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Bruno Esslinger de Britto Costa

Desenhando no ar:
A prática da improvisação e o seu aprendizado no
saxofone

Trabalho de Conclusão de Curso

São Paulo
2022
2
Bruno Esslinger de Britto Costa

Desenhando no ar:
A prática da improvisação e o seu aprendizado no
saxofone

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Música da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Licenciado em Música.

Orientador(a): Prof(a). Dr(a) Rogério Luiz Moraes


Costa.

São Paulo
2022

3
FICHA CATALOGRÁFICA

[Acessar o endereço
http://www3.eca.usp.br/biblioteca/formularios/solicitacao.ficha.catalografica, preencher
todos os campos e colar aqui a ficha catalográfica fornecida pela Biblioteca da ECA-USP.
Retirar estas instruções antes da impressão final do presente trabalho.]

4
“Pássaros, todos os que no chão desconhecem morada.”
Mia Couto

5
AGRADECIMENTOS

Toda pesquisa se relaciona, em maior ou menor grau, à nossa própria trajetória. Neste
caso, isso é ainda mais evidente, à medida em que muitas das reflexões trazidas aqui vêm de
um longo processo de escuta musical e estudo do saxofone e, principalmente, do contato com
músicos que participaram direta ou indiretamente da minha formação.

Neste percurso, gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao saxofonista Mané Silveira,


mestre que se tornou amigo, compartilhando durante anos a sua sabedoria musical em aulas,
conversas, ensaios, sessões de escuta, e que, de quebra, ainda topou não apenas participar como
entrevistado, mas estando presente nas demais entrevistas, que se tornaram por isso ocasiões
muito especiais.

A Rogério Costa, saxofonista e pesquisador da improvisação livre, que orientou este


trabalho deixando muito espaço para a criação autoral e sugerindo muitas das bibliografias que
serviram para as reflexões e para a metodologia de pesquisa utilizada, além de contribuir na
direção de uma objetividade necessária diante de um tema tão amplo.

A Paula Valente, Hector Costita, Roberto Sion, Mané Silveira e Teco Cardoso, que
gentilmente cederam seu tempo num momento tão difícil pelo qual estamos passando para
gravar as entrevistas e dar vida a este trabalho. Espero que o texto e as reflexões a seguir possam
mostrar um pouco da riqueza de suas trajetórias pessoais e concepções sobre a arte da
improvisação.

A todos os professores do CMU que participaram diretamente da minha formação, em


especial a Marco Antonio da Silva Ramos, pela confiança e pela palavra de incentivo sempre.

A Luísa Carvalho, Luiza Costa e Antonio Gomes, cuja amizade me deixou à vontade
para pedir ajuda na transcrição do material das entrevistas, o que não seria possível fazer num
curto período sem eles.

Agradeço a todos que me acompanharam ao longo do curso nos lugares onde estagiei,
em especial a Jéssica Barreto, Aloysio Lazzarini, Edson Marçal, Eduardo Navarro e toda a

6
equipe da Discoteca Oneyda Alvarenga e do Centro Cultural São Paulo, onde, por um ano e
meio, tive uma das maiores experiências da minha formação. Aos professores Giselle Ramos e
Paulo Farah, da EMIA, por um ano muito produtivo – apesar de online – no estágio de
licenciatura que fiz com eles.

Realizar grande parte de um curso superior de música trabalhando ao mesmo tempo


como professor de geografia na rede pública municipal de SP teria sido muito mais difícil sem
o apoio e o incentivo de muitos colegas da EMEF Carlos de Andrade Rizzini durante os últimos
4 anos, em especial a Paulo Cesar de Souza, Claudia dos Santos Lima e Solange Grau.

Gostaria de deixar uma palavra calorosa também ao Carlos e à Katia, da Big Papa
Records. As lojas de disco são um dos espaços mais importantes para comunidade musical,
promovendo o encontro entre músicos, público, colecionadores, produtores, pesquisadores da
área... Muito do que aprendi sobre música vem das horas passadas ali.

A Renan Chaves, parceria recente que encontrei na pandemia e que já rendeu frutos
artísticos, agradeço pelas conversas e sugestões.

Agradeço também às minhas irmãs Julia e Luiza, que neste percurso além de tudo se
tornaram minhas colegas de CMU, certamente deixando nosso pai orgulhoso de onde ele
estiver.

Por fim, as duas pessoas a quem mais devo pelo apoio incondicional (em vários
sentidos) às minhas escolhas e pela compreensão das muitas horas que não passei com elas para
me dedicar a esse caminho musical: minha querida mãe Ingrid, e minha companheira de mais
de uma década, Jaqueline.

7
8
RESUMO

COSTA, Bruno Esslinger de Britto. Desenhando no ar: a prática da improvisação e o seu


aprendizado no saxofone. 2022, 75p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Música)
– Departamento de Música, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2022.

Resumo:
A improvisação musical é uma prática que pode ser encontrada ao longo de toda a
história da música, nos mais diversos contextos geográficos e culturais. Apesar disso, foi por
muito tempo ignorada no ensino formal da música, reencontrando seu espaço na tradição
ocidental a partir do século XX nos gêneros da música popular, sobretudo o jazz, que se tornou
praticamente um sinônimo de improvisação e abriu caminho para a sistematização de seu
ensino. Focados normalmente na técnica e na teoria musical, os métodos e pedagogias de ensino
da improvisação que surgiram nesse período, no entanto, parecem não responder às
necessidades de um aprendizado mais voltado à criatividade e à espontaneidade que
transparecem nos solos de grandes artistas. Entrevistando cinco saxofonistas proeminentes de
diferentes gerações da música instrumental brasileira, esta pesquisa tem como objetivo refletir
sobre aspectos mais subjetivos e elusivos do processo de aprendizado da improvisação,
buscando possíveis caminhos para um estudo criativo do saxofone popular e para o
desenvolvimento de uma identidade individual no instrumento.

Palavras-chave: Improvisação musical. Saxofone. Música Popular. MPB. Jazz.

9
ABSTRACT

Abstract:
Musical improvisation is a practice that can be found throughout the entire history of music, in
the most diverse geographical and cultural backgrounds. Despite this fact, it has been ignored
for a long time within formal music education, finding back its place in Western Tradition from
the 20th century onwards in popular musical genres, especially jazz, which became practically
a synonym of improvisation and paved the way for the systematization of its teaching. Primarily
focused on technique and music theory, the methods and pedagogies of improvisation that
emerged in this period, however, seem not to respond to the needs of an apprenticeship more
focused on creativity and spontaneity that are evident in the solos of great artists. Interviewing
five prominent saxophonists from different generations of Brazilian instrumental music, this
research aims to reflect on more subjective and elusive aspects of the process of learning to
improvise, seeking possible ways towards a creative study of the saxophone and the
development of a personal voice in the instrument.

Keywords: Musical Improvisation. Saxophone. Popular Music. MPB. Jazz.

10
SUMÁRIO

Lista de abreviaturas e siglas p. 12

Lista de figuras p. 12

Introdução p. 13

1: Primeiros sons p. 23

2: Improvisar entre dois mundos p.29

3: O jazz como escola de improvisação p.36

3.1 O aprendizado pela escuta p. 37


3.2 A escola das Big Bands: onde arranjo e improvisação, teoria e prática se encontram p. 41
3.2 Pedagogias do jazz e a sistematização do ensino p. 43

4: Improvisação, linguagem e comunicação p. 51


4.1 A prática da teoria e a teoria da prática p. 51
4.2 A prática da prática p. 58

Conclusão: territórios da improvisação p. 69

Referências bibliográficas p. 72

Apêndice 1: sobre os músicos entrevistados p. 74

11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CLAM Centro Livre de Aprendizagem Musical


MPB Música Popular Brasileira
USP Universidade de São Paulo
UNESP Universidade Estadual Paulista

LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 - A improvisação e o seu aprendizado no saxofone............................................ p.19

Fig. 2 - Exemplo de exercício com a teoria escala-acorde............................................ p.43

Fig. 3 - Exemplo de exercício com padrões.................................................................. p.44

Fig. 4 - Exemplo 2: exercício com padrões.................................................................. p.45

Fig. 5 - Saxofone: territórios da improvisação (no presente estudo) ............................ p.70

12
INTRODUÇÃO

Ainda que o campo de estudo da improvisação tenha ganhado espaço nos debates
acadêmicos e nas produções bibliográficas da pesquisa musical, as associações cotidianas ao
tema parecem continuar marcadas por concepções aparentemente opostas. De um lado, vemos
referências negativas, expressas na ideia de que improvisar é fazer algo “na hora, sem
preparação prévia”, ou “de qualquer jeito”; do outro, temos visões muitas vezes românticas
acerca da improvisação como o ato de “compor ou criar de forma espontânea”, algo, por assim
dizer, reservado a poucos. Um exemplo sintomático dessa coexistência é a própria definição
que a palavra ganha em dicionários. O Dicionário Houaiss, por exemplo, define o verbo
improvisar ao mesmo tempo como “fazer, arranjar de repente, sem preparação”, “compor na
hora”, “criar (objeto) com os recursos do momento" e até mesmo “inventar, mentir”1. Do ponto
de vista da prática artística, as definições de improvisação em geral enfatizam a criação “em
plena execução da obra”, muitas vezes “sem prévio ensaio”2, inclusive em dicionários
contemporâneos como o publicado pela editora da Berklee3, universidade de música cuja
tradição no ensino de Jazz é conhecida. Paul Berliner, em seu extensivo trabalho de
etnomusicologia sobre o tema, intitulado Thinking in Jazz: the infinite art of improvisation,
reflete justamente que essas definições equivocadas refletem o senso comum de que a atividade
da improvisação não engloba a recriação fiel de uma composição nem a elaboração de ideias
musicais prefiguradas. Assim, diz ele, não há aos improvisadores um material musical de
preparação para a performance; ao contrário, eles devem apresentar-se de forma espontânea e
intuitiva4.
Neste ponto, é importante acrescentar que essa visão também parece integrar – e até
mesmo aprofundar – a divisão histórica no pensamento ocidental entre o universo da música
popular e a chamada música erudita, onde a prática da improvisação parece, inclusive, ser algo
muitas vezes indesejado. Porém, se é verdade que gêneros da música popular, como o jazz, têm
nela um de seus fundamentos principais, é importante ressaltar aqui que muitos autores

1
HOUAISS, Antonio e Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª ed. - Rio
de Janeiro: Objetiva, 2009.
2
Id.
3
“Improvisation: Creating music in real time in a set form, over chord changes, or without a preconceived stylistic,
rhythmic, or harmonic foundation”. JUUSELA, Kari. Berklee Contemporary Dictionary of Music. Berklee Press:
2015.
4
BERLINER, Paul F. Thinking in Jazz: The Infinite Art of Improvisation. The Universtity Of Chicago Press: 1994,
pp. 1-2
13
demonstram em que medida, ao longo da tradição musical europeia que se consolida sob a
denominação de música clássica ou erudita, a improvisação desempenhou um papel longe de
ser secundário, como fica claro nas tradições do baixo contínuo e das cadências dos
instrumentos solistas, que antes de se fixarem pela escrita, eram improvisadas.
Não é nosso objetivo, aqui, estender-nos sobre essa discussão e sobre o nascimento do
artista romântico e de seus atributos, entre os quais Raymond Williams demonstra muito bem
em seu livro Culture and Society figuram a própria ideia de genialidade, criatividade e autoria.
Inevitavelmente, porém, devemos nos perguntar em que medida essa construção, ao contrapor
a autoria e a criação de uma obra à sua performance, contribuiu para um declínio da prática da
improvisação, cristalizando e até sacralizando a linguagem escrita em detrimento da oral (ou
aural). Pois é sintomático o fato de a improvisação distanciar-se da tradição musical de concerto
no momento histórico em que a figura do artista e do gênio estão em ascensão e a performance
se separa do ato de criação5.
Já na introdução de sua obra Improvisation: its nature and practice in Music – que
constituiu uma das principais bibliografias deste trabalho -, Derek Bailey chama a atenção para
outras dicotomias que envolvem o tema. Em primeiro lugar, diz ele, uma curiosa distinção já
está no fato de a improvisação ser ao mesmo tempo “a atividade musical mais amplamente
difundida e a menos reconhecida e compreendida”6. Por se tratar de uma atividade fugaz,
essencialmente não acadêmica, para Bailey, qualquer tentativa de descrevê-la conduz, “em
certos sentidos, a uma falsa representação, pois haveria algo central ao espírito da improvisação
voluntária que se opõe aos objetivos e contradiz a ideia de documentação”7. Apesar da
dificuldade de defini-la conceitualmente, o autor atenta para o fato de que praticamente não há
um campo musical, da técnica ou de formas de composição, que não tenha se originado na
prática da improvisação ou que não tenha sido por ela influenciado8.

5
Sobre o nascimento do artista romântico, vale muito a leitura do capítulo The Romantic Artist do livro Culture
and Society, de Raymond Williams. In: WILLIAMS, Raymond. Culture and Society 1780-1950. Anchor Books:
New York: 1960
6
“Improvisation enjoys the curious distinction of being both the most widely practiced of all musical activities
and the least acknowledged and understood.” BAILEY, Derek. Improvisation. Its Nature and Practice in Music.
Da Capo Press, 1992, p. ix [tradução livre do autor].
7
“Improvisation is always changing and adjusting, never fixed, too elusive for analysis and precise
description; essentially non-academic. And, more than that, any attempt to describe improvisation must be, in
some respects, a misrepresentation, for there is something central to the spirit of voluntary improvisation which is
opposed to the aims and contradicts the idea of documentation.” Id.
8
“...there is scarcely a single field in music that has remained unaffected by improvisation, scarcely a single
musical technique or form of composition that did not originate in improvisatory practice or was not essentially
influenced by it”. Ibid., pp. ix – x.
14
Um aspecto muito importante da obra de Bailey é que ela estabelece a improvisação
como uma atividade cuja existência não se separa da prática, ou como ele mesmo diz, haveria
uma “prática da prática”. Isso se manifesta, por exemplo, no fato de muitos improvisadores não
utilizarem, segundo ele, a palavra “improvisação”, sendo que no caso da improvisação definida
por idiomática, é muito comum os músicos se referirem à sua prática por meio de termos como
apenas “tocar” ou “tocar jazz”, “tocar flamenco”, entre outros, e a relutância em usar a palavra
“improvisação” viria justamente das associações pejorativas que comentamos no início desta
introdução. Ao contrário, improvisar exige um nível profundo de comprometimento, devoção
e preparação9.
O presente trabalho tem como ponto de partida a seguinte questão: como se dá o
aprendizado da improvisação? Essa pergunta, aparentemente simples na sua superfície, é na
verdade difícil de responder, considerando que a própria definição de improvisação é, como
vimos, muitas vezes ambígua. De fato, reconhecemos ser possível aprender - e ensinar – a
técnica de um instrumento, a teoria musical e suas aplicações práticas, as regras e costumes de
uma determinada tradição ou idioma musical. A prática, porém, mostra-nos que compreender
os verbetes e a sintaxe gramatical de um idioma não nos transforma necessariamente em
falantes, muito menos escritores ou poetas. Essa perspectiva, aliás, pode conduzir muitas vezes
a uma ideia de que “arte não se aprende”10, espécie de lugar comum que reforça uma visão
romântica de que a natureza do fazer artístico estaria reservada a seres humanos excepcionais,
visão esta facilmente transposta ao campo da improvisação. Neste caso, porém, poderíamos
acrescentar que até mesmo dentro da prática musical é comum escutar falas do tipo “não sei
improvisar” ou reconhecer uma dependência excessiva da partitura escrita, muitas vezes
gerando uma série de barreiras pessoais que dificultam o seu aprendizado e, sobretudo, a sua
prática, visto que, aqui, concordamos com Derek Bailey quando defende a ideia de que o
aprendizado da improvisação vem essencialmente da prática e que não há um aspecto
exclusivamente teórico a ela11. Para piorar, a educação musical tradicional muitas vezes é

