Resumo Completo de Direito Penal III

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CRIMES CONTRA A PESSOA

CRIMES CONTRA A VIDA

Artigo 131º CP
Homicídio simples

Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.

• O direito penal é um direito penal de bens jurídicos. Quer isto dizer que, todas as normas incriminadoras têm de proteger
um bem jurídico.

• Os bens jurídicos estão organizados no CP conforme a sua importância. Uma vez que o direito penal dá primazia à vida,
em primeiro lugar, no CP, encontram-se os crimes contra o SER e depois os crimes contra o TER.

• Desde o art. 131º até ao art. 137º (com exceção do art. 135º), em todas estes normas, o bem jurídico protegido é a vida
humana de pessoa já nascida.

• Estes bens obedecem ao princípio da perequação, o que significa dizer que, quanto mais importante é o bem jurídico,
maior será a moldura penal abstrata.

• O título "crimes contra as pessoas", que inicia a parte especial do nosso CP, encontra-se construído segundo uma rigorosa
separação dos bens jurídicos protegidos.

• É a partir do crime de homicídio simples, artigo 131ºCP, onde a conduta típica (base) é matar outra pessoa e o bem
jurídico protegido é a vida humana de pessoa já nascida, que o legislador cria os vários ramos (ramificações) do crime de
homicídio, seja qualificando-o (art. 132º), privilegiando-o (art. 133º), entre outros (art. 134º).

• O homicídio é o ato de lesão da vida (dano), onde o tipo objetivo de ilícito do homicídio se realiza com a morte de outra
pessoa, ou seja, causar a morte de pessoa diferente do agente.
• Tipo objetivo de ilícito: Conduta- matar outra pessoa. O tipo objetivo de ilícito pressupõe a conduta de matar e a
produção do resultado (a morte de uma pessoa).
• Tipo subjetivo de ilícito: o tipo subjetivo de ilícito previsto no art. 131º exige o dolo em qualquer das suas formas
contempladas no art.14º CP. Ou seja, para preenchimento do tipo subjetivo de ilícito admite-se qualquer tipo ou forma
de dolo- direito (art. 14º/1º), necessário (art. 14º/2º), ou dolo eventual (art. 14º/3º), (elemento determinante na
concretização do tipo de homicídio base)

Quando se inicia a vida?


O momento em que começa a vida é importante para efeitos de delimitação do âmbito de protecção da norma relativa ao
homicídio.
Ao contrário do que se processa em sede de direito civil, a vida não se inicia com o disposto no art. 66º CC.
No âmbito do direito penal, o inicio da vida não se dá com o nascimento completo e com vida mas sim com o início do parto.
O início do parto surge quando se iniciam as contrações ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à
expulsão do feto (contrações por meio natural ou artificialmente são consideradas de forma igual) ou, em caso de cesariana,
com o inicio do processo cirúrgico.
Os pressupostos da qualidade de pessoa para o efeito de integração do tipo objetivo de ilícito é que, no momento inicial do
nascimento (tal como foi referido), esteja viva e não a sua capacidade de vida autónoma.
o inicio da vida não se dá apenas com o corte do cordão umbilical, porque se assim fosse, o médico, ou qualquer outro
profissional de saúde violasse os seus deveres de forma negligente e conduzisse à morte daquele ser, este não seria punido.
O âmbito de proteção da norma é aquilo que a norma quer proteger. Se a norma quer proteger a vida humana de pessoa já
nascida, temos de antecipar o nascimento do ser.
É necessário ter em consideração as condutas médicas pré-natais. Condutas que produzem efeitos (verificáveis) já depois de
iniciado o acto do nascimento, mas que foram levadas a cabo em momento anterior a este.
Para saber se estas condutas são determinantes para preencher o tipo de crime, é preciso saber quando o momento em que a
actuação começa a produzir efeitos sobre o nascituro.
• Se esse momento se inscreve no período em que o nascimento já começou (na forma em que já foi descrita), o tipo
objetivo de ilícito preenchido é o do homicídio. (p.e: a conduta pré-natal conduziu a uma infecção bacteriana da mãe,
declarada antes do acto do nascimento se iniciar mas posteriormente transferida para a criança e conducente à sua
morte);
• Se o início da produção de efeitos da conduta pré-natal se inscreve no período em que o acto do nascimento ainda não se
iniciou, o tipo objetivo de ilícito preenchido é o aborto e não o do homicídio (p.e: intervenção médica que provoca um
nascimento prematuro conducente à morte do feto).

Quando cessa a vida?


A vida cessa, não com a paragem cardíaca mas sim com a destruição total das células cerebrais (morte cerebral).
O conceito de cessação da vida está definido na lei e corresponde à cessação total e irreversível do tronco cerebral. Posto isto,
só a morte cerebral define a irreversibilidade da ausência de vida. A morte é a destruição anatómica estrutural do cérebro na
sua totalidade e nunca uma mera lesão cerebral" (Figueiredo Dias).
Para determinar a morte de alguém é igualmente necessário a comprovação da mesma, através de exames médicos que
atestam se há ou não vida (exame clínico-neurológico e critério das linhas isoeléctricas do EEG).

Causas de justificação (art. 131º CP)


O consentimento, seja ele consentimento efetivo- art. 38º CP ou consentimento presumido- art. 39º CP, não exclui a ilicitude
do homicídio doloso. No entanto, pode acontecer que, o agente seja punido pelo art. 134º CP (Homicídio a pedido da vítima)
ao invés do art. 131º CP (homicídio simples).

Artigo 132º CP
Homicídio Qualificado

1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de
doze a vinte e cinco anos.
2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o
agente:
a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;
b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma
relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º
grau;
c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;
d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por
qualquer motivo torpe ou fútil;
f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela
identidade de género da vítima;
g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;
h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de
crime de perigo comum;
i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso;
j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;
l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão
do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça
autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos
os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança,
funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de
comunidade escolar, ministro de culto religioso, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no
exercício das suas funções ou por causa delas;
m) Ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.

• O homicídio qualificado é uma forma agravada do homicídio "simples" - art. 131º CP.

• Tal como o homicídio simples, o homicídio qualificado é um tipo unicamente punível a título de dolo.

• A qualificação do homicídio assenta na combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa
(= A verificação de um tipo de culpa agravada = especial censurabilidade ou perversidade), (previsto no nº1 deste art.),
juntamente com a técnica dos exemplos-padrão, consagrada no nº2.

• O homicídio não é qualificado apenas por se estar na presença de uma das circunstâncias previstas nas alíneas do nº2 deste
art. (ou de uma substancialmente análoga), mas, deverá ainda, o julgador verificar se está na presença de um tipo de culpa
agravada, apta a revelar uma especial censurabilidade e especial perversidade.

• Apenas se verificando a presença, quer da culpa agravada, quer dos exemplos padrão (ou outra situação substancialmente
análoga a estes), é que é possível qualificar o homicídio.

• Quer isto dizer que, o juiz não deve qualificar o homicídio sem que se verifiquem as situações supradescritas.

• Posto isto, o homicídio é qualificado se e só se resultar da articulação entre a técnica dos exemplos-padrão, presente no nº2
do art. e o critério generalizador, previsto no nº1 deste art. (conjugação do nº1 e do nº2).

• Ou seja, o homicídio não é qualificado única e exclusivamente por preencher 1 dos exemplos -padrão das diferentes alíneas do
nº2 ou por revelar especial censurabildade (juízo de censura ético-jurídico) ou perversidade (no nº1).
Se faltar uma destas premissas (nº1 ou nº2) o homicídio não pode ser qualificado.

• A partir desta construção é possível clarificar a aplicação do critério de qualificação do homicídio.


O homicídio não pode ser qualificado apenas por se verificar em determinada conduta, o critério generalizador de especial
censurabilidade ou especial perversidade (nº1 art. 132º), nem unicamente por se conseguir enquadrar a situação numa das
que advêm dos exemplos-padrão supradescritos nas alíneas do nº2 do art. 132º.

- Segundo a jurisprudência do STJ fixado no seu AC de 03-07-2008 "o apelo direto à clausula de especial censurabilidade ou
perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência
de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga" pode afetar o princípio da legalidade.

