TJ-MG - Irdr 73 - RMC

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 29

Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.21.045258-7/001 Númeração 5010305-


Relator: Des.(a) Jaqueline Calábria Albuquerque
Relator do Acordão: Des.(a) Jaqueline Calábria Albuquerque
Data do Julgamento: 31/10/2023
Data da Publicação: 06/11/2023

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL -


APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE
CRÉDITO CONSIGNADO - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - VÍCIO DE
CONSENTIMENTO - CONSTATAÇÃO - DIRETRIZES FIRMADAS NO IRDR
DE Nº 1.0000.20.602263-4/001 (TEMA Nº 73) - CONVERSÃO DO
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM EMPRÉSTIMO
CONSIGNADO - CABIMENTO - APLICAÇÃO DA TAXA DE JUROS
CABÍVEL PARA EMPRÉSTIMOS DA NATUREZA PRETENDIDA PELO
CONSUMIDOR - DANOS MATERIAIS - RESTITUIÇÃO - PARCELAS
DESCONTADAS ATÉ O JULGAMENTO DO RECURSO REPETITIVO
EARESP 676.608/RS - FORMAS SIMPLES - PARCELAS DESCONTADAS
POSTERIORMENTE - DEVOLUÇÃO EM DOBRO - DESCONTO INDEVIDO
EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS -
QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. Este eg. Tribunal de Justiça, quando do julgamento
do IRDR de nº 1.0000.20.602263-4/001 (Tema nº 73), consolidou a tese de
que "Deve ser anulado o contrato de cartão de crédito consignado gerador
das consignações em folha de pagamento, se assim pedido pelo consumidor,
quando configurado o erro substancial". Deve-se averiguar, portanto, no caso
concreto, as reais condições da contratação e as peculiaridades relativas ao
ato da contratação, à forma de utilização do valor disponibilizado e, ainda, da
própria cártula enviada ao consumidor pela instituição financeira. Extraindo
do caderno probatório elementos hábeis a demonstrar mácula na vontade
declarada pela parte autora, exteriorizando divergência entre a vontade e o
seu real desejo, provocada por uma falsa percepção sobre o negócio jurídico
celebrado, deve ser reconhecido o erro substancial em relação à natureza do
contrato, principalmente quanto à forma de pagamento e encargos sobre ele

1
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

incidentes. A existência do vício de consentimento no ato da contratação é


corroborada pela ausência do plástico do cartão de crédito disponibilizado,
assim como da indicação de seu respectivo número no bojo do contrato ora
discutido ou qualquer informação acerca de seu envio, recebimento e/ou
desbloqueio. De igual modo, o fato de o consumidor, ao longo de um período
de quase 05 (cinco) anos, nunca ter utilizado o cartão na função "compras",
mas tão somente na função "saque", embora não seja requisito fundamental
à caracterização do erro substancial, revela sua ocorrência com maior
intensidade. A repetição em dobro dos valores indevidamente cobrados do
consumidor até 30/02/2021 depende de prova da má-fé por parte do réu,
enquanto que aqueles descontados posteriormente devem ser devolvidos em
dobro, a despeito da existência de má-fé (EAREsp 676.608/RS, Rel. Ministro
OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe
30/03/2021). Por ocasião do julgamento do IRDR n° 73, fixou-se a tese de
que "Examinado o caso concreto, se a prova dos autos indicar que a
instituição financeira impingiu ao consumidor um contrato de cartão de
crédito consignado ou se a referida instituição omitiu informações relevantes
e induziu realmente o consumidor a erro, fica evidenciado o dano moral". O
quantum indenizatório de dano moral deve ser fixado em termos razoáveis,
pelo que não deve ser arbitrado em patamar capaz de ensejar a ideia de
enriquecimento imotivado da vítima, tampouco em montante inexpressivo a
ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa, impondo-se observar o
grau de culpa, as circunstâncias em que se encontra o ofendido e a
capacidade econômica do ofensor.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.045258-7/001 - COMARCA DE BELO


HORIZONTE - 1º APELANTE: BANCO BMG S/A - 2º APELANTE: CELSO
CHAGAS - APELADO(A)(S): CELSO CHAGAS, BANCO BMG S/A

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DAR PARCIAL
PROVIMENTO AO SEGUNDO.

2
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

DESA. JAQUELINE CALÁBRIA ALBUQUERQUE

RELATORA

DESA. JAQUELINE CALÁBRIA ALBUQUERQUE (RELATORA)

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por BANCO BMG S.A.


(PRIMEIRO APELANTE) e por CELSO CHAGAS (SEGUNDO APELANTE)
contra sentença (doc. de ordem n° 51), proferida nos autos de "ação de
restituição de valores c/c indenização por dano moral" movida pelo ora
segundo apelante, por meio da qual o MM. Juiz da 15ª Vara Cível da
Comarca de Belo Horizonte julgou parcialmente procedentes os pedidos
iniciais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, para revisar o
contrato celebrado entre as partes para a modalidade pretendida, e fixar os
juros remuneratórios em 2,15% ao mês, devendo o saldo devedor ser
recalculado e, havendo valor a restituir, este deverá ser atualizado pelos
índices da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais e acrescido de
juros de 1% ao mês, a partir da data do desembolso de cada parcela
posterior à quitação, podendo ser compensado. Determino a suspensão dos
descontos em folha até a liquidação final do débito.

Por conseguinte, julgo extinto o processo, com base no art.487, I, do

3
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

CPC.

Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das


custas processuais e honorários advocatícios, que, atento ao art. 85, §2º, I a
IV do CPC, arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na
proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada, ressalvando-se que a
parte autora encontra-se sob o pálio da justiça gratuita.

PRIMEIRA APELAÇÃO - BANCO BMG S.A. - PARTE RÉ

Em suas razões recursais (doc. de ordem n° 54), pretende o banco réu, ora
primeiro apelante, a reforma do decisum vergastado, sustentando, em
síntese, que o autor/apelado detinha pleno conhecimento acerca das
obrigações contraídas através do contrato que ora se discute, ao qual aderiu
livremente, o que se verifica através de sua assinatura aposta no documento.

