Telma Rocha Lisowski: Breve Estudo Sobre Carl Schmitt
Telma Rocha Lisowski: Breve Estudo Sobre Carl Schmitt
Telma Rocha Lisowski: Breve Estudo Sobre Carl Schmitt
Porto Alegre
2010
2
Banca Examinadora:
...........................................................................................................................
Prof. Dr. Luis Fernando Barzotto
...........................................................................................................................
Prof. Dr. Wladimir Barreto Lisboa
...........................................................................................................................
Prof. Me. Alejandro Montiel Alvarez
Conceito: A
RESUMO
Palavras-chave:
poder político – justificação – legitimidade – estado de exceção
4
INHALT
Die Rechtfertigung der staatlichen Macht ist ein Thema, das schon seit lang in der
juristischen und politischen Literatur lebendig ist. Probleme wie die Unterscheidung zwischen
Gültigkeit und Wirksamkeit der politischen Macht und die Verdeutlichung der Beziehungen
zwischen Legalität und Legitimität sind nur Beispile der vielen Punkten, die noch keine
Lösung bekommen haben. Ein der Autoren, die sich mit diesen Themen beschäftigen haben,
ist der 1888 geborene deutsche Jurist Carl Schmitt. Bei dieser Arbeit nimmt es sich vor,
seinen Legitimitätsbegriff zu analysieren und die Weise, wie er die Frage nach der
Rechtfertigung der Macht antwortet, zu untersuchen. Erstens wird man das Verhalten der
staatliche Einrichtungen während des normalen Zustands und Schmitts Kritik des liberalen
Denkens beobachten, indem er die Schwäche des Legalitätssystems nachweist. Zweitens wird
man bei der Untersuchung des Ausnahmezustands die Weise analysieren, wie der Autor seine
eigene Legitimationstheorie schafft und diese der Theorie des Liberalismus gegenüberstellt.
Endlich wird man versuchen, sowohl Schmitts Beitrag zur politischen Philisophie als auch die
Probleme und Grenzen seines Denkens zu zeigen.
Stichwörter:
Politische Macht – Rechtfertigung – Legitimität – Ausnahmezustand
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................6
1 LEGITIMIDADE NA NORMALIDADE..........................................................................10
1.1 LEGITIMIDADE DA ORDEM LEGAL...........................................................................11
1.1.1 Pressupostos e Problemas do Sistema de Legalidade.................................................14
1.2 LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE.............................................................18
1.3 ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL E O PODER CONSTITUINTE DERIVADO.......23
1.3.1 A Supralegalidade e os Limites do Artigo 76 da Constituição de Weimar...............26
2 LEGITIMIDADE NA EXCEÇÃO....................................................................................32
2.1 A DITADURA COMISSÁRIA E O ART. 48 DA CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR......33
2.1.1 Poder Constituinte, Soberania e Ditadura..................................................................36
2.1.2 Os Limites do Artigo 48 da Constituição de Weimar.................................................40
2.2 A DITADURA SOBERANA.............................................................................................45
2.2.1 O Problema da Capacidade de Ação Política do Povo...............................................48
CONCLUSÃO.........................................................................................................................53
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................57
6
INTRODUÇÃO
1
Dyzenhaus afirma ser justamente essa a questão central da filosofia política de Hobbes. Para ele, “a pergunta de
Hobbes é como é possível uma ordem inicial, dada a desintegração das justificações tradicionais oferecidas para
a legitimidade do poder supremo”. Ele segue dizendo que “a resposta de Hobbes à questão é que nós precisamos
de uma justificação racional para a ordem política e legal, uma que apele apenas à razão”. (DYZENHAUS,
David. Legality and Legitimacy. Carl Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in Weimar. New York: Oxford
University Press Inc, 2003, 2ª edição, pág. 8)
7
2
As informações biográficas foram extraídas de: HERRERO LOPÉZ, Montserrat. El Nomos y lo Político: La
Filosofia Política de Carl Schmitt. Navarra: Ediciones Universidad de Navarra, 1997. Pág. 21-41.
3
SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998. 6ª edição.
8
4
Idem. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição.
5
Idem. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2009. 9ª edição.
6
Idem. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição.
7
SCHMITT, Carl. Der Begriff des Politischen. Berlin: Duncker & Humblot, 2002. 7ª edição.
8
Idem. The Theory of the Partisan: a Commentary/Remark on the Concept of the Political. Tradução de A. C.
Goodson. Michigan State University Press, 2004.
9
deixar de ser, comportam-se de forma diversa em cada caso, adquirindo diferente peso e
relevância conforme se esteja tratando de um ou de outro.
É essa separação entre normalidade e exceção que dará forma a este trabalho.
Iniciaremos, então, pelo caso normal e trataremos, no primeiro capítulo, do sistema de
legalidade (1.1), da legitimidade do poder constituinte (1.2) e da possibilidade e limites da
alteração constitucional (1.3). A figura do poder constituinte somente será abordada aqui
enquanto fonte primeira de legitimidade à qual se reportam todos os poderes constituídos
durante a vigência do estado de normalidade. O momento de atuação propriamente dito desse
poder originário, por ser tema que diz respeito ao estado de exceção, será analisado
posteriormente.
No segundo capítulo, já tratando do caso excepcional, explicitaremos o que
Schmitt entendeu pelo conceito de ditadura e veremos como se dá a atuação do ditador
comissário (2.1) e do ditador soberano (2.2) nos diferentes tipos de estado de exceção. A
justificação do exercício de poder por essas duas figuras se mostrará problemática e é então
que tentaremos expor os principais limites do argumento de Schmitt.
Analisar o pensamento de um dos autores mais controversos do século XX não
será uma tarefa fácil. O seu aparente gosto por teorias autoritárias, a recorrência de temas
relacionados ao conflito e à guerra em seus escritos, a sua união ao partido nacional-socialista
alemão em 1933, esses são alguns dos motivos que, por bastante tempo, levaram ao
esquecimento das contribuições de Schmitt ao mundo acadêmico. Foi apenas na década de 90,
por ocasião da reedição de “O conceito do Político” em língua inglesa, que o debate em torno
da obra de Schmitt acendeu novamente e ganhou novo vigor 9. É nesse contexto, então, que se
deu a escolha do autor para a elaboração deste trabalho. Ao final do breve estudo, esperamos
ter ajudado a tornar mais clara a importância de seu legado para o estudo das filosofias
política e jurídica contemporâneas.
9
Cf. DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy. Carl Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in
Weimar. New York: Oxford University Press Inc, 2003. 2ª edição;
10
1 LEGITIMIDADE NA NORMALIDADE
10
É interessante o que Hobbes diz a respeito da segurança que deve ser oferecida pelo soberano: “O cargo do
soberano (seja ele um monarca ou uma assembléia) consiste no objetivo para o qual lhe foi confiado o poder,
nomeadamente a obtenção da segurança do povo (...). Mas por segurança não entendemos aqui uma simples
preservação, mas também todas as outras comodidades da vida, que todo homem por uma indústria legítima, sem
perigo ou inconveniente ao Estado, adquire para si próprio.” HOBBES, Thomas. Leviatã. Editora Nova Cultural,
coleção Os Pensadores, volume I. Pág. 200.
11
justificação mesma desse poder. Por que, afinal, devemos respeitar as ordens e as leis
impostas por um ente que não é capaz de atingir os objetivos para os quais ele foi criado?
Essas considerações pretendem mostrar como é sensível e complexa a
dinâmica entre legalidade e legitimidade e como a não-realização dos pressupostos de um dos
modelos exige que se traga elementos do outro, a título de complementação. A pergunta
acima colocada não possui uma resposta simples, isso se partirmos do pressuposto de que ela
sequer possui uma resposta. A seguir, serão analisados de forma mais pormenorizada esses
temas, a iniciar pelas características e pressupostos do sistema de legalidade.
11
A expressão é utilizada por David Dyzenhaus em dois trabalhos em que ele compara as teorias jurídico-
constitucionais de Carl Schmitt e Hermann Heller. Cf. DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy: Carl
Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in Weimar. New York: Oxford University Press Inc., 2003;
DYZENHAUS, David. “Hermann Heller and the Legitimacy of Legality”, in: Oxford Journal of Legal Studies
Vol 16, No 40, pag. 641 a 666.
12
Nas palavras de Kelsen: “Devido ao caráter dinâmico do direito, uma norma vale porque e até ser produzida
através de outra norma, isto é, através de outra determinada norma, representando esta o fundamento de validade
para aquela. A relação entre a norma determinante da produção de outra e a norma produzida de maneira
determinada pode ser representada com a imagem espacial do ordenamento superior e inferior.” KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito: introdução à problemática científica do Direito. Tradução de J. Cretella Jr., Agnes
Cretella. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2003, pag. 103.
13
SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição. Pag. 9.