- No mesmo entendimento, o TC, no seu AC de 10-12-2014, foi chamado a analisar a possibilidade de "violação do princípio
constitucional da legalidade criminal, na sua dimensão de tipicidade", a propósito justamente da qualificação do
homicídio poder ser feita ao arrepio da existência de um exemplo-padrão ou de uma situação substancialmente análoga,
corroborou a jurisprudência do STJ no AC acima referido.
O TC julgou inconstitucional a norma retirada do nº1 do artigo 132º CP, na sua relação com o nº2 do mesmo artigo,
quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção do homicídio qualificado, sem que seja possível
subsumir a conduta do agente a qualquer dos exemplos-padrão previstos nas diferentes alíneas do nº2 ou ao critério de
agravação nela subjacente, por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais (art. 29ºCRP).

Situações substancialmente análogas


No nº2 do artigo 132º CP, a expressão"entre outras", significa dizer que o legislador admite que um homicídio (na vertente da
aplicação da técnica dos exemplos padrão), seja qualificado furto de uma outra circunstância que não esteja prevista em
nenhuma das alíneas. Significa isto dizer que, apesar de não constar no elemento literal da norma do nº2, a nomenclatura
desta permite-nos analogicamente , enquadrar outras situações que tenham conteúdo análogo ou semelhante a estas,
quando o bem jurídico violado é o mesmo (vida de pessoa humana já nascida).
É certo que não faz parte do tipo legal de crime a "situação substancialmente análoga à prevista no exemplo-padrão". Mas,
por força do disposto nesse mesmo artigo nº2, "entre outras", a possibilidade de qualificação do homicídio com recurso a
essas situações não viola o princípio da legalidade, desde que as mesmas sejam devidamente analisadas pelo juiz e se, essa
mesma situação substancialmente análoga, tiver uma estrutura valorativa idêntica à das previstas nos exemplos-padrão na
sua dimensão de tipicidade.
O enquadramento numa destas situações materialmente idênticas não dispensa a aplicação do critério generalizador do nº1.
Quer isto dizer, em síntese, que o legislador permite que a convicção (do juiz) de uma determinada situação, não contemplada
enquanto exemplo-padrão, possa consolidar a qualificação do homicídio, com a condição de que esta indicie uma especial
censurabilidade ou especial perversidade.
O tribunal deve começar por verificar se, naquele caso, está ou não preenchido um exemplar-padrão ou uma situação
substancialmente análoga e, só e só depois disto é que deve passar para a análise da especial censurabilidade ou especial
perversidade.
O texto da norma do nº2 deste artigo permite enquadrar uma determinada situação ou conduta não necessariamente num
dos exemplos padrão mas sim num outro substancialmente análogo. Quer isto dizer que a qualificação de um homicídio, sem
recurso a uma das situações previstas nas alíneas do nº2 deste artigo, é permitida.

Alterações dos exemplos-padrão


Na alínea b) do art. 132º/2º CP, o legislador quis dizer que o agente que matar a pessoa a quem se encontra unido por laços
afetivos fortes, geradores de direitos e deveres para com a vítima e que ele próprio escolheu para partilhar a sua vida pode,
efetivamente vir a cometer um crime de homicídio qualificado. Isto porque, quem mata, estava investido num dever de
proteger, de cuidar e de ajudar e acaba por vencer esses mesmos deveres, matando o seu par.
Tendo em conta que esta alínea constitui um dos exemplos-padrão, é desnecessário o acrescento que se introduz no mesmo,
em relação ao namoro e à extinção deste. Até porque é difícil igualar ou até mesmo considerar que todas as relações de
namoro se possam efetivamente considerar como aquela que consta na alínea b).
No entanto, se a relação de namoro ou ex namoro assumir os contornos de uma união semelhante àquela que existe no
casamento, o homicídio pode vir a ser considerado qualificado (pois aqui, entende-se este namoro como uma situação
substancialmente análoga à dos cônjuges). Se, por outro lado, a relação não partilha essa afinidade, o homicídio não deve ser
entendido como um homicídio qualificado.
NOTA: O método de qualificação pode ser visto do ponto de vista político-criminal mas também do ponto de vista dogmático,
no sentido de saber se os exemplos-padrão constituem elementos do tipo de ilícito, un do tipo de ilícito e outros do tipo de
culpa, ou em algumas circunstâncias determinantes da pena. A doutrina defendida é a que os exemplos-padrão são elementos
constitutivos do tipo de culpa.
NOTA: No âmbito da alínea a) - A qualificação do homicídio pode ser afastada se o pai/mãe matar o filho "dominado pelo
desespero de o ver sofrer de forma atroz no estádio terminal de uma doença incurável e dolorosa".

Ao resolver o caso prático:


• O direito penal é um direito penal de bens jurídicos. Quer isto dizer que todas as normas incriminadoras têm de proteger
um bem jurídico;

• Desde o art. 131º até ao art. 137º (com exceção do art. 135º), em todas estes normas, o bem jurídico protegido é a vida
humana de pessoa já nascida;

• O homicídio é o ato de lesão da vida (dano), onde o tipo objetivo de ilícito do homicídio se realiza com a morte de outra
pessoa, ou seja, causar a morte de pessoa diferente do agente;

• Tipo objetivo de ilícito: Conduta- matar outra pessoa. O tipo objetivo de ilícito pressupõe a conduta de matar e a
produção do resultado (a morte de uma pessoa).
• Tipo subjetivo de ilícito: o tipo subjetivo de ilícito previsto no art. 131º exige o dolo em qualquer das suas formas
contempladas no art.14º CP. Ou seja, para preenchimento do tipo subjetivo de ilícito admite-se qualquer tipo ou forma
de dolo- direito (art. 14º/1º), necessário (art. 14º/2º), ou dolo eventual (art. 14º/3º), (elemento determinante na
concretização do tipo de homicídio base;

• Posto isto, a conduta típica do art. 131º CP "quem matar outra pessoa" está preenchida, visto que A matou B. O bem
jurídico em causa é a vida humana de pessoa já nascida (de B), tutelado nos demais homicídios;

• É a partir do crime de homicídio simples, artigo 131ºCP, onde a conduta típica (base) é "quem matar outra pessoa" e o
bem jurídico protegido é a vida humana de pessoa já nascida, que o legislador cria os vários ramos (ramificações) do
crime de homicídio, seja qualificando-o (art. 132º), privilegiando-o (art. 133º), entre outros (art. 134º);

• Todos os homicídios que se sucedem ao do art. 131º CP encontram-se num concurso aparente de normas, relação de
especialidade, derrogando a norma "base" do art. 131º CP. Quer isto dizer que, o crime brota do art. 131º (onde a
conduta típica é quem matar outra pessoa). Mas, há situações, onde há outras normas (as ramificações que nascem do
art. 131º), que derrogam a norma do art. 131º pelo facto de esta ou estas terem mais elementos subjetivos da conduta
típica do agente. P.E: se A matou B e B era seu marido e A fê-lo por ciúmes - é uma situação passível de se enquadrar no
art. 132º e não apenas e somente no art. 131º, pois o art. 132º fornece-nos mais elementos subjetivos (nomeadamente
os exemplos-padrão das alíneas do nº2), que nos possibilita (analisados todos os critérios) que este crime que A cometeu,
é passível de ser um crime de homicídio qualificado, como prevê o art. 132º/2º e nº1º.

• Quer isto dizer que há determinados elementos essenciais do tipo que também pode estar preenchido, ou seja, para
além do disposto no art. 131º CP, A matou B, mas fê-lo com (ódio, ciúmes, motivo fútil entre outros os exemplos-padrão
que estão nas diferentes alíneas do nº2 do art. 132º CP).

• Dadas as circunstâncias do caso, convêm apreciar se, nos termos do art. 132º/2º, estamos na presença de algum dos
exemplos-padrão (ou outra situação substancialmnte análoga), e se e só se for esse o caso (pois é desnecessário ir ao
132º/1º se não se verificar tal situação), ir ao art. 132º/1º para perceber se estamos perante uma culpa agravada, ou seja,
uma conduta passível de revelar especial censurabilidade ou especial perversidade. Não obstante disto, só é possível
encaixar esta situação no art. 132º CP, se efetivamente se conjugar os seus requisitos.