Afirma, portanto, tratar-se de negócio jurídico válido e perfeito, uma vez


que foram preenchidos os requisitos do art. 104 do Código Civil, tecendo
considerações acerca do princípio da força obrigatória dos contratos.

Além disso, em relação aos juros remuneratórios, afirma que, conforme


entendimento dos Tribunais Superiores, às instituições financeiras não se
aplica a limitação de 12% (doze por cento) ao ano. Por esse motivo, defende
que não há que ser revisada a taxa de juros, a qual está em consonância
com as taxas médias praticadas pelo mercado, a denotar a ausência de
abusividade no contrato objeto dos autos.

Sustenta, ainda, que não houve violação ao dever de informação previsto


pelo art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a instituição
financeira informou previamente e adequadamente acerca da modalidade do
serviço contratado, o valor consignado da RMC, as taxas de juros e a forma
de liberação do valor líquido do crédito, além das demais condições
contratuais.

4
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Por fim, requer o provimento do presente recurso, com a reforma da


sentença, a fim de julgar improcedentes os pedidos iniciais, além da
consequente inversão dos ônus sucumbenciais.

Preparo comprovado à ordem n° 58.

Contrarrazões pelo autor à ordem n° 70, em que pugna pelo


desprovimento do recurso.

SEGUNDA APELAÇÃO - CELSO CHAGAS - PARTE AUTORA

Nas razões de apelação (doc. de ordem n° 66), o autor, ora segundo


apelante, objetiva a reforma parcial da r. sentença, a fim de que os valores
indevidamente descontados de seu benefício previdenciário sejam restituídos
em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.

Além disso, sublinha que os descontos realizados impactaram seus


rendimentos, prejudicando seu próprio sustento, e que, diante de tal cenário,
deve ser indenizado pelos danos morais experimentados, requerendo a
fixação de quantum indenizatório em valor que atenda a finalidade
compensatória e punitiva da reparação moral.

À vista de tais considerações, pleiteia a reforma da r. sentença, nos


exatos termos acima delineados, bem como a majoração dos honorários
advocatícios.

Ausente o preparo, por estar o autor amparado pelos benefícios da


gratuidade (doc. de ordem n° 12).

Contrarrazões pelo banco réu à ordem nº 72, pelo desprovimento do


recurso.

Inicialmente distribuído por sorteio ao eminente Desembargador José


Marcos Vieira, lotado na 16ª Câmara Cível, foi determinado o

5
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

sobrestamento do feito em virtude da admissão do IRDR 1.0000.20.602263-


4/001 do TJMG, Tema IRDR 00073 (doc. de ordem n° 80/81).

Em virtude da especialização do citado órgão julgador, os autos me


vieram redistribuídos por sorteio, conforme doc. de ordem n° 83.

À ordem n° 85, foi anexado ofício expedido pela Primeira Vice-


Presidência deste e. TJMG certificando o trânsito em julgado do IRDR Tema
73.

É o relatório.

Por uma questão de didática e, ainda, tendo em vista que o mérito dos
recursos se confunde, passo a analisá-los conjuntamente.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Satisfeitos os pressupostos que regem a sua admissibilidade, conheço de


ambos os recursos.

MÉRITO

Extrai-se dos autos que a parte autora ajuizou a presente ação


sustentando que foi induzida a erro pelo banco réu, ao acreditar que estava
contratando um empréstimo consignado, quando, na verdade, se tratava de
contratação de cartão de crédito consignado.

Com tais argumentos, postulou a restituição em dobro dos valores pagos


ou, alternativamente, a conversão do contrato para empréstimo consignado,
aplicando a taxa média de juros para a referida modalidade de contrato, além
da condenação do banco réu ao pagamento de indenização a título de danos
morais.

6
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Não se discute que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável ao


caso em análise, pois a relação existente entre os litigantes é, de fato, de
consumo, conforme já pacificado pela Súmula nº 297 do STJ: "O Código de
Defesa do Consumidor é aplicável às Instituições Financeiras".

Ocorre, todavia, que, no caso, verifica-se que o autor alega a ocorrência


de falha no dever de informação (CDC, artigo 6º, III), bem como a presença
de um vício de consentimento no momento da celebração do contrato, uma
vez que não sabia que estava aderindo a um contrato de cartão de crédito
consignado, com suas peculiaridades, acreditando se tratar de mero
empréstimo consignado.

Do vício de consentimento

A teor do que preceitua o art. 171, II, do diploma material civil "é anulável
o negócio jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão ou fraude contra credores."

In casu, consoante alhures dito, invoca a parte demandante a existência


de vício de consentimento, resultante de erro, a justificar a pretendida
conversão do contrato de empréstimo consignado e a respectiva
necessidade de aplicação da taxa média de juros em conformidade com tal
modalidade contratual.

Quanto à possibilidade de anulação dos negócios jurídicos em razão de


erro substancial, dispõem os arts. 138 e 139 do aludido diploma legal, litteris:

7
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

"Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de


vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa
de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio".

"Art. 139. O erro é substancial quando:

I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a


alguma das qualidades a ele essenciais;

II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se


refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo
relevante;

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo
único ou principal do negócio jurídico".

Todavia, a mera alegação de percepção equivocada do negócio jurídico


não tem o condão de invalidá-lo automaticamente, demandando a análise da
existência do erro através de dilação probatória.

A respeito, a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,


litteris:

"Logo, o erro deve ser a causa essencial do negócio. E, assim sendo, a


análise da existência, ou não, do erro envolve matéria fática (quastio facti),
demandando a produção de prova." (Curso de Direito Civil, vol. 1, Salvador:
JusPodivm, 2019, p. 720).