9
“The word improvisation is actually very little used by improvising musicians. Idiomatic improvisors, in
describing what they do, use the name of the idiom. They 'play flamenco' or 'play jazz'; some refer to what they
do as just 'playing'. There is a noticeable reluctance to use the word and some improvisors express a positive dislike
for it. I think this is due to its widely accepted connotations which imply that improvisation is something without
preparation and without consideration, a completely ad hoc activity, frivolous and inconsequential, lacking in
design and method. And they object to that implication because they know from their own experience that it is
untrue. They know that there is no musical activity which requires greater skill and devotion, preparation, training
and commitment.” Ibid., p. xii
10
Sobre esse tema, vale a leitura de “O Artista e o Artesão”, de Mário de Andrade. In: ANDRADE, Mário de. O
Baile das Quatro Artes. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2012.
11
“Most musicians learn to improvise by accident; or by a series of observed accidents; by trial and error. And
there is of course an appropriateness about this method, a natural correspondence between improvisation and
15
responsável por aprofundar essas barreiras, ao separar teoria e prática, tradição escrita e aural,
música popular e erudita, divisões às quais já nos referimos de forma introdutória.
Ao mesmo tempo, é preciso dizer que muitos são os campos teóricos que podem
contribuir ao campo de estudo acadêmico da improvisação, como por exemplo os estudos da
memória individual e coletiva, do funcionamento do nosso cérebro, da filosofia, da pedagogia,
além é claro, em nosso caso, dos muitos princípios da teoria de cada idioma ou território do
fazer musical a ser assimilado (escalas, acordes, harmonia, objetos sonoros, entre outros), ao
qual devemos nos referir conforme o necessário mais adiante. É preciso dizer que, não obstante,
dar conta de todos esses aspectos foge do escopo deste trabalho, o que não significa diminuir a
importância de qualquer um deles, ao contrário: cada qual possui ferramentas conceituais e
metodológicas cuja articulação exigiriam, aqui, um fôlego e um espaço consideravelmente
maiores.
O caminho escolhido foi iniciar esse estudo a partir da experiência dos próprios
improvisadores e sua trajetória de aprendizado da improvisação, a partir da realização de
entrevistas. A opção por trabalhar com o saxofone e com instrumentistas da chamada música
instrumental brasileira, ou MPB jazz, emerge, por sua vez, de uma série de razões. A primeira
delas vem da minha própria trajetória musical como saxofonista e praticante desses idiomas
musicais, dos quais, inevitavelmente por motivos históricos, é impossível dissociar o saxofone
– instrumento que, apesar de presente nas formações orquestrais da música clássica a partir do
final do século XIX, tem a sua popularização com o nascimento da música popular nas
Américas, sobretudo o jazz. Neste sentido, o próprio aprendizado do instrumento, relaciona-se,
em grande medida, à teoria e à prática da improvisação desde os primeiros passos. Em segundo
lugar, do ponto de vista da metodologia de pesquisa, a escolha por um recorte mais fechado se
justifica ao favorecer a análise do material, o reconhecimento de padrões e a possibilidade de
estabelecer relações entre as entrevistas, além da existência de métodos comuns para o
instrumento.
Diante de um possível questionamento acerca do recorte metodológico, por se tratar de
um trabalho da esfera da licenciatura musical e não da performance, acreditamos que as falas
dos músicos entrevistados e as reflexões feitas aqui têm validade para além da prática
idiomática do saxofone. Neste caso, a própria dificuldade em falar sobre e conceitualizar a
improvisação acaba tornando-se uma vantagem, pois as contribuições inevitavelmente

empiricism. Learning improvisation is a practical matter: there is no exclusively theoretical side to improvisation.”.
BAILEY, Derek. Op. Cit., p.8;
16
transcendem a esfera da técnica do instrumento e do idioma12. Por essa mesma razão, vale dizer
também que, mesmo não tendo sido objeto específico deste trabalho, algumas das reflexões
sobre a chamada “improvisação livre” ou “não idiomática”13 têm suas reverberações aqui,
inclusive porque uma parte significativa da bibliografia utilizada também versa sobre o tema.
Por fim, se fôssemos definir o que procuramos fazer aqui, acredito ser possível chamar de
“esboços de uma etnografia da improvisação musical”.
Alguns dos livros que serviram como base da pesquisa bibliográfica já foram
mencionados anteriormente, entre eles o trabalho de Paul Berliner e de Derek Bailey. Ambos
trazem aspectos interessantes relacionados à metodologia de entrevista e, no segundo caso,
também ao campo da etnomusicologia. Paul Berliner também chama a atenção para a
quantidade de bibliografias de entrevistas com músicos de jazz, em geral publicadas
compilações de artigos em revistas como a Down Beat e outras publicações relacionadas à
História Oral do gênero, ou mesmo autobiografias de músicos famosos, além de trabalhos
acadêmicos de cunho filosófico e sociológico, porém, segundo ele, há pouco material
abordando os processos de transmissão e aprendizagem da improvisação14.
Um outro trabalho publicado recentemente sobre improvisação contemporânea, editado
por Bertrand Denzler e Jean-Luc Guionnet e intitulado The practice of musical improvisation:
dialogues with contemporary musical improvisers15, foi de grande utilidade ao sugerir uma
possível forma de exposição do material transcrito das entrevistas a partir de temas comuns.

12
Rogério Costa define assim o termo idioma: “Refere-se aos territórios da prática musical que se constituem, por
um lado, de partes abstratas em que se encontra o que se repete, isto é, as gramáticas (regras de articulação das
unidades significativas etc.) e vocabulários (materiais); e, por outro lado, de partes concretas ligadas à prática, em
que se insere a diferença. É, por exemplo, o idioma do período barroco que compreende as formas de organização
(gramáticas melódicas, harmônicas etc.), um repertório de materiais (acordes, timbres, etc.) e os “jeitos” concretos
de fazer musical que não podem ser captados numa partitura”. In: COSTA, Rogério Luiz Moraes. Música Errante:
o jogo da improvisação livre - 1ª ed. - São Paulo: 2016, p. XIX.
13
” I have used the terms 'idiomatic' and 'non-idiomatic' to describe the two main forms of improvisation. Idiomatic
improvisation, much the most widely used, is mainly concerned with the expression of an idiom - such as jazz,
flamenco or baroque - and takes its identity and motivation from that idiom. Non-idiomatic improvisation has
other concerns and is most usually found in so-called 'free' improvisation and, while it can be highly stylised, is
not usually tied to representing an idiomatic identity”. BAILEY, Derek. Op. Cit., pp. xi-xii
14
“Jazz writing falls typically into several basic, sometimes overlapping, categories: autobiographies by major
jazz figures, largely anecdotal biographies, compilations of interviews with different artists, bibliographies,
discographies, and historical interpretations of the music’s development chronicling successive style periods.
Complementing these are works of jazz criticism, textbooks describing musical features, analytical studies of great
solo styles, sociological accounts of the jazz community, philosophical speculation on the nature of improvisation
in relation to composition, and improvisation method books representing various theoretical approaches. Despite
the importance of all these sources, it seems to me that, taken together, they gave but discrete glimpses into the
individual and collective processes of learning, transmitting, and improvising jazz.” In: BERLINER, Paul. Op.cit.,
p. 3.
15
DENZLER, Bertrand & GUIONNET, Jean Luc (editors). The practice of musical improvisation: dialogues with
contemporary musical improvisers. Ed. Bertrand Denzler and Jean-Luc Guionnet. Bloomsbury Academic, 2020.
17
Em relação à metodologia de entrevista, aliás, é importante dizer que nos baseamos em
alguns dos princípios da História Oral, definida como “um método de pesquisa que utiliza a
técnica e outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da experiência
humana”16. Houve uma preocupação em não restringir a entrevista a uma série de perguntas
pré-definidas e, principalmente, ter como princípio a ideia de que tudo o que foi dito pelo
entrevistado tem importância, à medida em que se relaciona à sua experiência e memória.
Uma vez que, pela escolha dos músicos participantes e dos temas aqui trabalhados,
lidamos sobretudo com a chamada improvisação idiomática, achamos interessante transpor da
obra Música Errante: o jogo da improvisação livre, de Rogério Costa, a ideia de que os idiomas
“configuram um território”17 e, de forma análoga, procuramos pensar a improvisação como um
espaço com diferentes territórios. É interessante dizer, aliás, que “território” constitui também
uma ferramenta conceitual importante da minha primeira formação em geografia,
principalmente uma ideia viva de território, como aquela presente na obra de Milton Santos18.
Dessa forma, ao invés de um roteiro de perguntas estruturadas, a escolha foi por construir um
mapa mental sobre o aprendizado da improvisação e utilizá-lo como base para as entrevistas,
sem, no entanto, restringir-se a esse quadro, compreendendo que o território da improvisação
está em permanente construção.

16
ver FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. 2ª ed. – São Paulo: Associação
Editorial Humanitas, 2006.
17
“Os idiomas, por sua vez, são concretos e configuram – mesmo que provisoriamente – um território. Geralmente
se apoiam sobre algum sistema musical específico (ou às vezes sobre mais de um, como é o caso de certos idiomas
da música popular brasileira em que convivem o tonalismo e o modalismo) e incorporam, no seu fazer real – sua
performance –, características e detalhes que lhe dão especificidade como, por exemplo, o uso de certos ritmos
característicos, formações instrumentais típicas, procedimentos instrumentais, convenções de leitura, nuances
interpretativas etc.” In: COSTA, Rogério Luiz Moraes. Música...Op.cit., p. 5 (nota de rodapé).
18
“Vivemos com uma noção de território herdada da Modernidade incompleta e do seu legado de conceitos puros,
tantas vezes atravessando os séculos praticamente intocados. É o uso do território, e não o território em si mesmo,
que faz dele objeto de análise social. Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por isso mesmo,
carece de constante revisão histórica. O que ele tem de permante é ser o nosso quadro de vida(...)”. SANTOS,
MILTON. O Retorno do Território. In: Território: globalização e fragmentação. Organizadores: Milton Santos,
Maria Adélia A. De Souza e Maria Laura Silveira. 5ª ed. São Paulo: Annablume, 2002, p.15.
18
19
Fig.1: A improvisação e o seu aprendizado no saxofone (elaborado pelo autor)
Uma vez que este trabalho é indissociável da minha própria trajetória musical, há aqui,
evidentemente, traços de uma metodologia etnográfica de observação participante, à medida
em que muitas das reflexões surgiram ao longo da prática e das relações construídas no meu
processo de formação, tanto do ponto de vista da instrução formal quanto das experiências que
transcendem o aprendizado do instrumento. Entre elas, é importante destacar a construção da
escuta, processo inesgotável que se inicia desde os nossos primeiros anos de vida – e que, de
forma sintomática, aparece em muitas das entrevistas realizadas. Outro ponto importante que
remete, a nosso ver, a um caráter artesanal dessa pedagogia da improvisação e da música em
geral, é a relação mestre-aprendiz19. A este respeito, é necessário destacar a participação direta,
em todas as etapas deste trabalho, do saxofonista e compositor Mané Silveira, com quem passei
a estudar em 2010 e desde então pude ter contato com muitos aspectos que vão além da técnica
do instrumento e dos idiomas musicais. Para falar a verdade, as muitas aulas, conversas, escutas
conjuntas e sessões práticas parecem, inevitavelmente, conduzir a questões filosóficas e até
mesmo espirituais sobre a natureza da improvisação: de um lado, o mestre é responsável por
nos colocar em contato direto com os métodos práticos (que, no caso do jazz, são atualmente
muito numerosos); de outro, muitas foram as leituras sugeridas por Mané Silveira ao longo
desses anos que transcendem a esfera da música. Entre elas, acho importante citar obras como
A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen20 e Ser Criativo - o poder da improvisação na música e
na arte21, livros que trazem aspectos de preparação e treino mental, de grande utilidade também
à nossa prática.
Sobre a preparação e condução das entrevistas, é preciso também fazer algumas
considerações. A etapa de definição do grupo de músicos a ser entrevistado foi discutida
anteriormente com o orientador deste trabalho, o prof. Dr. Rogério Costa, e contou com a
participação muito próxima, mais uma vez, de Mané Silveira, que, além de ser um dos músicos
entrevistados, foi responsável por entrar em contato com os outros músicos, inclusive
participando das demais entrevistas - que acabaram tornando-se ocasiões muito especiais ao
trazer um olhar a mais, sobretudo vindo de alguém com sua experiência. Evidentemente, do
ponto de vista metodológico isso tem suas implicações, porém se justifica à medida em que a

19
Essa relação também é enfatizada no trabalho de Derek Bailey, na seção sobre a música indiana: “For the
development of his musicianship the student in Indian music is left with no alternative but to find practical
instruction from a performing musician and, with guidance from his master, to pursue his own personal
development and musical self-sufficiency." IN: BAILEY, Derek. Op.cit., p. 1.
20
HERRIGEL, Eugen. A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen; prefácio Monja Coen: introdução de D.T. Suzuki;
tradução prefácio e notas J.C. Ismael. - São Paulo: Pensamento, 2011.
21
NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo – o poder da improvisação na vida e na arte; trad. Eliane Rocha.
São Paulo: Summus, 1993.
20
ideia era justamente não realizar uma conversa muito formal, mas criar um espaço de
“improvisações sobre improvisação”, como sugeríamos no início de cada entrevista. Por
conta da pandemia de Covid-19, todas as entrevistas foram realizadas de forma online, o que
permitiu, apesar do distanciamento, ter um registro em vídeo das sessões. Vale dizer que, em
todos os casos, os músicos entrevistados foram inicialmente orientados quanto aos objetivos
deste trabalho e, sem exceção, autorizaram a gravação, que foi disponibilizada a todos ao longo
do processo de análise do material e redação deste trabalho.
A metodologia de análise das entrevistas aqui empregada, baseada na obra de Paul
Berliner sobre o jazz, consistiu no cruzamento de temas comuns e recorrências surgidas das
próprias conversas, e que foram responsáveis por direcionar a própria estrutura de capítulos22.
Acreditamos assim que, no presente estudo, as escolhas metodológicas em relação às
entrevistas estão justificadas e a ausência das transcrições em sua íntegra não prejudica o
resultado.
As entrevistas ocorreram entre julho e setembro de 2021 e contaram com a participação
dos seguintes músicos, por ordem de entrevistas realizadas: Mané Silveira, Roberto Sion,
Hector Costita, Teco Cardoso e Paula Valente. Tenho plena consciência de que, tratando-se o
saxofone de um instrumento e a improvisação uma prática tão difundidos na nossa música, uma
grande maioria não pôde ser entrevistada neste momento e, particularmente, são muitos os
nomes que eu gostaria de incluir aqui para fazer jus à riqueza e à diversidade da improvisação
saxofonística no Brasil. Apesar disso, acreditamos que o recorte metodológico escolhido,
voltado à Música Instrumental ligada à tradição jazzística, em particular na cidade de São Paulo,
esteja bem representado, num primeiro momento, por esses grandes músicos de diferentes
gerações, todos eles tendo contribuído enormemente para a música brasileira, gravando discos
autorais importantíssimos – alguns dos quais pioneiros – , acompanhando os maiores nomes da
MPB, tocando em orquestras e big bands e formando gerações de novos ouvintes e
instrumentistas da música brasileira.
Em síntese, assim como a experiência de cada um de nós, a natureza da improvisação é
muito diversa. Ela se relaciona também à nossa visão de mundo, nossas vivências na música e
fora dela e à nossa atitude diante do conhecimento herdado pela tradição e da possibilidade de

22
“The interviews, once transcribed, produced over three thousand pages of material. It took about six months to
complete a single careful reading. Because I had never before worked with such a mass of formal interview
material, it was not immediately clear how to absorb the data. After several passes through the typescript – cutting,
pasting, and collating – I found that I could begin to cross-reference musicians’ remarks. The subsequent search
for common themes and idiosyncratic patterns was like being host to a large meeting in which participants were
engaged in a lively discussion”. In: BERLINER, Paul F. Thinking… Op. cit., p.7.
21
criar algo novo. Por isso, esperamos que esse trabalho consiga estabelecer um diálogo profícuo
entre as experiências individuais de cada músico entrevistado e as reflexões sobre improvisação
aqui propostas. Igualmente, espera-se que ele seja útil não apenas ao músico que se identifica
com a prática da improvisação idiomática ou que tenha o saxofone como instrumento, mas a
todas as pessoas que se interessam por música em geral, sejam elas profissionais ou não. Se as
linhas a seguir ajudarem a criar novas formas de compreender e, sobretudo, escutar a obra dos
músicos aqui entrevistados a partir de seus próprios termos e sua vivência musical, acredito já
ter alcançado um de meus principais objetivos. Assim como numa boa improvisação, o material
deste trabalho pode ser ressignificado e recriado em outros contextos e formas. Por fim, aos que
desejam se aprofundar no aprendizado do saxofone popular e da improvisação, vale dizer que
apesar da grande quantidade de métodos do tipo “how to improvise”23, tanto a bibliografia24
pesquisada quanto a minha experiência individual com esses métodos foram em grande medida
confirmadas pelas entrevistas: ainda que possamos encontrar neles uma fonte inesgotável de
materiais e vocabulário para a improvisação, o elemento principal parece estar ausente.