• Não é por a conduta de A revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou até mesmo por preencher um dos
exemplos-padrão que prevê o nº2 do art. 132º que o homicido que esta cometeu, seja efetivamente qualificado.

• DIZER TUDO O QUE ESTÁ NO ART. 132º CP (EXPLICADO ACIMA).


• Em síntese: verificar o 131º - verificar o 132º/2º- verificar o 132º/1º.

• Conclusão: Enquadrando o comportamento de A, passível de consubstanciar a prática de um crime de homicídio previsto


e punido pelo art. 132º/2º e nº1º, por referência ao art. 131º, é possível concluir que A seria condenada a uma pena de x
a x.

Artigo 133º CP
Homicídio Privilegiado

Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral,
que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

• O artigo 133º CP apresenta uma moldura penal inferior à do artigo 132º CP.
Para perceber o porquê desta situação é importante analisar os elemento da culpa:
• Imputabilidade/inimputabilidade;
• Dolo/Negliência;
• Consciência da ilicitude;
• Exigibilidade.

• O art. 133º CP consagra uma cláusula de exigibilidade diminuída (que diminui a culpa do agente).

• No crime de homicídio privilegiado, o agente comete um homicídio ao abrigo de circunstâncias (estados de afeto) que
permitem atenuar a culpa (no âmbito da exigibilidade). Logo, a pena é mais baixa do que a que prevê o artigo 131º CP.

• Esta diminuição não é sinónimo de uma imputabilidade diminuída, nem de uma diminuída consciência do ilícito. mas sim uma
exigibilidade (no âmbito da culpa) diminuída de comportamento diferente.
Mas, para que se possa afirmar estar na presença de um crime de homicídio privilegiado, é preciso que se verifique no agente,
um estado de afeto.
Existem 4 estados de afeto:
Compreensível emoção violenta: É um forte estado de afeto emocional, provocado por uma situação pela qual o agente não
pode ser censurado. A emoção tem de ser "compreensível" no sentido de poder existir uma relação de proporcionalidade
entre o facto que a desencadeia. O julgador conclui que a compreensível emoção violenta diminui sensivelmente a culpa do
agente. Quando a vítima seja pessoa "estranha" ao desencadeamento da situação, conclui-se existir falta de o nexo de
causalidade entre o motivo e a prática do crime P.E: pai/mãe que mata alguém que violou a filha/o;

Compaixão: Estado de afeto ligado à solidariedade ou à comparticipação no sofrimento de outra pessoa. Filho/a que mata o
pai/mãe que está em sofrimento;

Desespero: Constitui um estado de afeto ligado a um sentimento de angústia, depressão ou revolta. Ao contrário do que se
verifica no estado de afeto de compreensível emoção violenta, no âmbito da compaixão e desespero, não se exige que seja
"compreensível". Situação de humilhação prolongada e falta de esperança. P.E: alguém que sofre de violência doméstica
durante muitos anos e acaba por matar o agressor.

Motivo de relevante valor social ou moral. P.E: um pai que mata a sua filha porque esta não se casou com quem ele escolheu
(quando se tratar de situações de cultura) - é preciso que se prove que quem tenha cometido o homicídio ainda viva debaixo
das convicções do seu povo e que tenha morto a sua filha por esse motivo. Há um caso em que um casal vindo de um país
com tradições muito fortes, que emigra para a Alemanha, a dada altura, este casal divorcia-se por muito consentimento mas,
o primo do ex marido, matou a mulher devido à "desonra". Crimes culturalmente motivados. Não se trata de matar alguém
por razões de raça ou etnia mas sim culturais. É necessário ter em conta que, quanto mais tempo a pessoa em questão, viver
em Portugal, mais incompreensível se torna o facto de ela ter morto aquela pessoa.

• Estes 4 estados de afeto não são cumulativos, ou seja, basta que se verifique que um deles atua sobre a culpa para se poder
afirmar que estamos perante um homicídio privilegiado. Quer isto dizer que, os estados de afeto só "funcionam"quando
conexionados com uma concreta situação de exigibiidade diminuída por eles determinada.

• A exigibilidade não é totalmente afastada mas sim atenuada se e só se as circunstâncias exteriores atuarem sobre a culpa do
agente, levando-o a cometer o crime sob um estado de afeto. Logo, os estados de afeto atuam no plano da culpa (mais
precisamente no da exigibilidade).
Não devemos confundir o estado de afeto em que o agente se encontra com uma causa de exclusão da culpa. A culpa não é
afastada, continua a existir, só que é especialmente atenuada. Isto porque o bem jurídico em causa é a vida humana de
pessoa já nascida (bem jurídico indisponível a terceiros) e, como tal, o legislador não podia deixar de punir (mas com uma
pena mais baixa do que a do homicídio simples ).

Princípio geral da proibição de dupla valoração


Este princípio proíbe que o mesmo substrato considerado para integração do art. 133º CP seja novamente valorado para
efeito de atenuação especial da pena (pelo art. 73º CP). Ou seja, se o juiz considerar que, efetivamente aquele agente atuou
ao abrigo de um estado de afeto e valora-o pelo art. 133º CP com uma especial atenuação da pena, não pode depois fazê-lo
novamente no âmbito do art. 72º CP sob pena de violar o principio da proibição da dupla valoração.

Tentativa
Feita através da cláusula de extensão do art. 23º CP (parte geral) com o art. 133º CP (parte especial).

Ao resolvero caso prático:


• Para além de tudo o que escrevi acima, acrescentar que "este homicídio privilegiado deu-se em função de uma cláusula
de exigibilidade diminuída (cláusula essa que permite diminuir a culpa do agente no que concerne à sua exigibilidade).
Apesar da vida humana ser um bem jurídico indisponível a terceiros, o legislador "compreende" que se atuou ao abrigo
de um estado de afeto e debaixo de determinadas circunstâncias. No entanto, da mesma forma que o homicídio
qualificado não se verifica apenas por se estar perante um dos exemplos-padrão ou situação substancialmente análoga, o
homicídio privilegiado não é automaticamente privilegiado por se verificar um estado de afeto mas sim através da
conjugação deste com uma concreta exigibilidade diminuída. Quer isto dizer que, no âmbito dos elementos objetivos do
tipo, estes são fáceis de identificar, mas os subjetivos já dependem de outros critério que permitam concluir que o agente
atuou realmente a abrigo de um estado de afeto".
• No âmbito do concurso aparente de normas, o mesmo só se pode dar quanto aos elementos objetivos de uma ou de
outra hipóteses mas nunca relativamente aos tipos de culpa. Ou seja, não há simultaneamente uma especial
censurabilidade e perversidade e igualmente um estado de afeto. Ou o homicídio é qualificado porque o agente actuou
com um especial tipo de culpa que revelou especial censurabilidade e perversidade, ou o homicídio é privilegiado porque
o agente actuou ao abrigo de um estado de afeto.
• O artigo. 133º afasta o art. 131º e o art. 132º afasta o art. 133º.
• Para determinar qual é o tipo de homicio, é importante ter em conta qual ou quais os motivos que levaram o agente a
cometer o crime.
NOTA: No homicídio qualificado temos uma culpa expandida, no homicídio privilegiado temos uma culpa contraída.

Artigo 134º CP
Homicídio a pedido da vítima

1 - Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com pena de prisão
até 3 anos.
2 - A tentativa é punível.

• O homicído a pedido da vítima, configura-se para a vítima um suicídio através de mão alheia e para o agente, a produção da
morte de outra pessoa.

• Mais uma vez, este tipo de homicídio não é um homicídio autónomo e tal como o homicídio qualificado e privilegiado,
constitui mais uma das ramificações do homicídio simples do art. 131º CP. Logo, Estamos perante uma especificação do
homicidio do art. 131º em que o que é especial aqui são as circunstâncias em que a morte é dada.

