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O JOGO COMO RECURSO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO

INFANTIL1
Bianca Guimarães Marins

Resumo: Este artigo trata da importância do jogo e do brincar na Educação


Infantil, visando à ludicidade como caminho para a aprendizagem e a construção
do conhecimento através de brincadeiras, jogos e brinquedos. Procurou-se,
através de uma pesquisa, verificar e compreender como se constituem as
experiências com jogos em uma instituição particular de Educação Infantil em
Curitiba/PR, por meio da observação e análise dos jogos e brincadeiras
desenvolvidos junto às crianças de duas turmas e de entrevistas realizadas com
professoras e auxiliares de ensino. Foi possível identificar algumas contradições
no que diz respeito à relação da teoria e prática sobre o jogo como recurso
pedagógico, colocando-se a necessidade de que as professoras estudem sobre
os jogos, saibam identificar se um jogo é ou não adequado a determinado grupo,
tirando proveito desse recurso, para que não seja utilizado somente como
recreação ou ocupação de tempo.

Palavras-chave: Educação Infantil. Brincadeira. Jogo. Ludicidade.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo foi desenvolvido através da problematização da importância


do jogo e do brincar no processo de desenvolvimento da criança, sobretudo na
Educação Infantil, visando à ludicidade como caminho para a aprendizagem e a
construção do conhecimento através de brincadeiras, jogos e brinquedos.
Apesar de os educadores no geral demonstrarem conhecimento e clareza do
que são os jogos pedagógicos e que se trata de uma ferramenta didática muito
importante capaz de contribuir para o desenvolvimento do aluno, cabe refletir se

1
Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, sob orientação da professora Daniela Erani Monteiro
Will, no segundo semestre de 2018.
os professores realmente possuem um entendimento tão claro acerca do uso
dos jogos na educação infantil como esta pesquisa indica.

Desta forma, foi proposto o seguinte problema de pesquisa: de que modo


as crianças de uma escola particular de Educação Infantil em Curitiba/PR
vivenciam a experiência do jogo na Educação Infantil, e como os professores o
desenvolvem como recurso pedagógico?
Através da pesquisa, procurou-se verificar e compreender como se
constituem as experiências com jogos na instituição de ensino, verificando as
concepções dos professores de Educação Infantil acerca dos jogos e
brincadeiras na infância, conhecendo como os jogos são propostos pelos
professores, identificando como as crianças vivenciam a experiência com jogos.
Deste modo, a pesquisa foi realizada com enfoque qualitativo e descritivo,
em um centro de educação infantil particular na cidade de Curitiba/PR, que
atende crianças de 4 meses a 6 anos de idade, e conta com o total de 148 alunos
e 36 funcionários.
A pesquisa foi desenvolvida através da sistematização dos dados
coletados por meio de observação dos jogos e brincadeiras desenvolvidos junto
às crianças das turmas do Maternal 3 (11 crianças) e do Nível 5 (18 crianças),
da análise dos jogos e brincadeiras, para identificar quais conhecimentos são
desenvolvidos, bem como de entrevistas transcritas realizadas com duas
professoras e três auxiliares do centro de Educação Infantil, onde foram
realizadas perguntas referentes à ludicidade e à importância das atividades com
jogos na educação infantil, de forma que foi possível conhecer de que forma os
jogos são utilizados na prática em uma escola de Educação Infantil, assim como
qual apercepção das educadoras acerca do trabalho com jogos.
Nas próximas páginas deste artigo serão apresentadas a fundamentação
teórica, bem como a discussão dos resultados obtidos da pesquisa de campo e
as conclusões.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O jogo permite que a criança construa o seu próprio mundo, trazendo