23
Do inglês, como improvisar.
24
“The learning process in improvisation is invariably difficult to detect. Although a large number of books and
courses offering instruction and advice on how to improvise are available it seems impossible to find a musician
who has actually learned to improvise from them. The great majority of these studies concern themselves either
with organ improvisation, the earliest of which appeared over 200 years ago, or conventional jazz. And the
instruction offered usually concerns the manipulation of scalar and harmonic ingredients in those particular styles.
What they have to say is, in most cases, helpful for an appreciation of those idioms and, naturally, an understanding
of the idiom is essential in order to improvise in it. But a discourse which concerns itself exclusively with pitch
relationships - melodic or harmonic - can say practically nothing about that which is essentially to do with
improvisation. In the face of the possibility that no improvisor anywhere has ever learned to improvise from a
book or other documentary source, the argument usually offered to support the publication of these manuals is that
while 'great' players can somehow suddenly appear fully endowed with every necessary skill, more ordinary
players have to find more ordinary means. The truth is probably that improvisation is learned - perhaps acquired
would be a better word - in pretty much the same way by everybody who is lucky enough to stumble on the right
method. An ability to improvise can't be forced and it depends, firstly, on an understanding, developed from
complete familiarity, of the musical context in which one improvises, or wishes to improvise.” In: BAILEY, Derek.
Op.cit., p. 7.
22
1. PRIMEIROS SONS

Os primeiros passos na vida musical aparecem, como os primeiros momentos de


desenvolvimento da criança, associados ao ambiente da família e da casa. A paisagem sonora
do lar e seu entorno é, segundo Paul Berliner, o espaço onde a criança desenvolve sua
sensibilidade inicial em música, sobretudo os sentidos culturais e as ideias do que a música
deve ser, juntamente com as fronteiras estéticas do fazer musical25. Um aspecto que atravessa
todo o nosso trabalho – ao qual vamos retornar sempre que necessário – é, portanto, a escuta,
essa parte inerente à música que, como veremos, é por vezes ignorada. Sintomaticamente,
porém, em quase todas as entrevistas realizadas, o ponto de partida foi o da escuta e dos
primeiros ambientes sonoros experenciados na infância e na adolescência.
Roberto Sion26, por exemplo, começa a sua narrativa destacando o “ambiente musical
do lar”, onde se desenvolvem o que chama de “modelos para estimular o gosto”. Ainda que
esses modelos possam estar ausentes em alguns casos, eles ajudam muito a abrir caminhos para
o interesse na música e na improvisação:

“Na minha casa eu tinha um modelo para seguir, de improvisação, que era o seguinte: existia o Jazz Clube
de Santos, que era um pessoal que fazia uma espécie de música um pouquinho Swing e um pouquinho de
New Orleans. Então, meu primeiro contato com improvisação foi que meu pai era pianista amador e já
conhecia um pouco de improvisação e estudava. Então, sabia o que ele fazia? Ele tocava um tema para
mim e falava “olha, agora eu vou variar assim”, e aí ele me punha do lado e falava “improvisa você”
(porque eu já tocava piano um pouco, né?). Então, essa coisa da improvisação veio naturalmente do meu
pai. E aí ele me levava às noites, ainda antes de eu tocar clarinete, porque antes do saxofone eu tocava
clarinete, e ele me levava para alguns ensaios nesse clube de Jazz. (...) Eu ouvia o Jazz muito raramente,
mas ao vivo. Ao vivo, o pessoal tocando. (...) Então, o que eu quis dizer com essa primeira ideia é que o

25
“It is within the soundscape of the home and its environs that the children develop their early musical
sensibilities, learning their culture´s definition of music and developing expectations of what music ought to be.
Similarly, within the confines of their music community or music culture, children learn the aesthetic boundaries
that define differing realms of performance, forming impressions of the most basic attributes of musicianship.” In:
BERLINER, Paul. Thinking in Jazz… Op.cit., p. 22.
26
Maestro, saxofonista, flautista e compositor e arranjador, é considerado um dos músicos mais importantes da
música instrumental no Brasil. Em sua extensa carreira artística, lançou diversos trabalhos de destaque como
solista, arranjador e compositor, entre eles os LPs Roberto Sion (1981), Nelson Ayres e Roberto Sion (1983),
Happy Hour (1986), além dos álbuns Pau-Brasil (1982), Pindorama (1983) e Cenas Brasileiras (1984) junto ao
Conjunto Pau-Brasil, apenas para citar alguns. Como instrumentista, tocou ao lado de diversos artistas, entre eles
Toquinho e Vinicius de Moraes. Como professor e pedagogo, atuou em diversas instituições como a Fundação
das Artes, o Conservatório Musical Brooklin Paulista, a Escola Municipal de Música, a Universidade Livre de
Música Antônio Carlos Jobim, Orquestra Jovem Tom Jobim, Big Band Jovem de Atibaia, além de aulas
particulares, contribuindo diretamente na formação de muitas gerações de instrumentistas.
23
ambiente, os modelos para estimular o seu gosto, eles têm que estar presentes. Ou ao vivo, ou colega que
escuta música”.27

Hector Costita28 também destaca, logo de início, o ambiente do lar como tendo uma
grande influência não apenas no seu gosto musical, mas também por despertar interesse em
determinados instrumentos, no seu caso o clarinete que escutava nas gravações de Benny
Goodman.

“Bom, eu vou te contar um pouquinho da minha história. Vou te falar do meu pai [que] era baterista, e
nessa época não tinha acesso a métodos, não chegava métodos de bateria. Então como é que a gente
estudava? E não só bateria: acho que muitos solistas também daquela época, muitos improvisadores
daquela época, não têm como agora tanto acesso como temos agora de informações, de métodos e de
sistema de improvisação e tal. Então como é que meu pai estudava? Meu pai montava sua bateria, numa
sala, tinha um toca-discos de 78 rotações (imagina, não?), aí ele colocava o disco e escutava
sempre/estudava junto com o quarteto – ou trio – de Benny Goodman que... ele sentava, colocava o disco,
e quando começava, sabe, o pshhh, começava a soar aquele 78 rotações, ele se preparava e acompanhava
junto, e seguramente que tentaria fazer a mesma coisa que fazia o Gene Krupa, que era o baterista naquela
época do Benny Goodman. E ele assim estudava. Então eu sempre observava isso, eu tinha 13 anos, eu
[observava] meu pai fazer isso, ouvindo o que ele estava ouvindo. Um dia, passando eu por ali, perguntei
para ele que instrumentos eram estes que estavam tocando no disco, aí ele me explicou, que era bateria,
contrabaixo e tal, piano, e a clarineta do Benny Goodman. Aí eu falei que eu me sentia interessado pela
clarineta e por aí não deu outra, no que, um ou dois dias depois, meu pai me perguntou se eu queria
realmente fazer a experiência de tocar esse instrumento, e me comprou uma clarineta. E aí foi assim que
eu comecei a estudar clarineta.”29

Ao lado do “modelo ao vivo”, portanto, a segunda influência muito presente na


formação da escuta corresponde justamente à audição de discos, citada por quase todos os
músicos como uma referência não apenas nos primeiros contatos com a música, mas ao longo

27
SION, Roberto. Entrevista realizada na plataforma Google Meet em 01 setembro de 2021. Entrevistadores:
Bruno Costa e Mané Silveira. São Paulo, 2021. Arquivo mp4 (duração: 50´31´´).
28
Saxofonista, compositor e arranjador nascido na Argentina, iniciou sua carreira na orquestra de Lalo Schifrin,
em Buenos Aires. Chegou ao Brasil no final da década de 1950, em meio ao surgimento da Bossa Nova, e em
pouco tempo participou de trabalhos pioneiros do samba-jazz, como o Bossa Rio, liderado por Sérgio Mendes. Em
1964, o conjunto gravou um dos marcos da música instrumental no Brasil, o LP Você Ainda Não Ouviu Nada. Em
1962, Hector Costita gravou o LP O Fabuloso Hector, dando início à sua sólida carreira como solista e compositor,
que incluiu também os LPs Impacto (1964), Hector Costita (1981), Paracachúm (1985). Destaca-se, também, o
seu trabalho junto ao Zimbo Trio, inclusive participando da gravação do disco Zimbo (1976). Possui uma longa
trajetória no ensino musical, sendo professor no CLAM por muitos anos.
29
COSTITA, Hector. Entrevista realizada na plataforma Google Meet em 11 setembro de 2021. Entrevistadores:
Bruno Costa e Mané Silveira. São Paulo, 2021. Arquivo mp4 (duração: 52´48´´).
24
da prática musical do instrumentista ao longo de toda sua vida – algo que devemos aprofundar
mais adiante. Sobre a presença da música em sua infância, Mané Silveira30 diz:

“Certo, é interessante, né, a gente sempre olha como é que a gente começou a se relacionar com a música
quando criança, e acho que tem um pouco essa história meio básica... Eu lembro que quando eu era
pequeno, na minha casa tinha uma rádio vitrola, né aquela, aqueles móveis antigos, né que, que tinham
um alto falante redondo em baixo com uma tela de palhinha e tal. E ali se colocavam LPs já dos modernos,
os grandes, e também rotação 78 e 45... Havia alguns discos de rotação 78 lá também, e outros discos, de
cantores, né, porque a minha mãe gostava muito de música e tal, e ela estudava piano erudito lá e tal, mas
tinha esses discos de cantores, isso que é interessante. Disco do Silvio Caldas, do Augustinho dos Santos,
Elza Soares e Miltinho, samba, Frank Sinatra... Eu gostava muito de uma cantora chamada Yma Sumac,
que era peruana e que tinha um registro extenso de voz, um agudíssimo e um, um grave e tal. E eu sempre
pedia pra minha mãe colocar de novo a tal da Yma Sumac. Então, eu acho curioso, estou mencionando
isso porque a coisa do canto, né, mas só que acabou desembocando depois num interesse por um
instrumento de sopro e não propriamente a canção E, então é isso, né, quer dizer, aquela coisa na família,
de você já ter o contato com o piano, que a minha mãe tocava, uma tia minha também, a tia Edi – que era
juíza do trabalho, mas também era uma pianista exímia, - estudava sério piano erudito com mestres,
como, acho que ela estudou com o Tinetti, o Clias, sei lá, esses caras, né, Guiomar. É, ela conhecia a
Guiomar Novaes, que era pianista.”31

É também pela via da audição que os músicos têm seus primeiros contatos com o idioma
do jazz e, consequentemente, com a improvisação. Vale dizer também que, ao contrário dos
dias atuais, por muito tempo o acesso às gravações importadas era limitado e mesmo discos de
música instrumental no Brasil eram raros, o que fez com que, em certa medida, alguns discos
tenham ganhado um protagonismo entre as matrizes formadoras do gênero à época. Uma
observação interessante feita por Roberto Sion é que uma de suas principais referências, o

30
Saxofonista, flautista, compositor e arranjador, iniciou sua carreira musical participando de trabalhos
importantes, como o LP Clara Crocodilo (1980), de Arrigo Barnabé, e integrando grupos da música instrumental
paulistana independente da década de 1980, como os conjuntos Pé Ante Pé, Freelarmônica e Metalurgia, onde,
além de instrumentista, já atuava como compositor e arranjador. Seu primeiro álbum solo Sax Sob as Árvores
(1992) foi indicado ao prêmio Sharp. Na década de 1990, formou, ao lado de Paulo Braga e Guello, o Trio Bonsai,
que lançou os discos Bonsai Machine (1996) e Desdobraduras (2001) e a integrou a Orquestra Popular de Câmara,
grupo que gravou dois álbuns: Orquestra Popular de Câmara (1998) e Danças, Jogos e Canções (2003). Em 1999,
gravou o disco Imã, ao lado do violonista Swami Jr. Como solista, destacam-se também trabalhos os álbuns Mané
Silveira Quinteto (2006) e Inzu (2019), este último em parceria com a pianista Heloísa Fernandes. Ao longo de
sua carreira, atuou também ao lado de nomes do exterior como Omara Portuondo, Seigen Ono e Thomas Clausen,
além de acompanhar nomes da MPB como Guilherme Arantes e Capital Inicial. Participou também como
convidado de projetos como Cartografia Musical Brasileira (2001) e Um Sopro de Brasil (2005). É professor de
saxofone e flauta popular na EMESP Tom Jobim, onde ministra também cursos livres de improvisação.
31
SILVEIRA, Mané. parte 1 gravada presencialmente em 27 de Julho de 2021. Entrevistador: Bruno Costa. São
Paulo, 2021. Arquivo WAV (duração: 1h02´11´´).
25
saxofonista Casé teria sido seu professor mesmo sem saber, o que evidencia esse caráter
pedagógico da escuta musical:

“Então no meu caso foram os dois, porque meu pai me levava nessas Jam Sessions e eu ficava
maravilhado em ver o sax ali e gostei né, ele até me comprou um. Porque eu já tocava um pouquinho de
clarinete. E também, em casa, tinham discos de jazz. Tinha um disco do trompetista chamado Shorty
Rogers, um do Gerry Mulligan, se eu não me engano, e tinham dois discos brasileiros de que tem tudo a
ver com Sax, que era o disco – hoje até vi no Youtube – era o disco chamado Coffee and Jazz, que era o
Rubinho, do Zimbo Trio, e o Luis Chaves, e o Moacir Peixoto, irmão do cantor Cauby Peixoto. E eles
gravaram um disco. Era assim, gravava-se um disco de Jazz a cada seis anos. Não era que nem a geração
de vocês, cheio de grupo e tudo.. Era outra realidade. Então, esses modelos do disco mais as experiências
do meu pai tocando e o pessoal tocando ao vivo, eu comecei a me interessar pela improvisação. Então, os
dois discos que eu escutava, né... Eu sabia um pouco... Eu não sabia o que era harmonia direito. Eu sabia
que existia uma variação sobre um tema né. Então eu ficava escutando à noite, eu tinha uns 13 anos, 12
anos, e eu ficava escutando à noite aqueles discos lá, esses dois. O segundo era o Dick Farney, num
concerto ao vivo, com o Paulo Moura. E o Coffee and Jazz, o saxofonista era o Casé. Então, o Casé foi
meu professor sem saber, né, porque eu escutava ele toda noite. E eu ouvia falar que ele estudava muito,
então também foi um modelo.” [Roberto Sion]

Crescer numa paisagem sonora preenchida pela música, seja por meio dos discos ou
pela presença de músicos profissionais ou amadores na família, pode não ser o fator decisivo
para alguém se tornar um profissional do ramo, mas sintomaticamente é um tema que surgiu
em praticamente todas as entrevistas realizadas, como no seguinte trecho da entrevista com
Teco Cardoso32.

“A minha mãe é pianista erudita, e o meu irmão mais velho era um baterista de jazz… ele é médico, né,
mas ele tocava muito bem jazz e música popular brasileira, então eu cresci numa casa com… com um
toca-disco eclético, tocando Horowitz, e Oscar Peterson, e Zimbo Trio, e ouvindo… ouvindo muita
música, né. Estudei piano um pouco aos 5 anos, 6 anos, aquela coisa de iniciação, mas parei o piano e

32
Saxofonista e flautista, é um dos instrumentistas mais reconhecidos da música brasileira contemporânea. No
início de sua carreira, participou da cena independente da música instrumental em São Paulo, integrando grupos
como o Pé Ante Pé, Grupo Um e Zona Azul. Na década de 1980, integrou o conjunto Pau-Brasil, onde gravou
discos como Lá Vem a Tribo (1989), Metrópolis Tropical (1991), Babel (1995) e outros. Como solista, foi
vencedor do prêmio Sharp com o disco Meu Brasil (1997), além de outros álbuns como Caminhos Cruzados
(1992), com Ulisses Rocha, Quinteto (1998), junto a Léa Freire, além da trilha sonora para O Cinema da Selva,
composta com Caíto Marcondes. Entre seus trabalhos mais recentes, destacam-se os discos Erudito Popular... E
Vice-versa (2018), duo com Tiago Costa, Dança do Tempo (2019), em parceria com Bebê Kramer e Swami Jr.
Integrou também a Orquestra Popular de Câmara, participando da gravação de seus dois discos: Orquestra Popular
de Câmara (1998) e Danças, Jogos e Canções (2003). Em 2005, participou do projeto Um Sopro de Brasil (2005).
Além disso, desenvolve uma extensa carreira como músico acompanhador, tendo tocado com importantes nomes
da MPB como Guinga, Mônica Salmaso, Dori Caymmi, Edu Lobo, Joyce, entre muitos outros.
26
fiquei com a flauta doce, da iniciação, né… e como o meu irmão tocava bateria com discos e caixa de
som, eu aproveitava aquele barulhão todo e levava minha flautinha pra lá, e enquanto ele ficava tocando
com o Dave Brubeck e tal, eu ficava buscando notas [gesticula a flauta doce no ar], ficava buscando com
a flauta doce quando cabia no tom, quando era uma coisa que dava, eu ficava brincando… Quer dizer, eu
não estava sabendo, mas eu já estava trabalhando percepção, né, estava trabalhando já essa coisa de
interagir de ouvido, e de reagir… E fiquei brincando de tirar som na flauta doce até uns 15 anos, quando
eu fui estudar flauta direito no CLAM, e depois estudar sax…”33

Um outro fator importante, que se destaca nos depoimentos acima de Hector Costita e
de Roberto Sion é o incentivo por meio da aquisição do instrumento, normalmente realizada
por algum membro próximo do círculo familiar. No caso do Brasil, é importante dizer que esse
é um fator ainda mais decisivo, uma vez que o acesso a instrumentos musicais é, ainda hoje,
em muitos casos, mais restrito do que em outros países devido a uma série de fatores como
preço e até ausência, por vezes, de um produto nacional. Atualmente, existem instituições de
iniciação ao aprendizado musical, como o Guri Santa Marcelina e as Fábricas de Cultura, que
ajudam o aluno a manter o contato com o seu instrumento. Inevitavelmente, porém, chega um
momento em que se torna necessário ter o seu próprio instrumento.
Muitas vezes a própria comunidade musical acaba por influenciar as escolhas
individuais e a formação do gosto musical no início do aprendizado. Por comunidade, podemos
entender aqui as diversas igrejas, bandas militares, bandas de coreto, blocos de carnaval, bandas
de colégio (muito importantes nos EUA, por exemplo), bandas de garagem, grupos corais, além
de escolas e universidades de música. Comentando sobre seu primeiro contato com o saxofone,
Paula Valente34 diz:

“Bom, meu primeiro contato com o sax foi…acho que no primeiro ou segundo ano da minha faculdade.
Eu fiz Composição e Regência na UNESP. E na época eu tocava piano erudito, né? Na verdade, eu tocava
piano erudito, fiz prova para piano, e não tinha passado no ano anterior. Eu prestei na USP e na UNESP.
Tinham pouquíssimas vagas na época, eram 3 vagas na USP… Ah não, na UNESP eu não prestei, prestei

33
CARDOSO, Teco. Entrevista gravada na plataforma Google Meet em 15 de Setembro de 2021. Entrevistadores:
Bruno Costa e Mané Silveira. São Paulo, 2021. Arquivo mp4 (duração: 1h15´31´´).
34
Saxofonista e flautista, integra a orquestra Jazz Sinfônica desde a sua formação em 1990. Ao longo mais de 30
anos de carreira artística, tocou ao lado de grandes nomes da MPB como Tom Jobim, Edu Lobo, Zizi Possi, Egberto
Gismonti, Ivan Lins, Milton Nascimento e outros. Desde 1990, dedica-se ao ensino de saxofone, flauta,
improvisação e de linguagens da música brasileira na EMESP Tom Jobim (antiga ULM). Também é formada em
Composição e Regência pela UNESP e possui mestrado e doutorado na USP na área de Processos da Criação
Musical, desenvolvendo pesquisas sobre modelos de improvisação e transformações do choro no século XXI. Ao
lado da pianista Lis de Carvalho, Paula Valente é idealizadora da Jazzmin´s Big Band, grupo formado
exclusivamente por instrumentistas mulheres e que, além de desenvolver um trabalho voltado à música popular,
tem sido pioneiro em trazer a discussão de gênero para o ambiente musical no Brasil, promovendo, em 2020, o
Festival Jazzmin´s: mulheres na música, com shows, aulas abertas e debates online.
27
na USP na verdade. Eu tinha aula com o Gilberto Tinetti, mas eu tinha aula fora, né… E aí eu prestei, não
entrei, e aí na UNESP eu decidi prestar composição e regência. Porque eu, na verdade, eu falei, já que eu
vou fazer Música, vou fazer um curso assim - pensei, né, essa era a minha cabeça na época -; vou fazer
um curso mais amplo, mais geral, maior, 6 anos de regência, para poder… sei lá, mais amplo, de alguma
maneira, mas não tinha intenção de deixar o piano. Eu ia fazer as coisas juntas. Só que aí, no segundo
ano, eu estava me enchendo de tocar sozinha piano solo, aquela coisa de estudar sozinha, e aí eu comecei
a querer fazer piano popular. Na época, a única escola de música popular que tinha era o CLAM, e essa
escola que tinha, que era dos Burgani, chamava Novo Tempo, não sei se você lembrava, Mané. Lá no
Ipiranga, que era perto da minha faculdade, inclusive… Era do Serginho Burgani, do Sidnei, que acho
que tinha voltado da Berklee. E do Célio. Eram três irmãos, tinham essa escola de música. E eu fui lá pra
começar a fazer piano popular. E acabei ouvindo o som do clarinete do Serginho e o Lambari me
convenceu de que o sax soprano era igual o clarinete e que eu poderia comprar um sax soprano que era a
mesma coisa… (risos). E eu falei “ah” – porque na época tinha muita dificuldade de comprar instrumento
também, né, então assim, não era… – Então eu fui comprar um Weril, levei meu pai lá naquele lugar lá
no centro, Largo do Arouche, que tinha a Weril, comprei um sax soprano…”35

Poderíamos aprofundar o tema dos nossos primeiros contatos com a música em várias
direções, buscando a influência da música veiculada pela rádio, pelo cinema, pela televisão e
atualmente pela internet e suas redes sociais. A mundialização da cultura e a chamada indústria
cultural evidentemente desempenham um papel fundamental associado a diferentes épocas. E
essa espécie de “trilha sonora do cotidiano” participa da nossa vida influenciando a maneira
pela qual, muitas vezes inconscientemente, assimilamos padrões estéticos de forma, gêneros e
sonoridades musicais. Nesse sentido, um ponto comum a todos os depoimentos é o fato de que
talvez nenhuma música se associe mais diretamente à improvisação do que o jazz, gênero afro-
americano que, ao longo do século XX, formou gerações inteiras de ouvintes e músicos do
mundo todo, interessados num modelo essencialmente diferente da tradição ocidental europeia.
Tornando-se praticamente um sinônimo de improvisação, o seu aprendizado e as suas
pedagogias emergem aqui como elementos centrais da nossa reflexão.

35
VALENTE, Paula. Entrevista gravada na plataforma Google Meet em 22 de Setembro de 2021. Entrevistadores:
Bruno Costa e Mané Silveira. São Paulo, 2021. Arquivo mp4 (duração: 1h05´23´´).

28
2. IMPROVISAR ENTRE DOIS MUNDOS

“A grande escola de improvisação no século XX inteiro foi o Jazz”36; “o Jazz é


improvisação”37; “(...) como diz o Bill Evans, o pianista, naquela entrevista ele fala o Jazz é
um espírito, assim, não somente um estilo de música. É uma atitude, o jeito de você se relaciona
com o seu instrumento, com o som (...)38”; “o barato do jazz é que é um espírito aberto, criativo,
que envolve essa questão da improvisação como o coração, como alma da música.”39. Um
breve olhar sobre as afirmações acima, extraídas das entrevistas, é capaz de nos dar a dimensão
do papel que o jazz teve, e ainda tem, na formação de músicos improvisadores desde o século
passado, tornando-se, em muitos sentidos, uma verdadeira pedagogia da improvisação.
Antes de nos concentrarmos no jazz, porém, é preciso fazer algumas considerações
sobre a tradição clássica ocidental – também chamada de música erudita40 – no ensino formal.
Em primeiro lugar, até a institucionalização das pedagogias do jazz na segunda metade do
século XX, o seu aprendizado estava mais diretamente ligado à sociabilidade que envolvia o
universo jazzístico como as jam sessions41, os sittin in42, o convívio com mestres – ou hangin’
out43 – e outras categorias muitas vezes definidas como ‘aprendizado informal’ (termo a meu
ver inadequado, pois o fato de a transmissão do conhecimento se efetivar por vias diferentes da
escrita não implica na ausência de método, formas e regras). O chamado ensino formal, por sua
vez, estava ligado diretamente à tradição clássica e mesmo os músicos de jazz norte-americanos
viveram uma dualidade característica da própria experiência das matrizes de origem não
europeia, algo que, segundo Ingrid Monson, W. E. B. Du Bois já havia nomeado como uma
“dupla consciência”:

Como os demais afro-americanos, os músicos de jazz podem falar, num momento, no estilo cotidiano da
américa africana e, num outro, o inglês escolar de classe média branca. A habilidade de absorver desses
dois mundos, a qual W.E.B. Du Bois chamou há muito tempo de dupla consciência, é indiscutivelmente

36
SION, Roberto. Entrevista... Op.cit.
37
COSTITA, Hector. Entrevista... Op.cit
38
SILVEIRA, Mané. Entrevista p.1... Op.cit.
39
CARDOSO, Teco. Entrevista.... Op.cit.
40
Optei por não utilizar essa definição uma vez que, no fundo, o termo ‘música erudita’ não diz respeito a nenhuma
estética, escola, forma ou gênero musicais, sendo uma palavra que acaba reforçando um eurocentrismo, ao negar
ao músico de outra tradição que não a europeia um lugar de erudição.
41
Jam session é uma reunião musical que tem a improvisação como foco principal. Historicamente foi um espaço
de aprendizado muito importante na comunidade do jazz.
42
No contexto do jazz, significa tocar como convidado em alguma orquestra ou banda, normalmente durante parte
de uma apresentação, tocando uma ou algumas músicas.
43
Basicamente significa “andar junto”, conviver, passar tempo junto...
29
um dos aspectos mais significativos da cultura dos afrodescendentes na América (Du Bois, 1969). Na
comunidade do jazz, músicos que não são de origem africana também devem se familiarizar com os dois
mundos, pois a liderança dentro desta tradição musical flui em grande parte do lado afro-americano.” 44

A habilidade de transitar entre os dois mundos requer uma atitude que, talvez não seja
exagerado dizer, já representa em si mesma uma forma de improvisação. Isso fica nítido quando
vemos que, até muito pouco tempo atrás, o treinamento musical se dava na esfera do ensino
tradicional da música europeia e cabia ao músico unir – ou por que não improvisar – esse
aprendizado à prática dos gêneros da música popular.

“Aí ele [o pai de Hector Costita] me botou um professor – aqueles “italianones”, aqueles rígidos né, da
época –, e era música erudita, imagina, nem podia falar em jazz, não é? [risos], se bem eu estava já me
sentindo atirado pelo jazz, mas ele falou: “é bom que você estude música erudita, por causa que assim
você vai adquirir uma técnica que vai te permitir depois tocar o que você quiser”. E efetivamente é assim,
não é? Aí, comecei a estudar clarineta. Aí eu toquei clarineta dos 13 anos até os 18 anos, e fazendo música
erudita – mas eu dava minhas escapadas também, eu conheci uma rapaziada aí que tocava jazz, nessa
época era muito [dixie], muito swing que se tocava, o estilo era esse né, e eu comecei a fazer minhas
experiências. Mas mais me dedicava à música erudita com a clarineta. Até que um dia, eu comecei a
frequentar um clube de jazz que tinha na Argentina, [em] Buenos Aires, onde um dos diretores era o
maestro Lalo Schifrin (que você não sei se ouviu falar, não sei se conhece ele). Aí ele decidiu montar uma
big band, tipo assim, big band tipo Count Basie, com um naipe de 5 saxofones, uma big band completa,
e chegou pra mim e falou “eu vou convidar você pra fazer parte da minha banda”. Falei “poxa, que legal,
você vai por clarineta na tua banda?”, e ele falou “no no no no você vai tocar saxofone” [risos]. Eu falei
“não tenho nem saxofone, nunca toquei saxofone”, [e ele disse] “não se preocupe que está tudo já
arranjado, tá tudo certo já”. Aí, [o] que aconteceu, ele entrou em contato sabe com... disse “não se
preocupe porque o Gato Barbieri” (não sei se você ouviu falar no saxofonista também, tenor argentino).
Bom, [ele disse] “o Gato Barbieri vai te emprestar o tenor dele, o sax tenor, e você vai fazer parte do
naipe de saxofone”. [Eu] falei “mas puxa vida”, [e ele disse] “não se preocupe, o instrumento você tem,
ele vai te emprestar, depois disso ele te vai dar algumas dicas, e como você toca clarineta...” – às vezes
essa é vantagem que tem os clarinetistas, que depois não tem, digamos, muito sacrifício, digamos assim,
de entrar em contato com o saxofone –, [daí] ele falou “com o que você já conhece de clarineta, não vai
ter muita dificuldade de assimilar o tenor”. E foi assim. O Gato Barbieri me deu algumas explicações

44
“Like other African Americans, jazz musicians may speak at one moment in the styles of everyday African
America and at another in white, middle-class, school English. The ability to draw from both worlds, which W.E.B.
Du Bois long ago termed double consciousness, is arguably one of the most significant aspects of the culture of
Africans in America (Du Bois, 1969). In the community of jazz performers, non-African American musicians must
also become familiar with both worlds, for the leadership in this musical tradition has always flowed most heavily
from the African American side.” MONSON, Ingrid. Music, Language, and Cultural Styles: Improvisation as
Conversation (capítulo extraído do livro Saying Something: Jazz Improvisation and Interaction). In: CAINES,
Rebecca & HEBLE, Ajay. The Improvisation Studies Reader, Spontaneous Acts. New York: Routledge, 2015, pp.
35-51. [tradução livre do autor].
30
sobre embocadura, sobre a técnica do instrumento, e foi assim que eu comecei a tocar sax na banda do
Lalo Schifrin, lá na Argentina. E bom, a partir daí já eu me enamorei desse instrumento e comecei a deixar
um pouquinho mais de lado a clarineta, e me dediquei mais ao tenor(...)” [Hector Costita]

Essa oposição entre o que estamos chamando de dois mundos chega a ser tão marcante
na música que, de forma sintomática, a improvisação nem sequer integrava os programas de
ensino tradicionais:

“Uma coisa que a gente tem que deixar claro é o seguinte: o conhecimento, a educação que a gente tinha
antes - isso eu estou falando há 30 anos atrás, 40 anos - não era a que o pessoal tem hoje. Que o pessoal
hoje tem muita abertura, a própria escola que a gente dá aula, quer dizer… O que a gente tinha antes: cada
um ia fazendo o seu caminho, ia buscando de uma maneira muito individual, né. Era tudo individual.
Então, a minha música erudita, que eu era... era tudo uma coisa individual, era o professor que vinha em
casa, durante 10, 15 anos… sabe, uma coisa muito, assim, fechada. E aí vai na faculdade… então assim,
a música erudita, para mim - não que ela seja assim -, mas, na minha visão, quando eu estudava, não tinha
nada a ver com improvisação, eu nem sabia o que era improvisar. Para mim não tinha, nunca existiu. Hoje
em dia você tem professores de música erudita que já dão uma abertura para a improvisação desde o
começo, já faz parte da pedagogia, vamos dizer assim. Aquela época não tinha pedagogia, né Mané, não
era pedagogia, era todo mundo e ‘vamo que vamo’, você vai ver quem toca e vai lá atrás e vai fuçar, a
gente ia atrás das pessoas...” [Paula Valente]

Por outro lado, o modelo clássico no ensino também abre um caminho aos músicos para
o desenvolvimento de uma técnica de instrumento básica, necessária à prática de gêneros e
estilos que tenham como base o sistema musical ocidental composto pelas doze notas45.
Podemos dizer, assim, que existe uma matéria-prima comum ao aprendizado do saxofone que
corresponde ao domínio técnico imposto pelas características físicas e acústicas que
naturalmente foram pensadas para a música de tradição europeia, ainda que essas fronteiras
tenham sido rompidas por muitos saxofonistas que criaram e utilizaram técnicas estendidas. O
estudo do repertório e dos métodos clássicos é uma fonte à qual se pode retornar
constantemente:

45
Vale relatar, aqui, uma observação interessante que Hector Costita fez durante a entrevista sobre o assunto:
“(...)uma vez numa entrevista que [eu] estava fazendo para o Miles Davis – que ele é o rei de fazer essas coisas, o
rei do silêncio -, eu estava discutindo a respeito justamente das técnicas e das escalas. Então, aí eu estava
entrevistando e falei “sim, porque... bom, nós temos como conhecimento de escala, de escalas orientais, que são
pentatônicas, que são 5 notas e tal”, e disse “as nossas, que são ocidentais, que são 12 notas”. Aí o Miles Davis
parou e falou “no, no, no... não são 12”. E eu disse “como não são 12, Miles Davis? Desde a época dos gregos,
que assim se sabe que são 12 notas a nossa escala”. E ele disse “no, no, no... são 13!”. “Como 13 notas?” “Sim,
sim, a número 13 é o silêncio” [risos].” COSTITA, Hector. Entrevista... Op. Cit.
31
“Então você veja bem, o outro modelo era a influência que todos os grandes jazzistas como Dick Farney,
o Luiz Eça, o Amilton Godoy, eles todos estudaram clássico. Então eu sempre... meu pai sempre falava
que o professor dele falava “estuda Bach, estuda Bach”. Eu retomei os estudos de Bach, todo dia que eu
posso, vou lá e estudo piano (…). No meu caso, pelo menos, esses modelos de você ser um músico, querer
atingir um patamar alto, de técnica, de conhecimento, esses modelos são muito importantes. Não importa
de onde veio, dos discos, hoje em dia dos vídeos.” [Roberto Sion]

No caso do saxofone, entre os métodos tradicionais mais citados encontram-se os


elaborados por Hyacinthe Klosé (1808-1880), que podem ser encontrados até hoje nas estantes
das livrarias e suas melodias correram o mundo, sendo até mesmo encontradas nos solos de um
dos músicos mais revolucionários do jazz e um dos criadores do bebop, o saxofonista Charlie
Parker46. Essa observação torna-se ainda mais interessante à medida em que a abordagem do
ensino tradicional muitas vezes separa o exercício da música em si, sendo o primeiro pensado
como “mecanismo”: “Com o Lambari, acho que eu estudei Klosé, alguma coisa assim. Com o
Lambari eu estudei muito pouco também; mas não estudei nada de jazz, era só Klosé, era
mecanismo. Com o Lambari eu estudei mecanismo e onde são as notas”.47
A distância entre ‘estudar’ e ‘fazer música’, porém, insere-se no contexto mais amplo
da separação histórica, na tradição ocidental, entre teoria e prática48, cujas implicações para
nosso tema são muitas. Uma de suas manifestações mais diretas – que a essa altura já
transpareceu em algumas das conversas acima – diz respeito à música escrita que, associada ao
que estamos nomeando de ‘modelo tradicional clássico’, distanciou-se ao longo do tempo da
prática da improvisação. Assim, aprender a improvisar tornou-se, nas sociedades ocidentais,
um exercício profundo de libertação da ênfase na partitura escrita e, sobretudo, de (re)união
entre teoria e prática.

