Boi Bumba
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Boi Bumba
Évora, 2019
A “Lenda do Boi Bumba”:
Um novo olhar através da arte da colagem.
2
Membros do Júri:
3
Agradecimentos
Por último, mas não menos importante, agradeço aos meus pais e amigos que
me dedicaram muita atenção e longas horas agradáveis que revigoraram as forças e a
vontade de seguir em frente.
4
Resumo
A “Lenda do Boi Bumba” é um conto brasileiro, cujo primeiro registo escrito data
de 1840, que ganha contornos diferentes em cada região do país retratando, de um
modo simbólico e alegórico, configurações sociais do período colonial, e revelando a
relação de poder entre escravos e senhores, bem como as crenças religiosas da época.
A nossa investigação artística, teórica e prática tem como vectores principais as artes
visuais, a história e os estudos pós-coloniais, e autores como Maria Manuela Ribeiro
Sánchez, Darcy Ribeiro, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e Amálio Pinheiro e
artistas como Vik Muniz e José Borges.
Tendo como objecto de estudo a “Lenda do Boi Bumba”, a questão central desta
investigação é saber de que forma esta lenda exprime de um modo geral os valores,
normas e desejos íntimos e universais das pessoas, e em particular serviu para
materializar os ensejos e os medos dos negros e indígenas no âmbito do contexto
colonial brasileiro. Interessa-nos também compreender, as origens e configurações
artísticas que esta lenda tomou nas obras de artesãos e artistas brasileiros desde os
finais do século XX à actualidade, cativando as pessoas para a importância das lendas
populares enquanto arquivos das memórias, desejos e sonhos colectivos.
Esta pesquisa, vai permitir alcançar o nosso objectivo principal, isto é, contribuir
com um novo olhar sobre a “Lenda do Boi Bumba” através da arte da colagem realizada
segundo o princípio dos 4 Rs da sustentabilidade.
5
Title: The “Legend of Boi Bumba”: a new look through the art of collage.
Abstract
The “Legend of King Bumba” is a Brazilian tale, whose first written record dates
from 1840, which gains different contours in each region of the country portraying, in a
symbolic and allegorical way, social configurations of the colonial period, and revealing
the power relationship between slaves and lords, as well as the religious beliefs of the
time. Our artistic, theoretical and practical research has as main vectors the visual arts,
history and postcolonial studies, and authors such as Maria Manuela Ribeiro Sánchez,
Darcy Ribeiro, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti and Amálio Pinheiro and artists
as Vik Muniz and J. Borges.
Having as object of study the "Legend of Boi Bumba", the central question of this
investigation is how this legend generally expresses the values, norms, and universal
desires of the people, and in particular served to materialize the opportunities and fears
of blacks and native people within the context of the Brazilian colonial context. It is also
interesting to understand the origins and artistic configurations that this legend has
taken in the works of Brazilian artisans and artists from the end of the 20th century to
the present, captivating people to the importance of popular legends as archives of
collective memories, desires and dreams.
This research will allow us to reach our main objective, that is, to contribute with
a new look on the "Legend of Boi Bumba" through the art of collage carried out
according to the 4 Rs principle of sustainability.
6
Índice Geral
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
3.1. FIGURAÇÕES DO BOI NAS OBRAS DO XILOGRAVADOR JOAQUIM BORGES E DE OUTROS MESTRES DA HISTÓRIA DE ARTE.68
7
CAPÍTULO 4 –– PRÁTICA ARTÍSTICA: COLAGENS INSPIRADAS NA “LENDA DO BOI
BUMBA”. ......................................................................................................................... 91
8
Índice de Imagens
9
Fig. 18 – Manuel Eudocio, “Francisco e Catirina”, [s.d.], cerâmica policromada, miniatura, col. do autor.
...........................................................................................................................................................................66
Fig. 19 – Denildo Piçanã, fotografia do “Boi Caprichoso” com a “filha do proprietário da fazenda”
demonstrando o seu afecto pelo animal, [s.d.]. .......................................................................................67
Fig. 20 –Bois da raça Angus produzidos pela empresa suíça Schleich, boi de presepio e boi esqueiro de
bronze (fabricados na China). Fotografia ed Eliete Santos......................................................................67
Fig. 21 – Walk and Talk. Da esquerda para a direita: Toritos num telhado; Torito pequeno decorado; Casa
produtora do objeto artesanal com venda destinada a turistas; Estátua do Torito em grande escala
na cidade de Pucara, Perú. ...........................................................................................................................68
Fig. 22 – J. Borges. De cima para baixo, da esquerda para direita: “Os Boiadeiros”, 48 x 66 cm, colecção
Cestarias Regio; “O sertão e o sol quente”, 44 x 60 cm, colecção de Ana Neri; “O boi voando”, 33 x
24 cm, colecção J. Brito; “Bumba meu boi”, 21 x 23 cm, coleção Arte Maior Leilões; “Bumba meu
boi”, 47 x 33 cm, colecção Galeria de Gravura; “O casamento do bode”, 60 x 40 cm, colecção Galeria
de Gravura; “O forro dos bichos”, 66 x 46 cm, colecção Cestarias Régio; “Bumba meu boi”, 65 x 50
cm, colecção Arte Maior leilões; “O boi e o pássaro”, 68 x 48 cm, colecção Munneart....................69
Fig. 23 – Entrevista a J. Borges em actividade artística aos 80 anos, pela jornalista Amanda Dantas
(fotograma), Bezerros, Estado de Pernambuco, Brasil, 2016.................................................................70
Fig. 24 – Pablo Picasso (1881-1973), “Bull”, 1945, litogravuras, 8x (31 x 46.8 cm), colecção Galeria
Christie`s, Reino Unido. .................................................................................................................................72
Fig. 25 – Pablo Picasso, “Guernica”, 1937. Óleo s/ tela. 349,3 x 776,6 cm. Museu Nacional Centro de Arte
Reina Sofia, Madrid, Espanha. .....................................................................................................................72
Fig. 26 – Rembrandt van Rijn (1606-1669), “O Boi Abatido”, 1655. Óleo s/ tela. 94 x 69 cm, colecção
Museu do Louvre, França. ............................................................................................................................73
Fig. 27 – John Boultbee “Durham OX”, 1804, gravura, 51 x 61 cm, Colecção da família do artista, EUA. .73
Fig. 28 – Vincent van Gogh (1853-1890), “Cart with Black Ox”, 1884. Pintura a óleo, 60 x 80 cm, Portland
Art Museum, EUA. .........................................................................................................................................74
Fig. 29 – John Singer Sargent, “Oxen” 1911, aguarela, 40 x 53 cm. Col. da Tate Gallery, Reino Unido......74
Fig. 30 – David Goodrich (1962-2014), “White Buffalo” [s/d], acrílico s/tela, 18 x 17 cm, colecção da Galeria
Saatchiart, EUA...............................................................................................................................................75
Fig. 31 – Filipe Morato Gomes. À esq.: pormenor de um figurino luxuoso, local, 2017. À dir.: Boi Garantido
mostrando ao fundo cartazes de divulgação do serviço público de Correios, local, 2017. ...............78
10
Fig. 32 – No Amazonas é assim. À esquerda: Latas do refrigerante Guaraná da Companhia Coca Cola
Company produzido exclusivamente para a data festiva das festas do Bumba Meu Boi em Parintins,
2013. À direita: garrafas de coca-cola com a imagem do boi, 2013......................................................79
Fig. 33 – Exame. Da esquerda para a direita: Cartaz produzido “Viva o lado Coca-cola dos bumbás”, lata
do refrigerante, latas do leite em pós destinado à alimentação das crianças produzida pela empresa
Suíça Nestlé, 2013..........................................................................................................................................80
Fig. 34 – Flavio Emanuel. A arena da encenação do Boi Caprichoso. Ao fundo e à esq. podemos observar
a faixa promocional do refrigerante Coca-cola com um foco de luz direcionado para esta, 2013..80
Fig. 35 – Vik Muniz, “Minotauro”, 2004, fotografia (impressão cromogénica), 122,50 x 101,60 cm,
colecção da Galeria Mutual Art, Reino Unido. ..........................................................................................83
Fig. 36 – Vik Muniz. Da esquerda para a direita: mesa do artista em formato em L na qual se encontram
diversos livros e revistas de arte. Ao centro o artista folheia livros. Seguidamente, apresentamos um
pormenor das mãos da assistente..............................................................................................................84
Fig. 37 – Vik Muniz. À esquerda pormenor dos pequenos pedaços de papel colados ao suporte. Ao centro
a impressão em pé e na mesa a obra original feito com pedaços de papel. À direita o artista
apresenta uma das suas imagens preferidas. ...........................................................................................84
Fig. 38 – Vik Muniz. À esquerda: uma reprodução feita no seu atelier. A impressão serve para que possa
verificar a disposição dos pedaços colados. Ao centro: pormenor do quadro da colagem original,
designado “Noite Estrelada”, de 2012, realizada com base na obra de Van Gogh, 177.8 x 223.5 cm.
À direita: fotografia do artista com a sua familia durante a inauguração da exposição “Imaginária”
2018, Fundação Casa Santa Inês, Gávea, Rio de Janeiro.........................................................................84
Fig. 39 – Vik Muniz. À esquerda: Processo de captura fotográfica da imagem composta com elementos
diversos. À direita: Exposição do quadro “Nossa Senhora das Graças” na Casa Daros, no Rio de
Janeiro, em 2016............................................................................................................................................85
Fig. 40 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: o artista no seu estúdio de trabalho. À direita: Obra “Pinta”,
produzida com tampas de latas de tinta sobrepostas.............................................................................88
Fig. 41 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: Cavalos produzidos com materiais de sucata, para os atores
da minissérie de TV “A Pedra do Reino”. À direita: casa em tamanho natural realizada com latas e
materiais diversos para a novela “Meu Pedacinho de Chão” da TV Rede Globo, exibido em TV
gratuita em 2014............................................................................................................................................88
Fig. 42 – Elizabete Antunez, “RECICLÁVEL”, artigo sobre Raimundo Rodriguez no O Globo, 2007. ..........89
Fig. 43 – Eliete Santos, “Não matarás”, 2018, colagem s/papel, 20 x 25 cm, coleção da autora. ...............96
Fig. 44 – Eliete Santos, “O Escravo”, 2018, colagem s/papel, 23 x 26 cm, coleção da autora. ....................97
11
Fig. 45 – Eliete Santos, “Boi ao avesso”, 2018, colagem s/papel, 22 x 28 cm, coleção da autora...............98
Fig. 46 – Eliete Santos, “Não Matarás II”, 2018, colagem e serigrafia s/tecido, 29 x 21 cm, coleção da
autora...............................................................................................................................................................99
Fig. 47 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi I”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da autora. ..... 101
Fig. 48 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi II”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da autora. .... 102
Fig. 49 – Eliete Santos, “Boi na mata”, 2018, colagem s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora............... 103
Fig. 50 – Eliete Santos, “O Boi”, 1ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 20 x 25 cm, coleção da
autora............................................................................................................................................................ 104
Fig. 51 – Eliete Santos. À esquerda: resultado da recolha de três publicações de distribuição gratuita. Para
a criação desta imagem utilizámos a Revista Saúde, disponível na rede de Farmácias Portuguesas.
Nº 38/Dezembro 2018/2 euros. Oferta dos exemplares no mês de janeiro de 2019. Dimensões da
revista: 21 X 26,5 cm. Ao centro: exemplar do folheto informativo do supermercado Pingo Doce de
Portugal. O folheto selecionado é descrito como “Poupe esta Semana” de 27/11/2018 a
03/12/2018. Dimensões: 30 X 20 cm. O folheto aberto e revisto imagem a imagem. À direita:
pormenor do primeiro recorte da imagem............................................................................................ 105
Fig. 52 – Eliete Santos. À esquerda: o segundo recorte da imagem. À direita: conjunto de revistas,
exemplares distribuídos gratuitamente da Revista Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, que
fornecerão a imagem de fundo da colagem. Estas edições são em tamanho maior que os folhetos
de supermercado. Portefólio #5, tiragem anual/ 2010, 15 euros. Distribuída como oferta em 2018.
Dimensão: 27 cm X 22,50 cm. .................................................................................................................. 105
Fig. 53 – Eliete Santos. À esquerda: ensaio da sobreposição das imagens. Ao centro: colagem das imagens
selecionadas sobrepostas no lugar definitivo onde as figuras são coladas no fundo em papel. À
direita: pasta que serve de depositório ou arquivamento dos recortes que sobraram – banco de
imagens. À direita: organização dos papéis em pastas/catálogo A3................................................. 105
Fig. 54 – Eliete Santos. Grelha compositiva (regra dos três terços) da colagem “O Boi”........................... 106
Fig. 55 – Eliete Santos. Revistas utilizadas para compor as 15 cenas da série “Rei Bumba”. Da esq. para a
dir.: Revista Claudia, Globo Rural, L´Officiel Brasil. Portefólio #8, Boletim Salesiano, Construir. ... 107
Fig. 56 – Revista Cláudia, Arquitetura & Construção, Revista do Professor, História Biblioteca Nacional,
álbum de fotografia “Brasil Terra Virgem”. ............................................................................................ 107
Fig. 57 – Após o primeiro recorte dos folhetos do Pingo Doce, estes são submetidos a mais dois......... 108
Fig. 58 – Colagem “Todos os personagens”, versão a p/b.............................................................................. 108
Fig. 59 – Eliete Santos, “Todos os personagens”, 2ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 31,5 x
28 cm, coleção da autora........................................................................................................................... 109
12
Fig. 60 – Eliete Santos, “Desejo a minha família”, 3ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 37 x 25
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 110
Fig. 61 – Eliete Santos. À esquerda: dois modelos negros e uma flor com o centro contendo a face de um
menino negro que simboliza o filho do casal. À direita: composição final das figuras.................... 111
Fig. 62 – Eliete Santos. Para produzir o efeito desejado de sobreposição harmónica entre carnes e o altar
entalhado foram confeccionados dois planos de fundo. Traçámos a lápis o local que delimita a
imagem central do altar e a família em separado da moldura a ser preenchida por carnes. Ao lado
direito vemos a imagem da seleção dos recortes de carne com maior tonalidade avermelhada,
formato e tamanho, seleccionados do menor ao maior. .................................................................... 112
Fig. 63 – Eliete Santos. À esq.: preenchimento das peças de carne de menor dimensão no topo da imagem
obedecendo à marcação feita com lápis. À dir.: preenchimento de colagem das carnes menores no
topo, gradativamente até atingirem a parte inferior com as maiores peças de carne................... 112
Fig. 64 – Eliete Santos. À esq.: o momento da colagem da imagem do altar da igreja e a família sobreposta
às carnes. À dir.: corte das bordas para que a imagem tenha um tamanho inferior a 42 cm. ...... 113
Fig. 65 – Eliete Santos. Pormenor dos recortes que compõem as tiaras de flor da família de escravos. 113
Fig. 66 – Eliete Santos, “Catirina grávida”, 4ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x 27,5 cm,
coleção da autora........................................................................................................................................ 114
Fig. 67 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Catirina grávida” (Fig. 66)................... 114
Fig. 68 – Eliete Santos, “Desejo língua de boi”, 5ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 42 x 29,5
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 115
Fig. 69 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Desejo língua de boi” (Fig. 68)........... 116
Fig. 70 – Eliete Santos, “Francisco corta a língua do animal”, 6ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora................................................................................................... 117
Fig. 71 – Eliete Santos. Elemento integrante da colagem “Francisco corta a língua do animal”.............. 117
Fig. 72 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Francisco corta a língua do animal”. 118
Fig. 73 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Boi morto e abandonado no mato” (Fig.