assim para a sua própria realidade diversas situações que fazem parte de seu
universo imaginário. Assim, contribui para o seu desenvolvimento, não
representando apenas mais um meio didático que facilita o aprendizado, uma
vez que esta ferramenta influencia diversas áreas do desenvolvimento da
criança, tais como: motricidade, inteligência, sociabilidade, afetividade e
criatividade, permitindo que a criança exteriorize seu potencial criativo.
Diversos autores (KISHIMOTO, 2007; FLAVEL, 1999) defendem a
importância das brincadeiras e jogos como atividades lúdicas para a criança, e
enxergam estas atividades como um meio de permitir a aprendizagem e o
desenvolvimento cognitivo e social. Para Piaget, por exemplo, quando a criança
brinca, ela assimila o mundo à sua maneira, sem que este mundo
necessariamente tenha correspondência com a realidade, pois a sua interação
com o objeto não depende da natureza deste objeto, mas sim da função que a
criança lhe atribui (PIAGET, 1978).
Nesse sentido, também Bruner (apud KISHIMOTO, 2012, p. 151) valoriza
a brincadeira desde o nascimento da criança, pois é pela brincadeira que a
criança aprende a se movimentar, falar e desenvolver estratégias para
solucionar problemas, desempenhando papel preponderante na perspectiva de
uma aprendizagem exploratória, ao favorecer a conduta divergente, a busca de
alternativas não usuais, integrando o pensamento intuitivo:

Brincadeiras com o auxílio do adulto, em situações estruturadas, mas


que permitam a ação motivada e iniciada pelo aprendiz de qualquer
idade, parecem estratégias adequadas para os que acreditam no
potencial do ser humano para descobrir, relacionar e assim buscar
soluções.

O jogo, por exemplo, pode ser um recurso pedagógico muito expressivo.


No contexto cultural é uma atividade livre, alegre, que engloba uma significação.
Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998)
estabelecem que trabalhar com o jogo é levar à criança a possibilidade de
expressar-se e descobrir o mundo, estabelecendo relações com ele a fim de
obter segurança. Já a Base Nacional Comum Curricular (2016) prevê a utilização
de jogos em todas as áreas do conhecimento, tanto como conteúdo específico
como ferramenta auxiliar de ensino.
Segundo Coria-Sabini e Lucena, o trabalho com jogos, brincadeiras e
linguagens artísticas pode ser um caminho para a construção do conhecimento
da criança na pré-escola. Assim, as autoras afirmam que “é preciso resgatar os
jogos simbólicos, os jogos regrados, as atividades de recreação tanto com suas
manifestações verbais e não verbais”. (CÓRIA-SABINI; LUCENA, 2015, p. 10).
Nesse sentido, a prática de brincadeiras em situação escolar pode criar
condições para a criança avançar no seu desenvolvimento cognitivo, porém elas
precisam ser cuidadosamente elaboradas pelo professor. As situações que são
promovidas por meio das brincadeiras precisam ser discutidas, analisadas e
trabalhadas pelo professor para que possam tornar-se um conceito específico.
Cória-Sabini (2004, p. 27) destaca que, na prática dos jogos na escola,
as crianças criam e estabilizam seus conhecimentos sobre o mundo. Contudo,
essas situações não podem ser confundidas com aquelas em que os jogos são
utilizados para ensinar os conteúdos disciplinares.
Assim, o que se pode perceber é que tanto a função lúdica, quanto a
função educativa estão presentes nos jogos e brincadeiras, sejam eles livres ou
dirigidos. Nas atividades lúdicas, a função educativa estará sempre presente, por
contribuir para a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e emocional
das crianças, implicando sempre algum tipo de aprendizagem individual ou
social.
A concepção de Vygotski (1984, p. 109) sobre o jogo infantil espontâneo
aborda que, na situação da brincadeira, a criança imita papeis dos adultos e
ensaia futuros papeis e valores. Ao brincar, ela começa a desenvolver a
motivação, as habilidades e as atitudes que serão necessárias para a sua
participação social.
Mesmo sendo a brincadeira uma atividade espontânea da criança, existe
uma diferença entre a situação de jogo que é elaborada por ela e o jogo com
finalidades pedagógicas. O jogo como recurso pedagógico implica planejamento
e previsão de etapas, pelo professor, para alcançar objetivos predeterminados.
Conforme defende Kishimoto, o jogo possui grande valor social, uma vez
que oferece inúmeras possibilidades educacionais, propiciando o
desenvolvimento corporal, estimulando a “vida psíquica e a inteligência, contribui
para a adaptação ao grupo, preparando a criança para viver em sociedade,
participando e questionando os pressupostos das relações sociais tais como
estão postos” (KISHIMOTO, 2007, p. 37).
Kishimoto considera que a criança em idade pré-escolar aprende a partir
de suas explorações e relações que faz com os objetos e o meio em que vive,
adquire noções espontâneas em processos interativos, integrando o ser humano
inteiro com suas cognições, afetividade, corpo e interações sociais. Assim,
atribui-se ao brinquedo um papel relevante nesse processo. Nas palavras de
Kishimoto (2002, p. 36):