12
A legalidade mostra ser [...] de longe a forma mais forte de validade; de fato,
ela se mostra como aquilo que significava originariamente para um republicano, a
saber, a única forma moderna, racional, progressiva, em uma palavra, a mais alta
forma de legitimidade. 14
14
SCHMITT, Carl. The Theory of the Partisan: a Commentary/Remark on the Concept of the Political. Tradução
de A. C. Goodson. Michigan State University Press, 2004. Pag. 59 (tradução própria).
15
HERRERO LÓPEZ, Montserrat. El Nomos y lo Político: La Filosofía Política de Carl Schmitt. Navarra:
Ediciones Universidad de Navarra, 1997. Pag. 206.
13
Estado moderno, do que qualquer outro tipo de justiça. Isso reflete a força decisionista do
Estado e a sua transformação da justiça em lei.” 16
Em sua análise a respeito do conceito de “nomos” em Schmitt, Montserrat
Herrero López afirma que para ele o Direito, antes de ser um conjunto de normas, é uma
ordem concreta, é “direito situado” em determinada comunidade ou grupo de pessoas. A
norma é apenas expressão dessa ordem concreta: “em um segundo momento, esta [a
substância jurídica] se expressará em regras gerais, mas somente como explicitação dessa
substância, de sua particularidade e de sua ordem interna. Nesse contexto a norma deixa de
ser um fantasma ideal para ser manifestação de uma ordem, um meio para a realização do
17
direito” . A decisão apenas opera a mediação entre a substância jurídica, que está em um
plano abstrato, para um plano de maior concretude, que é o da realidade positiva18.
Quer a norma seja vista como manifestação de uma decisão, quer como
expressão de uma ordem concreta, o fato é que a “força da legislação” não pode residir apenas
na peculiaridade de que ela é capaz de tornar racional e previsível a ação estatal. Schmitt vê
com ressalvas as características de neutralidade e mera instrumentalidade que o liberalismo
pretende atribuir à legislação, mesmo porque (ou principalmente porque) a pretensão última
dessa doutrina é garantir a neutralidade do próprio Estado. Ora, se o Estado é a corporificação
de uma comunidade política e esta, por sua vez, é a união de pessoas em torno de um valor ou
ideal comum que as identifica, é ininteligível, em termos schmittianos, falar-se em um Estado
neutro.
Mas, em não se querendo trazer ao Estado valores distintos daqueles
preconizados pelo liberalismo – individualismo, garantia da propriedade privada, etc. –, tem-
se como conseqüência necessária que ao próprio modo de atuação burocrática deve-se atribuir
um valor em si mesmo. Schmitt é, de certa forma, um continuador do pensamento de Weber 19
a respeito da crença na validade do poder como forma primordial de sua legitimação.
Especificamente sobre esse ponto do pensamento de Weber, expõe Andreas Kalyvas:
A dominação legal se baseia na crença da legalidade da lei, segundo a qual as
normas, uma vez formuladas de acordo com as normas procedimentais corretas, são
gerais e imparciais. Essa é a crença de que a legalidade e o rule of Law limitam a
discrição e a arbitrariedade. Mesmo nesse caso de legitimidade qua legalidade,
entretanto, a legitimidade legal-racional ainda é condicionada à crença de que
16
SCHMITT, Carl. The Theory of the Partisan: a Commentary/Remark on the Concept of the Political. Tradução
de A. C. Goodson. Michigan State University Press, 2004. pag. 60 (tradução própria).
17
HERRERO LOPEZ, Montserrat, op. cit., pag. 157 (tradução própria).
18
Idem, ibidem, pag. 172
19
Sobre a noção weberiana de carisma, cf. KALYVAS, Andreas. Democracy and the Politics of the
Extraordinary: Max Weber, Carl Schmitt and Hannah Arendt. New York: Cambridge University Press, 2008,
pág. 46-64.
14
20
Idem, ibidem, pág. 50 (tradução própria).
21
SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pag. 15 (tradução
própria).
22
Idem, ibidem, pags. 22 e 23 (tradução própria).
15
outra que a crítica feita ao próprio liberalismo. Em 1923 publica, especificamente sobre essa
23
problemática, um estudo intitulado “A Crise da Democracia Parlamentar” , e a retoma na
24 25
“Teoria da Constituição” e em “Legalidade e Legitimidade” .
Na concepção de nosso autor, o parlamento alemão nas décadas de 20 e 30 não
apenas não era um local de verdadeiro debate público e político, como também havia perdido
toda consciência dos próprios pressupostos ideológicos que o sustentavam. Ele se dizia
democrático, sem perceber que seu modo de funcionamento, em que as principais decisões
eram tomadas em comitês cada vez menores e eram baseadas em coligações e pactos
confidenciais, sequer parecia com aquele de uma real democracia. O valor da publicidade
estava esquecido e o pleno parlamentar não passava de mera fachada26.
Na verdade, Schmitt já considera a expressão “democracia parlamentar” em si
um contra-senso. Enquanto a democracia é guiada pelo princípio da identidade entre
governantes e governados, o parlamento é uma clara expressão do princípio da representação
política27. Contudo, esse fato não significaria um problema por si só, uma vez que, ele mesmo
admite, não existe na realidade qualquer sistema capaz de realizar por completo o ideal da
identidade, de modo que um mínimo de representação sempre se fará necessário. Schmitt,
então, continua seu argumento e afirma que esse sistema parlamentar, da forma como se
encontrava naquele momento histórico, não mais constituiria uma alternativa digna à
irrealizável democracia28.
Ocorre que o parlamento alemão, na vigência da Constituição de Weimar,
estava longe de ser um órgão de verdadeira representação política (Räpresentation). Esta é
uma representação de direito público que pressupõe a existência de um povo unificado,
homogêneo, dotado de certas qualidades morais e, assim, capaz de ser representado por um
órgão que também será, por sua vez, uno.
Schmitt não vê nada disso, mas apenas um povo fragmentado, composto de um
sem-número de organizações que buscam cada uma a concretização de seus interesses
particulares. Essa fragmentação se reflete no parlamento, que já não é mais um representante
político, mas sim exerce um tipo de representação típica de direito privado (Vertretung); ou
23
Idem. The Crisis of Parliamentary Democracy. Tradução de Ellen Kennedy. Massachusetts Institute of
Technology, 2000. 6ª edição.
24
Idem. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição. Pag. 218 e seg; 312 e seg.
25
Idem. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição.
26
Idem. The Crisis of Parliamentary Democracy. Tradução de Ellen Kennedy. Massachusetts Institute of
Technology, 2000. 6ª edição, pag. 49-50.
27
Idem. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pag. 205.
28
Idem, ibidem, pag. 205 e seg.
16
seja, não há falar em formação de uma vontade política de um povo, pois o que é trazido à
discussão são apenas os interesses privados dos mais distintos segmentos da sociedade.
Fica fácil perceber, então, como se perde a confiança no legislador: uma vez
que não há um povo unificado a sustentar e fortalecer as bases do sistema, há apenas a
submissão de determinadas vontades particulares àquelas que conseguiram sair vencedoras
em uma votação. A maioria não tem qualquer distinção qualitativa em relação à minoria, a
qual deixa de se ver representada no parlamento e passa a constituir simplesmente uma massa
vencida. Tudo se resolve em termos de acordos, compromissos e trocas de favores, pois essa é
a única forma de fazer com que os vencidos continuem a ter alguma vantagem em participar
do sistema.
Essa desunião da sociedade Schmitt vê refletida na própria Constituição de
Weimar. No momento de sua elaboração, havia tantas forças e interesses contrapostos –
monarquistas, republicanos, comunistas, liberais, social-democratas – que algumas decisões
importantes e mesmo essenciais foram simplesmente postergadas e substituídas por meros
acordos29. É certo que se decidiu pela república em desfavor à monarquia; mas a Constituição
de Weimar não tomou uma verdadeira decisão a respeito da adoção do liberalismo ou da
democracia social.
O resultado dessa postergação é que o documento formal da Constituição de
Weimar continha, na verdade, duas Constituições, não só diferentes como mesmo
incompatíveis entre si30. Retomaremos esse ponto abaixo, em 1.3. O que nos é interessante,
por enquanto, é perceber que a crítica feita ao parlamento alemão em “A crise da Democracia
Parlamentar”, aquela feita aos falsos acordos (Scheinkompromisse) da Constituição de
Weimar em “Teoria da Constituição” e, por fim, aquela feita ao liberalismo em “Legalidade e
Legitimidade” são uma e a mesma crítica.
Todos esses problemas, que Schmitt obviamente considerava importantes,
tinham sua origem nas circunstâncias sociais e políticas vividas à época, mas não eram, a
princípio, defeitos internos ao próprio sistema de legalidade. Há, entretanto, um problema
ainda mais grave, este sim interno, a que nosso autor dedica especial atenção.
A principal deficiência desse sistema pretensamente fechado de legalidade é
sua incapacidade de lidar com qualquer gênero de situação excepcional ou extraordinária. Na
tentativa de abarcar todos os possíveis casos em normas gerais e abstratas previamente
publicadas, a legalidade esquece a condição mais básica ao seu próprio funcionamento: a
29
Idem, ibidem, pag. 28 e seg.