73). Conduzimos o olhar do observador através das linhas de força do triângulo invertido. ........ 118
Fig. 74 – Eliete Santos, “Boi morto e abandonado no mato”, 7ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 29 x 27 cm, coleção da autora................................................................................................... 119
Fig. 75 – Pormenor do recorte dos tijolos um a um para envolver a imagem do proprietário do boi.... 119
Fig. 76 – Eliete Santos, “Escravidão pavorosa”, 8ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 40 x 28
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 120
13
Fig. 77 – Eliete Santos, “Trabalho escravo de uma vida toda”, 9ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 38 x 28 cm, coleção da autora................................................................................................... 121
Fig. 78 – Eliete Santos. Vegetais com espinhos dos folhetos do supermercado Pingo Doce. .................. 121
Fig. 79 – Eliete Santos, “Pai Francisco acoado”, 10ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x 28
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 122
Fig. 80 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Pai Francisco acoado” (Fig. 79). ........ 123
Fig. 81 – Eliete Santos, “Francisco reflete o dilema após a morte do animal”, 11ª da série “Rei Bumba”,
2019, colagem s/papel, 41,5 x 29,5 cm, coleção da autora. ................................................................ 123
Fig. 82 – Eliete Santos, “Catirina e a criança”, 12ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 34 x 29,5
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 124
Fig. 83 – Eliete Santos. À esquerda: recortes em papel de objetos que integram a colagem. À direita:
processo de montagem do ícone do boi. À direita: para produzir o ícone em tons de vermelho
escarlate e os verdes de plantas levámos três sessões de aproximadamente 8 horas cada......... 125
Fig. 84 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem, “O padre tenta ressuscitar o boi”...... 125
Fig. 85 – Eliete Santos, “O padre tenta ressuscitar o boi”, 13ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
28 x 22 cm, coleção da autora. ................................................................................................................. 126
Fig. 86 – Eliete Santos, “O índio tenta ressuscitar o boi”, 14ª da série “Rei Bumba”2019, colagem s/papel,
32 x 30 cm, coleção da autora. ................................................................................................................. 127
Fig. 87 – Eliete Santos, “O filho de Catirina e Francisco foi vendido”, 15ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 32,5 x 27 cm, coleção da autora. .............................................................................. 128
Fig. 88 – Pormenor do processo de montagem da cena onde imaginamos que o filho de Catirina seria
vendido de maneira a ressarcir o proprietário do boi morto por Francisco. .................................... 129
Fig. 89 – Eliete Santos, “O sacrifício para o filho”, 16ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x
27,5 cm, coleção da autora. ...................................................................................................................... 129
14
Introdução
3 De acordo com Debora Silva, nas lendas ocorre a combinação da realidade dos fatos com
fantasia ou ficção, faz parte da tradição oral, os fatos reais e históricos servirem como suporte às histórias,
por serem transmitidas oralmente e sofrem mudanças ao longo do tempo (Silva, 2016).
15
humano como ente social vive e depende da comunicação, bem como da transmissão
de conhecimento através de objetos simbólicos e de um universo formado pelas
palavras, signos, elementos das estórias, fábulas e mitos. Podemos afirmar que é
impossível encontrar uma pessoa sã que não conheça uma lenda. É comum que
saibamos dezenas de estórias fantásticas, lendas urbanas e ao longo da vida,
certamente, iremos conhecer tantas outras. É corrente encontrarmos alguém que tenha
na sua memória a marca de um interessante romance ou novela. Do homem dos montes
e campos ao homem dos centros urbanos, todos eles são receptores, narradores e
intérpretes das estórias. São elas que servem de base dramática ao enredo encenado
em teatro, ballets, ópera e cinema. A quantidade desse acervo de estória criado pelas
pessoas é incontável.
Tendo como objecto de estudo a “Lenda do Boi Bumba” a nossa pesquisa tem
como finalidade responder à questão central desta investigação que é saber de que
forma esta lenda exprime de um modo geral os valores, normas e desejos íntimos e
universais das pessoas, e em particular serviu para materializar os ensejos e os medos
dos negros e indígenas no âmbito do contexto colonial brasileiro. Interessa-nos também
compreender as origens e configurações artísticas que esta lenda tomou nas obras de
artesãos e artistas brasileiros desde os finais do século XX à actualidade, cativando as
pessoas para a importância das lendas populares enquanto arquivos das memórias,
desejos e sonhos colectivos.
Para o nosso estudo, a esta altura cabe, portanto, questionar como neste
infindável oceano de estórias apenas a “Lenda do Boi Bumba” nos serviu como tema de
análise. Respondemos que não foi algo que aconteceu recentemente. Foi um processo
que demandou pelo menos três décadas o qual culminou na presente dissertação.
Referimos que o nosso interesse pelas lendas começou na infância, tendo permanecido
até aos dias de hoje. De igual modo, salientamos que para realizarmos esta investigação
nos iremos recorrer dos conhecimentos adquiridos nas disciplinas de História do Brasil
e História Europeia e Africana obtidos durante a graduação em História realizada, de
2000 a 2004, na Universidade Vale Paraibana, em São José dos Campos, no Brasil.
16
do ambiente familiar. Mais adiante, aos sete anos pudemos ingressar na arte do ballet
clássico e estudar com uma rígida responsabilidade o enredo dos principais ballets
surgidos na Europa. Naquela altura era comum fazer uma diferenciação que traçava
uma fronteira e definia dois lados opostos: a arte erudita e a cultura popular.
Resumindo, dois lados que não se comunicavam: a arte das elites representada em
estórias burguesas e as lendas populares pertencentes à cultura das populações sem
meios económicos. Hoje reconhecemos esta diferenciação comum entendimento
equivocado que, em geral, pertence ao senso comum. Mais tarde, apercebemo-nos que
o acervo de estórias, lendas, contos e fábulas, são uma parte inseparável da cultura
humana representativa da presença das pessoas no mundo, dos seus valores, crenças,
costumes e sentimentos.
4 Poeta citado no livro “Giselle o vôo traduzido da lenda ao ballet”, do crítico de dança Roberto
Pereira (1965-2009) (Pereira, 2004, p. 36).
17
representam uma aldeia e uma floresta. Em breve síntese, a jovem camponesa Giselle
morre de síncope após descobrir a traição do rapaz pelo qual já se havia apaixonado.
Após a morte da protagonista, seres sobrenaturais designados de Willis, jovens
raparigas defuntas que morreram solteiras, atormentam o jovem imaturo e desleal
(Pereira, 2004, pp. 56-57). O ballet, originalmente apresentado em dois atos, é levado
ao palco com os bailarinos em trajes leves e tons claros, e enquadrado por grandiosos
cenários que correspondem ao gosto de uma plateia que, em geral, não mede o preço
do bilhete. O sucesso de “Giselle” desde há décadas, é um fenómeno que chama a
atenção dos entusiastas de ballet. O antigo bailarino e crítico de dança, Roberto Pereira5
(1965-2009), que realizou o seu mestrado em Paris centrado nos documentos originais
do ballet “Giselle” (Wikipedia – Giselle, 2018), defende na sua dissertação que a origem
do ballet remonta a uma lenda popular europeia e reproduz e rearranja em linguagem
balética trechos de danças folclóricas (Pereira, 2004, p. 48). Segundo este autor, a
“Lenda das jovens Willis” era em tempos remotos contada aos jovens pelos mais velhos,
com a finalidade de educá-los acerca da conduta traidora dos rapazes e da posterior
punição por fantasmas que atormentariam os jovens malfeitores.
5 Roberto Pereira foi um antigo bailarino nascido na cidade de São José dos Campos, também
crítico de dança do jornal “O Globo do Rio de Janeiro”, professor e colaborador do “Festival de Joinville”
(Brasil), considerado pelo “Guinness Book dos Records” o maior festival de dança do mundo. Doutor em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, com a tese "A
formação do ballet brasileiro: nacionalismo e estilização", e Mestre em Filosofia pela Universidade de
Viena, Áustria, com dissertação sobre o ballet romântico intitulada "Giselle: O vôo traduzido da Wili". O
autor elaborou, de igual modo, os verbetes sobre o Brasil no “Dictionnaire Larousse de la danse” (2008,
2ª edição), publicação francesa com ressonância mundial (Wikidança – Roberto Pereira, 2013).
18
brasileira um espectáculo onde o “Boi Bumba” seria um dos temas representados. Esta
lenda que já conheceramos na escola, aos nove anos de idade e através do livro
didáctico de Língua Portuguesa, retornava naquela altura à nossa vida profissional. Para
a produção do espectáculo aplicámos o trabalho que tínhamos desenvolvido no ballet.
Resumidamente, recorremos a quatro etapas técnicas utilizadas por artistas intérpretes,
a saber: compreensão da trama, estudo das personagens, repertório gestual e
composição das cenas no espaço. O resultado foi o aparecimento de quatro
personagens, nomeadamente três humanos e um animal ligados numa relação afectiva
muito intrigante. Particularmente, pensamos que a “Lenda do Boi Bumba" não deve
nada nem aos consagrados e mundialmente conhecidos contos dos irmãos Grimm, nem
às milenares lendas árabes. A “Lenda do Boi Bumba”, tal como as demais lendas, mitos
e contos, pode ser entendida através da estrutura universal de arquétipo6 (Wikipedia –
arquétipo, 2017), proveniente do inconsciente colectivo proposto por Carl Gustav Jung
(1875-1961). As lendas encontram-se nos mais variados domínios culturais e estão à
nossa disposição para serem lidas, reavaliadas e estudadas.
19
tomou nas últimas décadas. De igual forma, procuramos analisar como e porquê a lenda
saiu do ambiente rural no Brasil do século XVI e se tornou num tema aceite para
desenvolvimento de práticas pedagógicas na educação formal das crianças, bem como
o modo como modificou os rótulos de produtos da Coca-Cola e da Nestlé, levando a
canção do “Boi” da cantora brasileira Fafá de Belém aos apoiantes de futebol do Benfica,
em Portugal.
20
Capítulo 1 – A “Lenda do Boi Bumba”: origens, componentes e
variantes.
21
Fig. 1 – Brasão e bandeira da cidade de Beja que integra o símbolo do “Boi de Beja” 7.
7 A lenda de Beja revela o motivo pelo qual existe no brasão da cidade a cabeça de um touro.
Diz-nos a lenda: “Muito antes dos lusitanos, o local onde hoje se encontra a nobre cidade de Beja com as
suas muralhas romanas, os seus prédios góticos, a mesquita árabe e o castelo do princípio da monarquia
portuguesa. Essa Beja com documentos que representam 4 civilizações, era pequeno povo que vivia em
cabanas cobertas de colmo, que apenas se empregava no exercício da caça. Todos esses campos
ubérrimos de pão que vemos hoje, eram um compacto matagal, impossível de ser penetrado pelo
homem. E uma serpente, uma serpente monstro que tudo matava, tudo triturava, era a horrível
preocupação do povo que habitava no local que mais tarde, no tempo dos romanos, se havia de chamar
Pax-Júlia, depois no domínio árabe se chamou Buxú e presentemente se chama Beja. Um ardil, porém,
germinou no cérebro de um habitante dessa região: envenenar um toiro, deitá-lo para a floresta onde
existia a tal serpente. Aprovada por todos essa ideia, o toiro foi envenenado e deitado para o local
indicado”. (Mais Beja, 2018).
22
Bakshi, de 1978, e a série da BBC The Chronicles of Narnia de 1988 a 1990, (McDonogh,
pp. 238-239).
Fig. 2 – Capa do livro “Bestiário Tradicional Português”, 2017. Nuno Matos Valente (autor),
Natacha Costa Pereira (ilustração).
23
Descartes (1596-1650), no seu livro “O Discurso do Método”, publicado em 1637.
Todavia, é na publicação posterior “Meditações”, de 1641, que Descartes apresenta o
“Génio Maligno” que em metáfora corresponde a um ente que coloca na mente ilusões,
advertindo os leitores para tomarem cuidado com os seus próprios pensamentos
fantasiosos, e preferirem o rigor para não serem ludibriados. Na obra “Meditações”
Descartes afirma:
Irei supor, então, não a existência de uma divindade (…) um gênio maligno, que é ao
mesmo tempo sumamente potente e enganoso, empregue todo seu talento para lograr
a mim. Vou acreditar que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as
demais coisas externas são nada mais do que ilusões de sonhos, que esta criatura
emprega para me iludir (Descartes, (2005 [1641], p. 38).
24
ceifaram centenas de milhares de pessoas e conduziram outras milhares à migração
forçada principalmente para as Américas. O trauma das guerras desencanta o mundo, e
nessa altura o conjunto de lendas, mitos e fábulas remanescentes da Idade Média saem
do mundo adulto, e ganham raízes em produtos destinados ao público infantil e juvenil.
No entanto, simultaneamente, o homem moderno comum vai rejeitar um conjunto de
lendas e fábulas próximas de um pensamento que considera atrasado e pouco
inteligente. Na modernidade, o homem ocidental considera a verdade científica o valor
máximo que deve ser buscado pelos indivíduos.
9 Na época dos Descobrimentos, em 1500, havia no Brasil oito milhões de pessoas. O número
não é exato, mas resulta de um consenso entre os historiadores. Desse total, 5 milhões viviam na
Amazónia (incluindo áreas da floresta hoje pertencentes ao Peru, Equador e outros países). Para se ter
uma ideia desta dimensão populacional refere-se que na época Portugal tinha pouco mais de 1 milhão de
habitantes, e a Europa inteira cerca de 80 milhões. A população da América na sua totalidade chegava aos
57 milhões e no Império Inca, que se estendia da Colômbia ao Chile, era de 10 milhões. Documentos da
expedição de Cristóvão Colombo, que desembarcou no continente em 1492, relatavam aldeias que já
pareciam verdadeiras cidades, abrigando até 2 mil indígenas (Athaide, 2018, p. 49).