ao permitir a ação intencional (afetividade), a construção de


representações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o
desempenho de ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas
interações (social), o jogo contempla várias formas de representação
da criança ou suas múltiplas inteligências, contribuindo para a
aprendizagem e o desenvolvimento infantil.

Desse ponto de vista, situações lúdicas elaboradas pelos adultos com o


objetivo de estimular aprendizagens especificas caracterizam a sua dimensão
educativa. Desde que o educador mantenha as condições específicas do jogo
para a criança, bem como sua ação intencional para brincar, o jogo potencializa
as situações de aprendizagem.
Brougère (1998, p. 18) reconhece a importância dos materiais utilizados
durante os jogos e da forma como o adulto organiza esse momento, e defende
que ambos são determinantes para que a liberdade da criança seja preservada
durante a brincadeira:

O material pedagógico parece estar entre a prática e os discursos. (...)


ele é significativo, traduz a escolha dos pedagogos e o valor embutido
naquele objeto. Ele também orienta a prática e lhe dá suporte e
constitui o meio material onde essas práticas vão se desenvolver.
Escolher um determinado material é exprimir valores, envolver-se em
uma lógica pedagógica como vimos, através daquilo que é eleito e
daquilo que é eliminado.

Além disso, o autor defende que a escola deve preocupar-se com todo o
contexto para favorecer o brincar das crianças. Um professor mediador constrói
um ambiente também mediador do brincar. Para Brougère (1998, p. 18), não
haveria uma educação espontânea, de modo que o adulto sempre estará
construindo uma ação educativa que ocorrerá de acordo com a concepção que
ele tem da criança e de sua maneira peculiar de aprender, bem como dos limites
e possibilidades de aprendizagem que ele acredita fazerem parte do
desenvolvimento do aluno. Então, as intervenções sempre partirão dessas
premissas anteriores e farão toda a diferença no planejamento, execução e
avaliação.
Contudo, é preciso compreender que o jogo tem a função de facilitar a
aprendizagem, contendo um grande simbolismo, mas de modo que seja pouco
previsível (Brougère, 2002, p. 06).
De acordo com Fortuna, é importante que a brincadeira e o jogo estejam
inseridos em um contexto educativo, com objetivos e metodologia definidos, o
que supõe ter consciência da importância de sua ação em relação ao
desenvolvimento e à aprendizagem da criança (FORTUNA, 2003, p. 8).
Desta forma, a potencialização da aprendizagem é a principal razão pela
qual o jogo como recurso pedagógico é considerado importante para a
educação, de modo que a brincadeira se torna repleta de significado com a ajuda
dos seus educadores, que assumem o rol de mediadores, uma vez que “a prática
docente não deve ser nem tão largada que dispense o educador, dando margem
à praticas educativas espontaneístas que sacralizam o ato de brincar, nem tão
dirigida que deixa de serem brincadeiras” (Carderelli, 2007, p. 14).
A reflexão sobre a inclusão do jogo nas propostas pedagógicas
escolares pode vir a ser de grande importância no cenário educacional e justifica-
se, segundo Vygotski (1984, p. 109), pela aquisição do símbolo, pois é alterando
o significado dos objetos, das situações e criando novos significados que se
desenvolve a função simbólica, elemento este que garante a racionalidade do
sujeito.
Para o autor, durante a brincadeira, uma ação substitui a outra ação,
assim como um objeto substitui outro objeto. Brincar é uma atividade que procura
representar o real e é uma atividade com propósitos que justificam o jogo.
Nesse sentido, o jogo e a brincadeira têm uma significação prática, uma
profunda repercussão emocional e uma grande carga afetiva para a criança. O
jogo constitui uma conduta por meio da qual se realiza certo equilíbrio entre seu
mundo exterior e interior, estimulando assim a autonomia e a socialização.
Portanto, faz-se necessário ressaltar a importância do brincar para o
desenvolvimento da aprendizagem na Educação Infantil, bem como a
conscientização dos educadores quanto ao melhor direcionamento das
brincadeiras e jogos, para que, assim, as crianças aprendam da melhor forma
através das brincadeiras, bem como de atividades dinâmicas de motivação e
utilização de jogos.

