansibilidade torácica.


No entanto, como no choque neurogênico há desaferentação simpática, qualquer estímulo às
vias aéreas, tais como aspirações (estímulo vagal), provoca bradicardia acentuada, podendo
levar à parada cardiorrespiratória. Quando houver a necessidade de manipulação dasvias
aéreas, preconiza-se o uso de anticolinérgicos para redução do risco de instabilidade
hemodinâmica.19–21 Har-vey Williams Cushing, em 1903, descreveu a conexão exis-tente
entre a lesão do sistema nervoso central e as alterações respiratórias. Em 1908, W.T. Shanahan

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descreve 11 casos de edema agudo de pulmão como complicação de crises convulsivas.
Qualquer lesão ao cérebro ou à medula espinal pode originar edema pulmonar, com maior
taxa de morta-lidade. Há uma correlação direta entre a redução da pressão de perfusão
cerebral (PPC) e a redução da relação PaO2/FiO2.Acredita-se que o aumento da pressão
intracraniana (PIC) causaria compressão e isquemia parenquimatosa, resultando na liberação
de catecolaminas: gênese da disfunção pulmonar cérebro- induzida, perpetuando uma lesão
endotelial que resultaria no aumento da permeabilidade capilar. A hiper-responsividade
venular adrenérgica também se correlaciona com a gênese do edema pulmonar neurogênico,
por possuirreceptores alfa e βadrenérgicos. As zonas consideradas “gatilho” para a gênese do
edema agudo pulmonar são o hipotálamo, tronco encefálico e a medula espinal, desta-cando-
se as áreas A1 (medula ventrolateral), A5 (medula superior), núcleo do trato solitário e área
postrema do assoalho do ventrículo IV.

6.4.REGULAÇÃO TÉRMICA

A lesão do sistema nervoso autônomo simpático cria uma situação de incapacidade de


eliminar o calor corpóreo pelosuor. Os pacientes com lesão medular associada a quadro
sinfecciosos chegam a apresentar hipertermias de 41 a 42°C, sem sudorese, e frequentemente
referem sensação de frio, exacerbada pelos banhos diários.

6.5.CUIDADOS CUTÂNEOS E SENSIBILIDADE

Devido à perda da sensibilidade causada pela interrupção de fibras aferentes bem


como pela hiperresponsividade dos receptores adrenérgicos periféricos, os pacientes não
sentem as lesões ocasionadas pelo decúbito; por isso, devem ser movimentados pelo menos a
cada 4 horas. Aos pacientes infectados ou mesmo com aumento da temperatura central,
recomenda-se uma mudançade decúbito a cada 2horas.

6.6.SISTEMA GENITURINÁRIO

Na fase inicial de choque medular, a bexiga fica atônica, flácida e muito distendida
(bexiga neurogênica flácida). Apósessa fase inicial de choque medular (que pode alcançar até 3
a4 meses), os pacientes que sofreram lesões medulares cervi-cais e/ou torácicas, apresentam
reflexo medular vesical, isto é, bexiga neurogênica espástica (uma espécie de liberação
piramidal vesical), com incapacidade de retenção de qual-quer volume urinário. Nas lesões à
medula lombar e/ousacral, a bexiga encontra-se flácidae atônica, representando uma lesão do
neurônio motor inferior. A mortalidade atual por causas renais reduziu-se de 40% para 3 a
5% nas últimas décadas, com as manobras de esvaziamento vesical intermi-tente e o
tratamento adequado das infecções urinárias.
CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR
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6.7.SISTEMA GASTROINTESTINAL

As úlceras gástricas causadas pelo estresse metabólico são frequentes. O íleo paralítico
é observado clinicamente por ausência de ruídos hidroaéreos e incapacidade de eliminação
das fezes, o que pode durar cerca de 1 a 2 semanas. Alguns cuidados devem ser tomados:
evitar qualquer administração de sólidos e/ou líquidos nesse período de íleo paralítico com
risco de vômitos e broncoaspirações. As dores anais após o retorno da contração do esfíncter
anal refletem o desequilíbrio entre o controle autônomo simpático e parassimpático após a
lesão medular.

7. ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE NA SALA DE EMERGÊNCIA


O suporte hemodinâmico precoce é o objetivo terapêutico para que não haja lesões de
órgãos nobres. As diretrizes do Advanced Trauma Life Support (ATLSTM) preconizam a
garantia de uma via aérea segura com anterior estabilização da coluna cervical; portanto,
mantendo o colar cervical durante toda a avaliação e manejo do paciente. A classificação de
choque hipovolêmico/hemorrágico, preconizada pelo ATLS, deve ser observada com cautela
na presença do choque neurogênico. A classificação atualmente proposta leva em
consideração a pontuação da escala de coma de Glasgow, frequência cardíaca, respiratória e
valores de pressão arterial sistólica, sabidamente alteradas em virtude do choque
neurogênico. Ademais, há uma classificação alterna-tiva para esses casos, considerando os
valores de base excess (BE) para as indicações de hemoderivados nos pacientes
politraumatizados com lesões cerebrais e/ou medulares gra-ves associadas. O BE reflete o
estado dehipovolemia desses pacientes no momento da sua admissão na sala de emergência.

Figura 9 – Novos parâmetros propostos por Mutchler et al (2014) para avaliação da necessidade de reposição de
hemoconcentrados em salas de emergência onde estão pacientespolitraumatizados com grave lesão neurológica
associada

7.1.SUPORTE VENTILATÓRIO

A administração de oxigênio deve ser imediatamente iniciada nos pacientes em


choque, para que haja oferta ade- quada aos tecidos bem como à microcirculação, prevenindo
também a hipertensão pulmonar. A oximetria de pulso possui inúmeras limitações e
frequentemente não revela a situação real do paciente devido à vasoconstrição periférica
presente; assim, a gasometria arterial é fundamental para avaliação dos reais parâmetros

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metabólicos daquele paciente. A persistência de hipoxemia, dispneia, rebaixamento do nível
de consciência, fadiga da musculatura acessória ventilatória, acidose e cianose persistente são
indicativos para entubação orotraqueal com ventilação pulmonar mecânica (VPM).
No entanto, a intubação orotraqueal com laringoscopia e estímulo traqueal induz à
bradicardia por reflexos vagovagais, podendo levar à parada cardiorrespiratória, em especial
em hipoxêmicos. Em situações de choque neurogênico, não há resposta simpática opondo-se
ao reflexo, sendo indicado o uso de atropina durante o procedimento. A hipotensão muitas
vezes observada durante e logo após os procedimentos invasivos de ventilação é decorrente
da hi-povolemia do paciente com redução súbita do retorno venoso e alteração da pressão
intratorácica pela VPM; o uso de sedativos e hipnóticos deve ser feito na menor dose possível,
reduzindo esse efeito hipotensor frequentemente observado. A utilização de succinilcolina
durante a entubação orotraqueal deve ser evitada nos pacientes em choque neurogênico: esse
bloqueador neuromuscular despolarizante pode induzir à parada cardiorrespiratória e
hipocalemia devido à hipersensibilidade das membranas das células musculares. O uso de
analgésicos narcóticos e anticolinérgicos deve ser restrito à menor dose possível. Sabidamente,
o uso de opioides nos primeiros 7 dias após o trauma, prejudica a reabilitação medular motora
e propicia a formação de fibras hipersensíveis responsáveis pela dor neuropática.
A ressuscitação volêmica para reestabilização da perfusão da microcirculação é o
objetivo inicial no tratamento do choque. Muitas vezes, um acesso vascular central permite
uma resposta mais efetiva. O mnemônico VIP utilizado pelos norte-americanos faz alusão às
preocupações iniciais do emergencista diante do paciente em choque: V (Ventilatory Support
– suporte ventilatório), I (Infusion – ressuscitação com fluidos), P (Pump –administração de
drogas vasoativas). A infusão de fluidos deve levar em conta: o tipo de fluido a ser
administrado (as soluções cristaloides são as primeiras opções, os coloides ficam em segundo
plano devido ao seu custo), a indicação e disponibilidade, não alterando o desfecho clínico
significativamente; a velocidade de infusão (não deve ultrapassar 300 a 500 mL em um
período de 20 a 30 minutos).
O objetivo da reposição volêmica é o aumento da PAS (≥120 mm Hg), débito urinário
superior a 0,5 mL/kg/h, pressão venosa central (PVC) entre 8 e 12 mm Hg e saturação venosa
de oxigênio (veia cava superior) de 70%. O conceito de hipotensão permissiva não pode ser
considerado na presença de lesão neurológica! O cuidado com a volemia deve ser tomado, e,
se houver sinais de sobrecarga, está indicado o início da utilização de vasopressores. Nos
pacientes em choque neurogênico que permanecem hipotensos e bradi-cárdicos (FC <60 bpm),
a administração de atropina (0,5 a 2 mg por hora) em infusão contínua deve ser considerada