25
constituída por 1.510.806 escravos, e 382 mil estrangeiros incluindo africanos livres. A
população fixada de europeus era de 46% sendo formada por: 33% portugueses, 10.5%
alemães, 2.1% italianos e 1,8%franceses (Mariani, Roncolato, Almeida & Tonglet, 2017,
p. 17). Contudo, como a enorme população de indígenas nativos aglomerava-se no
interior do país de difícil acesso, o primeiro censo registou apenas os habitantes de
territórios onde os agentes conseguiram ir.
Desde época do império até aos dias de hoje a população do Brasil sofreu um
crescimento exponencial na medida em que acolheu pessoas provenientes de dezenas
de nações. Contribui para este crescimento, de igual modo desde o século XVI, o número
crescente da população mestiça. Hoje o Brasil segundo o censo de 2014 é composto de
cerca de 208 milhões de habitantes, provenientes de mais de 79 nacionalidades (Reis,
T, 2014, p. 28) 10 constituindo a população mestiça o grupo maioritário. A população
indígena merece atenção particular no âmbito da nossa pesquisa na medida em que a
figura do índio encontra-se presente no enredo da “Lenda do Boi Bumba”. O extenso
material divulgado na TV, Web, jornais e revistas internacionais sobre a situação do
indígena brasileiro facilmente nos leva a concluir que existe hoje uma postura conivente
e conformista do governo brasileiro em relação ao povo nativo.
10 O Brasil tem hoje 5,2 mil refugiados de 79 nacionalidades, sendo os colombianos e angolanos
quase metade deles. Os pedidos de asilo têm crescido exponencialmente nos últimos anos (Reis, 2014, p.
28).
26
do Índio) também revela um considerável crescimento da população indígena em todo
o território, com a concentração maior situada no norte e nordeste do Brasil.
12 À época da chegada dos colonizadores europeus, os mais de mil povos indígenas que viviam
por aqui já tinham um rico e variado panteão de divindades, todas em estreita ligação com as forças da
natureza. Além dos tupis e dos guaranis – dois dos grupos mais importantes –, ianomâmis, araras e
dezenas de outros povos deixaram um legado mitológico que permanece vivo até hoje entre os mais de
450 mil índios que habitam nosso território (Cabral, Danilo. 2016, p. 12).
27
foi proposto o rompimento da estética académica europeia e a valorização dos objetos
brasileiros. Em fevereiro de 1922, fizeram parte desta proposta revolucionária
apresentações de textos modernistas que chocaram o público, pinturas com rostos de
mulatos, bois e animais sertanejos, o improviso na dança, a supervalorização das
temáticas nacionalistas e do cotidiano. Uma das artistas participantes, a pintora
brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973), com uma extensa formação em pintura na
Europa apresentou uma série de quadros inspirados no estilo Naif de raiz primitivista14
(Infopedia, 2018). Destacamos a obra “Paisagem com Touro”15, de 1925, de estilo naif,
que constitui um dos principais exemplos deste género em termos de composição, cor,
luminosidade e valorização do ambiente rural (Fig. 3) e “O Touro” ou “O Boi na Floresta”,
1928 (Fig. 4).
Fig. 3 – Tarsila do Amaral. “Paisagem com touro”, 1925. Óleo sobre tela, 52 cm x 65 cm, Coleção
do Museum of Modern Art (MOMA), EUA.
culturais brasileiros. Mais de 40 anos depois, por exemplo, era possível perceber os seus reflexos no
Tropicalismo, proposto por Caetano Veloso e Gilberto Gil.” (Wikipédia – Semana de Arte Moderna, 2018).
28
As repercussões da “Semana de 22” foram grandes e duradouras. Enquanto a
Europa sofria com as consequências da primeira Guerra Mundial jovens artistas
idealistas brasileiros exploravam livremente a fusão entre as culturas.
Fig. 4 – Tarsila do Amaral, “O Touro” ou “O Boi na Floresta”, 1928. Óleo s/tela. 50 X 61,2 cm,
colecção do Museu de Arte Moderna da Bahia, Brasil.16
16 A Tela “A lua” 1928, desta autora, foi arrematada no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque
(MOMA) por 20 milhões de dólares em 2019 (Veja, 2019).
29
traçando ações no interior brasileiro, na vida financeira e cultural tendo como auxílio os
Estados Unidos da América. Os interesses políticos percebem rapidamente que através
da cultura poderia ser formada, forjada ou escamoteada a ideia de nação. A ideia de
unidade, nacionalidade formada sem conflitos, país pacífico sem contrastes sociais,
paraíso e território da aceitação das raças será construído pelos meios de comunicação
social. Surge neste cenário a portuguesa, naturalizada brasileira Carmen Miranda17
(1909 – 1955), (Wikipedia – Cármen Miranda, 2018) (Fig. 5).
Fig. 5 – Carmen Miranda, figurino elaborado com inspiração nas vendedoras de doce nas ruas
da cidade de Salvador no Estado da Bahia, [s.d.].
A artista desempenha o papel de uma bailarina ricamente adornada com frutos, tecidos
multicores, calçado e gestos extravagantes, de carácter folclórico. Miranda consegue
através de dezenas de performances ter uma aceitação e fama internacionaisatravés da
17 Carmen Miranda, cantora, dançarina e atriz, de nome Maria do Carmo Miranda da Cunha
natural de Marco de Canaveses, Portugal. No início da carreira costurava os próprios turbantes e adereços
inspirados nos trajes das mulatas e vendedoras de doce das ruas. Foi considerada a mulher mais bem
paga do século XX, pela indústria cinematográfica estadunidense. Durante as últimas apresentações na
TV a cantora teve várias síncopes, o que a levou à morte prematura em 1955. Foi um ícone da cultura
latino-americana (Wikipedia – Cármen Miranda, 2018).
30
rádio e do cinema. Miranda conseguiu inverter a lógica da mulher europeia branca
quando surge nos palcos trajada como as mulheres baianas negras (Costa, 2009, p. 117).
18
§ 2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente
curricular obrigatório da educação básica. § 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das
matrizes indígena, africana e européia. § 6o. As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens
que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.
31
todo o parque possui 26 milhões de hectares, sendo maior que a Bélgica19 (Villas- Bôas,
2018), e que por lei federal deveria ser preservado da invasão branca.
32
A Cultura Popular na Constituição Federal de 1988, de acordo com o artigo 5º da
Constituição, define que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, [..] a liberdade de consciência e de crença é inviolável; é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença” (Constituição Federal, 1980). Desse modo, a Constituição Federal
põe fim à perseguição aos praticantes de capoeira, brincantes21 do “Bumba Meu Boi”,
sambistas, dançarinos de manifestações de origem africana. Neste mesmo documento
o conceito de cultura, de acordo com a Constituição Federal, aparece associado a
conteúdos diversos. No seu Artigo 23, inciso V, vê-se claramente que a Cultura é
mencionada como um bem público, pois é, segundo este, competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de
acesso à cultura, à educação e à ciência a todas as pessoas. Com base no Artigo 23º, as
Câmaras dão início ao investimento em Centros Culturais, Fundações Culturais e
inúmeros prémios destinados à promoção da cultura erudita e popular e das artes. O
resultado desta constituinte é a criação de milhares de locais públicos abertos à
presença da população para aulas, oficinas e eventos nacionais e internacionais com
entrada maioritariamente gratuita. Contudo somenta após a década de 90 o governo
receberá da parte da sociedade civil o pedido de inclusão no sistema de aposentadoria
dos mestres de ofício dos grupos de folclore.
Em 1995 teve lugar o III Congresso Brasileiro de Folclore que propôs ao goveno
e à sociedade uma nova Carta do Folclore Brasileiro22.
22 Tal como é referido noTexto da “Carta do III Congresso Brasileiro de Folclore” (1995): “1 -
Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas
individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de
identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade,
funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia
com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter-se-á no singular, embora
entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos
naturais e econômicos específicos; 2 - Os estudos de folclore, como integrantes das Ciências Humanas e
Sociais, devem ser realizados de acordo com metodologias próprias dessas Ciências; 3 - Sendo parte
integrante da cultura nacional, as manifestações do folclore são equiparadas às demais formas de
expressão cultural, bem como seus estudos aos demais ramos das Humanidades. Consequentemente,
33
A Carta retomou e ampliou o entendimento do termo folclore, surgido em 1846
com o escritor britânico William John Thom (1803-1885). Cabe-nos salientar que o
termo estabelecia a palavra Folk (povo) e Lore (tradição) como o conhecimento
provindo da sabedoria popular.
No século XIX o termo folklore designava sem distinção todo o saber popular,
sem estabelecer qualquer hierarquia entre os diferentes tipos de saberes. Saberes
fabulosos, falaciosos, não científicos. No entanto, de certo modo, possibilitava
denominar as práticas culturais dos povos, identificá-las e retirá-las do anonimato.
deve ter o mesmo acesso, de pleno direito, aos incentivos públicos e privados concedidos à cultura em
geral e às atividades científicas (Carta do III Congresso Brasileiro de Folclore, 1995).”
23 O Folclore Brasileiro: “É a junção de lendas, contos, mitos e histórias sobre criaturas e seres
fantásticos que habitam o imaginário de povos tradicionais de diversas regiões do país. O folclore do Brasil
é formado com base na mistura de tradições típicas das várias culturas que formam a identidade na nação,
com destaque para a portuguesa, indígena e africana. Além das histórias, costumes e lendas de
personagens criados a partir da cultura popular desses povos, o folclore brasileiro também é composto
por festas, brincadeiras, crenças, comidas típicas e outros costumes que eram transmitidos oralmente
entre as diferentes gerações. Devido a diversidade cultural do país, o Brasil tem um folclore muito rico.
No entanto, apenas a partir do século XIX é que começou a ganhar importância e destaque por parte de
autores e intelectuais. As lendas misturam acontecimentos reais e históricos com personagens e
elementos de fantasia e procuram sempre explicar fatos misteriosos ou sobrenaturais. O imaginário
folclórico do Brasil é recheado com diferentes personagens fantásticas. Cada região do país assume uma
história típica de determinada personagem do Folclore (Significados – Significado do Folclore Brasileiro,
2018)”.
34
O termo desenvolvido em congressos e defendido por pedagogos, antropólogos
e educadores chegou ao Ministério da Educação Nacional do Brasil e em 1996, o assunto
Folclore foi incluso na LDB - Lei de Diretrizes e Base, que define o que deve ser
desenvolvido dentro das salas de aula de escolas públicas e particulares. Desse modo, o
assunto folclore foi destinado a crianças de 7 a 9 anos da primeira série escolar,
acompanhado de práticas pedagógicas construídas por especialistas no assunto. No mês
de agosto, o mês do Folclore, durante 23 dias úteis o tema é abordado largamente. São
apresentados ditos populares, parlendas, lendas indígenas, fábulas de Esopo e dos
irmãos, Grimm entre outros autores. Decorrem brincadeiras coletivas, cantigas de roda,
produção de brinquedos artesanais, são apresentadas receitas de comida e bebidas
regionais de herança ancestral e são visualizadas imagens de diversas manifestações de
dança folclóricas incluíndo “o Boi Bumba” e o seu enredo. O Ministério da Educação
defende que o tema folclore é uma forma de aproximar grupos, bem como de valorizar
o diferente, e o estrangeiro, sem preconceitos ou discriminação. O estudo deste tema
tem como objetivo levar ao aluno a reconhecer as diferenças culturais, as manifestações
culturais e saberes dos antepassados a fim de perceber que este são tão importantes
quanto os saberes constituídos e aceites como padrão pelas classes dominantes. A
aprendizagem deste tema pelos alunos constitui uma importante ferramenta para a
compreensão da formação do Brasil, para incentivar o respeito pela cultura dos
antepassados, e a tolerância e aceitação em relação a formas de pensar e viver de outras
comunidades 25 (Schenini, 2014).
35
Fig 6 – Miguel Saraiva e Marcos de Andrade (professores), [s.d.], “Alunos em atividade prática
pedagógica interpretativa da lenda do boi bumba em ambiente escolar”. A máscara preta é um
elemento constitutivo da indumentária.
36
de dança do mundo realizado na cidade de Joinville, as danças folclóricas assumem um
papel de destaque entre as danças académicas e clássicas como, por exemplo, a
encenação do “Boi Bumba” na cidade Parintíns. Esta cidade de pequeno porte depende
da festa do Boi para gerar centenas de postos de emprego. Por fim, as atividades
centradas no folclore nacional, tais como publicações de livros, mostras de culinária
típica, festas juninas, carnaval, indústria têxtil, geram recursos que contribuem
consideravelmente para o aumento da receita do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
26 “Bumba Meu Boi “concorrerá ao título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Divulgado pela
Agência EBC - Empresa Brasil de Comunicação vinculada ao Governo Federal do Brasil. (Bond, L., 2018)
37
ser propriedade dos militares para o fazendeiro28, ou do proprietário das terras,
juntamente com os escravos, as plantações e o gado. É deste período que data o
surgimento das primeiras manifestações do “Boi Bumba” no nordeste do Brasil. De lá
até hoje recolhemos três importantes versões para o nosso relato.
A versão que ouvimos em 2010, na cidade de São José dos Campos, foi-nos
transmitida pela bailarina Quiara Maria29 (Abacai, 2018). A artista contou-nos a seguinte
versão da lenda:
Numa herdade escondida no meio da mata, havia a casa de um rico proprietário das
terras destinadas à criação de gado. Ao longe havia a moradia de um simples casal de
negros escravos da herdade – Pai Francisco e Catirina. Certo dia a escrava, que estava
grávida, pede ao esposo ensopado de língua de boi. Sabendo que mataria um boi que
não lhe pertencia Pai Francisco retira a língua de um dos bois. O patrão sabendo do
ocorrido chama o escravo e lhe pede uma solução. Pai Francisco vai em busca de um
padre e lhe pede para ressuscitar o animal. Incapaz desse milagre o escravo segue para
dentro da mata em busca de um índio pajé. O curandeiro solidário vai até a carcaça.
Num ato mágico ressuscita o boi que retorna como ente dançante e colorido” [s.d].