3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Uma das professoras entrevistadas (A) atua no Maternal 3, tem 28 anos,


é formada em Pedagogia e Magistério, e trabalha na Educação Infantil há 9 anos,
primeiramente como auxiliar de turma e, há dois anos, como professora.
Já a segunda professora entrevistada (B) atua no nível 5, tem 24 anos, é
pedagoga e possui especialização em psicopedagogia. Trabalha há 3 anos
como auxiliar de turma e há 3 anos como professora regente, totalizando 6 anos
de experiência na Educação Infantil.
Quanto às auxiliares de turma, uma (C) tem 23 anos, possui formação em
magistério, está cursando o primeiro ano do curso de Pedagogia e trabalha na
educação infantil há 3 anos. Já a segunda auxiliar (D) tem 19 anos, trabalha
nessa área há um ano e cursa o primeiro ano de Pedagogia.
Todas afirmaram trabalhar em período integral, das 08:00 às 18:00.

3.2 O lúdico, a brincadeira e o jogo


Foi observado, nas respostas trazidas pelas profissionais entrevistadas,
que muitas vezes os conceitos de lúdico, brincadeira, brinquedo e jogo
confundem-se. Nesse sentido, sobre a utilização das brincadeiras e jogos na
Educação Infantil, apenas uma das entrevistadas não utilizou o termo ‘lúdico’
para referir-se a estas atividades, sendo que as demais responderam que “(...)
a criança constrói o conhecimento em situações lúdicas que integram seu mundo
da imaginação ao mundo real” (A), “A utilização do lúdico na aprendizagem é
muito importante” (C), “O lúdico é a prática das brincadeiras que desenvolvem a
aprendizagem, atenção e coordenação motora”.
Tais contradições apontam que o professor possui um conhecimento
empírico acerca do lúdico, mas faltam conhecimentos teóricos sobre sua origem,
importância, ideias dos principais estudiosos do assunto, bem como sua
utilização para determinada idade e interesse dos alunos.
Durante as observações, acabei coletando e anotando opiniões proferidas
pelas professoras durante conversas informais, como na seguinte conversa em
que perguntei para uma professora durante o recreio, o que significava o lúdico
para ela e, em suas palavras, “é algo concreto e que tem significado. Através do
lúdico a criança tem maior compreensão das suas próprias ações, tem maior
poder de argumentação de suas ideias”.
Apesar de estarem relacionados e tenderem a completar-se, é importante
ressaltar que os conceitos de ludicidade, brincadeira, brinquedo e jogo são
diferentes.
Para Santin (1998), as atividades lúdicas são ações vividas e sentidas,
povoadas pela fantasia e realidade, pela ressignificação, pela percepção, pelos
momentos de autoconhecimento e pela imaginação. Na atividade lúdica, o que
importa não é o produto da atividade, o que dela resulta, mas a apropriação, o
processo daquilo que é vivido.
De acordo com Miranda (2001, p. 30), o conceito de jogo requer regas ou
normas de conduta, já o brinquedo pode ser considerado um objeto manipulável
e a brincadeira seria a ação de brincar com estes objetos – brinquedo ou jogo.
Portanto, jogar quer dizer brincar com o jogo, e este pode existir através do
brinquedo, se os sujeitos lhe atribuírem certas condições ou regras. Desta forma,
tanto o jogo, como a brincadeira e o brinquedo, apesar de comportarem
significados diferentes, relacionam-se entre si. Já o conceito de lúdico
compreende todos esses conceitos.
De acordo com Veit e Sá, (2014, p. 22), essas definições esclarecem que
“o conceito de lúdico não se identifica totalmente com a de jogo, de modo que o
jogo contém o lúdico, mas nem sempre cobre totalmente o seu sentido; pode
também extrapolá-lo”.