30
Idem. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág. 38 e seg.
17
31
“Essa concepção [normativista] tem, na opinião de Schmitt, duas falhas fundamentais: Em primeiro lugar, não
se dá conta de que para que seja possível o governo da norma é necessário que exista uma situação normal. Por
isso, depende de uma ordem concreta, é dizer, da situação que se considera como normal. Enquanto essa
normalidade desaparece, desaparece a norma, porque perde todo sentido jurídico.” HERRERO LÓPEZ,
Montserrat. El Nomos y lo Político: La Filosofía Política de Carl Schmitt. Navarra: Ediciones Universidad de
Navarra, 1997, pag. 173 (tradução própria).
32
SCHMITT, Carl. Über die drei Arten des rechtswissenschaftlichen Denkens. Berlin: Duncker & Humblot,
1993. 2ª edição. Pag. 19 (tradução própria – grifo no original).
33
“Uma tentativa que aceite esses termos, sejam quais forem suas diferenças substanciais em relação a Weber,
está mais ou menos disposta a concluir que o poder faz o direito. Não existe nenhuma ilustração melhor da
problemática do que aquela oferecida pelas teorias do direito e da política de Carl Schmitt e Hans Kelsen.
Schmitt não está muito obrigado a abraçar a tese de que o poder faz direito; na verdade esse é o ponto de partida
18
Voltaremos a essa questão em 2.1. Antes disso, falaremos daquele que é autor
e fonte de legitimidade de qualquer ordem constitucional: o poder constituinte.
das suas reflexões sobre a política e o direito.” (tradução própria). Dyzenhaus, David. “Hermann Heller and the
Legitimacy of Legality”. In: Oxford Journal of Legal Studies, vol. 16, nº 40, 1996, pag. 645.
34
SCHMITT, Carl. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2009. 9ª edição. Pag. 26.
35
KALYVAS, Andreas. Democracy and the Politics of the Extraordinary: Max Weber, Carl Schmitt and Hannah
Arendt. New York: Cambridge University Press, 2008.
36
Idem, ibidem, pag. 109.
19
37
Idem, ibidem, pag. 103.
38
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pag. 8-9.
39
KALYVAS, Andreas. Democracy and the Politics of the Extraordinary: Max Weber, Carl Schmitt and Hannah
Arendt. New York: Cambridge University Press, 2008, pag. 105.
40
Idem, ibidem, pag. 109 (tradução própria).
41
Idem, ibidem, pag. 110.
42
“Uma norma pode valer ou porque ela é correta, e então a conseqüência sistemática conduz ao direito natural
e não à Constituição positiva, ou porque ela é ordenada positivamente, ou seja, por força de uma vontade
20
existente. Uma norma nunca se põe a si mesma (...), ao contrário, ela é reconhecida como correta (...)”.
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pag. 9 (tradução própria).
43
Idem, ibidem, pag. 87 (tradução própria).
44
Idem, ibidem, pag. 87 (tradução própria).
45
Idem, ibidem, pag. 89 (tradução própria – grifo nosso).
46
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pag. 90.
21
47
Ao tratar da transposição da teoria democrática do poder constituinte do povo para a idéia de um poder
constituinte monárquico, Schmitt afirma que tal só pode ser feito em tese e, ainda assim, com certas dificuldades.
“Pois a nação pode modificar sua forma e pode sempre dar novas formas à sua existência política; ela tem toda a
liberdade de autodeterminação política (...). A monarquia hereditária, ao contrário, é uma instituição (grifo no
original) vinculada à ordem sucessória de uma família, uma instituição em si mesma já formada”. Idem, ibidem,
pag. 81.
48
“Essa distinção [entre poder constituinte e poder constituído] só é possível se se distingue entre sujeito e
forma. O poder constituinte é sujeito e como tal origina a decisão. A forma se cria na decisão mesma. O sujeito é
o informe que forma. E nessa informidade se manifesta a existência política mesma.” HERRERO LÓPEZ,
Montserrat. El Nomos y lo Político: La Filosofía Política de Carl Schmitt. Navarra: Ediciones Universidad de
Navarra, 1997, pag. 209 (tradução própria).
22
homens no espaço graças ao trabalho, as relações naturais entre eles, a tradição e o modo de
ser natural do homem e desse povo em concreto” 49.
Segundo López, muito embora Schmitt só tenha perfectibilizado essa noção na
década de 50, a partir de “O Nomos da Terra”, ela já teria permeado seu pensamento desde os
escritos mais prematuros como “Romantismo Político”, publicado originalmente em 1919. E
é justamente nesta obra que a autora pretende ver as primeiras referências de Schmitt ao
nomos como existência concreta de uma sociedade humana e fundamento primeiro da sua
Constituição.
Para melhor caracterizar essa sociedade humana que, na verdade, não seria
apenas sociedade, posto que este não é um conceito propriamente político, nem comunidade
humana, que seria uma noção demasiadamente abstrata e carente de limites situacionais,
Schmitt propõe o conceito de nação50. Este sim seria capaz de transmitir corretamente a idéia
de uma comunidade política particular, situada e historicamente concreta.
Ao se falar em nação, remete-se automaticamente a Sieyès, aqui já
mencionado, e à convocação feita por ele para que todos os franceses se reunissem em uma
Assembléia Nacional Constituinte, onde não teriam lugar quaisquer interesses particulares e
privilégios de classe e, assim, poderia ser formulada uma verdadeira Constituição do e para o
povo francês51. O próprio Schmitt relembra que foi ele quem formulou a teoria do poder
constituinte da nação, sendo esta “uma unidade capaz de ação política e dotada de consciência
de sua singularidade política e vontade de existir politicamente” 52.
O povo, então, existe previamente à decisão e também antes dela já tem
determinado modo de ser. Se a legitimidade de uma ordem constitucional repousa na decisão
de um poder constituinte – pois, como vimos, Schmitt não admite que uma norma tenha
validade independentemente de uma vontade que lhe seja anterior53 –, esta, por sua vez, não é
livre de qualquer referencial. “Uma vez que todo ser é concreto e já se encontra disposto de
alguma maneira, qualquer Constituição pertence ao existir político e concreto correspondente”
54
. Quer dizer, a decisão fundamental é tanto mais legítima quanto mais reflete esse modo de
existir.
49
Idem, ibidem, pag. 164.
50
Idem, ibidem, pag. 201
51
SIEYÈS, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers État? Paris: Flammarion, 1988. A brochura de Sieyès foi
inicialmente publicada no anonimato e circulou pela primeira vez em janeiro de 1789, conforme prefácio de
Jean-Denis Bredin.
52
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição. Pag. 79.
53
“Todo tipo de normatividade jurídica, inclusive a constitucional, pressupõe a existência de uma vontade.”
Idem, ibidem, pag. 22 (tradução própria).
54
Idem, ibidem, pag. 23 (tradução própria).
23
É nesse sentido que López afirma que a legitimidade de uma Constituição não
está dentro, mas fora dela mesma55. O critério de aferição da legitimidade, é claro, não pode
ser interno ao sistema. Assim, em se tratando de uma ordem constitucional democrática, esse
critério externo é a existência de um povo autoconsciente que, enquanto titular do poder
constituinte (o “sujeito amorfo” que tudo pode formar), toma uma decisão a respeito da forma
e tipo de sua unidade política56, decisão essa que corresponde à sua configuração concreta e
real.
55
HERRERO LÓPEZ, Montserrat. El Nomos y lo Político: La Filosofía Política de Carl Schmitt. Navarra:
Ediciones Universidad de Navarra, 1997, pag. 206.
56
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pag. 21.
57
Cf. AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. 28ª
edição, revista e atualizada. Pag. 64-65.
58
Afonso da Silva prefere falar em “núcleo imodificável”. Idem, ibidem, pag. 65-68.
24
podemos falar em dispositivos com posições hierarquicamente diversas, embora essa imagem
não agrade ao nosso autor59.
Aqueles que tratam da própria decisão fundamental do povo ou nação a
respeito da forma de sua existência política, aqueles que carregam em si o conteúdo principal
do ato do poder constituinte, estes são os que compõem a Constituição propriamente dita. Já
os que dispõem sobre questões menos essenciais, regulamentam em detalhes alguma regra
procedimental, versam sobre matéria de importância não imediata para a sobrevivência do
Estado, estes formam o conjunto das leis constitucionais.
Quando a nossa Constituição diz que “a República Federativa do Brasil (...)
constitui-se em Estado Democrático de Direito” (art. 1º da Constituição da República
Federativa do Brasil – CRFB) e, mais tarde, determina que “o Presidente e o Vice-Presidente
da República não poderão, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do País por
período superior a quinze dias (...)” (art. 83, CRFB) 60, fica claro que ela não está tratando de
questões igualmente essenciais. Uma emenda constitucional poderia determinar que a
autorização viesse apenas do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, assim como
poderia diminuir o período de quinze para dez dias, sem que isso violasse a decisão
fundamental da Assembléia Constituinte de 1988. Nenhum poder constituído, entretanto,
poderia estabelecer que o Brasil se constitui em uma monarquia hereditária, pois isso estaria a
modificar a configuração mesma de nossa existência política.