Pelas suas qualidades e valentia um boi foi dado de presente à sua filha e confiou aos
cuidados do vaqueiro. Mãe Catirina desejou comer aquele famoso boi, pois estava
grávida e com entojos. Pai Francisco, seu marido, não teve dúvidas em tentar matá-lo
para satisfação de sua mulher. Desaparecido o boi, o vaqueiro chefe é chamado para
dar conta do que lhe fora confiado e este descobre que Pai Francisco havia atirado no
boi. Pai Francisco resiste à prisão e os vaqueiros confessam sua fraqueza em trazê-lo
preso. Assim, é chamado o tuxaua de uma tribo de índios. Pai Francisco é preso pelos
silvícolas e somente será dispensado do castigo, que bem merece pelo seu crime, se
ressuscitar o boi. Aterrado, ele chama o padre para ressuscitar o animal. Porém não
consegue. É lembrado então do pajé da taba. Este, depois de muitos exorcismos, danças
com maracá e baforadas de cigarro envolto em tauari [Curataria tavary] logra o milagre
de fazer reviver o ‘animal’. O acontecimento é festejado com extrema alegria, e o bando,
sempre cantando, "dá a despedida" (Cavalcante, [s/d], p. 45)
28 O termo fazendeiro é utilizado no Brasil com o significado de: “proprietário de terras, sitiante,
cultivador de bens da lavoura e animais para o abate. Durante o texto o termo herdade (Portugal) será
substituído por fazenda (Brasil. O termo foi cunhado pelos imigrantes espanhóis que utilizam a palavra
hacienda ou estância (Dicionário Henrique Romanos, [s/d] p:269)”.
29 Quiara Maria é dançarina com passagem protagonista no grupo Abaçai, uma associação de
grande dimensão que desenvolve o fomento de atividades gratuitas de preservação e da cultura nacional
com destaque para o folclore regional. Espaço cultural de fomento da cultura material e imaterial, dança
e música, do Estado de São Paulo (Abacai, 2018).
38
Podemos considerar ser a essência da lenda, o enredo nuclear que serve de base
para dela surgirem diversas outras versões encenadas em todo o território brasileiro.
Este enredo pode ser sintetizado da seguinte forma:
Numa herdade a escrava Catirina grávida, pede ao marido Chico (ou Pai Francisco) para
comer língua de boi. O escravo atende ao desejo da esposa, matando o boi que não lhe
pertence. Posteriormente Chico é preso a mando do dono da herdade. Com a ajuda de
curandeiros, o boi é então ressuscitado 30(Lenda do Boi Bumba – Wikipedia, 2018).
Fig. 7 – Capa do livro “Bumba meu Boi” de Roger de Mello, 2017. Chamamos a atenção para a
ilustração dos dois seres no ar, estampados. No solo um homem tem os lados do seu corpo
diferenciados pelas cores branca e preta podendo ser entendido como “mestiço”.
30 Versão da “Lenda do Boi Bumba” na língua portuguesa que não abrange todas as demais
versões da lenda por todo o território brasileiro. Encontramos outras verões nos trabalhos científicos de
mestrado e periódicos incluídos na presente investigação. (xxx - Wikipedia, 2018)
39
grávida, a morte do boi que não pertence ao marido e o boi ressuscitado por
curandeiros.
40
saber: de ‘Boi-Bumbá’, no Amazonas e no Pará; ‘Bumba-meu-boi’, no Maranhão; ‘Boi-
calemba’, no Rio Grande do Norte; ‘Bumba-de-reis’ ou ‘Reis-de-boi’, no Espírito Santo;
‘Boi-pintadinho’, no Rio de Janeiro; ‘Boi-de-mamão’, em Santa Catarina, entre outros
(Cavalcanti, 2006, p. 2). São inúmeras as manifestações do “Boi Bumba” por todo o Brasil
e não foi nosso objectivo realizar uma catalogação detalhada de todas as suas
manifestações. No entanto, selecionámos três exemplos entre as múltiplas formas de
materialização da lenda, que revelam como cada comunidade se apropria da estória e
concebe a produção da encenação conforme os seus recursos financeiros e artísticos.
De igual modo, no presente tempo, verificámos que a representação da lenda não
acontece em épocas natalinas, fim do ano, período de eleições regionais, estaduais,
presidenciais e Feriado Nacional de Nossa Senhora Aparecida do Brasil ou Dia da Criança
no Brasil. A festa do “Boi” na cidade de Parintins acontece na última semana de junho e
dura três dias. O local da festa foi construído em 1988 e após a festa o local serve como
escola. O prédio construído, em formato de arena, possui um pátio e bancadas laterais
onde debaixo das principais funcionam salas de aula para alunos do primeiro ciclo (Fig.
8).
41
Fig. 9 – Rádio Cidadã FM - #avozdobutanta. À esquerda fotografia do “Boi Bumba” do Morro do
Querosene na cidade de São Paulo, Brasil. À direita fotografia do mestre Tião Carvalho, músico,
compositor e diretor do grupo Boi do Morro do Querosene e morador da comunidade, 2017.
Fig. 10 – Caras e Nomes: A revista dos municípios in blog. À esquerda a indumentária de bumba
em exposição na rua durante o “Encontro dos Miolos de Boi”. Pormenor para cada artefato
identificado. À direita pormenor de um brincante. O artista não mostra o rosto durante a
encenação para que a fantasia do animal animado e morto seja mais próxima do real, 2013.
42
aumento da participação de meninas e mulheres como “miolos de boi” e criadoras de
novos grupos do “Bumba Meu Boi”.
Este animal, este boi que sofre está presente nas lendas da cultura ocidental
deste a Grécia antiga no mito do Minotauro32 (Fig. 11), bem como em lendas da Ásia e
de África.
31 “O "boi" é um artefato que dança animado por pessoas que dentro dele se enfiam. Já nas
descrições do século XIX, esse objeto bailante é o elemento físico recorrente em todas as modalidades do
folguedo, em torno dele agrega-se um grupo de brincantes cuja designação é clara: um "bombá", bumbah,
bumba-meu-boi. Palavras cuja sugestiva ambivalência etimológica vale assinalar: bumba ou bumbá =
surrar, bater e dançar." (Cavalcanti, 2009, p. 74).
32 Resumo da lenda grega do Minotauro: “Poseidon fez com que a mulher de Minos, Pasífae se
apaixonasse por um touro, sendo que dessa união nasceu o minotauro. Com medo e desprezo pelo “filho”
de sua esposa, Minos sem coragem para matá-lo, mandou construir um labirinto abaixo de seu castelo
para prender o Minotauro. Anos depois, Minos derrotou Atena em uma guerra que lhe custou um dos
filhos. Atena como vingança, ordenou que todo ano fossem enviados 7 moças e 7 rapazes atenienses para
o labirinto. Após 3 anos de sacrifícios, um jovem de nome Teseu decidiu enfrentar o Minotauro
voluntariamente. Ao chegar ao palácio se apaixonou por uma das filhas do rei, Ariadne. A moça
correspondendo a paixão de Teseu, entregou a ele uma espada mágica para matar o minotauro e também
43
Fig. 11 – Kako, “Minotauro”, ilustração, 2017, 26 x 17 cm.
um novelo de lã para ele encontrar o caminho de volta. Teseu ficou algum tempo a procura do Minotauro,
pois teve de ser cauteloso para não ser pego de surpresa. Quando ele avistou o Minotauro atacando um
dos atenienses, apunhalou-o por trás matando-o. Após isso Teseu resgatou os atenienses e voltou pelo
caminho do novelo de lã para encontrar sua amada”. (A Filosofia, 2019). “O Minotauro simboliza um
desejo indevido, injusto, proveniente do recalque e do domínio da perplexidade. O labirinto simboliza o
inconsciente obscuro. Os sacrifícios oferecidos ao mostro, como o sacrifício dos rapazes e moças, a morte
dos jovens, são as mentiras e subterfúgios para tentar fazer adormecer o Minotauro. Quando isso ocorre
são erros que se acumulam. O mito do minotauro significa o combate espiritual contra o recalque. A luta
do bem contra o mal. O herói com a ajuda de Ariadne simboliza a vitória contra o mal. Ariadne ajuda o
herói para entrar e sair do labirinto escuro. Além do fio que consegue trazer o herói de volta a deusa
entrega uma coroa de luz a qual fará o herói ver todo o caminho”. (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 452).
33 “Na iconografia hindu a faca é atribuída apenas às divindades terríveis, nas mãos das quais
aparece sobretudo como uma arma cruel. O mesmo acontece na cultura antiga mexicana e maia”.
(Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 452).
44
A criatura fictícia do homem-touro “habitante” do labirinto é amplamente
encontrada em mosaicos antigos e ilustrações de livros, sendo uma personagem chave
em um dos capítulos do “Inferno” de Dante (Alighieri, 2011).
No Brasil moderno a divulgação do mito foi realizada nos liceus mais respeitados
e nos raros cursos de licenciatura da época, mas a sua maior disseminação foi feita pelo
escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948). Entre uma série de livros destinados ao
público infantil Lobato criou um conjunto de estórias de aventuras que se passava na
herdade fictícia “Sítio do Pica Pau Amarelo”. Foi no ambiente fantasioso deste “Sítio”
que o autor fez conviver uma família que morava naquele lugar com seres mitológicos,
das lendas indígenas e elementos de origem africana. Desse modo, nas obras de
Monteiro Lobato existe a mistura de elementos clássicos gregos, indígenas, africanos e
europeus. Algumas obras do escritor Monteiro Lobato foram adaptadas para a TV (Fig.
12).
Fig. 12 – Capa do livro “O Minotauro” do escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948). A obra
na década de 1980 foi adaptada à TV pela Rede Globo no Brasil e exibida em Portugal pela RTP.
45
Os seres que habitavam as páginas dos livros e da imaginação dos leitores,
ganharam corpo no trabalho de uma competente equipa de atores. Os episódios da
série produzidos no Brasil foram também exibidos em Portugal pela Rádio Televisão
Portuguesa (RTP). Desse modo, os espectadores puderam ver o mito grego convivendo
com personagens contemporâneas e de outras culturas.
35 “O boi e mais ainda o búfalo, auxiliares preciosos do homem, são respeitados em toda a Ásia
oriental. Servem de montada a sábios, particularmente a Lao-tse, na sua viagem em direção às fronteiras
do oeste. De facto, existe na atitude destes animais um aspectos de doçura e de desprendimento que
evoca contemplação. Em todo o norte da África o boi é um animal sagrado, oferecido em sacrifício, ligado
a todos os ritos de trabalho e de fecundação da terra”. (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 125).
46
carnificina (Infopédia – hecatombe, 2019). Hoje a palavra hecatombe refere-se, por
exemplo, aos danos causados pela bomba nuclear sobre o Japão, ou à crise imobiliária
norte americana.
47
1.4.1. A origem das personagens.
Não retomaremos a História dos séculos anteriores a esta data, todavia, sabe-se
que a chegada dos portugueses ao Brasil foi marcada pela dominação do território,
apropriação, demarcação e posterior destinação das terras para a administração de uma
autoridade de origem portuguesa. Durante centenas de anos a posse por escritura, ou
registo oficial foi negada ao nativo, mulher ou pessoa negra. Somente após o período
de independência do Brasil é que uma boa parte das escrituras foram destinadas aos
luso-brasileiros (O Povo Brasileiro, 1995, cap.4).
48
cidade litoral e portuária brasileira. De igual forma, pensamos que a personagem, dono
da fazenda é rica, na medida em que possui condições para adquirir escravos e gabo. O
gado que chegava ao Brasil era cotado com um preço altíssimo, porque apenas um
número limitado de animais cabia nas embarcações que demorava meses a chegar ao
seu destino, morrendo pelo caminho muitos destes (O Povo Brasileiro, 1995, cap.3).
O escravo, o Pai Francisco como narra a “Lenda do Boi Bumba”, era de total
confiança do patrão e muito hábil nas atividades com o gado. Com o anúncio da gravidez
da esposa torna-se pai. Como de costume, o escravo havia abandonado o nome original
africano e sido rebatizado como Francisco, além de obrigado a submeter-se às ordens
da igreja católica. O seu filho com Catarina certamente seria a nova mão de obra escrava
destinada a trabalhar na herdade. Portanto, todos os três eram de grande valor para o
proprietário das terras. Logo não seria financeiramente lucrativo a eliminação de um
dos escravos. Contudo, Francisco sendo de origem africana é portador dos
conhecimentos do seu povo. Segundo a obra “A formação do Povo Brasileiro” do
antropólogo Darci Ribeiro, os valores dos povos africanos que foram para o Brasil, eram
alicerçados na família, no culto dos elementos da terra, no domínio da fundição dos
metais e na religião de invocação dos espíritos (Ribeiro, 1995, p. 55). Além disso, o Pai
Francisco acreditava que se não obedecesse aos desejos da esposa o seu filho nasceria
com deformidades. Crença bastante difundida no Brasil colonial e dos nossos dias.
Deduzimos que o personagem Francisco logra grande valor à sua família. Valor que o
fará matar o boi sem exitação.
49
também a completa situação de abandono do escravo e o poder de influência muito
restrito dos sacerdotes católicos diante da situação escravagista da época.
Para finalizar, em resumo, o crime do escravo ao ter matado uma peça valiosa
do patrão, não foi punido com a morte pois era eficiente nos trabalhos e certamente
fora comprado a alto custo. O dano causado seria ressarcido de outras maneiras.
Provavelmente com o aumento dos trabalhos na herdade ou a troca de um dos filhos de
Catirina por um novo boi. Se a lenda tivesse ocorrido verdadeiramente, restaria apenas
ao boi morto a opção de se transformar num fantasma, numa lembrança ruim de um
fato motivado pela ignorância e imprudência do casal.
Nas épocas mais antigas, nos registos do homem pré-histórico podemos notar a
presença de animais semelhantes ao boi. A leitura possível é a representação de pessoas
50
em cenas de caça. A relação entre o predador e animal de caça encontra-se presente
nestas imagens realizadas pelos nossos ancestrais (Fig. 13).
Fig. 13 – Bisonte da gruta de Altamira (Espanha). Datado por volta de 22.000 anos A.C.
Considerado Património da Humanidade pela UNESCO.
51
Na “Lenda do Boi Bumba” o animal não é tratado de modo diferente do que foi
pelos seus ancestrais. Ele é morto e servido como alimento. Na encenação ele surge
luxuosamente adornado, colorido, repleto de estrelas e portador de simbolos da religião
católica tal como nos bordados do rosto de Jesus, Virgem Maria Santíssima, Espírito
Santo na pomba branca e santos. O enredo tem início quando o boi ainda está vivo, e
dois homens mantém o animal sob o seu olhar: o dono do animal e o cuidador. A relação
entre o boi e cada um deles é diferente. Enquanto o primeiro considera o boi como
propriedade sua, o escravo considera o animal como objeto de trabalho a ser
alimentado e tratado de forma a prestar um bom serviço, embora não lhe pertença.