3.3 A função lúdica x função educativa do jogo


Através da pesquisa realizada, ficou claro que o jogo, apesar de aparecer
com maior expressão como jogo educativo durante as entrevistas com as
educadoras, apareceu muito de forma espontânea, conforme observação em
sala de aula dos jogos utilizados pelas crianças.
Desta forma, é importante destacar aqui quais as categorias de jogos
utilizados e a diferença entre o jogo espontâneo e o jogo educativo.
Kishimoto (2002, p. 36) aborda o lúdico enquanto jogo educativo em duas
faces. A primeira refere-se à função lúdica do jogo, que ocorre quando o
brinquedo propicia diversão, prazer e até desprazer, quando escolhido pela
criança; e a segunda face refere-se ao jogo enquanto sua função educativa.
Nessa, o brinquedo ensina qualquer coisa que faça parte do sujeito em seu
saber, seus conhecimentos e sua apreensão de mundo.
Desse ponto de vista, situações lúdicas elaboradas pelos adultos com o
objetivo de estimular aprendizagens específicas caracterizam sua dimensão
educativa. Desde que o educador mantenha as condições especificas do jogo
para a criança, sua ação intencional para brincar, o jogo potencializa as
situações de aprendizagem.
Assim, todas as entrevistadas afirmaram que a instituição em que
trabalham propicia momentos de aprendizagem através de jogos e brincadeiras,
como é o caso do dominó matemático, bingo cientifico, material dourado e
quebra-cabeças pedagógicos. Além disso, afirmaram que também está previsto
no cronograma da escola momentos de jogos espontâneos, sem relação com o
planejamento pedagógico, que geralmente são praticados no recreio. Estas
respostas evidenciam a utilização dos jogos para o ensino de conteúdos
escolares, com caráter meramente educativo.
Das educadoras entrevistadas, a professora A foi a única que demonstrou
utilizar o processo criativo dos alunos para criar os jogos, ao dizer: “Utilizo muito
jogos criados... gosto que as crianças façam seu próprio jogo, com sucatas ou
artigos a que trouxeram de casa, integrando assim outras áreas do
conhecimento, além de mobilizar a família. Mesmo que o trabalho com o jogo
não fique “bonito”, acho importante que tenha a cara da criança, sua identidade.
Faço atividades lúdicas com o alfabeto, fantoches, quebra-cabeças para verificar
as dificuldades que a sala apresenta”. Tais jogos também objetivam o ensino de
conteúdos escolares.
Para Souza (2000), o jogo é uma ferramenta educativa muito importante
para a educação infantil, já que pode auxiliar no ensino, fornecendo à criança a
possibilidade de desenvolver mais autonomia, cooperação e criatividade. A
criança que brinca, prepara-se para o mundo do trabalho, da cultura, por meio
da representação e da experimentação. Sendo assim, o jogo é uma atividade
social que depende de regras de convivência.
Em outro momento, durante uma conversa livre, tive a oportunidade de
anotar a descrição de uma professora sobre a utilização de jogos em atividades
dirigidas, como uma maneira de observar o desenvolvimento da criança durante
a alfabetização: “Através das atividades com regras que proponho em sala de
aula, procuro verificar as dificuldades em que a sala apresenta e a partir disto,
crio, busco jogos e atividades diversificadas, entretendo os alunos e assim vou
introduzindo desafios e a compreensão do mesmo e com isso alfabetizando”.
Também presenciei uma atividade de bingo de letras durante o período
de observação, em que presenciei o modo como os alunos do Nível 5 relacionam
os grafemas aos fonemas de maneira lúdica e estimulando a criatividade.
A presente pesquisa revela em seus dados que as educadoras,
manifestam o entendimento do jogo como um recurso pedagógico direcionado
às áreas de desenvolvimento e aprendizagem. Assim, afirma Friedmann (1996,
p. 67): “Para o desenvolvimento e aprendizagem da criança, o jogo tem papel