“Por isso que eu acho que é importante o músico voltar a entender a improvisação, porque a improvisação
é uma maneira de você entender a harmonia e entender a música por dentro. Porque se você pegar 9 entre
10 músicos eruditos formados, bonito, eles fizeram Harmonia Funcional e tal, mas se você botar eles para
aplicar aquilo… Eles [abana as mãos]... É uma coisa totalmente teórica, né? Eles estudaram na teoria, aí
depois eles estudaram piano e tocam, mas ele nunca cruzou essa informação, né, ele não sabe o que fazer

46
É possível encontrar um excerto de uma entrevista de 1954 entre Paul Desmond e Charlie Parker em que se
menciona uma citação de H. Klosé numa gravação de Bird: https://www.youtube.com/watch?v=UvsqYo9r_dE
(acesso em 26 de Dezembro de 2021).
47
VALENTE, Paula. Entrevista... Op. Cit.
48
A esse respeito, ver capítulo de Ingrid Monson citado acima: MONSON, Ingrid. Music, Language, and Cultural
Style... Op.cit.
32
com a harmonia, como é que faz uma variação daquilo, porque ficou muito algemizado, né… A música
que, que não é; a música clássica era toda improvisada, do Bach…” [Teco Cardoso]

Um outro sintoma dessa dissociação entre a música escrita e a improvisação aparece


muitas vezes em emoções vinculadas ao medo diante da ausência da partitura. Vindo de um
ensino mais tradicional, Paula Valente diz sobre suas primeiras incursões no mundo da música
popular e da improvisação:

“Por isso que eu acabei indo sempre pelo lado da leitura, esse acabou sendo o meu perfil, né, da profissão;
por isso que eu acabei já entrando na orquestra, porque… Como eu lia, esse era o lado mais fácil para
mim, então eu fui para esse lado. Era mais difícil você me ver, logo nesse início, tocando em… em casa
de jazz, com grupo pequeno, onde o pessoal estava lá improvisando, não era o meu perfil, né. Meu perfil
era mais de músico leitor, vamos dizer assim. Então eu ingressei na música popular por aí, e aí depois que
eu comecei…então eu fui mais lenta nessa questão da improvisação; sempre foi um pânico para mim…”
[Paula Valente]

A via contrária também é verdadeira. Comentando sobre o saxofonista Victor Assis


Brasil, Roberto Sion diz que:

“Ele não sabia uma nota de música quando ele foi para os EUA. Aí ele estudou, escreveu arranjos, mas
ele improvisava só de ouvido, como muitos jazzistas. Dizem que o Chet Baker e o Stan Getz não
conheciam muito harmonia, eles eram músicos intuitivos. Porque a coisa de você ler música é para a coisa
orquestral, foi para poder ter o código quando você tem mais de um instrumento. Mas para o
improvisador, não precisa saber ler música. Pode ser uma heresia falar isso lá na USP, mas é verdade.”
[Roberto Sion]

Transitar entre esses dois mundos, portanto, é uma tarefa nem sempre confortável. É
preciso lidar com nossas inseguranças e com as lacunas da nossa formação e muitas são as
barreiras que encontramos ao longo do caminho. Entre essas, o medo de errar talvez seja uma
das principais, principalmente numa atividade como a improvisação que, como diz Paula
Valente, deixa-nos muito exposto49. Para Mané Silveira,

“(...) as pessoas têm muito medo de tocar qualquer coisa, de se deixar sair tocando, vamos dizer assim.
Tem esse medo, é uma espécie de repressão, isso talvez seja meio cultural. Sabe aquela coisa: “pára de
fazer arte menino!”, (risos), o menino arteiro, fazendo bagunça…. não sei, existe uma certa repressão

49
VALENTE... Op.cit.
33
interior, as pessoas têm medo de improvisar. Tocam as escalas os arpejos e tudo, mas quando você pede
para tocar qualquer coisa (...)” [Mané Silveira]50

Num determinado ponto da entrevista realizada com Paula Valente, Mané Silveira
levantou a necessidade da superação do ego e da autocrítica. Também nas palavras de Roberto
Sion, “na hora de improvisar é preciso esquecer tudo”, deixar de lado o aspecto intelectual.
Essa entrega ao momento parece mesmo um dos principais pontos a ser desenvolvido pelo
músico improvisador:

“A improvisação tem que nascer nesse ponto onde a ideia vem de dentro de você e não da sua cabeça
intelectual “agora vou tocar tal escala”. Isso você pensa antes, mas depois, na hora de improvisar você
tem que ser espontâneo. Agora, é difícil, claro. Mas por que eu consegui perceber isso? Eu já tinha ouvido
muito, então vou ligar com a coisa do ouvido. Ouvir inconscientemente e você vai guardando a
articulação, ideias, diferentes andamentos, tudo fica dentro de você. Então é muito importante, quando
você canta, você às vezes improvisar, o improvisador antes de pegar o instrumento fazer uns dez minutos
de scat, sabe? Seja sobre um acorde, cantar tríades, como você quiser, improvisar com tríades, improvisar
dentro de uma harmonia fácil. Só com a voz, sabe? Então, eu aquele dia me assustei, porque eu improvisei
temas rápidos e tinha uma fluência que não parava. É meio a coisa do Freud da associação livre, porque
uma ideia vai levando à outra, porque você está solto. É um processo que o músico de Jazz faz, ele tem
todas as ferramentas preparadas, mas na hora de improvisar ele tem que esquecer tudo” [Roberto Sion]

Vê-se, portanto, como a improvisação lida com muitos temas transversais. Além disso,
questões sociais, de raça e de gênero não podem ser consideradas pontuais e atravessam o tema
em sua totalidade, basta pensar na relação entre o jazz e a segregação racial nos EUA.
Preconceitos, estereótipos e lugares sociais representam para muitos músicos mais uma barreira
a ser transposta, além daquelas já mencionadas. Ao longo deste trabalho, por exemplo, é
possível ver a sintomática desigualdade de gênero presente no campo musical estudado e se faz
necessário reconhecer a importância de abordar o tema e as suas implicações:

“Claro, me afetou em algumas coisas, mas é que eu acho que eu sou.. Bem chata, né, umas coisas que eu
vou em frente e não quero nem saber, se falou, se não falou… Mas é claro que, lá por dentro, às vezes a
gente fica meio… Isso é um dos motivos que eu acho que eu demorei tanto pra me soltar na improvisação:
estou sempre na orquestra, só tem homem… é difícil eu levantar lá, e improvisar no meio daquele… De
todos aqueles músicos que são maravilhosos, é óbvio, tem ótimos improvisadores… Então a gente se
sente meio, um pouco… Mas eu acho que a gente tem que parar um pouco com isso e, internamente, ter

50
SILVEIRA, Mané. Entrevista 2, gravada presencialmente em 01 de Agosto de 2021. Entrevistador: Bruno
Costa. São Paulo, 2021. Arquivo mp4 (duração:34’45’’).
34
mais força mesmo, e falar, “não, vou fazer”, e… Acho que é uma maneira de você ir desconstruindo.
Você encarar, isso que quero dizer: encarar, e não ficar com medo. O problema é o medo, né. O problema
é você encarar: então por isso que a Jazzmins, e outros grupos femininos, acho que vão dando um pouco
mais de “opa, vamos lá, vamos junto”, e aí elas vão se soltando” [Paula Valente]

Em síntese, antes mesmo de pensar no aprendizado da improvisação propriamente dito,


fica evidente que muitos são os fatores extramusicais envolvidos. Não é possível considerar a
música como algo externo à sociedade e às questões de cada época. Em nosso tempo histórico,
ainda que seja necessário reconhecer a importância dos modelos tradicionais na formação
musical – inclusive levando em conta que a própria tradição europeia já teve na improvisação
uma de suas principais atividades, como por exemplo na tradição do baixo contínuo – o jazz
surge não apenas como uma das principais manifestações da improvisação, mas como uma das
maiores fontes de pedagogias e de sistematização do seu aprendizado.

35
3. O JAZZ COMO ESCOLA DE IMPROVISAÇÃO

“Mas a grande escola de improvisação no século


XX inteiro foi o Jazz. Começou a mudar eu acho que a
partir da influência do Hermeto, da liberação da música
instrumental brasileira, em termos de concepção, do
jazz, que foi lá pelos anos 60 também. Quarteto Novo”
Roberto Sion

No início do capítulo anterior, trouxemos algumas falas dos entrevistados que deixam
claro o protagonismo do jazz como modelo de aprendizado e de prática da improvisação. Derek
Bailey reconhece também a importância do gênero no que chama de revitalização da
improvisação na música ocidental no século XX, sendo responsável por “lembrar o músico que
a performance e a criação não são atividades necessariamente separadas e que, no seu auge,
a improvisação instrumental pode atingir os mais altos níveis de expressão musical”51. Em
nosso caso, a proeminência do gênero na improvisação é ainda maior. Embora tenha sido
inventado na metade do século XIX por um belga que procurava um instrumento de maior
projeção para as orquestras e bandas militares, que acompanhavam o ritmo de crescimento da
indústria, foi na música popular do século seguinte que o saxofone ganhou popularidade e,
desde então, seu desenvolvimento caminha lado a lado com a história do jazz.
No Brasil, ao contrário da história veiculada de que o instrumento teria sido introduzido
por Pixinguinha, pesquisas mais recentes já indicam sua presença ainda no período Imperial52,

51
“There is no doubt that the single most important contribution to the revitalisation of improvisation in Western
music in the 20th century is jazz. A unique music with, in its earlier years, boundless vitality, the enormous musical
and sociological importance, the world-wide influence, of jazz is now largely recognised. But for the Western
musician its greatest service was to revive something almost extinct in Occidental music: it reminded him that
performing music and creating music are not necessarily separate activities and that, at its best, instrumental
improvisation can achieve the highest levels of musical expression”. BAILEY, Derek. Improvisation... Op.cit., p.
48 (tradução livre).
52
“Tanto a comercialização de saxofones, quanto as apresentações de solistas de saxofone passam a fazer parte
dos ambientes culturais cariocas a partir da primeira metade da década de 1850, relativamente pouco tempo após
a primeira patente de Adolphe Sax em 1846. Esta constatação esclarece duas suposições compartilhadas em
diversos estudos acadêmicos (PINTO, 2005; SPIELLMAN, 2008; AMORIM 2012, p. 1): (a) Henrique Alves de
Mesquita teria trazido o saxofone da França após seu período de estudos no Conservatório de Paris, em 1857 e;
(b) Viriato Figueira da Silva (1851-1877) teria sido o primeiro saxofonista brasileiro. Um levantamento mais
36
revelando uma trajetória paralela deste instrumento aqui, algo que se reflete diretamente em
nosso trabalho, uma vez que este se concentra mais na música instrumental brasileira cujo
intercâmbio com o jazz ajudou a formar novos gêneros a partir da década de 1950, sob
denominações como samba-jazz, MPB jazz, bossa jazz, e outros. É preciso reiterar, porém, que
essas categorias são geralmente arbitrárias e muitos dos músicos aqui entrevistados destacam o
choro e outras manifestações da música brasileira como grandes influências em sua formação.
Aos músicos, esses rótulos são muitas vezes facilmente transponíveis ou mesmo inexistentes.
Porém, incluir o desenvolvimento da improvisação e suas especificidades em outros
gêneros da música popular, como por exemplo no choro, configuraria um trabalho à parte e
envolveria toda uma série de ferramentas etnográficas e musicológicas a mais. Aqui, as
entrevistas e a bibliografia utilizadas indicaram uma proeminência de uma influência
jazzística53 na improvisação e, ainda que ela possa e deva ser questionada, acreditamos que
estabelece uma base analítica que pode ser ampliada noutras direções e sempre que possível
faremos menção a outros contextos. Também não aprofundaremos as vertentes associadas à
chamada improvisação livre, mas ainda que esta não seja um desdobramento do free jazz54, é
interessante pensar que, nos momentos de saturação do gênero, a sua própria negação também
ajudou a ampliar a improvisação para além de suas fronteiras idiomáticas.

3.1 O aprendizado pela escuta

A primeira grande matriz do aprendizado da improvisação é a via da escuta. A afirmação


pode soar óbvia, tratando-se de uma atividade musical, mas diante da prevalência de um modelo
de ensino que privilegia a leitura e que, conforme vimos anteriormente, acaba restringindo a
atividade da improvisação. Neste caso, podemos falar de uma escuta que se insere no âmbito
de transmissão oral de conhecimentos e práticas musicais e está inevitavelmente ligada a formas

extenso, que naturalmente exigiria mais espaço para análise, aponta os primeiros indícios da presença do saxofone
nos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco e Pará datando da segunda metade da década de 1870.”
CARVALHO, Pedro Paes de. O Saxofone na Belle Époque Brasileira – investigando relações entre história,
identidades narrativas e conceitos de autenticidade. Anais Do III Simpom 2014 - Simpósio Brasileiro De Pós-
Graduandos Em Música.
53
“(..) bebop has obviously been the pedagogue's delight. It has proved to be one style of improvising which can
be easily taught. And taught it is; in colleges, music schools, night classes, prisons; through a constant flow of
tutors, methods and 'how to' books, resulting in perhaps the first standardised, non·personal approach to teaching
improvisation”. In: BAILEY, Derek. Op cit…pp.49-50;
54
A esse respeito, Rogério Costa diz: “Vale enfatizar: a livre improvisação não é um desdobramento do free
jazz. É claro que o jazz é uma das linhas de força que convergiram para o surgimento deste tipo de manifestação
que só é possível na contemporaneidade por conta de uma série de fatores”. COSTA, Rogério Luiz Moraes.
Música Errante... Op.cit. p. 13.
37
de sociabilidade e contextos socioculturais específicos. Comentando sobre o aprendizado da
improvisação na música indiana, Bailey diz:

A habilidade de improvisar não pode ser forçada e depende, em primeiro lugar, de uma compreensão,
desenvolvida a partir da completa familiarização, do contexto musical em que se improvisa ou se pretende
improvisar. À medida em que essa compreensão se desenvolve, ela abre caminho para o desenvolvimento
da habilidade de improvisar. O importante é ter um objetivo, cujo reconhecimento pode ser intuitivo, tão
fortemente desejado que chega a ser quase uma mania. Na improvisação idiomática, esse objetivo
normalmente é representado pela figura de um músico admirado, cujas habilidades se deseja emular. 55

Em outras palavras, não é possível improvisar sem estabelecer uma familiaridade com
o contexto em questão e essa familiarização pode se atingir pelo contato direto com o meio em
que determinado tipo de música se produz, como as rodas de Choro, as jam sessions, ou também
de forma remota, pelas gravações musicais:

“Então eu, e todos os músicos da minha geração, aprendemos Jazz pela importantíssima até hoje via do
disco, da audição, entendeu? A improvisação ela é puramente... se é improvisação ela não pode ser escrita,
então aqui já está um fator muito importante da improvisação, né?”