52
A morte para o cristão é introdutora dos mundos desconhecidos dos infernos ou
dos paraísos, exprimindo uma mudança importante, o luto, a transformação dos seres
e das coisas, a fatalidade inevitável, a desilusão, o desprendimento ou o
desencorajamento e o pessimismo (Chevalier & Gheerbrant, 1982, pp. 460-462). A
morte para algumas culturas indígenas do Brasil é somente a passagem da alma humana
para a vida de um animal da floresta. Sobretudo para o padre católico a morte encerra
o período na Terra, sendo proibido invocá-la e conviver com esta. No entanto, para o
pajé da lenda, a morte não possui esse significado de finitude, para ele existe um sentido
no regresso do boi ao ambiente natural das pessoas.
53
Capítulo 2 – Sacrifício, mito e resistência na “Lenda do Boi
Bumba”.
Nos dias de hoje, a palavra sacrifício não é facilmente aceite pelos jovens das
classes médias ocidentais, na medida em que a pós-modernidade trouxe a possibilidade
de acesso a bens de consumo que lhes facilitam muito a vida. Para determinadas classes
sociais o termo sacrifício não faz qualquer sentido no âmbito do seu cotidiano nos
grandes centros urbanos. O conforto proporcionado pela diminuição do trabalho braçal
e intelectual no foro do emprego e no doméstico como, por exemplo, a facilidade em
solicitar alimentos telefonicamente ou via Web, obter informações, encetar amizades e
desfazê-las sem esforço com apenas um toque no ecrã nas redes sociais produziu uma
multidão de pessoas aptas apenas para realizarem o mínimo esforço possível. Nomes
destacados na filosofia debruçaram-se brilhantemente sobre este tema, tais como Edgar
Morin (1921) e Noam Chomsky (1928).
54
Divina. Nesse sentido, podemos identificar dois planos, “dois mundos”. No pensamento
judaico-cristão que difere na sua essência do pensamento indígena brasileiro que, em
geral, acredita que a alma humana após a morte do corpo permanece na floresta,
completando a sua missão entre a fauna e a flora.
36 “Passa-se mais de um mês, e Jesus já está com 40 dias. Para onde seus pais o levam agora?
Ao templo em Jerusalém, que fica a apenas alguns quilômetros de onde moram. A Lei diz que, 40 dias
após o nascimento de um menino, a mãe deve apresentar no templo uma oferta de purificação”. (Levítico,
12:4-8). Assim, Maria oferece duas aves pequenas, tornando claro qual é a situação financeira dela e de
José. Segundo a Lei, devem ser oferecidos um carneirinho e uma ave. Mas, se a mãe não tem condições
para isso, duas rolas ou dois pombos são suficientes. Essa é a situação de Maria e é isso o que ela oferece
(JW, 2019).
55
pessoa, é um mandamento da Torá conforme consta em vários livros sagrados,
especificamente no “Livro de Levítico”, o “Vayicrá, 3º Livro da Torá” (Chabad, 2018).
37 Kosher (ou kasher) é um termo que se refere aos alimentos que são adequados ou permitidos
pelas leis do judaísmo, sendo poucas as empresas produzem este tipo de alimento. A dieta kosher é
bastante complexa e exigentes, sendo derivada dos dois principais livros do Torá, o livro que contém os
textos sagrado judaicos, entre os quais se encontram o Levítico e o Deuteronómio.Algumas das regras
básicas do kashrut incluem: Carne e leite não devem ser misturados ou ingeridos juntos; Todo o sangue
do animal deve ser drenado antes de ser consumido; Proibido consumir carne de porco, moluscos e frutos
do mar; Só podem ser consumidos peixes com escamas e barbatanas; Produtos a base de uva só devem
ser consumidos se forem produzidos por um judeu; Proibida a ingestão de insetos e vermes; Frutas,
legumes e vegetais devem ser muito bem examinados e lavados antes do consumo, para evitar a ingestão
de insetos ou parasitas que são considerados proibidos para a lei judaica. (Chabad, 2018).
56
adesão voluntária à restrição de determinados alimentos durante as quaresmas e outros
períodos de carácter religioso semelhante.
De igual modo, desde a época Santo Agostinho (354-430) e Santo Anselmo (1033-
1109) que os crentes católicos entendem o sacrifício como uma forma de expiação de
transgressões religiosas cometidas como uma forma de pagar um pecado, ou um ritual
para redimir-se do erro cometido. Ao cristão cabe o arrependimento, a confissão e o
sacrifício para reparar os pecados cometidos. Todavia jamais alcançarão o nível de
sacrifício realizado por Jesus Cristo. Um dos principais fundamentos da igreja é a crença
que Jesus entregou-se para “compensar e redimir” os nossos pecados, sacrificou-se em
nosso lugar, de modo a satisfazer Deus. A reparação dos danos a Deus não seria
realizada por seres humanos, mas apenas por seres divinos que se encontram num nível
que pode ser entendido como proporcional ao de Deus (Oliva, 2004).
57
Fig. 15 – Capa da banda desenhada “Catirina & Pai Francisco” de Beto Nicácio, 2016.
Num sentido mais restrito o sacrifício pode ser entendido como a ação de tornar
sagrado alguma coisa ou alguém. Este ato é um sinal de abandono aos vínculos
terrestres por amor a um espírito ou divindade como, por exemplo, a imolação do filho
de Isac no contexto da religião cristã (Chevalier & Gheerbrant, 1982, pp. 580-581). A
pedido de Deus Abraão sacrifica a vida do filho mais amado como prova da sua
obediência e valoração de Deus acima de tudo. Também na “Lenda do Boi Bumba” o boi
é sacrificado como prova de amor ao filho que se encontra ainda no ventre da mãe. O
sacrifício do filho Isac por Abraão deve-se à sua adoração a Deus, enquanto na lenda do
Boi Bumba o Pai Francisco dedica o sacrifício do Boi ao seu filho amado.
À cena do sacrifício realizado pelo Pai Francisco para preservar a vida do seu filho,
segue-se uma segunda apoteose pagã levada a cabo pelo pajé. uma vez que o padre
católico tentou sem sucesso ressuscitar o animal. Através do fracasso do padre e do
sucesso do pajé em reanimar o boi, os populares revelam a insatisfação em relação ao
doutrinamento jesuítico realizado desde os tempos que remontam à criação do Brasil.
Na cultura cristã católica Deus ressuscita Jesus, na lenda é o índio quem opera a
ressurreição do boi. A entrada da autoridade indígena na figura do pajé que consegue
com sucesso ressuscitar o boi, vai de encontro aos valores da população que resulta da
fusão entre brancos e nativos. O pajé representa um modo de entender o mundo que é
condenado pelo europeu, mas que no entanto é sonhado e idealizado pelo povo mestiço
58
brasileiro. Para o índio a vida é uma fruição tranquila da existência, num mundo
dadivoso e numa sociedade organizada. Os seus corpos servem para os rituais festivos,
dedicando-se aos afetos do amor, os seus olhos para buscar a beleza, e as suas bocas
para desfrutar todo e qualquer sabor. Os índios não reconhecem a narrativa da culpa
presente no pecado de Adão e Eva, bem como não trocam sacrificios com Deus, nem
produzem pecados que possam ser levados e lavados pelo sacrifício de galinhas. Não
acumulam e não deixam nada de herança já que acreditam que a terra os sustém
(Ribeiro, 1995, pp. 42-47). Para o antropólogo Darcy Ribeiro, a mentalidade indígena
opõe-se à europeia. De acordo com este autor:
Já para os europeus a vida lhes parece uma tarefa, uma sofrida obrigação, que a todos
o trabalho lhe é condenado naturalmente. A tudo é subordinado ao lucro, são por vezes
comumente levados pela vaidade, ostentação, acumulo, luxo ao sucessivo mando e
obediências entre eles (Ribeiro, 1995, p. 45).
A autora defende que a essência do mito não se encontra nem no estilo, nem no
modo de narração, mas na própria estória que é relatada. No “Boi Bumba” o drama
social resulta da quebra de uma regra social e as personagens buscam a sua reparação
ou reintegração. Ao contrário da fábula que apresenta questões de ambivalência o mito
59
expressa a precariedade da ordem social. De igual modo, Cavalcanti partilha a mesma
ideia que Letícia Cardoso advoga no seu artigo “Processos de construção do imaginário
no bumba-meu-boi do Maranhão” no qual afirma que “o mito é um sistema dinâmico
de símbolos e arquétipos a compor-se em narrativa” (Cardoso apud Cavalcanti, 2015, p.
114).
60
Entendemos que os estudos pós-coloniais e decoloniais são importantes para um
entendimento mais profundo da estória do “Boi Bumba”. Esta narrativa que se
apresenta sob ricas e fantásticas formas, indumentárias e ações performáticas, contém
elementos diversos que apontam para um passado anterior ao período da abolição dos
escravos no Brasil. Nesse sentido, a estória denuncia relações de poder entre os agentes
da igreja católica, latifundiários, escravos, mulheres e o pajé.
Fig. 16 – Governo do Maranhão. Fotografia de menino durante a “Festa de São João de Todos
do Maranhão”, 2016.
62
A sobrevivência do mito é garantida pela entrada anual de novos participantes
no evento “Encontro de Miolos” promovido pelo poder público. Neste período o público
e a imprensa têm a oportunidade de ver o rosto do brincante que domina a encenação
da personagem do boi. O cidadão torna-se responsável e agente ativo em defesa da
liberdade que é o cerne da mensagem da estória do boi. Ao longo do evento,
trabalhadores rurais no seu papel de “almas de boi” dão entrevistas à TV e à rádio,
falando do seu ofício a jornalistas de todas as partes do Brasil (O Estado, 2019).
No entanto, é importante salientar que todas estas conquistas não foram ganhas
de um momento para outro. O “Encontro de Miolos” surgiu e acontece atualmente sem
muitos sacrifícios, como fruto e resultado de décadas de luta e esforço voluntário de
agentes sociais como, por exemplo, académicos, folcloristas e sociólogos que no
passado foram aos poucos dando valor e poder legal às manifestações do povo. Um dos
pensadores que contribui através das suas análises e pesquisas para que hoje posssamos
ter eventos onde as comunidades são as protagonistas foi o filósofo francês Michel
Foucault (1926-1984). Este autor, esteve pelo menos duas vezes ao Brasil (Jornal USP,
2018) e durante o período em que esteve na Universidade de São Paulo defendeu que
o conceito de porta-voz enquanto representante de comunidades poderia ir contra os
direitos das pessoas. Na sua opinião, as comunidades, tribos, povoados e grupos sociais
não deveriam possuir porta-vozes, defendendo que cada agente reivindicador deveria
falar por si, assumindo as responsabilidades pelo que acredita e reivindica (Foucault,
1999, pp. 107-108). Um dos seus seguidores na época, o sociólogo Luís Fernando
Cardoso, que mais tarde foi eleito presidente da república do Brasil, contribuiu
grandemente para o terminar da censura em relação às manifestações folclóricas e deu
início ao processo de reconhecimento como profissão e direito de aposentadoria aos
mestres dos ofícios de cultura popular.
63
até aos dias de hoje. Para compreendermos melhor este processo de colonização que
contextualiza e situa o nosso objeto de estudo, recorremos ao conceito de colonização
referido no livro “As Malhas que os impérios tecem” de Manuel Sanches. Para esta
autora:
Na estória “Bumba meu Boi” toda a sociedade brasileira confronta-se com a sua
própría História, fragilidades e problemáticas. Nesse sentido, assistimos na festa aos
confrontos entre a maioria e a minoria, a saber: padre, pajé, escravo e escrava
subordinados a um latifundiário; momentos de tensão entre “fortes” e “fracos”; um
cenário patriarcal, preponderantemente construído por homens38. Em todas a
manifestações do boi as personagens são extremamente claras e de fácil leitura. Caso o
casal se não seja de origem negra, os actores vestem máscaras negras, se o patrão não
é de origem branca usa chapéu de abas largas, o índio é viril e faz gestos de um mago
poderoso. Acreditamos que nos nossos dias, inevitavelmente, a encenação e tudo o que envolve
o “Boi Bumba” não agrada aos grupos de pessoas racistas, defensores da velha ideologia da
pureza racial, do sangue puro, aos movimentos da extrema direita e, principalmente, às pessoas
que defendem a censura, o calar, o acomodar, e o aquietar-se.
38 Segundo o filósofo brasileiro Leandro Karnal a formação do povo brasileiro não aconteceu de
maneira pacífica como facilmente podemos imaginar. Numa palestra exclusiva para o programa de TV
Cultura do Brasil, para o Café Filosófico, fala sobre o tema “A Servidão Voluntária”. A palestra ocorrida na
cidade de Campinas com promoção da CPLF ocorreu no dia 07 de junho de 2016. Karnal adverte sobre as
publicações que desenvolvem teorias sobre a formação do povo brasileiro. O filósofo confere grande
importância em primeiro lugar ao livro de forte e ampla envergadura intelectual, a obra “Casa Grande &
Senzala”, de 1933, do sociólogo Gilberto Freyre, em segundo ao “O Homem Cordial” de 1936 de Sérgio
Buarque de Holanda, em terceiro à obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, de 1942, do historiador
Caio Prado Jr, e, por último, ao livro “Os Donos do Poder Formação do Patronato Político Brasileiro”, de
1958, da autoria de Raimundo Faoro. Leandro Karnal salienta que a servidão pode ser uma maneira
confortável de viver a vida. Em casos de revolta o conflito serve para destronar o escravagista e tomar as
rédeas do próprio destino. Karnal afirma que de acordo com os livros citados, que narram a formação da
nação brasileira, o modo como tudo ocorreu não foi pacífico. As lutas enfrentadas ainda são relativamente
recentes e não cessaram por completo. Nesse sentido, no tempo presente temos ressentimentos antigos
e feridas abertas que custam a sarar (A Servidão Voluntária – Café Filosófico, CPFL, 2016).
64
Capítulo 3 – Representações do “Boi” por artesãos e artistas e o
princípio dos 3R na arte contemporânea.
Fig. 17 – Cid Carvalho, indumentária “Boi Bumba”, 2008-2009, tecido, colagem e aviamentos
diversos, colecção do acervo da Instituição ACasa.
Há cerca de 300 anos surgiu a lenda do “Boi Bumba”. Cada ano que passa esta
lenda mostra-se viva e sempre representada de diversas formas, presente no calendário
festivo de diversas cidades no norte e nordeste do Brasil, representada em forma de
desfile de carnaval, artesãos e estilistas. Cid Carvalho carnavalesco39 nas maiores escolas
de samba da cidade do Rio de Janeiro, ofereceu uma indumentária do “Bumba meu Boi”
ao museu ACasa, com sede em São Paulo (ACasa, 2018) (Fig. 17). Esta organização reúne
65
peças dos mais variados géneros e conserva um acervo valioso. A indumentária fez parte
do desfile da Escola de Samba e Agremiação Estácio de Sá do Rio de Janeiro, em 2009.