8
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Vale dizer que este eg. Tribunal de Justiça, quando do julgamento do


IRDR de nº 1.0000.20.602263-4/001 (Tema nº 73), consolidou a tese de que
"Deve ser anulado o contrato de cartão de crédito consignado gerador das
consignações em folha de pagamento, se assim pedido pelo consumidor,
quando configurado o erro substancial". No voto condutor do em. Des.
Evandro Lopes da Costa Teixeira, consignou-se alguma das hipóteses em
que o erro de contratação pode ser evidenciado - ou seja, quando há indícios
de que houve, com efeito, falha no dever de informação da instituição
financeira - senão vejamos:

"Prosseguindo, tendo isso em linha de consideração, cabe dizer que, em


casos em que - conforme neles apurado -, por desconhecimento ou falso
conhecimento das circunstâncias, devido à ausência de informação
adequada e clara sobre as peculiaridades dessa modalidade de contratação,
o consumidor é induzido a erro quando da celebração do contrato de "cartão
de crédito consignado", agindo de um modo que não seria a sua vontade se
conhecesse a verdadeira situação, especialmente em relação ao crédito que
lhe é disponibilizado para a contratação de empréstimo - que, em regra, é
lançado como "saque" no cartão consignado, mas tem sido efetivado por
meio da transferência do crédito para a conta do consumidor, levando-o a
acreditar que este possui as mesmas características do "empréstimo
consignado" usualmente conhecido -, há a configuração do que se denomina
"erro substancial".

Lembro que não se pode violar o dever de informação ao consumidor (CDC,


art. 31), o que se dá quando nem sequer consta no contrato a forma como
incidirá a cobrança do valor que lhe é disponibilizado para empréstimo por
meio dessa modalidade de contratação, especialmente em relação à forma
de pagamento do saldo devedor, que não é descontado em folha, mas pago
à parte.

Esse "erro substancial" se revela com maior intensidade ainda quando se


verifica que o consumidor jamais fez uso do cartão de crédito como tal, mas
apenas fez uso da função "saque".

9
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Lembro que esse "saque" muitas vezes é feito sem uso do plástico, isto é,
sem uso do cartão de crédito materialmente falando, às vezes até no
momento da contratação, pois que a instituição financeira deposita o valor
desejado na conta do consumidor sem o uso do cartão propriamente dito, o
que pode mais uma vez confundir o referido consumidor, sobretudo se
menos instruído, que fica a pensar que está apenas contraindo mais um
empréstimo consignado.

A propósito, a Nota Técnica n.º 28/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ


(processo nº 08012.000403/2020-83), aqui já referida, ao tratar do "saque"
feito no momento da contratação, afirma que, na verdade, esse "saque" nem
sequer pode ser chamado de "saque", uma vez que o valor foi creditado na
conta do consumidor, ou seja, houve a conversão do limite para uso do
cartão em depósito em conta, principal característica dos empréstimos
consignados.

Nessa mesma linha, ainda, bem sustentou o douto Promotor de Justiça


Coordenador do Procon-MG em sua manifestação constante do documento
eletrônico nº 129, quando afirmou que o valor depositado na conta do
consumidor (saque) é justamente o fator que possibilita ao Banco conferir à
contratação do cartão consignado uma falsa aparência de mero empréstimo
consignado, ocultando as reais características mais onerosas do negócio".
(TJMG - IRDR - Cv 1.0000.20.602263-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro
Lopes da Costa Teixeira , 2ª Seção Cível, julgamento em 07/11/2022,
publicação da súmula em 11/11/2022)

Extrai-se da mencionada fundamentação que, havendo indícios de que o


consumidor nunca teria se utilizado da cártula, tendo, apenas, recebido o
valor do suposto "saque" (conversão do limite para uso do cartão em
depósito em conta), poder-se-ia reconhecer a existência de indícios de erro
substancial na contratação.

Essa interpretação, contudo, não pode ser feita indistintamente a todos


os casos sob análise do Poder Judiciário. Em verdade, como bem salientado
pelo Relator do IRDR mencionado, a questão é casuística e depende da
análise cuidadosa do acervo fático-jurídico disponível nos

10
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

autos, litteris:

"Noutro passo, penso que não se pode afirmar, como linha de princípio, que,
sempre, em casos de tais contratações, há a ocorrência de erro substancial,
porquanto, mesmo que a parte autora tivesse todas as informações acerca
dessa modalidade de contratação, qual seja, empréstimo disponibilizado
mediante saque no cartão de crédito, pode ser que ainda assim optaria por
dela lançar mão, até por não mais possuir margem consignável para contrair
um empréstimo consignado tradicional, que possui taxas de juros menores.

Assim, é preciso verificar cada caso concreto, mas, em se examinando o


caso, se vier a se constatar que houve "erro substancial" na contratação, o
contrato deve ser anulado, quando há pedido nesse sentido". (TJMG - IRDR -
Cv 1.0000.20.602263-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa
Teixeira , 2ª Seção Cível, julgamento em 07/11/2022, publicação da súmula
em 11/11/2022)

Vale dizer, ainda, que a simples ausência de utilização do cartão de


crédito na função compras não é suficiente para, por si só, caracterizar o
vício de consentimento na contratação.

Deve-se averiguar, no caso concreto, as reais condições da contratação


e as peculiaridades relativas à forma de utilização do valor e do próprio
plástico disponibilizado pela instituição financeira.

Vejamos, mais uma vez, as considerações do Relator do IRDR de nº 73:

"(...) para se reconhecer a ocorrência do erro substancial, não é pressuposto


que a parte não tenha feito uso do cartão de crédito como tal, isto é, na
função compras.

Afinal, pode ocorrer de o consumidor fazer uso apenas da função "saque",


pois pode ter adquirido o cartão apenas com a intenção de realizar saques,
dada a impossibilidade de contrair mais um empréstimo consignado, por já
ter esgotado sua margem consignável

11
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

para tal modalidade de crédito.

Noutro passo, pode o consumidor ter feito uso da função "saque" pensando,
porém induzido a erro, tratar-se essa operação de simples contratação de
empréstimo consignado, cuja forma de pagamento é bem diversa" (TJMG -
IRDR - Cv 1.0000.20.602263-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da
Costa Teixeira , 2ª Seção Cível, julgamento em 07/11/2022, publicação da
súmula em 11/11/2022).(g.n.)