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em associação às catecolaminas. Os agonistas adrenérgicos são as primeiras opções de drogas
vasoativas no choque, visto que sua elevada potência e seu rápido início de ação com meia-
vida curta facilitam seu ajuste.
A noradrenalina é o vasopressor de escolha, possuindo propriedades
predominantemente alfa-adrenérgicas (vasoconstrição e aumento da resistência vascular
periférica) associadas à modesta ativação β-adrenérgica, auxiliando na função cardíaca. Sua
administração resulta no aumento da PAS com quase nenhuma interferência na frequência
cardíaca. A dose preconizada varia de 0,1 a 2 mcg/kg/min. A dopamina em baixas doses (5 a
10 mcg/kg/min) é um agonista predominantemente β-adrenérgico, mas em altas doses (>10
mcg/kg/min) é alfa-adrenérgico. No entanto, o efeito alfa-adrenérgico da dopamina é fraco,
comparado ao da noradrenalina. As doses antigamente descritas como nefroprotetoras estão
proscri-tas, não se utilizam mais doses de dopamina inferiores a 5 mcg/kg/min com esse
intuito. Sua interferência no eixo hipotálamo-hipofisário, com aumento da prolactina e efeito
imunossupressor, contraindica sua utilização. Estudos randomizados, duplos-cegos e
controlados com placebo mos-tram que a dopamina não possui benefício, quando comparada
aos vasopressores de primeira linha como noradrenalina e adrenalina, e ainda apresenta
maior risco de arritmias cardíacas. A adrenalina em baixas doses é um potente agonista β-
adrenérgico, sendo alfa-adrenérgico em doses mais elevadas. A opção pela noradrenalina é
devida ao seu menor efeito arritmogênico, quando comparada à adre-nalina, sendo esta
última um agente de segunda linha.
Nas formas hipercinéticas do choque neurogênico os pacientes desenvolvem
deficiência de vasopressina e, doses relativamente baixas (1 a 4 UI/h), apresentam excelente
resposta no controle da pressão arterial. A meia vida da vasopressina é curta, de alguns
minutos, sendo a terlipres-sina (seu análogo) uma segunda opção a ser considerada no
choque neurogênico.
Nos pacientes que apresentam sinais de insuficiência cardíaca associada ao choque,
alguns agentes inotrópicos são boas opções para serem associadas às drogas de primeira
escolha. A dobutamina é um potente agonista β-adrenérgico com menor interferência na
frequência cardíaca quando comparada ao isoproterenol (β-agonista puro). A dose habi-tual
de dobutamina é de 1 a 20 mcg/kg/min, aumentando assim a perfusão capilar
independentemente de seus efeitos sistêmicos.
A classe de drogas que agem como sensibilizadores de cálcio, como o Levosimendan,
atua primariamente na facilitação da ligação da troponina C por disponibilizar maior
quantidade de cálcio para os miócitos. No entanto, essas drogas atuam também na