• A conduta típica é quem matar outra pessoa e o bem jurídico em causa é a vida humana de pessoa já nascida. No entanto,
para além de "matar outra pessoa", o que singulariza o homicídio a pedido da vítima e explica o regime de privilegio que a lei
lhe dispensa, é o facto de a produção da morte resultar do exercício autoresponsável da autodeterminação da vítima. Por isso,
faz igualmente parte da conduta típica do homicídio a pedido a vítima o "determinado por pedido sério, instante e expresso
que ela lhe tenha feito". Mas, este elemento do tipo "pedido" abrange não só o pedido de morte mas também o SE, o COMO,
o QUANDO, o ONDE e o QUEM.

• No homicídio a pedido da vítima, a própria vítima é quem tem o dolo de morrer. No entanto, como não pode ou não se
consegue matar (dar a morte) (o enunciado dos casos práticos nem sempre nos diz o porquê de a vítima não o conseguir fazer
sozinha, por isso, podemos "supor"), convence então o agente a dar-lhe.

• No homicídio a pedido da vítima, o agente mata, não por qualquer motivo mas sim pelo pedido que a vítima lhe faz. Quer isto
dizer que, o agente mata, não por motivos que se lhe impõem mas sim porque a vítima o instigou a fazê-lo.

• O homicídio a pedido da vítima assemelha-se ao homicídio privilegiado, no sentido em que o agente beneficia igualmente de
uma pena reduzida.
• Este tipo de homicídio pressupõe que o agente possa beneficiar de uma redução da culpa. A razão/motivo que move o agente
a cometer este crime, é o que fundamenta a redução da culpa. E, a razão é o pedido, que deve ser:
- Sério e não inquinado por vícios da vontade (declaração não séria), uma vez que é através deste que a vítima está a renunciar
a sua vida. O pedido feito por menor de 14 anos é considerado não sério.A vítima deve igualmente estar ciente e consciente
das circunstâncias em que está a formular esse pedido (não estar por exemplo sob o efeito de substâncias psicotrópicas ou
mesmo sob a influência de medicação que lhe impeçam de formular per si um raciocínio consciente). Quer isto dizer que a
vontade da vítima (de morrer) deve ser inequívoca.
- O pedido tem de ser instante e deve despertar no agente o dolo de dar a morte à vítima. (A qualificação do pedido é uma
qualificação que permite diferenciar o homicídio a pedido da vítima do consentimento.
- O pedido deve igualmente ser expresso (não é sinónimo de ser escrito) mas sim inequívoco e que não suscite dúvidas.
O pedido deve ainda ser dirigido diretamente ao agente e não por intermédio de outrem.
Os requisitos do pedido são cumulativos.

• Este pedido é que vai atuar sobre a culpa do agente, reduzindo-a. Por isso é que podemos dizer que, tal como o que acontece
no homicídio privilegiado (art. 133º), o homicídio a pedido da vítima (art. 134º), é um homicídio de culpa reduzida e atenuada,
não pelo estado de afeto mas por existir um pedido.

• A vitima, através do pedido, renuncia o seu bem jurídico (vida) e, dentro dessa medida, há uma redução da culpa e da própria
ilicitude.
No âmbito do homicídio a pedido da vítima, o agente beneficia de um privilegiamento que permite reduzir a sua culpa. Ou
seja, o legislador não exclui totalmente a exigibilidade da culpa do agente mas pode atenuá-la.
Isto porque, associado ao elemento do tipo "matar outra pessoa", está o "pedido", que constitui um elemento privilegiador e
que contribui para a redução da culpa do agente. Logo, a moldura penal desta norma é diferente à que prevê o art. 131º CP.
É importante ter em consideração que, se o agente já tinha pensado em dar a morte à vítima ou, se o pedido significou apenas
uma "justificação" e "motivo" para matar. Então, o determinante para o agente dar a morte à vítima, não foi o pedido mas sim
outro motivo. Logo, esse agente, nessas circunstâncias, não poderá beneficiar do privilegiamente que o pedido da vítima lhe
confere daí se poder enquadrar este tipo de situações noutras ramificações do crime de homicídio.
Só poderá beneficiar do regime do art. 134º, o agente que tiver praticado o facto determinado pelo pedido e não o agente
que antes de existir o pedido, já estava determinado e decidido a praticar o facto ou até mesmo o agente que só dê a morte à
vítima depois de receber ajuda de um terceiro (a quem a vítima não dirigiu oo pedido).
Entre o pedido da vítima e a decisão do agente deve existir um nexo de causalidade.
O legislador considera que o pedido sério, instante e expresso configura uma circunstância exterior que, por via de regra,
diminuirá as inibições e resistências que o tabu da vida alheia desperta mesmo numa pessoa fiel ao direito.

O tipo subjetivo
O homicídio a pedido da vítima pressupõe o dolo do agente, normalmente, o dolo direito (excecionalmente é possível
representar hipóteses de dolo eventual - situações em que o agente não confia na eficácia letal do método ou do meio
escolhido pela vítima e, apesar disso, prossegue com a sua ação).
O dolo exige a representação de todos os elementos pertinentes ao tipo objetivo. Por exemplo, se o agente atuar sem ter tido
conhecimento da existência do pedido, é punido por homicidio nos termos do art. 131º e não pelo 134º .

• O que está em causa é a convergência de uma autolesão na medida em que há uma pessoa que não se consegue suicidar-se e
pede a outra para he dar a morte.
O pedido é como um consentimento qualificado mas sem eficácia justificativa, na medida em que a vida humana de pessoa já
nascida é um bem jurídico indisponível a terceiros.
NOTA: O nº2 deste art. 134º CP vem contrariar a regra geral, que nos diz que nos crimes com penas até 3 anos, a tentativa não
é punível.

• Em caso de cnconcurso aparente, o art. 134º derroga o art. 132º por razões de especialidade.
Ao resolver o caso prático:
• Atendendo à conduta "quem matar outra pessoa" e ao resultado da mesma (resulta na morte de outra pessoa), estamos
perante um crime de homicídio (art. 131º CP), na medida em que o resultado da conduta do agente foi a morte de outra
pessoa e o bem jurídico violado é a vida humana de pessoa já nascida;

Artigo 135º CP
Incitamento ou ajuda ao suicídio

1- Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até 3 anos, se o suicídio vier efectivamente a ser
tentado ou a consumar-se.
2 - Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação
sensivelmente diminuída, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

O art. 135º CP ajuda a delimitar as circunstâncias dos art. 134º CP.


A conduta típica neste artigo não é "quem matar outra pessoa" mas sim "quem insitar/ajudar outra pessoa".
A contrário do que acontece nos outros crimes de homicídio, o crime de incitamente ou ajuda ao cuicídio não provém nem
consititui um ramo do homicídio simples do art. 131º.
Incitar significa determinar outrem à prática do suicídio. Ou seja, a conduta do agentetem de desencadear um processo
causal, sob a forma de influência psíquica sobre a vítima, despertando nela a decisão de pôr termo à vida. No entanto, essa
decisão de pôr termo tem de ser uma decisão inexistente até à data. Quer isto dizer que, se a vítima já estava decidida a
suicidar-se antes do incitamento, a ação do agente dó poderá valer como ajuda.
O incitamento pode ser feito por meio de um conselho, sugestão, exortação, promessa, recompensa, desde que seja idóneo e
eficaz. Pode ser também individual ou coletivoe compreende um comportamento positivo, logo, não se pode realizar por meio
de omissão.
Ajudar consiste em toda a forma de cooperação (não confundir com incitamento) que seja causal em relação à conduta do
suicida na conformação concreta.
A ajuda pode ser "material ou moral art. 27":
- Física: exs. fornecer uma pistola ou uma corda ou facultar a casa para a vítima se suicidar;
- Psíquica: exs. aconselhar, reconfortar e reforçar a decisão da vítima, dando-lhe até informações ou indicações de técnicas de
como se suicidar.
Tem de haver um nexo de causalidade entre a ajuda e o suicídio (causalidade da cumplicidade) - o que não acontece em
situações por exemplo como A fornecer uma pistola a B para este se suicidar mas B acaba por ingerir veneno.
Incitar e ajudar constituem condutas alternativas da conduta típica do crime, sendo qualquer uma delas suficiente para
realizar o ilícito típico. No entanto, se o agente ajudar e incitar a vítima não significa que o crime se realiza duas vezes, pois
trata-se de "formas de revelação da participação no mesmo facto principal". Logo, o agente deve ser punido por um só crime,
apesar de que, em sede de pena (até 5 anos) se possa atender à circunstância de o agente ter não só incitado como tambem
ajudado a vítima.
Em suma. na presença deste tipo legal de crime, temos de ver se efetivamente a vítima queria morrer às suas próprias mãos,
dolosamente (dimensão de heterolesão) -art. 134º CP. Ou, se se trata de uma autodimensão da auto lesão, quando estiver em
causa a ajuda ou incitamento ao suicídio. Logo, importante será saber se estamos perante uma situação em que a vítima se
quer suicidar ou não.