fundamental, que pode ser aproveitado num trabalho integrado com todas as
áreas de desenvolvimento”.
Contudo, a utilização excessiva dos jogos educativos, dirigidos apenas ao
ensino de conteúdos específicos, pode retirar do jogo sua naturalidade e eliminar
o prazer, a alegria e a gratuidade, ingredientes indispensáveis à conduta lúdica.
Por isso, o caráter espontâneo do jogo è de suma importância para
odesenvolvimento cognitivo, social e afetivo das crianças.
Piaget (1978) diz que o jogo constitui-se em expressão e condição para o
desenvolvimento infantil, já que, quando jogam, as crianças assimilam e podem
transformar a realidade. O autor salienta que a atividade lúdica é o berço das
atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática
educativa.
Para Vygostsky (1984), a imaginação exerce um papel fundamental no
desenvolvimento da criança, ampliando sua capacidade de projetar suas
experiências e de poder conceber o relato e as experiências dos outros. No jogo,
a criança atribui significados e abstrações aos objetos, agindo
independentemente daquilo que vê.
Estas atividades podem se dar através da brincadeira, do jogo ou mesmo
de outra atividade que favoreça uma situação de integração com o grupo ou de
sensibilização, como uma atividade de colagem ou recorte, jogos de faz-de-
conta, brincadeiras e jogos tradicionais, exercícios corporais ou brincadeiras que
trabalhem o ritmo, a expressividade e o movimento, entre diversas outras
alternativas. (PEREIRA, 2007).
Durante as observações em sala de aula, percebi muitas vezes a prática
dessa modalidade de jogo, o “brincar por bincar”, como no caso da brincadeira
de faz-de-conta em que presenciei durante uma tardes no recreio em que os
alunos de turmas variadas estavam no parquinho. A brincadeira era a
interpretação por três meninas e dois meninos imitando o quadro funcional da
escola, uma das crianças era a diretora, duas seriam coordenadores e dois
professores.
Essa situação evidencia que em situações de jogos infantis, a imaginação
é explícita e as regras ocultas e, nos jogos do adulto, as regras são explícitas e
a imaginação é oculta.
Kishimoto (2002) define a brincadeira de faz-de-conta como aquela que
deixa evidente a presença da situação imaginária. Tais brincadeiras permitem a
expressão de regras implícitas que se materializam nos temas das brincadeiras.
Ao descrever sua prática com jogos de faz-de-conta durante uma
conversa informal, as auxiliares (C e D) afirmaram: “Utilizo a música, a expressão
corporal, os jogos e as brincadeiras de faz-de-conta que promovam a interação,
a criatividade e a motivação do aluno participar de forma mais prazerosa nas
atividades”; “Trabalho com fantoches o alfabeto, a matemática, como também a
formação social e pessoal. Com músicas, literatura infantil e teatrinho”.
Além disso, durante a entrevista, a professora B relatou em sua prática
algumas ideias próximas à concepção do jogo educativo, mas todas as demais
educadoras concordam que são muitos os aspectos que a brincadeira e o jogo
ajudam a desenvolver e ampliar na criança, assim como citou a professora B,
quando afirmou que “É através da brincadeira e do jogo que eles aprendem
espontaneamente, não são meros momentos de distração, mas ensinam através
de momentos de prazer”. Esse trecho indica que a professora percebe que a
importância do jogo espontâneo, mas por outro lado, ela não indica,
necessariamente, o que as crianças aprendem com o jogo espontâneo.
Todas as professoras que fizeram parte da pesquisa concordam que são
muitos os aspectos que a brincadeira e o jogo ajudam a desenvolver e ampliar
na criança. Nesse sentido, afirma Oliveira (1995, p. 16): “O brincar do bebê tem
uma importância fundamental na construção de sua inteligência e de seu
equilíbrio emocional, contribuindo para sua afirmação pessoal e integração
social”. Este “brincar” mencionado trata-se de um ato espontâneo.