66
As peças de Eudócio estão frequentemente em exposição e já foram admiradas
pessoalmente pelo ex-presidente da república Luís Inácio Lula, na presença do Papa
Bento XVI.
Fig. 19 – Denildo Piçanã, fotografia do “Boi Caprichoso” com a “filha do proprietário da fazenda”
demonstrando o seu afecto pelo animal, [s.d.].
Fig. 20 –Bois da raça Angus produzidos pela empresa suíça Schleich (fabricados na China).
Fotografia ed Eliete Santos.
40 “Na cidade do Perú é comum encontrar no topo dos telhados pequenas imagens de touros:
Os “Toritos de Pucara”. Estas figuras são provenientes da cidade de Pucara, localizada entre as regiões de
Cusco e Puno. Para os andinos, a dupla de touros serve para proteção, sorte, e prosperidade do lar e das
famílias, sendo considerados símbolos andinos. Antes da presença espanhola no país, os animais adorados
eram a llama, a alpaca, a vicuña. Os espanhóis trouxeram consigo os touros, animais de porte e peso
muito maior que os conhecidos até então. Desses animais extraiu-se alimento, couro, leite e a força para
diversos trabalhos de tração e logo foram adorados pelo povo nativo. São diversas as lendas que envolvem
esses “toritos”. Uma delas diz que em uma época de seca e aridez sem precedentes, um camponês foi
67
Fig. 21 – Walk and Talk. Da esquerda para a direita: Toritos num telhado; Torito pequeno
decorado; Casa produtora do objeto artesanal com venda destinada a turistas; Estátua do Torito
em grande escala na cidade de Pucara, Perú.
pedir chuva ao Deus Pachacamaq, prometendo-lhe em troca oferecer o seu touro. Mas o animal, sentindo
que algo podia acontecer, resistiu em subir ao altar da divindade tendo, no entanto, sido forçado pelo
dono a subir. Chegado ao local, pressionou o seu chifre diversas vezes contra uma rocha “sagrada” e ao
perfurá-la imediatamente começou a jorrar água. Foi tanta água que a comunidade pôde sobreviver, e o
touro foi salvo do ritual de sacrifício, tendo sido considerado mártir” (Tate, 2018).
68
Fig. 22 – J. Borges. De cima para baixo, da esquerda para direita: “Os Boiadeiros”, 48 x 66 cm,
colecção Cestarias Regio; “O sertão e o sol quente”, 44 x 60 cm, colecção de Ana Neri; “O boi
voando”, 33 x 24 cm, colecção J. Brito; “Bumba meu boi”, 21 x 23 cm, coleção Arte Maior Leilões;
“Bumba meu boi”, 47 x 33 cm, colecção Galeria de Gravura; “O casamento do bode”, 60 x 40
cm, colecção Galeria de Gravura; “O forro dos bichos”, 66 x 46 cm, colecção Cestarias Régio;
“Bumba meu boi”, 65 x 50 cm, colecção Arte Maior leilões; “O boi e o pássaro”, 68 x 48 cm,
colecção Munneart.
José Borges criou nas suas obras um universo próprio repleto de seres voadores
e outras criaturas fantásticas que convivem com os humanos nos seus afazeres do
cotidiano, produzindo em 50 anos de atividade artística centenas de imagens.
Destacamos abaixo um conjunto de 11 imagens onde estas figuras se encontram
representadas. O artista refere em diversas entrevistas que quando era criança
adormecia ouvindo as estórias contadas pela sua mãe. De igual modo, o seu pai contava-
69
lhe estórias de literatura popular comprada a preço muito baixo em feiras (Rozziane,
[s.d.].
Fig. 23 – Entrevista a J. Borges em actividade artística aos 80 anos, pela jornalista Amanda Dantas
(fotograma), Bezerros, Estado de Pernambuco, Brasil, 2016.
70
de síntese, representação de cenários imaginativos e valorização e disseminação das
estórias populares.
Pablo Picasso, pelo contrário, na série de desenho “Bull”, de 1945 (Fig. 24),
valoriza o corpo do touro através de traços vigorosos que chamam a atenção do
espectador para a força do animal. De igual forma, os touros não apresentam qualquer
característica antropomórfica.
Na pintura “Guernica”, datada de 1937, (Fig. 25) o animal surge com uma
expressão aterradora no cenário caótico da guerra civil espanhola. Na parte inferior da
imagem podemos observar uma arma branca, uma faca que se encontra ela própria
partida simbolizando a violência extrema que o país viveu durante a guerra. O próprio
objeto que oprime e agride encontra-se ferido.
71
Fig. 24 – Pablo Picasso (1881-1973), “Bull”, 1945, litogravuras, 8x (31 x 46.8 cm), colecção Galeria
Christie`s, Reino Unido.
Fig. 25 – Pablo Picasso, “Guernica”, 1937. Óleo s/ tela. 349,3 x 776,6 cm. Museu Nacional Centro
de Arte Reina Sofia, Madrid, Espanha.
72
A pintura de Picasso evoca, de igual modo, a obra “O Boi Abatido”, de 1655, do
pintor holandês Rembrandt (1606 -1669), pela violência da imagem (Fig. 26).
Fig. 26 –Rembrandt van Rijn (1606-1669), “O Boi Abatido”, 1655. Óleo s/ tela. 94 x 69 cm,
colecção Museu do Louvre, França.
Fig. 27 –John Boultbee “Durham OX”, 1804, gravura, 51 x 61 cm, Colecção da família do artista,
EUA.
73
No decorrer da nossa pesquisa sobre a imagem do boi encontrámos inúmeras
referências como, por exemplo, a gravura “Durham OX”, do pintor inglês John Boultbee
(1753-1812) (Fig. 27). As imagens de bois apareciam frequentemente nas feiras do Reino
Unido (Fig. 27). Para finalizar a nossa apresentação de exemplos (Fig. 28-30), que nos
serviu de fonte inspiradora, terminamos com obras de bois por artistas como o holandês
Vicent van Gogh (1853-1890), o inglês John Singer Sargent (1856–1925), o norte-
americano David Goodrich (1962-2014). Destacamos que todas estas imagens são
representantes do enorme potencial simbólico deste animal.
Fig. 28 – Vincent van Gogh (1853-1890), “Cart with Black Ox”, 1884. Pintura a óleo, 60 x 80 cm,
Portland Art Museum, EUA.
Fig. 29 – John Singer Sargent, “Oxen” 1911, aguarela, 40 x 53 cm. Colecção da Tate Gallery, Reino
Unido.
74
Fig. 30 – David Goodrich (1962-2014), “White Buffalo” [s/d], acrílico s/tela, 18 x 17 cm, colecção
da Galeria Saatchiart, EUA.
75
Numa das entrevistas realizadas pelo jornal Estadão, José Borges refere: “Faço
xilogravura e as vendo a preço baixo. Preço único, tudo igual, assim tanto catador
quanto doutor compram o mesmo” (Estadão, 2002).
42 Letra da música “Vermelho”, do compositor Chico da Silva: “A cor do meu batuque, tem o
toque, tem o som da minha voz, vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão. O velho
comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor, o brilho do meu canto tem o tom e a expressão
da minha cor. Vermelho! A cor do meu batuque tem o toque, tem o som da minha voz vermelho,
vermelhaço vermelhusco, vermelhante, vermelhão. O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do
meu amor. O brilho do meu canto tem o tom e a expressão da minha cor. Meu coração! Meu coração é
vermelho. Hei! Hei! Hei! De vermelho vive o coração. He Ho! He Ho! Tudo é garantido após a rosa
vermelhar, tudo é garantido, após o sol vermelhecer. Vermelhou o curral, a ideologia do folclore
avermelhou! Vermelhou a paixão, o fogo de artifício da vitória vermelhou. Vermelhou o curral, a ideologia
do folclore avermelhou! Vermelhou a paixão o fogo de artifício da vitória vermelhou” (Letras, [s/d]).
76
maior pormenor o processo de apropriação contemporânea do “boi” na sociedade leo-
liberal, e as suas consequências.
77
acordo com as regras do festival, cada grupo é obrigado e permanecer parado e calmo
no momento de apresentação ao público da outra equipa. São três noites de
apresentações de três horas e meia cada. Cada jurado especialista na área do folclore,
avalia e pontua a dança e festividade carnavalesca de acordo com 21 parâmetros. A
lenda é narrada através de cenas que possuem uma forte carga emocional, dezenas de
personagens indígenas e alegorias de 30 metros de altura. Os figurinos encontram-se
repletos de penas naturais e muitos chegam a pesar cerca de 15 quilos (Fig. 31).
Fig. 31 – Filipe Morato Gomes. À esquerda: pormenor de um figurino luxuoso, local, 2017. À
direita: Boi Garantido mostrando ao fundo cartazes de divulgação do serviço público de
Correios, local, 2017.
78
festividade é o “Boi do Morro do Querosene” que ocorre na perifeiria de São Paulo.
Seguidamente, analisaremos como a rivalidade entre os bois Caprichoso e Garantido e
a participação em massa de populares foi primordial para a apropriação da festividade
pelas grandes empresas com o objectivo de venderem produtos alimentares e bebidas.
Nos estudos das latas vimos, tal como em outras representações do boi, a
ausência da mutilação ou qualquer traço da morte que dá sentido à lenda. Para a
indústria não é importante o papel que o animal exerce no mito. No refrigerante ele
surge apenas como uma imagem adornada por plantas e fogo de artifício.
79
Fig. 33 – Exame. Da esquerda para a direita: Cartaz produzido “Viva o lado Coca-cola dos
bumbás”, lata do refrigerante, latas do leite em pós destinado à alimentação das crianças
produzida pela empresa Suíça Nestlé, 2013.
80
maioria no seu exterior, nas ruas. De igual modo, esta exclusão dos populares sucede
com os jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, ambos os eventos são referidos
como sendo “para todos” e “populares”, no entanto, são as pessoas das classes média
alta e alta que usufruem do evento, uma vez que são elas que conseguem estar no
interior dos estádios.
Estes trabalhos fotográficos foram muito bem acolhidos pelo público norte-
americano, tendo sido convidado para participar em exposições pelas mais bem
frequentadas galerias dos Estados Unidos da América. De igual modo, alcançou grande
visibilidade quando se apropriou de imagens da cultura pop e de mestres da pintura e
de artistas modernistas como Vicent Van Gogh cujas composições reconstrói recorrendo
a materiais banais como, por exemplo, minúsculos pedaços de plástico, um material
abundante na sociedade dos nossos dias (Ultrabookexperience, 2012). Muniz refaz a
81
imagem noutra escala com o auxílio de assistentes e fotografa-a ou digitaliza-a, editando
e imprimindo a imagem que numa última etapa do seu trabalho é colocada em grandes
molduras. O artista ganhou grande visibilidade em 2010 com a exibição do
documentário premiado intitulado “Lixo Extraordinário”. Neste filme o artista apresenta
três aspectos do seu trabalho que dialogam entre si, a saber: o problema do excesso de
lixo gerado pelas populações; a possibilidade de produzir uma peça de arte com o
material rejeitado, e; a inclusão na sua equipa de produção artística de pessoas sem
formação académica.
43
Filme produzido em 2010 pela O2 Filmes e Countdown To Zero Filmes, com direção de Lucy
Walker.
82
resultado so seu processo de trabalho que procurámos aplicar no nosso trabalho
prático.
Fig. 35 – Vik Muniz, “Minotauro”, 2004, fotografia (impressão cromogénica), 122,50 x 101,60
cm, colecção da Galeria Mutual Art, Reino Unido.
f) edição da imagem;
83
i) Contato com galerias, empresas de divulgação e publicidade na área de arte e
do entretenimento;
Fig. 36 – Vik Muniz. Da esquerda para a direita: mesa do artista em formato em L na qual se
encontram diversos livros e revistas de arte. Ao centro o artista folheia livros. Seguidamente,
apresentamos um pormenor das mãos da assistente que rasga as imagens que irão preencher a
composição do autor.
Fig. 37 – Vik Muniz. À esquerda pormenor dos pequenos pedaços de papel colados ao suporte.
Ao centro a impressão em pé e na mesa a obra original feito com pedaços de papel. À direita o
artista apresenta uma das suas imagens preferidas.
Fig. 38 – Vik Muniz. À esquerda: uma reprodução feita no seu atelier. A impressão serve para
que possa verificar a disposição dos pedaços colados. Ao centro: pormenor do quadro da
colagem original, designado “Noite Estrelada”, de 2012, realizada com base na obra de Van
Gogh, 177.8 x 223.5 cm. À direita: fotografia do artista com a sua familia durante a inauguração
da exposição “Imaginária” 2018, Fundação Casa Santa Inês, Gávea, Rio de Janeiro. O exemplar à
venda na exposição é uma cópia ampliada do original que foi produzido sobre a mesa do seu
atelier. Na mostra foram expostas 14 obras de temática religiosa.
84
Fig. 39 – Vik Muniz. À esquerda: Processo de captura fotográfica da imagem composta com
elementos diversos. À direita: Exposição do quadro “Nossa Senhora das Graças” na Casa Daros,
no Rio de Janeiro, em 2016.
O jornal web Daily Sabah refere que Vik Muniz e os seus colaboradores levam
entre duas a seis semanas a criarem o registo final inspirado na pintura “Noite
Estrelada”, de Van Gogh, podendo ser designadas construções “topográficas” (Daily
Sabah, 2018). De acordo com o artista, as imagens são meticulosamente compostas
sobre papel colorido, recorrendo à sobreposição de várias camadas de materiais de
acordo com uma divisão cromática feita com o auxílio de um programa de computador.
Depois de prontas em escala do tamanho de uma folha de papel superior ao A4, são
digitalizadas com a ajuda de um aparelho que produz imagens de altíssima definição e
são, finalmente, impressas nos tamanhos enormes que as conhecemos. Posteriormente
a 2016 o artista começou a criar em obras de pequena dimensão produzidas no seu
estúdio. As estapas do seu trabalho encontram-se identificadas nas imagens abaixo.
85
caso em específico, para a reciclagem de folhetos publicitários recolhidos em
supermercados, e para a espiritualidade e simbologia das nossas colagens, figuras para
compor novas imagens herdadeiras da sabedoria e cultura populares.
86
Fig. 40 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: o artista no seu estúdio de trabalho. À direita: Obra
“Pinta”, produzida com tampas de latas de tinta sobrepostas.
44 “A Pedra do Reino” é uma série de TV que tem como tema central o massacre sebastianista.