Um dos primeiros passos na aprendizagem pela escuta é justamente “emular um músico


admirado”, como diz Bailey, ou seja, procurar imitar, no caso do saxofone, algum solista, sem
que, no entanto, o objetivo seja necessariamente soar igual, como enfatiza Mané Silveira: “por
isso que eu falo que a imitação é um portão, porque a imitação não é para você imitar o cara
e ficar um papagaio do cara (...), a tentativa de imitar te leva a encontrar o seu jeito, também,
de tocar”56. Aprender ouvindo não prescinde, porém, de uma escuta ativa e analítica. Hector
Costita, por exemplo, comenta sobre ouvir analisando as frases e buscando a personalidade
musical de cada solista:

“Bom, uma das coisas que eu acho interessante é “ouvir” constantemente, ficar sempre ouvindo, e ouvir
todo mundo – eu te falei que não tenho uma preferência, eu ouço todo mundo. E por incrível que pareça,
quando você está ouvindo – por exemplo, eu entro no carro e a primeira coisa que eu faço é ligar o som,

55
“An ability to improvise can't be forced and it depends, firstly, on an understanding, developed from complete
familiarity, of the musical context in which one improvises, or wishes to improvise. As this understanding
develops so the ability to improvise can develop. The important thing is to have an objective, the recognition of
which can be intuitive, so strongly desired as to be almost a mania. In idiomatic improvisation this objective is
usually represented by an admired player whose performance one wishes to emulate.” BAILEY, Derek. Op.
Cit..p.7. [tradução livre do autor]
56
SILVEIRA, Mané. Entrevista p.1... Op.cit.
38
então eu vou guiando, guiando, e ouvindo aquele som. E vou sempre analisando as coisas que os mestres
fazem, como eles se desenvolvem. Então você percebe que cada solista, cada mestre, ele tem uma
personalidade, e que eles criaram seus próprios licks57 sabe, seus próprios clichês.” [Hector Costita]

Na verdade, quando falamos em ‘via da escuta’, estamos nos referindo a uma dimensão
prática do aprendizado da improvisação, destacada por Roberto Sion:

“A improvisação é muito ampla. Eu acho que é como o Carlos Drummond de Andrade, “amar se aprende
amando”, “improvisar se aprende improvisando”, como a gente fazia. A gente se juntava e saía
improvisando num standard. Errava nota, ficava preso. Ah, outra coisa que me serviu muito como guia
da improvisação e até um certo ponto é importante, mas não faz milagres... era você, todo mundo... Os
caras que improvisavam falavam assim “você tem que escutar muito”. Então, isso realmente é mais do
que para um músico erudito, que fica fazendo concertos já prontos e tudo, a coisa de escutar os mestres
da improvisação para você abrir o canal do lado direito do cérebro, intuitivo, ideias melódicas.” [Roberto
Sion]

Para grande parte dos saxofonistas entrevistados inclusive, a primazia da escuta foi
ainda mais presente dada a dificuldade de acesso aos materiais pedagógicos à época, em geral
importados. E as fontes de materiais de gravações podem ser diversas: é interessante perceber
como Teco Cardoso se debruçou também sobre discos de canção em sua trajetória:

“Eu sou de uma geração pré essa profusão de songbooks que a gente tem hoje - que é maravilhosa, né,
muito bom por um lado, que você tem songbook de choro, songbook de frevo, songbook de música da
Chiquinha Gonzaga; e play-alongs, né, para você tocar sem a melodia, isso é maravilhoso. A gente não
tinha tanto isso; tinha os Aebersolds, tal, era sempre num jazz, era sempre um grupo muito ruim gravando,
tocando, né, duro… uns alunos que ele pegava lá da Berklee para tocar, e era ruim, era ruim, não era
gostoso de tocar… Eu, pelo menos não gostava muito de tocar. Mas a gente tinha isso para tocar. Então
eu desenvolvi uma coisa de trabalhar com discos de gravações mesmo, tocar com discos. Então, eu
pegava… pô, adorava, todo quarteto que tem de vocal, cantora, jazz e tudo, que não tem um sopro, eu
posso entrar nesse grupo aqui. E já, pô, já vou treinando aquela coisa de improvisar acompanhamento, já
uso a minha percepção para improvisar, já meio que vou tentando tirar uns acordes que eu já percebi - ah,
esse é esse, esse é esse -; já vou fazendo um trabalho de percepção e de tirar; a gente tirou muita coisa,
né? De tirar solo, tirar música…” [Teco Cardoso]

57
Licks podem ser definidos como frases musicais curtas, em geral, cativantes, que se tornam clichês idiomáticos
e expressam muitas vezes o domínio de uma linguagem.
39
Tirar solos é uma prática bastante comum no aprendizado da improvisação. No caso do
jazz, inclusive, é possível achar uma grande oferta de livros com transcrições de artistas
consagrados. Também é comum pedir aos alunos que transcrevam os improvisos que eles
mesmos aprendem de ouvido, para depois analisar suas relações melódicas, rítmicas e
harmônicas, no caso da música idiomática. Apesar de fundamental, é preciso tomar cuidado
para esta não se tornar uma prática exclusivamente mecânica e/ou teórica ou cuja finalidade
seja a notação em si. Derek Bailey afirma, por exemplo, que a improvisação em grande parte
“tem pouca consideração pelas gentilezas da escala temperada, ou para divisões precisamente
uniformes de tempo e de compasso” e que, no limite, por mais precisa que seja, uma transcrição
58
de improvisação será sempre uma representação inadequada . Isso ocorre, naturalmente,
porque, em música, os parâmetros expressivos vão muito além das possibilidades da escrita,
sobretudo em contextos nos quais prevalece a matriz da oralidade, como é o caso das raízes da
música popular. Estudar de ouvido é, portanto, uma forma de assimilar não apenas a relação de
frequências ao longo de um tempo métrico fixo.
No caso da música de origem afro-americana, a questão rítmica é particularmente
complexa de ser definida em termos de notação musical ocidental, onde termos como swing e
ginga, por exemplo, têm muita dificuldade em encontrar um correspondente escrito 59. Na
escrita do Jazz, por exemplo, Lennie Niehaus em seu método de 1964 Advanced Conceptions
for Saxophone, discute como as colcheias duplas teriam sido por
muito tempo grafadas da forma errada, sendo a primeira nota uma colcheia pontuada seguida
de uma semicolcheia para dar a ideia do feeling60 sincopado do Jazz:
Segundo ele, porém, a forma mais adequada seria usar figuras tercinadas61:
Isso apenas para termos uma ideia da discussão, afinal ambas as notações, no fundo, servem
como referências a uma concepção de tempo métrico cuja matriz não é ocidental. Outros

58
“Firstly, it is not possible to transcribe improvisation. There have been some attempts; usually of jazz solos, or
organ improvisations and sometimes of 'ethnic' music. Invariably the transcription is into 'standard' musical
notation, a system which concerns itself almost exclusively with representing pitch and rhythm within certain
conventions. However, most improvisation has scant regard for the niceties of the tempered scale, or for exactly
uniform divisions of the 'bar' or beat. Attempts to show its 'deviations' usually take the form of arrows, dots, cent
numbers, commas and all sorts of minute adjustments hopefully scattered through the standard notation system.
(…). When the object of examination is improvisation, transcription, whatever its accuracy, serves only as a
misrepresentation.” BAILEY, Derek. Op.cit. p 15.
59
Sobre esse tema, é interessante a leitura da obra de Ben Sidran, Black Talk. SIDRAN, Ben. Black Talk: How
The Music of Black America Created A Radical Alternative To The Values Of Western Literary Tradition. Da Capo
Press, 2010.
60
Do inglês, sentimento, sensação.
61
NIEHAUS, Lennie. Advanced Conceptions for Saxophone. Try Publishing Company, 1964.
40
aspectos importantes de tirar os solos de ouvido envolvem parâmetros expressivos como
sonoridade, gestos, intenções, e até uma compreensão do som dentro da estética de cada época:

“É interessante notar o tipo de ‘melodismo’, vamos dizer assim, que veio vindo no Jazz. Por exemplo,
você pega lá o Lester Young, o Ben Webster, esses caras eles tinham uma linha de improvisação muito
bonita, o Johnny Hodges. Mas era uma coisa da época, eles tinham uma pegada mais arpejos, mais vibrato,
então a sonoridade, né…interessante você ver como a maneira mesmo de fazer as coisas vai mudando, se
transformando. Até que surgiu o bebop, que é uma sonoridade mais dura, mais projetada, com uma
articulação mais forte, menos vibrato e mais agilidade e esses malabarismos harmônicos. Enfim, aí vem
Coltrane com uma abertura harmônica… interessante né, aí você tem os seguimentos, o Michael Brecker
seria uma extensão do Coltrane, o Phil Woods uma extensão do Charlie Parker, enfim, mergulhar nesse
universo…” [Mané Silveira]

Muitos músicos de Jazz, como já mencionamos, iniciam seus estudos já na escola e


conservatórios musicais, aprendendo a dominar também a leitura e a teoria musical ocidental.
Além disso, do ponto de vista da profissão, muitos vão circular nos circuitos comerciais das
grandes orquestras – também conhecida como Big Bands, ou realizar gravações em estúdios,
além de outras práticas profissionais onde a leitura e o domínio da linguagem escrita se fazem
fundamentais. E esse locus de prática musical também adquire importância na formação do
improvisador contemporâneo.

3.2 A escola das Big Bands: onde arranjo e improvisação, teoria e prática se
encontram

As tradições orquestrais do jazz e da música popular desempenharam um papel muito


importante na trajetória de muitos músicos que se tornam grandes improvisadores, além de
terem uma função de profissionalização de muitos artistas em início de carreira.62 Em nossa
pesquisa, como vimos anteriormente, isso aparece muito na trajetória de Hector Costita, cujo
início no saxofone se deu na Big Band de Lalo Schifrin, na Argentina63. Foi durante uma
excursão de uma orquestra que ele, inclusive, veio ao Brasil em 1958 para não sair mais e, logo
de início, gravar, em 1963, um dos discos mais emblemáticos da Bossa Nova instrumental, o

62
Isso fica claro quando lemos biografias de artistas de Jazz. Mesmo os artistas que desenvolveram uma carreira
solo, como por exemplo Miles Davis, em geral se profissionalizaram em Big Bands ou bandas militares. No Brasil,
também podemos citar as orquestras das rádios, que foram importantes na trajetória de muitos músicos.
63
Ver capítulo 1.
41
LP Você ainda não ouviu nada, do sexteto Bossa Rio, ao lado de Sérgio Mendes, Raul de Souza,
Sebastião Neto, Edison Machado e Edson Maciel.
A importância desse ambiente das big bands para improvisação também se dá no fato
de que é um lugar de troca de conhecimentos muito grande, onde músicos de diferentes
trajetórias e com experiências diversas se encontram. No caso do Brasil, é importante destacar
justamente como os primeiros músicos a tomar contato com os métodos de sistematização da
pedagogia do jazz o fizeram pela via dos cursos de improvisação e arranjo, campos que se ligam
diretamente no estudo da teoria:

“Quando eu ia ao Rio, eu ia no Beco das Garrafas e escutava Sérgio Mendes tocar, Tenório Jr., todos
aqueles músicos cariocas ligados à Bossa Nova, então a improvisação do Samba Jazz estava muito ligada
ao movimento da Bossa Nova também. Mas até aquele ponto, o único cara que já estudou consciente foi
o J.T. Meirelles, que eu fiquei amigo dele. Ele fez o curso de improvisação e arranjo da Berklee, por
correspondência. E aqui em São Paulo, é necessário citar um grande professor de improvisação, que
também fez o curso da Berklee por correspondência, do qual eu.. Meu pai estudou com ele e eu pegava
as anotações, foi o professor Wilson Cury, acho que faleceu também. Wilson Cury, é muito importante.
Então esses dois, um no Rio e outro em São Paulo, eu acho que foram os pioneiros em trazer a teoria da
improvisação através da metodologia da Berklee para o Brasil. Alguns músicos começaram a ficar mais
conscientes de usar escalas e tudo. E foi isso que eu fui pros EUA, onde o Cláudio Roditi já estava, o
Victor Assis Brasil, o Márcio Montarroyos, todo esse pessoal, fui lá estudar. Estudei improvisação lá,
mas mais a gente praticava, né? Tinha assim salas onde você tinha pequenos grupos, Big Bands, então
você estudava a improvisação dentro da academia né, na Berklee, e até hoje é assim. Então quando eu
voltei para o Brasil, o Nelson Ayres também - por isso eu falei da Big Band, estava muito ligada a
improvisação com o arranjo – formou com os músicos profissionais uma classe, ele generosamente,
gratuitamente, uma classe de arranjo e de improvisação trazendo aquela teoria da Berklee “usa tal escala
para tal acorde” [Roberto Sion]

Essa última afirmação é muito ilustrativa e demonstra como foi no espaço das Big Bands
que ocorreu, no início, a transmissão dos conhecimentos sistematizados das pedagogias de
improvisação trazidas pelos músicos que tiveram a oportunidade de estudar em instituições
estrangeiras de referência, como a Berklee School of Music, cuja tradição no ensino de jazz é
amplamente conhecida.

42
3.3 Pedagogias do Jazz e a sistematização do ensino

A metodologia de ensino baseada na relação ‘escala-acorde’ (chord-scale) tem sido


uma das formas mais popularizadas de estudo de improvisação nas instituições e sua
importância não deve ser subestimada, por consistir num método eficaz para a compreensão
das relações melódicas e harmônicas da música tonal. Muitos são os métodos, aliás, que trazem
essa aplicabilidade da relação entre escalas e acordes, alguns bastante conhecidos pelos
saxofonistas, como Improvising Jazz, de Jerry Coker, Jazz Improvisation, de Lennie Niehaus,
apenas para citar alguns dos que tem sido referências há gerações. A imagem abaixo é um
exemplo extraído do método de Lennie Niehaus64 e ilustra o exemplo de abordagem a partir do
ensino da teoria da escala-acorde na tonalidade de G Maior. Para cada acorde do campo
harmônico, estuda-se um modo correspondente, ou seja, uma escala que parte dos diferentes
graus da tônica.

Fig.2: exemplo de exercício com a teoria escala-acorde


(Reprodução / Lennie Niehaus Jazz Improvisation

64
NIEHAUS, Lennie. Advanced Conceptions for Saxophone. Try Publishing Company, 1964.
43
Um outro tipo de método sistemático bastante encontrado – e que se confunde em
alguma medida com os estudos de escala-acorde –, é o estudo dos chamados patterns, ou
traduzindo do inglês, padrões. Os patterns são fragmentos melódicos, também por vezes
chamados de clichês – como na entrevista com Hector Costita –, que expressam relações
melódicas e harmônicas com um determinado gênero. O domínio dos padrões mais utilizados
na tradição pode expressar um conhecimento do idioma e do instrumento, uma vez que se torna
necessária uma familiaridade com todas as tonalidades e a consciência dos respectivos graus e
alterações das escalas que cada padrão tem como base. Abaixo, temos uma imagem extraída de
um livro muito utilizado, chamado Patterns For Jazz65, onde podemos notar como as notas
inclusive são numeradas de acordo com os graus da escala-acorde subjacente.

Fig.3: exemplo de exercício com padrões


(Reprodução / Patterns for Jazz)

Em alguns casos, inclusive, como no livro Patterns For Improvisation, do renomado


saxofonista Oliver Nelson66, a indicação de acordes está ausente, cabendo ao estudante
estabelecer as relações harmônicas de cada padrão (exemplo abaixo):

65
CAMPBELL, Gary Et. Al. Patterns For Jazz. Studio P/R: 1970.
66
NELSON, Oliver. Patterns For Jazz Improvisation. Jamey Aebersold: 2010.
44
Fig.3: Exemplo nº2 de exercício com padrões
(Reprodução / Patterns for Improvisation)

O conhecimento da teoria da escala-acorde e o domínio técnico de padrões e clichês


musicais não significam, porém, que o improvisador conquistou seu lugar no entre os grandes
artistas. Na verdade, assim como os exercícios de mecanismos para o músico do repertório
clássico, todo esse conhecimento pode ser considerado uma matéria-prima a ser trabalhada na
improvisação. Na entrevista com Mané Silveira, foi levantada a questão de que todo esse
arcabouço seria como ter um mapa em mãos:

“Mas o mapa não é o território, certo? Então aquilo ali você tem que botar para dentro. Ah, qualquer
método, “memorize these chords and these scales” [memorize esses acordes, essas escalas], a tonalidade,
né, bicho. Qualquer músico, músico erudito também, precisa ter as tonalidades todas prontinhas debaixo
do dedo. As maiores, as menores, para poder tocar as coisas. No nosso caso, a gente tem que acrescentar
essa, é, na verdade acho que é o desejo, a vontade de fazer melodias. Você tem que ter essa vontade de
fazer melodias dentro daquele estilo lá, jazz, bossa nova, choro, sei lá. Você quer fazer, né.” [Mané
Silveira p.1]

Alguns problemas, entretanto, surgem da proliferação de materiais didáticos baseados


nessas pedagogias. O primeiro deles, a nosso ver, consiste no fato de que, para o improvisador
iniciante, a quantidade de material a ser memorizado e transposto nos 12 tons maiores e menores
pode se tornar desestimulante, causando uma sensação falsa de que só é possível realizar um
bom improviso após concluída essa tarefa. Essa ideia é extremamente nociva, pois a assimilação
de toda essa base leva tempo e, na verdade, representa uma busca para a vida inteira, sem
necessariamente chegar a um fim. Comentando sobre sua experiência, Paula Valente conta

45
como passou por um processo de bloqueio com o excesso de regras e de teoria após um início
na improvisação tocando intuitivamente e de um modo mais solto:

“Tem uma outra história bem engraçada: e aí eu fui fazer um grupo - junto com essas coisas, antes de
entrar na orquestra - começou a formar uns grupinhos, eu não me lembro direito o que que era, mas…eu
lembro que eu comecei a improvisar, mas eu improvisava totalmente intuitivamente, porque eu não sabia
o que que era o negócio… E eu lembro que aí uma pessoa falou “Nossa, como você improvisa bem!”
(risos). E essa pessoa, depois eu conversei com ela depois de um tempo… Porque depois de um tempo,
quando eu percebi o que era improvisação, aí eu travei, né. Aí eu [simula expressão de medo]. Aí a pessoa
falou: “nossa, mas eu vi você, sei lá, lá atrás, você estava fazendo, né, improvisando assim, relaxada,
vamos dizer assim. Agora você está toda presa e tensa…”, então, acontece isso, porque a gente fica cheio
de regra, aí eu fiquei desesperada: eu vou ter que aprender todos os acordes, todas as coisas, ter que ouvir
tudo, decorar tudo… E aí fica aquela tensão… Isso é uma coisa terrível: quanto mais material você tem,
assim, teórico, mais você trava pra improvisar; por isso que você tem que deixar a pessoa improvisar,
assim, desde que ela tenha poucos… poucas ferramentas, vamos dizer assim. O Mané dá bastante aula
disso aí também, acho que a gente tem que deixar isso fluir desde o começo”[Paula Valente]