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musculatura lisa vascular como vasodilatadoras, pela abertura dos canais de potássio ATPase
sensíveis, limitando sua utilização nos estados de choque.
A bradiarritmia persistente, encontrada no choque neurogênico grave, pode ser
revertida com administração de dopa-mina em bomba de infusão contínua (droga de primeira
linha), seguida por outras opções, tais como: atropina e marca-passo transcutâneo, sendo
estes últimos apenas indicados na ausência de resposta à dopamina. Os marca-passos
transvenosos ficam reservados às bradiarritmias persistentes a longo prazo. Alguns estudos
consideram o uso de aminofilina ou qualquer outra metilxantina como boas alternativas à
bradicardia episódica.
O edema pulmonar neurocardiogênico possui duas formas de apresentação: (1) precoce,
desencadeada poucos minutos até horas após o trauma; (2) tardia, apresenta-se 12 a 24 horas
após o trauma. Em ambas, o paciente torna-se subitamente dispneico, taquipneico e
hipoxêmico em poucos minutos, com escarro róseo e espumoso associado a estertores
crepitantes. O paciente pode tornar-se febril, taquicárdico e hipertenso com leucocitose.
Exame de raios X de tórax evidencia infi-ltrados opacos bilateralmente consistentes com SARA
(síndrome da angústia respiratória aguda). O quadro resolve-se espontaneamente em 24 a 48
horas, desde que a PIC seja controlada. Na sala de emergência, é fundamental a diferen-ciação
entre edema pulmonar cardiogênico e não- cardiogê-nico: os edemas não-cardiogênicos
beneficiam-se de interferências farmacológicas no sistema nervoso autônomo simpático (por
exemplo, bloqueadores alfa-adrenérgicos tais como clorpromazina e fentolamina),
recomendando-se, nes-ses casos, a dosagem de catecolaminas séricas. A intubação orotraqueal
protetora inclui a utilização de volume corrente entre 6 e 8 mL/kg com PEEP >3 cmH2O, e a
extubação precoce deve ser feita assim que a escala de coma de Glasgow for maior que 10.
A profilaxia à trombose venosa profunda, bem como ao tromboembolismo pulmonar são
obrigatórias já no manejo clínicoinicial do paciente. As estratégias não farmacológicas incluem
a mobilização periódica do paciente no leito, utilização de meias compressivas pneumáticas e
fisiotarapia intensiva. As terapias farmacológicas incluem a utilização de anticoagulantes orais
ou parenterais. A utilização de heparina de baixo peso molecular mostra-se superior quando
comparada à heparina não fracionada, e com menor risco de sangramentos. Assim que
possível, a terapia anticoagulante parenteral deve ser substituída pela oral. Nos pacientes que
apresentam contraindicações absolutas ao uso de anticoagulantes, deve-se considerar a
utilização de filtros de veia cava.

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71
7.2.PRIORIDADES DO PACIENTE EM CHOQUE E OBJETIVOSTERAPÊUTICOS

Didaticamente, em essência, há quatro fases no tratamento do paciente em choque: (1)


fase de salvamento: o objetivo regularizar a pressão arterial do paciente em valores mínimos
necessários para garantir a perfusão tecidual adequada asso-ciada à regularização da função
miocárdica para essa perfusão mínima; a monitoração é mínima, restringindo-se muitas vezes
a cateteres centrais venosos e/ou arteriais; as medidaspara garantir uma boa ventilação,
restauração volêmica, intro-dução de drogas vasoativas e bons procedimentos cirúrgicos de
emergência são fundamentais para garantir a sobrevivên-cia; (2) fase de adequação:
medidas otimizadas para a adequada oxigenação tecidual; controle dos processos infla-
matórios, disfunções mitocondriais e da ativação das caspa-ses; as medidas de saturação
venosa de oxigênio (SvO2) elactatemia auxiliam nas condutas; (3) fase de estabilização:
preocupação com a disfunção de múltiplos órgãos após a estabilização hemodinâmica; (4) fase
de desmame: melhora clínica geral do paciente, com a possiblidade de desmame gradual e
progressivo da VPM, sedação e das drogas vasoativas.

7.3.INTERVENÇÃO NEUROCIRÚRGICA

Alguns estudos mostraram não haver diferença entre a cirurgia precoce (até 72 horas
após o trauma) e a tardia (após estabilização clínica). No entanto, outras séries mostraram-se
a favor da intervenção precoce, com menor tempo neces-sário para a recuperação das funções
medulares bem como para a permanência hospitalar. Cengiz et al observaram, em um estudo
randomizado controlado, que a cirurgia precoce melhora significativamente o escore da ASIA
no pós- opera-tório precoce e tardio ao reduzir os insultos secundários causados pela lesão. Os
pacientes submetidos à intervenção precoce apresentavam melhora dos escores da ASIA em
83,3% dos casos, enquanto os submetidos à intervenção tardia, 26,6%. Para os pacientes que
apresentam piora neurológica evidente, a descompressão neurocirúrgica imediata está
indicada.

7.4.PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS

À medida que o conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos do traumatismo


raquimedular, incluindo o choque neurogênico e o choque medular, aumenta, novas
estratégias terapêuticas são propostas com o intuito de otimizar a recuperação medular. As
evidências clínicas e experimentais demonstram que o mecanismo de recuperação medular
passa pela neuroplasticidade, com o brotamento dendrítico e axonal. Os estímulos físico e
elétrico sabidamente aumentam a produção de BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor) e
do AMPc (3′-5′-cyclic adenosine monophosphate), e atuam diretamente no estímulo à