Confira-se, por oportuno, a ementa do mencionado julgado:

"EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS -


PRELIMINAR DE INADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE - QUESTÃO JÁ
SUPERADA - CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO -
VALIDADE - ANULABILIDADE - DANO MORAL - QUANDO OCORRE -
ERRO SUBSTANCIAL - QUANDO SE VERIFICA - CONSEQUÊNCIAS.

- Há que se rejeitar a preliminar de inadmissibilidade do IRDR, suscitada na


fase de julgamento do mérito do incidente, uma vez que tal questão já foi
superada na fase de admissibilidade do incidente.

- Deve ser anulado o contrato de cartão de crédito consignado gerador das


consignações em folha de pagamento, se assim pedido pelo consumidor,
quando configurado o erro substancial.

- Se o consumidor pretendia, de fato, contratar um empréstimo consignado e,


induzido a erro pelo banco, contratou o cartão de crédito consignado, em
havendo pedido nesse sentido e em possuindo o consumidor margem
consignável para suportar o empréstimo consignado, cabe converter o
contrato em contrato de empréstimo consignado, ficando o banco obrigado a
aplicar a taxa média, indicada pelo Banco Central, para contratações da
espécie, na época em que firmada a avença.

- Se o consumidor não possui mais margem consignável para suportar o


empréstimo consignado, cabe converter, assim mesmo, o contrato

12
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

de cartão de crédito consignado em contrato de empréstimo consignado,


com aplicação da taxa de juros aplicada, à época da contratação, para
empréstimos dessa natureza (que era o contrato visado pelo consumidor),
prorrogando-se a dívida, que deverá respeitar a ordem cronológica dos
empréstimos já assumidos, de modo a que, assim que houver margem
consignável disponível, se passe então a cobrá-la.

- Se a parte consumidora, que foi induzida a erro (questão fática a ser


examinada em caso concreto), pede na ação apenas que seja substituída a
taxa de juros do cartão de crédito consignado pela taxa média divulgada pelo
Banco Central do Brasil para "as operações de crédito com recursos livres -
Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para trabalhadores do setor
público", deve o pedido ser acolhido, mas somente em relação aos
empréstimos obtidos por meio do cartão de crédito consignado.

- Não se deve reduzir a taxa de juros para o pagamento das faturas


referentes ao uso regular do cartão de crédito como tal, que consiste nas
compras efetuadas à vista e de forma parcelada.

- Examinado o caso concreto, se a prova dos autos indicar que a instituição


financeira impingiu ao consumidor um contrato de cartão de crédito
consignado ou se a referida instituição omitiu informações relevantes e
induziu realmente o consumidor a erro, fica evidenciado o dano moral.

- Para se reconhecer a ocorrência do erro substancial, não é pressuposto


que a parte não tenha feito uso do cartão de crédito como tal, isto é, na
função compras.

- Examinado o caso concreto, se comprovada a ocorrência do erro


substancial, não é legítima a contratação de cartão de crédito consignado.

- Os valores descontados em conta bancária do consumidor, na hipótese de


conversão do contrato de cartão de crédito consignado

13
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

em contrato de empréstimo consignado, deverão ser compensados com o


saldo devedor, quando este passar a ser pago, devendo sobre os valores de
tais descontos incidir correção monetária desde a data de cada desconto e
juros de mora desde a citação da parte ré na ação.

- Na hipótese de rescisão do contrato de cartão de crédito consignado


firmado pela parte sem sua conversão em empréstimo consignado, os
valores descontados em conta bancária do consumidor deverão ser
devolvidos pela instituição financeira, incidindo sobre tais valores correção
monetária desde a data de cada desconto e juros de mora desde a citação
da parte ré na ação, ao passo que o valor do capital emprestado deverá ser
devolvido pelo consumidor, mas apenas com correção monetária desde o
depósito em sua conta.

V.V: - O erro substancial, quando da contratação do cartão de crédito


consignado em detri" (TJMG - IRDR - Cv 1.0000.20.602263-4/001,
Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 2ª Seção Cível,
julgamento em 07/11/2022, publicação da súmula em 11/11/2022).

No caso posto em julgamento, por sua vez, depreende-se do caderno


probatório a existência de elementos hábeis a demonstrar mácula na vontade
declarada pela parte requerente, exteriorizando divergência entre a vontade
e o seu real desejo, provocada por uma falsa percepção sobre o negócio
jurídico celebrado.

Isso porque, embora a instituição financeira tenha anexado aos autos


cópia do contrato assinado pelo segundo autora, ora segundo apelante,
intitulado "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO
BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE
PAGAMENTO" (doc. de ordem nº 22), verifica-se que as condições
contratuais do referido "cartão de crédito", tal como a transferência do crédito
na conta do consumidor, lançado como "saque" no cartão, muito se
assemelham às características do empréstimo consignado, a configurar o
erro substancial na celebração do negócio.

Diante desse cenário, conclui-se que a parte autora não tinha

14
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

conhecimento a respeito das circunstâncias elementares da contratação, dos


seus termos, dos seus efeitos e das responsabilidades dela decorrentes.

Em outras palavras, não foram ministradas ao consumidor/autor as


informações adequadas sobre o serviço de crédito a ele ofertado, com
especificação correta e clara da quantidade, característica, preço e riscos
que apresenta, a teor do que exige o art. 6º, do CDC, litteris:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,


com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;"

A existência de vício de consentimento pelo autor no ato da contratação é


corroborada, ainda, pela ausência do plástico do cartão de crédito
disponibilizado, assim como da indicação de seu respectivo número no bojo
do contrato ora discutido ou qualquer informação acerca de seu envio,
recebimento e/ou desbloqueio.

Além disso, conforme faturas acostadas à ordem n° 29 e 30, observa-se


que o consumidor, ao longo de um período de quase 05 (cinco) anos, nunca
utilizou o cartão na função "compras", mas tão somente na função "saque", o
que, embora não seja requisito fundamental à caracterização do erro
substancial, revela sua ocorrência com maior intensidade, conforme bem
salientado pelo Relator do IRDR de nº 73.