Um outro problema surge da mera aplicação do material estudado ou transposto das


gravações nos temas e solos, o que pode fazer com que a improvisação perca a sua natureza
principal enquanto um “exercício de liberdade”, correndo o risco de deixar de lado sua
dimensão prática:

“A gente precisa pensar que improvisar é um exercício de liberdade, que você tem que buscar. Mas a
liberdade sempre tem que ser controlada, porque se você está preso você não tem liberdade. Então você
quer improvisar modal? Estuda os grandes mestres e tenta formar um grupo e tocar. Experimenta. Você
não precisa tocar tão bem quanto o disco que você está ouvindo. Mas você tem que tocar, tem que praticar.
E a partir disso você vai aprendendo. Então tem o lado prático né. Eu acho que eu estudei muita teoria,
me ajudou, mas às vezes eu ia pro palco e não saía nada.”[Roberto Sion]

Quando a improvisação se torna algo mecânico, ela perde também seu caráter elusivo e
experimental, tornando-se previsível. É normalmente nessa direção que se questiona o processo
de institucionalização do jazz, que na visão dos seus críticos perdeu muito de sua verve
libertária. Para Derek Bailey, o gênero teria “se transformado de uma música agressiva,

46
independente, vital, questionadora, em uma confortável lembrança dos velhos dias”.67 A crítica
de Bailey pode soar forte e remete a um momento de saturação vivido pelo jazz na altura da
publicação do livro (1980), mas é curioso notar que em determinado momento ele coloca o fato
de o bebop, um estilo específico do Jazz, ser muito suscetível à formulação de métodos68.
Independente de concordar ou não com o autor, tanto a música quanto suas pedagogias seguem
vivas mais de 40 anos depois e uma passagem anedótica da sua obra pode sugerir um caminho
para a compreensão dessa ambiguidade de olhares sobre jazz contemporâneo, que por vezes
orbitam entre a liberdade e a tédio. Trata-se de uma nota de rodapé em que Bailey narra um
episódio em que um saxofonista admirador e estudioso do estilo de Lester Young teria viajado
para assistir seu ídolo tocar ao vivo, porém ao final de uma apresentação experimental, bastante
fora do comum, teria gritado para Young: “Você não é você. Eu sou você!”69
Verdadeira ou não, a própria existência dessa anedota é sintomática e nos leva a algumas
considerações. Em primeiro lugar, por envolver um músico de um estilo anterior ao bebop e à
sistematização do ensino do jazz, mostra-nos que essa crítica ao caráter muitas vezes mecânico
e à padronização do gênero é mais antiga e os escritos de Theodor Adorno70 estão aí para nos
lembrar. Mas, insistir nesse viés é deixar de enxergar outras reflexões subjacentes à ao trecho
destacado. Uma delas é que poderíamos nos perguntar em que medida haveria uma diferença
entre o jazz gravado nos discos – mídia que , inclusive, até a invenção do LP impôs um
significativo limite de tempo de gravação – e as apresentações ao vivo. Em outras palavras, há
uma improvisação que se fixa nas gravações e há outras que estão em permanente
transformação a cada performance. Buscar saber como cada artista se relaciona com o material
musical em cada um desses contextos também pode ser revelador. Lionel Salter, músico e
crítico musical, expõe essa questão a Derek Bailey, quando, discutindo a improvisação na
música barroca, reflete o impacto da gravação, à medida em que passamos a ter medo de
experimentar: uma vez que a gravação pode ser ouvida repetidas vezes, a busca por gravar algo
‘perfeito’ acaba por retirar o elemento do acaso na performance. Para ele, uma gravação, na
verdade, não deve ser considerada mais do que uma referência71.

67
“In any event, jazz, whatever the reasons, seems to have changed from an aggressive, independent, vital,
searching music to being a comfortable reminder of the good old days.” In: BAILEY, Derek… Op.cit., p.50.
68
Ibid., p.49.
69
“There is an unlikely-sounding but probably true story about Lester Young. One of his admirers, a tenor player
whose style of playing was based exclusively on Lester´s, made a pilgrimage to listen to his idol. Young, a
musician of beautiful unpredictability, very rare in jazz, produced a quite uncharacteristic performance. The
disciple, enraged, shouted at him ‘You ain´t you. I´m you’.” Ibid., p. 53 (nota de rodapé).
70
Ver artigo “On Jazz”, de Theodor Adorno.
71
“We´ve all become so conditioned by modern techniques and by broadcasting…everybody´s so afraid to put a
foot wrong. You see, these days, if you´re going to have a record which is going to be played many times then a
47
Não podemos esquecer também que o jazz envolve, como já mencionamos, uma série
de aspectos culturais, econômicos e históricos da sociedade norte-americana, das quais a
padronização é uma de suas manifestações não apenas na música. Nesse sentido, a profusão de
métodos how to, playalongs72, e outros, reflete antes um caráter comercial da própria sociedade
de consumo em questão do que necessariamente uma característica da música. Além disso,
apesar de participar de um ambiente interno fortemente marcado pela segregação racial, o jazz
também foi usado como propaganda dos EUA no exterior durante a Guerra Fria73. Em síntese,
todas essas linhas de tensões e ambiguidades fazem parte da música e de seu entorno
sociocultural e seria um erro considerá-las um problema exclusivamente musical. É preciso
olhar para as relações do gênero com a indústria cultural e com processo de mundialização da
cultura, buscando compreender não apenas os processos hegemônicos, mas também as
resistências diante deles à medida em que o jazz também se universaliza e é recriado em
diversos contextos.
Voltando à discussão sobre os padrões, é necessário reconhecer que há métodos que
chamam a atenção para o fato de que os estudar sem compreender as situações musicais em que
se inserem traz pouco resultado74. Extraídos do repertório e da tradição, os padrões
desempenham funções comunicativas importantes, criando uma base comum, um lugar de
reconhecimento do domínio do idioma. Nesse ponto, as frases padronizadas se aproximam da
função da repetição, segundo Ingrid Monson, ao “criar uma estrutura musical participativa
contra a qual a improvisação inovativa e idiossincrática pode ocorrer”75. Em outras palavras, a
repetição e a padronização estão diretamente relacionadas e fornecem um parâmetro para o seu

simple thing which didn´t fit terribly well on one occasion wouldn´t matter, but on repeated hearings it´s going to
jar like anything. So, we are all inhibited by recording int playing something which is set and perfect and therefore
the element of chance – and after all there is always a chance that things won´t come off – has been neglected.
And this is totally at variance with the whole spirit of the baroque. I´m not at all sure that recording is useful for
anything more than reference.” Ibid., p.26.
72
Popularizado por Jamey Aebersold, os métodos how to, do inglês, como fazer, são métodos que sistematizam o
conhecimento da teoria escala-acorde no interior do repertório, trazendo os temas e standards de jazz como base
para a aplicação desse material. Em geral, esses métodos são acompanhados por play-alongs, que são gravações
desses temas sem a melodia para o solista acompanhar.
73
“O Jazz é uma arte muito séria né. Ele tem seu aspecto social, foi criado pelos negros; ele tem toda uma coisa
ali histórica e social importante. Só que, os Estados Unidos têm lá os seus defeitos, mas usou o Jazz como um
cartão de boa vizinhança né, ele mandava muitos grupos de Jazz aqui, para a gente conhecer, né. E Big Bands e
tudo. Então o Jazz entrou na Cortina de Ferro.” SION, Roberto. Entrevista... Op. Cit...
74
“The authors feel that the practice of patterns has little value unless the student understands what musical
situations befit the pattern. CAMPBELL, Gary Et. Al. Patterns for Jazz… Op.Cit.
75
“I want to underscore the importance of repetition here, since it has been something Western classical musical
commentators have often disparaged in jazz improvisation and African American music more broadly. The
function of repetition in creating a participatory musical framework against which highly idiosyncratic and
innovative improvisation can take place has often been lost upon otherwise sympathetic commentators.”
MONSON, Ingrid. Music, Language, and Cultural Styles…Op.cit.
48
oposto, ou seja, a experimentação. Uma outra chave importante de compreensão da função dos
padrões está numa das questões que mais aparecem nas discussões sobre o aprendizado e a
prática da improvisação que é justamente a busca por uma voz própria, uma individualidade ou
identidade pessoal característica. Estudar os chamados patterns faz parte de uma pesquisa cujo
objetivo final deve ser, na verdade, a criação das suas próprias frases autorais:

“Então o que acontece: cada solista tem seus patterns – o Phil Woods tem também, o Lester Young, todos
eles têm. Então, o interessante seria você conhecer qual é a particularidade de cada solista, e fazer uma
salada de tudo isso [risos], você embrulha tudo isso, e você tenta criar os teus próprios patterns. Você vai
criando, sobretudo isso... você cria os teus, e à medida que você for tocando, você for unindo todos esses
patterns, vai nascer patterns teus, automaticamente. Aí você vai começar a criar a tua personalidade.
Agora, a personalidade, como se [demonstra] também? Com a qualidade do som, com o som, o timbre.
Você vê que os solistas também têm timbres diferentes, o som deles é diferente. Um Lester Young, de
um Coleman Hawkins, de um Dexter Gordon, de um Stan Getz. Então como é que você distingue a
personalidade deles [às vezes]? Você ouve às vezes quatro notas de cada solista e você diz “esse aqui é o
Stan Getz”, “aquele é o Sonny Rolins”, “aquele é o Coltrane”, entende? Por causa, primeiro, do timbre
do som, e claro, depois, pelos patterns que eles constroem, de si mesmos. O Stan Getz também tem muitos
patterns, dele próprio. Então, ou seja, você... é uma questão de você analisar e pesquisar a respeito da
particularidade de cada solista. É um estudo, claro, é uma pesquisa que tem que fazer, e reunir tudo isso:
“ah, olha, ele usou aquele pattern, agora ele usou aquilo”. Quer dizer, fazer uma pesquisa de tudo isso. E
quando você tem todo o conhecimento de tudo que cada um deles fazem, que esses mestres fazem, e você
por uma questão também própria, cada indivíduo... por que se chama indivíduo? Porque são individuais.
Então felizmente não somos todos iguais, senão seria muito monótono. Então cada uma tem uma
personalidade que se distingue pela sonoridade, pelo pattern que ele descobre, pela sua maneira que se
distribuem as escalas, e pela capacidade daquilo que te falei, que eu acho que é o mais importante, que
quando você tem todo esse conhecimento, dessas pesquisas de cada solista, e você tem o conhecimento
das harmonias, o conhecimento das escalas que correspondem a essas harmonias, e tudo isso...” [Hector
Costita]

Derek Bailey divide o método de aprendizado da improvisação em três etapas: 1)


escolher um mestre, 2) assimilar suas habilidades a partir da imitação e 3) desenvolver um estilo
e uma atitude individuais a partir dessas fundações. Para ele, no entanto, existe uma tendência
em reduzir o processo às duas primeiras etapas, omitindo o aspecto da busca por uma identidade
individual76. Até aqui, nossa pesquisa se concentrou principalmente nas duas primeiras etapas,

76
“This situation, which can be one of the main drawbacks in any improvised music, stems, of course, from
practices which are an intrinsic part of it. Firstly, the learning method in any idiomatic improvisation does have
obvious dangers. It is clear that the three stages - choosing a master, absorbing his skills through practical imitation,
developing an individual style and attitude from that foundation -have a tendency, very often, to be reduced to two
49
passando pelo processo de aprendizado e assimilação dos fundamentos teóricos e técnicas
necessárias à improvisação, pelos modelos de ensino escritos e orais e por possíveis bloqueios
e barreiras individuais e sociais enfrentados pelos músicos. Tendo reunido as ferramentas
básicas, resta agora olhar para a busca de uma voz individual e, consequentemente, para um
dos aspectos mais imprescindíveis da atividade musical: a comunicação. Sem estabelecer uma
conexão com os outros músicos e com o ouvinte, por maior domínio que tenha do instrumento,
o improvisador estará falando sozinho.

stages with the hardest step, the last one, omitted. Imitating the style and instrumental habits of a famous player
who is in all probability a virtuoso is not necessarily an easy matter and, successfully achieved, is an
accomplishment which can supply a musician with considerable satisfactions; not the least of which is the
admiration of those musicians less successfully attempting the same thing. In jazz, to say that someone 'sounds
just like' a well-known somebody is usually meant as a compliment. So the pressure to conform, to be no more
than a very good imitator is considerable”. In: BAILEY, Derek. Op. cit., p. 53.
50
4. IMPROVISAÇÃO, LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

“Eu acho que o músico está sempre procurando o seu jeito de


tocar. É, isso, a gente sempre brinca, né, assim, que o grande
mandamento do Jazz, né, se é que tem mandamento, seria mais
ou menos, seria o único mandamento, seja você mesmo.”
Mané Silveira

4.1 A prática da teoria e a teoria da prática

Ao descrever a arte da improvisação, muitas vezes os músicos recorrem a imagens e


expressões extramusicais. Em sua obra sobre a relação entre música e linguagem, Ingrid
Monson afirma que o músico jazz se encontra numa relação particularmente dividida em relação
à análise musical. Segundo ela, a maioria é capaz de falar sobre harmonia, escalas, ideias
melódicas e precisão rítmica, e muitos, de fato, tiveram um amplo treinamento na tradição
clássica e na teoria musical. Quando procuram, entretanto, descrever para outros músicos o
emprego dos recursos musicais na performance, normalmente preferem uma descrição
metafórica, pela sua capacidade em transmitir as dimensões estéticas e sociais intangíveis da
prática musical. Para muitos, o vocabulário analítico da teoria musical ocidental parece não ter
“alma”77.
Sintomaticamente, podemos encontrar, nas entrevistas realizadas, uma manifestação
similar dessa dificuldade em descrever de forma analítica a natureza da improvisação.
Encontra-se facilmente um vocabulário musical para se referir ao conhecimento teórico e aos
procedimentos que se devem empregar na improvisação, porém, ao buscar compreender os
aspectos mais específicos dessa prática, em geral a linguagem se torna de um lado mais

77
“Jazz musicians stand in a particularly betwixt and between relationship to standard musical analysis. Most are
quite able to talk about harmony, scales, melodic ideas, and rhythmic precision in terms familiar to students of
Western music theory; many, in fact, have had extensive training in classical music and music theory. When
describing the effective deployment of these musical resources with other musicians in the context of jazz
performance, however, they often prefer metaphorical description for its ability to convey the more intangible
social and aesthetic dimensions of music making. The analytic vocabulary of Western musical theory seems
"souless" to many.” MONSON, Ingrid. Music, Language and Cultural Styles…Op. cit., p. 47.
51
metafórica, a partir do uso de analogias com a comunicação – como nas expressões “aprender
um idioma”, “contar uma história”, “dizer algo” –, e de outro, voltada à essa busca pela
individualidade, como, por exemplo, desenvolver “uma voz própria”. Buscamos, neste capítulo,
trazer as reflexões mais subjetivas presentes nas entrevistas, destacando termos e conceitos
elaborados pelos músicos.
A analogia com a comunicação é bastante difundida na bibliografia sobre o tema e se
reflete no próprio conceito de improvisação idiomática. Nesse sentido, ter um domínio básico
sobre as regras gramaticais e o vocabulário não implica necessariamente em saber se comunicar.
Para Hector Costita, por exemplo, o principal, na verdade, seria construir um repertório autoral
de frases que tenham coerência e continuidade melódica.

“Quando você tem tudo isso, aí vem o principal, que é você com tudo isso, criar frases tuas, e frases que
tenham continuidade melódica. Ou seja, que cada frase que você faz, você praticamente tem que estar
sentindo já para onde você vai, para que essa próxima frase que vem tenha uma relação com aquela que
você acabou de deixar, entende? Então essa é uma das coisas mais importantes que eu acho na
improvisação: a continuidade melódica e a coerência. Que não sejam notas lançadas assim por lançar,
entende? Se de repente tem uma nota que você diz “não, essa nota não faz parte de alguma ideia que eu
tenho”, então não faça ela. É preferível ficar em silêncio. Porque no jazz e nas improvisações, o silêncio
também é muito importante. Porque você, por exemplo, faz uma frase e tem que deixar um espaço, porque
ela terminou. Então não precisa fazer mais notas em cima dela, deixa o silêncio, inclusive para que o
próprio ouvinte possa assimilar aquela frase que você fez. Porque se você faz uma frase [imita um som
contínuo – trrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr], contínua assim, ele fica mareado, não sabe o que que está ouvindo, então
temos que fazer sempre um silêncio que são “superimportantíssimos”. [Hector Costita]

Dentro da discussão sobre o aspecto da linguagem e da comunicação no ato de


improvisar, a “continuidade melódica” destacada por Costita se relaciona diretamente com a
ideia de “contar uma história” ou “dizer algo”.

