Boi Bumba

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ESCOLA DE ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS E DESIGN

A “Lenda do Boi Bumba”: Um novo olhar através da arte


da colagem.

Mestranda: Eliete Cristina dos Santos

Orientação: Professora Doutora Teresa Veiga Furtado


Co-orientação: Professora Doutora Maria Teresa Santos

Mestrado em Práticas Artísticas em Artes Visuais


Trabalho de Projeto

Évora, 2019
A “Lenda do Boi Bumba”:
Um novo olhar através da arte da colagem.

Mestranda: Eliete Cristina dos Santos

Orientação: Professora Doutora Teresa Veiga Furtado

Co-orientação: Professora Doutora Maria Teresa Santos

Mestrado em Práticas Artísticas em Artes Visuais

Trabalho de Projecto apresentado para cumprimento dos requisitos à obtenção


do grau de mestre em Artes Visuais.

Évora, Julho de 2019

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Membros do Júri:

Prof. Doutor Luís Filipe Soares Afonso (Presidente), Universidade de Évora


Prof. Doutora Paula Reaes Pinto (Vogal Arguente), Universidade Lusófona
Prof. Doutora Teresa Veiga Furtado (Vogal Orientadora), Universidade de Évora

3
Agradecimentos

A presente dissertação de mestrado é apresentada graças ao incentivo e esforço


de muitas pessoas. Agradeço primeiramente ao meu marido que no Brasil em 2016
indicou o início do mestrado na Universidade de Évora em Portugal.

Agradeço profundamente à orientadora professora doutora Teresa Veiga


Furtado que me conduziu às melhores fontes e nomes de referência no mundo das artes
que serviram como base para a sustentação teórica a prática no âmbito das artes. O meu
especial agradecimento à coorientadora professora doutora Maria Teresa Santos que
tão amavelmente acolheu o convite e forneceu generosamente orientações certeiras de
grande contributo à escrita.

Agradeço a disponibilidade e dedicação demonstradas por todos os professores


do curso, aos colegas de turma, ao professor José Alberto Ferreira que acreditou no meu
talento.

Por último, mas não menos importante, agradeço aos meus pais e amigos que
me dedicaram muita atenção e longas horas agradáveis que revigoraram as forças e a
vontade de seguir em frente.

4
Resumo

A “Lenda do Boi Bumba” é um conto brasileiro, cujo primeiro registo escrito data
de 1840, que ganha contornos diferentes em cada região do país retratando, de um
modo simbólico e alegórico, configurações sociais do período colonial, e revelando a
relação de poder entre escravos e senhores, bem como as crenças religiosas da época.
A nossa investigação artística, teórica e prática tem como vectores principais as artes
visuais, a história e os estudos pós-coloniais, e autores como Maria Manuela Ribeiro
Sánchez, Darcy Ribeiro, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e Amálio Pinheiro e
artistas como Vik Muniz e José Borges.

Tendo como objecto de estudo a “Lenda do Boi Bumba”, a questão central desta
investigação é saber de que forma esta lenda exprime de um modo geral os valores,
normas e desejos íntimos e universais das pessoas, e em particular serviu para
materializar os ensejos e os medos dos negros e indígenas no âmbito do contexto
colonial brasileiro. Interessa-nos também compreender, as origens e configurações
artísticas que esta lenda tomou nas obras de artesãos e artistas brasileiros desde os
finais do século XX à actualidade, cativando as pessoas para a importância das lendas
populares enquanto arquivos das memórias, desejos e sonhos colectivos.

Esta pesquisa, vai permitir alcançar o nosso objectivo principal, isto é, contribuir
com um novo olhar sobre a “Lenda do Boi Bumba” através da arte da colagem realizada
segundo o princípio dos 4 Rs da sustentabilidade.

Palavras-chave: artes visuais, colagem, lenda do boi bumba, cultura popular, 4


Rs, estudos pós-coloniais.

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Title: The “Legend of Boi Bumba”: a new look through the art of collage.

Abstract

The “Legend of King Bumba” is a Brazilian tale, whose first written record dates
from 1840, which gains different contours in each region of the country portraying, in a
symbolic and allegorical way, social configurations of the colonial period, and revealing
the power relationship between slaves and lords, as well as the religious beliefs of the
time. Our artistic, theoretical and practical research has as main vectors the visual arts,
history and postcolonial studies, and authors such as Maria Manuela Ribeiro Sánchez,
Darcy Ribeiro, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti and Amálio Pinheiro and artists
as Vik Muniz and J. Borges.

Having as object of study the "Legend of Boi Bumba", the central question of this
investigation is how this legend generally expresses the values, norms, and universal
desires of the people, and in particular served to materialize the opportunities and fears
of blacks and native people within the context of the Brazilian colonial context. It is also
interesting to understand the origins and artistic configurations that this legend has
taken in the works of Brazilian artisans and artists from the end of the 20th century to
the present, captivating people to the importance of popular legends as archives of
collective memories, desires and dreams.

This research will allow us to reach our main objective, that is, to contribute with
a new look on the "Legend of Boi Bumba" through the art of collage carried out
according to the 4 Rs principle of sustainability.

Keywords: visual arts, collage, narrative of sacrifice, cultural studies, postcolonial


studies. visual arts, collage, Boi Bumba legend, popular culture, 4 Rs, postcolonial
studies.

6
Índice Geral

ÍNDICE GERAL ................................................................................................................... 8

ÍNDICE DE IMAGENS ....................................................................................................... 09

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

CAPÍTULO 1 – A “LENDA DO BOI BUMBA”: ORIGENS, COMPONENTES E VARIANTES. .. 21

1.1. A CULTURA POPULAR BRASILEIRA............................................................................................................................ 25

1.2. COMPONENTES LUSAS, AFRAS E INDÍGENAS DA “LENDA DO BOI BUMBA”. ............................................................... 37

1.3. VARIANTES DA LENDA E A SUA REPRESENTAÇÃO EM FESTIVIDADES CÍCLICAS. .............................................................. 40

1.4. ANÁLISE SIMBÓLICA DA LENDA................................................................................................................................ 43

1.4.1. A ORIGEM DAS PERSONAGENS. ..................................................................................... 48

1.4.2. O BOI E A SUA RELAÇÃO COM AS RESTANTES PERSONAGENS. ............................................... 50

CAPÍTULO 2 – SACRIFÍCIO, MITO E RESISTÊNCIA NA “LENDA DO BOI BUMBA”. ........... 54

2.1. A NARRATIVA DO SACRIFÍCIO NO “BOI BUMBA”. ..................................................................................................... 54

2.2. A LENDA COMO MITO. ........................................................................................................................................... 59

2.3. A LENDA COMO UM LUGAR DE FALA, SOBREVIVÊNCIA E RESISTÊNCIA......................................................................... 61

CAPÍTULO 3 – REPRESENTAÇÕES DO “BOI” POR ARTESÃOS E ARTISTAS E O PRINCÍPIO

DOS 3R NA ARTE CONTEMPORÂNEA. ............................................................................ 65

3.1. FIGURAÇÕES DO BOI NAS OBRAS DO XILOGRAVADOR JOAQUIM BORGES E DE OUTROS MESTRES DA HISTÓRIA DE ARTE.68

3.2. O FESTIVAL DE PARINTINS: ENCENAÇÕES POPULARES DA “LENDA DO BOI BUMBA”. ................................................. 76

3.3. A APROPRIAÇÃO DA LENDA POR CORPORAÇÕES NEO-LIBERAIS.................................................................................. 77

3.4. VIK MUNIZ E O SISTEMA 3 RS................................................................................................................................. 81

3.5. RAIMUNDO RODRIGUEZ E O NOVO PARADIGMA DA RECICLAGEM............................................................................. 86

7
CAPÍTULO 4 –– PRÁTICA ARTÍSTICA: COLAGENS INSPIRADAS NA “LENDA DO BOI

BUMBA”. ......................................................................................................................... 91

4.1. CONCEPTUALIZAÇÃO DO TRABALHO: A TEORIA DA MESTIÇAGEME A DIMENSÃO ECOLÓGICA DOS 4R .......................... 92

4.2. A DIMENSÃO DO SIMBÓLICO E DA RELIGIOSIDADE POPULAR NAS COLAGENS. ............................................................. 96

4.3. A SÉRIE DE COLAGENS “REI BUMBA”: A TÉCNICA AO SERVIÇO DO MITO...................................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 131

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 134

8
Índice de Imagens

Fig. 1 – Brasão e bandeira da cidade de Beja. ......................................................................................................22


Fig. 2 – Capa do livro “Bestiário Tradicional Português”, 2017. Nuno Matos Valente (autor), Natacha Costa
Pereira (ilustração). ........................................................................................................................................23
Fig. 3 – Tarsila do Amaral. “Paisagem com touro”, 1925. Óleo sobre tela, 52 cm x 65 cm, Coleção do
Museum of Modern Art (MOMA), EUA. ...................................................................................................28
Fig. 4 – Tarsila do Amaral, “O Touro” ou “O Boi na Floresta”, 1928. Óleo s/tela. 50 X 61,2 cm, colecção do
Museu de Arte Moderna da Bahia, Brasil..................................................................................................29
Fig. 5 – Carmen Miranda, figurino elaborado com inspiração nas vendedoras de doce nas ruas da cidade
de Salvador no Estado da Bahia, [s.d.]........................................................................................................30
Fig 6 – Miguel Saraiva e Marcos de Andrade (professores), [s.d.], “Alunos em atividade prática pedagógica
interpretativa da lenda do boi bumba em ambiente escolar”. A máscara preta é um elemento
constitutivo da indumentária.......................................................................................................................36
Fig. 7 – Capa do livro “Bumba meu Boi” de Roger de Mello, 2017..................................................................39
Fig. 8 – Wikipedia – Boi caprichoso, [s.d.], fotografia aérea do Bumbodramo em Parintins no estado do
Amazonas........................................................................................................................................................41
Fig. 9 – Rádio Cidadã FM - #avozdobutanta. À esquerda fotografia do “Boi Bumba” do Morro do
Querosene na cidade de São Paulo, Brasil. À direita fotografia do mestre Tião Carvalho, 2017.42
Fig. 10 – Caras e Nomes. À esquerda a indumentária de bumba em exposição na rua durante o “Encontro
dos Miolos de Boi”. À direita pormenor de um brincante, 2013...........................................................42
Fig. 11 – Kako, “Minotauro”, ilustração, 2017, 26 x 17 cm. ...............................................................................44
Fig. 12 – Capa do livro “O Minotauro” do escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948). .....................45
Fig. 13 – Bisonte da gruta de Altamira (Espanha). Datado por volta de 22.000 anos A.C. Considerado
Património da Humanidade pela UNESCO. ..............................................................................................51
Fig. 14 – Bois na gruta de Lascaux, França, c. de 15.000 A.C. Considerado Património da Humanidade pela
UNESCO...........................................................................................................................................................51
Fig. 15 – Capa da banda desenhada “Catirina & Pai Francisco” de Beto Nicácio, 2016. ..............................58
Fig. 16 – Governo do Maranhão. Fotografia de menino durante a “Festa de São João de Todos do
Maranhão”, 2016...........................................................................................................................................62
Fig. 17 – Cid Carvalho, indumentária “Boi Bumba”, 2008-2009, tecido, colagem e aviamentos diversos,
colecção do acervo da Instituição ACasa. ..................................................................................................65

9
Fig. 18 – Manuel Eudocio, “Francisco e Catirina”, [s.d.], cerâmica policromada, miniatura, col. do autor.
...........................................................................................................................................................................66
Fig. 19 – Denildo Piçanã, fotografia do “Boi Caprichoso” com a “filha do proprietário da fazenda”
demonstrando o seu afecto pelo animal, [s.d.]. .......................................................................................67
Fig. 20 –Bois da raça Angus produzidos pela empresa suíça Schleich, boi de presepio e boi esqueiro de
bronze (fabricados na China). Fotografia ed Eliete Santos......................................................................67
Fig. 21 – Walk and Talk. Da esquerda para a direita: Toritos num telhado; Torito pequeno decorado; Casa
produtora do objeto artesanal com venda destinada a turistas; Estátua do Torito em grande escala
na cidade de Pucara, Perú. ...........................................................................................................................68
Fig. 22 – J. Borges. De cima para baixo, da esquerda para direita: “Os Boiadeiros”, 48 x 66 cm, colecção
Cestarias Regio; “O sertão e o sol quente”, 44 x 60 cm, colecção de Ana Neri; “O boi voando”, 33 x
24 cm, colecção J. Brito; “Bumba meu boi”, 21 x 23 cm, coleção Arte Maior Leilões; “Bumba meu
boi”, 47 x 33 cm, colecção Galeria de Gravura; “O casamento do bode”, 60 x 40 cm, colecção Galeria
de Gravura; “O forro dos bichos”, 66 x 46 cm, colecção Cestarias Régio; “Bumba meu boi”, 65 x 50
cm, colecção Arte Maior leilões; “O boi e o pássaro”, 68 x 48 cm, colecção Munneart....................69
Fig. 23 – Entrevista a J. Borges em actividade artística aos 80 anos, pela jornalista Amanda Dantas
(fotograma), Bezerros, Estado de Pernambuco, Brasil, 2016.................................................................70
Fig. 24 – Pablo Picasso (1881-1973), “Bull”, 1945, litogravuras, 8x (31 x 46.8 cm), colecção Galeria
Christie`s, Reino Unido. .................................................................................................................................72
Fig. 25 – Pablo Picasso, “Guernica”, 1937. Óleo s/ tela. 349,3 x 776,6 cm. Museu Nacional Centro de Arte
Reina Sofia, Madrid, Espanha. .....................................................................................................................72
Fig. 26 – Rembrandt van Rijn (1606-1669), “O Boi Abatido”, 1655. Óleo s/ tela. 94 x 69 cm, colecção
Museu do Louvre, França. ............................................................................................................................73
Fig. 27 – John Boultbee “Durham OX”, 1804, gravura, 51 x 61 cm, Colecção da família do artista, EUA. .73
Fig. 28 – Vincent van Gogh (1853-1890), “Cart with Black Ox”, 1884. Pintura a óleo, 60 x 80 cm, Portland
Art Museum, EUA. .........................................................................................................................................74
Fig. 29 – John Singer Sargent, “Oxen” 1911, aguarela, 40 x 53 cm. Col. da Tate Gallery, Reino Unido......74
Fig. 30 – David Goodrich (1962-2014), “White Buffalo” [s/d], acrílico s/tela, 18 x 17 cm, colecção da Galeria
Saatchiart, EUA...............................................................................................................................................75
Fig. 31 – Filipe Morato Gomes. À esq.: pormenor de um figurino luxuoso, local, 2017. À dir.: Boi Garantido
mostrando ao fundo cartazes de divulgação do serviço público de Correios, local, 2017. ...............78

10
Fig. 32 – No Amazonas é assim. À esquerda: Latas do refrigerante Guaraná da Companhia Coca Cola
Company produzido exclusivamente para a data festiva das festas do Bumba Meu Boi em Parintins,
2013. À direita: garrafas de coca-cola com a imagem do boi, 2013......................................................79
Fig. 33 – Exame. Da esquerda para a direita: Cartaz produzido “Viva o lado Coca-cola dos bumbás”, lata
do refrigerante, latas do leite em pós destinado à alimentação das crianças produzida pela empresa
Suíça Nestlé, 2013..........................................................................................................................................80
Fig. 34 – Flavio Emanuel. A arena da encenação do Boi Caprichoso. Ao fundo e à esq. podemos observar
a faixa promocional do refrigerante Coca-cola com um foco de luz direcionado para esta, 2013..80
Fig. 35 – Vik Muniz, “Minotauro”, 2004, fotografia (impressão cromogénica), 122,50 x 101,60 cm,
colecção da Galeria Mutual Art, Reino Unido. ..........................................................................................83
Fig. 36 – Vik Muniz. Da esquerda para a direita: mesa do artista em formato em L na qual se encontram
diversos livros e revistas de arte. Ao centro o artista folheia livros. Seguidamente, apresentamos um
pormenor das mãos da assistente..............................................................................................................84
Fig. 37 – Vik Muniz. À esquerda pormenor dos pequenos pedaços de papel colados ao suporte. Ao centro
a impressão em pé e na mesa a obra original feito com pedaços de papel. À direita o artista
apresenta uma das suas imagens preferidas. ...........................................................................................84
Fig. 38 – Vik Muniz. À esquerda: uma reprodução feita no seu atelier. A impressão serve para que possa
verificar a disposição dos pedaços colados. Ao centro: pormenor do quadro da colagem original,
designado “Noite Estrelada”, de 2012, realizada com base na obra de Van Gogh, 177.8 x 223.5 cm.
À direita: fotografia do artista com a sua familia durante a inauguração da exposição “Imaginária”
2018, Fundação Casa Santa Inês, Gávea, Rio de Janeiro.........................................................................84
Fig. 39 – Vik Muniz. À esquerda: Processo de captura fotográfica da imagem composta com elementos
diversos. À direita: Exposição do quadro “Nossa Senhora das Graças” na Casa Daros, no Rio de
Janeiro, em 2016............................................................................................................................................85
Fig. 40 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: o artista no seu estúdio de trabalho. À direita: Obra “Pinta”,
produzida com tampas de latas de tinta sobrepostas.............................................................................88
Fig. 41 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: Cavalos produzidos com materiais de sucata, para os atores
da minissérie de TV “A Pedra do Reino”. À direita: casa em tamanho natural realizada com latas e
materiais diversos para a novela “Meu Pedacinho de Chão” da TV Rede Globo, exibido em TV
gratuita em 2014............................................................................................................................................88
Fig. 42 – Elizabete Antunez, “RECICLÁVEL”, artigo sobre Raimundo Rodriguez no O Globo, 2007. ..........89
Fig. 43 – Eliete Santos, “Não matarás”, 2018, colagem s/papel, 20 x 25 cm, coleção da autora. ...............96
Fig. 44 – Eliete Santos, “O Escravo”, 2018, colagem s/papel, 23 x 26 cm, coleção da autora. ....................97

11
Fig. 45 – Eliete Santos, “Boi ao avesso”, 2018, colagem s/papel, 22 x 28 cm, coleção da autora...............98
Fig. 46 – Eliete Santos, “Não Matarás II”, 2018, colagem e serigrafia s/tecido, 29 x 21 cm, coleção da
autora...............................................................................................................................................................99
Fig. 47 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi I”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da autora. ..... 101
Fig. 48 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi II”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da autora. .... 102
Fig. 49 – Eliete Santos, “Boi na mata”, 2018, colagem s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora............... 103
Fig. 50 – Eliete Santos, “O Boi”, 1ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 20 x 25 cm, coleção da
autora............................................................................................................................................................ 104
Fig. 51 – Eliete Santos. À esquerda: resultado da recolha de três publicações de distribuição gratuita. Para
a criação desta imagem utilizámos a Revista Saúde, disponível na rede de Farmácias Portuguesas.
Nº 38/Dezembro 2018/2 euros. Oferta dos exemplares no mês de janeiro de 2019. Dimensões da
revista: 21 X 26,5 cm. Ao centro: exemplar do folheto informativo do supermercado Pingo Doce de
Portugal. O folheto selecionado é descrito como “Poupe esta Semana” de 27/11/2018 a
03/12/2018. Dimensões: 30 X 20 cm. O folheto aberto e revisto imagem a imagem. À direita:
pormenor do primeiro recorte da imagem............................................................................................ 105
Fig. 52 – Eliete Santos. À esquerda: o segundo recorte da imagem. À direita: conjunto de revistas,
exemplares distribuídos gratuitamente da Revista Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, que
fornecerão a imagem de fundo da colagem. Estas edições são em tamanho maior que os folhetos
de supermercado. Portefólio #5, tiragem anual/ 2010, 15 euros. Distribuída como oferta em 2018.
Dimensão: 27 cm X 22,50 cm. .................................................................................................................. 105
Fig. 53 – Eliete Santos. À esquerda: ensaio da sobreposição das imagens. Ao centro: colagem das imagens
selecionadas sobrepostas no lugar definitivo onde as figuras são coladas no fundo em papel. À
direita: pasta que serve de depositório ou arquivamento dos recortes que sobraram – banco de
imagens. À direita: organização dos papéis em pastas/catálogo A3................................................. 105
Fig. 54 – Eliete Santos. Grelha compositiva (regra dos três terços) da colagem “O Boi”........................... 106
Fig. 55 – Eliete Santos. Revistas utilizadas para compor as 15 cenas da série “Rei Bumba”. Da esq. para a
dir.: Revista Claudia, Globo Rural, L´Officiel Brasil. Portefólio #8, Boletim Salesiano, Construir. ... 107
Fig. 56 – Revista Cláudia, Arquitetura & Construção, Revista do Professor, História Biblioteca Nacional,
álbum de fotografia “Brasil Terra Virgem”. ............................................................................................ 107
Fig. 57 – Após o primeiro recorte dos folhetos do Pingo Doce, estes são submetidos a mais dois......... 108
Fig. 58 – Colagem “Todos os personagens”, versão a p/b.............................................................................. 108
Fig. 59 – Eliete Santos, “Todos os personagens”, 2ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 31,5 x
28 cm, coleção da autora........................................................................................................................... 109

12
Fig. 60 – Eliete Santos, “Desejo a minha família”, 3ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 37 x 25
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 110
Fig. 61 – Eliete Santos. À esquerda: dois modelos negros e uma flor com o centro contendo a face de um
menino negro que simboliza o filho do casal. À direita: composição final das figuras.................... 111
Fig. 62 – Eliete Santos. Para produzir o efeito desejado de sobreposição harmónica entre carnes e o altar
entalhado foram confeccionados dois planos de fundo. Traçámos a lápis o local que delimita a
imagem central do altar e a família em separado da moldura a ser preenchida por carnes. Ao lado
direito vemos a imagem da seleção dos recortes de carne com maior tonalidade avermelhada,
formato e tamanho, seleccionados do menor ao maior. .................................................................... 112
Fig. 63 – Eliete Santos. À esq.: preenchimento das peças de carne de menor dimensão no topo da imagem
obedecendo à marcação feita com lápis. À dir.: preenchimento de colagem das carnes menores no
topo, gradativamente até atingirem a parte inferior com as maiores peças de carne................... 112
Fig. 64 – Eliete Santos. À esq.: o momento da colagem da imagem do altar da igreja e a família sobreposta
às carnes. À dir.: corte das bordas para que a imagem tenha um tamanho inferior a 42 cm. ...... 113
Fig. 65 – Eliete Santos. Pormenor dos recortes que compõem as tiaras de flor da família de escravos. 113
Fig. 66 – Eliete Santos, “Catirina grávida”, 4ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x 27,5 cm,
coleção da autora........................................................................................................................................ 114
Fig. 67 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Catirina grávida” (Fig. 66)................... 114
Fig. 68 – Eliete Santos, “Desejo língua de boi”, 5ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 42 x 29,5
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 115
Fig. 69 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Desejo língua de boi” (Fig. 68)........... 116
Fig. 70 – Eliete Santos, “Francisco corta a língua do animal”, 6ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora................................................................................................... 117
Fig. 71 – Eliete Santos. Elemento integrante da colagem “Francisco corta a língua do animal”.............. 117
Fig. 72 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Francisco corta a língua do animal”. 118
Fig. 73 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Boi morto e abandonado no mato” (Fig.
73). Conduzimos o olhar do observador através das linhas de força do triângulo invertido. ........ 118
Fig. 74 – Eliete Santos, “Boi morto e abandonado no mato”, 7ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 29 x 27 cm, coleção da autora................................................................................................... 119
Fig. 75 – Pormenor do recorte dos tijolos um a um para envolver a imagem do proprietário do boi.... 119
Fig. 76 – Eliete Santos, “Escravidão pavorosa”, 8ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 40 x 28
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 120

13
Fig. 77 – Eliete Santos, “Trabalho escravo de uma vida toda”, 9ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 38 x 28 cm, coleção da autora................................................................................................... 121
Fig. 78 – Eliete Santos. Vegetais com espinhos dos folhetos do supermercado Pingo Doce. .................. 121
Fig. 79 – Eliete Santos, “Pai Francisco acoado”, 10ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x 28
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 122
Fig. 80 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Pai Francisco acoado” (Fig. 79). ........ 123
Fig. 81 – Eliete Santos, “Francisco reflete o dilema após a morte do animal”, 11ª da série “Rei Bumba”,
2019, colagem s/papel, 41,5 x 29,5 cm, coleção da autora. ................................................................ 123
Fig. 82 – Eliete Santos, “Catirina e a criança”, 12ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 34 x 29,5
cm, coleção da autora. ............................................................................................................................... 124
Fig. 83 – Eliete Santos. À esquerda: recortes em papel de objetos que integram a colagem. À direita:
processo de montagem do ícone do boi. À direita: para produzir o ícone em tons de vermelho
escarlate e os verdes de plantas levámos três sessões de aproximadamente 8 horas cada......... 125
Fig. 84 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem, “O padre tenta ressuscitar o boi”...... 125
Fig. 85 – Eliete Santos, “O padre tenta ressuscitar o boi”, 13ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
28 x 22 cm, coleção da autora. ................................................................................................................. 126
Fig. 86 – Eliete Santos, “O índio tenta ressuscitar o boi”, 14ª da série “Rei Bumba”2019, colagem s/papel,
32 x 30 cm, coleção da autora. ................................................................................................................. 127
Fig. 87 – Eliete Santos, “O filho de Catirina e Francisco foi vendido”, 15ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 32,5 x 27 cm, coleção da autora. .............................................................................. 128
Fig. 88 – Pormenor do processo de montagem da cena onde imaginamos que o filho de Catirina seria
vendido de maneira a ressarcir o proprietário do boi morto por Francisco. .................................... 129
Fig. 89 – Eliete Santos, “O sacrifício para o filho”, 16ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x
27,5 cm, coleção da autora. ...................................................................................................................... 129

14
Introdução

Contam-se estórias para crianças. Contam-se estórias nas escolas. Contam-se


estórias fantásticas aos jovens. Estórias em fábulas, em contos. As estórias são
disseminadas através de centenas de milhares de livros impressos todos os dias. O raiar
da civilização em todo o mundo teve como elemento integrador a difusão das estórias,
muitas com função pedagógica e moralista como, por exemplo, os mitos gregos e as
fantásticas fábulas de Esopo. No período da Idade Média incontáveis estórias surgiram
e tantas outras faziam parte da vida cotidiana das populações. Em aldeias, dentro das
muralhas, vilas, colégios e igrejas, as estórias serviam fundamentalmente quer para a
transmissão de um normativo moral, quer para a ampliação de conhecimento
quotidiano como, por exemplo, na ampliação e aperfeiçoamento da capacidade
imaginativa.

No decorrer da nossa análise, o termo estória e História estão separados


(Figueira, 2003)1. Analisaremos a “Lenda do Boi Bumba” como estória, ao passo que o
termo História será aplicado no contexto de pesquisa de acontecimentos reais ou
factuais. De igual modo, os termos folclore e folclórico referem-se ao conjunto de
conhecimentos contidos nas narrativas mitológicas, crenças e manifestações populares
ricas em conteúdos (Michaelis, 2002, 2019)2.

Narradas há centenas de anos pelas pessoas, as estórias falam das coisas do


universo popular, em particular as lendas (Silva, 2016)3, que diferentemente da
estrutura curta do conto (Propp, 1980; 2003), possuem um papel importante na esfera
da literatura, das artes e das manifestações populares. Podemos afirmar que o ser

1 Na cultura inglesa estória (story) refere-se às narrativas populares, não verdadeiras ou


ficcionais, ao passo que história (history) é um termo utilizado para designar no contexto narrativo e
descritivo fatos, tendo como base acontecimentos reais. A História é também considerada uma ciência
no âmbito académico (Figueira, 2003).

2 Em português europeu, a palavra folclore significa: “adjetivo, 1: respeitante ao folclore, 2:


próprio do folclore, 3: pejorativo colorido, berrante e 4: coloquial sem grande conteúdo.” (Infopedia –
folclore, 2018).

3 De acordo com Debora Silva, nas lendas ocorre a combinação da realidade dos fatos com
fantasia ou ficção, faz parte da tradição oral, os fatos reais e históricos servirem como suporte às histórias,
por serem transmitidas oralmente e sofrem mudanças ao longo do tempo (Silva, 2016).

15
humano como ente social vive e depende da comunicação, bem como da transmissão
de conhecimento através de objetos simbólicos e de um universo formado pelas
palavras, signos, elementos das estórias, fábulas e mitos. Podemos afirmar que é
impossível encontrar uma pessoa sã que não conheça uma lenda. É comum que
saibamos dezenas de estórias fantásticas, lendas urbanas e ao longo da vida,
certamente, iremos conhecer tantas outras. É corrente encontrarmos alguém que tenha
na sua memória a marca de um interessante romance ou novela. Do homem dos montes
e campos ao homem dos centros urbanos, todos eles são receptores, narradores e
intérpretes das estórias. São elas que servem de base dramática ao enredo encenado
em teatro, ballets, ópera e cinema. A quantidade desse acervo de estória criado pelas
pessoas é incontável.

Tendo como objecto de estudo a “Lenda do Boi Bumba” a nossa pesquisa tem
como finalidade responder à questão central desta investigação que é saber de que
forma esta lenda exprime de um modo geral os valores, normas e desejos íntimos e
universais das pessoas, e em particular serviu para materializar os ensejos e os medos
dos negros e indígenas no âmbito do contexto colonial brasileiro. Interessa-nos também
compreender as origens e configurações artísticas que esta lenda tomou nas obras de
artesãos e artistas brasileiros desde os finais do século XX à actualidade, cativando as
pessoas para a importância das lendas populares enquanto arquivos das memórias,
desejos e sonhos colectivos.

Para o nosso estudo, a esta altura cabe, portanto, questionar como neste
infindável oceano de estórias apenas a “Lenda do Boi Bumba” nos serviu como tema de
análise. Respondemos que não foi algo que aconteceu recentemente. Foi um processo
que demandou pelo menos três décadas o qual culminou na presente dissertação.
Referimos que o nosso interesse pelas lendas começou na infância, tendo permanecido
até aos dias de hoje. De igual modo, salientamos que para realizarmos esta investigação
nos iremos recorrer dos conhecimentos adquiridos nas disciplinas de História do Brasil
e História Europeia e Africana obtidos durante a graduação em História realizada, de
2000 a 2004, na Universidade Vale Paraibana, em São José dos Campos, no Brasil.