No Sertão de Pernambuco (Brasil), a cidade de São José do Belmonte tem como principal atrativo a “Pedra
do Reino”, uma formação rochosa de grandes dimensões, em granito, com o formato de duas torres. A
região onde se localiza foi palco de uma chacina ocorrida entre os dias 14 e 17 de maio de 1838, em que
profetas fanáticos auto-proclamados como herdeiros de D. Sebastião levaram ao suicídio pessoas do povo
local bem como assassinaram outras. D. Sebastião foi proclamado rei aos 14 anos, em 1568 tendo
desaperecido em combate na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, em Marrocos. Inconformado, o povo
português transformou a morte de D. Sebastião num acontecimento simbólico: um dia ele voltaria para
libertar e trazer de volta a felicidade ao seu povo. Segundo o escritor belmontense Ernando Alves de
Carvalho, o messianismo político-religioso de Portugal do século XVI ressurge deturpado e violento no
interior de Pernambuco, três séculos depois (Gaspar, 2009). O fato foi reescrito em formato de ficção no
livro “A Pedra do Reino” do escritor brasileiro Ariano Suassuna (1927-2014), em 1971, e inspirou a
minissérie de cinco capítulos “A Pedra do Reino” estreado na TV em junho de 2007. Produção realizada
na parceria entre profissionais da TV, teatro e populares da região onde foi filmada (Gaspar, 2009).
87
público na Web no canal Youtube, de forma gratuita (Fig. 41).
Fig. 41 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: Cavalos produzidos com materiais de sucata, para os
atores da minissérie de TV “A Pedra do Reino”. À direita: casa em tamanho natural realizada
com latas e materiais diversos para a novela “Meu Pedacinho de Chão” da TV Rede Globo,
exibido em TV gratuita em 2014. Material utilizado: latas e plástico.
88
de trabalho baseado no princípio dos 3R seja aceite e valorizado por um grande número
de pessoas (Fig. 42).
Fig. 42 – Elizabete Antunez, “RECICLÁVEL”, artigo sobre o artista Raimundo Rodriguez na revista
O Globo, 2007.
89
de todas as pessoas, adotamos na criação das nossas colagens em papel o mesmo
princípio de reciclagem.
90
Capítulo 4 –– Prática artística: colagens inspiradas na “Lenda do
Boi Bumba”.
A concepção de todo o trabalho prático foi pautada por uma visão ecológica, um
modo de vida que se expande cada vez mais por todas os grupos sociais do mundo, a
ponto de nos arriscarmos a afirmar que a preservação ambiental e dos recursos será um
consenso global dos habitantes das metrópoles do futuro, uma vez que se não o fizerem
arriscam a sua própria extinção. Existe hoje uma prática de cidadania cada vez mais
esclarecida e responsável sobre a existência e seus modos de estar, viver e proceder no
mundo. Compartilhamos intimamente com este novo modo de estar e fazer. A nossa
formação passou por uma experiência de jornalismo em duas edições, em 2002 e 2003,
do Fórum Social Mundial em Porto Alegre - Brasil, dedicadas à educação oferecida pela
escola nos anos de 1986 e 1987, e à educação familiar com raízes no meio rural.
92
A partir de uma visão responsável sobre o uso dos recursos naturais do planeta
optámos pelo projeto artístico em colagem. Entre muitas opções tais como pintura a
óleo, pintura acrílica, cerâmica, produção de animação, instalação com objetos de gesso,
entre outros, preferimos o trabalho que menos gera lixo. Avaliadas as possibilidades de
realizar o trabalho prático artístico, optámos por assumir a filosofia dos 4 Rs, que inclui
o compromisso da preservação dos recursos naturais do planeta, a diminuição da
emissão de Co2 e o repensar do consumo supérfluo.
A antiga e pioneira política dos 3Rs (Cerqueira, 2018) foi criada durante a
Conferência da Terra realizada no Rio de Janeiro e o 5° Programa Europeu para o
Ambiente e Desenvolvimento, realizado em 1993, com o objectivo de tentar impedir e
diminuir a produção de lixo no mundo. O primeiro R diz respeito à redução através da
compra de produtos mais duráveis evitando os descartáveis, reduzindo a produção de
novos produtos a partir do uso de recursos naturais. O segundo R de reutilizar consiste
em utilizar várias vezes embalagens retornáveis como, por exemplo, dilatar a vida útil
das revistas e livros. E o terceiro R refere-se ao Reciclar que consiste na transformação
dos resíduos como, por exemplo, a separação do plástico do papel e reciclagem dos
mesmos de modo a retornarem à sociedade, evitando a extração de mais petróleo e
diminuindo a ampliação das áreas para plantio do eucalipto que fornece a celulose. Para
o nosso trabalho adotámos também o quarto R de repensar que tornou possível ao
longo de todo o processo avaliar quais os papéis que seriam coletados, recortados, e a
quantidade de sobras destinadas à reciclagem. Repensámos e decidimos não utilizar
separadores para a pasta, não imprimir imagens, não investir em adesivos, não optar
pela técnica mista que exigiria a compra de tintas de diversas cores e texturas, e usar
apenas cola produzida na União Europeia (cola bastão UHU produzida na Alemanha).
Nesse sentido, repensámos toda a estratégia de pós-produção e decidimos que as
nossas colagens devem no futuro ser realizadas através do registo fotográfico das obras
e/ou digitalização e posterior projeção para o público.
93
mestrado posiciona-se alinhado com as diretrizes defendidas na COP2445 nos termos
Mudança Climática e Cultura e no alinhamento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, proposta pela ONU. De igual modo, na nossa opinião a arte contemporânea
não tem como finalidade apenas mostrar, mas sobretudo dizer. Nesse sentido, a obra
não se reduz ao objecto proposto pelo artista, mas integra o conjunto das
consequências, por exemplo capacitadoras, que essa proposta pode ter junto da
comunidade. Interessou-nos, de igual forma, o uso dos papéis banais, dos folhetos de
supermercado que, através da técnica e da sensibilidade artística devem sair da
hierarquia dos objetos banais para alcançar o foro da cultura e dos objetos artísticos.
45 A conferência promovida pela ONU – Organização das Nações Unidas, este ano promoveu
uma série de reuniões, palestras, mostras, partilhas e ações na Polónia entre os dias 3 e 14 de dezembro
de 2018. Reuniu 190 países para debaterem sobre soluções no âmbito do Aquecimento Climático.
94
arquitectónico foi um emaranhado de prédios e construções feitos de recortes de
lembranças de edifícios italianos, portugueses, franceses de diversas épocas. Por
conseguinte, o urbano mestiço possui a capacidade de digerir culturas alheias e
rearranjá-las de modo original. Os brasileiros nascem e crescem neste território
impregnado de elementos estranhos de vários níveis. Cidades, vilas e tudo em torno foi
construído com uma materialidade e imaterialidade híbrida sob o feroz calor e luz solar
impiedosos que nada poupam.
Todos e tudo, se combinam num ambiente que possiui uma abundante e variada
flora e fauna silvestre. Ocorre uma diluição de fronteiras e um cruzamento de linguagens
que exige um acordo temporário e permanente de tensões, visto que as diferenças
permanecem. Esse processo todo intelectual e estético é segundo defende o professor
Dr. Amálio Pinheiro da PUC de São Paulo e possui qualidades comuns e diversas
(Pinheiro, 2009, p. 36). O brasileiro imerso nesse processo incontrolável, irresistível o da
mestiçagem onde as diferenças se intensificam, mas não se anulam constrói um acervo
imagético novo. Um vocabulário flexivel e transitório. Não há limites para a mestiçagem
cultural que demonstra ter margens fluidas e intercambiáveis. A “Teoria da
Mestiçagem” reflecte sobre o pensamento mestiço, o olhar mestiço, a fala mestiça o
comportamento e movimentação do corpo mestiço. Mãos e ideias do brasileiro se
branco ou loiro são na verdade um todo mestiço por natureza.
95
4.2. A dimensão do simbólico e da religiosidade popular nas colagens.
Fig. 43 – Eliete Santos, “Não matarás”, 2018, colagem s/papel, 20 x 25 cm, coleção da autora.
96
A composição desenvolve-se em vários planos. Ao fundo o céu, em baixo o solo
e à esquerda em tabuleiro de jogo. No chão encontramos plantas, frutas vivas e
suculentas. As aves simbolizam a multiplicação da ave do paraíso. A rapariga da direita
sorri. As rosas evidenciam e sugerem pureza. Ao centro, abre-se uma janela onde há
luzes, raios com leve brilho que saem por entre as folhas finas da palmeira. Elas apontam
para um outro plano mais atrás de todas as mensagens, a infinitude do céu. A colagem
foi produzida com folhetos de publicidade distribuidos em farmácias, supermercados e
um guia da cidade de Évora entregue gratuitamente a turistas.
Fig. 44 – Eliete Santos, “O Escravo”, 2018, colagem s/papel, 23 x 26 cm, coleção da autora.
97
representam Catirina. A moldura maior envolve o quadro simbolizando as
consequências negativas após a morte do boi.
Fig. 45 – Eliete Santos, “Boi ao avesso”, 2018, colagem s/papel, 22 x 28 cm, coleção da autora.
98
A porta da esquerda simboliza o bem. Porta sem luz a direita mais abaixo é o mal.
Ambas jorram carne do boi tal como a onda atrás delas. As gotas de carne avançam,
aumentando o seu volume na direcção do espectador. Os poucos ramos verdes
evocamos pastos em que o animal se alimentava. A imagem que avança na nossa
direcção tem como finalidade atemorizar o espectador porque a carne fresca recorda a
morte do animal.
Fig. 46 – Eliete Santos, “Não Matarás II”, 2018, colagem e serigrafia s/tecido, 29 x 21 cm, coleção
da autora.
99
Esta peça foi o resultado do recorte de papéis pretos colados sobre fundo branco
e teve como rreferência as xilogravuras de José Borges.
Ao centro podemos observar a cabeça de um boi que não nos olha de frente. Por
cima deste encontramos uma placa que o identifica como “O Boi”. Por detrás dele
encontra-se uma áurea que o identifica como sendo uma figura santa. Na parte superior
da imagem e um boi menor preto voa enquanto observa o mítico São Jorge a espetar a
lança no dragão. A alma do boi mesmo voando observa calmamente a cena do bem a
vencer o mal. Dois pássaros selvagens integram esta composição: um que se apronta
para levantar voo e outro que parece piar, de bico aberto, à medida que se aproxima do
cavaleiro. Tanto em cima como em baixo um traço dentado delimita todos os elementos.
100
Fig. 47 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi I”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da autora.
101
Fig. 48 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi II”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da
autora.
102
Fig. 49 – Eliete Santos, “Boi na mata”, 2018, colagem s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora.
103
4.3. A série de colagens “Rei Bumba”: a técnica ao serviço do mito
Fig. 50 – Eliete Santos, “O Boi”, 1ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 20 x 25 cm,
coleção da autora.
104
Fig. 51 – Eliete Santos. À esquerda: resultado da recolha de três publicações de distribuição
gratuita. Para a criação desta imagem utilizámos a Revista Saúde, disponível na rede de
Farmácias Portuguesas. Nº 38/dezembro 2018/2 euros. Oferta dos exemplares no mês de
janeiro de 2019. Dimensões da revista: 21 X 26,5 cm. Ao centro: exemplar do folheto informativo
do supermercado Pingo Doce de Portugal. O folheto possui imagens de diversas flores. O folheto
selecionado é descrito como “Poupe esta Semana” de 27/11/2018 a 03/12/2018. Dimensões:
30 X 20 cm. O folheto aberto e revisto imagem a imagem. À direita: pormenor do primeiro
recorte da imagem.
Fig. 52 – Eliete Santos. À esquerda: o segundo recorte da imagem. À direita: conjunto de revistas,
exemplares distribuídos gratuitamente da Revista Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, que
fornecerão a imagem de fundo da colagem. Estas edições são em tamanho maior que os folhetos
de supermercado. Portefólio #5, tiragem anual/ 2010, 15 euros. Distribuída como oferta em
2018. Dimensão: 27 cm X 22,50 cm.
Fig. 53 – Eliete Santos. À esquerda: ensaio da sobreposição das imagens. Ao centro: colagem das
imagens selecionadas sobrepostas no lugar definitivo onde as figuras são coladas no fundo em
papel. À direita: pasta que serve de depositório ou arquivamento dos recortes que sobraram –
banco de imagens. Coleção com papel de c. 200 g. À direita: organização dos papéis em
pastas/catálogo A3.
105
Cada colagem pode levar entre 6 á 18 horas de trabalho. Etapas que consistem
na recolha, seleção das publicações, primeiro recorte, segundo recorte, ensaio das
imagens, colagem dos recortes em suporte de maior gramagem e armazenamento das
imagens não utilizadas.
Fig. 54 – Eliete Santos. Grelha compositiva (regra dos três terços) da colagem “O Boi” (ver s.f.f.
Fig. 50).
106
da cabeça do boi representam o casal Catirina e Francisco. Logo acima a orquídea em
violeta é o menino. Tanto as rosas quanto a orquídea recorrem aos mesmos princípios
simbólicos que as colagens já descritas anteriormente. O ambiente da natureza envolve
o boi, o arco está rodeado de água, as plantaçõese as flores. Tudo reunido no centro em
contraste ao chão e aos tijolos envelhecidos do fundo. Paredes de uma casa abandonada
de um solo esquecido que representam aqui o período colonial brasileiro desvalorizado
e perdido no passado. Ainda que os objetos no quadro estejam em permanência
intemporal. Por fim a colagem está no formato clássico do retângulo vertical.
Fig. 55 – Eliete Santos. Revista utilizadas para compor as 15 cenas da série “Rei Bumba”. Da
esquerda para a direita: Revista Claudia, Globo Rural, L´Officiel Brasil. Portefólio #8, Boletim
Salesiano, Construir.
Fig. 56 – Revista Cláudia, Arquitetura & Construção, Revista do Professor, História Biblioteca
Nacional, álbum de fotografia “Brasil Terra Virgem”.
107
Fig. 57 – Após o primeiro recorte dos folhetos do Pingo Doce, estes são submetidos a mais dois.
O religioso tem as mãos vazias e apenas olha o menino a sorrir. No canto onde
está o mosteiro o recorte poupa a cruz de cristo, que está abaixo da índia. O menino que
na estória folclórica popular está apenas no ventre da escrava aqui aparece em cima,
em termos simbólicos acima do valor do animal. Ambos menino e animal têm a mesma
coloração a fim de conduzir o espectador a realizar uma relação entre eles. O menino é
adornado com flores enquando o boi tem à frente pimentos. Os pais do menino olham
o filho. Catirina e Francisco surgem com arcos floridos na cabeça evocando os deuses
mitológicos da Grécia antiga. É propositada a vestimenta do menino – a camisa
contemporânea branca que evoca os tempos atuais e tem por finalidade criar a ponte
entre o menino do passado e a atualidade. O execício de composição desta colagem
pretende evocar o caracter mitológico da lenda do Boi Bumba.