3.4 A importância da utilização dos jogos para a aprendizagem


O contato com as educadoras mostrou a importância de se conhecer,
explorar e descobrir suas possibilidades e limitações, desbloquear resistências
e ter uma visão clara sobre a importância do jogo e do brinquedo para a vida da
criança e por toda a sua vida. Assim, pensar a formação lúdica com enfoque no
jogo leva à reflexão sobre a atual perspectiva deste, a incentivar a sua prática
como forma de proporcionar a aprendizagem.
Refletindo sobre a formação do educador, e em conversas informais com
a professora B, pude perceber também a relevância da metodologia de ensino
no que diz respeito à construção do conhecimento sobre o lúdico. Esta afirmou
que sua formação pedagógica, advinda da formação inicial em seus cursos de
licenciaturas, não corresponde à prática que tenta desenvolver em seu cotidiano
como educadora, pois não se articula com os interesses e necessidades de seus
alunos, tornando-se muitas vezes precária.
As professoras, ao possuírem a concepção de que não é suficiente dar às
crianças o direito de jogar, percebem também que é preciso incentivar o desejo
pelo jogo. Portanto, a pesquisa aponta que é imprescindível repensar a formação
dos educadores de Educação Infantil e trazer para os currículos de graduação a
formação lúdica, para que atuem com conhecimento e domínio das teorias sobre
os diversos tipos de jogos, sua origem e importância pedagógica no contexto
escolar, ampliando assim a ação educativa na sala de aula.
Assim, a maioria das professoras entrevistadas afirmou utilizar os jogos
tanto com o objetivo de educar como de proporcionar diversão às crianças,
demonstrando que o jogo é a atividade mais indicada para satisfazer as
necessidades de movimento que a criança possui.
Mesmo que os jogos possam acontecer espontaneamente em situações
de aprendizagem, a percepção sobre a preparação adequada por parte do
educador pode vir a possibilitar uma melhor sistematização do conhecimento por
parte do aluno.
Assim, os jogos possuem um papel fundamental no desenvolvimento
físico e motor da criança, principalmente na atualidade, onde o tempo para
brincar torna-se comprometido pelas atividades sedentárias a que são
submetidas. Contudo, ao considerar o corpo, o modo de ação sobre o mundo e
as relações que o cercam, a atuação crítica da criança na sociedade, como
sujeito da história, poderá ser resultado da ação pedagógica através do lúdico
pois, para a criança, o espaço é o corpo vivido, descoberto e conquistado com
suas próprias vivências, sendo estas a referência básica para que ela primeiro
se localize e depois aos outros entre si.
Portanto, é muito importante que os educadores utilizem os jogos lúdicos
como norteadoras da aprendizagem e não apenas como meros momentos de
recreação, pois tratam-se de atividades vividas e sentidas, repletas de fantasia
e realidade, ressignificação, percepção, momentos de autoconhecimento e pela
imaginação. No jogo educativo com função lúdica, o que importa não é o produto
da atividade, o que dela resulta, mas a apropriação, o processo daquilo que é
vivido, o que o torna um recurso facilitador da aprendizagem e muito mais
prazeroso para os alunos.

3 CONCLUSÕES

De acordo com os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação


Infantil, trabalhar com o jogo é levar, à criança, a possibilidade de expressar-se
e descobrir o mundo, estabelecendo relações com ele a fim de obter segurança.
Como recurso pedagógico, o importante é fazer com que o educando interaja
com diferentes culturas, vivencie experiências motoras fundamentais e as
identifique historicamente dentro de seu contexto social.
Contudo, a oportunidade de a criança expressar seus sentimentos através
do jogo só será possível num ambiente e espaço que facilitem a expressão, e é
papel dos educadores, da escola e dos pais proporcionarem este espaço.
Através da pesquisa, foi possível detectar contradições no que diz
respeito à relação da teoria e prática sobre o lúdico como recurso pedagógico.
Tais contradições apontam que o professor possui um conhecimento empírico
acerca do lúdico, mas falta conhecimento teórico sobre sua origem, importância,
ideias dos principais estudiosos do assunto, bem como sua utilização para
determinada idade e interesse dos alunos. Consequentemente, este estudo
mostrou, também, que as professoras não aproveitam a oportunidade da
motivação lúdica para proporcionar um questionamento construtivo, reflexivo e
prazeroso aos alunos e a elas mesmas.
Com efeito, coloca-se a necessidade de que as professoras estudem
sobre os jogos, saibam identificar se um jogo é ou não adequado a determinado
grupo, tirando proveito desse recurso, para que não seja utilizado somente como
recreação ou ocupação de tempo.
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