Como todas as crianças educadas num lar atento ao desenvolvimento saudável,


tivemos antes da alfabetização o contato com as fábulas que nos foram narradas dentro

16
do ambiente familiar. Mais adiante, aos sete anos pudemos ingressar na arte do ballet
clássico e estudar com uma rígida responsabilidade o enredo dos principais ballets
surgidos na Europa. Naquela altura era comum fazer uma diferenciação que traçava
uma fronteira e definia dois lados opostos: a arte erudita e a cultura popular.
Resumindo, dois lados que não se comunicavam: a arte das elites representada em
estórias burguesas e as lendas populares pertencentes à cultura das populações sem
meios económicos. Hoje reconhecemos esta diferenciação comum entendimento
equivocado que, em geral, pertence ao senso comum. Mais tarde, apercebemo-nos que
o acervo de estórias, lendas, contos e fábulas, são uma parte inseparável da cultura
humana representativa da presença das pessoas no mundo, dos seus valores, crenças,
costumes e sentimentos.

Esses elementos-signos transitam entre as classes sociais, sendo alguns deles


separados dos demais signos, como que eleitos para diferenciar e identificar
determinadas classes económicas, de tal forma que estas possam ser facilmente
reconhecidas e diferenciadas entre si. Porém, quando imaginamos o rei, a rosa, a faca e
a paixão, elementos marcadamente da cultura ocidental, os idenficamos de maneira
semelhante. Após o reconhecimento deste facto, acreditamos que é neste imenso
acervo que os profissionais mais atentos das artes, literatura, escritores, novelistas,
guionistas e outros profissionais do ramo da comunicação, imergem, sem reservas, com
o fim de lá alcançarem um determinado tipo de conhecimento que os revaloriza e
redefine como pessoas, como ser humanos.

Nesse sentido, advogamos a ideia de que todas as narrativas possuem em si um


valor a ser compreendido. A análise do ballet de repertório “Giselle” ajuda-nos a
entender a importância da “Lenda do Boi Bumba” e por que motivo esta foi selecionada
como eixo central de nossa discussão. A peça de ballet “Giselle” estreou em Paris no ano
de 1840, sendo até hoje encenada em diversas companhias de dança e sendo a mais
encenada entre os ballets de repertório. A trama fantástica recebeu a colaboração do
poeta, ensaísta e crítico literário alemão Cristian Johann Heinrich Heine (1797-1856)4
(Pereira, 2004, p. 44). Este ballet desenvolve uma tragédia romântica em cenários que

4 Poeta citado no livro “Giselle o vôo traduzido da lenda ao ballet”, do crítico de dança Roberto
Pereira (1965-2009) (Pereira, 2004, p. 36).

17
representam uma aldeia e uma floresta. Em breve síntese, a jovem camponesa Giselle
morre de síncope após descobrir a traição do rapaz pelo qual já se havia apaixonado.
Após a morte da protagonista, seres sobrenaturais designados de Willis, jovens
raparigas defuntas que morreram solteiras, atormentam o jovem imaturo e desleal
(Pereira, 2004, pp. 56-57). O ballet, originalmente apresentado em dois atos, é levado
ao palco com os bailarinos em trajes leves e tons claros, e enquadrado por grandiosos
cenários que correspondem ao gosto de uma plateia que, em geral, não mede o preço
do bilhete. O sucesso de “Giselle” desde há décadas, é um fenómeno que chama a
atenção dos entusiastas de ballet. O antigo bailarino e crítico de dança, Roberto Pereira5
(1965-2009), que realizou o seu mestrado em Paris centrado nos documentos originais
do ballet “Giselle” (Wikipedia – Giselle, 2018), defende na sua dissertação que a origem
do ballet remonta a uma lenda popular europeia e reproduz e rearranja em linguagem
balética trechos de danças folclóricas (Pereira, 2004, p. 48). Segundo este autor, a
“Lenda das jovens Willis” era em tempos remotos contada aos jovens pelos mais velhos,
com a finalidade de educá-los acerca da conduta traidora dos rapazes e da posterior
punição por fantasmas que atormentariam os jovens malfeitores.

Por conseguinte, no ballet “Giselle” temos a junção do saber popular do


campesinato com a estética formal burguesa num ballet que é herdeiro das elites e dos
artistas barrocos e românticos. Chamamos a atenção para a representação de “Giselle”
possuir a capacidade de integrar, num conto romântico, a ideia do remorso enquanto
elemento central da psique humana (Damásio, 2000). De igual forma, leva-nos a dirigir
o nosso olhar com mais seriedade para as lendas, e, sobretudo, a observarmos o poder
contido no seu enredo e a qualidade da sua estrutura.

Mais tarde, em 2010, adulta e profissional do ballet, com passagem em peças


clássicas, fomos convidadas a protagonizar numa companhia de dança folclórica

5 Roberto Pereira foi um antigo bailarino nascido na cidade de São José dos Campos, também
crítico de dança do jornal “O Globo do Rio de Janeiro”, professor e colaborador do “Festival de Joinville”
(Brasil), considerado pelo “Guinness Book dos Records” o maior festival de dança do mundo. Doutor em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, com a tese "A
formação do ballet brasileiro: nacionalismo e estilização", e Mestre em Filosofia pela Universidade de
Viena, Áustria, com dissertação sobre o ballet romântico intitulada "Giselle: O vôo traduzido da Wili". O
autor elaborou, de igual modo, os verbetes sobre o Brasil no “Dictionnaire Larousse de la danse” (2008,
2ª edição), publicação francesa com ressonância mundial (Wikidança – Roberto Pereira, 2013).

18
brasileira um espectáculo onde o “Boi Bumba” seria um dos temas representados. Esta
lenda que já conheceramos na escola, aos nove anos de idade e através do livro
didáctico de Língua Portuguesa, retornava naquela altura à nossa vida profissional. Para
a produção do espectáculo aplicámos o trabalho que tínhamos desenvolvido no ballet.
Resumidamente, recorremos a quatro etapas técnicas utilizadas por artistas intérpretes,
a saber: compreensão da trama, estudo das personagens, repertório gestual e
composição das cenas no espaço. O resultado foi o aparecimento de quatro
personagens, nomeadamente três humanos e um animal ligados numa relação afectiva
muito intrigante. Particularmente, pensamos que a “Lenda do Boi Bumba" não deve
nada nem aos consagrados e mundialmente conhecidos contos dos irmãos Grimm, nem
às milenares lendas árabes. A “Lenda do Boi Bumba”, tal como as demais lendas, mitos
e contos, pode ser entendida através da estrutura universal de arquétipo6 (Wikipedia –
arquétipo, 2017), proveniente do inconsciente colectivo proposto por Carl Gustav Jung
(1875-1961). As lendas encontram-se nos mais variados domínios culturais e estão à
nossa disposição para serem lidas, reavaliadas e estudadas.

A “Lenda do Boi Bumba” foi seleccionada dentro de um vasto mundo de estórias


com o qual convivemos ao longo do nosso trabalho profissional como bailarina de ballet
clássico. A “Lenda do Boi Bumba” é um conto brasileiro, cujo primeiro registo escrito
data de 1840, que ganha contornos diferentes em cada região do país. Esta lenda,
retrata de um modo simbólico e alegórico as configurações sociais do período colonial,
nomeadamente, as relações de poder entre escravos e senhores, bem como as crenças
religiosas da época.

Interessa-nos compreender as origens e configurações artísticas que a lenda


adquiriu nas obras de artesãos e artistas brasileiros, particularmente, o alcance que

6 A ideia de arquétipo refere-se a um modelo ou imagem de alguma coisa, a antigas impressões


sobre algo. “O psicólogo Carl Gustav Jung (1875-1961) deduz que as ‘imagens primordiais’ – outro nome
para os arquétipos – se originam a partir de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante
muitas gerações. Estes configuram as tendências estruturantes e invisíveis dos símbolos. Por serem
anteriores e mais abrangentes que a consciência do ego, os arquétipos criam imagens ou visões que
balanceiam alguns aspectos da atitude consciente do sujeito. Funcionam como centros autónomos que
tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências. Os
arquétipos encontram-se entrelaçados na psique, sendo praticamente impossível isolá-los, bem como a
seus sentidos. Porém, apesar desta mistura, cada arquétipo constitui uma unidade que pode ser
apreendida intuitivamente” (Wikipedia – arquétipo, 2017).

19
tomou nas últimas décadas. De igual forma, procuramos analisar como e porquê a lenda
saiu do ambiente rural no Brasil do século XVI e se tornou num tema aceite para
desenvolvimento de práticas pedagógicas na educação formal das crianças, bem como
o modo como modificou os rótulos de produtos da Coca-Cola e da Nestlé, levando a
canção do “Boi” da cantora brasileira Fafá de Belém aos apoiantes de futebol do Benfica,
em Portugal.

Esta investigação artística, teórica e prática, tem como vectores principais as


artes visuais, os estudos culturais e os estudos pós-coloniais com base nos artigos e livros
de autores como Maria Manuela Ribeiro Sanches, Darcy Ribeiro, Maria Laura Viveiros
de Castro Cavalcanti e Amálio Pinheiro, e de artistas brasileiros como José Borges, Vik
Muniz ou Raimundo Rodriguez. Ao longo do estudo iremos descrever diversos processos
artísticos e imagens inspiradas na “Lenda do Boi Bumba” criadas especificamente para
esta investigação.

Paralelamente ao trabalho de pesquisa teórica, desenvolvemos um percurso


artístico prático que se desdobra a partir do enredo da lenda, resultando em trabalhos
artísticos realizados por meio da arte e técnica da colagem.

No primeiro capítulo tratamos das origens e percurso da lenda da Europa até ao


Brasil, e de como as sociedades abordam a contradição entre a vida racional e a fantasia
dos contos, lendas e fábulas. Começaremos por analisar símbolos e signos da lenda e a
sua relação com a sociedade ocidental. No segundo capítulo iremos aprofundar o
questionamento do sistema do rito e se a lenda do “Boi Bumba” pode alcançar a
expressão de mito. No capítulo três apresentaremos uma análise da materialidade da
lenda através de trajes, gravuras e cerâmica, bem como a forma que diferentes artistas
atribuíram ao animal em diversas sociedades e culturas. Ainda que o nosso objeto de
estudo seja uma lenda, mostraremos até que ponto o poder neo-liberal se apropria das
personagens e elementos da estória popular. Por último, terminaremos com as
considerações finais em que apresentamos os resultados do nosso estudo.

A investigação realizada ao longo do Relatório de Trabalho de Projeto vai permitir


alcançar o nosso objectivo principal, isto é, contribuir com um novo olhar sobre a “Lenda
do Boi Bumba” através da arte da colagem.

20
Capítulo 1 – A “Lenda do Boi Bumba”: origens, componentes e
variantes.

No respeitante à análise histórica da lenda interessa-nos um recorte temporal


relativamente curto e iniciaremos a nossa pesquisa no período histórico de 1800 em que
se julga que a lenda foi criada.

Relativamente à nossa pesquisa adoptámos as seguintes metodologias e


premissas: a primeira foi iniciar o Estado da Arte abordando sinteticamente a lenda no
fim da Idade Média; a segunda consistiu em considerar que o Brasil nasceu moderno na
medida em que a colonização pelo ocidente em 1500 fez com que o seu nascimento se
encontre dentro do período moderno que vai de 1453 a 1789; a terceira e última foi
citar pontualmente pensadores que influenciaram fortemente uma época em particular,
mudando os seus paradigmas e contribuindo para novos modos de ver o mundo. De
igual modo, valorizámos na nossa análise a cultura popular imaterial enquanto sede
principal do espólio de fábulas e lendas.

As pessoas interessadas no estudo das lendas facilmente encontrarão as


primeiras referências a estas no período da Idade Média. Este foi um momento histórico
marcado pelas fábulas de Esopo, sendo a vida conduzida pela precariedade alimentar e
a moral formada preponderantemente pela cultura oral aliada à formação catequética
da igreja católica nas suas mais diversas ordens religiosas. Foi um período muito fértil
da imaginação humana, existindo mitos e fábulas surgidos naquela época que ainda são
encontrados no imaginário de hoje. Alguns exemplos importantes são, por exemplo, a
lenda do Rei Arthur (Grã-Bretanha), a Lenda do Flautista de Hamelin (Alemanha), Tristão
e Isolda (Irlanda) e a Lenda do Boi de Beja (Portugal) (Fig. 1).

21
Fig. 1 – Brasão e bandeira da cidade de Beja que integra o símbolo do “Boi de Beja” 7.

No bojo do nascimento das lendas surgiram dezenas de criaturas fictícias


tenebrosas. No contexto da época esses elementos tinham a função de oprimir pelo
medo e educar pelo exemplo. A cada criatura eram atribuídos comportamentos e
ambientes quase sempre fantasmagóricos, assombrosos e misteriosos. A vida do
homem medieval fora acompanhada por bruxas, dragões, unicórnios, manticoras,
cinocéfalos, skiapodes, gigantes, sereias, atlantes e ciclopes. Partindo do século XV, o
ciclope atravessou centenas de anos e chegou ao cinema mundial em 1983 através do
filme “Krull”8, bem como outros seres fantásticos em diversos filmes como Clash of the
Titans do realizador Desmond Davis, de 1981, Lord of the Rings, do realizador Ralph

7 A lenda de Beja revela o motivo pelo qual existe no brasão da cidade a cabeça de um touro.
Diz-nos a lenda: “Muito antes dos lusitanos, o local onde hoje se encontra a nobre cidade de Beja com as
suas muralhas romanas, os seus prédios góticos, a mesquita árabe e o castelo do princípio da monarquia
portuguesa. Essa Beja com documentos que representam 4 civilizações, era pequeno povo que vivia em
cabanas cobertas de colmo, que apenas se empregava no exercício da caça. Todos esses campos
ubérrimos de pão que vemos hoje, eram um compacto matagal, impossível de ser penetrado pelo
homem. E uma serpente, uma serpente monstro que tudo matava, tudo triturava, era a horrível
preocupação do povo que habitava no local que mais tarde, no tempo dos romanos, se havia de chamar
Pax-Júlia, depois no domínio árabe se chamou Buxú e presentemente se chama Beja. Um ardil, porém,
germinou no cérebro de um habitante dessa região: envenenar um toiro, deitá-lo para a floresta onde
existia a tal serpente. Aprovada por todos essa ideia, o toiro foi envenenado e deitado para o local
indicado”. (Mais Beja, 2018).

8 “Krull” é uma produção cinematográfica anglo-americana do realizador britânico Peter Yates,


de 1983, um filme de género fantástico que já adquiriu o estatuto de “filme de culto”. Neste filme um
ciclope surge como ajudante e protetor da personagem principal, o príncipe, que salva uma princesa de
uma figura fantástica representante do mal. O filme passa-se na Idade Média em cenários futuristas de
guerra, sendo os heróis portadores de armas de tiro a laser, e é direcionado ao público jovem (Wikipedia
- Filme Krull, 2018).

22
Bakshi, de 1978, e a série da BBC The Chronicles of Narnia de 1988 a 1990, (McDonogh,
pp. 238-239).

Evidencia-se, de igual modo, neste período o gigante Adamastor da obra de


poesia épica “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões, publicada em 1572. Bestas e feras
retiradas dos textos bíblicos, seres alados que viviam no imaginário do homem
medieval, atravessaram os séculos e, atualmente, na nossa sociedade de consumo
ocidental são protagonistas de livros e produtos de entretenimento destinados ao
público jovem (Fig. 2).

Fig. 2 – Capa do livro “Bestiário Tradicional Português”, 2017. Nuno Matos Valente (autor),
Natacha Costa Pereira (ilustração).

Na Europa da Idade Média o conjunto de diversos bestiários competia com as


imagens dos santos, anjos e trindade. O crescente número de lendas, criaturas, fábulas
e crenças absurdas e fantásticas esgotou-se com o fim de um período que sofria com a
inquisição do Tribunal do Santo Ofício e diversos distúrbios de ordem política e social. O
corte definitivo foi dado com a entrada da ciência através dos mecanismos simples
introduzidos no cotidiano das populações das vilas e cidades. O golpe fatal que deu início
ao fim da “vida efetiva” das dezenas de bestas medievas foi dado pelo filósofo René

23
Descartes (1596-1650), no seu livro “O Discurso do Método”, publicado em 1637.
Todavia, é na publicação posterior “Meditações”, de 1641, que Descartes apresenta o
“Génio Maligno” que em metáfora corresponde a um ente que coloca na mente ilusões,
advertindo os leitores para tomarem cuidado com os seus próprios pensamentos
fantasiosos, e preferirem o rigor para não serem ludibriados. Na obra “Meditações”
Descartes afirma:

Irei supor, então, não a existência de uma divindade (…) um gênio maligno, que é ao
mesmo tempo sumamente potente e enganoso, empregue todo seu talento para lograr
a mim. Vou acreditar que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as
demais coisas externas são nada mais do que ilusões de sonhos, que esta criatura
emprega para me iludir (Descartes, (2005 [1641], p. 38).

Recorrendo a uma criatura imaginada, um ser maligno, Descartes adverte para o


perigo de todas as demais criaturas fantasiosas que inundavam a mente e a vida das
pessoas. Começou a partir dessa data o rejeitar da importância social das fábulas, lendas
e mitos. A descrença nas estórias e o interesse no pensamento racional desencantado.
O modelo de vida moderno alicerçado na razão e o surgimento da literacia no ambiente
escolar, transportou a tradição oral popular para os bastidores da sociedade. As fábulas
antigas que interessavam aos valores da família burguesa, foram transferidas com
adaptações para a literatura. Na modernidade o romance e o conto afirmavam a
imagem do homem branco, cristão, letrado e civilizado.

A mentalidade ocidental foi formada no racionalismo caracterizado na oposição


do bem contra o mal, na cisão do pensamento e dos sentimentos, no controlo das
sensações naturais, enquanto modelo de contradições que não oferece espaço para a
atuação dos afetos. Duas publicações marcam as características do homem moderno: a
primeira, a obra do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 - 1900) “A Gaia
Ciência” de 1882, na qual o diálogo de um louco com ateus instruídos consagra o
grandioso ato de ter matado Deus e as suas regras gerais à vida, incluindo a moral
religiosa; e a segunda, o livro “Assim falou Zaratustra”, escrito entre 1883 e 1885 por
Nietzsche: um livro onde é criada a personagem super-homem e reafirmada a ideia do
Deus morto, da solidão, e da desordem que termina com a morte do protagonista. As
obras de Nietzsche revelam o homem moderno desencantado, niilista, arrogante,
individualista. Posteriormente, assistimos à Primeira e à Segunda Guerras Mundiais que

24
ceifaram centenas de milhares de pessoas e conduziram outras milhares à migração
forçada principalmente para as Américas. O trauma das guerras desencanta o mundo, e
nessa altura o conjunto de lendas, mitos e fábulas remanescentes da Idade Média saem
do mundo adulto, e ganham raízes em produtos destinados ao público infantil e juvenil.
No entanto, simultaneamente, o homem moderno comum vai rejeitar um conjunto de
lendas e fábulas próximas de um pensamento que considera atrasado e pouco
inteligente. Na modernidade, o homem ocidental considera a verdade científica o valor
máximo que deve ser buscado pelos indivíduos.

1.1. A cultura popular brasileira.

Rodeados de um ambiente de tecnologia, com o auxílio das ciências da


navegação, e com um forte conhecimento resultante do seu domínio da escrita, os
portugueses alcançaram a costa brasileira no início da época Moderna. Em território
brasileiro havia uma população indígena estimada em 8 milhões de nativos, distribuídos
por 1.000 tribos. As mais populosas eram, a saber: Tupiniquim, Potiguar, Tamoio, Carijó,
Charrua e Guarani (Athaide, G., 2018, p. 49)9. Todas elas com lendas, costumes, sistema
social, conhecimento em arquitetura, medicina natural, valores e idioma próprios. O
encontro entre europeus e indígenas foi possível através da relação da troca de material
de uso cotidiano e interesses diversos. A grosso modo, o índio necessitava de
ferramentas que o auxiliassem no corte dos troncos de árvore, nomeadamente dos
facões que os europeus possuíam e, estes últimos, buscavam recursos naturais e
minerais para enriquecer na metrópole dos seus países de origem. Muitas décadas
depois, em 1872, no Brasil do século XIX que se encontrava ainda em formação, o
governo central a pedido do reinado de Portugal realizou o primeiro censo populacional,
a título de compreensão da população que aumentava sem controle, afim de planear a
cobrança de impostos. A população total estimada em 9.930.478 pessoas, era

9 Na época dos Descobrimentos, em 1500, havia no Brasil oito milhões de pessoas. O número
não é exato, mas resulta de um consenso entre os historiadores. Desse total, 5 milhões viviam na
Amazónia (incluindo áreas da floresta hoje pertencentes ao Peru, Equador e outros países). Para se ter
uma ideia desta dimensão populacional refere-se que na época Portugal tinha pouco mais de 1 milhão de
habitantes, e a Europa inteira cerca de 80 milhões. A população da América na sua totalidade chegava aos
57 milhões e no Império Inca, que se estendia da Colômbia ao Chile, era de 10 milhões. Documentos da
expedição de Cristóvão Colombo, que desembarcou no continente em 1492, relatavam aldeias que já
pareciam verdadeiras cidades, abrigando até 2 mil indígenas (Athaide, 2018, p. 49).

25
constituída por 1.510.806 escravos, e 382 mil estrangeiros incluindo africanos livres. A
população fixada de europeus era de 46% sendo formada por: 33% portugueses, 10.5%
alemães, 2.1% italianos e 1,8%franceses (Mariani, Roncolato, Almeida & Tonglet, 2017,
p. 17). Contudo, como a enorme população de indígenas nativos aglomerava-se no
interior do país de difícil acesso, o primeiro censo registou apenas os habitantes de
territórios onde os agentes conseguiram ir.

Desde época do império até aos dias de hoje a população do Brasil sofreu um
crescimento exponencial na medida em que acolheu pessoas provenientes de dezenas
de nações. Contribui para este crescimento, de igual modo desde o século XVI, o número
crescente da população mestiça. Hoje o Brasil segundo o censo de 2014 é composto de
cerca de 208 milhões de habitantes, provenientes de mais de 79 nacionalidades (Reis,
T, 2014, p. 28) 10 constituindo a população mestiça o grupo maioritário. A população
indígena merece atenção particular no âmbito da nossa pesquisa na medida em que a
figura do índio encontra-se presente no enredo da “Lenda do Boi Bumba”. O extenso
material divulgado na TV, Web, jornais e revistas internacionais sobre a situação do
indígena brasileiro facilmente nos leva a concluir que existe hoje uma postura conivente
e conformista do governo brasileiro em relação ao povo nativo.

Dados fornecidos pelo governo federal do Brasil, mostram a resistência e


sobrevivência das tribos e da sua cultura em território brasileiro. O censo humano e
demográfico de 201011 registou 896 mil indígenas, 505 terras indígenas, 274 línguas, das
quais a maioria fala o idioma da etnia e a língua portuguesa. A FUNAI (Fundação Nacional

10 O Brasil tem hoje 5,2 mil refugiados de 79 nacionalidades, sendo os colombianos e angolanos
quase metade deles. Os pedidos de asilo têm crescido exponencialmente nos últimos anos (Reis, 2014, p.
28).

11 As informações referentes à população indígena no Brasil são recolhidas e publicadas


periodicamente por responsabilidade da FUNAI – Fundação Nacional do Índio – que é um órgão mantido
pelo governo Federal do Brasil, possuindo uma equipa de funcionários públicos especializados em
antropologia e medicina que trabalham “in loco”, dentro da floresta em postos de atendimento de saúde
e de acesso a internet. Os funcionários servem de “ponte” entro o povo indígena e o branco. Observam e
comunicam as mudanças sociais ocorridas na tribo e dentre outros atributos denunciam a invasão de
missionários evangélicos e criminosos traficantes de mulheres índias e aliciadores para o serviço escravo
da extração de madeira nobre. Atualmente as reservas indígenas, assim como toda a população nativa,
estão ameaçadas devido ao entendimento do recém-eleito presidente da República que anunciou que
pretende levar o povo indígena para dentro da sociedade civilizada e bloquear o processo de surgimento
de novas reservas indígenas (Socioambiental, 2012).

26
do Índio) também revela um considerável crescimento da população indígena em todo
o território, com a concentração maior situada no norte e nordeste do Brasil.

No respeitante à cultura indígena, perpetuaram-se pelo tempo e chegaram aos


dias de hoje as criaturas protagonistas de lendas como: Tupã, Anhangá, Guaraci12, Iara,
Curupira, Boto e Caipora, provenientes da cultura do ramo indígena mais populoso, os
Tupi-Guarani (Cabral, 2016, p. 12). Alguns mitos, lendas e danças populares
permanecem desde há centenas de anos no cotidiano das famílias mestiças moradoras
das áreas rurais do Brasil. No período do Império, República e governo Militar a cultura
popular não foi alvo preferencial da censura. Enquanto a população empobrecida
promovia festas, danças e encenações dos Santos Reis, a fábula do Boi, Cavalhadas entre
outras, por iniciativa própria, as elites em solo brasileiro trabalhavam culturalmente
para perpetuar os modelos de arte burguesa consagrados na Europa. Nas cidades como
o Rio de Janeiro e São Paulo haviam ateliers de pintura a óleo para alunos interessados
pela pintura clássica de origem francesa e italiana. Dois lados culturais opostos que
embora se encontrassem no mesmo território tinham culturas muito distintas. Durante
séculos a cultura indígena, cabocla e de origem afro foi desprezada, ignorada, deixada
de lado pelos colonizadores. Na publicação “Mestiçagem, racialização e gênero” a
antropóloga Rosely Gomes Costa analisa uma situaçao histórica peculiar. Segundo este
artigo, no período entre a primeira e a segunda guerra mundial, ao contrário do que
sucedia nos Estados Unidos e Europa que previam a esterilização e exterminação das
raças nativas, no Brasil a configuração da população revelava uma mestiçagem ligada
por fortes laços de parentesco e carentes de uma ideia de nação (Costa, 2009, p. 96). A
partir da Semana de Arte Moderna de 192213, marco importante da cultura brasileira,

12 À época da chegada dos colonizadores europeus, os mais de mil povos indígenas que viviam
por aqui já tinham um rico e variado panteão de divindades, todas em estreita ligação com as forças da
natureza. Além dos tupis e dos guaranis – dois dos grupos mais importantes –, ianomâmis, araras e
dezenas de outros povos deixaram um legado mitológico que permanece vivo até hoje entre os mais de
450 mil índios que habitam nosso território (Cabral, Danilo. 2016, p. 12).

13 “A Semana de Arte Moderna de 22’ aconteceu no período entre 11 e 18 de fevereiro de 1922


no Brasil. Este movimento artístico que contou com a presença de pintores, arquitetos, atrizes, atores,
bailarinas (os), escultores, poetas, escritores e cantores, foi um evento de música, dança, poesia e artes
plásticas que inaugurou um novo movimento cultural no Brasil: o Modernismo. Em 1922, a elite
cafeicultora paulista alugou o Teatro Municipal de São Paulo, para receber um novo tipo de arte,
fortemente influenciada pelas vanguardas europeias e que refletia o progresso e a industrialização que a
cidade vivia naquele momento. Até então, o Rio era considerado a capital cultural do país. A elite acabou
não entendendo completamente a proposta do evento, mas este influenciou definitivamente os rumos

27
foi proposto o rompimento da estética académica europeia e a valorização dos objetos
brasileiros. Em fevereiro de 1922, fizeram parte desta proposta revolucionária
apresentações de textos modernistas que chocaram o público, pinturas com rostos de
mulatos, bois e animais sertanejos, o improviso na dança, a supervalorização das
temáticas nacionalistas e do cotidiano. Uma das artistas participantes, a pintora
brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973), com uma extensa formação em pintura na
Europa apresentou uma série de quadros inspirados no estilo Naif de raiz primitivista14
(Infopedia, 2018). Destacamos a obra “Paisagem com Touro”15, de 1925, de estilo naif,
que constitui um dos principais exemplos deste género em termos de composição, cor,
luminosidade e valorização do ambiente rural (Fig. 3) e “O Touro” ou “O Boi na Floresta”,
1928 (Fig. 4).

Fig. 3 – Tarsila do Amaral. “Paisagem com touro”, 1925. Óleo sobre tela, 52 cm x 65 cm, Coleção
do Museum of Modern Art (MOMA), EUA.

culturais brasileiros. Mais de 40 anos depois, por exemplo, era possível perceber os seus reflexos no
Tropicalismo, proposto por Caetano Veloso e Gilberto Gil.” (Wikipédia – Semana de Arte Moderna, 2018).

14 O significado enciclopédico de Naif é “Adjetivo invariável 1. Artes Plásticas. Termo


principalmente da pintura, que secaracteriza por linhas e formas simples que resulta em composições
sem artifícios. 2. Que confia; ingénuo; simples. 3. Que acredita em tudo o que se lhe diz; crédulo”.
(Infopedia – Naif, 2018). Os termos que definem o estilo Naif em geral encontram-se associados aos
demais termos como, por exemplo, inocência, simplicidade, ignorância, puerilidade, inexperiência.

15 O quadro “Paisagem com Touro” 1925, é da autoria de Tarsila do Amaral (1886-1973), “A


artista depois da formação clássica em arte plásticas em São Paulo, estudou em Paris com os mestres
André Lhote, Fernand Léger e Albert Gleizes. Pintou em 1928 o quadro a óleo “Abaporu” estimado em
1995 em 40 milhões de dólares, encontrando-se hoje na Argentina. As obras “Paisagem com Touro” assim
como o “Abaporu” são consideradas como pertencentes ao estilo Naif e ambas pertencem a colecções
particulares. As duas obras são facilmente encontradas em livros didáticos nas escolas públicas e
particulares no Brasil para análise e releituras em aulas de Educação Artística” (Enciclopédia Digital Itaú
Cultural – Tarsila do Amaral, 2017).

28
As repercussões da “Semana de 22” foram grandes e duradouras. Enquanto a
Europa sofria com as consequências da primeira Guerra Mundial jovens artistas
idealistas brasileiros exploravam livremente a fusão entre as culturas.

Os meios de comunicação social ligados à escrita da época, como os jornais e


revistas, a sociedade burguesa paulistana e posteriormente a sociedade brasileira em
geral, contribuíram paulatinamente para a mudança do pensamento da classe artística
brasileira e da sua produção. A integração dos símbolos nacionais, a representação dos
objetos da natureza, da população nativa nas obras fizeram com que jornalistas,
formadores de opinião, as classes dominantes e governo vissem o próprio país de outro
modo. A aceitação da realidade nacional rearranjada em objetos de arte somados ao
nacionalismo crescente foi mais facilitada. Podemos considerar que a “Semana de Arte
Moderna de 22” auxiliou a entrada do interesse de artistas, académicos e educadores
ao estudo do acervo cultural folclórico antes negligenciado e esquecido pelas
autoridades.