Impende ressaltar, inclusive, que tais "saques" registrados nas faturas


não são, propriamente, a retirada de numerário frequentemente realizada por
titulares de cartão de crédito, mas são, na verdade, transferências dos
valores mutuados para a conta corrente do consumidor, de modo a
reproduzir, portanto, o modus

15
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

operandi dos contratos de empréstimo por consignação.

Não se ignora, é claro, a possibilidade de, em casos semelhantes, existir


a livre e inequívoca ciência e aceitação das condições contratuais da adesão
a cartão de crédito consignado por parte do consumidor, notadamente
quando não possua margem consignável suficiente para contrair novo
empréstimo, considerado o limite fixado pela Lei 10.820/03 de 30% (trinta por
cento) dos rendimentos líquidos do devedor, de modo a preservar seu
mínimo existencial.

Não é esse, contudo, o caso dos autos, uma vez que, da análise do
extrato do benefício previdenciário do autor acostado à ordem n° 06, não se
observa, à época da inclusão do contrato ora discutido, a existência de
outros empréstimos por ele contraídos que ultrapassassem sua margem
consignável.

Ademais, insta destacar que, em contratos desta espécie, isto é, de


contratação de cartão de crédito consignado, o valor acumulado do uso do
cartão inserto no ciclo mensal se fraciona em dois, sendo o montante mínimo
da fatura coberto por empréstimo consignado, enquanto que o saldo
remanescente deve o ser pelo próprio consumidor, de forma ordinária.

No caso sub judice, contudo, o contrato limita-se a indicar com mais


precisão somente a autorização do desconto mensal automático no valor de
R$ 132,70 (cento e trinta e dois reais e setenta centavos), relativo à fatura
mínima da margem consignável, restando omissa, lado outro, a informação
clara e adequada acerca da necessidade de pagamento do saldo
remanescente da fatura, bem como acerca dos encargos sobre ele
incidentes, de modo a robustecer a tese de que a pretensão do consumidor
era, efetivamente a de contratar empréstimo consignado.

Nota-se, portanto, a exata correspondência dos parâmetros fixados por


este e. TJMG, por ocasião do voto condutor do julgamento do IRDR
1.0000.20.602263-4/001, principalmente porque os "saques" efetuados pelo
autor foram feitos sem o uso do cartão de

16
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

crédito materialmente falando, a reforçar, portanto, a possiblidade de


confusão pelo consumidor sobre a modalidade contratada, sobretudo porque
a instituição financeira depositou o valor desejado em sua conta, induzindo-o
a acreditar tratar-se de empréstimo consignado.

Amolda-se, portanto, o presente caso às hipóteses de vício de


consentimento na contratação mencionadas no IRDR de nº 73,
correspondendo o contrato ora discutido a verdadeiro empréstimo, pago,
contudo, sob as condições de um cartão de crédito, evidentemente mais
onerosas ao consumidor do que um empréstimo por consignação.

Em casos símiles, emerge remansosa a jurisprudência recente deste


egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE READEQUAÇÃO CONTRATUAL


C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - ERRO
SUBSTANCIAL QUANTO À NATUREZA DO CONTRATO -
CONFIGURAÇÃO - JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NO TJMG - IRDR
TEMA 73 - NULIADADE DO CONTRATO - RETORNO DAS PARTES AO
STATUS QUO ANTE - RESTITUIÇÃO EM DOBRO - ENGANO
INJUSTIFICÁVEL - ART.42, PARÁGRAFO ÚNICO CDC - CABIMENTO -
DANO MORAL - INDENIZAÇÃO DEVIDA. I- É possível a anulação do
negócio jurídico quando ocorre "erro substancial" (art.171, II Código Civil),
caracterizado como um vício no ato de vontade do emissor da declaração
constante do negócio jurídico. II- Conforme restou pacificado por este E.
Tribunal de Justiça no julgamento do IRDR Tema 73, que deve ser
considerado configurado o "erro substancial" na contratação de "cartão de
crédito consignado" quando a Instituição Financeira, oculta as reais
características mais onerosas do negócio, deixando de informar, clara e
expressamente, sobre a existência de valor remanescente a ser pago à parte
pela contratante através de fatura, induzindo o consumidor a pensar que está
contratando empréstimo consignado usualmente conhecido, sobretudo
quando o consumidor sequer fez uso efetivo do cartão de crédito como tal,
mas apenas da função "saque", e o crédito contratado foi disponibilizado

17
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

ao consumidor por meio da transferência do crédito para sua conta bancária -


e não como "saque". III- Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes
ao estado em que antes dele se achavam, impondo-se a restituição dos
valores descontados dos pagamentos/benefícios da autora, corrigidos
monetariamente desde cada desconto, com juros de mora de 1% ao mês
desde a citação, bem como a restituição, pela autora, do valor creditado pelo
Banco-réu a seu favor, apenas com correção monetária desde a data do
depósito (IRDR Tema 73). IV- Conforme entendimento recentemente
pacificado o pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos
Embargos de Divergência EAREsp. 664.888/RS, a repetição em dobro de
que trata o mencionado dispositivo legal é cabível quando a cobrança
indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve
ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo, quando
considerado injustificável o "engano" cometido pelo réu. V - Nesses casos,
"fica evidenciado o dano moral, pois tal atitude atingiu a honra e a integridade
psicológica do consumidor, que se viu profundamente desrespeitado e
enganado pela instituição financeira, o que é causa de extrema angústia e
apreensão" (TJMG - IRDR Tema 73). (TJMG - Apelação Cível
1.0000.23.106304-1/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio, 18ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 03/10/2023, publicação da súmula em 03/10/2023)
(g.n.)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - "AÇÃO ANULATÓRIA C/C DANOS MORAIS


E REPETIÇÃO DE INDÉBITO" - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO
CONSIGNADO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - EMPRÉSTIMO PESSOAL -
ERRO SUBSTANCIAL - PACTUAÇÃO INVÁLIDA - DESCONTOS EM
FOLHA DE PAGAMENTO - RESTITUIÇÃO DOS VALORES EM DOBRO -
REPARAÇÃO POR DANO MORAL - PREJUÍZO CONFIGURADO -
INDENIZAÇÃO - CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO - CONSECTÁRIOS
LEGAIS DA CONDENAÇÃO - TEMA DE ORDEM PÚBLICA.