O tipo subjetivo
A infração só é punível a título de dolo (neste caso, é necessário o dolo eventual). Se o agente sabe que a vítima não conheceo
carácter letal da sua conduta, ou que a sua decisão não é livre e responsável, então o agente tem o dolo de cometer
homicídio.

Concurso real
Pode haver concurso real com o homicídio a pedido da vítima e com o homicídio simples.

Artigo 136º CP
Infanticídio
A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos.

O crime de infanticídio constitui um crime que só pode ser praticado e cometido pela mãe, o que o torna um crime específico.
Este crime contém algumas especificades, a morte dada ao filho tem de ocorrer durante ou logo após o parto.
Neste tipo de crime é importante considerar o inicio e a cessação da vida humana de pessoa já nascida, uma vez que a mãe
que matar o filho durante ou logo após o parto, constitui um homicídio e não um aborto.
Ao contrário (da exceção) do art. 135º CP, o infanticídio compreende um ramo do crime de homicídio simples do art. 131º CP
e é igualmente considerado um crime de homicídio privilegiado pois a mãe tem de estar sob uma perturbação causada pelo
parto. Essa influência perturbadora é um elemento autónomo da tipicidade e tem de ser provado.
O crime de infanticídio constitui uma subespécie do crime de homicídio qualificado, justificada por razões relacionadas com o
carácter indefeso e vulnerável da vítima.
Matar assume o mesmo significado do elemento típico do art. 131º CP. A conduta "matar" deve ter lugar durante ou logo
após o parto, enquanto que o resultado "morte" pode ter lugar em momento posterior.
O crime de infanticídio pode ser cometido por omissão. Ou seja, se a mãe, como garante da vida do seu filho, omitir os
preparativos devidos do parto e do nascimento ou se se socorrer de auxílio médico.
Em caso de concurso aparente de normas, o infanticídio consome o crime de exposição ou abandono.
NOTA: tal como nos outros crimes privilegiados, a atenuação da pena não pode ser feita duas vezes, sob pena de se violar um
princípio de direito processual penal- princípio da dupla valoração.

O tipo objetivo de ilícito


O fundamento do privilegiamento do homicídio é o estado de perturbação em que se encontra a mãe durante ou logo após o
parto. Estes são simultaneamente os elementos constitutivos do tipo objetivo de ilícito.

O tipo subjetivo de ilícito


O tipo subjetivo de ilícito exige o dolo. No entanto, se faltar o dolo, é possível que o crime seja punido a título de negligência
(art. 137º). A tentativa é igualmente punível nos termos do art. 23º CP.

O objeto do facto
Objeto do facto é o filho. Do ponto de vista do bem jurídico, trata-se aqui da vida humana de pessoa já nascida e não da vida
intra-uterina. Logo, trata-se de um homicídio e não de um aborto.

Artigo 137º CP
Homicídio por negligência

1- Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.

O crime de homicídio por negligência tem na sua génese a violação de um dever objetivo de cuidado.
"Quem não sabe uma coisa, não deve fazer" - Roxin.

Exemplos de situações que não constituem um crime de homicídio por negligência:


• Situação em que um cirurgião está a operar, mas há risco de a pessoa morrer no bloco oeratótio (atividade de risco, logo, se o
paciente morrer, não se pode considerar que o médico cometeu um crime de homicídio por negligência);
• Situações não previsiveis como por exemplo estar a passear com a namorado/a num dia de sol e a mesma ser atingida por um
raio ou sofrerem um assalto do qual um deles morre, o outro não cometeu nenhum homicídio por negligência, pois aquel
situação não era previsivel.
• No entanto, já constitui um exemplo de um dever de cuidado, o agente que sabe que tem falta de vista e mesmo assim vai
conduzir à noite sem os seus óculos e, negligentemente atropela alguém que acaba por falecer.

No ambito do crime de homicídio por negligência, é importante ter em consideração um princípio - princípio da confiança.

Causas de exclusão da culpa


A causa de exclusão da culpa será o estado de necessidade desculpante.

Negligência grosseira
Nº2 do art. 137º CP.
Negligência grosseira traduz-se num grau expandido de negligência. O que significa dizer que a situação não é perigosa mas
sim particularmente perigosa. Se a situação per si é mais perigosa, o dever de cuidado deve igualmente ser cumprido de forma
mais cautelosa. Na negligência consciente, operigo é maior e o resultado que está dentro do tipo legal de crime também é
mais provável (quase dado como certo).

Negligência consciente
Negligência consciente é o agente que representa o facto típico e ilícito como possível mas atua sem se conformar com a sua
realização - art. 15º CP. Exemplo: o pai está com o seu filho num terraço que tem um muro muito pequeno e perigoso mas
conforma-se em como nada vai acontecer porque sabe que a criança se porta bem. No entanto, a criança veio a cair e morre -
verificação de um resultado altamente provável mas com o qual o autor (pai) não se conformou.
Negligência inconsciente é o contrário - o agente produz um resultado na sequência de um dever de cuidado, o qual não
conseguiu prever.

Artigo 138º CP
Exposição ou abandono

1- Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa:


a) Expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se; ou
b) Abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir;
é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 - Se o facto for praticado por ascendente ou descendente, adoptante ou adoptado da vítima, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
3 - Se do facto resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

O bem jurídico violado é a vida humana de pessoa já nascida e a conduta típica resulta do nº1 do art. 138º onde o elemento
do tipo legal de crime é "colocar em perifo a vida de outra pessoa".
No crime de exposição ou abandono, o objetivo da norma, não é punir quem mata mas sim quem criou o perigo para a vida
humana da vítima, uma vez que violou deveres que lhe incumbiam.
Este crime pressupõe que o agente tenha violado um dever ou deveres de cuidado cpmo por exemplo, proteger ou cuidar da
vítima.
As alíneas a) e b) do nº1 consituem 2 modalidades da conduta típica "colocar em perigo a vida de outra pessoa".
Na alínea a), o agente não tem de ter uma relação especial com a vítima. No entanto, na alínea b), os unicos agentes que
podem cometer esta conduta são os agentes a quem cabe o dever de vigiar e assistir.
No nº 3 deste artigo estão dois crimes agravados pelo resultado, ou seja, dois crimes preater intencionais. O crime preater
intencional é constituído por um crime fundamental doloso (neste caso, art. 138º/1º) - exemplo: um pai que esta incumbido
de vigiar o seu filho (imaginemos que neste caso se encontra doente) e sai de casa durante o dia inteiro sem se preocupar com
a condição do filho. O mesmo vem a morrer (art. 138º/3º/b)). Como consequência do crime fundamental doloso, a criança
morre. O agente não queria matar mas, devido à sua conduta negligente, levou a cabo uma conduta perigosa que levou à
morte do seu filho. A morte não é fruto do dolo do agente mas sim um evento agravante que se liga ao agente a título de
negligência.

Tipo subjetivo de ilícito


Este crime exige dolo. Na falta do mesmo, o crime não é punível a título de negligência.

NOTA: art. 138º CP - crime de perigo concreto onde o perigo é um elemento do tipo (exige-se que haja efetivamente perigo
para a vítima).
NOTA: neste crime é importante tem em consideração a técnica das cláusulas de extensão da parte especial com a parte
geral do CP e os crimes preater intencionais.

Artigo 139º CP
Propaganda ao suicídio

Quem, por qualquer modo, fizer propaganda ou publicidade de produto, objecto ou método preconizado como meio para produzir a morte, de forma
adequada a provocar suicídio, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Na ótica do Sr. professor Faria Costa, o bem jurídico violado nesta norma não é a vida humana de pessoa já nascida mas sim
um bem jurídico supraindividual que é a preservação do bem estar coletivo.
NOTA: art. 139º CP - crime de perigo abstrato.