Fig. 4 – Tarsila do Amaral, “O Touro” ou “O Boi na Floresta”, 1928. Óleo s/tela. 50 X 61,2 cm,
colecção do Museu de Arte Moderna da Bahia, Brasil.16

Nas décadas seguintes, em 1930 e 1940, o Brasil assume a tarefa da formação de


uma identidade nacional duradoura. Retorna ao interior, ao colorido das paisagens,
frutas e motivos indígenas e mestiços. O governo trata da modernização de todo o país

16 A Tela “A lua” 1928, desta autora, foi arrematada no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque
(MOMA) por 20 milhões de dólares em 2019 (Veja, 2019).

29
traçando ações no interior brasileiro, na vida financeira e cultural tendo como auxílio os
Estados Unidos da América. Os interesses políticos percebem rapidamente que através
da cultura poderia ser formada, forjada ou escamoteada a ideia de nação. A ideia de
unidade, nacionalidade formada sem conflitos, país pacífico sem contrastes sociais,
paraíso e território da aceitação das raças será construído pelos meios de comunicação
social. Surge neste cenário a portuguesa, naturalizada brasileira Carmen Miranda17
(1909 – 1955), (Wikipedia – Cármen Miranda, 2018) (Fig. 5).

Fig. 5 – Carmen Miranda, figurino elaborado com inspiração nas vendedoras de doce nas ruas
da cidade de Salvador no Estado da Bahia, [s.d.].

A artista desempenha o papel de uma bailarina ricamente adornada com frutos, tecidos
multicores, calçado e gestos extravagantes, de carácter folclórico. Miranda consegue
através de dezenas de performances ter uma aceitação e fama internacionaisatravés da

17 Carmen Miranda, cantora, dançarina e atriz, de nome Maria do Carmo Miranda da Cunha
natural de Marco de Canaveses, Portugal. No início da carreira costurava os próprios turbantes e adereços
inspirados nos trajes das mulatas e vendedoras de doce das ruas. Foi considerada a mulher mais bem
paga do século XX, pela indústria cinematográfica estadunidense. Durante as últimas apresentações na
TV a cantora teve várias síncopes, o que a levou à morte prematura em 1955. Foi um ícone da cultura
latino-americana (Wikipedia – Cármen Miranda, 2018).

30
rádio e do cinema. Miranda conseguiu inverter a lógica da mulher europeia branca
quando surge nos palcos trajada como as mulheres baianas negras (Costa, 2009, p. 117).

Ainda na década de 1950, no Brasil, pedagogos, escritores, poetas, folcloristas,


especialistas em didática e ensino escolar decidiram num momento de reafirmação
nacional compor uma nova reconstrução da identidade brasileira. Dá-se início à coleta,
seleção e formulação de um acervo robusto de contos, mitos, culinária regional, imagem
de indumentárias, músicas, provérbios, registo de festividades populares de dança e
folguedos nacionais de todos os estados do Brasil com a finalidade de reforçar estas
manifestações artísticas populares e revalorizar o folclore nacional. No ano de 1951 foi
realizado o “I Congresso Brasileiro de Folclore” onde trataram com seriedade a
pergunta: o que é a sabedoria popular que se constitui como folclore? O esforço resultou
na “Carta do Folclore Brasileiro” que serviu de base para a construção de uma ideia
ampla e enriquecida sobre a cultura local. Em alicerces teóricos bem fudamentados
realizados a partir dos registos fiéis de manifestações populares organizadas e realizadas
pela sociedade civil, o termo folclore migrou dos terreiros para dentro das escolas. O
folclore começava a fazer parte da educação formal brasileira. Dali em diante os alunos
teriam que estudar além das matérias clássicas a própria cultura de acordo com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira (Artigo 26 da Lei nº 9.39418, de 20 de
dezembro de 1996).

Na década de 1960, todo o movimento no sentido do desenvolvimento e


valorização do conhecimento popular chegou às esferas do poder federal. A cultura
popular do povo nativo era um assunto na ordem do dia dos jornais e TV, tendo o
governo ditador militar ultranacionalista começado, de igual modo, a interessar-se pelo
tema. A questão indígena e a sua cultura chamavam a atenção do Brasil e do mundo.
Neste contexto foi criado em 1961 o Parque Nacional do Xingu na parte central do Brasil,
um território demarcado com o apoio do Presidente da República Jânio Quadros. Ao

18
§ 2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente
curricular obrigatório da educação básica. § 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das
matrizes indígena, africana e européia. § 6o. As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens
que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.

31
todo o parque possui 26 milhões de hectares, sendo maior que a Bélgica19 (Villas- Bôas,
2018), e que por lei federal deveria ser preservado da invasão branca.

Em 17 de agosto de 1965, por meio de Decreto Lei nº 56.747, o Presidente da


República Humberto de Alencar Castelo Branco, pela pessoa do Ministro da Educação
Flávio Suplicy de Lacerda, institui a data de 22 de agosto, como “O Dia do Folclore”20.

Nas décadas de 70 e 80 do século XX, durante a Ditadura Militar, as tradições


populares de danças, cantos, culinária e folias recolhidas nas áreas rurais, periferias,
aldeias, vilas em áreas de floresta e cidades de pequeno porte não sofreram grande
censura. Sítios abandonados, sem a intervenção e presença do Estado, foram poupados
de uma opressão ostensiva que os impedisse de preservar a sua cultura. Por outro lado,
cidades e metrópoles, em mais de duas décadas de Ditadura Militar, foram fortemente
influenciadas por modelos de cultura de massa e de consumo difundidos através da TV,
festivais de música e rádio as quais preponderantemente ofereciam conteúdos
provenientes dos Estados Unidos da América.

Na década de 1980 o Brasil livrou-se da Ditadura Militar tendo sido um


importante marco na sua história. A abertura do Brasil à democracia em 1985 garantiu
novamente a liberdade de expressão e promoveu a reavaliação do conteúdo
programático das escolas, TV, jornais, revistas entre outros, no sentido de uma
valorização de todas as pessoas. Era naquela ocasião tarefa conjunta de intelectuais,
educadores e agentes culturais a reconstrução de uma identidade e mentalidade mais
aberta, plural e democrática de toda a nação brasileira e que voltasse a valorizar a
produção cultural regional.

19 Dados populacionais e geográficos sobre a Reserva do Xingu. Publicação de iniciativa de André


Villas-Boas em defesa da reserva que está constantemente em risco devido, segundo este autor: “à
invasão de missionários evangélicos, traficantes de mulheres indígenas, aliciadores para o corte da
madeira nobre e estrangeiros que furtam vegetais, ervas, fios de cabelo de indígenas e pequenos animais
para a recolha do material genético sem autorização do governo brasileiro” (Villas-Bôas, 2018).

20 Texto da Lei: “Art. 1º Será celebrado anualmente, a 22 de agosto, em todo o território


nacional, o Dia do Folclore. Art. 2º A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro do Ministério da Educação
e Cultura e a Comissão Nacional do Folclore do Instituto Brasileiro da Educação, Ciência e Cultura e
respectivas entidades estaduais deverão comemorar o Dia do Folclore e associarem-se a promoções de
iniciativa oficial ou privada, estimulando ainda, nos estabelecimentos de curso primário, médio e superior,
as celebrações que realcem a importância do folclore na formação cultural do país. Art. 3º Revogam-se as
disposições em contrário. Brasília, 17 de agosto de 1965.” (Fernandes, 2019).

32
A Cultura Popular na Constituição Federal de 1988, de acordo com o artigo 5º da
Constituição, define que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, [..] a liberdade de consciência e de crença é inviolável; é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença” (Constituição Federal, 1980). Desse modo, a Constituição Federal
põe fim à perseguição aos praticantes de capoeira, brincantes21 do “Bumba Meu Boi”,
sambistas, dançarinos de manifestações de origem africana. Neste mesmo documento
o conceito de cultura, de acordo com a Constituição Federal, aparece associado a
conteúdos diversos. No seu Artigo 23, inciso V, vê-se claramente que a Cultura é
mencionada como um bem público, pois é, segundo este, competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de
acesso à cultura, à educação e à ciência a todas as pessoas. Com base no Artigo 23º, as
Câmaras dão início ao investimento em Centros Culturais, Fundações Culturais e
inúmeros prémios destinados à promoção da cultura erudita e popular e das artes. O
resultado desta constituinte é a criação de milhares de locais públicos abertos à
presença da população para aulas, oficinas e eventos nacionais e internacionais com
entrada maioritariamente gratuita. Contudo somenta após a década de 90 o governo
receberá da parte da sociedade civil o pedido de inclusão no sistema de aposentadoria
dos mestres de ofício dos grupos de folclore.

Em 1995 teve lugar o III Congresso Brasileiro de Folclore que propôs ao goveno
e à sociedade uma nova Carta do Folclore Brasileiro22.

21 O termo brincante refere-se ao popular que participa de encenações em manifestações


folclóricas de maneira amadora. A sua performance acontece com base no improviso, com ou sem
máscara. Assemelha-se aos atores da Comédia d´Arte italiana. Não é o mesmo que bailarino ou ator
devido ao caráter festivo e livre que desempenha (Dicionário Priberam – Brincante, 2019).

22 Tal como é referido noTexto da “Carta do III Congresso Brasileiro de Folclore” (1995): “1 -
Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas
individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de
identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade,
funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia
com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter-se-á no singular, embora
entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos
naturais e econômicos específicos; 2 - Os estudos de folclore, como integrantes das Ciências Humanas e
Sociais, devem ser realizados de acordo com metodologias próprias dessas Ciências; 3 - Sendo parte
integrante da cultura nacional, as manifestações do folclore são equiparadas às demais formas de
expressão cultural, bem como seus estudos aos demais ramos das Humanidades. Consequentemente,

33
A Carta retomou e ampliou o entendimento do termo folclore, surgido em 1846
com o escritor britânico William John Thom (1803-1885). Cabe-nos salientar que o
termo estabelecia a palavra Folk (povo) e Lore (tradição) como o conhecimento
provindo da sabedoria popular.

No século XIX o termo folklore designava sem distinção todo o saber popular,
sem estabelecer qualquer hierarquia entre os diferentes tipos de saberes. Saberes
fabulosos, falaciosos, não científicos. No entanto, de certo modo, possibilitava
denominar as práticas culturais dos povos, identificá-las e retirá-las do anonimato.

No Brasil da década de 90 do século XX o termo folclore brasileiro23 foi ampliado


afim de abarcar um conjunto mais alargado de manifestações populares. Por folclore
brasileiro passou-se a entender todas as lendas, contos, mitos, estórias sobre criaturas
e seres fantásticos que habitam no imaginário de povos tradicionais de diversas regiões
do país. Sendo o mesmo também composto por festas, brincadeiras, crenças, comidas
típicas e costumes transmitidos oralmente entre as gerações, sobretudo com base nas
matrizes afro, lusa e indígena24 (Rodrigues, 2018).

deve ter o mesmo acesso, de pleno direito, aos incentivos públicos e privados concedidos à cultura em
geral e às atividades científicas (Carta do III Congresso Brasileiro de Folclore, 1995).”

23 O Folclore Brasileiro: “É a junção de lendas, contos, mitos e histórias sobre criaturas e seres
fantásticos que habitam o imaginário de povos tradicionais de diversas regiões do país. O folclore do Brasil
é formado com base na mistura de tradições típicas das várias culturas que formam a identidade na nação,
com destaque para a portuguesa, indígena e africana. Além das histórias, costumes e lendas de
personagens criados a partir da cultura popular desses povos, o folclore brasileiro também é composto
por festas, brincadeiras, crenças, comidas típicas e outros costumes que eram transmitidos oralmente
entre as diferentes gerações. Devido a diversidade cultural do país, o Brasil tem um folclore muito rico.
No entanto, apenas a partir do século XIX é que começou a ganhar importância e destaque por parte de
autores e intelectuais. As lendas misturam acontecimentos reais e históricos com personagens e
elementos de fantasia e procuram sempre explicar fatos misteriosos ou sobrenaturais. O imaginário
folclórico do Brasil é recheado com diferentes personagens fantásticas. Cada região do país assume uma
história típica de determinada personagem do Folclore (Significados – Significado do Folclore Brasileiro,
2018)”.

24 “Os trabalhos que se desenvolvem na área buscam compreender traços específicos da


construção social do sujeito em sua comunidade e em sua experiência diária com o outro. Para todos nós,
a tradição é ainda, de alguma forma, Fonte de aprendizagem, de forma que o contato com o passado por
meio do convívio com gerações diferentes é, por muitas vezes, Fonte de conhecimento. A transmissão de
costumes, em que a aprendizagem se constrói sobre o passado e sobre a herança cultural do sujeito, é
parte do que caracteriza a construção folclórica. Esta está tão próxima de nossa construção identitária
que alguns estudiosos acreditam que folclore e cultura são exatamente a mesma coisa (Rodrigues, 2018).”

34
O termo desenvolvido em congressos e defendido por pedagogos, antropólogos
e educadores chegou ao Ministério da Educação Nacional do Brasil e em 1996, o assunto
Folclore foi incluso na LDB - Lei de Diretrizes e Base, que define o que deve ser
desenvolvido dentro das salas de aula de escolas públicas e particulares. Desse modo, o
assunto folclore foi destinado a crianças de 7 a 9 anos da primeira série escolar,
acompanhado de práticas pedagógicas construídas por especialistas no assunto. No mês
de agosto, o mês do Folclore, durante 23 dias úteis o tema é abordado largamente. São
apresentados ditos populares, parlendas, lendas indígenas, fábulas de Esopo e dos
irmãos, Grimm entre outros autores. Decorrem brincadeiras coletivas, cantigas de roda,
produção de brinquedos artesanais, são apresentadas receitas de comida e bebidas
regionais de herança ancestral e são visualizadas imagens de diversas manifestações de
dança folclóricas incluíndo “o Boi Bumba” e o seu enredo. O Ministério da Educação
defende que o tema folclore é uma forma de aproximar grupos, bem como de valorizar
o diferente, e o estrangeiro, sem preconceitos ou discriminação. O estudo deste tema
tem como objetivo levar ao aluno a reconhecer as diferenças culturais, as manifestações
culturais e saberes dos antepassados a fim de perceber que este são tão importantes
quanto os saberes constituídos e aceites como padrão pelas classes dominantes. A
aprendizagem deste tema pelos alunos constitui uma importante ferramenta para a
compreensão da formação do Brasil, para incentivar o respeito pela cultura dos
antepassados, e a tolerância e aceitação em relação a formas de pensar e viver de outras
comunidades 25 (Schenini, 2014).

Sobretudo saber valorizar tanto o Saber específico da cultura erudita como o


Saber próprio da cultura popular, sem identificar nessa relação hierarquização, oposição
ou antagonismo, mas entendê-los como constituintes da identidade cultural brasileira.
Posteriormente em 1997, dentro das Lei de Diretrizes, encontra-se uma série de
orientações para nortear a prática pedagógica dos professores. O tema folclore é parte
integrante dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, nomeadamente no parâmetro
Pluralidade Cultural (Fig. 6).

25 É da opinião de muitos professores que o folclore ajuda os alunos a entenderem a história do


país (Schenini, 2014).

35
Fig 6 – Miguel Saraiva e Marcos de Andrade (professores), [s.d.], “Alunos em atividade prática
pedagógica interpretativa da lenda do boi bumba em ambiente escolar”. A máscara preta é um
elemento constitutivo da indumentária.

Na região nordeste do Brasil o tema do folclore no âmbito da sua inclusão no


currículo escolar é levado por professores e alunos às ruas e praças. Em junho realizam-
se as festas do ciclo junino, a saber, dias 13, Dia de Santo Antônio, dia 24, Dia de São
João, e dia 29, Dia de São Pedro. Durante este mês, centenas de municípios mobilizam
recursos da câmara para os dias das festividades. Este intervalo promove um intenso
desenvolvimento turístico, do comércio em geral que proporciona lucros financeiros
muito elevados aos vendedores. Em particular no Estado do Maranhão, situado na
região nordeste do Brasil, em dezembro de 2009, o Governo Federal instituiu o dia 30
de junho como o “Dia Nacional do Bumba-meu-Boi (Boi Bumba)”, por meio da Lei nº
12.103 (Kerdina, [s/d]).

O tema do folclore foi ao longo do século XX ganhando relevo no Brasil na medida


em que foi aceite e entendido como fenómeno cultural dos grupos, das comunidades e
das etnias. Foi utilizado como ferramenta do governo para forjar uma ideia de unidade
nacional, na medida em que o folclore é um meio de inclusão e de dar visibilidade a
dezenas de comunidades e sociedades em território brasileiro. Sobretudo é um local de
fala para as populações que se encontram revoltadas pela sua discriminação social e
histórica.

Hoje no Brasil do século XXI, a maioria da população já entende a importância do


foclore e acolhe e celebra as suas múltiplas manifestações folclóricas. No maior festival

36
de dança do mundo realizado na cidade de Joinville, as danças folclóricas assumem um
papel de destaque entre as danças académicas e clássicas como, por exemplo, a
encenação do “Boi Bumba” na cidade Parintíns. Esta cidade de pequeno porte depende
da festa do Boi para gerar centenas de postos de emprego. Por fim, as atividades
centradas no folclore nacional, tais como publicações de livros, mostras de culinária
típica, festas juninas, carnaval, indústria têxtil, geram recursos que contribuem
consideravelmente para o aumento da receita do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.

No capítulo três abordaremos o modo como a lenda narrada e encenada por


populares no século XVIII, tornou-se hoje no tema da principal festa da cidade de
Parintins. A “festa do Boi” mobiliza centenas de pessoas, revigorando a economia
através do turismo que atrai para a remota região amazónica. Em 2018 a “Festa do Boi”
concorreu à categoria de Património Imaterial da Humanidade pela Unesco (Bond,
2018)26.

1.2. Componentes lusas, afras e indígenas da “Lenda do Boi Bumba”.

Podemos afirmar, com base na análise de diversos estudos já realizados, que a


“Lenda do Boi Bumba” é produto do cruzamento das culturas indígena, africana,
portuguesa e do catolicismo jesuítico (Toneto, 2014, p. 34). A personagem principal do
boi não é nativa do Brasil. A origem da lenda começa na época chamada “Ciclo do
Gado”27 inaugurada pelo português navegador, comerciante e militar Tomé de Sousa
(1503-1579) no século XVI. No século XVIII as terras do Brasil passam definitivamente de

26 “Bumba Meu Boi “concorrerá ao título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Divulgado pela
Agência EBC - Empresa Brasil de Comunicação vinculada ao Governo Federal do Brasil. (Bond, L., 2018)

27 “Aconteceu, principalmente, no Nordeste e na região sul do Brasil desde o início da


colonização do país. A atividade pecuária foi trazida ao Brasil pelos europeus, mais precisamente por
Tomé de Sousa, no século XVI. O gado passou a ser um dos principais meios de transporte de carga e
importante na alimentação do brasileiro. Na região sul, foram os jesuítas quem formaram as bases da
atividade pecuária. No chamado “Cone Sul”, o gado passou a ser Fonte de renda, com o aproveitamento
da carne e do couro. O gado era criado em diversas capitanias hereditárias no século XVI, como na Bahia,
Mato Grosso, Paraíba e Piauí. A atividade pecuária não contava com mão de obra escrava, pois os
trabalhos eram realizados por vaqueiros. As secas no Nordeste, fizeram com que o Sul do Brasil ganhasse
prestígio na criação de rebanhos. Em meados do século XVII surgiu a figura do proprietário da fazenda de
gado. Nas últimas décadas do século XVIII a região de Pelotas passou a dominar a pecuária brasileira. Já
no século XX, o Estado de Minas Gerais começou a se destacar na pecuária leiteira (Ciclo do Gado –
clickestudante, 2018)”.

37
ser propriedade dos militares para o fazendeiro28, ou do proprietário das terras,
juntamente com os escravos, as plantações e o gado. É deste período que data o
surgimento das primeiras manifestações do “Boi Bumba” no nordeste do Brasil. De lá
até hoje recolhemos três importantes versões para o nosso relato.

A versão que ouvimos em 2010, na cidade de São José dos Campos, foi-nos
transmitida pela bailarina Quiara Maria29 (Abacai, 2018). A artista contou-nos a seguinte
versão da lenda:

Numa herdade escondida no meio da mata, havia a casa de um rico proprietário das
terras destinadas à criação de gado. Ao longe havia a moradia de um simples casal de
negros escravos da herdade – Pai Francisco e Catirina. Certo dia a escrava, que estava
grávida, pede ao esposo ensopado de língua de boi. Sabendo que mataria um boi que
não lhe pertencia Pai Francisco retira a língua de um dos bois. O patrão sabendo do
ocorrido chama o escravo e lhe pede uma solução. Pai Francisco vai em busca de um
padre e lhe pede para ressuscitar o animal. Incapaz desse milagre o escravo segue para
dentro da mata em busca de um índio pajé. O curandeiro solidário vai até a carcaça.
Num ato mágico ressuscita o boi que retorna como ente dançante e colorido” [s.d].

No artigo da Prof. Dr. Maria Laura V. de Castro Cavalcante, encontramos a


seguinte variante da estória:

Pelas suas qualidades e valentia um boi foi dado de presente à sua filha e confiou aos
cuidados do vaqueiro. Mãe Catirina desejou comer aquele famoso boi, pois estava
grávida e com entojos. Pai Francisco, seu marido, não teve dúvidas em tentar matá-lo
para satisfação de sua mulher. Desaparecido o boi, o vaqueiro chefe é chamado para
dar conta do que lhe fora confiado e este descobre que Pai Francisco havia atirado no
boi. Pai Francisco resiste à prisão e os vaqueiros confessam sua fraqueza em trazê-lo
preso. Assim, é chamado o tuxaua de uma tribo de índios. Pai Francisco é preso pelos
silvícolas e somente será dispensado do castigo, que bem merece pelo seu crime, se
ressuscitar o boi. Aterrado, ele chama o padre para ressuscitar o animal. Porém não
consegue. É lembrado então do pajé da taba. Este, depois de muitos exorcismos, danças
com maracá e baforadas de cigarro envolto em tauari [Curataria tavary] logra o milagre
de fazer reviver o ‘animal’. O acontecimento é festejado com extrema alegria, e o bando,
sempre cantando, "dá a despedida" (Cavalcante, [s/d], p. 45)

28 O termo fazendeiro é utilizado no Brasil com o significado de: “proprietário de terras, sitiante,
cultivador de bens da lavoura e animais para o abate. Durante o texto o termo herdade (Portugal) será
substituído por fazenda (Brasil. O termo foi cunhado pelos imigrantes espanhóis que utilizam a palavra
hacienda ou estância (Dicionário Henrique Romanos, [s/d] p:269)”.

29 Quiara Maria é dançarina com passagem protagonista no grupo Abaçai, uma associação de
grande dimensão que desenvolve o fomento de atividades gratuitas de preservação e da cultura nacional
com destaque para o folclore regional. Espaço cultural de fomento da cultura material e imaterial, dança
e música, do Estado de São Paulo (Abacai, 2018).

38
Podemos considerar ser a essência da lenda, o enredo nuclear que serve de base
para dela surgirem diversas outras versões encenadas em todo o território brasileiro.
Este enredo pode ser sintetizado da seguinte forma:

Numa herdade a escrava Catirina grávida, pede ao marido Chico (ou Pai Francisco) para
comer língua de boi. O escravo atende ao desejo da esposa, matando o boi que não lhe
pertence. Posteriormente Chico é preso a mando do dono da herdade. Com a ajuda de
curandeiros, o boi é então ressuscitado 30(Lenda do Boi Bumba – Wikipedia, 2018).

Fig. 7 – Capa do livro “Bumba meu Boi” de Roger de Mello, 2017. Chamamos a atenção para a
ilustração dos dois seres no ar, estampados. No solo um homem tem os lados do seu corpo
diferenciados pelas cores branca e preta podendo ser entendido como “mestiço”.

Outras versões da “Lenda do Boi Bumba” são facilmente encontradas na Web


além de uma grande quantidade de material fotográfico e livros (Fig. 9). Contudo a
estrutura que caracteriza a sequência narrativa da estória repete-se: o pedido da

30 Versão da “Lenda do Boi Bumba” na língua portuguesa que não abrange todas as demais
versões da lenda por todo o território brasileiro. Encontramos outras verões nos trabalhos científicos de
mestrado e periódicos incluídos na presente investigação. (xxx - Wikipedia, 2018)

39
grávida, a morte do boi que não pertence ao marido e o boi ressuscitado por
curandeiros.

Após análise de múltiplas fontes históricas sobre o Brasil colonial, não


encontrámos quaisquer registos que apontem para o homem negro ser proprietário de
terras e gado. Nesse sentido, advogamos que o proprietário das terras e do boi é um
homem branco de origem europeia. De igual forma, em todas as versões descritas os
empregados são escravos e o índio permanece na floresta. Cada uma das personagens
cumpre uma função específica e constante ao longo da estória, como podemos observar
em relação às personagens do índio e da Catirina que nunca passam a proprietárias das
terras, assim como que o proprietário das terras não as perde. O pai Francisco é sempre
mão de obra e condenado juntamente com o boi a um enredo trágico.

Acreditamos, contudo, que a representação da lenda sofre pequenas


modificações conforme o seu contexto social seja rural ou urbano. As variantes
observadas nos enredos correspondem à exclusão e inclusão de personagens, cenas e
objetos comuns da região a que o Boi pertence, mas que em nada abalam a estrutura
base da estória. Notamos que na região do Estado do Amazonas o “Boi” dança com a
cunhã, que é uma moça indígena. A encenação na cidade de Parintins é realizada por
um corpo de dançarinos ricamente adornado com penas, evocando a figura idealizada
do índio amazónico. A mesma lenda representada por pelo grupo Cupuaçu da cidade de
São Paulo, localizado há 30 anos no Morro do Querosene, não inclui a indígena cunhã,
sendo esta personagem substituída por dezenas de mulheres vestidas com camisas
brancas e saias floridas. O Grupo Cupuaçu opta por dar visibilidade a dezenas de
mulheres interessadas em participar na encenação. Elas constituem o corpo de baile que
adorna a encenação e colaboram através da dança ao mesmo tempo que tocam
pequenos instrumentos musicais.

1.3. Variantes da lenda e a sua representação em festividades cíclicas.

Como vimos no subcapítulo anterior, a lenda do “Boi Bumba” possui diferentes


versões conforme a região na qual é encenada. Nas diversas publicações sobre a lenda
e as suas variantes, o “Boi” é um animal que morre e ressuscita recebendo os nomes, a

40
saber: de ‘Boi-Bumbá’, no Amazonas e no Pará; ‘Bumba-meu-boi’, no Maranhão; ‘Boi-
calemba’, no Rio Grande do Norte; ‘Bumba-de-reis’ ou ‘Reis-de-boi’, no Espírito Santo;
‘Boi-pintadinho’, no Rio de Janeiro; ‘Boi-de-mamão’, em Santa Catarina, entre outros
(Cavalcanti, 2006, p. 2). São inúmeras as manifestações do “Boi Bumba” por todo o Brasil
e não foi nosso objectivo realizar uma catalogação detalhada de todas as suas
manifestações. No entanto, selecionámos três exemplos entre as múltiplas formas de
materialização da lenda, que revelam como cada comunidade se apropria da estória e
concebe a produção da encenação conforme os seus recursos financeiros e artísticos.
De igual modo, no presente tempo, verificámos que a representação da lenda não
acontece em épocas natalinas, fim do ano, período de eleições regionais, estaduais,
presidenciais e Feriado Nacional de Nossa Senhora Aparecida do Brasil ou Dia da Criança
no Brasil. A festa do “Boi” na cidade de Parintins acontece na última semana de junho e
dura três dias. O local da festa foi construído em 1988 e após a festa o local serve como
escola. O prédio construído, em formato de arena, possui um pátio e bancadas laterais
onde debaixo das principais funcionam salas de aula para alunos do primeiro ciclo (Fig.
8).

Fig. 8 – Wikipedia – Boi caprichoso, [s.d.], fotografia aérea do Bumbodramo em Parintins no


estado do Amazonas.

A festa do “Bumba Meu Boi” do Grupo Cupuaçu, localizado na cidade de São


Paulo na comunidade da favela Morro do Querosene (Fig. 9), acontece desde há cerca
de 20 anos sob a direcção do mestre Tião Carvalho (Sebastião Carvalho).

41
Fig. 9 – Rádio Cidadã FM - #avozdobutanta. À esquerda fotografia do “Boi Bumba” do Morro do
Querosene na cidade de São Paulo, Brasil. À direita fotografia do mestre Tião Carvalho, músico,
compositor e diretor do grupo Boi do Morro do Querosene e morador da comunidade, 2017.

Outra manifestação popular da lenda do “Boi” que amplia a visibilidade do


trabalho é o “Encontro anual dos miolos de boi” na cidade de São Luís, no Estado do
Maranhão (Fig. 10).

Fig. 10 – Caras e Nomes: A revista dos municípios in blog. À esquerda a indumentária de bumba
em exposição na rua durante o “Encontro dos Miolos de Boi”. Pormenor para cada artefato
identificado. À direita pormenor de um brincante. O artista não mostra o rosto durante a
encenação para que a fantasia do animal animado e morto seja mais próxima do real, 2013.

Com a finalidade de homenagear os brincantes que ficam escondido dentro do


“Boi Bumba” a Secretaria da Cultura, representada pelo animador cultural José Reis,
realiza no mês de julho o espectáculo. São cerca de 200 “miolos de boi” que se
encontram, conversam sobre o trabalho artístico, trocam ideias, comem e bebem. O
público pode conhecer a pessoa, o rosto do artista popular que movimenta o artefato.
O evento congrega mais de 3 mil pessoas como espectadoras, mobilizando o comércio
oficial e o de rua informal. Em 2018 o evento completou a sua 13ª edição e contou com
o apoio da Secretaria da Cultura e Turismo. A cada ano a imprensa local regista o

42
aumento da participação de meninas e mulheres como “miolos de boi” e criadoras de
novos grupos do “Bumba Meu Boi”.

1.4. Análise simbólica da lenda.

O nosso trabalho em práticas artísticas buscou compreender a lenda a partir de


diferentes perspectivas. Nesse sentido, a nossa preocupação inicial centrou-se na
recolha de imagens, fotos, vídeos e diferentes versões da lenda.