- A força obrigatória dos Contratos cede às máculas que recaem sobre a


manifestação volitiva, que têm o condão de tornar nulo ou anulável o negócio
jurídico, o que ocorre nas hipóteses de erro, dolo, coação, estado de perigo,
lesão e fraude.

18
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

- Quando comprovadamente realizada com vício de consentimento, a avença


é passível de anulação.

- As pessoas jurídicas prestadoras de serviços respondem, objetivamente,


por prejuízos decorrentes de falha na consecução de suas atividades.

- As cobranças abusivas de parcelas, mediante consignações mensais em


folha de pagamento, com base em inválida e anulada contratação de Cartão
de Crédito, autorizam a restituição em dobro dos respectivos valores.

- Essas condutas ilegais atentam contra o sistema protetivo da Lei nº


8.078/1990 e materializam práticas deflagradoras de dano moral.

- Segundo os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, o valor


reparatório não pode servir como fonte de enriquecimento do ofendido, nem
consubstanciar incentivo à reincidência do responsável pela prática do ilícito.
A indenização por danos morais também deve ser arbitrada de acordo com
os parâmetros consolidados pela Jurisprudência e com observância aos
conteúdos dos arts. 141 e 492, ambos do CPC.

- Por integrarem os denominados pedidos implícitos e consubstanciarem


matéria de ordem pública, a correção monetária e os juros moratórios
aplicados sobre o quantum condenatório, assim como os critérios de sua
aplicação, se submetem à modificação de ofício, se m que tal providência
configure julgamento extra petita ou reformatio in pejus. (TJMG - Apelação
Cível 1.0000.23.168356-6/001, Relator(a): Des.(a) Roberto Vasconcellos ,
17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/09/2023, publicação da súmula em
28/09/2023) (g.n.)

Diante de tais considerações, considerando que o contratante nunca


recebeu o cartão de crédito propriamente dito, tampouco utilizou-o em sua
função "compras", inexistindo quaisquer indícios de que o consumidor foi
efetivamente informado acerca das condições

19
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

contratuais a que se obrigou, evidente que houve erro substancial em relação


à natureza do negócio, principalmente quanto à forma de pagamento e
encargos sobre ele incidentes, devendo ser mantida hígida a sentença
vergastada, neste quadrante, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Da revisão do contrato

Igualmente não há como ser acolhido o pedido da instituição financeira


ré, a fim de manter as taxas de juros previstas no contrato juntado à ordem
n° 22.

Isso porque, uma vez reconhecido o vício de consentimento do autor no


ato da contratação de cartão de crédito consignado, determinou o magistrado
singular, corretamente, a conversão do negócio em empréstimo consignado,
aplicando, por conseguinte, a taxa de juros média de mercado para tal
modalidade de contratação, em consonância com as orientações definidas
no julgamento do IRDR n° 73.

A propósito, trago à baila as considerações do Relator do voto condutor


quanto aos procedimentos a serem adotados em caso de reconhecimento de
erro substancial:

"Todavia, pode ocorrer que a parte tenha pedido a anulação do contrato de


cartão de crédito consignado e sua conversão em empréstimo consignado,
bem como pode acontecer de que ela já tenha lançado mão do capital, não
tendo mais como devolvê-lo.

Como proceder nessas hipóteses?

Ao meu aviso, cabe converter o contrato de cartão de crédito consignado em


empréstimo consignado.

Aqui surge importante questão: muitas das vezes, o consumidor não

20
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

possui mais margem consignável para suportar o empréstimo consignado,


como em certo momento de sua manifestação sustentou o Banco BMG S/A.

Portanto, não haveria como fazê-lo pagar as prestações como tal,


ultrapassando o limite imposto pela lei para pagamentos de empréstimos
consignados.

Nessa hipótese, vale registrar que não cabe dar por liquidada a dívida, como
sugerido pelo Procon-MG, sob pena de se dar ensejo a um enriquecimento
ilícito por parte do consumidor que quis contrair um empréstimo.

Assim, nessa hipótese de inexistir margem consignável, cabe converter o


contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, com
aplicação da taxa de juros aplicada, à época da contratação, para
empréstimos dessa natureza (que era o contrato visado pelo consumidor),
prorrogando-se a dívida, que deverá respeitar a ordem cronológica dos
empréstimos já assumidos, de modo a que, assim que houver margem
consignável disponível, se passe então a cobrá-la." (TJMG - IRDR - Cv
1.0000.20.602263-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa
Teixeira , 2ª Seção Cível, julgamento em 07/11/2022, publicação da súmula
em 11/11/2022) (g.n.)

Nesse caso, portanto, deve ser mantida a limitação da taxa de juros, nos
termos definidos pela r. sentença, através da qual o juízo a quo determinou
que prevaleça o índice próprio de empréstimo consignado estabelecidos pelo
BACEN à época da contratação (20/08/2015), correspondente a taxa de juros
média de 2,12% ao mês, na modalidade "crédito pessoal", devendo haver o
recálculo do saldo devedor, bem como a restituição dos valores pagos a
maior pelo autor/segundo apelante, tudo a ser apurado em liquidação de
sentença.

Uma vez convertida a modalidade do contrato, adequando suas


respectivas taxas de juros, em sendo o caso de ausência de margem

21
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

consignável disponível para inclusão de novo empréstimo consignado, deve-


se prorrogar a dívida, respeitando a ordem cronológica dos empréstimos já
assumidos, permitindo a cobrança do contrato objeto dos autos a partir do
momento em que for liberada margem para contratação, nos moldes da lei
aplicável.

Da repetição do indébito

Em relação aos valores cobrados a maior pela instituição financeira ré,


requer o autor/segundo apelante a reforma parcial da sentença recorrida, a
fim de que tais valores lhe sejam restituídos em dobro.

No tema, revela-se necessário observar o disposto no artigo 42,


parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, ao prever que "o
consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito,
por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção
monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

E de acordo com o entendimento que prevalecia na 2ª Seção do Superior


Tribunal de Justiça, a "repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42,
parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento
indevido quanto a má-fé do credor" (Resp 1.199.273-SP).