Pois bem, a partir desse exemplo podemos demonstrar um dos principais
objetivos de Schmitt com a distinção entre Constituição e lei constitucional: esta pode ser
alterada através de um procedimento previsto na própria Constituição, enquanto aquela só
poderá sofrer modificações através de um novo ato do poder constituinte. A competência dada
pelo constituinte ao constituído para que este proceda a alterações no documento
constitucional não o autoriza, é dizer, não o legitima a subverter a ordem instituída61:
O fato de que ‘a Constituição’ pode ser alterada não significa que a decisão
política fundamental, que compõe a substância da Constituição, pode ser a qualquer
tempo afastada pelo Parlamento e substituída por qualquer outra decisão.62
59
“Não existe – se não se quiser apelar para metáforas ou alegorias – hierarquia entre normas, mas apenas
hierarquia entre homens e instâncias concretas”. SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker &
Humblot, 1998, 6ª edição, pag. 53.
60
Brasil: Constituição da República Federativa do Brasil.
61
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pag. 25 e seg; pag. 102 e
seg.
62
Idem, ibidem, pag. 26.
25
63
Idem, ibidem, pag. 105.
64
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direito, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
65
SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág. 38 e seg.
26
contrários a esses valores seria mesmo inconstitucional. Aqui estavam explicitados, por
exemplo, os direitos à propriedade privada e à liberdade de expressão, tão caros ao
liberalismo.
Voltando à conclusão antes mencionada, o equívoco da doutrina dominante
estaria em aceitar que um sistema fosse neutro em relação a seus próprios pressupostos. Como
pode uma Constituição estabelecer determinados valores, intitulá-los de “fundamentais” e não
fornecer os mecanismos necessários para protegê-los? Levando ao extremo esse argumento de
que quaisquer disposições poderiam ser alteradas, mesmo as da segunda parte da
Reichsverfassung, deve-se admitir que não apenas direitos civis como o de livre associação ou
a inviolabilidade do lar poderiam ser abolidos, senão que também a propriedade privada
estaria sujeita à extinção66. Uma simples votação no parlamento, desde que respeitado o
quórum qualificado, seria capaz de transformar um Estado liberal-capitalista em um Estado
comunista de economia planificada.
Mas a questão não termina aí. Não era apenas a possibilidade de modificação
das disposições a respeito dos direitos fundamentais dos alemães, ou seja, aquelas contidas na
segunda parte da Constituição de Weimar, que representava um problema e um perigo às
instituições da república. Mesmo caso se entendesse que esses direitos seriam intocáveis,
continuaria possível a alteração de dispositivos essenciais da parte organizacional, como a
forma de eleição ou as competências do Presidente. Se, por meio de uma emenda
constitucional, ficasse determinado que o Presidente poderia revogar indiscriminadamente as
leis promulgadas pelo parlamento, este restaria completamente despido de poder e não se
estaria mais diante de um Estado parlamentar.
Veremos, a seguir, como Schmitt insere o conceito de supralegalidade nessa
discussão, na tentativa de melhor demarcar os limites da alteração constitucional, e como esse
mesmo conceito, posteriormente, acaba se tornando parte integrante de sua crítica ao
liberalismo.
66
Idem, ibidem, pag. 45-46.
27
venha a tomar o poder por vias legais. Não pode ser intenção de uma carta constitucional
permitir que seus próprios fundamentos sejam abrogados a partir dos procedimentos nela
previstos67. Assim, deve-se entender que a norma do art. 76, que trata de alterações
constitucionais via procedimento legislativo, contém implicitamente uma proibição absoluta
de modificação de determinadas normas. Muito embora nosso autor considere relevante a
proteção de determinados direitos fundamentais (como, em se tratando de um Estado liberal,
os direitos de liberdade do cidadão), mais crucial é a proibição de violação de normas que
instituem órgãos, competências e procedimentos, pois estas é que dão configuração ao Estado
e, em última análise, dão forma à existência política do povo que é sua substância.
Essas disposições que contém em si, implicitamente68, um mandado de
inalterabilidade parecem ser aquilo que Schmitt chamou, primeiramente em “Legalidade e
Legitimidade” e mais tarde em um estudo intitulado “A Revolução Legal Mundial” (1978) 69,
de “supralegalidade constitucional”. Esse conceito, diz Schmitt, foi forjado pelo juspublicista
francês Maurice Hauriou e abrange aqueles “princípios” que não estão protegidos apenas das
leis ordinárias, mas que não podem ser modificados ou abolidos mesmo por emendas
constitucionais70. Tal “supralegalidade” estaria presente em qualquer sistema ou ordem
constitucional e serviria como escudo contra tentativas de eliminação da legalidade ou
legitimidade posta através de meios legais/constitucionais.
Ao retomar o tema em “A Revolução Legal Mundial”, nosso autor fala em
“validade aumentada de certas normas frente a normas comuns ou ordinárias” e dá, como
exemplo de supralegalidade, “as normas de procedimento que devem dificultar a
transformação ou abolição de normas, por maioria qualificada ou estruturação do
71
procedimento em várias instâncias distintas” . Ou seja, quando uma Constituição permite
sua própria alteração e determina para tanto um procedimento especial, essa norma permissiva
é, ela mesma, inalterável.
67
SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág. 56.
68
Pois, como já vimos, não faz parte do sistema de Schmitt a existência de mandados explícitos de
inalterabilidade constitucional.
69
SCHMITT, Carl. “La Revolución Legal Mundial: Plusvalía política como prima sobre legalidad jurídica e
superlegalidad”, in: Revista de Estudios Políticos (Nueva época), Nº 10, Julio – Agosto, 1979.
70
“Elas têm, como expôs (...) Maurice Hauriou (...), uma ‘superlégalité constitutionnelle’ que as eleva não só
acima das normas ordinárias, simples, como também acima da Constituição escrita, e que exclui a possibilidade
de sua eliminação através de emendas constitucionais”. SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin:
Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág. 56 (tradução própria – grifo no original).
71
SCHMITT, Carl. “La Revolución Legal Mundial: Plusvalía política como prima sobre legalidad jurídica e
superlegalidad”, in: Revista de Estudios Políticos (Nueva época), Nº 10, Julio – Agosto, 1979, pag. 8 (tradução
própria).
28
72
Idem, ibidem, pag. 9 (tradução própria – grifo no original).
29
progresso, que, por ser pretensamente neutra em relação a valores morais, éticos e religiosos,
pode fundamentar desde programas liberal-capitalistas até os comunistas. Dessa forma, a
legitimação oferecida por essa amplamente aceita ideologia passa por aquele processo de
mediação via supralegalidade e, por fim, se estabelece como parte integrante da ordem legal:
No que consiste esse progresso, entretanto, é uma questão que não se resolve
sem que voltemos à leitura de “O Conceito do Político”, mais especificamente do texto “A
Era das Neutralizações e Despolitizações”, que foi integrado por Schmitt à obra de 1932.
Nesse texto, ele faz um panorama dos últimos quatro séculos de história da Europa e constata
que, em cada um deles, houve uma determinada dimensão da vida humana ou do
conhecimento humano que prevaleceu sobre as outras. A essa dimensão prevalente ele
chamou de “área central” (Zentralgebiet). A partir dessa idéia, as quatro áreas que
correspondem, respectivamente, aos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX são: o teológico, o
metafísico, o humanitário-moral e, finalmente, o econômico74. O autor reconhece, ainda, que
a área predominante na época em que vive (ou seja, primeira metade do século XX) parece ser
a da tecnicidade.
A identificação dessa área central não significa que outras dimensões do
humano tenham sido esquecidas ou ignoradas em função daquela prevalente, mas apenas “que
nos quatro séculos de história européia as elites dominantes mudaram, as evidências de seus
convencimentos e argumentos se alteraram continuamente, assim como o conteúdo de seus
interesses intelectuais, o princípio de sua ação, os segredos de seus sucessos políticos e a
75
disposição das grandes massas se deixaram influenciar por determinadas sugestões” . Quer
dizer, se no século XVI a elite intelectual era aquela que tinha grande conhecimento em
teologia, no século XIX era aquela que obtinha sucesso em descrever e aplicar sistemas
econômicos. Do mesmo modo, todos os conceitos de alguma forma vinculados à vida
espiritual e intelectual humana só podem ser concretizados em sua relação direta com a
cultura predominante em determinada época e local.
73
Idem, ibidem, pag. 9 (tradução própria).
74
SCHMITT, Calr. Der Begriff des Politischen. Berlin: Duncker & Humblot, 2002. 7ª edição, pág. 80.
75
Idem, ibidem, pág. 82.
30
76
Idem, ibidem, pág. 90.
77
Idem, ibidem, pág. 90.
78
ULMEN, Gary L. Politischer Mehrwert: Eine Studie über Max Weber und Carl Marx. Weihnheim: VCH, Acta
Humaniora, 1991, pág. 151.