Interessou-nos estudar, antes da análise simbólica das personagens, a origem da


lenda do Boi Bumba. No Brasil colonial as primeiras fontes de registo referem que na
festa do boi há uma personagem trajada de “boi” que é golpeada sem que, no entanto,
os demais lhe causem danos físicos. O público em torno surra, brinca, atiça e bate no
artefacto com a forma do boi (Cavalcanti, 2006, p.74)31. Por conseguinte, podemos
afirmar que há um sentido lúdico e festivo no ato de bater, bumbar o animal. A origem
e sentido arcaicos da festa do Boi Bumba encontra-se na reunião de pessoas em torno
do “animal” para que todos se divirtam no ato de bater, fugir e saltitar. O segundo
significado da brincadeira é o reforçar dos laços entre os membros da comunidade e o
retornar à vida cotidiana marcados pela cumplicidade ativa gerada pela sua participação
no ritual.

Este animal, este boi que sofre está presente nas lendas da cultura ocidental
deste a Grécia antiga no mito do Minotauro32 (Fig. 11), bem como em lendas da Ásia e
de África.

31 “O "boi" é um artefato que dança animado por pessoas que dentro dele se enfiam. Já nas
descrições do século XIX, esse objeto bailante é o elemento físico recorrente em todas as modalidades do
folguedo, em torno dele agrega-se um grupo de brincantes cuja designação é clara: um "bombá", bumbah,
bumba-meu-boi. Palavras cuja sugestiva ambivalência etimológica vale assinalar: bumba ou bumbá =
surrar, bater e dançar." (Cavalcanti, 2009, p. 74).

32 Resumo da lenda grega do Minotauro: “Poseidon fez com que a mulher de Minos, Pasífae se
apaixonasse por um touro, sendo que dessa união nasceu o minotauro. Com medo e desprezo pelo “filho”
de sua esposa, Minos sem coragem para matá-lo, mandou construir um labirinto abaixo de seu castelo
para prender o Minotauro. Anos depois, Minos derrotou Atena em uma guerra que lhe custou um dos
filhos. Atena como vingança, ordenou que todo ano fossem enviados 7 moças e 7 rapazes atenienses para
o labirinto. Após 3 anos de sacrifícios, um jovem de nome Teseu decidiu enfrentar o Minotauro
voluntariamente. Ao chegar ao palácio se apaixonou por uma das filhas do rei, Ariadne. A moça
correspondendo a paixão de Teseu, entregou a ele uma espada mágica para matar o minotauro e também

43
Fig. 11 – Kako, “Minotauro”, ilustração, 2017, 26 x 17 cm.

O boi surge em contos, representado em pinturas, objetos de culto, em peças


encenadas nos palcos, TV e cinema. Tanto na “Lenda do Boi Bumba” como no mito grego
do “Minotauro”, os animais são criaturas fortes, brutas, belas que terminam sendo
mortas pela mão de um homem com uma arma cortante. O simbolismo comum aos
instrumentos cortantes é o de possuírem um princípio activo que destrói a matéria
passiva33. A faca está frequentemente associada à ideia de execução, morte, vingança
ao sacrifício, tal como sucede na Bíblia quando Abraão está prestes a matar o filho Isac.
(Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 78). Além do entendimento mitológico a arma, a faca
pode ser usada como ferramenta de uso do opressor para coagir, ameaçar e dominar o
outro.

um novelo de lã para ele encontrar o caminho de volta. Teseu ficou algum tempo a procura do Minotauro,
pois teve de ser cauteloso para não ser pego de surpresa. Quando ele avistou o Minotauro atacando um
dos atenienses, apunhalou-o por trás matando-o. Após isso Teseu resgatou os atenienses e voltou pelo
caminho do novelo de lã para encontrar sua amada”. (A Filosofia, 2019). “O Minotauro simboliza um
desejo indevido, injusto, proveniente do recalque e do domínio da perplexidade. O labirinto simboliza o
inconsciente obscuro. Os sacrifícios oferecidos ao mostro, como o sacrifício dos rapazes e moças, a morte
dos jovens, são as mentiras e subterfúgios para tentar fazer adormecer o Minotauro. Quando isso ocorre
são erros que se acumulam. O mito do minotauro significa o combate espiritual contra o recalque. A luta
do bem contra o mal. O herói com a ajuda de Ariadne simboliza a vitória contra o mal. Ariadne ajuda o
herói para entrar e sair do labirinto escuro. Além do fio que consegue trazer o herói de volta a deusa
entrega uma coroa de luz a qual fará o herói ver todo o caminho”. (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 452).

33 “Na iconografia hindu a faca é atribuída apenas às divindades terríveis, nas mãos das quais
aparece sobretudo como uma arma cruel. O mesmo acontece na cultura antiga mexicana e maia”.
(Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 452).

44
A criatura fictícia do homem-touro “habitante” do labirinto é amplamente
encontrada em mosaicos antigos e ilustrações de livros, sendo uma personagem chave
em um dos capítulos do “Inferno” de Dante (Alighieri, 2011).

No Brasil moderno a divulgação do mito foi realizada nos liceus mais respeitados
e nos raros cursos de licenciatura da época, mas a sua maior disseminação foi feita pelo
escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948). Entre uma série de livros destinados ao
público infantil Lobato criou um conjunto de estórias de aventuras que se passava na
herdade fictícia “Sítio do Pica Pau Amarelo”. Foi no ambiente fantasioso deste “Sítio”
que o autor fez conviver uma família que morava naquele lugar com seres mitológicos,
das lendas indígenas e elementos de origem africana. Desse modo, nas obras de
Monteiro Lobato existe a mistura de elementos clássicos gregos, indígenas, africanos e
europeus. Algumas obras do escritor Monteiro Lobato foram adaptadas para a TV (Fig.
12).

Fig. 12 – Capa do livro “O Minotauro” do escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948). A obra
na década de 1980 foi adaptada à TV pela Rede Globo no Brasil e exibida em Portugal pela RTP.

Na nossa opinião, o conceito da “Teoria da Mestiçagem” que abordaremos com


mais rigor adiante pode ser aplicado na análise deste enredo.

45
Os seres que habitavam as páginas dos livros e da imaginação dos leitores,
ganharam corpo no trabalho de uma competente equipa de atores. Os episódios da
série produzidos no Brasil foram também exibidos em Portugal pela Rádio Televisão
Portuguesa (RTP). Desse modo, os espectadores puderam ver o mito grego convivendo
com personagens contemporâneas e de outras culturas.

O mesmo mito é facilmente encontrado em livros, cinema norte americano e


eventos diversos como, por exemplo, na forma de símbolo representativo da equipa
brasileira de campeonato de robótica nos Estados Unidos34. Concluímos que o símbolo
é no presente manipulado para estar ao serviço de interesses diversos conforme a
vontade e motivação de diferentes corporações e instituições. Todavia, a sua
representação nos meios de comunicação social dos nossos dias encontra-se muitas
vezes associada a estereótipos. O Minotauro da equipa de robôs representa apenas a
força, a truculência com a qual a máquina se confrontará com o seu rival nos ringues. O
“Minotauro” das lendas gregas está associado às capacidades intelectuais e psicológicas
humanas. Na nossa opinião, o mito é empobrecido quando aparece como símbolo da
equipe de robôs. Desapropriado de toda a dimensão simbólica do mito, na equipa de
estudantes de engenharia, resta-lhe apenas a analogia entre a força física do touro e a
resistência do aço. No entanto, o nosso objeto de estudo principal trata de um animal
de menor porte um boi, diferente do “Minotauro” que representa um possante homem-
touro. O boi é originário da Ásia e da Europa, e foi levado para o continente Americano
pelos colonizadores espanhóis e portugueses (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 125). O
boi35 ao contrário do touro é um símbolo de bondade, calma e força pacífica, de acordo
com a visão de Ezequiel e do Apocalipse. Na mitologia grega o boi é um animal sagrado
que foi muitas vezes imolado em sacrifícios. Naquela cultura antiga surgiu o termo
hecatombe, que significa “sacrifício de cem bois”, que resulta em muitas vítimas, uma

34 “Equipe Minotaur” conquistou o segundo lugar na competição norte americana de robôs


BattleBots de 2018. Programa exibido pela CNN retransmitida por cabo para a Europa, a equipa Minotaur
pertence à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Com este prémio a Minotaur torna-se uma
das vencedoras mundiais dos torneios de robôs (CTC, PUC, 2018).

35 “O boi e mais ainda o búfalo, auxiliares preciosos do homem, são respeitados em toda a Ásia
oriental. Servem de montada a sábios, particularmente a Lao-tse, na sua viagem em direção às fronteiras
do oeste. De facto, existe na atitude destes animais um aspectos de doçura e de desprendimento que
evoca contemplação. Em todo o norte da África o boi é um animal sagrado, oferecido em sacrifício, ligado
a todos os ritos de trabalho e de fecundação da terra”. (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 125).

46
carnificina (Infopédia – hecatombe, 2019). Hoje a palavra hecatombe refere-se, por
exemplo, aos danos causados pela bomba nuclear sobre o Japão, ou à crise imobiliária
norte americana.

Retornando à Grécia Antiga, importa referir que o boi era consagrado a


determinados deuses. Uma lenda grega narra o boi entre os deuses: “Apolo tinha os
seus bois, que Hercules lhe roubou. Hércules só foi perdoado pelo roubo, quando deu a
Apolo uma lira feita de couro de boi esticado em casco de tartaruga” (Chevalier &
Gheerbrant, 1982, p. 125). Outra lenda antiga grega trata do boi como astro solar. Narra
que o sol possui bois brancos com chifres dourados. Os amigos de Ulisses certo dia
comeram bois, no entanto, o herói não comeu a carne destes e foi poupado da morte.

Por fim, adoptámos na nossa análise a definição de boi de Pseudo Dionísio


Areopagita que é aque consideramos mais adequada à nossa investigação. A figura do
boi indica a força e a potência, o poder de criar feridas do foro do racional para receber
as fecundas chuvas do céu, ao passo que os chifres simbolizam a força conservadora e
invencível (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 125). Na nossa lenda destacamos os papéis
desempenhados pelo boi, dono da herdade, Francisco (pai), Catirina (grávida), o padre,
o índio chefe e pajé e a faca. Todos no espaço imaginário de uma fazenda se encontram
rodeados por mata. No entanto, no pequeno território onde a tragédia acontece todos
os seus habitantes possuem a capacidade de comunicarem muito além da fronteira da
fazenda.

Por último, acreditamos que o percurso teórico que estamos a realizar é


necessário na medida em que serve de base teórica para fundamentar o trabalho
manual da prática artística. Para dar andamento ao estudo, planeámos três etapas
subsequentes: A – A seleção do núcleo central da estória, a partir da recolha de diversas
versões. B – O estudo e investigação da função simbólica de cada personagem da
tragédia. C – A composição das imagens, das cenas mais dramáticas, com a finalidade
de através da posição das personagens, na espacialidade sugerida pela composição das
nossas colagens, comunicar ao espectador a sua condição social e emocional.

47
1.4.1. A origem das personagens.

No decorrer desta nossa pesquisa buscámos compreender mais profundamente


as “mensagens” simbólicas que a “Lenda do Boi Bumba” procura oferecer aos seus
leitores. Tratando-se de uma lenda registada por volta do ano de 1840, que abrange o
“Ciclo do Gado” e o período de escravatura que termina no Brasil em 1888, acreditamos
que os seus elementos são figuras advindas da configuração social da altura (Cardoso,
2015, p.117).

Não retomaremos a História dos séculos anteriores a esta data, todavia, sabe-se
que a chegada dos portugueses ao Brasil foi marcada pela dominação do território,
apropriação, demarcação e posterior destinação das terras para a administração de uma
autoridade de origem portuguesa. Durante centenas de anos a posse por escritura, ou
registo oficial foi negada ao nativo, mulher ou pessoa negra. Somente após o período
de independência do Brasil é que uma boa parte das escrituras foram destinadas aos
luso-brasileiros (O Povo Brasileiro, 1995, cap.4).

Na “Lenda do Boi Bumba” o proprietário da terra, dos escravos, plantações e


gado, sem nome, pode ser identificado como sendo um homem de origem europeia,
adulto e branco. Da sua origem lusitana conserva os valores classistas (Ribeiro, 1995, p.
37) e do patriarcado. A sua função em terras tropicais era de fazer riqueza com a
finalidade de obter a ascensão social em ambos os continentes. Dada a época
acreditamos que este senhor era por sua vez alfabetizado, conhecia a matemática e
possuia destreza nos negócios de compra e venda de mercadorias. Naquela altura tanto
o governo quanto o setor de comércio contabilizavam a compra e venda de seres
humanos. As pessoas eram categorizadas segundo o seu estatuto de mulheres, crianças,
homens adultos e velhos e eram-lhes atribuídas, de acordo com esta classificação, um
determinado preço. Cada grupo possuía um valor no mercado. Aumentava de valor se
possuíssem conhecimento nos serviços domésticos e no cultivo da lavoura. Idosos e
crianças doentes eram de baixo ou nenhum valor comercial. A herdade da lenda possuía
pelo menos dois escravos: o Pai Francisco e a sua esposa. Duas pessoas que poderiam
ser compradas no mercado de escravos, quase sempre estabelecido na área central da

48
cidade litoral e portuária brasileira. De igual forma, pensamos que a personagem, dono
da fazenda é rica, na medida em que possui condições para adquirir escravos e gabo. O
gado que chegava ao Brasil era cotado com um preço altíssimo, porque apenas um
número limitado de animais cabia nas embarcações que demorava meses a chegar ao
seu destino, morrendo pelo caminho muitos destes (O Povo Brasileiro, 1995, cap.3).

O escravo, o Pai Francisco como narra a “Lenda do Boi Bumba”, era de total
confiança do patrão e muito hábil nas atividades com o gado. Com o anúncio da gravidez
da esposa torna-se pai. Como de costume, o escravo havia abandonado o nome original
africano e sido rebatizado como Francisco, além de obrigado a submeter-se às ordens
da igreja católica. O seu filho com Catarina certamente seria a nova mão de obra escrava
destinada a trabalhar na herdade. Portanto, todos os três eram de grande valor para o
proprietário das terras. Logo não seria financeiramente lucrativo a eliminação de um
dos escravos. Contudo, Francisco sendo de origem africana é portador dos
conhecimentos do seu povo. Segundo a obra “A formação do Povo Brasileiro” do
antropólogo Darci Ribeiro, os valores dos povos africanos que foram para o Brasil, eram
alicerçados na família, no culto dos elementos da terra, no domínio da fundição dos
metais e na religião de invocação dos espíritos (Ribeiro, 1995, p. 55). Além disso, o Pai
Francisco acreditava que se não obedecesse aos desejos da esposa o seu filho nasceria
com deformidades. Crença bastante difundida no Brasil colonial e dos nossos dias.
Deduzimos que o personagem Francisco logra grande valor à sua família. Valor que o
fará matar o boi sem exitação.

Quando o dono da Herdade tem conhecimento da morte do boi, de imediato dá


ordens ao escravo para o trazer de volta. A maneira cogitada seria o ressarcimento do
animal morto. O escravo sem condições de realizar a compra de um outro boi, recorre
ao padre enquanto autoridade máxima local, acreditando que o padre o defenderia e
resolveria o problema junto ao fazendeiro. No entanto, o seu pedido acaba por não ser
respondido. O padre que anuncia um Deus vivo, não consegue, provando não ter
poderes de dar vida ao animal morto, tal como também prova não possuir autoridade
na defesa do escravo junto ao proprietário das terras. Esta passagem revela a absoluta
ausência da presença do poder jurídico e do governo no século XVIII no Brasil. Revela

49
também a completa situação de abandono do escravo e o poder de influência muito
restrito dos sacerdotes católicos diante da situação escravagista da época.

Francisco a fim de restabelecer a relação entre amo a patrão recorre à


autoridade tribal. Solicita a invocação dos espíritos para que o defendam, já que não
encontrou na instituição católica o abrigo que necessitava. Em diversas versões da lenda
o índio está longe da herdade. O escravo distancia-se muito para encontrar a autoridade
indígena. Perguntamos o porquê deste pormenor? Em busca de respostas, vimos que o
encontro fatal do índio com o europeu desde 1500, teve como resultado um forte
conflito entre valores. Um choque civilizacional entre visões e culturas (Riberio, 1995, p.
42) onde foram confundidos o certo e o errado, os valores do ter, possuir e compartilhar.
Durante este processo, milhares de indígenas afastaram-se da região litoral a fixaram-
se em aldeias no interior do Brasil, no fundo da mata como descreve a “Lenda do Boi
Bumba”. Uma vez localizado o índio no interior da floresta, Francisco num ato
transgressor, recorre à autoridade religiosa pagã. O escravo vai até o pajé que também
evoca espíritos, tal como acontece nas religiões de matriz africana. Na cultura indígena
os espíritos são chamados para festas, na cura de doenças e dos males da aldeia. Após
o ritual mágico, o índio é glorificado porque consegue ressuscitar o animal e o boi
mutilado e morto volta à vida.

Para finalizar, em resumo, o crime do escravo ao ter matado uma peça valiosa
do patrão, não foi punido com a morte pois era eficiente nos trabalhos e certamente
fora comprado a alto custo. O dano causado seria ressarcido de outras maneiras.
Provavelmente com o aumento dos trabalhos na herdade ou a troca de um dos filhos de
Catirina por um novo boi. Se a lenda tivesse ocorrido verdadeiramente, restaria apenas
ao boi morto a opção de se transformar num fantasma, numa lembrança ruim de um
fato motivado pela ignorância e imprudência do casal.

1.4.2. O boi e a sua relação com as restantes personagens.

Nas épocas mais antigas, nos registos do homem pré-histórico podemos notar a
presença de animais semelhantes ao boi. A leitura possível é a representação de pessoas

50
em cenas de caça. A relação entre o predador e animal de caça encontra-se presente
nestas imagens realizadas pelos nossos ancestrais (Fig. 13).

Fig. 13 – Bisonte da gruta de Altamira (Espanha). Datado por volta de 22.000 anos A.C.
Considerado Património da Humanidade pela UNESCO.

A representação do bisonte, boi ou touro como mostram as cenas das cavernas,


indica a presença deste animal junto aos primeiros habitantes do continente europeu
(Fig. 14).

Fig. 14 – Bois na gruta de Lascaux, França, c. de 15.000 A.C. Considerado Património da


Humanidade pela UNESCO.

A relação mais antiga é pautada pela morte do animal às mãos do homem,


através de flechas, para consumo da sua carne e uso do couro. Centenas de anos depois
o animal passa de selvagem a domesticado. O boi e o búfalo tornam-se valiosos meios
de transporte (Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 117). Do século XVII em diante, o animal
será requintadamente retratado a óleo na tela como veremos nas páginas seguintes.

51
Na “Lenda do Boi Bumba” o animal não é tratado de modo diferente do que foi
pelos seus ancestrais. Ele é morto e servido como alimento. Na encenação ele surge
luxuosamente adornado, colorido, repleto de estrelas e portador de simbolos da religião
católica tal como nos bordados do rosto de Jesus, Virgem Maria Santíssima, Espírito
Santo na pomba branca e santos. O enredo tem início quando o boi ainda está vivo, e
dois homens mantém o animal sob o seu olhar: o dono do animal e o cuidador. A relação
entre o boi e cada um deles é diferente. Enquanto o primeiro considera o boi como
propriedade sua, o escravo considera o animal como objeto de trabalho a ser
alimentado e tratado de forma a prestar um bom serviço, embora não lhe pertença.

Entendemos que no início do enredo existe um afastamento emocional, no que


respeita ao afeto dos homens em relação ao animal. Esta relação sofre rompimento
quando este morre, surgindo um sentimento de perda. Francisco sacrifica o animal, e
retira-lhe apenas uma pequena parte da língua para oferecer como alimento à sua
esposa Catirina, abandonando o que resta da carcaça no mato. O abalo sofrido pelas
personagens masculinas leva os espectadores a questionarem a relação de ambos os
homens com o boi. Catirina como pivô do crime encontra-se em estado privilegiado por
estar grávida. Ela não admira o animal e na sua qualidade de escrava reconhece-o
apenas como alimento. O boi “rouba” o marido do convívio do lar, dificultando a sua
presença entre família. No entanto, após a sua morte, Catirina é ao longo do enredo
protegida na medida em que em momento algum é apontada como culpada ou punida.

A trama estabelece-se entre os homens. Até mesmo os antagonistas, o padre e


o pajé são do género masculino, sendo eles quem usufrui de um maior tempo narrativo
com o boi, cabendo à mulher o papel secundário ou decorativo na lenda. Tal acontece
tanto no enredo da lenda como na encenação pública.

A personagem Catirina atravessa a estória sem grande presença, no entanto,


embora “de menor tamanho” ainda assim possui o poder de modificar todo o enredo,
ao quebrar a paz, interromper a linearidade do enredo provocando uma cisão.
Temporariamente, após apontar que deseja a língua do boi, o seu papel confunde-se
entre o de proprietária e escrava. Após a morte do boi tanto o dono quanto o escravo
se igualam no respeitante ao sentimento de perda, e o significado da morte transborda
o fato natural.

52
A morte para o cristão é introdutora dos mundos desconhecidos dos infernos ou
dos paraísos, exprimindo uma mudança importante, o luto, a transformação dos seres
e das coisas, a fatalidade inevitável, a desilusão, o desprendimento ou o
desencorajamento e o pessimismo (Chevalier & Gheerbrant, 1982, pp. 460-462). A
morte para algumas culturas indígenas do Brasil é somente a passagem da alma humana
para a vida de um animal da floresta. Sobretudo para o padre católico a morte encerra
o período na Terra, sendo proibido invocá-la e conviver com esta. No entanto, para o
pajé da lenda, a morte não possui esse significado de finitude, para ele existe um sentido
no regresso do boi ao ambiente natural das pessoas.

O padre considera o boi como sendo apenas um ser animal, cabendo


exclusivamente a Jesus Cristo a possibilidade de ser ressuscitado.

A liberdade transgressora que muitas vezes se revela no imaginário popular, está


presente na “Lenda do Boi Bumba”, contrariando rebeldemente os dogmas da igreja
católica, ao não suportar a morte e perda do belo animal, e, desse modo, encerrando a
estória com a ressuscitação do boi pelo curandeiro indígena.

53
Capítulo 2 – Sacrifício, mito e resistência na “Lenda do Boi
Bumba”.

Nos dias de hoje, a palavra sacrifício não é facilmente aceite pelos jovens das
classes médias ocidentais, na medida em que a pós-modernidade trouxe a possibilidade
de acesso a bens de consumo que lhes facilitam muito a vida. Para determinadas classes
sociais o termo sacrifício não faz qualquer sentido no âmbito do seu cotidiano nos
grandes centros urbanos. O conforto proporcionado pela diminuição do trabalho braçal
e intelectual no foro do emprego e no doméstico como, por exemplo, a facilidade em
solicitar alimentos telefonicamente ou via Web, obter informações, encetar amizades e
desfazê-las sem esforço com apenas um toque no ecrã nas redes sociais produziu uma
multidão de pessoas aptas apenas para realizarem o mínimo esforço possível. Nomes
destacados na filosofia debruçaram-se brilhantemente sobre este tema, tais como Edgar
Morin (1921) e Noam Chomsky (1928).

De acordo com a definição do senso comum, o sacrifício é um ato de renúncia o


qual optamos com o sentido de conquistar algo de difícil alcance tal como, por exemplo,
abandonarmos o nosso país para estudarmos, demitirmo-nos do nosso emprego para
acompanharmos um filho no âmbito de tratamento médico ou comprarmos alimentos
diretamente ao produtor para diminuirmos o consumo de plástico.

2.1. A narrativa do sacrifício no “Boi Bumba”.

O sacrifício judaico-critão está associado à ideia de troca, a uma energia criadora


ou espiritual. Quanto mais precioso for o objeto oferecido, maior e mais poderosa será
a energia espiritual recebida em troca, tanto para fins purificadores como propiciatórios.
No “Antigo Testamento” a ação ou o gesto do sacrifício simbolizam o reconhecimento
pelo homem da supremacia divina. O sacrifício, no pensamento hebraico, tem um
sentido muito particular, devendo os seus crentes preferirem sempre a vida à morte. O
sacrifício da existência, isto é, o martírio não tem valor senão na medida em que se trata
de sacrificar a própria vida mortal para testemunhar uma vida superior na Unidade

54
Divina. Nesse sentido, podemos identificar dois planos, “dois mundos”. No pensamento
judaico-cristão que difere na sua essência do pensamento indígena brasileiro que, em
geral, acredita que a alma humana após a morte do corpo permanece na floresta,
completando a sua missão entre a fauna e a flora.

Na religião judaica os sacrifícios humanos são estritamente proibidos e


substituídos pelos sacrifícios de animais. No entanto, se Deus pedir sacrifícios, estes
devem ser executados (Chevalier & Gheerbrant, 1982, pp. 580- 581). De facto,
encontramos em todas as edições da Bíblia Sagrada católica e evangélica uma passagem
onde Maria e José se deslocam ao templo para oferecer duas pombas em sacrifício36.

Existem registos de sacrifícios de vidas humanas e animais centenas de anos


antes de Cristo em regiões como, por exemplo, o Egito, a América Central ou o Médio
Oriente. Na tradição indígena brasileira é inexistente o sacrifício com a finalidade de
troca de algo com um Deus. No entanto, existe o canibalismo enquanto ritual que tem
como objectivo principal adquirir a bravura do guerreiro morto e distribuí-la entre os
membros da tribo.

Na actualidade, antes do ano novo judaico, o povo judeu realiza em Jerusalém o


ritual Kaparot que consiste no sacrifício de galinhas. No decorrer deste ritual, a cabeça
da galinha é parcialmente degolada com uma faca o que faz com que o seu corpo, ainda
recebendo estímulos nervosos, gire em torno desta. Ao mesmo tempo, a autoridade
religiosa profere a seguinte oração: “Esta é a minha mudança, este é meu substituto,
esta é a minha expiação”. O ritual pode ser interpretado como uma expiação simbólica
dos pecados, através do sacrifício de animais. A morte do animal lava os pecados da
pessoa que oferece o sacrifício a Deus, levando-a a reflectir sobre as suas acções e
abrindo a sua vida para um novo ciclo (Chabad, 2018). Os sacrifícios de animais, aves ou
até mesmo de uma pequena medida de farinha e trigo, conforme a possibilidade da

36 “Passa-se mais de um mês, e Jesus já está com 40 dias. Para onde seus pais o levam agora?
Ao templo em Jerusalém, que fica a apenas alguns quilômetros de onde moram. A Lei diz que, 40 dias
após o nascimento de um menino, a mãe deve apresentar no templo uma oferta de purificação”. (Levítico,
12:4-8). Assim, Maria oferece duas aves pequenas, tornando claro qual é a situação financeira dela e de
José. Segundo a Lei, devem ser oferecidos um carneirinho e uma ave. Mas, se a mãe não tem condições
para isso, duas rolas ou dois pombos são suficientes. Essa é a situação de Maria e é isso o que ela oferece
(JW, 2019).

55
pessoa, é um mandamento da Torá conforme consta em vários livros sagrados,
especificamente no “Livro de Levítico”, o “Vayicrá, 3º Livro da Torá” (Chabad, 2018).

No decorrer da nossa investigação sobre o sacrifício de animais na religião


judaica, no passado e no tempo presente, em todos os documentos consultados o
rabino alerta o fiel de que o sacrifício somente é aceite se a pessoa se arrepender do
pecado cometido. No passado, os animais “kasher”37 de grande porte eram usados nos
sacrifícios que tinham lugar nos templos, a saber: o boi ou a vaca, o bode ou a cabra, e
a ovelha. A cada um destes animais corresponde um tipo de personalidade. O "boi" que
exibe a sua força com os chifres, sendo que chifrando e chutando são comportamentos
trasladáveis para o ser humano e aplicáveis à pessoa que tem sempre uma palavra
áspera para com os outros, que fala com ironia, que gosta de ressaltar os defeitos do
próximo, embora os seus próprios defeitos sejam evidentes (Chabad, 2018). Atualmente
a oferenda de bovinos foi substituída por um conjunto de preces e obrigações ligadas
ao trabalho solidário. O povo judeu fiel é orientado pela igreja a fazer o sacrifício de não
ceder à desvalorização das leis sagradas, constituindo este esforço de assumir a dieta
cacher, e de cumprir todo o calendário de ritos e feriados judeus um esforço diário que
bastante diferente do modo de vida das pessoas de países de maioria católica ou
protestante.

A religião católica da cultura judaico-cristã não aprova o sacrifício de animais.


Durante centenas de anos adotou o sacrifício corporal como, por exemplo, o uso do
cilício e de outros instrumentos de flagelação para a auto-punição dos crentes que
buscavam o perdão de modo a não retornarem ao pecado cometido. Os abusos
relacionados com este ritual de sacrifício obrigaram o Vaticano a rever e rejeitar tais
rituais. Hoje são aceites sacrifícios leves e moderados que envolvem o jejum, ou a

37 Kosher (ou kasher) é um termo que se refere aos alimentos que são adequados ou permitidos
pelas leis do judaísmo, sendo poucas as empresas produzem este tipo de alimento. A dieta kosher é
bastante complexa e exigentes, sendo derivada dos dois principais livros do Torá, o livro que contém os
textos sagrado judaicos, entre os quais se encontram o Levítico e o Deuteronómio.Algumas das regras
básicas do kashrut incluem: Carne e leite não devem ser misturados ou ingeridos juntos; Todo o sangue
do animal deve ser drenado antes de ser consumido; Proibido consumir carne de porco, moluscos e frutos
do mar; Só podem ser consumidos peixes com escamas e barbatanas; Produtos a base de uva só devem
ser consumidos se forem produzidos por um judeu; Proibida a ingestão de insetos e vermes; Frutas,
legumes e vegetais devem ser muito bem examinados e lavados antes do consumo, para evitar a ingestão
de insetos ou parasitas que são considerados proibidos para a lei judaica. (Chabad, 2018).

56
adesão voluntária à restrição de determinados alimentos durante as quaresmas e outros
períodos de carácter religioso semelhante.