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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neuroplasticidade do sistema nervoso central e periférico. Atualmente se especula que os
proteoglicanos de condroitinossulfato
(PCS), constituintes principais da matriz extracelular do sistema nervoso, exerceriam um
papel fundamental no processo de regeneração medular. Essas matrizes de PCS atuariam
como mortalhas para o crescimento neuronal, sendo inibidoras da restauração funcional
medular. Nesse contexto, Bradbury et al. sintetizaram uma enzima bacteriana denominada
condroitinase ABC (chABC) e as administraram por via intratecal, observando que as vias
corticoespinais não mais apresentavam retrações após as lesões e, ainda, facilitavam o
brotamento com formações de redes colaterais na região da lesão. No entanto, como efeito
colateral, observaram que havia formação de redes neuronais CGRP (Calcium Gated Related
Peptide) dependentes, relacionadas a hiperalgesia e alodinia. Outra linha experimental leva
em conta que bloqueadores da glicoproteína nogo-A facilitariam o brotamento bem como as
reconexões neuronais após a lesão. Anticorpos monoclonais anti-nogo-A ou IN-1 são
promisso-res. Por fim, as neurotrofinas aumentam a capacidade de neuroplasticidade no local
da lesão e, ainda, possuem a facilidade de serem administradas através de um adenovírus que,
por transporte retrógrado, atinge o local da lesão com o mínimo de trauma. As neurotrofinas
em estudo incluem: NT3, NGF, BDNF e Peg-BDNF.
A metilprednisolona (glicocorticoide sintético), utilizada nos últimos 30 anos para
redução do edema medular e cerebral, está proscrita. Os resultados de três grandes estudos
prospectivos, multicêntricos, randomizados, duplos-cegos e controlados por placebo –
denominados NASCIS (National Acute Spinal Cord Injury Studies) I, II e III – revelaram não
haver diferença, a longo prazo, entre os grupos que receberam metilprednisolona e o grupo
placebo, com um agravante: os grupos que receberam metilprednisolona possuíam maiores
taxas de mortalidade devido a infecções, embolias pulmonares e pneumonias graves com
septicemias. Algumas drogas já foram testadas e apresentam resultados controversos na
neuroproteção às lesões medulares, valendo citar: rilozol (bloqueador de canais de sódio
voltagem dependentes –sem efeito neuroprotetor), estrógeno e progesterona (ambos sem
qualquer efeito benéfico), magnésio (parece possuir algum efeito benéfico), minciclina,
eritropoetina e hipotermia induzida (todas com resultados controversos), anticorpo anti-
CD11d (ligante das integrinas CD11d-CD18– parece possuir efeito na redução da migração de
neutrófilos e macrófagos para a penumbra perilesional, redução da alodinia e da
disautonomia, com aumento do brotamento dendrítico e axonal).

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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8. CONCLUSÃO
O diagnóstico de choque medular muitas vezes representa um desafio ao emergencista.
Os pacientes politraumatizados graves apresentam-se hipotensos, hipovolêmicos e hipotér-
micos, em princípio, devido a hipovolemia por hemorragias. O protocolodo ATLSTM preconiza a
realização das medidas básicas no exame primário que não devem ser negligencia-das:
estabilização da coluna cervical é o primeiro passo, de maneira geral, em todos os pacientes
politraumatizados. Uma vez feita a reposição volêmica adequada, a manutenção da hipotensão
arterial com bradicardia e perfusão periférica adequada, com lesão craniana e/ou medular,
devem apontar para a possível presença do choque neurogênico. A presença de lesões
neurológicas continua sendo contraindicação absoluta à hipotensão permissiva, devendo sua
PAS ser ≥120 mm Hg. O manejo do choque neurogênico possui algumas particularidades que
devem ser consideradas: reversão das arritmias cardíacas (dopamina, atropina e marca-passo
transcutâneo) podendo levar à morte súbita; manejo das vias aéreas (VPM protetora)
evitando a descarga vaso-vagal e uso de paralisantes neuromusculares; controle
hidroeletrolítico e infeccioso intensivo; uso de opiáceos restrito à menor dose possível devido
a sua interferência na recuperação medular; uso precoce de drogas vasoativas evitando a
precipitação do edema pulmonar neurogênico; profilaxia a úlceras de pressão e trombose
venosa profunda; proteção gástrica; proteção à zona de penumbra isquêmica perilesi- onal; e
avaliação da indicação de descompressão neuroci-rúrgica. São estas particularidades que
definem o prognóstico do paciente

CHOQUE NEUROGÊNICO E CHOQUE MEDULAR


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