31
Schmitt já declarara que os liberais seriam os verdadeiros inimigos de toda orientação política
autêntica – e, conseqüentemente, seriam também seus inimigos pessoais 79.
79
DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy: Carl Schmitt, Hans Kelsen and Herrmann Heller in Weimar.
New York: Oxford University Press Inc, 2003. 2ª edição. Pág. 40 e seg.
32
2 LEGITIMIDADE NA EXCEÇÃO
80
SCHMITT, Carl. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2009. 9ª edição.
33
81
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição.
34
Essa era, aliás, uma das hipóteses de encerramento da ação do ditador romano,
não importando há quanto tempo ele vinha cumprindo sua função. Outra hipótese era o
decurso do prazo de seis meses, não importando, neste caso, se sua tarefa fora ou não
integralmente cumprida82. Desse exemplo é importante guardar apenas a idéia de que a
ditadura não é uma instituição integrante das estruturas normais do Estado, mas que, pelo
contrário, é provisória por definição.
Pois bem, esboçado um conceito de ditador, cabe-nos agora explicitar algumas
de suas principais características: (a) o ditador reúne em si funções deliberativo-normativas e
executivas; (b) ele não depende da autorização de quaisquer instâncias superiores para dar
efetividade a suas determinações; (c) ele possui um mandato que pode ser revogado a
qualquer momento e não se confunde, portanto, com o soberano.
(a) Já mencionamos neste trabalho que o pressuposto de fato necessário à
aplicabilidade de leis, entendidas estas como normas gerais e abstratas promulgadas por um
parlamento, é a condição de normalidade. A regulamentação de um estado excepcional só
pode ser feita caso a caso, em vista da situação concreta, pois os modos de configuração da
realidade são os mais diversos possíveis. Não há como definir ou calcular previamente a
forma como a exceção se manifestará e, em conseqüência, não há como decidir
antecipadamente sobre como normatizar (ou normalizar) essas situações futuras
imprevisíveis.
Não é objeto de dúvida, porém, o fato de que o caso excepcional necessita de
algum tipo de regulamentação. É então que entra em cena e adquire relevância o caráter
normativo-deliberativo da figura do ditador. É essencial ao bom cumprimento de sua função
que ele possa, a seu critério, suspender o direito comum e decidir casuisticamente através de
normas concretas e particulares, objetivando sempre restabelecer aquela situação em que as
normas gerais e abstratas possam ser normalmente aplicadas.
Segundo a terminologia de Schmitt, essas normas concretas e particulares são
denominadas providências (Maßnahme) e são típicas do que ele chama de “Estado de
administração”, que se contrapõe aos Estados de legislação e jurisdição (cf. acima, 1.1). No
Estado de administração não governam as leis nem os homens, mas sim “as coisas
administram a si mesmas” 83. O ponto de vista de que parte o administrador é exclusivamente
aquele do estado de coisas que deve ser administrado e o único critério de correção de suas
decisões é a adequação e utilidade das mesmas em relação a esse fim pré-determinado. Não
82
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 1.
83
Idem. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág. 9.
35
por acaso, esse é também o ponto de vista do ditador, o qual, de fato, é um administrador do
estado de exceção.
O mais importante atributo das providências tomadas pelo ditador, que decorre
imediatamente de seu caráter de particularidade, é sua aplicabilidade imediata e independente
de qualquer concretização ulterior. Dado que essa norma já foi proferida tendo em vista um
caso concreto, sua execução prescinde de mediação. O ditador pode, ele mesmo, executá-las,
satisfazendo assim a demanda por eficiência que é inerente ao seu cargo – já que o estado
excepcional é também um estado emergencial. Aí está, então, a função executiva dessa figura,
que vem se agregar à função deliberativo-normativa.
(b) A segunda característica da ditadura é, na verdade, um anterior lógico dessa
função executiva que acabou de ser mencionada. Se o ditador deve ter em suas mãos todos os
meios necessários à regulamentação, administração e normalização do estado excepcional, ele
não pode estar à mercê da autorização de instâncias que, ao contrário dele próprio, não estão
única e exclusivamente vinculadas ao estado concreto de coisas.
O mandato conferido ao ditador para agir no estado de exceção lhe garante,
então, a competência absoluta para a tomada de decisões, na qualidade de última instância
deliberativa. Do contrário, a efetividade e objetividade das medidas por ele tomadas seriam
colocadas em risco, posto que se estaria sempre admitindo a possibilidade de sua revisão.
Ademais, nesse nível “superior” de julgamento os critérios de avaliação provavelmente
exacerbariam aqueles que devem ser os únicos guias da ação no estado de exceção, quais
sejam: necessidade, adequação e utilidade das medidas em vista de determinada situação
concreta.
(c) Essa grande concentração de poder na figura do ditador, entretanto, pode
induzir ao pensamento de que ele detém também o poder de soberania, conclusão essa que,
pelo menos por ora, deve ser evitada. A teoria política de Schmitt, a princípio, parece manter
segregados esses papéis, atribuindo – no que diz respeito à ordem estabelecida pela
Constituição de Weimar – a soberania ao povo alemão e a ditadura excepcional ao Presidente
da República, conforme veremos adiante.
Para facilitar, pelo menos em tese, essa separação, Schmitt menciona o critério
utilizado por Bodin: a provisoriedade e revogabilidade do mandato ou comissão do ditador.
Independentemente da abrangência de suas competências, ele pode ser a qualquer momento
destituído de seu mandato pelo soberano, posto que este continua sendo o senhor absoluto de
36
tudo o que se passa naquela comunidade política84. Ele nunca transfere total e absolutamente
suas competências, pois a titularidade da soberania em si é indisponível. O cargo do ditador
sempre será um derivado desse poder soberano:
O ditador, esclarece Bodin, tem apenas direitos em seu cargo, mas não tem
nenhum direito ao seu cargo, posto que sua competência é excepcional e se dá sempre por
derivação. Ele se justifica, em última análise, ao fazer referência ao soberano, enquanto este
não precisa derivar seu poder de qualquer outro órgão ou instância e se justifica, assim,
apenas em sua própria existência.
Schmitt concorda com esse pensador em relação ao caráter temporário e
derivado da função do ditador; entretanto, há um elemento de grande importância na teoria do
nosso autor que não é admitido por Bodin, qual seja, a existência da figura do ditador
soberano, distinto daquela do ditador comissário. Para ele, sempre que uma nova ordem
estatal estiver sendo criada, necessariamente estará agindo o soberano.86Já para Schmitt,
mesmo nessa situação poderá estar presente um ditador. Aliás, essa é não só uma
possibilidade, como uma necessidade em sua teoria.
Esse ponto será abordado especificamente em 2.2. Antes disso, é importante
aprofundar a questão a respeito da titularidade da soberania e da ditadura.
Foi mencionado acima que o titular do cargo de ditador não poderia ser
confundido, a princípio, com o soberano. A ressalva não foi feita por acaso: esse, pelo menos
nos limites deste trabalho, é um dos pontos mais obscuros da teoria política de Schmitt. Em
alguns momentos de sua obra, ele afirma que o povo é o soberano e identifica, assim,
soberania com poder constituinte. Em outras passagens, porém, ele parece dar pistas no
sentido de que também o ditador carregaria alguns atributos típicos da soberania e que, se ele
84
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 25.
85
Idem, ibidem, pág. 26.
86
Idem, ibidem, pag. 39.
37
não fosse o único soberano, haveria uma espécie de “soberania concorrente” entre povo e
ditador.
O fato é que o autor não está preocupado com a criação de um sistema; a
política, sendo uma disciplina que trata precipuamente do humano, não admitiria tal
simplificação. Diferentemente de seu antecessor Hobbes, de quem ele se considera seguidor,
mas a quem faz fortes objeções, uma construção sistemática da política sempre acabaria
excluindo alguma ou algumas dimensões da vida humana, o que Schmitt quer ao máximo
evitar. Se a sua teoria ganha em complexidade, perde muitas vezes, porém, em clareza,
aumentando a dificuldade do trabalho do intérprete.
Feita essa breve consideração, iniciaremos com a questão da identificação das
figuras do poder constituinte e da soberania no povo. Em vários aspectos, os atributos do
soberano acabam se assemelhando em muito com aqueles do poder constituinte, analisados
em 1.2: competência originária para a determinação da própria configuração do estado;
justificação existencialista, independente da prévia existência de outras instituições;
capacidade de autorizar e desautorizar a atuação de órgãos derivados. De fato, em uma
primeira análise da obra de Schmitt, o povo parece ser tanto o sujeito do poder constituinte
quanto o titular da soberania. Aliás, no próprio trecho de “A Ditadura” transcrito acima (2.1),
está explícita a afirmação de que o povo é o soberano; entretanto, o leitor atento, ao se
questionar se Schmitt está fazendo suas as palavras de Bodin ou se está apenas analisando a
tese deste autor, não encontra uma resposta indubitável.