De igual modo, desde a época Santo Agostinho (354-430) e Santo Anselmo (1033-
1109) que os crentes católicos entendem o sacrifício como uma forma de expiação de
transgressões religiosas cometidas como uma forma de pagar um pecado, ou um ritual
para redimir-se do erro cometido. Ao cristão cabe o arrependimento, a confissão e o
sacrifício para reparar os pecados cometidos. Todavia jamais alcançarão o nível de
sacrifício realizado por Jesus Cristo. Um dos principais fundamentos da igreja é a crença
que Jesus entregou-se para “compensar e redimir” os nossos pecados, sacrificou-se em
nosso lugar, de modo a satisfazer Deus. A reparação dos danos a Deus não seria
realizada por seres humanos, mas apenas por seres divinos que se encontram num nível
que pode ser entendido como proporcional ao de Deus (Oliva, 2004).

Podemos observar noutras religiões de origem africana o ritual de sacrifício de


animais como, por exemplo, o Candomblé. Neste ritual, diferente do judaico, o animal
sacrificado é usado de dois modos: as suas vísceras são oferecidas ao fiel, o “santo” que
encarna o espírito e que atua quando se alimenta destas, ou o animal após a morte
“leva” consigo as doenças, as dores, e as enfermidades de quem o oferece à divindade.

Retomando o enredo da “Lenda do Boi Bumba” chamamos a atenção de que o


boi é morto a pedido da escrava Catitina, que se encontrando grávida tem o desejo de
comer a língua do animal. Na altura do Brasil colonial entre os populares acreditava-se
que o desejo não atendido de uma grávida traria deformidades ao feto. Para o Pai
Francisco este problema seria solucionado se arriscasse a sua própria liberdade,
sacrificando-se a si próprio ao matar o boi para satisfazer o desejo da sua mulher em
virtude da saúde do seu filho. Nesse sentido, podemos afirmar que o Pai Francisco se
sacrifica pelo filho decidindo-se a enfrentar todas as consequências por causa dele,
inclusive a perda de liberdade ou morte. O escravo assume o dever para com a sua
descendência, renunciando à sua boa fama e liberdade.

57
Fig. 15 – Capa da banda desenhada “Catirina & Pai Francisco” de Beto Nicácio, 2016.

Num sentido mais restrito o sacrifício pode ser entendido como a ação de tornar
sagrado alguma coisa ou alguém. Este ato é um sinal de abandono aos vínculos
terrestres por amor a um espírito ou divindade como, por exemplo, a imolação do filho
de Isac no contexto da religião cristã (Chevalier & Gheerbrant, 1982, pp. 580-581). A
pedido de Deus Abraão sacrifica a vida do filho mais amado como prova da sua
obediência e valoração de Deus acima de tudo. Também na “Lenda do Boi Bumba” o boi
é sacrificado como prova de amor ao filho que se encontra ainda no ventre da mãe. O
sacrifício do filho Isac por Abraão deve-se à sua adoração a Deus, enquanto na lenda do
Boi Bumba o Pai Francisco dedica o sacrifício do Boi ao seu filho amado.

À cena do sacrifício realizado pelo Pai Francisco para preservar a vida do seu filho,
segue-se uma segunda apoteose pagã levada a cabo pelo pajé. uma vez que o padre
católico tentou sem sucesso ressuscitar o animal. Através do fracasso do padre e do
sucesso do pajé em reanimar o boi, os populares revelam a insatisfação em relação ao
doutrinamento jesuítico realizado desde os tempos que remontam à criação do Brasil.
Na cultura cristã católica Deus ressuscita Jesus, na lenda é o índio quem opera a
ressurreição do boi. A entrada da autoridade indígena na figura do pajé que consegue
com sucesso ressuscitar o boi, vai de encontro aos valores da população que resulta da
fusão entre brancos e nativos. O pajé representa um modo de entender o mundo que é
condenado pelo europeu, mas que no entanto é sonhado e idealizado pelo povo mestiço

58
brasileiro. Para o índio a vida é uma fruição tranquila da existência, num mundo
dadivoso e numa sociedade organizada. Os seus corpos servem para os rituais festivos,
dedicando-se aos afetos do amor, os seus olhos para buscar a beleza, e as suas bocas
para desfrutar todo e qualquer sabor. Os índios não reconhecem a narrativa da culpa
presente no pecado de Adão e Eva, bem como não trocam sacrificios com Deus, nem
produzem pecados que possam ser levados e lavados pelo sacrifício de galinhas. Não
acumulam e não deixam nada de herança já que acreditam que a terra os sustém
(Ribeiro, 1995, pp. 42-47). Para o antropólogo Darcy Ribeiro, a mentalidade indígena
opõe-se à europeia. De acordo com este autor:

Já para os europeus a vida lhes parece uma tarefa, uma sofrida obrigação, que a todos
o trabalho lhe é condenado naturalmente. A tudo é subordinado ao lucro, são por vezes
comumente levados pela vaidade, ostentação, acumulo, luxo ao sucessivo mando e
obediências entre eles (Ribeiro, 1995, p. 45).

A “Lenda do Boi Bumba” revela os valores do povo e a sua indignação, de um


modo lúdico, sobre a História e a organização social brasileiras. Principalmente reclama
respeito e aceitação dos seus valores, quando em cada ano que passa, desde tempos
longínquos, sai às ruas para exibir e celebrar a estória do “boi”.

2.2. A lenda como mito.

Conhecemos a lenda do “Boi Bumba” pela primeira vez no papel de jovens


ouvintes. Esta estória encontra-se publicada em diferentes versões destinadas ao
público infanto-juvenil e a sua lenda serve de base ao festival da cidade de Parintins no
Amazonas. Ao nível popular é designada de lenda, ou conto, e no foro académico é por
vezes estudada como mito por pensadores como, por exemplo, a antropóloga e doutora
brasileira Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

A autora defende que a essência do mito não se encontra nem no estilo, nem no
modo de narração, mas na própria estória que é relatada. No “Boi Bumba” o drama
social resulta da quebra de uma regra social e as personagens buscam a sua reparação
ou reintegração. Ao contrário da fábula que apresenta questões de ambivalência o mito

59
expressa a precariedade da ordem social. De igual modo, Cavalcanti partilha a mesma
ideia que Letícia Cardoso advoga no seu artigo “Processos de construção do imaginário
no bumba-meu-boi do Maranhão” no qual afirma que “o mito é um sistema dinâmico
de símbolos e arquétipos a compor-se em narrativa” (Cardoso apud Cavalcanti, 2015, p.
114).

No final da narrativa, após os momentos dramáticos associados à morte do boi,


o animal ressuscita através do rito e, com ele, o drama mítico abre-se para novos códigos
de sentido. À morte sucede a ressurreição, começando novamente o ciclo da vida e da
morte. Somente assim é possível o ritual repetir-se ano aós ano. Joseph Campbell
advoga o mesmo significado para o mito e refere no livro “O poder do mito” que “O
ritual é o cumprimento de um mito. Ao participar de um ritual você participa de um
mito” (Campbell, 2014, p. 95). Por conseguinte, podemos analisar a estória do “Boi
Bumba” como um mito na medida em que o ritual é transmitido de geração em geração,
de pais para filhos, e a mensagem chega a todas as pessoas, tanto às que participam
directa e activamente na realização do rito como às de fora, o público que assiste às
festividades. Recorrendo por outro lado a uma perspectiva sociológica, podemos
entender este ritual festivo como uma crítica do povo à ordem social em um país em
busca de valores de cidadania que respeitem e incluam todas as pessoas
independemente da sua raça, credo, género ou origem. Por outras palavras, a
apresentação anual repetitiva da lenda do “Boi Bumba”, ao mesmo tempo que traz para
o presente um passado imaginado marcado fortemente pela sua diferença com os dias
de hoje. Nesse sentido, o tempo presente é devir diante de um passado que é sempre o
mesmo. Desse modo, tanto o mito do “Minotauro” transmitido através da literatura,
como o do “Boi Bumba” através das festas populares, assumem a mesma função,
constituindo formas de abertura, janelas para o pensamento em busca de compreender,
rever o passado e refletir sobre os fatos da vida presente, aspectos que encontramos
também no mito.

O “Bumba” que é encenado em ambiente de festa não resulta apenas de uma


busca de conciliação, mas revela também a preocupação em dar visibilidade a formas
veladas da competição social (Cavalcanti, 2006, pp. 17-19).

60
Entendemos que os estudos pós-coloniais e decoloniais são importantes para um
entendimento mais profundo da estória do “Boi Bumba”. Esta narrativa que se
apresenta sob ricas e fantásticas formas, indumentárias e ações performáticas, contém
elementos diversos que apontam para um passado anterior ao período da abolição dos
escravos no Brasil. Nesse sentido, a estória denuncia relações de poder entre os agentes
da igreja católica, latifundiários, escravos, mulheres e o pajé.

2.3. A lenda como um lugar de fala, sobrevivência e resistência.

As festividades em torno da lenda do “Boi Bumba” atrai milhares de pessoas de


fora e de dentro do Brasil, em particular à região norte e nordeste onde se reúnem
centenas de grupos que representam o “Boi”. A formação dos grupos resulta de
iniciativas de diferentes comunidades que provocam a aglutinação de homens e
mulheres de todas as idades. Todos os grupos são dirigidos por um mestre que é a
pessoa que conhece a lenda, e entende o ritmo da toada que deve ser tocada durante a
encenação. O mestre de modo geral é o maestro e coordenador de toda a acção levada
a cabo pelos participantes. É ele que ensina o modo de representar o animal, o seu
movimento, expressões, percursos e a queda do bicho. De igual modo, cabe ao mestre
indicar as indumentárias bem como as falas, entradas e saídas do Pai Francisco, Catirina,
fazendeiro, índio e padre. No entanto, o mestre apenas dá indicações e sugere, mas não
dirige autoritariamente o brincante. Essa orientação não hierarquizada e assente no
pressuposto do respeito e aceitação da autonomia dos participantes, permite uma
liberdade de criação performática e improviso que agrada aos brincantes. Nesse
sentido, o modo de dirigir do mestre de “Boi” respeita o potencial intelectual e artístico
do “ator”. Sobretudo, atribui a responsabilidade da atuação ao participante que, desse
modo, o eleva do grau de participante a artífice e dono do poder de “fala” no ato da sua
representação. O brincante é capacitado ao tornar-se ao mesmo tempo encenador e
protagonista do ato representado. Nesta manifestação artística cada qual é
responsabilizado pelos seus actos, o cidadão atua como autor principal do que
transcreve no espaço da cena através de seu corpo. Por conseguinte, através da
encenação desta narrativa centenária ao trabalhador assalariado como, por exemplo,
um cortador de cana, é dada a oportunidade de denunciar e questionar a ordem social.
61
No entanto, o representante do “Boi Bumba”, o protagonista principal da trama, surge
envergando a indumentária pesada da carcaça do animal.

As diferentes instituições ligadas à defesa e desenvolvimento da cultura no


estado do Maranhão perante o fenómeno da multiplicação dos grupos que representam
“O Boi”, atentos ao protagonismo social destas festividades, promoveram o “Encontro
de Miolo de Boi”. Após a ciclo festivo do “Boi Bumba” na cidade de São Luíz é realizada
anualmente uma exposição e encontros e debates para troca de informações entre os
artistas que dançam dentro dos bois, popularmente chamados de tripa, miolo ou alma
do boi (G1, 2013).

Em 2019 a cidade reuniu 200 grupos que se encontram registados apenas no


estado do Maranhão. O encontro é acompanhado de feira de comidas, bebidas e
danças. Assim como “Boi de Parintins” o “Encontro de Miolo de Boi” faz parte do
calendário turístico, trazendo muitos lucros a hotéis, músicos, restaurantes e ao
comércio formal e informal, sendo um dos propósitos do encontro perpetuar a tradição.
Neste período festivo crianças, meninos e meninas são ensinados a dançar, bailar, e
imitar a movimentação do animal. As demonstrações dos mais experientes atraem a
atenção do público formado pelos residentes locais e turistas estrangeiros (O Estado,
2019). Generosa e gratuitamente “os miolos” ensinam os movimentos do animal aos
interessados que muitas vezes já possuem a indumentária do “Boi” já pronta, rica em
bordados de lantejoulas exuberantes, motivos cristãos, flores e adornos coloridos (Fig.
16).

Fig. 16 – Governo do Maranhão. Fotografia de menino durante a “Festa de São João de Todos
do Maranhão”, 2016.

62
A sobrevivência do mito é garantida pela entrada anual de novos participantes
no evento “Encontro de Miolos” promovido pelo poder público. Neste período o público
e a imprensa têm a oportunidade de ver o rosto do brincante que domina a encenação
da personagem do boi. O cidadão torna-se responsável e agente ativo em defesa da
liberdade que é o cerne da mensagem da estória do boi. Ao longo do evento,
trabalhadores rurais no seu papel de “almas de boi” dão entrevistas à TV e à rádio,
falando do seu ofício a jornalistas de todas as partes do Brasil (O Estado, 2019).

No entanto, é importante salientar que todas estas conquistas não foram ganhas
de um momento para outro. O “Encontro de Miolos” surgiu e acontece atualmente sem
muitos sacrifícios, como fruto e resultado de décadas de luta e esforço voluntário de
agentes sociais como, por exemplo, académicos, folcloristas e sociólogos que no
passado foram aos poucos dando valor e poder legal às manifestações do povo. Um dos
pensadores que contribui através das suas análises e pesquisas para que hoje posssamos
ter eventos onde as comunidades são as protagonistas foi o filósofo francês Michel
Foucault (1926-1984). Este autor, esteve pelo menos duas vezes ao Brasil (Jornal USP,
2018) e durante o período em que esteve na Universidade de São Paulo defendeu que
o conceito de porta-voz enquanto representante de comunidades poderia ir contra os
direitos das pessoas. Na sua opinião, as comunidades, tribos, povoados e grupos sociais
não deveriam possuir porta-vozes, defendendo que cada agente reivindicador deveria
falar por si, assumindo as responsabilidades pelo que acredita e reivindica (Foucault,
1999, pp. 107-108). Um dos seus seguidores na época, o sociólogo Luís Fernando
Cardoso, que mais tarde foi eleito presidente da república do Brasil, contribuiu
grandemente para o terminar da censura em relação às manifestações folclóricas e deu
início ao processo de reconhecimento como profissão e direito de aposentadoria aos
mestres dos ofícios de cultura popular.

O intelectual francês também é conhecido pelo seu interesse na narrativa


contida em fábulas e mitos. Na década de 1960 recorria a fábulas para explicar a fala de
resistências dos povos europeus oprimidos pelos germânicos (Foucault, 1999, p. 147).

Na nosssa opinião, no continente sul-americano a opressão não veio a cavalo,


veio a navio. Foram mais de duzentos anos de período colonial que influenciaram
profundamente a nação e a identidade do povo brasileiro, deixando rastos marcantes

63
até aos dias de hoje. Para compreendermos melhor este processo de colonização que
contextualiza e situa o nosso objeto de estudo, recorremos ao conceito de colonização
referido no livro “As Malhas que os impérios tecem” de Manuel Sanches. Para esta
autora:

A colonização caracteriza-se na relação escravocrata onde o número dos opressores, os


dominantes, é quantitativamente inferior à quantidade de seres humanos explorados.
Além disso, esta minoria activa e deformadora baseia a sua dominação numa
superioridade material incontestável e impõe às civilizações técnicas de extração e
exaustão de corpos e recursos. Num estado de direito artificial estabelecido para seu
benefício, num sistema de legitimação assente em fundamentos mais ou menos raciais
(Sanches, 2011, p. 235).

Na estória “Bumba meu Boi” toda a sociedade brasileira confronta-se com a sua
própría História, fragilidades e problemáticas. Nesse sentido, assistimos na festa aos
confrontos entre a maioria e a minoria, a saber: padre, pajé, escravo e escrava
subordinados a um latifundiário; momentos de tensão entre “fortes” e “fracos”; um
cenário patriarcal, preponderantemente construído por homens38. Em todas a
manifestações do boi as personagens são extremamente claras e de fácil leitura. Caso o
casal se não seja de origem negra, os actores vestem máscaras negras, se o patrão não
é de origem branca usa chapéu de abas largas, o índio é viril e faz gestos de um mago
poderoso. Acreditamos que nos nossos dias, inevitavelmente, a encenação e tudo o que envolve
o “Boi Bumba” não agrada aos grupos de pessoas racistas, defensores da velha ideologia da
pureza racial, do sangue puro, aos movimentos da extrema direita e, principalmente, às pessoas
que defendem a censura, o calar, o acomodar, e o aquietar-se.

38 Segundo o filósofo brasileiro Leandro Karnal a formação do povo brasileiro não aconteceu de
maneira pacífica como facilmente podemos imaginar. Numa palestra exclusiva para o programa de TV
Cultura do Brasil, para o Café Filosófico, fala sobre o tema “A Servidão Voluntária”. A palestra ocorrida na
cidade de Campinas com promoção da CPLF ocorreu no dia 07 de junho de 2016. Karnal adverte sobre as
publicações que desenvolvem teorias sobre a formação do povo brasileiro. O filósofo confere grande
importância em primeiro lugar ao livro de forte e ampla envergadura intelectual, a obra “Casa Grande &
Senzala”, de 1933, do sociólogo Gilberto Freyre, em segundo ao “O Homem Cordial” de 1936 de Sérgio
Buarque de Holanda, em terceiro à obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, de 1942, do historiador
Caio Prado Jr, e, por último, ao livro “Os Donos do Poder Formação do Patronato Político Brasileiro”, de
1958, da autoria de Raimundo Faoro. Leandro Karnal salienta que a servidão pode ser uma maneira
confortável de viver a vida. Em casos de revolta o conflito serve para destronar o escravagista e tomar as
rédeas do próprio destino. Karnal afirma que de acordo com os livros citados, que narram a formação da
nação brasileira, o modo como tudo ocorreu não foi pacífico. As lutas enfrentadas ainda são relativamente
recentes e não cessaram por completo. Nesse sentido, no tempo presente temos ressentimentos antigos
e feridas abertas que custam a sarar (A Servidão Voluntária – Café Filosófico, CPFL, 2016).

64
Capítulo 3 – Representações do “Boi” por artesãos e artistas e o
princípio dos 3R na arte contemporânea.

Fig. 17 – Cid Carvalho, indumentária “Boi Bumba”, 2008-2009, tecido, colagem e aviamentos
diversos, colecção do acervo da Instituição ACasa.

Há cerca de 300 anos surgiu a lenda do “Boi Bumba”. Cada ano que passa esta
lenda mostra-se viva e sempre representada de diversas formas, presente no calendário
festivo de diversas cidades no norte e nordeste do Brasil, representada em forma de
desfile de carnaval, artesãos e estilistas. Cid Carvalho carnavalesco39 nas maiores escolas
de samba da cidade do Rio de Janeiro, ofereceu uma indumentária do “Bumba meu Boi”
ao museu ACasa, com sede em São Paulo (ACasa, 2018) (Fig. 17). Esta organização reúne

39 Significado de carnavalesco: “Indivíduo que concebe o enredo de uma escola de samba,


planeja e executa todos os aspectos que envolvem os seus componentes artísticos e visuais” (Michaelis.
Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa – carnavalesco, 2019).

65
peças dos mais variados géneros e conserva um acervo valioso. A indumentária fez parte
do desfile da Escola de Samba e Agremiação Estácio de Sá do Rio de Janeiro, em 2009.

O boi é tema de literatura de carácter popular, xilogravura e cerâmica. O


ceramista brasileiro Manuel Eudócio (1931-2016), produziu as estatuetas “Mateus e
Catirina” baseando-se na lenda e representando a cena na qual a escrava está grávida
(Fig. 18).

Fig. 18 – Manuel Eudocio, “Francisco e Catirina”, [s.d.], cerâmica policromada, miniatura,


colecção do autor.

66
As peças de Eudócio estão frequentemente em exposição e já foram admiradas
pessoalmente pelo ex-presidente da república Luís Inácio Lula, na presença do Papa
Bento XVI.

Fig. 19 – Denildo Piçanã, fotografia do “Boi Caprichoso” com a “filha do proprietário da fazenda”
demonstrando o seu afecto pelo animal, [s.d.].

Fig. 20 –Bois da raça Angus produzidos pela empresa suíça Schleich (fabricados na China).
Fotografia ed Eliete Santos.

Em praticamente todos os continentes existe uma representação do boi na


cultura popular que é frequentemente conotada com a ideia de força e beleza.

No Perú, assim como no Brasil, o boi do mito fabuloso do campesinato tornou-


se objeto de interesse turístico e económico através das imagens dos Toritos40 (Fig. 21).

40 “Na cidade do Perú é comum encontrar no topo dos telhados pequenas imagens de touros:
Os “Toritos de Pucara”. Estas figuras são provenientes da cidade de Pucara, localizada entre as regiões de
Cusco e Puno. Para os andinos, a dupla de touros serve para proteção, sorte, e prosperidade do lar e das
famílias, sendo considerados símbolos andinos. Antes da presença espanhola no país, os animais adorados
eram a llama, a alpaca, a vicuña. Os espanhóis trouxeram consigo os touros, animais de porte e peso
muito maior que os conhecidos até então. Desses animais extraiu-se alimento, couro, leite e a força para
diversos trabalhos de tração e logo foram adorados pelo povo nativo. São diversas as lendas que envolvem
esses “toritos”. Uma delas diz que em uma época de seca e aridez sem precedentes, um camponês foi

67
Fig. 21 – Walk and Talk. Da esquerda para a direita: Toritos num telhado; Torito pequeno
decorado; Casa produtora do objeto artesanal com venda destinada a turistas; Estátua do Torito
em grande escala na cidade de Pucara, Perú.

3.1. Figurações do boi nas obras do xilogravador Joaquim Borges e de


outros mestres da história de arte.

O nosso trabalho está fortemente alicerçado na herança cultural popular


herdada dos antepassados europeus, indígenas e africanos habitantes do solo brasileiro.
Da fusão destas matrizes surgiram incontáveis imagens que ajudam a narrar as estórias
e lendas. Nestas imagens, fruto do imaginário arcaico e livre dos artistas populares que
trabalham em praticamente todo o território brasileiro, a produção do artista
autodidata José Borges é uma das que mais tem sido referido por críticos de arte e
galeristas internacionais (Fig. 22). Este artista chamou a nossa atenção devido a quatro
aspectos principais, a saber: a preponderância da imagem de bois nas suas obras; o
universo de seres fantásticos em torno do animal; a ausência de traços de sofrimento,
mutilação e sangue do boi; o reconhecimento do seu trabalho artístico pelos críticos de
arte do jornal norte-americano New York Times. Este fato levou-nos a reflectir sobre a
fronteira entre a arte das galerias e a arte do povo, nos conceitos de simples e
sofisticado, erudito e rústico.

pedir chuva ao Deus Pachacamaq, prometendo-lhe em troca oferecer o seu touro. Mas o animal, sentindo
que algo podia acontecer, resistiu em subir ao altar da divindade tendo, no entanto, sido forçado pelo
dono a subir. Chegado ao local, pressionou o seu chifre diversas vezes contra uma rocha “sagrada” e ao
perfurá-la imediatamente começou a jorrar água. Foi tanta água que a comunidade pôde sobreviver, e o
touro foi salvo do ritual de sacrifício, tendo sido considerado mártir” (Tate, 2018).

68
Fig. 22 – J. Borges. De cima para baixo, da esquerda para direita: “Os Boiadeiros”, 48 x 66 cm,
colecção Cestarias Regio; “O sertão e o sol quente”, 44 x 60 cm, colecção de Ana Neri; “O boi
voando”, 33 x 24 cm, colecção J. Brito; “Bumba meu boi”, 21 x 23 cm, coleção Arte Maior Leilões;
“Bumba meu boi”, 47 x 33 cm, colecção Galeria de Gravura; “O casamento do bode”, 60 x 40
cm, colecção Galeria de Gravura; “O forro dos bichos”, 66 x 46 cm, colecção Cestarias Régio;
“Bumba meu boi”, 65 x 50 cm, colecção Arte Maior leilões; “O boi e o pássaro”, 68 x 48 cm,
colecção Munneart.

As xilogravuras José Borges de 83 anos, são compostas por um conjunto amplo


de elementos provenientes da simbologia relativa às armas ou ao que hoje é referido
como estilo armorial. Este armorial surgido quando os europeus se fixaram no sertão do
nordeste brasileiro e lá permaneceram, muitas vezes isolados dos seus pares e tendo
como única companhia os indígenas e a paisagem.

José Borges criou nas suas obras um universo próprio repleto de seres voadores
e outras criaturas fantásticas que convivem com os humanos nos seus afazeres do
cotidiano, produzindo em 50 anos de atividade artística centenas de imagens.
Destacamos abaixo um conjunto de 11 imagens onde estas figuras se encontram
representadas. O artista refere em diversas entrevistas que quando era criança
adormecia ouvindo as estórias contadas pela sua mãe. De igual modo, o seu pai contava-
69
lhe estórias de literatura popular comprada a preço muito baixo em feiras (Rozziane,
[s.d.].

O artista reconhece a importância dessa fase como fundamental para o


desenvolvimento da sua capacidade criadora e imaginativa. Na infância e juventude
Borges ganhava a vida como vendedor de colheres de pau e a fazer biscates na rua. Em
adulto começou a dedicar-se à xilogravura e ilustração dos cordéis41 que escrevia. Na
década de 70 do século passado o escritor Ariano Suassuna levou o artista a palestrar
na Universidade Federal de Pernambuco, no Brasil. A partir dessa data nunca mais parou
de colaborar com universidades e editoras de livros.

Fig. 23 – Entrevista a J. Borges em actividade artística aos 80 anos, pela jornalista Amanda Dantas
(fotograma), Bezerros, Estado de Pernambuco, Brasil, 2016.

O artista, assim como a maioria dos xilogravuristas da região, utiliza madeiras de


pau de louro-canela. Autodidata, produziu seres alados, anjos regionais, danças com
pares formados por pessoas e animais, cantadores, retirantes em romarias, aves,
pássaros, serpentes aladas, diabos e demónios, flores imaginárias, árvores, pedras, luas
e sóis fantásticos. Inúmeras placas de xilogravuras da sua autoria foram exibidas em
mostras de arte internacionais. Reconhecido no meio artístico e académico no Brasil, e
pela Unesco (Rozziane, 2018), o artista refere a presença importante da figura do boi
nas suas obras. Salienta-se que a nossa escolha deste artista como estudo de caso deve-
se à sustentabilidade da sua prática que recorre a poucos recursos materiais, capacidade

41 A literatura de cordel refere-se à “Lit: a) literatura popular, em geral apresentada em livretos


e brochuras de impressão barata, vendidos em feiras, mercados e bancas de jornais, onde ficam expostos
em cordéis; cordel; b) livreto ou outro tipo de material impresso que contém as obras dessa modalidade
de literatura” (Michaelis. Dicionário brasileiro de cultura brasileiro – Literatura, 2018).

70
de síntese, representação de cenários imaginativos e valorização e disseminação das
estórias populares.

O artista não utiliza o dispositivo da perspectiva central ocidental nas suas


imagens caracterizadas por um traço forte em que o desenho é o elemento central da
composição, tal como sucede em algumas dass obras de Pablo Picasso (1881-1973). José
Borges apesar de representar nas suas obras o boi da “Lenda do Boi Bumba” não ilustra
o momento da mutilação, a morte, sangue ou cicatrizes. Os animais que representa
possuem aspectos antropomórficos como, por exemplo, nas faces e nas posturas dos
seus corpos no espaço que evocam as das pessoas. Os animais convivem entre si e com
as pessoas numa relação de amizade e parentesco.

Pablo Picasso, pelo contrário, na série de desenho “Bull”, de 1945 (Fig. 24),
valoriza o corpo do touro através de traços vigorosos que chamam a atenção do
espectador para a força do animal. De igual forma, os touros não apresentam qualquer
característica antropomórfica.

Na pintura “Guernica”, datada de 1937, (Fig. 25) o animal surge com uma
expressão aterradora no cenário caótico da guerra civil espanhola. Na parte inferior da
imagem podemos observar uma arma branca, uma faca que se encontra ela própria
partida simbolizando a violência extrema que o país viveu durante a guerra. O próprio
objeto que oprime e agride encontra-se ferido.

71
Fig. 24 – Pablo Picasso (1881-1973), “Bull”, 1945, litogravuras, 8x (31 x 46.8 cm), colecção Galeria
Christie`s, Reino Unido.

Fig. 25 – Pablo Picasso, “Guernica”, 1937. Óleo s/ tela. 349,3 x 776,6 cm. Museu Nacional Centro
de Arte Reina Sofia, Madrid, Espanha.

72
A pintura de Picasso evoca, de igual modo, a obra “O Boi Abatido”, de 1655, do
pintor holandês Rembrandt (1606 -1669), pela violência da imagem (Fig. 26).

Fig. 26 –Rembrandt van Rijn (1606-1669), “O Boi Abatido”, 1655. Óleo s/ tela. 94 x 69 cm,
colecção Museu do Louvre, França.

Fig. 27 –John Boultbee “Durham OX”, 1804, gravura, 51 x 61 cm, Colecção da família do artista,
EUA.

73
No decorrer da nossa pesquisa sobre a imagem do boi encontrámos inúmeras
referências como, por exemplo, a gravura “Durham OX”, do pintor inglês John Boultbee
(1753-1812) (Fig. 27). As imagens de bois apareciam frequentemente nas feiras do Reino
Unido (Fig. 27). Para finalizar a nossa apresentação de exemplos (Fig. 28-30), que nos
serviu de fonte inspiradora, terminamos com obras de bois por artistas como o holandês
Vicent van Gogh (1853-1890), o inglês John Singer Sargent (1856–1925), o norte-
americano David Goodrich (1962-2014). Destacamos que todas estas imagens são
representantes do enorme potencial simbólico deste animal.

Fig. 28 – Vincent van Gogh (1853-1890), “Cart with Black Ox”, 1884. Pintura a óleo, 60 x 80 cm,
Portland Art Museum, EUA.

Fig. 29 – John Singer Sargent, “Oxen” 1911, aguarela, 40 x 53 cm. Colecção da Tate Gallery, Reino
Unido.

74
Fig. 30 – David Goodrich (1962-2014), “White Buffalo” [s/d], acrílico s/tela, 18 x 17 cm, colecção
da Galeria Saatchiart, EUA.

Ao longo deste sub-capítulo, onde realizámos uma análise de algumas


representações do boi, sobretudo na cultura popular, pudemos concluir que estas
revelam um sentimento de afeto entre as pessoas e os animais. De igual modo, na nossa
opinião, o conjunto de leis de Defesa dos Direitos dos Animais, a censura das touradas
e as novas Leis de defesa dos recursos naturais e dos animais domésticos (Singer,1990),
influenciam fortemente os artistas brasileiros. Nesse sentido, o animal surge nas
representações como um ser humanizado. Mesmo numa posição de inferioridade pela
sua natureza animal irracional, indefeso como uma criança o boi nas xilogravuras de José
Borges é representado numa posição de igualdade e fraternidade em relação às pessoas.
Animais de patas dançam aos pares, casam-se e o bode é o padre da cerimónia. Será
uma brincadeira? Uma crítica? Ou as duas simultaneamente, escondidas numa imagem
que aparenta ser infantil e inocente? Ou serão almas encarnadas nos animais como
crêem os indígenas?