109
A terceira imagem da série “Rei Bumba” possui o título “Desejo a minha família”
(Fig. 60).
Fig. 60 – Eliete Santos, “Desejo a minha família”, 3ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
37 x 25 cm, coleção da autora.
110
Este título parte de ideia de uma fala imaginada da jovem escrava. Catirina surge
como nesta colagem como figura central. O olhar dela e do filho observam o espectador,
enquanto o olhar de Francisco é triste perante as carnes.
Fig. 61 – Eliete Santos. À esquerda: dois modelos negros e uma flor com o centro contendo a
face de um menino negro que simboliza o filho do casal. À direita: composição final das figuras.
111
Fig. 62 – Eliete Santos. Para produzir o efeito desejado de sobreposição harmónica entre carnes
e o altar entalhado foram confeccionados dois planos de fundo. Traçámos a lápis o local que
delimita a imagem central do altar e a família em separado da moldura a ser preenchida por
carnes. Ao lado direito vemos a imagem da seleção dos recortes de carne com maior tonalidade
avermelhada, formato e tamanho, seleccionados do menor ao maior.
Fig. 63 – Eliete Santos. À esquerda: preenchimento das peças de carne de menor dimensão no
topo da imagem obedecendo à marcação feita com lápis. À direita: preenchimento de colagem
das carnes menores no topo, gradativamente até atingirem a parte inferior com as maiores
peças de carne.
112
carnes, aves de multíplas cores e um ramo de flor que cresce por debaixo do queixo do
menino.
Fig. 65 – Eliete Santos. Pormenor dos recortes que compõem as tiaras de flor da família de
escravos.
113
Fig. 66 – Eliete Santos, “Catirina grávida”, 4ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x
27,5 cm, coleção da autora.
Fig. 67 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Catirina grávida” (Fig. 66).
114
Catirina é adornada por um arco de flores. Em torno dela encontramos dois pares
de borboletas e um casal de aves azuis. A rapariga veste tecidos leves, está de olhos
fechados e debruça a cabeça no braço tevemente dobrado sobre si. A posição, os olhos,
a entrega do corpo em pé nas águas retira a personagem do ambiente ordinário e o
posiciona-a noutra atmosfera. O foco central é a barriga. O ventre foi constituído por
um sol envovido a flores. A diadema, o arco elevado acima da cabeça de Catirina não é
uma auréola dourada. As pedras preciosas que a coroam simbolizam o trajecto de
pressão e dor que o destino da estória lhe reserva. A articulação das flores, cores, água
e pessoa contribui para uma sensação de bem-estar e leveza.
A colagem “Desejo língua de boi” (Fig. 68) é toda ela um exesso. Foram utilizados
recortes de diversos tamanhos da revista Globo Rural, Claudia, revista Portefólio da
Fundação Eugênio de Almeida e folhetos de supermercado. A proporção das maçãs, que
aparecem com destaque, tem a finalidade de retomar a narrativa do pecado no paraíso.
Uma panela de ferro à frente da escrava está cheia de vegetais.
Fig. 68 – Eliete Santos, “Desejo língua de boi”, 5ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
42 x 29,5 cm, coleção da autora.
115
Fig. 69 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Desejo língua de boi” (Fig. 68).
Catirina não olha para a panela. Flores, leguminosas, pimentas, frutas, folhagens
enchem toda a dimensão do papel. A escrava sobrecarregada por vegetais no canto da
cena tem uma mão perto a boca e o olhar de quem imagina. Por cima da sua cabeça
pedaços de carne crua e cozida. O cozido é desejado. A flor com pétalas ponteagudas
no peito da rapariga colaca-se à disposição do espectador para inúmeras interpretações
assim como a fruta amarela redonda no topo do quadro colocada suspensa ao lado da
maçã. A composição convida do espectador a analisar com atenção todo o emaranhado
de vegetais. São os olhos do espectador os responsáveis por iluminar ainda mais esta
colagem. As linhas de força direcionam o observador para os elementos importantes da
cena.
A colagem “Francisco corta a língua do animal” (Fig. 70) possui vários momentos
sintetizados do enredo. A colagem é escura. A miríade de verdes oliva escuro, ao fundo
as rochas, o céu em azul escuro ponteado por aves negras apresenta elementos
inclinados, escondidos nas margens laterais. Ao centro temos a representação do
momento no qual a mão do escravo com a faca rasga, corta a língua do boi. Abutres
esperam a carcaça. Uma cabeça de boi vivo está retirada do corpo, enquanto o mesmo
boi observa a escrava que trabalha tranquilamente sentada na relva. No canto direito a
escrava espera a língua do boi. No lado oposto a casa pobre do casal. Não há flores, mas
vegetais com espinhos e pimentos murchos. As folhagens em torno foram coladas com
o propósito de apontar para o centro do quadro. A composição de diversos verdes foi
possível devido ao recorte pormenorizado da imagem de folhas em todas as publicações
e folhetos à nossa disposição (Fig. 71).
116
Fig. 70 – Eliete Santos, “Francisco corta a língua do animal”, 6ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora.
Fig. 71 – Eliete Santos. Elemento integrante da colagem “Francisco corta a língua do animal”.
117
Fig. 72 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Francisco corta a língua do
animal”.
Fig. 73 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Boi morto e abandonado no
mato” (Fig. 73). Conduzimos o olhar do observador através das linhas de força do triângulo
invertido.
118
Fig. 74 – Eliete Santos, “Boi morto e abandonado no mato”, 7ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 29 x 27 cm, coleção da autora.
119
Ao longo do nosso estudo observámos do dadaísmo ao artista Vik Muniz a
espantosa possibilidade de comunicação proporcionada pela arte da colagem. A
colagem “Escravidão pavorosa” pretende evocar através de seis recortes a época da
escravatura no Brasil (Fig. 76). A tomada de consciência sobre a perda da liberdade dos
escravos e da opressão exercida sobre eles causa em nós a sensação de pavor e de
indignação. Ao centro a fotografia do rosto tem como propósito expressar horror. As
margens laterais com tijolos, a folha rasgada, a árvore desfocada, todos estes elementos
guiam os nossos olhos para o desenho colorido pálido do escravo nú sendo açoitado no
canto superior esquerdo. Tudo o que pretendemos dizer sobre a violência extrema
contra o ser humano está representado nesta colagem.
Fig. 76 – Eliete Santos, “Escravidão pavorosa”, 8ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
40 x 28 cm, coleção da autora.
Fig. 77 – Eliete Santos, “Trabalho escravo de uma vida toda”, 9ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 38 x 28 cm, coleção da autora.
Fig. 78 – Eliete Santos. Vegetais com espinhos dos folhetos do supermercado Pingo Doce.
121
No seguimento do nosso trabalho sobre o cotidiano dos escravos, a colagem “Pai
Francisco acoado” (Fig. 79) tenta representar o momento após a mutilação do animal.
Na cena estão sintetizados outros momentos da trama. No topo a morte entre Catirina
e o boi. Flutuam no espaço a casa dos escravos, as pistolas perto da cabeça de Francisco.
Todo o cenário representa o momento em que o proprietário do animal pede uma
solução ao escravo. No azulejo está desenhada a imagem de Jesus. A relação entre Jesus
e a igreja no canto inferior representa Francisco a ir em busca da ressurreição do animal.
Como acontece na lenda narrada em dança pelos grupos folclóricos, desde há cerca de
200 anos, o animal é ressucitado. O grupo de pessoas está longe do escravo, pois na
lenda o Pai Francisco está só, buscando a solução do problema.
Fig. 79 – Eliete Santos, “Pai Francisco acoado”, 10ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
28 x 28 cm, coleção da autora.
122
Fig. 80 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Pai Francisco acoado” (Fig. 79).
Fig. 81 – Eliete Santos, “Francisco reflete o dilema após a morte do animal”, 11ª da série “Rei
Bumba”, 2019, colagem s/papel, 41,5 x 29,5 cm, coleção da autora.
123
O escravo ao centro da imagem vê a faca do crime. Por detrás dele a face de uma
entidade estranha que olha espantada ao longe, sem fixar-se em nenhum ponto. As
flores representam Catirina, as carnes o boi. O boi parece vivo, presente na cena através
das carnes que pingam, choram. A composição mística representa a relação causal entre
o pedido da esposa e o sacrifício do boi alheio. A combinação entre o desejo de preservar
a saúde do filho no ventre da mãe e a culpa pelo ato de mutilação e morte do animal.
Fig. 82 – Eliete Santos, “Catirina e a criança”, 12ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
34 x 29,5 cm, coleção da autora.
124
Fig. 83 – Eliete Santos. À esquerda: recortes em papel de objetos que integram a colagem. À
direita: processo de montagem do ícone do boi. À direita: para produzir o ícone em tons de
vermelho escarlate e os verdes de plantas levámos três sessões de aproximadamente 8 horas
cada.
A lenda narra que após matar o boi Francisco parte em busca de uma solução.
Vai ter com um padre. O escravo pede ao religioso que ressuscite o animal morto. O
padre vai ao local, tenta reviver o cadáver, mas a tentativa é frustrada. Na colagem “O
padre tenta ressuscitar o boi” acrescentámos um bispo que olha o padre no ato
desesperado e equivocado (Figs. 84-85).
Fig. 84 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem, “O padre tenta ressuscitar o
boi”.
125
Fig. 85 – Eliete Santos, “O padre tenta ressuscitar o boi”, 13ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 28 x 22 cm, coleção da autora.
A derrota do ritual realizado pelo padre faz com que Francisco busque auxílio a
outra autoridade religiosa (Fig. 86). Na lenda a magia indígena, a força da pagelança
devolve a vida ao boi morto. A supremacia indigena dá fim à trama. O proprietário do
126
animal dá-se por satisfeito, Catirina se exime da culpa e o grupo indígena garante a sua
presença.
Fig. 86 – Eliete Santos, “O índio tenta ressuscitar o boi”, 14ª da série “Rei Bumba”2019, colagem
s/papel, 32 x 30 cm, coleção da autora.
O nosso olhar trouxe uma nova abordagem a esta lenda. Nesta colagem
imaginámos que nem o padre nem o indígena conseguiram ressuscitar o animal. O dano
financeiro seria resolvido com a venda do filho do casal de escravos.
A colagem “O filho de Catirina e Francisco foi vendido” (Fig. 87) apresenta uma cena
atormentora e cruel. Entre a manada um menino negro está nas mãos de um senhor
branco. Junto à mão podemos encontrar presos dinheiro e um ser humano.
127
Fig. 87 – Eliete Santos, “O filho de Catirina e Francisco foi vendido”, 15ª da série “Rei Bumba”,
2019, colagem s/papel, 32,5 x 27 cm, coleção da autora.
O menino está a ser examinado por outra mão branca. O religioso católico no
canto inferior está de cabeça baixa e escreve, quiçá relata. O menino já não possui a
auréola de flores. Ele está cercado por tijolos que refletem a condição de falta liberdade.
A igreja está em pedaços nas vestes do menino. Assim como as demais colagens esta
composição aconteceu faseadamente seguindo a mesma ordem. Recorte, colagem dos
elementos desde o primeiro plano ao último. Em muitas delas os céus, o plano superior
128
da paisagem, é virado ao contrário ou inclinado.
Fig. 88 – Pormenor do processo de montagem da cena onde imaginamos que o filho de Catirina
seria vendido de maneira a ressarcir o proprietário do boi morto por Francisco.
Fig. 89 – Eliete Santos, “O sacrifício para o filho”, 16ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 28 x 27,5 cm, coleção da autora.
129
Na colagem “O sacrifício para o filho” (Fig. 89) a criança ao centro surge
ricamente adornada por flores em camadas que se acrescentam umas às outras. O
volume, o formato faz com que não saibamos o sexo da criança. Rosas fúcsia cremoso
aos pares, o girassol no topo da cena tem as pétalas iluminadas pela criança. No canto
inferior o casal observa em paz o espectador. Atras a área de ambos é a grade de aço,
ao mesmo tempo que podemos ver que o casal está fora das grades à frente destas. A
criança cresce na cena, destaca-se do fundo. Ao longe, tons de verde distribuem-se em
intervalos dispersos de sombras que parecem manchas desenhadas.
130
Considerações Finais
131
mostras de inclusão da arte popular que raramente acontecem. São excepção deste
fenómeno o sucesso de alguns mestres da arte nascidos fora do meio académico como,
por exemplo, José Borges. Este artista, após 50 anos de ofício foi aos 70 anos de idade
assunto do jornal norte-americano New York Times. O trabalho de artistas que recorrem
à colagem e a princípios de sustentabilidade na atualidade, bem como o trabalho de
mestres artesãos que investem o imaginário popular nas suas obras. De igual forma,
destacámos o modo como a figura do boi tem atravessado a história de arte erudita e
se encontra presente no cotidiano popular.
132
Na nossa opinião, os horrores do mundo cotidiano que apresenta a escravidão
moderna, a fealdade do muro existente entre a cultura do povo e “arte dos ricos” e a
permanente ideologia da pureza apregoada por grupos racistas, só é suportável com o
alívio da beleza. Para não deixarmos de ser coerentes, somos mestiças, nosso trabalho
é mestiço. Esta mestiçagem velada, da qual pouco ou nada se fala, mas que se encontra
presente e é cada vez maior no mundo globalizado pois cada vez mais serão constituídos
agregados familiares entre pessoas de todos os continentes. Nesse sentido, podemos
imaginar que o Brasil, na sua arte, e forma de ver e viver que combina elementos, signos,
ritmos e cores, representa hoje o que pode vir a ser o futuro do planeta. Quem sabe a
lenda do “Boi Bumba” no futuro não será apenas o relato de uma época longínqua onde
havia diferenças entre as pessoas.
Por último, concluímos que todo o laboroso trabalho manual de recolha, corte e
recorte de imagens as colagens em superfícies de escala modesta isentou-nos da culpa
pela emissão de carbono na atmosfera, sobretudo abriu os nossos olhos para o potencial
extraordinário das imagens reagrupadas. No futuro, o nosso compromisso posterior ao
presente trabalho será o de sistematizar uma didática. A intensão é disseminar,
multiplicar o gosto pela colagem e divulgar a urgência de mais pessoas optarem pela
arte sustentável.
No futuro penso que a nossa investigação poderá aprofundar as bases para uma
atuação artística mais comprometida com os conceitos de preservação ecológica.
Sobretudo tudo o que estudámos e concluímos tem o propósito de servir de guia e fonte
de pesquisa para pessoas interessadas em arte, comunicação, cultura popular, estudo
crítico do sistema neo-liberal e do fazer artístico.
133
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Torito pequeno decorado; Casa produtora do objeto artesanal com venda destinada a
150
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distribuição gratuita.
154