Já na “Teoria da Constituição”, Schmitt fala longamente do poder constituinte
do povo87, mas apenas em uma curta passagem fala do “povo soberano”. O autor faz uma
diferença entre as competências plebiscitárias do povo, assim definidas pela e na
Constituição, e aquelas originárias, típicas do poder constituinte:
87
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, págs 75-87.
88
Idem, ibidem, pág. 98 (tradução e grifo nosso).
38
poder constituído, posto que tem competências específicas, regradas e limitadas, assim como
as outras instituições estatais.
É então que a definição de conceitos se torna mais sutil e delicada. Esse mesmo
povo que, dentro da ordem constituída, não mais é soberano, continua sendo titular da
soberania de uma forma latente? A soberania do povo apenas deixa de se manifestar ou, na
realidade, ela acaba por se extinguir? Ou ainda, será que a soberania, quando não se está
diante de um ato do poder constituinte, muda de titular?
É impossível falar de soberania em Schmitt sem mencionar uma de suas mais
famosas definições, aquela que abre sua “Teologia Política”: “Soberano é aquele que decide
sobre o estado de exceção” 89. A tese é de que o poder de decidir quando ou em que condições
se está de fato diante de um estado de exceção – muito mais do que a capacidade de agir já
dentro dessa situação – seria tão grande que o seu titular teria em suas mãos imediatamente a
soberania, ou seja, seria o senhor daquela comunidade política, aquele que é competente e
capaz de tomar as mais graves decisões.
Isso é assim porque o caso excepcional, por definição, não pode ser previsto ou
previamente determinado. A Constituição pode atribuir competências e mesmo prescrever
diretrizes, mas nunca poderá definir exatamente em que consiste o estado de exceção. Ela
poderá falar, genericamente, em uma situação que prejudique ou coloque em risco a ordem e a
segurança de Estado, mas a situação concreta de risco só será assim qualificada por uma
pessoa, também ela, concreta. O que é segurança, o que é ordem – são perguntas que nunca
poderão ser respondidas em definitivo por uma norma geral. Quem tem o poder de dar
concretude a esses conceitos abstratos é quem detém o poder soberano.
Pois bem, Schmitt expõe a tese de que o soberano é aquele que decide sobre o
estado de exceção e precisa compatibilizar essa idéia com a Constituição de Weimar, que é o
pano de fundo de boa parte de sua obra. Ocorre que, segundo o art. 48 desse documento
constitucional, quem tinha competência para tomar todas as medidas necessárias ao
restabelecimento da segurança e da ordem no Estado, quando uma situação de risco estivesse
presente, era o Presidente da República. Ora, se o Presidente é quem decide sobre o estado de
exceção, a conclusão imediata a que se chega é que ele, e não o povo, é o soberano.
Essa não é, entretanto, a conclusão a que pretende chegar nosso autor. Ele
90
afirma, tanto na parte final de “A Ditadura” quanto no artigo que foi anexado a essa obra
em 1924, intitulado “A Ditadura do Presidente da República de acordo com o art. 48 da
89
SCHMITT, Carl. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2009. 9ª edição, pág. 13.
90
Idem. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 198.
39
Constituição” 91, que nessas condições o Presidente estaria a exercer uma ditadura comissária
e que seus poderes apenas se confundiriam com a soberania em casos patológicos.
Para concluir dessa forma, a argumentação precisa dar um grande desvio
desde aquela primeira premissa explicitada na “Teologia Política”; Schmitt, entretanto, não
mostra expressamente qual é esse caminho, mantendo-o subentendido e deixando sua
compreensão a cargo de seu leitor. A premissa a ser acrescentada, para dar sentido ao
raciocínio, parece ser a seguinte: o povo soberano, ao agir como poder constituinte, já
transferiu antecipadamente ao Presidente da República, através da Constituição, a
competência para decidir sobre o estado de exceção e nele tomar todas as medidas
necessárias.
Aceitando-se essa proposição, é possível que se conclua pela natureza
comissária dessa atuação do Presidente. Quando ele decide a respeito da existência ou não de
uma situação capaz de colocar em risco a segurança e a ordem do Estado, ele está apenas
levando a cabo uma competência que já foi definida pela Constituição, um mandato que já lhe
foi conferido previamente pelo soberano, através da mediação desse documento
constitucional.
O que não fica claro é se a transferência daquele que é o maior poder do
soberano, daquele poder que o define, não significa, por si só, uma transferência da própria
soberania. Se não é mais o povo quem decide sobre o estado de exceção, o que sobra, afinal,
para ele? Por que ele deveria ainda ser considerado o soberano? Schmitt responde que o
exercício da ditadura comissária pelo Presidente no âmbito do art. 48 da Constituição de
Weimar não é uma atuação sem limites, e que justamente esses limites, quando devidamente
observados, estariam a impedir a transferência da soberania92.
De qualquer forma, por mais que tais limitações sejam respeitadas, o poder do
ditador comissário é um poder de vida ou morte, uma vez que ele está autorizado a fazer tudo
o que for necessário, ou melhor, tudo o que ele próprio considerar necessário – já que ele é o
único juiz da conveniência de suas medidas e o estado concreto de coisas é o único critério de
adequação das mesmas. A linha entre ditadura e soberania é muito tênue e, se o Presidente
não tem em si toda a soberania, é difícil negar que ele concorra com esse poder soberano, pelo
menos alguns aspectos 93.
91
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 212-257.
92
Idem, ibidem, pág. 198.
93
Essa é a tese de Dyzenhaus em: DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy: Carl Schmitt, Hans Kelsen
and Hermann Heller in Weimar. New York: Oxford University Press Inc., 2003
40
isso não fosse expressamente admitido. Quer dizer, esses decretos continuavam válidos
independentemente da existência de uma situação concreta a lhes dar suporte e assim, na
prática, sua eficácia em nada se diferenciava daquela das leis parlamentares.
Os problemas ocasionados por essa situação são inúmeros: o poder do
Presidente aumenta incomensuravelmente, já que ele próprio decide sobre os pressupostos de
sua atuação, ele próprio executa suas providências e estas continuam a viger por tempo
indeterminado; o parlamento se vê destituído de sua principal função, qual seja, a de legislar,
já que – levando o argumento ao extremo – o Presidente pode revogar as normas
parlamentares através de suas providências que, assim como aquelas, também têm força de
lei; em última análise, a própria construção do Estado parlamentar-burguês é colocada em
risco, pois, ao se admitir a convivência de tipos diferentes de legisladores, desaba o principal
pressuposto do Estado de Legislação, que é a confiança única e incondicional no
parlamento95.
Conforme dissemos anteriormente, Schmitt admite que a transferência da
soberania para o Presidente só se daria em casos patológicos. Nessa equiparação do ditador
comissário com o legislador estaria, então, uma dessas patologias:
Deve ser observado que, quando a autorização ilimitada [para fazer tudo o
que for necessário, segundo o estado das coisas] não quiser significar a dissolução
de toda ordem jurídica vigente e a transferência da soberania para o Presidente da
República, essas providências devem ser sempre do tipo fático e, como tal, não
podem se tornar atos de legislação ou de jurisprudência.96
A distinção entre leis gerais e providências concretas talvez seja bastante clara
em tese. Permanecendo clara essa separação, Schmitt pode estar correto ao afirmar que o
Presidente não será o soberano enquanto suas providências não estejam vigentes na situação
de normalidade e não adquiram, assim, força de lei. Mas o problema está justamente na
competência dada a essa figura para determinar quando se está diante da normalidade e
quando, ao contrário, ainda está presente a exceção. Essa parece ser uma questão sem resposta
na obra do autor – uma aporia que ele não pôde ou não quis solucionar.
O segundo limite que estaria implícito na redação do art. 48 seria a
impossibilidade de alteração constitucional através de providências. Claro, se “tomar todas as
providências necessárias” não significa legislar em concorrência com o legislador ordinário,
95
“O Estado de Legislação parlamentar, com seus princípios de primazia da lei e reserva de lei, conhece apenas
um, nomeadamente o seu legislador, o Parlamento; ele não suporta a concorrência de um poder legislativo
extraordinário.” SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág.
70. Cf. também o que dissemos acima, em 1.1.
96
Idem. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pag. 198.
42
muito menos pode denotar uma eventual concorrência com o poder constituinte. O principal
ponto a ser observado aqui é o caráter de provisoriedade das medidas tomadas pelo ditador,
característica essa, aliás, que é constitutiva do próprio conceito de providência, tanto quanto a
temporalidade é constitutiva do conceito de ditadura comissária.
Se a função de ditador é temporária por definição, não faz sentido que os
efeitos de suas ações particulares fiquem gravados na Constituição e, assim, perdurem
indefinidamente. O documento constitucional é justamente o mais estável e duradouro
estatuto de uma comunidade política, é aquele que a institui e constitui como Estado. Ele não
pode, então, ser modificado de forma emergencial, na vigência de um estado de exceção, pois
no momento em que aquela comunidade está em risco ela deixa de ter uma visão clara de
todos os aspectos integrantes de uma situação normal e saudável. Quando há um perigo
concreto a ser afastado, é verdade, a ocasião exige que medidas drásticas sejam tomadas, mas
ao mesmo tempo impede que sejam levadas a cabo alterações de caráter permanente, com
capacidade de persistir no futuro.