De igual modo, o trabalho do artista também é “fala,” resistência e ação política


ao dar visibilidade e voz ao imaginário e vivências do povo brasileiro. Através da sua arte
vai expressando, de um modo simbólico, questões relativas à justiça social que lhe
marcou a infância e lhe foi negada durante muito tempo.

75
Numa das entrevistas realizadas pelo jornal Estadão, José Borges refere: “Faço
xilogravura e as vendo a preço baixo. Preço único, tudo igual, assim tanto catador
quanto doutor compram o mesmo” (Estadão, 2002).

3.2. O Festival de Parintins: encenações populares da “Lenda do Boi


Bumba”.

Ao longo da nossa dissertação pudemos analisar a existência de manifestações


artísticas do “Boi Bumba” em diferentes formas e regiões do Brasil, no entanto,
podemos afirmar, que a maior manifestação da lenda do “Boi Bumba” acontece em
Parintins no estado do Amazonas. O festival folclórico de Parintins, que ocorre ao longo
de todo o mês de junho, reúne cerca de 100 mil visitantes, ainda que localizado a 420
Km da capital de Manaus. O festival revive a lenda sobretudo através de dois grupos, o
Caprichoso e o Garantido, cada qual com as suas respectivas cores, o azul e vermelho. A
rivalidade entre estes grupos atrai milhares de pessoas e a TV regional. A exploração da
imagem da manifestação por parte dos políticos da região é devida ao seu grande
interesse comercial para toda a região do Amazonas.

Na actualidade a festa já atravessou as fronteiras do país e alcançou a Europa. A


cantora brasileira com forte aceitação em Portugal, Fafá de Belém levou a música do boi
Garantido42 aos adeptos do Benfica. Durante anos a música que enaltece a cor vermelha
foi considerada o segundo hino do clube (Discogs, [s/d]). A análise da letra da música
cantada por brasileiros e portugueses não possui qualquer traço da trama trágica
presente na lenda original. Quem desconhece a lenda do Boi Bumba continua sem a
conhecer nesta música para consumo das massas. Seguidamente, analisaremos com

42 Letra da música “Vermelho”, do compositor Chico da Silva: “A cor do meu batuque, tem o
toque, tem o som da minha voz, vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão. O velho
comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor, o brilho do meu canto tem o tom e a expressão
da minha cor. Vermelho! A cor do meu batuque tem o toque, tem o som da minha voz vermelho,
vermelhaço vermelhusco, vermelhante, vermelhão. O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do
meu amor. O brilho do meu canto tem o tom e a expressão da minha cor. Meu coração! Meu coração é
vermelho. Hei! Hei! Hei! De vermelho vive o coração. He Ho! He Ho! Tudo é garantido após a rosa
vermelhar, tudo é garantido, após o sol vermelhecer. Vermelhou o curral, a ideologia do folclore
avermelhou! Vermelhou a paixão, o fogo de artifício da vitória vermelhou. Vermelhou o curral, a ideologia
do folclore avermelhou! Vermelhou a paixão o fogo de artifício da vitória vermelhou” (Letras, [s/d]).

76
maior pormenor o processo de apropriação contemporânea do “boi” na sociedade leo-
liberal, e as suas consequências.

3.3. A apropriação da lenda por corporações neo-liberais.

No presente tempo, no início do século XXI no Brasil, estamos imersos no sistema


capitalista, mais especificamente no neoliberalismo que determina as regras de
funcionamento social de um modo rígido não oferecendo possibilidades de melhoria de
vida à população mais desfavorecida. O neoliberalismo no Brasil mostra a sua força e
poder nas estradas federais privatizadas, aeroportos, setor de extração de minério,
setor de serviços, área artística, entre outras empresas. As grandes corporações
assumem a linha de frente no sector da indústria alimentar, deixando as pequenas
empresas sem capacidade para suportar os impostos. O povo brasileiro vive
praticamente sem qualquer incentivo financeiro a juros justos encontrando-se em posse
da classe média e alta todo o setor empreendedor constituído por empresas
financeiramente robustas. Esta situação perpetua e instiga cada vez mais as lutas entre
classes produzindo um ambiente selvagem de luta e esforços inúteis na absorção e
extinção de muitos mercados e de bens de consumo. O que se passa com a indústria
cultural não é muito diferente. A cultural local encontra-se fragilizada ainda que
composta por milhares de populares com boas intenções, não sendo preservada da
força de apropriação das empresas multinacionais interessadas apenas no utilitarismo,
lucro e expansão da produção. Nesse sentido, foi inevitável o tomar posse da lenda pelas
empresas e meios de comunicação social como, por exemplo, a apropriação do “Boi
Bumba” pela “Coca-Cola Company”, multinacional que patrocina a festa há 24 anos.

A festa de Parintins nascida em 1913 no meio rural empobrecido foi


progressivamente juntando pessoas e ganhando visibilidade. Em 1965 as instalações das
associações passaram de um terreiro a céu aberto para um estádio fechado e bem
equipado para as suas apresentações, o Bumbódromo, recentemente remodelado e que
possui capacidade para albergar 17 mil pessoas. Cada associação tem o direito de
colocar gratuitamente no local 3.500 pessoas. Os grupos de público brincante colocam-
se uns à frente dos outros e no centro da gigantesca arena é encenado o “Boi”. De

77
acordo com as regras do festival, cada grupo é obrigado e permanecer parado e calmo
no momento de apresentação ao público da outra equipa. São três noites de
apresentações de três horas e meia cada. Cada jurado especialista na área do folclore,
avalia e pontua a dança e festividade carnavalesca de acordo com 21 parâmetros. A
lenda é narrada através de cenas que possuem uma forte carga emocional, dezenas de
personagens indígenas e alegorias de 30 metros de altura. Os figurinos encontram-se
repletos de penas naturais e muitos chegam a pesar cerca de 15 quilos (Fig. 31).

Fig. 31 – Filipe Morato Gomes. À esquerda: pormenor de um figurino luxuoso, local, 2017. À
direita: Boi Garantido mostrando ao fundo cartazes de divulgação do serviço público de
Correios, local, 2017.

Antes de começar a festividade uma bandeira de 200 metros com o logótipo da


Coca-Cola atravessa e desliza por cima doss grupos Caprichoso e Garantido (Coca-Cola,
2018). O início da festividade começa dentro do estádio, mas também é transmitido
para fora deste em telas gigantes, acompanhado em directo pela TV regional e Web. No
entanto, a festa estende-se para além da sua ocorrência no estádio. No período que
antecede e sucede a festa do “Boi” são espalhados pela cidade palcos onde cantores
locais e da capital realizam espectáculos. O repertório é, no entanto, bem diferente da
entoação e do ritmo folclórico, na medida em que tocam funk, música norte-americana
e ritmos de gosto duvidoso.

Em Parintins as diferenças económicas e sociais encontram-se bastante


demarcadas. O festival dentro do estádio concentra a população de classe média e os
atores, dançarinas, brincantes e músicos são luxuosamente bem vestidos.
contrariamente ao que sucede com os grupos de boi do nordeste e norte do Brasil cujos
brincantes improvisam figurinos, máscaras, instrumentos e toda a indumentária
necessaria para a encenação. Um exemplo desta maneira modesta de realizar a

78
festividade é o “Boi do Morro do Querosene” que ocorre na perifeiria de São Paulo.
Seguidamente, analisaremos como a rivalidade entre os bois Caprichoso e Garantido e
a participação em massa de populares foi primordial para a apropriação da festividade
pelas grandes empresas com o objectivo de venderem produtos alimentares e bebidas.

Em meados do início de década de 1990, os vendedores de Coca-Cola


constataram a diminuição da venda da bebida no contexto das festividades. Uma vez
que se trata de bebidas vendidas em latas vermelhas estas não eram consumidas pelos
defensores do Boi Caprichoso, cujo símbolo era o azul. Por conseguinte, a empresa
investiu na produção de latas com imagens do boi e com uma cor diferenciada para cada
grupo, resolvendo desse modo o problema da falta de vendas (Fi. 32).

Fig. 32 – No Amazonas é assim. À esquerda: Latas do refrigerante Guaraná da Companhia Coca


Cola Company produzido exclusivamente para a data festiva das festas do Bumba Meu Boi em
Parintins, 2013. À direita: garrafas de coca-cola com a imagem do boi, 2013.

Nos estudos das latas vimos, tal como em outras representações do boi, a
ausência da mutilação ou qualquer traço da morte que dá sentido à lenda. Para a
indústria não é importante o papel que o animal exerce no mito. No refrigerante ele
surge apenas como uma imagem adornada por plantas e fogo de artifício.

Em 2007, a indústria suiça Nestlé inspirou-se no cinema de animação para criar


imagens que obedecem à mesma lógica que as da Coca-cola nas latas de leite em pó da
sua marca (Fig. 33).

79
Fig. 33 – Exame. Da esquerda para a direita: Cartaz produzido “Viva o lado Coca-cola dos
bumbás”, lata do refrigerante, latas do leite em pós destinado à alimentação das crianças
produzida pela empresa Suíça Nestlé, 2013.

Fig. 34 – Flavio Emanuel. A arena da encenação do Boi Caprichoso. Ao fundo e à esquerda


podemos observar a faixa promocional do refrigerante Coca-cola com um foco de luz
direcionado para esta, 2013.

Podemos observar que tanto numa quanto noutra empresa a representação do


boi foi reduzida a um recorte finito colorido, alegre e estéril. De igual modo, na nossa
opinião é de lamentar não existir qualquer indicação nas páginas da internet de ambas
as corporações, relativamente a qualquer retorno de parte do lucro da venda dos
produtos às comunidades brasileiras de populares que perpetuam e preservam a lenda
do “Boi Bumba”.

Em 2017 o governo destinou R$ 2,25 milhões de reais para a realização das


festividades quando podia destinar até R$ 8,2 milhões de reais. A pesquisa que
realizámos constatou no evento a presença abundante de políticos, senadores e
vereadores da região do Amazonas.

Na ocasião da festa do “Boi Bumba” que é identificada como um evento popular,


constatamos que a maior parte dos populares não entra no estádio permanecendo a

80
maioria no seu exterior, nas ruas. De igual modo, esta exclusão dos populares sucede
com os jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, ambos os eventos são referidos
como sendo “para todos” e “populares”, no entanto, são as pessoas das classes média
alta e alta que usufruem do evento, uma vez que são elas que conseguem estar no
interior dos estádios.

3.4. Vik Muniz e o sistema 3 Rs

No nosso convívio diário com o neo-liberalismo, na pós-modernidade, num


mundo em constantes mudanças e imerso em gigantescos problemas de ordem
ambiental, interessou-nos os conceitos presentes no processo de trabalho desenvolvido
pelo publicitário e artista plástico brasileiro Vik Muniz. Muniz utiliza a colagem,
revelando ao público com grande desenvoltura o seu processo de trabalho e
disseminando pelas galerias renomadas de arte contemporânea o sistema 3 Rs de
Redução, Reutilização e Reciclagem de resíduos.

O artista Vicente José de Oliveira Muniz nasceu em São Paulo, em 1961, e é


considerado hoje como sendo um dos maiores artistas plásticos brasileiros em
atividade. O artista teve uma infância pobre e vivia na periferia da grande capital.
Quando era jovem já se interessava por arte e estudou publicidade na Universidade
FAAP Fundação Armando Álvares, onde a maioria dos alunos usufrui de um elevado
padrão de vida. Terminado o curso mudou-se para os Estados Unidos onde trabalhou
como organizador de carrinhos de compra num supermercado. Na década de 1990
começou a fotografar temas e materiais incomuns como imagens feitas com “ketchup”,
açúcar e pimenta (EscritorioDeArte, 2018).

Estes trabalhos fotográficos foram muito bem acolhidos pelo público norte-
americano, tendo sido convidado para participar em exposições pelas mais bem
frequentadas galerias dos Estados Unidos da América. De igual modo, alcançou grande
visibilidade quando se apropriou de imagens da cultura pop e de mestres da pintura e
de artistas modernistas como Vicent Van Gogh cujas composições reconstrói recorrendo
a materiais banais como, por exemplo, minúsculos pedaços de plástico, um material
abundante na sociedade dos nossos dias (Ultrabookexperience, 2012). Muniz refaz a

81
imagem noutra escala com o auxílio de assistentes e fotografa-a ou digitaliza-a, editando
e imprimindo a imagem que numa última etapa do seu trabalho é colocada em grandes
molduras. O artista ganhou grande visibilidade em 2010 com a exibição do
documentário premiado intitulado “Lixo Extraordinário”. Neste filme o artista apresenta
três aspectos do seu trabalho que dialogam entre si, a saber: o problema do excesso de
lixo gerado pelas populações; a possibilidade de produzir uma peça de arte com o
material rejeitado, e; a inclusão na sua equipa de produção artística de pessoas sem
formação académica.

O filme documental “Lixo Extraordinário” do realizador Angus Aynsley43 (2010)


(Martí, 2011), inspirou-nos grandemente na feitura do nosso trabalho artístico. O
documentário revela o ponto de vista do artista em relação à montanha de lixo do maior
aterro sanitário do mundo, o Aterro do Gramacho no Rio de Janeiro. Muniz vê nas
montanhas de lixo material para utilizar na composição das suas obras desenvolvendo-
se o seu trabalho por etapas: observação, separação grosseira realizada por catadores,
separação por cor de cada material previamente separado por natureza – plásticos,
ferros, papéis, brinquedos, entre outros – e por fim a separação por tamanho. Após a
higienização do material recolhido o artista começa a trabalhar com a equipa de
assistentes técnicos que produz no chão do seu estúdio um desenho de enormes
dimensões. Seguidamente o desenho é projetado e preenchido por pequenos pedaços
unidos e amontoados com a finalidade de ocupar todos os espaços vazios da imagem. O
artista aplica a técnica clássica de utilização de tons mais claras no primeiro plano da
imagem, cores escuras para o fundo e o sombreado com os diferentes graus de cinza.
Os pedaços de plástico castanhos, e os pneus de borracha preta escurecem a imagem.
As latas e os copos em tons suaves formam as vestes da pessoa representada. É de
salientar que o material depois de fotografado segue o ciclo de reciclagem. Mais tarde
o artista mudou de tema, mas continuou a utilizar o mesmo processo de trabalho. No
quadro “Minotauro”, realizado pelo artista em 2004 (Fig. 35), podemos observar o

43
Filme produzido em 2010 pela O2 Filmes e Countdown To Zero Filmes, com direção de Lucy
Walker.

82
resultado so seu processo de trabalho que procurámos aplicar no nosso trabalho
prático.

Fig. 35 – Vik Muniz, “Minotauro”, 2004, fotografia (impressão cromogénica), 122,50 x 101,60
cm, colecção da Galeria Mutual Art, Reino Unido.

Podemos identificar, a grosso modo, as diferentes etapas do processo criativo do


artista (Figs. 36-39):

a) Organização e coordenação da equipa de apoio técnico composta por


produtores e auxiliares de estúdio;

b) Contratação da equipa que realiza a recolha do material;

c) Instalação dos andaimes e projeção das imagens no chão do estúdio;

d) Preenchimento da projeção com o material coletado;

e) Registo fotográfico da obra;

f) edição da imagem;

g) Impressão e emoldurar da obra;

h) Desmontagem dos equipamentos e entrega dos materiais para reciclagem;

83
i) Contato com galerias, empresas de divulgação e publicidade na área de arte e
do entretenimento;

j) Montagem e inauguração da mostra das obras com sessão destinada a


jornalistas e meios de comunicação social em geral.

Fig. 36 – Vik Muniz. Da esquerda para a direita: mesa do artista em formato em L na qual se
encontram diversos livros e revistas de arte. Ao centro o artista folheia livros. Seguidamente,
apresentamos um pormenor das mãos da assistente que rasga as imagens que irão preencher a
composição do autor.

Fig. 37 – Vik Muniz. À esquerda pormenor dos pequenos pedaços de papel colados ao suporte.
Ao centro a impressão em pé e na mesa a obra original feito com pedaços de papel. À direita o
artista apresenta uma das suas imagens preferidas.

Fig. 38 – Vik Muniz. À esquerda: uma reprodução feita no seu atelier. A impressão serve para
que possa verificar a disposição dos pedaços colados. Ao centro: pormenor do quadro da
colagem original, designado “Noite Estrelada”, de 2012, realizada com base na obra de Van
Gogh, 177.8 x 223.5 cm. À direita: fotografia do artista com a sua familia durante a inauguração
da exposição “Imaginária” 2018, Fundação Casa Santa Inês, Gávea, Rio de Janeiro. O exemplar à
venda na exposição é uma cópia ampliada do original que foi produzido sobre a mesa do seu
atelier. Na mostra foram expostas 14 obras de temática religiosa.

84
Fig. 39 – Vik Muniz. À esquerda: Processo de captura fotográfica da imagem composta com
elementos diversos. À direita: Exposição do quadro “Nossa Senhora das Graças” na Casa Daros,
no Rio de Janeiro, em 2016.

O jornal web Daily Sabah refere que Vik Muniz e os seus colaboradores levam
entre duas a seis semanas a criarem o registo final inspirado na pintura “Noite
Estrelada”, de Van Gogh, podendo ser designadas construções “topográficas” (Daily
Sabah, 2018). De acordo com o artista, as imagens são meticulosamente compostas
sobre papel colorido, recorrendo à sobreposição de várias camadas de materiais de
acordo com uma divisão cromática feita com o auxílio de um programa de computador.
Depois de prontas em escala do tamanho de uma folha de papel superior ao A4, são
digitalizadas com a ajuda de um aparelho que produz imagens de altíssima definição e
são, finalmente, impressas nos tamanhos enormes que as conhecemos. Posteriormente
a 2016 o artista começou a criar em obras de pequena dimensão produzidas no seu
estúdio. As estapas do seu trabalho encontram-se identificadas nas imagens abaixo.

No decorrer da nossa pesquisa analisámos o processo de trabalho do artista Vik


Muniz tendo observado a mudança de processos do artista que passou da utilização do
lixo como garrafas plásticas, chinelos e parafusos para o papel através de vídeos
publicados na Web. Na execução destes trabalhos, o artista não recorre à tesoura ou a
qualquer instrumento cortante, rasgando com os dedos as páginas de revista e catálogos
de exposição de arte, de modo a obter pequenos pedaços de papel. Na fase seguinte
rearranja-os juntando-os lado a lado ou sobrepondo-os. Atualmente realiza imagens de
santas e santos provenientes da memória coletiva. No nosso trabalho, tal como ao
artista, interessou-nos chamar a atenção do espectador para a reciclagem. No nosso

85
caso em específico, para a reciclagem de folhetos publicitários recolhidos em
supermercados, e para a espiritualidade e simbologia das nossas colagens, figuras para
compor novas imagens herdadeiras da sabedoria e cultura populares.

3.5. Raimundo Rodriguez e o novo paradigma da reciclagem.

O artista brasileiro Raimundo Rodriguez é um autodidata, cenógrafo e diretor de


arte de minisséries e novelas produzidas e exibidas pela Rede Globo de TV transmitidas
para países na Europa, América Latina e Ásia (Gesomino, [s/d]). O artista habitualmente
não compra a matéria prima que usa na produção das suas obras. Retira do lixo,
arrecada de colaboradores e aproveita de colaboradores restos de obras os materiais
que utiliza. Vive entre o trabalho no atelier e as aulas gratuitas para a comunidade na
sua oficina batizada de “Imaginário Periférico” e a preparação de exposições que lhe são
encomendadas.

Rodriguez nasceu e cresceu numa cidade pobre e pequena no Estado do Ceará


no ano de 1963. Na adolescência foi para o Rio de Janeiro e segundo a crítica de arte
Renata Gesomino Rodriguez adoptou um estilo que pode ser designado como barroco.
As suas obras são ricas em cores, entre os ocres e os tons castanhos adornados pelo
dourado.

As suas obras evocam o sagrado e as suas primeiras exposições criavam um


ambiente que fazia lembrar o ambiente das grandes igrejas antigas. O artista trabalha
sobretudo com restos de lixo, e associa as suas obras a um forte discurso ecológico e
alerta relativamente ao consumo sem limites dos recursos naturais. O seu estúdio situa-
se num terreno gigantesco (Diadorim, 2014) onde armazena latas, madeira, plásticos e
milhares de objetos provenientes de outros depósitos de objetos antigos de amigos que
tal como ele compreendem a necessidade da reutilização (Fig. 40). O artista refere que
pretende trabalhar com as “sobras do mundo e o seu interesse particular por aquilo
“que não serve mais a ninguém” (Diadorim, 2014).

86
Fig. 40 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: o artista no seu estúdio de trabalho. À direita: Obra
“Pinta”, produzida com tampas de latas de tinta sobrepostas.

Residente no Estado do Rio de Janeiro, na área da periferia, o seu trabalho de


elevada qualidade artesanal foi exibido diversas vezes em produções para a TV.
Destacamos os cavalos e adereços que fizeram parte da minissérie “A Pedra do Reino”
(Medeiros, 2016)44, exibida na TV em 2007 que se encontra atualmente à disposição do

44 “A Pedra do Reino” é uma série de TV que tem como tema central o massacre sebastianista.
No Sertão de Pernambuco (Brasil), a cidade de São José do Belmonte tem como principal atrativo a “Pedra
do Reino”, uma formação rochosa de grandes dimensões, em granito, com o formato de duas torres. A
região onde se localiza foi palco de uma chacina ocorrida entre os dias 14 e 17 de maio de 1838, em que
profetas fanáticos auto-proclamados como herdeiros de D. Sebastião levaram ao suicídio pessoas do povo
local bem como assassinaram outras. D. Sebastião foi proclamado rei aos 14 anos, em 1568 tendo
desaperecido em combate na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, em Marrocos. Inconformado, o povo
português transformou a morte de D. Sebastião num acontecimento simbólico: um dia ele voltaria para
libertar e trazer de volta a felicidade ao seu povo. Segundo o escritor belmontense Ernando Alves de
Carvalho, o messianismo político-religioso de Portugal do século XVI ressurge deturpado e violento no
interior de Pernambuco, três séculos depois (Gaspar, 2009). O fato foi reescrito em formato de ficção no
livro “A Pedra do Reino” do escritor brasileiro Ariano Suassuna (1927-2014), em 1971, e inspirou a
minissérie de cinco capítulos “A Pedra do Reino” estreado na TV em junho de 2007. Produção realizada
na parceria entre profissionais da TV, teatro e populares da região onde foi filmada (Gaspar, 2009).

87
público na Web no canal Youtube, de forma gratuita (Fig. 41).

Os cenários foram realizados com 100% de material proveniente de recolha de detritos.


Na confecção dos cenários o artista assume o impulso místico, religioso aliada ao
processo intelectual resultante de um estudo profundo da obra literária “A Pedra do
Reino” do escritor brasileiro Ariano Suassuna (1927-2014), que narra o impacto da lenda
sebastianista no Brasil do séc. XIX.

Fig. 41 – Raimundo Rodriguez. À esquerda: Cavalos produzidos com materiais de sucata, para os
atores da minissérie de TV “A Pedra do Reino”. À direita: casa em tamanho natural realizada
com latas e materiais diversos para a novela “Meu Pedacinho de Chão” da TV Rede Globo,
exibido em TV gratuita em 2014. Material utilizado: latas e plástico.

Rodriguez confere uma ressignificação poética a objetos que seriam destinados


ao lixo ou à reciclagem. Ao longo de várias décadas de trabalho intenso o artista recorre
a pequenos objetos banais e matéria bruta limpa através de betumes, verniz, e
raspagem, reagrupando-os e unido-os de modo a torná-los em peças e cenários
artísticos. As suas peças servem de cenário a atores profissionais, em filmes que são
projetados para milhares de espectadores de todo o mundo, conseguindo que este tipo

88
de trabalho baseado no princípio dos 3R seja aceite e valorizado por um grande número
de pessoas (Fig. 42).

Fig. 42 – Elizabete Antunez, “RECICLÁVEL”, artigo sobre o artista Raimundo Rodriguez na revista
O Globo, 2007.

Nesse sentido, podemos afirmar que o artista contribui grandemente para


acabar com preconceitos relativamente à utilização de material destinado ao lixo, velho
e usado no âmbito da produção artística contemporânea. Nesse sentido, podemos
afirmar que estamos a assistir nos nossos dias a uma mudança de paradigma para a qual
os artistas contribuem através da sua produção artística.

No nosso trabalho inspirámo-nos no discurso deste artista que revela uma


grande preocupação com a situação atual da nossa sociedade relativamente à poluição.
Hoje, habitamos cidades em que milhares de pessoas são consumidoras de objetos
plásticos, papéis, tecidos e materiais que num muito breve espaço de tempo são
destinados ao lixo. Das toneladas desse lixo gerados por todas as pessoas muito pouco
é reciclado. Este problema que se avoluma a cada ano que passa deveria constituir uma
questão ambiental e social a ser reflectida por todos no sentido de trabalharmos para o
seu solucionamento.

A reciclagem que Rodriguez faz a partir do lixo leva-nos a salientar alguns


aspectos da sua produção artística: aborda o problema do lixo adoptando uma postura
de cidadania activa através da arte que questiona dicotomias como velho “versus” novo,
útil “versus” inútil, ordinário “versus” extraordinário. De modo a realizarmos uma arte
assente em princípios de cidadania responsável e activa preocupada com o bem-estar

89
de todas as pessoas, adotamos na criação das nossas colagens em papel o mesmo
princípio de reciclagem.

90
Capítulo 4 –– Prática artística: colagens inspiradas na “Lenda do
Boi Bumba”.

Começámos a produzir as nossas primeiras colagens no período da infância, nas


horas vagas após o período escolar diário. Por iniciativa própria, de um modo autodidata
e principalmente como um meio de canalizar a nossa energia criativa. Já na altura tal
como hoje o princípio era o mesmo, de recolhermos revistas e jornais comprados pelos
nossos pais. Adiando a sua colocação no lixo, revíamos o seu conteúdo, líamos, e
avaliávamos as imagens. Após serem selecionadas eram retiradas do seu contexto
original através do recorte com tesoura, coladas e compostas em cenas alegres e
coloridas.

Os cenários que criávamos para as nossas personagens eram ambientes


fantásticos e insólitos. Naquela altura as nossas composições recorriam a cenários
planos alegres e engraçados, com características lúdicas. Após um momento de
contemplação daquele artefato eram por nós colocados no lixo juntamente com as
demais revistas. Na adolescência utilizávamos as imagens de revistas antigas para cobrir
caixas de anéis, caixas de lenços e demais objetos de uso pessoal. Na idade adulta
confeccionámos inúmeras caixas de presentes personalizadas oferecidas a familiares e
amigos em épocas festivas. Todas as caixas eram assinadas e datadas.

Ao longo das quatro décadas em que produzimos estes objectos apercebemo-


nos da mudança de qualidade das páginas das revistas. As gramagens, texturas, efeitos
de plastificação em capas de catálogos, a qualidade de impressão nos folhetos
publicitários, tendo ganho sensibilidade quanto à diferenciação das imagens e ao seu
potencial, bem como em relação à técnica de recorte de forma a não danificarmos a
imagem selecionada. O tipo de cola mais eficaz para cada papel, o seu tempo de
secagem, o seu tempo de permanência na superfície e o efeito de amarelamento e
craquelagem de cada uma das colas.

Compreendemos que o trabalho manual de produção de uma colagem parte


primeiramente da capacidade de observar o centro, as margens e o conteúdo emocional
de uma imagem isolada. A manipulação deve ser acompanhada da capacidade
91
imaginativa de compor, recompor, sobrepor, recolocar e recortar, operações
intelectuais que dependem também da nossa flexibilidade mental. Diferente da pintura
que faz surgir o objeto representado a colagem trata da ressignificação dos objetos.
Basicamente o artista retira as imagens ou objectos do seu ambiente original para
rearranjá-las noutros cenários a fim de obter outros resultados. As colagens fazem surgir
outros mundos. Universos inexistentes no mundo real, no mundo cotidiano. Produzem
paisagens fantásticas além de sempre revelar ao espectador a dúvida do uso comum e
ordinário dos materiais cotidianos. A colagens possuem o potencial de nos fazer reflectir
sobre o ciclo de vida dos objectos e de garantir a sobrevida ou eternização daquilo que
seria eliminado do nosso convívio. Nesse sentido, um dos potenciais da colagem é a
possibilidade de reforçar a ideia de reutilização e reciclagem dos materiais.

As nossas colagens foram idealizadas tendo como principais referências autorais


em termos de produção poética José Borges e no respeitante ao processo criativo Vik
Muniz. No que se refere a consciência ecológica e excelência em manipulação de
materiais destacamos o artista plástico Raimundo Rodriguez (Mangucci, 2003). O nosso
intuito foi narrar a “Lenda do Boi Bumba”, recorrendo à utilização dos ícones principais
do enredo.

4.1. Conceptualização do trabalho: a teoria da mestiçageme a dimensão


ecológica dos 4R

A concepção de todo o trabalho prático foi pautada por uma visão ecológica, um
modo de vida que se expande cada vez mais por todas os grupos sociais do mundo, a
ponto de nos arriscarmos a afirmar que a preservação ambiental e dos recursos será um
consenso global dos habitantes das metrópoles do futuro, uma vez que se não o fizerem
arriscam a sua própria extinção. Existe hoje uma prática de cidadania cada vez mais
esclarecida e responsável sobre a existência e seus modos de estar, viver e proceder no
mundo. Compartilhamos intimamente com este novo modo de estar e fazer. A nossa
formação passou por uma experiência de jornalismo em duas edições, em 2002 e 2003,
do Fórum Social Mundial em Porto Alegre - Brasil, dedicadas à educação oferecida pela
escola nos anos de 1986 e 1987, e à educação familiar com raízes no meio rural.

92
A partir de uma visão responsável sobre o uso dos recursos naturais do planeta
optámos pelo projeto artístico em colagem. Entre muitas opções tais como pintura a
óleo, pintura acrílica, cerâmica, produção de animação, instalação com objetos de gesso,
entre outros, preferimos o trabalho que menos gera lixo. Avaliadas as possibilidades de
realizar o trabalho prático artístico, optámos por assumir a filosofia dos 4 Rs, que inclui
o compromisso da preservação dos recursos naturais do planeta, a diminuição da
emissão de Co2 e o repensar do consumo supérfluo.