Crimes contra a vida intra-uterina


Artigo 140º CP
Aborto
1 - Quem, por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2 - Quem, por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida, a fizer abortar é punido com pena de prisão até 3 anos.
3 - A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de
prisão até 3 anos

O bem jurídico em causa é a vida intra uterina - bem jurídico autonomo e pessoal de que a mulher não dispõe.
A situação no nº2 deste art, a moldura penal sofre uma atenuação, pois o aborto com o consentimento da mulher atua face
aquele que lhe fez o aborto como um fator de redução do ilícitp (não da culpa).
Se o aborto for feito sem o consentimento da mulher, só aquele que a fez abortar é que é punido. Se o aborto for feito com o
consentimento da mulher, são punidos a mulher e o terceiro que a fez abortar.
Este crime é um crime de resultado e não um crime específico.
Exemplo do nº3 do artigo. a grávida pede a uma amiga farmaceutica um medicamento para abortar, mas a farmaceutica não
sabe para que efeitos é o comprimido - autoria mediata art. 26 CP (amiga farmaceutica).
Este crime exige igualmente dolo, não só relativamente ao facto de se querer destruir o feto como também na conduta
adotada para praticar o facto.
No ambito da comparticipação, também há hipóteses em que se verifica, para um mesmo facto, diversas formas de
comparticipação numa mesma pessoa, por exemplo, a mulher grávida dá assentimento ao aborto e auxilia o terceiro ou
instiga o mesmo à prática do aborto, nestes casos, aplicam-se as regras gerais, sendo o agente punível pela forma mais grve.

Artigo 141º CP
Aborto Agravado

1- Quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma ofensa à integridade física grave da mulher grávida, os limites da pena aplicável
àquele que a fizer abortar são aumentados de um terço.
2 - A agravação é igualmente aplicável ao agente que se dedicar habitualmente à prática de aborto punível nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo anterior ou o
realizar com intenção lucrativa.

O objetivo desta norma é agravar a punição por abortos realizados em situações de particular risco para a vida e integridade
física da mulher grávida. Trata-se portanto, de um crime preater intencional, que resulta da combinação entre um crime
fundamental doloso (neste caso, o crime de aborto do artigo 140º CP) e um evento agravante (que resulta na morte ou ofensa
à integridade física grave da mulher), que por sua vez, nos termos do art. 18º CP é imputado ao agente a título de negligência.
Para que se possa efetivamente afirmar estar na presença de um aborto agravado, o crime de aborot (art. 140º CP) tem de ser
consumado. Pois é a partir do aborto, da morte do fecto, que surge a ofensa à integridade física ou morte da mulher.

Tentativa
A tentativa do crime de aborto agravado é possível sempre que se tiver verificado um evento agravante mas em que não se
tenha verificado o aborto na sua forma consumada, ou seja, quando há tentativa do crime fundamental doloso com a
verificação do evento agravante.

Artigo 142º CP
Interrupção da gravidez não punível

1- Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e
com o consentimento da mulher grávida, quando:
a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for
realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas
primeiras 24 semanas de gravidez, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.
e) For realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez.
2 - A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da
intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Na situação prevista na alínea e) do n.º 1, a certificação referida no número anterior circunscreve-se à comprovação de que a gravidez não excede as 10
semanas.
4 - O consentimento é prestado:
a) Nos casos referidos nas alíneas a) a d) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência
mínima de três dias relativamente à data da intervenção;
b) No caso referido na alínea e) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde
até ao momento da intervenção e sempre após um período de reflexão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta destinada
a facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável.
5 - No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, o consentimento é prestado
pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.
6 - Se não for possível obter o consentimento nos termos dos números anteriores e a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico
decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.
7 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o número de semanas de gravidez é comprovado ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo
com as leges artis.

Ao inserir estas 4 alíneas, o legislador português fez uma ponderação de interesses entre a vida da grávida (seja a sua saúde
psíquica, física ou autodeterminação sexual) e a vida intra uterina.

Alínea a)- Trata-se de uma situação de vida contra vida a todo o tepo. Nesta alínea, ou o médico faz o aborto ou a grávida
morre ou fica com lesões irreversíveis. A interrupção da gravidez neste caso, pode ser feita a qualquer momento da gravidez.
Esta alínea prevê uma interrupção da gravidez com indicação médica restrita.
Alínea b)- O perigo de morte para a grávida não é certo mas sim provável. No entanto, tal como na alínea a), o objetivo é
igualmente proteger a saúde e vida da mulher grávida. Esta alínea, ao contrário da alínea a), já prevê uma indicação médica
em sentido amplo mas com um limite temporal, pois esta interrupção terá de ser feita nas primeiras 12 semanas (3 meses).
Alínea c)- Situação de perigo para o feto, ou seja, para a vida intra uterina. Trata-se de casos graves em que o feto, fora do
ventre materno, pode morrer ou sofrer de uma doença muito grave congénita. Esta alénea pressupõe igualmente uma
indicação embriopática ou fetopática com um limite temporal (na primeira parte da alínea), que tem de ser nas primeiras 24
semanas (6 meses), ou, se o feto for inviavel (segunda parte da alínea c), pode ser feita a todo o tempo.
NOTA: se a grávida não quiser abortar nestas situações, o médico não pode intervir, pois o dever de garante cessa face à
objeção da mãe.
Alínea d)- Situações onde se pretende proteger a vida da mulher, no ambito da sua autodeterminação sexual. Se se provar
que aquela gravidez é furto de uma violação, a mulher pode abortar nas primeiras 16 semanas (4 meses). - Indicação
criminológica.
Alínea e)- O que está em causa é a possibilidade que a grávida tem de interromper a sua gravidez sem de revelar o motivo que
a levou a fazê-lo.

Em sede do novo art. 142º CP, o problema que se coloca é saber se, com a introdução desta alínea e), foi ou não quebrada a
harmonia intra-sistemática no ambíto do art. 142º.
Antes de mais, importa realçar que o bem jurídico vida intra uterina e vida humana de pessoa já nascida vêm ambos tutelados
na CRP (art. 24º).
Nas primeiras 4 alíneas do art. 142º CP, o legislador português adoptou uma solução que corresponde a um modelo de
indicações e/ou de prazos, no qual, consagra situações medicamente indicadas em que o valor do bem juridico vida intra
uterina pode ser sacrificado face a outros valores.
Na alínea a) trata-se de uma indicação médica ou terapeutica em sentido estrito;
Na alínea b) de uma indicação médica ou terapeutica em sentido lato;
Na alínea c) de uma indicação embriopática ou fetopática;
Na alínea d) de uma indicação criminal.
Para além destas indicações, impõem-se ainda que se verifiquem os restantes requisitos procedimentais previstos nos
restantes numeros do art. 142º CP.
Este modelo das indicações não é um modelo puro (exceção da alínea a) e da segunda parte da alínea c)) - nas restantes
alíneas exige-se ainda que a interrupção da gravidez seja feita dentro de um determinado prazo.
Logo, há uma conjugação entre o sistema/modelo das indicações com o sistema/modelo dos prazos.
O aborto é uma questão penalmente relevante, cujo intuito é a proteção da vida intra uterina - bem jurídico com dignidade
penal e constitucional. Por isso, à luz do que é o ordenamento jurídico português, a regra geral é a da punição do aborto salvo
quando este bem jurídico vida intra uterina colidir com outros bens jurídicos também eles, penalmente protegidos. É
precisamente essa colisão entre bens jurídicos que dão razão de ser às diferentes alíneas do nº1 do art. 142º CP.
O modelo das indicações assenta no "reconhecimento de situações taxativamente descritas e objetivamente controláveis
(nomeadamente por um terceiro - médico), perante os quais a lei admite, em perspetiva juridico-penal, o sacrifício da vida
intra-uterina. Logo, o mesmo será dizer que, nestas situações, existe uma ideia de proporcionalidade, conjugada com a
"autodeterminação responsável da grávida".
Por seu turno, no modelo dos prazos, o legislador demostra dar primazia ao direito de autodeterminação da mulher,
considerando-a por isso, um ser autónomo e titular do direito de dispor do seu próprio corpo. No entanto, o modelo dos
prazos também nos permite retirar a ideia de que o valor da vida pré-natal não é igual em todo o período da gravidez.
Em qualquer uma destas 4 alíneas, recorrendo ao modelo das indicações ou dos prazos, caso a mulher aborte, não é
necessário proceder a uma ponderação entre os bens jurídicos em causa, uma vez que a liberdade da mulher impõe-se de tal
forma que a IVG é juridicamente admissível e até - de certa forma - compreensível (isto, respeitando o modelo das indicações
e dos prazos estipulados).