É esse o significado daquela permissão apenas temporária, estampada no art.
48, para que o Presidente revogue determinados direitos fundamentais. Revogar é negar
vigência de uma norma, excluí-la do ordenamento jurídico, o que só pode ser feito de forma
genérica; ou seja, revogar uma norma não é o mesmo que tomar uma providência concreta.
Essa abertura dada pela Constituição de Weimar ao Presidente da República não é uma
competência típica da ditadura comissária e deve, portanto, ser interpretada de forma restrita e
cautelosa. O art. 48, por isso mesmo, conferiu ao Presidente essa capacidade de atuar em
matéria constitucional já a limitando previamente, ao determinar que a revogação seja
provisória. Essa técnica, entretanto, enseja por si mesma um grande problema, uma vez que a
interpretação dessa limitação cabe justamente àquele a quem ela se direciona. Ao fim e ao
cabo, se é o Presidente quem decide sobre o alcance da normalidade ou a permanência da
exceção, é ele quem tem o controle do que é permanente ou provisório.
Por fim, a terceira limitação encontrada por Schmitt é a inviolabilidade da
Constituição propriamente dita, em contraposição à possibilidade de violação casuística de
leis constitucionais na vigência do estado de exceção. A distinção entre Constituição e lei
constitucional já foi feita neste trabalho97; basta lembrar que, enquanto aquela trata das
questões mais fundamentais a propósito da existência e configuração do Estado, esta
97
Acima, em 1.3
43
regulamenta de forma mais detalhada alguns pontos menos essenciais, para os quais se quis
dar, por qualquer motivo, tratamento constitucional98.
Há uma segunda distinção, entretanto, que deve ser melhor explicitada.
Acabamos de mencionar que as competências do ditador comissário não abrangem a
possibilidade de modificação da Constituição, seja daquele núcleo que integra o que
chamamos de Constituição propriamente dita, seja de quaisquer leis constitucionais. Mas o
que significa, então, a violação casuística de leis constitucionais e porque esta é possível?
Ocorre que há uma diferença fundamental entre a mera violação de uma norma
e sua revogação. Como já dissemos, revogar é negar vigência; é afastar, de forma genérica, a
sua aplicabilidade. Já a violação é um ato concreto em que a norma deixou de ser observada,
mas que em nada afeta sua vigência. Schmitt usa como exemplo a imagem do delinqüente
que, com suas ações, fere inúmeras regras do direito penal, sem que isso tenha qualquer
influência na sua validade99. Pelo contrário, é justamente por ocasião dessa violação que elas
demonstram de forma mais intensa sua força.
Ao exercer a competência do art. 48 da Constituição de Weimar, então, o
Presidente da República poderia eventualmente ferir algumas normas previstas no documento
constitucional. Um exemplo disso seria a proibição de que determinada pessoa ou grupo de
pessoas modificasse seu domicílio, o que estaria em confronto com o disposto no art. 111
daquela carta100. Note-se que esse artigo não está naquele rol de direitos fundamentais que
poderiam ser temporariamente revogados; mas, se o Presidente considerasse necessário impor
tal proibição, ele poderia fazê-lo com base na competência genérica para “tomar todas as
providências necessárias” ao restabelecimento da segurança e da ordem. Caso ele pudesse
apenas suspender a vigência daqueles artigos listados e fosse inadmissível a violação
casuística de qualquer outra norma constitucional, não haveria sentido se falar em
providências excepcionais nem em estado de exceção.
A Constituição propriamente dita, entretanto, não pode ser tocada nem por esse
tipo de violação específica e temporária. Schmitt afirma, na “Teoria da Constituição”, que
essa é justamente uma das principais conseqüências práticas da distinção entre lei
constitucional e Constituição101. Se o ditador comissário pudesse exercer qualquer influência
naquela que é a decisão fundamental do poder constituinte, então ele próprio, que é poder
98
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pág. 23 e seg.
99
Idem. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 224.
100
Art. 111 da Constituição de Weimar: “Todos os alemães gozam de liberdade de residência em toda a
república. Todos têm o direito de se estabelecer em qualquer lugar do território, lá adquirir imóveis e exercer
qualquer forma de sustento. Limitações a esse direito dependem de lei.”
101
SCHMITT, Carl, op. cit., pág. 26-27.
44
Aqui não mais se questiona sobre considerações jurídicas, mas apenas sobre
quais os meios adequados, no caso concreto, para a obtenção de um resultado
concreto. Mesmo aqui o procedimento pode ser falso ou correto, mas esse
julgamento diz respeito apenas à correção das providências no sentido técnico, quer
dizer, no sentido de sua conveniência e oportunidade. (...) Assim, precisamente na
ditadura domina com exclusividade o objetivo, libertado de todas as obstruções do
direito e determinado apenas pela necessidade de se produzir um estado concreto.102
Vemos, mais uma vez, surgir uma aporia que parece não ter solução: a
Constituição atribui competências ao ditador e impõe limites à sua atuação, mas o estado
concreto de coisas pode exigir que ele extrapole essas competências para que possa levar a
cabo sua missão. Qual desses pólos deve prevalecer é uma pergunta que nosso autor não
responde de forma cabal. Permanece a dúvida a respeito de até que ponto atua de forma
legítima o ditador comissário.
102
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág, pag. 11
45
103
HERRERO LÓPEZ, Montserrat. El Nomos y lo Político: La Filosofía Política de Carl Schmitt. Navarra:
Ediciones Universidad de Navarra, 1997. pág. 229-235.
104
SCHMITT, Carl. Der Begriff des Politischen. Berlin: Duncker & Humblot, 2002. 7ª edição, pág. 33-35.
105
Idem. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2009. 9ª edição, pág. 21.
46
106
SCHMITT, Carl. Der Begriff des Politischen. Berlin: Duncker & Humblot, 2002. 7ª edição, pág. 26
107
Idem. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pag. 137
108
Idem, ibidem, pag. 140.
47
precisa encontrar um modo de agir politicamente com eficiência, o que ele consegue, enfim,
através de seu ou seus representantes. São eles que tornarão o povo presente na discussão
política e que terão capacidade de concretizar sua vontade. Além disso, retomando a idéia de
que estamos tratando de uma situação extraordinária de conflito, é apenas através desses
representantes que o sujeito do poder constituinte poderá alcançar o estado de normalidade
necessário à vigência da nova ordem jurídica. O titular dessa função excepcional, derivada
imediatamente da autoridade do poder constituinte – e não mediatamente, como acontecia na
ditadura comissária – é o ditador soberano109.
Nesse ponto, Schmitt não vê problemas em admitir que essa figura tenha de
fato um poder soberano, ilimitado. Entretanto, essa soberania persiste apenas enquanto durar a
situação que justificou seu aparecimento. Também a ditadura soberana tem uma forma dupla
de legitimação: por um lado, a derivação imediata e a autorização do poder constituinte; por
outro, a eficiência na consecução de um objetivo concreto. Chegando-se ao fim dessa tarefa,
isso é certo, encerra automaticamente o mandato do ditador soberano. O que o autor não deixa
claro é se, da mesma forma como o poder constituinte podia destituir o ditador comissário a
qualquer momento e independentemente de qualquer motivo pré-determinado, ele pode fazê-
lo no caso da ditadura soberana. Esse parece ser um ponto de tensão em sua teoria.
Faz-se necessário, agora, abordar quais as especificidades da tarefa concreta do
ditador soberano. Já mencionamos que seu objetivo é o alcance de um estado de coisas que dê
condições ao estabelecimento de uma nova ordem jurídico-legal. Essa figura só pode ser
entendida, assim, em função de uma Constituição futura que se pretenda instituir ou, ao
menos, em função de uma idéia de Constituição que se tenha pela mais justa, correta e
adequada à realidade daquela nação. Isso estará presente em ambos os tipos de conjuntura que
podem se configurar como conflito político a exigir a atuação do ditador, os quais passaremos
a analisar a seguir.
Podemos imaginar, em primeiro lugar, uma situação de revolução ou guerra
civil em que a desordem e a insegurança sejam tão grandes que a vontade do poder
constituinte não consiga, por impossibilidade fática, se atualizar. Antes que a nova
Constituição seja instituída, devem ser afastadas todas as pressões ou coações externas que
estejam a impedir a real liberdade daquela que deveria ser a “vontade livre do povo” 110. Para
que esse mínimo de organização seja atingido, eventualmente pode ser necessário que alguma
espécie de “poder revolucionário” submeta um documento constitucional provisório à
109
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 143.
110
Idem, Ibidem, pág. 142.
48
apreciação do povo, ou mesmo que institua tal documento sem sua aprovação expressa. Essa é
uma forma de atuação do ditador soberano.