A antiga e pioneira política dos 3Rs (Cerqueira, 2018) foi criada durante a
Conferência da Terra realizada no Rio de Janeiro e o 5° Programa Europeu para o
Ambiente e Desenvolvimento, realizado em 1993, com o objectivo de tentar impedir e
diminuir a produção de lixo no mundo. O primeiro R diz respeito à redução através da
compra de produtos mais duráveis evitando os descartáveis, reduzindo a produção de
novos produtos a partir do uso de recursos naturais. O segundo R de reutilizar consiste
em utilizar várias vezes embalagens retornáveis como, por exemplo, dilatar a vida útil
das revistas e livros. E o terceiro R refere-se ao Reciclar que consiste na transformação
dos resíduos como, por exemplo, a separação do plástico do papel e reciclagem dos
mesmos de modo a retornarem à sociedade, evitando a extração de mais petróleo e
diminuindo a ampliação das áreas para plantio do eucalipto que fornece a celulose. Para
o nosso trabalho adotámos também o quarto R de repensar que tornou possível ao
longo de todo o processo avaliar quais os papéis que seriam coletados, recortados, e a
quantidade de sobras destinadas à reciclagem. Repensámos e decidimos não utilizar
separadores para a pasta, não imprimir imagens, não investir em adesivos, não optar
pela técnica mista que exigiria a compra de tintas de diversas cores e texturas, e usar
apenas cola produzida na União Europeia (cola bastão UHU produzida na Alemanha).
Nesse sentido, repensámos toda a estratégia de pós-produção e decidimos que as
nossas colagens devem no futuro ser realizadas através do registo fotográfico das obras
e/ou digitalização e posterior projeção para o público.

Acreditamos que essas medidas contribuem para o comportamento responsável


de diminuição dos recursos do planeta, da emissão de Co2. O trabalho prático do

93
mestrado posiciona-se alinhado com as diretrizes defendidas na COP2445 nos termos
Mudança Climática e Cultura e no alinhamento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, proposta pela ONU. De igual modo, na nossa opinião a arte contemporânea
não tem como finalidade apenas mostrar, mas sobretudo dizer. Nesse sentido, a obra
não se reduz ao objecto proposto pelo artista, mas integra o conjunto das
consequências, por exemplo capacitadoras, que essa proposta pode ter junto da
comunidade. Interessou-nos, de igual forma, o uso dos papéis banais, dos folhetos de
supermercado que, através da técnica e da sensibilidade artística devem sair da
hierarquia dos objetos banais para alcançar o foro da cultura e dos objetos artísticos.

A “Teoria da Mestiçagem” de Amálio Pinheiro, doutor em Semiótica, é


importante para entender o nosso percurso artístico. Esta teoria procurou compreender
e auxiliar no entendimento da cultura dos brasileiros e como eles a constroem e advoga
que segundo o choque súbito ou o encontro excessivo entre várias culturas em um
mesmo espaço-tempo deu-se um rompimento com os chamados processos civilizatórios
clássicos na génese do Brasil. Por sua vez o fato veio a desenvolver um outro processo
de estilo barroco no Brasil.

O barroco difere do clássico porque é pictórico, profundo, aberto, unitário ao


mesmo tempo que relativisa (Coli, 2003, p.39), e também porque adopta linhas e curvas.
O classicismo mostra os objetos numa permanência atemporal, enquanto o barroco
procura o instante que passa. O barroco pode ter um amplo entendimento, em 1928 o
catalão Eugênio d´Ors descreve vinte e duas definições em categorias de barroco (Coli,
2003, p. 55). Para o crítico de arte brasileiro Jorge Coli o barroco é a maturidade do
clássico. “Pois quando os meios já se encontram perfeitamente dominados, só pode
acrescentar, complicar, reelaborar. É o esplendor luxuriante das formas, o desequilíbrio,
o excesso” (Coli, 2003, p. 59).

O novo mundo fundado recebeu e adoptou uma tradição verbal enfraquecida, a


cultura europeia ajustada. Coube ao povo o desafio de criar o novo mundo com pedaços
de elementos vindos do velho continente (Pinheiro, 2009, p. 17). O resultado

45 A conferência promovida pela ONU – Organização das Nações Unidas, este ano promoveu
uma série de reuniões, palestras, mostras, partilhas e ações na Polónia entre os dias 3 e 14 de dezembro
de 2018. Reuniu 190 países para debaterem sobre soluções no âmbito do Aquecimento Climático.

94
arquitectónico foi um emaranhado de prédios e construções feitos de recortes de
lembranças de edifícios italianos, portugueses, franceses de diversas épocas. Por
conseguinte, o urbano mestiço possui a capacidade de digerir culturas alheias e
rearranjá-las de modo original. Os brasileiros nascem e crescem neste território
impregnado de elementos estranhos de vários níveis. Cidades, vilas e tudo em torno foi
construído com uma materialidade e imaterialidade híbrida sob o feroz calor e luz solar
impiedosos que nada poupam.

Todos e tudo, se combinam num ambiente que possiui uma abundante e variada
flora e fauna silvestre. Ocorre uma diluição de fronteiras e um cruzamento de linguagens
que exige um acordo temporário e permanente de tensões, visto que as diferenças
permanecem. Esse processo todo intelectual e estético é segundo defende o professor
Dr. Amálio Pinheiro da PUC de São Paulo e possui qualidades comuns e diversas
(Pinheiro, 2009, p. 36). O brasileiro imerso nesse processo incontrolável, irresistível o da
mestiçagem onde as diferenças se intensificam, mas não se anulam constrói um acervo
imagético novo. Um vocabulário flexivel e transitório. Não há limites para a mestiçagem
cultural que demonstra ter margens fluidas e intercambiáveis. A “Teoria da
Mestiçagem” reflecte sobre o pensamento mestiço, o olhar mestiço, a fala mestiça o
comportamento e movimentação do corpo mestiço. Mãos e ideias do brasileiro se
branco ou loiro são na verdade um todo mestiço por natureza.

Portanto, o barroco encontra-se presente no projeto “Rei Bumba” que é


brasileiro, barroco e mestiço tendo sido de igual modo influenciado por diferentes obras
como, por exemplo, as imagens dos bois voadores de José Borges, “O Boi Abatido” do
pintor Rembrandt van Rijin (1606-1669), datado de 1655, as colagens dadaístas de
Hannah Höch (1889-1978) e de Grete Stern (1904 -1999), o conceito kantiano de belo,
as imagens dos artesãos populares, a técnica de colagem de Vik Muniz, os cenários de
Raimundo Rodriguez. Todas estas referências, algumas destas cuja abordagem não pode
ser incluída nesta dissertação por necessitarem de uma análise extensa e aprofundada
que nos faria afastar da nossa questão central, inspiraram as imagens que compõe as
nossas séries de colagens inpiradas na “Lenda do Boi Bumba” que designamos de
brasileira, barroca e mestiça.

95
4.2. A dimensão do simbólico e da religiosidade popular nas colagens.

Ao longo do percurso do mestrado participámos em duas mostras, uma colectiva


e outra individual. A primeira mostra, colectiva, intitulada “Zonar - Exposição Coletiva
dos alunos do curso de mestrado em Práticas Artística em Artes Visuais”, decorreu na
Galeria Praça do Giraldo, em Évora no mês de maio de 2018. Nessa exposição, onde
foram temas centrais das minhas obras o simbólico e a religiosidade popular presente
na “Lenda do Boi Bumba, apresentámos diversas colagens. No quadro “Não matarás”
(Fig. 43) realizamos uma referência explícita a São Francisco de Assis, santo italiano da
igreja católica que pregava na Idade Média pela defesa da vida, dos animais. Procurámos
nas colagens, através da integração nas imagens de rostos que olham directamente para
nós, que o público sentisse que o seu olhar estava a ser retornado, estabelecendo desse
modo um diálogo entre imagem e espectador. De igual modo, a frase “Não matarás” e
as mãos que mostram uma flor, solicitam a nossa atenção e enfatizam o tema da dádiva,
partilha e respeito por todos os seres quer habitam o planeta Terra.

Fig. 43 – Eliete Santos, “Não matarás”, 2018, colagem s/papel, 20 x 25 cm, coleção da autora.

96
A composição desenvolve-se em vários planos. Ao fundo o céu, em baixo o solo
e à esquerda em tabuleiro de jogo. No chão encontramos plantas, frutas vivas e
suculentas. As aves simbolizam a multiplicação da ave do paraíso. A rapariga da direita
sorri. As rosas evidenciam e sugerem pureza. Ao centro, abre-se uma janela onde há
luzes, raios com leve brilho que saem por entre as folhas finas da palmeira. Elas apontam
para um outro plano mais atrás de todas as mensagens, a infinitude do céu. A colagem
foi produzida com folhetos de publicidade distribuidos em farmácias, supermercados e
um guia da cidade de Évora entregue gratuitamente a turistas.

Na colagem “O escravo” podemos observar a representação do jovem escravo


“Pai Francisco” esposo de Catirina no momento logo após a morte do boi (Fig. 44).

Fig. 44 – Eliete Santos, “O Escravo”, 2018, colagem s/papel, 23 x 26 cm, coleção da autora.

Algo de terrível assombra o escravo, apavora-o e oprime-o. Em torno do jovem


encontramos símbolos do boi. Entre carnes e flores o boi ainda que estando morto é
adorado. As flores maiores representam a beleza do animal. O padrão das flores
combina com os recortes das carnes. É, portanto, o boi bumba que envolve o escravo.
As rosas em torno, flores coloridas e menores, emolduram o escravo. As flores

97
representam Catirina. A moldura maior envolve o quadro simbolizando as
consequências negativas após a morte do boi.

Na colagem “Boi ao avesso”, as portas da igreja estão abertas e as lágrimas


misticas em carne representam a morte do animal (Fig. 45).

Fig. 45 – Eliete Santos, “Boi ao avesso”, 2018, colagem s/papel, 22 x 28 cm, coleção da autora.

98
A porta da esquerda simboliza o bem. Porta sem luz a direita mais abaixo é o mal.
Ambas jorram carne do boi tal como a onda atrás delas. As gotas de carne avançam,
aumentando o seu volume na direcção do espectador. Os poucos ramos verdes
evocamos pastos em que o animal se alimentava. A imagem que avança na nossa
direcção tem como finalidade atemorizar o espectador porque a carne fresca recorda a
morte do animal.

Na segunda exposição dos nossos trabalhos práticos realizados no âmbito da


avaliação semestral do curso de mestrado, em junho de 2018, apresentámos um
trabalho que deu continuidade ao tema da “Lenda do Boi Bumba”, tendo, no entanto,
diversificado as técnicas e os materiais empregues. Na colagem “Não Matarás II” o boi
que nos trabalhos anteriores era apenas uma figura abstrata, surge agora como um
ícone estampado sobre um tecido de diversas cores (Fig. 46).

Fig. 46 – Eliete Santos, “Não Matarás II”, 2018, colagem e serigrafia s/tecido, 29 x 21 cm, coleção
da autora.

99
Esta peça foi o resultado do recorte de papéis pretos colados sobre fundo branco
e teve como rreferência as xilogravuras de José Borges.

Ao centro podemos observar a cabeça de um boi que não nos olha de frente. Por
cima deste encontramos uma placa que o identifica como “O Boi”. Por detrás dele
encontra-se uma áurea que o identifica como sendo uma figura santa. Na parte superior
da imagem e um boi menor preto voa enquanto observa o mítico São Jorge a espetar a
lança no dragão. A alma do boi mesmo voando observa calmamente a cena do bem a
vencer o mal. Dois pássaros selvagens integram esta composição: um que se apronta
para levantar voo e outro que parece piar, de bico aberto, à medida que se aproxima do
cavaleiro. Tanto em cima como em baixo um traço dentado delimita todos os elementos.

A série, limitada a sete provas, foi estampada em tecido usado, escolhido


propositadamente por nós. A trama levemente gasta simboliza a caminhada, o longo
trajeto até ter chegado a este resultado. A cor azulada é resultado da mistura de três
tonalidades selecionadas aleatoriamente. O fundo em tons quentes remete ao território
de origem da lenda, a região nordeste do Brasil. Na intersecção entre o boi preto e a
moldura temos o roxo intenso e escuro. A sobreposição e desordem evoca a ideia de
conflito. O conjunto das imagens do boi estrelado com raios encimado por pássaros
asustados, o boi voador e o São Jorge a matar o fragão representa caos. É neste
desarranjo, que resulta no caos, que acreditamos que será gerado o bem.

A colagem “Sacrifício do Boi I” apresenta um tom profético (Fig. 47). Os céus


irregulares onde pássaros voam, a relva excessivamente florida com flores miúdas em
roxo, tal como a cor dos trajes dos padres durante a Páscoa, são o pano de fundo do
portal da igreja que avança na nossa direcção. A placa corresponde à primeira ideia que
temos sobre o sacrifício.

Do santíssimo abaixo e da eucaristia saem gotas de carne. A carne de Jesus desce


para ser carne de boi. Os raios ao redor são luzes e simultaneamente sustentam os
portais que projetam o respingar das carnes. Nesta imagem o boi e Jesus simbolizam o
sacrifício que é derramado na terra. Neste quadro adoptámos a inversão da imagem do
céu.

100
Fig. 47 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi I”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da autora.

A colagem “Sacrifício do Boi II” segue o mesmo sentido profético da anterior.


Nesta adoptámos novamente a figura forte de São Francisco de Assis (Fig. 48). Acima
em céus trinos, como Pai, Filho e Espírito Santo, difusos e místicos, três sóis surgem
entre nuvens. Ao centro novamente a mesma eucaristia libera raios de carne do boi. A
posição do santo anuncia uma tragédia. O olhar do santo, a boca semiaberta como que
pede, e sussurra auxílio a Jesus, sofrendo com a morte de um animal e colocando uma
mão no coração que lhe dói, uma dor santa, glorificada, que colocámos entre flores.

101
Fig. 48 – Eliete Santos, “Sacrifício do Boi II”, 2018, colagem s/papel, 20 x 22 cm, coleção da
autora.

Na colagem “Boi na Mata” as figuras que possuem maior dimensão representam


os dois mundos. Por cima do mundo do céu, um portal destrói a eucaristia de Jesus ao
jorrar carne viva que cai em cima do boi representado por ossos e gordura (Fig. 49). Em
cima, e à direita, as plantas derramam-se e também choram, contudo, não atingem a
terra. Junto à margem inferior a folhagem verde entre os dois pequeninos ramos de
flores simboliza o momento em que o boi foi abandonado na mata. Os dois mundos
estão bem definidos quando observamos a linha horizontal azul que atravessa o quadro.
O movimento de baixo para cima faz-se através das gotas de sangue que parecem
através de um movimento ascendente alcançar as costelas do boi.

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Fig. 49 – Eliete Santos, “Boi na mata”, 2018, colagem s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora.

103
4.3. A série de colagens “Rei Bumba”: a técnica ao serviço do mito

Fig. 50 – Eliete Santos, “O Boi”, 1ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 20 x 25 cm,
coleção da autora.

Após esta segunda exposição iniciámos as primeiras colagens da série “Rei


Bumba” que fecha o ciclo do nosso trabalho artístico no âmbito do curso de mestrado.
Com a mesma técnica de seleção, recorte e colagem pretendemos abandonar as linhas
retas e dar mais atenção às formas onduladas e principalmente evoluir no corte das
flores ao estilo rendado, vazado e colorido. De tamanho inferior ao A3 a imagem “O Boi”
(Fig. 50) é resultado das etapas descritas sinteticamente nas figuras abaixo. (Figs. 51-
53).

104
Fig. 51 – Eliete Santos. À esquerda: resultado da recolha de três publicações de distribuição
gratuita. Para a criação desta imagem utilizámos a Revista Saúde, disponível na rede de
Farmácias Portuguesas. Nº 38/dezembro 2018/2 euros. Oferta dos exemplares no mês de
janeiro de 2019. Dimensões da revista: 21 X 26,5 cm. Ao centro: exemplar do folheto informativo
do supermercado Pingo Doce de Portugal. O folheto possui imagens de diversas flores. O folheto
selecionado é descrito como “Poupe esta Semana” de 27/11/2018 a 03/12/2018. Dimensões:
30 X 20 cm. O folheto aberto e revisto imagem a imagem. À direita: pormenor do primeiro
recorte da imagem.

Fig. 52 – Eliete Santos. À esquerda: o segundo recorte da imagem. À direita: conjunto de revistas,
exemplares distribuídos gratuitamente da Revista Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, que
fornecerão a imagem de fundo da colagem. Estas edições são em tamanho maior que os folhetos
de supermercado. Portefólio #5, tiragem anual/ 2010, 15 euros. Distribuída como oferta em
2018. Dimensão: 27 cm X 22,50 cm.

Fig. 53 – Eliete Santos. À esquerda: ensaio da sobreposição das imagens. Ao centro: colagem das
imagens selecionadas sobrepostas no lugar definitivo onde as figuras são coladas no fundo em
papel. À direita: pasta que serve de depositório ou arquivamento dos recortes que sobraram –
banco de imagens. Coleção com papel de c. 200 g. À direita: organização dos papéis em
pastas/catálogo A3.

105
Cada colagem pode levar entre 6 á 18 horas de trabalho. Etapas que consistem
na recolha, seleção das publicações, primeiro recorte, segundo recorte, ensaio das
imagens, colagem dos recortes em suporte de maior gramagem e armazenamento das
imagens não utilizadas.

Em termos artísticos ao centro a figura do touro simboliza toda a espécie bovina.


Foi produzido obedecendo à composição dos três terços (Fig. 54). As flores, a orquídea
e as rosas foram selecionadas a partir de uma série predeterminada de cores, onde
todos os tons azuis foram rejeitados.

Fig. 54 – Eliete Santos. Grelha compositiva (regra dos três terços) da colagem “O Boi” (ver s.f.f.
Fig. 50).

Os quatro pontos de intersecção das linhas no quadrado central apontam para


os elementos principais. Atrás do boi encontra-se o santo que olha para o cordeiro
imolado. A composição anuncia a estória da morte do animal. O arco que abriga os
elementos centrais é pintado em tons de ferrugem, castanho e cobre com o propósito
de demonstrar a origem do conto no meio popular não académico. As flores coloridas
acima do arco são de cor brancas laranja, vermelha, tons em carmim, púrpura e
escarlate. Entre elas no canto direito encontramos o ramo de um vegetal ponteagudo
verde oliva. A leguminosa antecipa através das pontas um potencial agresivo, que pode
vir a ferir. Ainda dentro do arco flutuam duas rosas na cor fúchsia que coladas em cima

106
da cabeça do boi representam o casal Catirina e Francisco. Logo acima a orquídea em
violeta é o menino. Tanto as rosas quanto a orquídea recorrem aos mesmos princípios
simbólicos que as colagens já descritas anteriormente. O ambiente da natureza envolve
o boi, o arco está rodeado de água, as plantaçõese as flores. Tudo reunido no centro em
contraste ao chão e aos tijolos envelhecidos do fundo. Paredes de uma casa abandonada
de um solo esquecido que representam aqui o período colonial brasileiro desvalorizado
e perdido no passado. Ainda que os objetos no quadro estejam em permanência
intemporal. Por fim a colagem está no formato clássico do retângulo vertical.

As quinze colagens desta série foram em sua maioria construídas no Brasil, a


partir de revistas de edições antigas e folhetos de supermercado, de edições publicadas
em Portugal e no Brasil (Figs. 55-57).

Fig. 55 – Eliete Santos. Revista utilizadas para compor as 15 cenas da série “Rei Bumba”. Da
esquerda para a direita: Revista Claudia, Globo Rural, L´Officiel Brasil. Portefólio #8, Boletim
Salesiano, Construir.

Fig. 56 – Revista Cláudia, Arquitetura & Construção, Revista do Professor, História Biblioteca
Nacional, álbum de fotografia “Brasil Terra Virgem”.

107
Fig. 57 – Após o primeiro recorte dos folhetos do Pingo Doce, estes são submetidos a mais dois.

O pormenor do quadro a preto e branco revela a regra de composição em


verticalidade o qual optamos em função de acentuar o valor dos elementos (Fig. 58).

Fig. 58 – Colagem “Todos os personagens”, versão a p/b.

A colagem “Todos os personagens” revela “o rosto” das personagens da trama


da “Lenda do Boi Bumba” (Fig. 59). Todas elas encontram-se dispostas no ambiente
próprio: a família dos proprietários no casarão, índios dentro da oca (casa indígena), o
religioso no pátio do mosteiro, menino e boi juntos e o casal de escravos no canto
inferior ao pé da escada da casa grande. Agora a leguminosa com pontas está a decorar
o fato do senhor. Assim o vegetal pertence àquele homem. A leguminosa substitui
objetos como a arma de fogo e chicote. A composição narrativa começa e termina
através da posição dos olhares. Tal como numa cena num palco de teatro o casal a preto
e branco, o casal do passado colonial, o olhar de ambos está direcionado para fora da
tela. A índia olha terna e melancolicamente para o espectador. Ao fundo um índio feliz
sorri a contemplar o seu modo de vida.
108
Fig. 59 – Eliete Santos, “Todos os personagens”, 2ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
31,5 x 28 cm, coleção da autora.

O religioso tem as mãos vazias e apenas olha o menino a sorrir. No canto onde
está o mosteiro o recorte poupa a cruz de cristo, que está abaixo da índia. O menino que
na estória folclórica popular está apenas no ventre da escrava aqui aparece em cima,
em termos simbólicos acima do valor do animal. Ambos menino e animal têm a mesma
coloração a fim de conduzir o espectador a realizar uma relação entre eles. O menino é
adornado com flores enquando o boi tem à frente pimentos. Os pais do menino olham
o filho. Catirina e Francisco surgem com arcos floridos na cabeça evocando os deuses
mitológicos da Grécia antiga. É propositada a vestimenta do menino – a camisa
contemporânea branca que evoca os tempos atuais e tem por finalidade criar a ponte
entre o menino do passado e a atualidade. O execício de composição desta colagem
pretende evocar o caracter mitológico da lenda do Boi Bumba.

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A terceira imagem da série “Rei Bumba” possui o título “Desejo a minha família”
(Fig. 60).

Fig. 60 – Eliete Santos, “Desejo a minha família”, 3ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
37 x 25 cm, coleção da autora.

110
Este título parte de ideia de uma fala imaginada da jovem escrava. Catirina surge
como nesta colagem como figura central. O olhar dela e do filho observam o espectador,
enquanto o olhar de Francisco é triste perante as carnes.

Para a produção do quadro recortámos uma quantidade considerável de carnes


dos folhetos do supermercado Pingo Doce, três imagens de modelos negros, dezenas de
flores. Os arranjos das tiaras tiveram especial atenção ao picote milimétrico das folhas
em virtude de realizar um encaixe perfeito nas cabeças. Em seguida documentámos
parte do processo de feitura da colagem que contou com uma base de papel canson
branco tamanho A3, lápis preto, recortes de papel e cola bastão UHU. Selecionámos e
recortámos quatro grandes imagens. A figura de fundo é o altar de uma igreja barroca
brasileira do Estado de Minas Gerais. A família é composta por três elementos próximos.
Ao fundo a imagem grande do altar da igreja barroca foi retirado do Album de fotografia
“Brasil Terra Virgem”.

Selecionámos o altar em ouro devido ao fato do dourado representar o reino


celeste no período do Renascimento. Descrevemos o processo técnico de criação da
figura 61 à 65. Quanto ao fundo, selecionámos os tons dourados e acobreado para
receber o casal. No entanto a auréola do menino não é dourada. O menino é idealizado
dentro de um universo tropical celeste. A sua auréola são as flores. Em torno dele
acrescentámos um par de plantas verdes pálido com bordas finas em fúcsia, que aludem
às asas de querubins.

Fig. 61 – Eliete Santos. À esquerda: dois modelos negros e uma flor com o centro contendo a
face de um menino negro que simboliza o filho do casal. À direita: composição final das figuras.

111
Fig. 62 – Eliete Santos. Para produzir o efeito desejado de sobreposição harmónica entre carnes
e o altar entalhado foram confeccionados dois planos de fundo. Traçámos a lápis o local que
delimita a imagem central do altar e a família em separado da moldura a ser preenchida por
carnes. Ao lado direito vemos a imagem da seleção dos recortes de carne com maior tonalidade
avermelhada, formato e tamanho, seleccionados do menor ao maior.

Fig. 63 – Eliete Santos. À esquerda: preenchimento das peças de carne de menor dimensão no
topo da imagem obedecendo à marcação feita com lápis. À direita: preenchimento de colagem
das carnes menores no topo, gradativamente até atingirem a parte inferior com as maiores
peças de carne.

Casais de aves contemplam a criança. O excesso que caracteriza o barroco está


presente no derramar das carnes que vão dos menores pedaços aos maiores. As peças
mais robustas terminam na margem inferior do quadro. Combinados ao entalhe das
flores, ondas, arabescos, anjos, folhas, conchas, linhas e caracóis do altar dão suporte às
flores miúdas entre ramos das coroas de Catirina e Francisco, que terminam na gigante
flor carmesim de tons fluidos. Flor que surge nos limites entre a pele dos escravos,

112
carnes, aves de multíplas cores e um ramo de flor que cresce por debaixo do queixo do
menino.

Fig. 64 – Eliete Santos. À esquerda: o momento da colagem da imagem do altar da igreja e a


família sobreposta às carnes. À direita: corte das bordas para que a imagem tenha um tamanho
inferior a 42 cm.

Fig. 65 – Eliete Santos. Pormenor dos recortes que compõem as tiaras de flor da família de
escravos.

A terceira imagem da série “Catirina grávida” apresenta excesso de colorido,


drama e forte carga de apelo ao universo romântico (Fig. 66), composta através da regra
dos três terços de modo a enfatizarmos o centro de intercecção das linhas (Fig. 67).
Esteo título pretende representar a fertilidade da jovem escrava relacionada à natureza.
Para compor a imagem foi utilizada a Revista feminina Claudia, flores dos folhetos do
supermercado Pingo Doce de Portugal. O fundo fez parte do álbum fotográfico “Brasil
Terra Virgem”. O plano de fundo retrata parte da floresta amazónica em tons de verde
escuro.

113
Fig. 66 – Eliete Santos, “Catirina grávida”, 4ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel, 28 x
27,5 cm, coleção da autora.

Fig. 67 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Catirina grávida” (Fig. 66).

114
Catirina é adornada por um arco de flores. Em torno dela encontramos dois pares
de borboletas e um casal de aves azuis. A rapariga veste tecidos leves, está de olhos
fechados e debruça a cabeça no braço tevemente dobrado sobre si. A posição, os olhos,
a entrega do corpo em pé nas águas retira a personagem do ambiente ordinário e o
posiciona-a noutra atmosfera. O foco central é a barriga. O ventre foi constituído por
um sol envovido a flores. A diadema, o arco elevado acima da cabeça de Catirina não é
uma auréola dourada. As pedras preciosas que a coroam simbolizam o trajecto de
pressão e dor que o destino da estória lhe reserva. A articulação das flores, cores, água
e pessoa contribui para uma sensação de bem-estar e leveza.

A colagem “Desejo língua de boi” (Fig. 68) é toda ela um exesso. Foram utilizados
recortes de diversos tamanhos da revista Globo Rural, Claudia, revista Portefólio da
Fundação Eugênio de Almeida e folhetos de supermercado. A proporção das maçãs, que
aparecem com destaque, tem a finalidade de retomar a narrativa do pecado no paraíso.
Uma panela de ferro à frente da escrava está cheia de vegetais.

Fig. 68 – Eliete Santos, “Desejo língua de boi”, 5ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
42 x 29,5 cm, coleção da autora.

115
Fig. 69 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Desejo língua de boi” (Fig. 68).

Catirina não olha para a panela. Flores, leguminosas, pimentas, frutas, folhagens
enchem toda a dimensão do papel. A escrava sobrecarregada por vegetais no canto da
cena tem uma mão perto a boca e o olhar de quem imagina. Por cima da sua cabeça
pedaços de carne crua e cozida. O cozido é desejado. A flor com pétalas ponteagudas
no peito da rapariga colaca-se à disposição do espectador para inúmeras interpretações
assim como a fruta amarela redonda no topo do quadro colocada suspensa ao lado da
maçã. A composição convida do espectador a analisar com atenção todo o emaranhado
de vegetais. São os olhos do espectador os responsáveis por iluminar ainda mais esta
colagem. As linhas de força direcionam o observador para os elementos importantes da
cena.

A colagem “Francisco corta a língua do animal” (Fig. 70) possui vários momentos
sintetizados do enredo. A colagem é escura. A miríade de verdes oliva escuro, ao fundo
as rochas, o céu em azul escuro ponteado por aves negras apresenta elementos
inclinados, escondidos nas margens laterais. Ao centro temos a representação do
momento no qual a mão do escravo com a faca rasga, corta a língua do boi. Abutres
esperam a carcaça. Uma cabeça de boi vivo está retirada do corpo, enquanto o mesmo
boi observa a escrava que trabalha tranquilamente sentada na relva. No canto direito a
escrava espera a língua do boi. No lado oposto a casa pobre do casal. Não há flores, mas
vegetais com espinhos e pimentos murchos. As folhagens em torno foram coladas com
o propósito de apontar para o centro do quadro. A composição de diversos verdes foi
possível devido ao recorte pormenorizado da imagem de folhas em todas as publicações
e folhetos à nossa disposição (Fig. 71).

116
Fig. 70 – Eliete Santos, “Francisco corta a língua do animal”, 6ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 30 x 27 cm, coleção da autora.

Fig. 71 – Eliete Santos. Elemento integrante da colagem “Francisco corta a língua do animal”.

117
Fig. 72 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Francisco corta a língua do
animal”.

A estória narra que o proprietário do animal abatido toma conhecimento do


facto (Figs. 73-75).

Fig. 73 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Boi morto e abandonado no
mato” (Fig. 73). Conduzimos o olhar do observador através das linhas de força do triângulo
invertido.

118
Fig. 74 – Eliete Santos, “Boi morto e abandonado no mato”, 7ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 29 x 27 cm, coleção da autora.

Fig. 75 – Pormenor do recorte dos tijolos um a um para envolver a imagem do proprietário do


boi.