Tal entendimento vinha sendo adotado, sem ressalvas, pela


jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça.

Sucede que, em 30.03.21, a Corte Especial daquele Tribunal Superior


procedeu ao julgamento dos Embargos de Divergência nº 676608,
culminando por fixar a seguinte tese:

"A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é


cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-
fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do
elemento volitivo."

22
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

A partir dessa ótica, afigura-se irrelevante a natureza volitiva da conduta


(se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o
consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o parágrafo único
do art. 42 do CDC.

No entanto, ao solucionar a divergência que havia entre suas Seções, o


STJ modulou os efeitos da tese fixada nos Embargos de Divergência,
determinando que o entendimento fixado seja aplicado aos indébitos de
natureza contratual não pública, cobrados após a data da publicação do
acórdão, o que ocorreu em 30 de março de 2021.

Ou seja, aplica-se o entendimento, apenas, para as parcelas


indevidamente pagas depois da publicação do acórdão, sendo certo que
somente nestes casos é que resta autorizada a restituição em dobro. Para as
parcelas descontadas em momento anterior à publicação do acórdão,
ausente má-fé ou dolo da ré ao promover os descontos na conta bancária do
autor, impossível a restituição em dobro dos valores.

Assim, a instituição financeira ré deve devolver os valores indevidamente


descontados de forma simples até 30/03/2021, sendo certo que a partir
dessa data a restituição deve se dar de forma dobrada, a merecer, pois,
parcial reforma a r. sentença hostilizada, neste capítulo, ao determinar de
forma indistinta a repetição simples do indébito.

Dos danos morais

Por fim, defende o autor/segundo apelante a existência de danos


extrapatrimoniais na espécie, ao argumento de que a conduta da instituição
financeira ré, que lhe induziu a contratar cartão de crédito consignado em
erro, causou-lhe prejuízos, notadamente quanto à diminuição de seus
rendimentos mensais utilizados para sua própria subsistência, razão pela
qual requer a condenação do banco réu ao pagamento de indenização pelos
danos morais sofridos.

23
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

O dano extrapatrimonial é aquele decorrente de situação capaz de lesar


determinado interesse existencial merecedor de tutela jurídica. Trata-se,
portanto, tal como se infere da redação dos artigos 186 e 927 do Código
Civil, de uma proteção aos direitos da personalidade daqueles que
experimentaram relevante violação a sua honra, imagem, integridade física,
intelectual, moral, dentre outras.

Acerca das hipóteses de reconhecimento de erro substancial, o voto de


relatoria do IRDR 1.0000.20.602263-4/001 também fixou diretrizes no
terceiro tema discutido para a verificação da ocorrência de dano moral
indenizável, as quais permito-me abaixo colacionar para fins de melhor
elucidação:

"Como já visto, consiste o terceiro tema em saber se há a ocorrência de


danos morais pela retenção de proventos alimentícios decorrente de erro
substancial e falha na prestação de serviços pela ausência de informação
clara ao consumidor.

Lembro, aqui, que, como já dito em outras oportunidades, é evidente que é


no caso concreto que se examinará se os fatos ocorreram (retenção de
proventos alimentícios decorrente de erro substancial e falha na prestação de
serviços pela ausência de informação clara ao consumidor), mas pode-se
deixar aqui assentada a consequência que de tais fatos deve advir
(reconhecimento ou não de dano moral).

Pois bem.

Examinado o caso concreto, se a prova dos autos indiciar que a instituição


financeira impingiu ao consumidor um contrato de cartão de crédito
consignado, especialmente se se tratar de uma pessoa humilde e idosa, por
isso mesmo desprovida de maiores conhecimentos e capacidade de
avaliação da situação, ou se a referida instituição omitiu informações
relevantes e induziu realmente o consumidor a erro, fica evidenciado o dano
moral, pois tal atitude atingiu a honra e a integridade psicológica do
consumidor, que se viu profundamente desrespeitado e enganado pela
instituição financeira, o que é causa de extrema angústia e apreensão.

24
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

A propósito, é o que sustentou a Defensoria Pública, em sua manifestação,


como já visto no relatório, quando afirmou que é de se admitir (é claro diante
de evidências concretas no caso) a ocorrência de dano moral individual,
sobretudo por idosos, quando privados de recursos próprios de
aposentadorias, salário, pensão, para a cobrança indevida de encargos
bancários, decorrentes de produto excêntrico para o qual não se
providenciou a informação clara e acessível.

Lembro que o dano moral ocorre quando há ofensa a algum dos direitos da
personalidade do indivíduo, assim entendidos os direitos referentes à
imagem, ao nome, à honra e à integridade física e psicológica da pessoa."
(TJMG - IRDR - Cv 1.0000.20.602263-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro
Lopes da Costa Teixeira , 2ª Seção Cível, julgamento em 07/11/2022,
publicação da súmula em 11/11/2022) (g.n)

Na espécie, uma vez constatada o erro substancial do autor no ato da


celebração do negócio jurídico que ora se discute, evidencia-se a
abusividade dos descontos praticados pelo banco réu, restando comprovada
a ofensa aos direitos da personalidade do autor, que teve parcela de sua
aposentadoria descontada indevidamente.

Os prejuízos suportados em razão da privação ilegítima dos proventos do


autor, os quais configuram verba de natureza alimentar, de maneira alguma
pode ser tida como mero infortúnio, sobretudo em se tratando de pessoa
idosa e humilde.

No mesmo sentido já decidiu esta 10ª Câmara Cível:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA


DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS -
CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA - AUTORIZAÇÃO INSUBSISTENTE
MEDIANTE CONTATO TELEFÔNICO - INVALIDADE - INSTRUÇÃO
NORMATIVA 28/INSS/PRES - DANOS MORAIS CONFIGURADOS -
COMPENSAÇÃO. - Nos termos do art. 373 do CPC o ônus da prova é do
autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito cabendo ao réu

25
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.