Em segundo lugar, é possível que ainda não se esteja diante da situação de
desordem, mas que, mesmo assim, exista um conflito latente, embora não atual. Quando a
própria ordem vigente é considerada um impedimento à concretização da vontade livre do
povo, ele, na qualidade de poder constituinte, pode instituir um ditador soberano que terá
como função imediata a destituição desse poder que vigora com base em uma Constituição até
então considerada válida.111 O povo, ensina Schmitt, em algum aspecto sempre estará acima
da Constituição e, dessa forma, poderá a qualquer momento modificá-la ou mesmo afastá-la,
conforme considere mais conveniente ou adequado à sua auto-realização112. O ditador será,
então, o agente da revolução e o iniciador daquela mesma desordem que posteriormente
deverá ser colocada de lado.
O que deve ficar presente é que, esteja o ditador atuando já no contexto de uma
revolução ou seja ele próprio a origem da insurreição, sua legitimidade sempre se dará em
virtude de uma nova ordem constitucional que se pretende alcançar. Nesse sentido, embora
estejamos tratando do momento de manifestação do político por excelência, não se pode dizer
que o mandato do ditador soberano seja absolutamente vazio de qualquer conteúdo jurídico.
Este é exprimido justamente pela estrita relação da ditadura soberana com o povo, único autor
legítimo de uma Constituição. “Tanto a ditadura comissária quanto a soberana têm um
contexto jurídico. A ditadura soberana se reporta ao poder constituinte, o qual não pode ser
afastado por qualquer Constituição a ele oposta” 113.
A questão que agora se coloca tem duas etapas. Inicialmente, precisamos saber
se é possível que o poder constituinte atue independentemente da existência de um ditador
soberano ou se, ao contrário, sua capacidade de ação política está condicionada à presença
dessa figura. Após, caso se responda afirmativamente à segunda alternativa, deveremos nos
perguntar de que forma se dá a eleição desse ditador.
111
Idem, ibidem, pág. 142.
112
O povo “acima” da Constituição não pode ser confundido com o povo “dentro” da Constituição. Neste caso,
ele se manifesta como uma espécie de poder constituído e tem competências constitucionalmente definidas. O
povo não poderia afastar a Constituição através de um procedimento nela mesma previsto (como, por exemplo,
um plebiscito). A respeito dessa diferenciação, cf.: SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker &
Humblot, 2003. 9ª edição, pág. 238-242.
113
SCHMITT, Carl. Die Diktatur. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. 6ª edição, pág. 136.
49
114
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pág. 205.
115
Idem, ibidem, pág. 214.
116
Idem, ibidem, pág. 205-206.
117
Idem, ibidem, pág. 205.
50
momento anterior à Constituição. Como pode ser que aqueles impedimentos físicos à
presença absoluta do povo tenham simplesmente desaparecido?
O fato é que eles não desapareceram – a idéia de um povo idêntico consigo
mesmo, que constitua imediatamente a própria unidade política, não passa, portanto, de mera
ficção. É impossível conceber que um ente amorfo e totalmente destituído de qualquer
organização, como o é o poder constituinte, possa tomar essas decisões essenciais sem
necessidade de instituições e procedimentos mínimos, que definam ao menos como ou por
que meios essas primeiras conclusões serão alcançadas. Que as decisões sejam tomadas por
maioria, por exemplo, não é uma regra procedimental necessária; também sobre ela é preciso
que haja uma decisão. Justamente a ausência de forma, que permite ao povo ser origem de
toda forma posterior, constitui, paradoxalmente, sua maior força e maior deficiência. Nas
palavras de Schmitt:
120
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa
e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. 3ª edição, pág. 23, 176-177.
121
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 2003. 9ª edição, pág. 83 (tradução nossa,
grifo no original).
122
Idem. The Crisis of Parliamentary Democracy. Tradução de Ellen Kennedy. Massachusetts Institute of
Technology, 2000. 6ª edição.
52
como cidadãos. Há um abismo intransponível entre essa adição de esferas privadas e a esfera,
qualitativamente distinta, do público. Quanto ao segundo ponto, menciona-se a análise feita
por Andreas Kalyvas, segundo o qual Schmitt atribuiu ao liberalismo as práticas do “discurso,
da discussão e da deliberação” 123, tradicionalmente consideradas públicas e democráticas. “E
porque essas práticas estavam associadas [ao liberalismo], ele [Schmitt] não podia incorporá-
las à sua própria teoria” 124.
Seja qual for o motivo que tenha levado Schmitt a ignorar o discurso público
como modo de atuação política do povo, o fato é que ele admitiu somente a possibilidade de
que o povo responda a uma pergunta sobre sua forma de existência, e não que ele mesmo
formule a pergunta. Mas alguém deverá articular a questão e colocá-la diante do povo –
justamente aí está todo o problema. Se as primeiras instituições, organizações e
procedimentos surgirão apenas com a primeira resposta, a justificação do poder daquele que
fará a primeira pergunta continua sendo um mistério. Aparentemente, a eficiência em impor
essa questão originária acaba por ser mais relevante que qualquer alusão a uma instituição ou
autoridade anterior.
Ao fim e ao cabo, nosso autor não consegue resolver de modo absoluto o
problema da diferenciação entre validade e eficácia do poder. Nessa tensão, entretanto, parece
residir tanto a fortaleza quanto a fraqueza do argumento de Schmitt. Fraqueza, porque ela
mantém sem resposta a pergunta mais fundamental a respeito da legitimação do poder e
impede que sua tão promissora teoria do político tenha um fechamento perfeito; fortaleza,
porque ela nos mostra que não há sistematização que abarque a complexidade do homem e de
todos os assuntos referentes à vida humana, como é o caso da política.
123
Kalyvas, Andreas. Democracy and the Politics of the Extraordinary: Max Weber, Carl Schmitt and Hannah
Arendt. New York: Cambridge University Press, 2008, pág. 124.
124
Idem, ibidem, pág. 124.
53
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho foi mostrar a forma como Carl Schmitt, importante
jurista alemão nascido no ano de 1888, procura resolver o problema da justificação das
instituições e do poder estatal. A questão, que é tema constante das literaturas jurídica e
política, mais uma vez revelou-se complexa e impassível de soluções absolutas. O conceito de
legitimidade, por ser chave em boa parte da obra de Schmitt e especialmente em seus escritos
que datam do período da República de Weimar (1919 – 1933), foi escolhido para alinhavar os
argumentos deste breve estudo.
O principal ponto que se tentou esclarecer foi a crítica forte e incisiva que Schmitt
faz a todo tipo de construção teórica que tenha por finalidade a neutralização do político
através do banimento do horizonte de conflito da vida humana. O autor, que parte de uma
antropologia segundo a qual o homem é um ser sobretudo perigoso125, considera que ele não
deixará de sê-lo em virtude da redução de importantes dimensões de sua existência a uma
questão de técnica ou procedimento. O liberalismo e o tecnicismo, seus principais inimigos,
são os alvos dessa censura feita por Schmitt justamente a partir do desenvolvimento da idéia
de legitimidade e das relações dessa noção com a legalidade.
Uma vez que a teoria política de nosso autor pressupõe a manutenção da hipótese
do conflito, considerou-se oportuna a divisão deste trabalho com base em uma distinção que é
de todo relevante para uma boa compreensão da obra de Schmitt, qual seja, aquela entre
estado de normalidade e estado de exceção. A análise do primeiro é importante porque a
situação normal é pressuposto necessário ao funcionamento de um sistema ordinário de
normas jurídicas, formado por um conjunto de leis gerais e abstratas, do qual o Estado – como
hoje o conhecemos – não pode prescindir. Já o estudo do segundo se mostra essencial porque
é no momento da exceção que a justificação de qualquer exercício de poder se torna mais
125
SCHMITT, Carl. Der Begriff des Politischen. Berlin: Duncker & Humblot, 2002. 7ª edição, pág. 60-64.
54
delicada, pois a diferenciação entre validade e eficácia do poder já não mais pode ser feita de
forma tão clara.
Iniciando pela situação de normalidade, procuramos expor como Schmitt constrói
a idéia de “sistema de legalidade” e como justamente a observância incondicional das leis
promulgadas por um parlamento pode ser, em um Estado burocrático moderno, a mais alta
forma de legitimação. A esse respeito, comenta Gary Ulmen:
126
ULMEN, Gary L. Politischer Mehrwert: Eine Studie über Max Weber und Carl Marx. Weihnheim: VCH,
Acta Humaniora, 1991, pág. 162 (tradução nossa).
127
SCHMITT, Carl. Legalität und Legitimität. Berlin: Duncker & Humblot, 1998, 6ª edição, pág. 56-57.
55
própria teoria baseada na análise do estado de exceção, ele não nos dá respostas unívocas a
respeito da possibilidade de justificação do poder independentemente de sua eficácia, de
modo que o mesmo problema por ele já identificado no liberalismo parece persistir. O mérito
do autor talvez esteja justamente em sugerir que o papel de uma teoria política não seja a
proposição de soluções cabais, mas sim o incentivo para que continuemos perguntando.
57
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