A vida intra uterina constitui um bem jurídico autónomo e com proteção penal, do qual a grávida não dispõe. Logo, qualquer
alteração ao artigo 142º deveria passar pela criação de uma indicação económico-social. Isto porque, a mulher ao abortar, é
lógico assumir que é movida por alguma ou algumas razões, sejam elas de que natureza forem.
No entanto, a alínea e), ao ter apenas uma indicação de prazo (10 semanas), exclui a hipótese de a mulher apresentar essa ou
essas razões que a levaram a abortar. Ou seja, a mulher é totalmente livre, à exceção do cumprimento de o fazer dentro do
prazo das 10 semanas, de abortar por qualquer razão, que nem tem de ser conhecida.
Essa forma de atuar traduz-se no livre exercício que a mulher dispõe de um direito que não apresenta nenhuma espécie de
limites. Quer isto dizer que a mulher atua unica e exclusivamente por vontade própria e no seu interesse.
Como já foi mencionado, a mulher aborta porque algo ou até mesmo alguém a faz abortar. Precisamente por essas razões,
que não têm de ser conhecidas por ninguém, se não por quem as tem, é que o legislador deveria ter tido o cuidado de
preservar essa liberdade (em excesso) , até mesmo para própria proteção da mulher. Acresentando para isso, à indicação do
prazo das 10 semanas, uma outra indicação de carácter social ou sócio-económica para benefício da própria mãe e pai da
criança. Se, para além do prazo das 10 semanas, estas indicações fossem acrescentadas à alínea e) do nº1 do art. 142º CP,
certamente, outros valores, tais como a segurança e bem estar dos pais da criança, estariam mais protegidos, uma vez que
poderiam ser acompanhados e aconselhados para posteriormente formularem então, conjuntamente, uma decisão
devidamente fundamentada.
Quando a grávida toma a decisão de abortar, a mesma fica sujeita à obrigatoriedade de se deslocar a uma consulta prévia em
estabelecimento de saúde oficial (art. 16º/1º portaria 741-A/2002 de 21 Julho e art. 142º/4º/b)). Nesta consulta, são-lhe
facultadas "todas as informações e esclarecimentos necessários", "tendo em vista uma decisão livre, consciente e
responsável) (nº 3 do art. 16º da portaria). Esta decisão é tomada depois de, pelo menos, 3 dias de reflexão.
No entanto, não se pode nem deve considerar que tais procedimentos como a consulta de aconselhamento obrigatório e o
período de 3 dias de reflexão sejam efetivamente suficientes para garantir e fundamentar a situação em que se encontra o
bem jurídico vida intra uterina - totalmente exposto- e que não deve ceder.
Face a tudo isto, uma decisão certamente mais equilibrada, seria a de o legislador acrescentar a esta alínea e), a indicação
sociológio ou sócio económica até para efeitos de uma melhor coerência da norma e harmonização do CP. E não só, essa
"positiva" alteração funcionaria como um elemento a favor da mulher grávida, levando-a a considerar a sua decisão.
A partir do momento em que o legislador não prevê qualquer tipo de motivo para o qual a mulher decide abortar, deixa uma
porta aberta para que esta (mulher) desponha sobre um bem jurídico autónomo, pessoal, com dignidade penal, consagrado
essencialmente em segundo lugar na hierarquia dos bens pessoais penalmente protegidos e - mais importante ainda- que não
lhe pertence.
Note-se ainda que, a vida intra uterina do feto, é uma vida incompleta que depende da própria mãe, incumbida com um dever
de garante perante este, pois é a ela (e ao pai) que lhe incube o dever de cuidado daquele ser.
A liberdade da mulher é tão grande que deixa de se tratar de uma ponderação entre o bem juridico vida intra uterina e bem
juridico vida, saúde, integridade física e autodeterminação sexual da mulher (primeiras 4 alíneas), para se tratar de uma
ponderação entre bem jurídico vida intra uterina e liberdade de decisão da mulher - total desvalorização do bem juridico vida
intra uterina.
Excessivo é ainda o facto de, nem a mulher, nem qualquer outro sujeito pode dispor da sua própria integridade física, pois o
legislador assim o prevê de acordo com as regras dos artigos 38º e 149º CP. Quer isto dizer que, a mulher não pode dispor do
bem jurídico integridade física (da sua própria integridade física), mas pode dispor livremente de um outro bem jurídico alheio
(hierarquicamente mais valorizado pelo CP) que é a vida intra uterina, sendo ainda que este não lhe pertence. Logo, na
interrupção da gravidez a pedido da grávida, não está em causa a disposição de um bem jurídico pessoal próprio,
contrariamente ao que se sucede com a integridade física.
O legislador admite que a interrupção da gravidez por opção da mulher seja tomada pelo seu representante legal, caso esta
seja menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz. Mais uma vez, é detetável uma incoêrencia, uma vez que, se a decisão
(naquelas situações) couber ao representante legal da mulher, a liberdade que o legislador confere à grávida acaba por não
corresponder à livre, consciente e esclarecida decisão que a mesma não tem nestas situações. O mesmo significa dizer que, se
a mulher é incapaz de tomar essa decisão, a interrupção da gravidez sem motivo, é uma interrupção ilícita pois tal decisão é
unica e exclusivamente da mulher não podendo ser tomada em seu nome pelo representante legal. Ou seja, não se pode
substituir a vontade da grávida pela do representante legal, pois este não dispõe dessa legitimidade.
Com todos estes argumentos, a conclusão mais racional e lógica será a de que, é fudamental minimizar e atenuar a enorme
discrepância e contradição entre princípios que esta norma acarreta em torno de todo o CP.

Em sede di nº1 do art. 38º CP estabelece-se que "o consentimento exclui a ilicitude do facto quando se referir a interesses
jurídicos livremente disponíveis e o facto não ofender os bons costumes ". Assim sendo, podemos concluir que o legislador
não restringe o travão daquela norma a nenhum bem jurídico específico, mas sim a todos aqueles que sejam considerados
como livremente disponíveis. O nº1 do art. 38º CP consagra um princípio geral em matéria de bens jurídicos disponíveis,
princípio esse que depois é retomado em sede de parte especial, na específica norma que diz respeito à disponibilidade das
ofensas à integridade física. (princípio concretizado no nº2 do art. 149º CP).

Formas do Crime

Artigo 26º CP
Autoria

É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou
juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo
de execução.

Artigo 27º
Cumplicidade
1- É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto
doloso.
2 - É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.

Artigo 28º
Ilicitude na compartcicipação

1 - Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a
todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção
da norma incriminadora.
2 - Sempre que, por efeito da regra prevista no número anterior, resultar para algum dos comparticipantes a aplicação de pena mais grave,
pode esta, consideradas as circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse.

• Se a ação da pessoa for meramente facilitadora, ou seja, se não for determinante ou essencial para o outro conseguir
cometer o crime, o seu contributo não é essencial e esta é considerada cúmplice e não co-autora do crime;
• Se a ação da pessoa for determinante para que o outro consiga cometer o crime. Ou seja, se se tratar de uma ação
colaborativa essencial e relevante, então, essa pessoa será considerada uma co-autora do crime, uma comparticipante.
Logo, o seu contributo passa de não essencial a essencial (independentemente de ter ou não praticado atos de
execução).
• No âmbito do homicídio qualificado, a contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada
autonomamente.
• No âmbito do homicídio privilegiado, o mesmo se passa como no homicídio qualificado. Um dos comparticipantes pode
ser punido por homicídio privilegiado e outro por homicídio qualificado ou simples (art.29º).
• O cúmplice beneficia sempre de uma atenuação especial da pena (pena especialmente atenuada).
• Cúmplice: quando alguém presta auxílio material ou moral para a prática daquele facto principal.