Não pode o devedor ser compelido a produzir prova negativa. - A Instrução
Normativa nº 28/INSS/PRES, alterada pela Instrução Normativa nº 39 de
18/06/2009, estabelece que a autorização para constituição de reserva de
margem consignável por aposentado ou pensionista do INSS deve ser
expressa, por escrito ou meio eletrônico, não sendo aceita autorização dada
por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de
ocorrência. - A irregularidade da contratação e os descontos efetivados nos
proventos da parte consubstancia conduta contrária à boa-fé objetiva. - A
incidência de desconto indevido por instituição financeira sobre benefício
previdenciário, verba alimentícia, afronta à dignidade consuma danos morais
indenizáveis. - No arbitramento da indenização pela reparação moral, deve
se relevar os reflexos concretos produzidos pelo ato no patrimônio jurídico da
vítima, fixando-se quantia que sirva para indenizar, punir e simultaneamente,
em caráter pedagógico, evitar a reiteração do ato, sem que se constitua valor
exagerado ao ponto de configurar enriquecimento sem causa. - A restituição
da quantia depositada em conta do autor é medida pertinente em razão da
declaração da inexistência da relação jurídica, autorizada apuração em
liquidação de sentença. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.118054-0/002,
Relator(a): Des.(a) Cavalcante Motta, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
26/09/2023, publicação da súmula em 02/10/2023) (g.n.)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA


DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE
INDÉBITO - DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
- ARGUIÇÃO DE FALSIDADE DE ASSINATURA APOSTA NO CONTRATO -
ÔNUS DA PROVA - PARTE QUE PRODUZIU O DOCUMENTO - ART. 429,
II, CPC - PRECEDENTES DO STJ - CONTRATAÇÃO NÃO PROVADA -
DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO - VALORAÇÃO DO DANO -
CRITÉRIOS - RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO - ART. 42 DO CDC -
ORIENTAÇÃO DO STJ QUANTO À DEVOLUÇÃO (SIMPLES/DOBRO) -
MODULAÇÃO DE EFEITOS. 1 - Arguida a falsidade da assinatura lançada
em contrato, o ônus de provar a veracidade dela é da parte que produziu o
documento, nos termos do art. 429, II, CPC.

26
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Precedentes do STJ. 2 - O desconto indevido de parcelas de empréstimo em


benefício previdenciário causa angústia ao beneficiário, que já sobrevivia
com benefício módico, caracterizando dano de cunho moral. 3 - O valor da
indenização por danos morais deve ser fixado considerando o grau da
responsabilidade atribuída ao réu, a extensão dos danos sofridos pela vítima,
bem como a condição social e econômica do ofendido e do autor da ofensa,
atentando-se, também, para os princípios constitucionais da razoabilidade e
da proporcionalidade. 4 - "(...) A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A
COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À
BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE
DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS
29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o
entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação
de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data
da publicação do presente acórdão." (STJ, EREsp 1.413.542/RS, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ acórdão Ministro
HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de
30/03/2021) (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.022993-6/002, Relator(a):
Des.(a) Claret de Moraes , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/09/2023,
publicação da súmula em 25/09/2023) (g.n.)

O desconto indevido, portanto, incorre em onerosidade excessiva em


desfavor do consumidor, comprometendo sua subsistência e violando os
princípios da razoabilidade, do mínimo existencial e da dignidade da pessoa
humana.

Deste modo, deve ser reformada a r. sentença neste ponto, a fim de


condenar o banco requerido ao pagamento de indenização por danos morais.

Quantum indenizatório

No que tange ao quantum indenizatório, tem-se que o julgador deve levar


em conta o caráter reparatório e pedagógico da

27
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

condenação, de forma a não permitir o lucro fácil do ofendido, mas também


sem reduzir a verba a um valor ínfimo ou irrisório, sempre atento aos
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade.

Nesse sentido, preleciona Humberto Theodoro Júnior:

"Impõe-se rigorosa observância dos padrões adotados pela doutrina e


jurisprudência, inclusive dentro da experiência registrada no direito
comparado para evitar-se que as ações de reparação de dano moral se
transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e
injustificáveis. As duas posições sociais e econômicas, da vítima e do
ofensor, obrigatoriamente, estarão sob análise, de maneira que o juiz não se
limitará a fundar a condenação isoladamente na fortuna eventual de um ou
na possível pobreza do outro." (JÚNIOR, Humberto Theodoro. Dano Moral.
5ª ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007).

É sabido que o ressarcimento pelo dano moral decorrente de ato ilícito é


uma forma de compensar o mal causado e não deve ser usado como fonte
de enriquecimento ou abusos. Nesse sentido, a sua fixação deve levar em
conta o estado de quem o recebe e as condições de quem paga.

Este numerário deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do


abalo sofrido, produzindo, no causador do mal, impacto bastante para
dissuadi-lo de igual procedimento, forçando-o a adotar uma cautela maior,
diante de situação como a descrita nestes autos.

À luz de tais parâmetros, analisando o contexto dos autos, considerando,


ainda, o valor do benefício percebido pela parte autora e o porte econômico
do réu (instituição bancária), tenho que o valor de R$10.000,00 (dez mil
reais) mostra-se adequado e proporcional à gravidade da conduta
perpetrada.

DISPOSITIVO

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO PRIMEIRO

28
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

RECURSO E DOU PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO, para reformar


parte da sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais,
apenas para a) condenar a ré a restituir de forma simples os valores
debitados até 30/03/2021 e ressarcir em dobro os valores descontados
posteriormente; e b) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos
morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), corrigido monetariamente a
partir da publicação deste julgamento, pelos índices da CGJTJMG e
acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação.

Com o julgamento do presente recurso, diante do decaimento mínimo da


parte autora, condeno a parte ré ao pagamento integral das custas
processuais, inclusive recursais, e dos honorários advocatícios, os quais fixo
em 12% sobre o valor da condenação a ela imposta.

DES. CAVALCANTE MOTTA - De acordo com o(a) Relator(a).

DESA. MARIANGELA MEYER - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO E DERAM


PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO RECURSO"

29

Você também pode gostar