119
Ao longo do nosso estudo observámos do dadaísmo ao artista Vik Muniz a
espantosa possibilidade de comunicação proporcionada pela arte da colagem. A
colagem “Escravidão pavorosa” pretende evocar através de seis recortes a época da
escravatura no Brasil (Fig. 76). A tomada de consciência sobre a perda da liberdade dos
escravos e da opressão exercida sobre eles causa em nós a sensação de pavor e de
indignação. Ao centro a fotografia do rosto tem como propósito expressar horror. As
margens laterais com tijolos, a folha rasgada, a árvore desfocada, todos estes elementos
guiam os nossos olhos para o desenho colorido pálido do escravo nú sendo açoitado no
canto superior esquerdo. Tudo o que pretendemos dizer sobre a violência extrema
contra o ser humano está representado nesta colagem.

Fig. 76 – Eliete Santos, “Escravidão pavorosa”, 8ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
40 x 28 cm, coleção da autora.

Na colagem “Trabalho escravo de uma vida toda” (Fig. 77) os elementos


dispostos pretendem ter uma mensagem objetiva. As margens laterais carregadas de
vegetais secos e espinhosos pressionam e empurram os elementos centrais. O conjunto
evoca a escravidão, braços a trabalhar, o navio lusitano estampado no azulejo
português. Os gestos dos braços recuperam o ato do trabalho laborioso. O retrato
recortado da senhora negra está confinado entre flores azuis e o azulejo que decora o
120
ambiente doméstico. No canto superior esquerdo a planta virada ao contrário sugere o
desconforto, a inversão dos espaços. A pele negra próxima das agulhas do cacto sugere
tensão, ferimento. Os 30 recortes rearranjados no espaço da folha evocam a ideia do
cotidiano escravo que pretendemos exibir. O trabalho de colagem durou cerca de 8
horas.

Fig. 77 – Eliete Santos, “Trabalho escravo de uma vida toda”, 9ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 38 x 28 cm, coleção da autora.

Fig. 78 – Eliete Santos. Vegetais com espinhos dos folhetos do supermercado Pingo Doce.

121
No seguimento do nosso trabalho sobre o cotidiano dos escravos, a colagem “Pai
Francisco acoado” (Fig. 79) tenta representar o momento após a mutilação do animal.
Na cena estão sintetizados outros momentos da trama. No topo a morte entre Catirina
e o boi. Flutuam no espaço a casa dos escravos, as pistolas perto da cabeça de Francisco.
Todo o cenário representa o momento em que o proprietário do animal pede uma
solução ao escravo. No azulejo está desenhada a imagem de Jesus. A relação entre Jesus
e a igreja no canto inferior representa Francisco a ir em busca da ressurreição do animal.
Como acontece na lenda narrada em dança pelos grupos folclóricos, desde há cerca de
200 anos, o animal é ressucitado. O grupo de pessoas está longe do escravo, pois na
lenda o Pai Francisco está só, buscando a solução do problema.

Fig. 79 – Eliete Santos, “Pai Francisco acoado”, 10ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
28 x 28 cm, coleção da autora.

122
Fig. 80 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem “Pai Francisco acoado” (Fig. 79).

A colagem produzida em 2018 “Francisco reflete o dilema após a morte do


animal” (Fig. 81) foi remodelada e melhorada. As suas margens receberam agora
nuances de vermelho enegrecido, folhas pontudas e vegetais espinhosos.

Fig. 81 – Eliete Santos, “Francisco reflete o dilema após a morte do animal”, 11ª da série “Rei
Bumba”, 2019, colagem s/papel, 41,5 x 29,5 cm, coleção da autora.

123
O escravo ao centro da imagem vê a faca do crime. Por detrás dele a face de uma
entidade estranha que olha espantada ao longe, sem fixar-se em nenhum ponto. As
flores representam Catirina, as carnes o boi. O boi parece vivo, presente na cena através
das carnes que pingam, choram. A composição mística representa a relação causal entre
o pedido da esposa e o sacrifício do boi alheio. A combinação entre o desejo de preservar
a saúde do filho no ventre da mãe e a culpa pelo ato de mutilação e morte do animal.

Na colagem “Catirina e a criança” (Fig. 82) chamamos a atenção o ícone do boi


que surge com os olhos voltados para a esquerda, com raios no plano do fundo e um
arco sobre a cabeça, tal como sucede desde o início do nosso projecto artístico (Fig. 46).

Fig. 82 – Eliete Santos, “Catirina e a criança”, 12ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem s/papel,
34 x 29,5 cm, coleção da autora.

124
Fig. 83 – Eliete Santos. À esquerda: recortes em papel de objetos que integram a colagem. À
direita: processo de montagem do ícone do boi. À direita: para produzir o ícone em tons de
vermelho escarlate e os verdes de plantas levámos três sessões de aproximadamente 8 horas
cada.

A lenda narra que após matar o boi Francisco parte em busca de uma solução.
Vai ter com um padre. O escravo pede ao religioso que ressuscite o animal morto. O
padre vai ao local, tenta reviver o cadáver, mas a tentativa é frustrada. Na colagem “O
padre tenta ressuscitar o boi” acrescentámos um bispo que olha o padre no ato
desesperado e equivocado (Figs. 84-85).

Fig. 84 – Eliete Santos. Estrutura compositiva a p/b da colagem, “O padre tenta ressuscitar o
boi”.

125
Fig. 85 – Eliete Santos, “O padre tenta ressuscitar o boi”, 13ª da série “Rei Bumba”, 2019,
colagem s/papel, 28 x 22 cm, coleção da autora.

A derrota do ritual realizado pelo padre faz com que Francisco busque auxílio a
outra autoridade religiosa (Fig. 86). Na lenda a magia indígena, a força da pagelança
devolve a vida ao boi morto. A supremacia indigena dá fim à trama. O proprietário do

126
animal dá-se por satisfeito, Catirina se exime da culpa e o grupo indígena garante a sua
presença.

Fig. 86 – Eliete Santos, “O índio tenta ressuscitar o boi”, 14ª da série “Rei Bumba”2019, colagem
s/papel, 32 x 30 cm, coleção da autora.

O nosso olhar trouxe uma nova abordagem a esta lenda. Nesta colagem
imaginámos que nem o padre nem o indígena conseguiram ressuscitar o animal. O dano
financeiro seria resolvido com a venda do filho do casal de escravos.

A colagem “O filho de Catirina e Francisco foi vendido” (Fig. 87) apresenta uma cena
atormentora e cruel. Entre a manada um menino negro está nas mãos de um senhor
branco. Junto à mão podemos encontrar presos dinheiro e um ser humano.

127
Fig. 87 – Eliete Santos, “O filho de Catirina e Francisco foi vendido”, 15ª da série “Rei Bumba”,
2019, colagem s/papel, 32,5 x 27 cm, coleção da autora.

O menino está a ser examinado por outra mão branca. O religioso católico no
canto inferior está de cabeça baixa e escreve, quiçá relata. O menino já não possui a
auréola de flores. Ele está cercado por tijolos que refletem a condição de falta liberdade.
A igreja está em pedaços nas vestes do menino. Assim como as demais colagens esta
composição aconteceu faseadamente seguindo a mesma ordem. Recorte, colagem dos
elementos desde o primeiro plano ao último. Em muitas delas os céus, o plano superior

128
da paisagem, é virado ao contrário ou inclinado.

Fig. 88 – Pormenor do processo de montagem da cena onde imaginamos que o filho de Catirina
seria vendido de maneira a ressarcir o proprietário do boi morto por Francisco.

Por fim terminamos de narrar a lenda chegando à conclusão de que o centro da


estória é o filho do casal, a descendência, a esperança no futuro.

Fig. 89 – Eliete Santos, “O sacrifício para o filho”, 16ª da série “Rei Bumba”, 2019, colagem
s/papel, 28 x 27,5 cm, coleção da autora.

129
Na colagem “O sacrifício para o filho” (Fig. 89) a criança ao centro surge
ricamente adornada por flores em camadas que se acrescentam umas às outras. O
volume, o formato faz com que não saibamos o sexo da criança. Rosas fúcsia cremoso
aos pares, o girassol no topo da cena tem as pétalas iluminadas pela criança. No canto
inferior o casal observa em paz o espectador. Atras a área de ambos é a grade de aço,
ao mesmo tempo que podemos ver que o casal está fora das grades à frente destas. A
criança cresce na cena, destaca-se do fundo. Ao longe, tons de verde distribuem-se em
intervalos dispersos de sombras que parecem manchas desenhadas.

As texturas entre verdes de tom jade, e as plantas de tom verde floresta ao


amarelo e ao fúcsia, convidam o olhar para bailar entre os elementos naturais e as
pessoas. A duração da realização desta colagem foi cerca de duas sessões de 8 horas
cada.

130
Considerações Finais

Somos artistas, gostamos da liberdade. Liberdade de pensar, de fazer e de nos


expressarmos, mas sempre de um modo humanista e ecológico.

Ao longo do “Capítulo I - A ‘Lenda do Boi Bumba’: origens, componentes e


variantes”, analisámos as componentes lusas, afras e indígenas na formação da lenda
em questão. Concluímos que a função, da tradição das culturas fez surgir uma nova
narrativa. Um novo modo de contar os dramas do cotidiano e principalmente novos
modos de representar as minorias índigena e negra no contexto do colonialismo e
catolicismo no período da modernidade. A recolha de imagens, catalogação e
exploração da lenda recorreu a uma análise sociológica, mas também dos estudos
culturais e sobretudo da história das religiões na medida em que abordámos a
importância das lendas na Grécia Antiga, Europa e no Brasil, bem como a presença do
sacrifício e do mito na lenda estudada. Entusiastas, sociólogos, antropólogos,
educadores e folcloristas durante anos travaram a luta de defender e valorizar o arsenal
que compõe as tradições populares no Brasil.

Realizando um percurso pela História do colonialismo durante o “Capítulo II –


Sacrifício, mito e resistência na ‘Lenda do Boi Bumba’”, concluímos que a entrada na
modernidade e a adoção do racionalismo e a subjugação das narrativas populares à
verdade científica ocidental procuraram retirar a força às lendas e estórias populares.
No “Boi Bumba” identificámos arquétipos, ícones, personagens, cores brancas, negras,
mestiças, o protagonista, a mulher, o subjugado, a vida e a morte. O lugar de convívio
tolerante dos opostos, a diferença de classes e dos valores colocada à frente de todos.
Na brincadeira a desculpa, a licença para manifestar abertamente na figura do padre, o
poder da igreja católica diante os 400 anos de escravidão sofridos no Brasil. E nesta
imagem refazer perguntas à igreja sobre ética e opressão no cotidiano da pessoa contra
a própria pessoa.

No decorrer do “Capítulo III – Representações do ‘Boi’ por artesãos e artistas e o


princípio dos 3R na arte contemporânea” Até hoje assistimos e sentimos as
consequências da ruptura que colocou em dois lados opostos as galerias de arte e as

131
mostras de inclusão da arte popular que raramente acontecem. São excepção deste
fenómeno o sucesso de alguns mestres da arte nascidos fora do meio académico como,
por exemplo, José Borges. Este artista, após 50 anos de ofício foi aos 70 anos de idade
assunto do jornal norte-americano New York Times. O trabalho de artistas que recorrem
à colagem e a princípios de sustentabilidade na atualidade, bem como o trabalho de
mestres artesãos que investem o imaginário popular nas suas obras. De igual forma,
destacámos o modo como a figura do boi tem atravessado a história de arte erudita e
se encontra presente no cotidiano popular.

De igual forma, surpreendeu-nos verificar que décadas depois do primeiro


registo da lenda como fenómeno cultural, no contexto do consumo de massas
assistimos à utlização de figuras da lenda do “Boi Bumba” nos rótulos de um refrigerante
de origem norte-americana. O resultado desta apropriação é um ícone que, por sua vez,
é a síntese colorida de um novilho semelhante a uma figura de banda desenhada.
Concluímos que o sistema neo-liberal se apropria de modo brutal e economicista dos
elementos artísticos, sem qualquer consideração pelas pessoas mais desfavorecidas.
Facto que não acreditamos que vá mudar nos tempos mais próximos. Porém, também
reconhecemos que a nossa lenda nascida em meados de 1840, narrada à beira da
fogueira nos recantos escondidos do interior do Brasil, graças a esforços de populares e
de alguns políticos e pensadores, preocupados com o povo brasileiro e a preservação da
sua cultura, hoje é a responsável por gerar centenas de empregos e indiretamente
sustentar milhares de pessoas.

Reunimos também neste capítulo análises sobre o processo criativo de artistas


como Vik Muniz e Raimundo Rodriguez. Artistas que adotam a fala aberta sobre a
quantidade de sobras da sociedade, restos de inúmeros materiais descartados as
toneladas pela nossa sociedade. Concluímos que o papel do artista hoje deve ser revisto
e repensado quanto ao seu compromisso com as práticas sustentáveis.

No “Capítulo IV – Prática artística: colagens inspiradas na “Lenda do Boi Bumba””


a questão urgente do uso dos recursos do planeta fez com que realizássemos um
trabalho de colagem comprometido com a diminuição de resíduos e emissão do CO2.

132
Na nossa opinião, os horrores do mundo cotidiano que apresenta a escravidão
moderna, a fealdade do muro existente entre a cultura do povo e “arte dos ricos” e a
permanente ideologia da pureza apregoada por grupos racistas, só é suportável com o
alívio da beleza. Para não deixarmos de ser coerentes, somos mestiças, nosso trabalho
é mestiço. Esta mestiçagem velada, da qual pouco ou nada se fala, mas que se encontra
presente e é cada vez maior no mundo globalizado pois cada vez mais serão constituídos
agregados familiares entre pessoas de todos os continentes. Nesse sentido, podemos
imaginar que o Brasil, na sua arte, e forma de ver e viver que combina elementos, signos,
ritmos e cores, representa hoje o que pode vir a ser o futuro do planeta. Quem sabe a
lenda do “Boi Bumba” no futuro não será apenas o relato de uma época longínqua onde
havia diferenças entre as pessoas.

Por último, concluímos que todo o laboroso trabalho manual de recolha, corte e
recorte de imagens as colagens em superfícies de escala modesta isentou-nos da culpa
pela emissão de carbono na atmosfera, sobretudo abriu os nossos olhos para o potencial
extraordinário das imagens reagrupadas. No futuro, o nosso compromisso posterior ao
presente trabalho será o de sistematizar uma didática. A intensão é disseminar,
multiplicar o gosto pela colagem e divulgar a urgência de mais pessoas optarem pela
arte sustentável.

No futuro penso que a nossa investigação poderá aprofundar as bases para uma
atuação artística mais comprometida com os conceitos de preservação ecológica.
Sobretudo tudo o que estudámos e concluímos tem o propósito de servir de guia e fonte
de pesquisa para pessoas interessadas em arte, comunicação, cultura popular, estudo
crítico do sistema neo-liberal e do fazer artístico.

133
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René Descartes. Versão electrónica consultada a 09-12-2018 em: https://pt.wikipedia
.org/wiki/G%C3%AAnio_maligno

Wikipedia, the free enciclopedia (2018). O que é arquétipo. Versão electrónico,


consultada a 22-08-2017 em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arqu%C3%A9tipo

147
Wikipedia, the free enciclopedia (2018). Versão da Lenda do Boi Bumba. Versão
electrónica consultada a 11-11-2018 em: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Bumba_meu_boi

Wikipedia, the free enciclopédia [s/d]. O que foi a Semana de Arte Moderna de
22. Versão electrónica consultada a 30-11-2018 em: https://en.wikipedia.org
/wiki/Modern_Art_Week

Imagens

Figura 1 – Brasão e bandeira da cidade de Beja que integra o símbolo do “Boi de


Beja”. Versão electrónica consultada a 12-03-2017 em: https://www.heraldry-
wiki.com/arms/websites/Portugal/www. fisicohomepage.hpg.ig.com.br/images/pt-
bja.gif

Figura 2 – Capa do livro “Bestiário tradicional português”. Autor Nuno Matos


Valente e ilustração de Natacha Costa Pereira. Versão electrónica consultada a 12-03-
2017 em: https://bestiariotradicionalportugues.wordpress.com

Figura 3 – Tarsila do Amaral. “Paisagem com touro”, 1925. Óleo sobre tela, 52
cm x 65 cm, Coleção do Museum of Modern Art (MOMA), EUA. Versão electrónica
consultada a 06-01-2018 em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra
2328/paisagem-com-touro

Figura 4 – Tarsila do Amaral, “O Touro” ou “O Boi na Floresta”, 1928. Óleo s/tela.


50 X 61,2 cm, colecção do Museu de Arte Moderna da Bahia, Brasil. Versão electrónica
consultada a 11-12-2018 em:http://www.uranrodrigues.com/modernistasemfoco-o-
touro-de-tarsila-do-amaral-em-mostra-no-museu-de-arte-moderna-da-bahia/

Figura 5 – History. Carmen Miranda, figurino elaborado com inspiração nas


vendedoras de doce nas ruas da cidade de Salvador no Estado da Bahia. Versão
electrónica consultada a 12-12-2018 em: https://seuhistory.com/biografias/carmen-
miranda

148
Figura 6 – Miguel Saraiva e Marcos de Andrade (professores), [s.d.], “Alunos em
atividade prática pedagógica interpretativa da lenda do boi bumba em ambiente
escolar”. A máscara preta é um elemento constitutivo da indumentária. Portal do
professor do Ministério da Educação. Versão electrónica consultada a 15-01-2019 em:
http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=116

Figura 7 – Capa do livro “Bumba meu Boi” de Roger de Mello, 2017. Versão
electrónica consultada a 15-11-2018 em: https://globaleditora.com.br/catalogos
/livro/?id=3944

Figura 8 – Wikipedia – Boi caprichoso, [s.d.], fotografia aérea do Bumbodramo


em Parintins no estado do Amazonas. Versão electrónica consultada a 20-03-2019 em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Boi_Caprichoso

Figura 9 – Rádio Cidadã FM - #avozdobutanta. À esquerda fotografia do “Boi


Bumba” do Morro do Querosene na cidade de São Paulo, Brasil. À direita fotografia do
mestre Tião Carvalho, músico, compositor e diretor do grupo Boi do Morro do
Querosene e morador da comunidade, 2017. Versão electrónica consultada a 11-12-
2018 em: https://cidadafm.com.br/meu-bairro/nascimento_do_boi_morro_do_
querosene_2018/

Figura 10 – Caras e Nomes. A revista dos municípios in blog. À esquerda a


indumentária de bumba em exposição na rua durante o “Encontro dos Miolos de Boi”.
Pormenor para cada artefato identificado. À direita pormenor de um brincante. O artista
não mostra o rosto durante a encenação para que a fantasia do animal animado e morto
seja mais próxima do real, 2013. Versão electrónica consultada a 16-09-2018 em:
http://www.revistacarasenomes.com.br/secma-inscreve-para-encontro-de-miolos-de-
boi-2011/

Figura 11 – “Minotauro” do ilustrador nipo-brasileiro Kako. Heller, S. &


Wiedemann, J. (Eds.). The Illustrator: 100 best from around the world. Taschen. Versão
electrónica consultada a 18-09-2018 em: http://www.kakofonia.com/

Figura 12 – Capa do livro “O Minotauro” do escritor brasileiro Monteiro Lobato


(1882-1948). A obra na década de 1980 foi adaptada à TV pela Rede Globo no Brasil e

149
exibida em Portugal pela RTP. Versão electrónica consultada a 18-09-2018 em:
http://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46869

Figura 13 – Turomaquia. Bisonte da gruta de Altamira (Espanha). Datado por


volta de 22.000 anos A.C. Considerado Património da Humanidade pela UNESCO. Versão
electrónica consultada a 11-12-2018 em: http://turomaquia.com/pinturas-de-altamira-
arte-pre-historia/

Figura 14 – Bradshaw Foundation. Bois na gruta de Lascaux, França, c. de 15.000


A.C. Considerado Património da Humanidade pela UNESCO. Versão electrónica
consultada a 11-12-2018 em: http://www.bradshawfoundation.com/chauvet/

Figura 15 – Capa da banda desenhada “Catirina & Pai Francisco” de Beto Nicácio,
2016. Maranhão: Editora Dupla Criação. Versão electrónica consultada a 18-12-2018
em: http://www.universohq.com/noticias/lancamento-da-hq-catirina-pai-francisco-de-
beto-nicacio/

Figura 16 – GOVERNO DO MARANHÃO. GOVERNO DE TODOS NÓS. Fotografia de


menino durante a “Festa de São João de Todos do Maranhão”, 2016. Versão electrónica
consultada a 07-06-2018 em: https://www.ma.gov.br/com-mais-de-500-grupos-locais-
sao-joao-de-todos-2018-celebra-a-maior-festa-popular-do-maranhao/

Figura 17 – Instituição ACasa. Cid Carvalho, indumentária “Boi Bumba”, 2008-


2009, tecido, colagem e aviamentos diversos, colecção do acervo da Instituição ACasa.
Versão electrónica consultada a 18-03-2019 em http://www.acasa.org.br/reg_mv/OB-
01166/52ca720d9b 09d995066a5a39bac7f1e5

Figura 18 – Arte Popular do Brasil. Manuel Eudocio, “Manuel e Catirina”, [s.d.],


cerâmica policromada, miniatura, colecção do autor. Versão electrónica consultada a
22-02-2019 em: http://artepopularbrasil.blogspot.com/2010/11/manuel-eudocio.html

Figura 19 – Denildo Piçanã, fotografia do “Boi Caprichoso” com a “filha do


proprietário da fazenda” demonstrando o seu afecto pelo animal, [s.d.]. Versão
electrónica consultada a 23.11.2918 em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Boi_Caprichoso

Figura 21 – Walk and Talk. Da esquerda para a direita: Toritos num telhado;
Torito pequeno decorado; Casa produtora do objeto artesanal com venda destinada a

150
turistas; Estátua do Torito em grande escala na cidade de Pucara, Perú. Versão
electrónica consultada a 28-12-2018 em: http://walkandtalk.com.br/o-misterio-dos-
toritos-de-pucara/

Figura 22 – Artesanato de Pernambuco. J. Borges. De cima para baixo, da


esquerda para direita: “Os Boiadeiros”, 48 x 66 cm, colecção Cestarias Regio; “O sertão
e o sol quente”, 44 x 60 cm, colecção de Ana Neri; “O boi voando”, 33 x 24 cm, colecção
J. Brito; “Bumba meu boi”, 21 x 23 cm, coleção Arte Maior Leilões; “Bumba meu boi”,
47 x 33 cm, colecção Galeria de Gravura; “O casamento do bode”, 60 x 40 cm, colecção
Galeria de Gravura; “O forro dos bichos”, 66 x 46 cm, colecção Cestarias Régio; “Bumba
meu boi”, 65 x 50 cm, colecção Arte Maior leilões; “O boi e o pássaro”, 68 x 48 cm,
colecção Munneart. Versão electrónica consultada a 16-08-2018 em:
http://www.artesanatodepernambuco.pe.gov.br/pt-BR/mestres/j-borges-
mestre/mestre

Figura 23 – TV Asa Branca. Entrevista a J. Borges em actividade artística aos 80


anos, pela jornalista Amanda Dantas (fotograma), Bezerros, Estado de Pernambuco,
Brasil, 2016. Versão electrónica consultada a 03-08-2018 em:
http://redeglobo.globo.com/pe/tvasabranca/noticia/2016/07/materia-sobre-j-borges-
e-exibida-no-encontro-com-fatima-bernardes-veja.html

Figura 24 – Artyfactory. Pablo Picasso (1881-1973), “Bull”, 1945, litogravuras, 8x


(31 x 46.8 cm), colecção Galeria Christie`s, Reino Unido. Versão electrónica consultada
a 11-12-2018 em: http://www.artyfactory.com/art_appreciation/animals_in_art/
pablo_picasso.htm

Figura 25 – Wikipedia. Pablo Picasso, “Guernica”, 1937. Óleo s/ tela. 349,3 x


776,6 cm. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid, Espanha. Versão
electrónica consultada a 11-12-2018 em: https://en.wikipedia.org/wiki/
Guernica_(Picasso)

151
Figura 26 – Secretaria da Educação do Paraná. Rembrandt van Rijn (1606-1669),
“O Boi Abatido”, 1655. Óleo s/ tela. 94 x 69 cm, colecção Museu do Louvre, França.
Versão electrónica consultada a 11-12-2018 em: http://www.arte.seed.pr.gov.br
/modules/galeria/detalhe.php?foto=315&evento=1

Figura 27 – Wikipedia. John Boultbee “Durham OX”, 1804, gravura, 51 x 61 cm,


Colecção da família do artista, EUA. Versão electrónica consultada a 11-12-2018 em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Durham_Ox

Figura 28 – Wikipedia. Vincent van Gogh (1853-1890), “Cart with Black Ox”, 1884.
Pintura a óleo, 60 x 80 cm, Portland Art Museum, EUA. Versão electrónica consultada a
11-12-2018 em: https://en.wikipedia.org/wiki/Cart_with_Black_Ox

Figura 29 – John Singer Sargent, “Oxen” 1911, aguarela, 40 x 53 cm. Colecção da


Tate Gallery, Reino Unido. Versão electrónica consultada a 11-12-2018 em:
https://www.tate.org.uk/art/artworks/sargent-oxen-carrara-n03560

Figura 30 – Saatchi Art. David Goodrich (1962-2014), “White Buffalo” [s/d],


acrílico s/tela, 18 x 17 cm, colecção da Galeria Saatchiart, EUA Versão electrónica
consultada a 11-12-2018 em: https://www.saatchiart.com/art/Painting-White-
Buffalo/13186/1214097/view

Figura 31 – Filipe Morato Gomes. Alma de Viajante. À esquerda: pormenor de


um figurino luxuoso, local, 2017. À direita: Boi Garantido mostrando ao fundo cartazes
de divulgação do serviço público de Correios, local, 2017. Versão electrónica consultada
a 27-10-2018 em: https://www.almadeviajante.com/boi-garantido-fotos-2017/

Figura 32 – No Amazonas é assim. À esquerda: Latas do refrigerante Guaraná da


Companhia Coca Cola Company produzido exclusivamente para a data festiva das festas
do Bumba Meu Boi em Parintins, 2013. À direita: garrafas de coca-cola com a imagem
do boi, 2013. Versão electrónica consultada a 16-08-2018 em:
https://noamazonaseassim.com.br/no-ritmo-do-boi-bumba-as-marcas-mudam-de-
cores-em-parintins/

Figura 33 – Exame. Da esquerda para a direita: Cartaz produzido “Viva o lado


Coca-cola dos bumbás”, lata do refrigerante, latas do leite em pós destinado à

152
alimentação das crianças produzida pela empresa Suíça Nestlé, 2013. Versão electrónica
consultada a 17-08-2018 em: https://exame.abril.com.br/marketing/ninho-edicao-
especial-parintins-574514/

Figura 34 – Flavio Emanuel. Coca-cola Journey. A arena da encenação do Boi


Caprichoso. Ao fundo e à esquerda podemos observar a faixa promocional do
refrigerante Coca-cola com um foco de luz direcionado para esta, 2013. Versão
electrónica consultada a 17-08-2018 em:
https://www.cocacolabrasil.com.br/historias/no-ritmo-do-boi-bumba-fatos-e-
curiosidades-sobre-o-festival-folclorico-de-parintins

Figura 35 – blouinartinfo. Vik Muniz, “Minotauro”, 2004, fotografia (impressão


cromogénica), 122,50 x 101,60 cm, colecção da Galeria Mutual Art, Reino Unido. Versão
electrónica consultada a 07-09-2018 em: https://www.blouinartinfo.com/galleryguide-
venues/289833/past-results/114760?sort=sale_h_to_l

Figuras 36-38 – Exposição de Vik Muniz na Fundação Casa Santa Inês, na Gávea
no Rio de Janeiro. Versão electrónica consultada a 07-09-2018 em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/o-que-fazer-no-rio-de-janeiro/noticia/2018/12/
07/exposicao-inedita-de-vik-muniz-na-fundacao-casa-santa-ines-na-gavea.ghtml

Figura 39 – Vik Muniz. À esquerda: Processo de captura fotográfica da imagem


composta com elementos diversos. À direita: Exposição do quadro “Nossa Senhora das
Graças” na Casa Daros, no Rio de Janeiro, em 2016. Versão electrónica consultada a 07.
09-2018 em: http://www.guiasweb.com.br/noticia_8225-casa_daros_eleva_status_
cultural_do_rio.htm e http://rio.ig.com.br/2012/05/18/casa-daros-bilionaria-suica-
banca-museu-no-rio/

Figura 40 – atelier. Raimundo Rodriguez. À esquerda: o artista no seu estúdio de


trabalho. À direita: Obra “Pinta”, produzida com tampas de latas de tinta sobrepostas.
Versão electrónica consultada a 01-06-2018 em: https://www.atelier.guide/home
/pintura-do-tipo-brasileira-rene-obras-de-quatro-artistas

Figura 41 – TV Rede Globo. Cavalo da mini série “A Pedra do Reino”. Versão


electrónica consultada a 01-06-2018 em: http://memoriaglobo.globo.com/
programas/entretenimento/minisseries/a-pedra-do-reino/fotos-e-videos.htm
153
Figura 42 – Elizabete Antunez, “RECICLÁVEL”, artigo sobre o artista Raimundo
Rodriguez na revista O Globo, 2007. Versão electrónica consultada a 01-06-2018 em
http://raimundorodriguez.blogspot.com/2007/12/raimundo-rodriguez-um-diretor-de-
arte-e.html

Figuras 51-53, 55-57 – Revista Claudia, editora Abril, ano 57, novembro de 2018.
Revista Globo Rural, editora Globo, abril 2019, n° 401, ISSN: 0102-6178. Revista L`Officiel
Brasil, editora Jalou, n° 51, ISSN: 2238-4448. Portefólio #8, anual,2003, ISBN:1646-4125,
revista da Fundação Eugênio de Almeida. Boletim Salesiano, Rede Salesianas Brasil, ano
69 janeiro de 2019. Construir, editora Casa Dois, nº 139, ISSN: 1518-8272. Claudia,
editora Abril, dezembro de 2017, ano 56, ISSN: 977-985000-5. Revista Arquitetura &
Construção, editora Abril, agosto de 2014. Revista Professor, edição especial datas
comemorativas, editora Minuano, ano 1, nº 07. Revista História Biblioteca Nacional,
gráfica Ediouro, ano 10, nº 111, dezembro 2014, ISSN 1808-4001. Álbum de fotografias
Brasil Terra Virgem, coordenação Ana Augusta Rocha e Roberto Linker, ano 1999,
projeto agraciado pela Lei Mendonça 10.923/90 da cidade de São Paulo, tiragem de
distribuição gratuita.

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