Relação entre a parte especial e a parte geral do Código Penal

A parte geral do CP contém vários elementos e princípios que devem ser cumprido e articulados como cláusula de extensão,
relativamente à parte especial do CP.
Cláusula de extensão é uma técnica utilizada pelo legislador e trata-se da conjugação que se faz entre um artigo da parte
especial o CP com um outro artigo da parte geral do CP.
Situações como:
Omissão

P.e, o art. 132º CP nada menciona em caso de "omissão". No entanto, se se tratar de uma situação em que uma criança, que
está sob o dever de cuidado de uma mãe/pai (investidos uma posição de garante), morrer afogada porque a mãe/pai não
estava presente (estava por exemplo a falar ao telemóvel ou descuidou-se totalmente), é passível de se recorrer à cláusula de
extensão e articular o artigo em questão (da parte especial) com o artigo 10º do CP (parte geral). Isto é possível porque o
artigo (da parte especial) só por si (per si) não é possível nem suficiente para penalizar e responsabilizar - por isso se designam
nestes casos, omissões impuras ou impróprias. Pois carecem de uma conjugação e articulação com a parte geral do CP.

Distinção entre omissão pura ou própria e omissão impura ou imprópria


» Omissão Pura- exemplo do art. 200º CP (omissão de auxílio). O tipo legal previsto neste art. 200º CP prevê a conduta
omissiva do agente, sendo por isso, desnecessário recorrer a uma cláusula de extensão. Ou seja, basta que o agente
preencha os elementos objetivos e subjetivos do tipo para que seja responsabilizada sem ser necessário conjugá-los com
o art. 10º da parte geral do CP.
» Omissão impura- está intimamente relacionada com a posição de garante (que resulta da lei). P.E: uma criança que
morre afogada porque a mãe não viu. A mão não queria, não teve intenção de praticar o crime nem conhecia o
preenchimento dos elementos objetivos do tipo de ilícito. Não houve dolo, mas fê-lo na violação de um dever de cuidado
(que provém da posição de garante). Nestes tipo de situações, o artigo da parte especial do CP nada nos diz quando a
uma omissão pura. Logo, seria necessário articular o art. 131º CP (parte especial) com o art. 10º (parte geral), através da
cláusula de extensão, por esta ser uma omissão impura ou imprópria. Ou seja, a norma do art. 131º per si, ao contrário
do que acontece no art. 200º CP, não prevê a punição e responsabilização do agente por omissão "sozinha".

Tentativa

O instituto da tentativa apenas funciona quando articulado com os vários tipos legais previstos na parte especial do CP,
nomeadamente o art. 22º CP.
Só através da cláusula de extensão que permite a articulação de qualquer artigo que preveja o homicídio da parte especial do
CP com o art. 22º da parte geral do CP, é possível falar em homicídio na forma tentada.
Quer no regime da tentativa, quer no que concerne à omissão, a articulação que se faz entre a parte geral e a parte especial
do CP é uma técnica utilizada pelo legislador para não "colocar tudo isto na parte especial do CP".
NOTA: No âmbito do art. 132º CP (homicídio qualificado), se os actos de execução praticados pelo agente, revelarem uma
especial censurabilidade ou perversidade, este deve ser punido a título de homicídio qualificado. Caso contrário, se não
revelarem, deve ser punido por tentativa de homicídio simples. Não é admissível a punição por tentativa no homicídio
qualificado.

Afixação de jurisprudência
Quando há duas situações muito "parecidas" que são tratadas de forma muito diferente pelos tribunais, há possibilidade de se
fazer um recurso que se designa por afixação de jurisprudência ou uniformização de jurisprudência que permite uniformizar o
caso.
É importante não perder de vista que em Portugal não vigora a regra do procedente e não há casos iguais, muito menos
situações que são tratadas de forma igual. Em Portugal não vigora o commom law que vincula o juiz a uma situação análoga.
No entanto, por vezes, existem casos com muitas semelhanças e que não devem ser abordados de forma completamente
diferente. Logo, existem acórdãos de fixação de jurisprudência para resolver esses casos.

Crimes preater intencionais


Crimes preater intencionais são crimes que vão para além da intenção do agente.
É o exemplo de um crime onde o agente tem dolo de praticar uma ofensa à integridade física de outrem mas,
negligentemente comete um crime de homicídio. Ou seja, a titulo doloso o crime será o de ofensa à integridade física. No
entanto, a titulo de negligência é um crime de homicídio. Alguém tem dolo de ofender a integridade física de alguém mas o
dolo acaba por levar ao agravamento do resultado morte, é um crime que vai para além da intenção do agente - dolo como
elemento intelectual (está dentro do agente).

Concurso aparente e real de normas


Concurso aparente de normas tem 3 tipos de relação:

• Especialidade (quando um crime é especial ao outro): exemplo do homicídio;

• Consunção (pura ou impura) (quando um crime consome o outro): exemplo do crime de furto e o crime de roubo.
Quando existe uma moldura mais vasta que abrange uma moldura penal menos vasta. Ou seja, sempre que o bem
jurídico da norma é alvo de proteção por outra norma, ha uma que consome a outra. O crime mais específico (que
proteja mais do que um bem jurídico) afasta o mais genérico

• Subsidariedade (quando um crime é subsidiário ao outro): exemplo da violência doméstica (art. 152º CP), onde diz "se
pena maior não lhe couber por força de outra disposição legal".
Num concurso aparente de normas na relação de subsidariedade, se subsidiariamente praticar um crime (por exemplo o
de violência doméstica) mas existir uma norma (que não a do crime de violência doméstica) que tenha uma moldura
penal mais grave, esses dois crime concorrem entre si mas o agente apenas vai ser punido por um deles (aparentemente
parece que se soma ambas as molduras penas mas só se aplica uma).
Relação de subsidariedade é quando uma norma como a da violência doméstica (art. 152º CP) só é aplicada quando não
exista uma outra que se lhe aplique por (esta ultima) ter uma moldura penal mais vasta - "se pena maior não lhe couber".
Exemplo: se estivermos perante um crime de violência doméstica mas do mesmo resultar a morte da vítima, trata-se não
só de um crime de violência doméstica mas também de um crime de homicídio (muito provavelmente de um homicídio
qualificado). O autor do crime não deixa de praticar um crime de violência doméstica (previsto e punido pelo art. 152º
CP). No entanto dentro da conduta descrita na norma incriminadora desse crime (152º), é possível que "pena maior que
lhe seja aplicada" - homicídio qualificado (132º/2º e nº1).
Em suma, foi praticado um crime que é alvo de uma moldura penal ainda mais grave (por força de outra disposição legal),
neste caso - homicídio qualificado.

• No âmbito do concurso aparente de normas, o mesmo só se pode dar quanto aos elementos objetivos de uma ou de outra
hipótese mas nunca relativamente aos tipos de culpa. Ou seja, não há simultaneamente uma especial censurabilidade e
perversidade e igualmente um estado de afeto. Ou o homicídio é qualificado porque o agente actuou com um especial tipo de
culpa que revelou especial censurabilidade e perversidade, ou o homicídio é privilegiado porque o agente actuou ao abrigo de
um estado de afeto.
• O artigo. 133º afasta o art. 131º e o art. 132º afasta o art. 133º.
• Para determinar qual é o tipo de homicídio , é importante ter em conta qual ou quais os motivos que levaram o agente a
cometer o crime.

Concurso real ou efetivo de normas


Ao contrário do que acontece no concurso aparente de normas, há efetivamente situações onde a moldura penal dos crimes
se some.
Por exemplo: se alguém praticar um crime de ameaça (1 crime), um crime de injuria (2 crime) e um crime de ofensa à
integridade física de alguém (3 crime), nenhum destes tem uma relação de subsidariedade, consunção ou de especialidade, ou
seja, a conduta descrita na norma penal incriminadora nada tem a ver umas com as outras.

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