“(...)contar uma história, ter um sentido, né. Você tem que apontar para algum lugar, né. Você vai… tem
um lugar. Eu sempre vejo, assim, pegando as pessoas da plateia, por aquele tempo, e eu vou ter a atenção
delas por um minuto, dois minutos, eu preciso fazer alguma coisa com elas, preciso levar elas para algum
lugar, ter uma intenção, mesmo que eu vá descobrindo… que as coisas vão aparecendo. E é importante,
né… Por isso que eu falo que o improvisador é o cara que administra o caos: por mais que você pense
num lugar, às vezes aparece uma clareira, que pintou um caminho que você fala “é por aqui que eu tenho
que ir, não tem como… se não eu vou brigar, abriu um lugar bonito, então vamos pra cá, ver o que vai
acontecer…” [Teco Cardoso]

52
Na verdade, sem o polo da escuta, a comunicação não se estabelece. Inclusive, segundo
Monson, “dizer que um músico ‘não escuta’, ou mesmo que está aplicando no seu solo um
estudo, pode ser visto até como um grave insulto78. Voltamos, aqui, à questão da escuta como
vetor principal da improvisação, porém agora a reflexão envolve não apenas o aspecto do
aprendizado, mas do próprio momento da improvisação que, no fundo, também tem uma
relação direta com a percepção. Neste sentido, Teco Cardoso propõe uma abordagem que
consiga reunir o que chama de um olho aberto e um olho fechado:

“Então, a minha maneira que eu sempre trabalhei, e achei interessante de fazer com esses alunos, eu faço
uma coisa que é… Que eu trabalho em dois planos, que eu chamo assim: uma é de “olhos fechados”, e
de “olhos abertos”, né. De olhos fechados, é só com o ouvido aberto [gesticula], é o primeiro plano, é o
plano da percepção, que é aquilo que eu fiz a minha infância toda, com o ouvido… Que é você interagir
com o som: você recebe o som, você ouve esse som, e você materializa ideias musicais que vão sendo
consonantes na sua cabeça com aquele som, e você tenta traduzir aquilo para os dedos, para… Aquela
frase que tá na sua cabeça, só, ela precisa vir pro, pro chão, independente de você saber se aquilo é uma
música tonal, modal… Sem harmonia, né, sem ter a cifra, né, sem nada: você põe um negócio que toca
um pedal, e todo mundo arruma umas coisas que são meio com pedais, coisas que são meio paradas, ou
modais, e bota o pessoal pra interagir… Corre atrás, descobre, porque parte da capacidade da
improvisação tá nessa capacidade de você traduzir em milissegundos, né.” [Teco Cardoso]

A abordagem de “olhos fechados” seria mais voltada ao desenvolvimento da escuta e


da percepção. Num segundo momento, junta-se a ela a ideia de “olhos abertos”, que consiste
em unir esse conhecimento intuitivo ao estudo mais teórico:

“A primeira coisa que eu acho que é o interessante é você pensar nos olhos fechados. Depois, a gente vai
trabalhar os olhos abertos, que é a hora que você olha e descobre o que que é aquilo, né. Fala, pô, que
música é essa, é uma música que… é tonal, ela tem uma tonalidade? Ela está, ela abre com qual acorde?
Esse acorde tem uma escala, tem uma tríade, tem um arpejo, tem uma escala, tem um campo tonal? A
gente adiciona toda essa informação, e trabalha essa informação, para depois, num estágio 3, a gente já
chegar num ideal que eu acho que é: um olho fechado e o outro aberto [demonstra no rosto] (risos). Que
um você está com o olho no gato… um que você sabe a harmonia, sabe o que é aquilo, mas ao mesmo
tempo, você vai criar a história. (...) Que, se você não criar essa história, você fica só naquela coisa da...
da aplicação de fórmulas, né, aplicação de escalas, aplicação daquilo.” [Teco Cardoso]

78
“To say that a player “doesn´t listen” or sounds as though he or she is playing “something he or she practiced”
is a grave insult. Such Musician may play ideas that fulfill the minimal demands of the harmony or chorus structure
but fail to respond well to the other players in the band.” MONSON, Ingrid. Music, Language, and Cultural
Styles…Op.cit, p.41.
53
A aplicação do conhecimento de escalas e acordes é no fundo o que os métodos e a
pedagogia do ensino sistematizado de jazz mais abordam. Toda essa gramática e vocabulário,
porém, não podem ser confundidos com a ideia, a expressão, ou corremos o risco de não
comunicar nada:

“É, cheio de notas, e licks, e às vezes não conta uma história. Então, eu acho meio interessante. Você
entender que improvisar é… para mim, quer dizer, que eu sempre mostro com baladas e tudo - sempre
foi para mim, acho que faz parte, eu trabalho muito com cantor, né, de fazer solo em disco de cantor -, eu
acho que quando você tem um… o solista tem essa né, é meio assim… né, Mané? Você está lá gravando
Retrato em Branco e Preto, um clássico desse. Tem uma melodia, com uma harmonia maravilhosa do
Tom Jobim, que vem sendo contada com uma poesia do Vinícius de Morais, que está contando uma
história, e o solo, quando chega o solo, para mim, é como se o Vinícius e o Tom falassem ‘Tecão, agora
é com você, conta aí… continua essa história da gente’.” [Teco Cardoso]

Uma outra forma de construção de uma coerência do discurso na improvisação se faz


por meio da criação de motivos, ou melodias que muitas vezes remetem ao tema original. Trata-
se de uma forma de construção da narrativa musical e, sobretudo, de estabelecimento de uma
comunicação com o ouvinte muito valorizada pelos músicos nas entrevistas, porém pouco
mencionadas e aprofundadas nos métodos de improvisação, que normalmente enfatizam o
estudo de padrões e frases prontas e sua transposição em todos os tons:

“Essa coisa de lick… Essa coisa que tem nos métodos que fala de riff, aqueles riffs, né? Não sei quem
fazia não sei o que… aí você pega aquilo e fica fazendo aquele riff mudando de tom, né? Nossa… (risos),
nunca fiz. E cada vez mais, eu acho que… No meu sentido de improvisação é você fazer - o Proveta me
ensinou isso também - que o pai dele falava assim: “Meu pai falava que improvisar era o seguinte: você
fica ali rodeando a melodia, meio rodeando” ... Então você… Porque tem que ter um sentido, porque
senão, que sentido tem a improvisação? Pensa para pessoa que está escutando, o que é uma improvisação?
É você desenvolver alguma coisa em relação a um tema, a um tema que já existe, né. Então tem um tema,
e você vai fazer uma… que nem tem na música erudita, né, variações sobre o tema não sei o quê. Então,
acho que quanto mais você conseguir fazer isso, sem perder de vista o motivo do tema, ou as frases que
o tema tem, ih, é o mais lindo… para mim esse é o lindo do improvisar. A hora que o cara começa a fazer
um monte de coisa lá, de riff, de coisa, ali, você pode passar, tipo, vamos para frente, porque eu não tenho
paciência de ouvir não. Eu gosto de ouvir frase, motivo e melodia.” [Paula Valente]

Contar ou continuar essa história depende, portanto, de estabelecer uma comunicação


com a tradição, com a música tocada, com os músicos ao seu lado e, não menos importante,
54
com a audiência. “A gente não pode ficar de costas tocando só para a gente, ou só para a gente
e nossos músicos, ou só para a gente e professor, ou só pra gente colegas saxofonistas… A
gente precisa trazer todo mundo, e a improvisação é uma hora muito legal de conquistar as
pessoas.”79 A escuta, porém, precisa ser ativa e, segundo Ingrid Monson, “afeta o que os
músicos decidem toca num determinado momento” e, por isso, vai além de aplicar o material
estudado, pois é um tipo de comunicação mais próxima da ideia de conversa, o que causa um
efeito de espontaneidade que é central na estética do jazz80. É interessante, aliás, notar que esse
conceito é o que define a improvisação para Roberto Sion como “espontaneidade controlada”:

“E isso é legal pensar na improvisação, porque você fala assim “agora eu vou mostrar para todo mundo
aquela escala que eu estudei, olha como eu sou rápido...” No que você está pensando, você já desconectou
da música, né? Essa coisa da fluência né, improvisação é fluência, qualquer música é fluência. Se você
vai interpretar uma peça do Mozart e todo preocupado com a sonoridade, com articulação e tudo, a música
não flui, ela não sai, não conversa com você e muito menos com o público, por consequência. Então a
improvisação é isso. É uma espontaneidade controlada. (risos)” [Roberto Sion].

No contexto dessa espontaneidade controlada, a analogia com a linguagem está mais


próxima, na música improvisada, à ideia de conversa do que a de texto, uma vez que sua
natureza é aberta. A palavra controle é importante, à medida em que se reconhece essa
similaridade com uma conversa, onde precisamos estar preparados para mudar de direção,
respondendo a uma liberdade, porém não uma liberdade total. Sintomaticamente, o termo
utilizado por Herbie Hancock, numa entrevista, para definir a experiência de tocar no quinteto
de Miles Davis no início da década de 1960 foi justamente liberdade controlada.81
O domínio da escuta, portanto, acompanha todo o processo de aprendizado e prática da
improvisação e exige um controle e um estado de atenção plenos. Uma de suas formas mais

79
CARDOSO, Teco...Op.cit.
80
“Nearly every musician who talked to me mentioned the importance of listening in good ensemble playing.
Listening in an active sense – being able to respond to musical opportunities or to correct mistakes - -is implicit in
the way musicians use this term. It is a type of listening much like that required of participants in a conversation,
who have to pay attention to what is transpiring if they expect to say things that make sense to the other participants.
Listening affects what musicians decide to play at a particular moment, which is why Cecil Mcbee was so sure
that in good jazz performance, “you’re not going to play what you practiced… Something else is going to happen”
(McBee 1990). This spontaneity is absolutely central in the jazz improvisational aesthetic. MONSON, Ingrid…
Op.cit., p.41.
81
“We were sort of walking a tightrope with the kind of experimentation that we were doing in music. Not total
experimentation… we used to call it “controlled freedom” … just like conversation –same thing. I mean, how
many times have you talked to somebody and… you got ready to say, make a point, and then you kind of went off
in another direction, but maybe you would never wound up making that point but the conversation, you know, just
went somewhere else and it was fine. There is nothing wrong with it. Maybe you like where you went. Well, this
is the way we were dealing with music”. OBENHAUS apud MONSON, Ingrid. Music, Language, and Cultural
Styles…Op.cit., p.40.
55
comumente negligenciadas, segundo Mané Silveira, é o que ele chama de “auto escuta”,
necessária justamente para a construção de um discurso musical coerente:

“Mas o que a gente vê muito é um... a pessoa que tem medo de improvisar. Ou então acha que só faz
porcaria, que não sai nada. Então isso é até um problema de auto escuta também, eu chamo de auto escuta.
A gente tem que desenvolver um respeito por aquilo que você acabou de fazer quando você vai
improvisar. Porque muitas vezes eu peço pra aluno tocar alguma coisa [imita um som de instrumento],ele
faz uma frase. Interessante. E ele não percebe. Parece que não ouve, não registra o que ele mesmo tocou.
Então, isso aí eu acho que é a primeira coisa, e trabalhar com coisas simples, né. Uma nota é uma ideia
musical. Você pode fazer pam, pom, [imita duas notas musicais]. Pronto, você tem uma ideia. Pim, pam.
Pronto, você compôs um trecho com quatro notas. Então, entender essa ideia de construção, de como é
que se faz melodia também, né. Eu acho que quando você vai improvisar, o que você vai fazer, melodias,
né? Você vai fazer uma nova melodia, buscando elementos da melodia original muitas vezes, ou não,
você tem um campo infinito de possibilidades...” [Mané Silveira p.1]

Para Mané Silveira, a auto escuta e a imitação estão no campo da comunicação assim
como no aprendizado de um novo idioma: “(...) é a velha e boa comparação verdadeira mesmo.
É uma língua, você está aprendendo um idioma”.82 Analogamente aos livros e métodos de
ensino de idiomas, o músico improvisador deve inicialmente imitar e depois aprender a
construir frases:

“Uma coisa também, que eu acho importante se você quer aprender a improvisar, é você entender – eu
falei mais genericamente o que que é melodia, né? Mas o que é frase? Num sentido assim – claro que
tem nomenclaturas um pouco diferentes, né, o Schoenberg, fala frase pra... tem gente que fala semifrase,
período, não sei o que. Mas podemos chamar de frase, essas pequenas unidades que tem um semitérmino
e pede para continuar. Eu acho importante. Se você entende o que é frase e trabalha no seu instrumento
habilidade de transpor, né...estudar as tonalidades para poder transpor coisas cada vez mais fácil, você
está num caminho né. Porque essa é a essência da música, qualquer composição é composta de frases.
Então você entender o que é uma frase, como é que ela se liga numa outra, na continuidade, então é
essencial, né?” [Mané Silveira p.1]

Trazer a discussão da improvisação para o estudo da linguagem e da comunicação leva


também a uma outra reflexão, sobre a importância em formar um repertório amplo para
participar dessa conversa – e não apenas um repertório musical. Algo bastante enfatizado na
entrevista com Paula Valente.

82
Id.
56
“Aí que você vê: muitas pessoas falam “tira solo, tira solo”, que é pra você ir vendo como que é o
vocabulário das pessoas. Mas na hora você vai ter que fazer um negócio seu, né. Assim, o que eu acho
muito chato, que eu acho que as pessoas tão esquecendo - eu converso muito isso com o Mané… é o que
as pessoas têm de conhecimentos de outras coisas que não sejam a música. Porque… Se você está pondo
a sua alma na música, na tua improvisação, se você tiver um espírito pobre, o cara nunca leu um livro, o
cara nunca foi no cinema, o cara não… Pensa bem? Eu… eu sempre penso nisso, assim. Gosto muito de
ler… é uma das coisas que eu e o Mané sempre falamos, né… Filosofia, e sei lá, cinema, literatura…
Coisas do mundo, né. E um dia… Eu não sei direito, mas um dia eu vi uma coisa do Nelson Freire falando,
e acho que ele falava uma coisa tipo: “conselhos para as pessoas: para um pouco de… levanta do banco
e vai viver um pouco a vida” ... Era um conselho para os novos, tipo assim. Vai viver um pouco! Porque
acho que tem gente que é bitolada na música, né? A gente conhece, a pessoa que só ouve aquilo… Então
assim, como é que ele vai achar uma história se ele ouve… “Ah, eu tirei todos os solos daquele cara do
jazz, bebop, não sei o que”, só sabe aquilo, nunca viu outra coisa… Se tem um cara na África, não sei
onde, que tocou, sei lá, de outro jeito… Música erudita, também, né… Um pouquinho de abertura pra
música clássica. Eu acho que você tem que fazer um… você tem que conseguir juntar tudo, e você… aí
você elabora, para sair de você uma coisa que deveria ser original, pelo menos, né. Deveria ter a tua cara.
E se você fica imitando toda hora, você não vai conseguir, né, ter sua cara. Acho que uma das coisas que
faltam - a gente tenta, mas é meio em vão, assim -, é fazer as pessoas terem um pouco mais de… De amor
pelo conhecimento em geral, né. Pelo conhecimento em geral, eu acho.” [Paula Valente]

Essa ideia de um amor pelo conhecimento faz parte da busca por uma identidade
pessoal, uma vez que a nossa experiência individual também acaba por transparecer na nossa
expressão musical. Uma citação bastante conhecida e atribuída ao saxofonista Charlie Parker
diz exatamente isso: “A música é a sua experiência, seus pensamentos, sua sabedoria. Se você
não a vive, ela não sairá do seu instrumento” 83. Em síntese, podemos ver o quanto a discussão
sobre improvisação transcende a esfera da música e muitos de seus aspectos mais subjetivos ou
difíceis de definir parecem ser também aqueles que os músicos mais enfatizam nas entrevistas
como tendo uma grande importância em sua trajetória pessoal. A improvisação é uma atividade
artesanal e ainda que sua manifestação ocorra num instante, a espontaneidade vem do cultivo
desta prática ao longo do tempo. Numa passagem da conversa com Mané Silveira, ele se
lembrou de uma fala do professor Ricardo Rizek que é bastante simbólica dessa busca por uma

83
PARKER, Charlie. “Music is your own experience, your thoughts, your wisdom. If you don't live it, it won't
come out of your horn. They teach you there's a boundary line to music. But, man, there's no boundary line to art.”
[s.l.].
57
técnica cujo fim não seja em si mesma, mas sim a expressividade: “O Ricardo falava assim: ‘o
auge da técnica é a espontaneidade’”84.

4.2 A prática da prática

A improvisação é, portanto, uma atividade essencialmente prática, ainda que muitos


aspectos da sua preparação estejam ligados à teoria musical ou mesmo da comunicação e da
linguagem (aos quais poderíamos também acrescentar a memória individual e coletiva). Isso
não significa, porém, que improvisar prescinda de estudo, não somente dos modelos teóricos,
mas uma espécie de ‘prática da prática’, presente na improvisação e nas demais áreas da criação
musical:

“Mas nenhum professor de improvisação vai falar para você ficar tocando exercícios. Os exercícios são
para você se soltar, né. E existem exercícios de composição por causa disso, você fica horas e horas
resolvendo problema de contraponto para uma hora que você for compor, você tem aquela habilidade de
combinar melodias. Então é a mesma coisa. O Jazz, a improvisação, também precisam de muito estudo.”
[Roberto Sion]

Neste ponto, o presente estudo se debruça sobre a dimensão prática da aprendizagem


que aparece nas entrevistas, com o objetivo de fornecer ao leitor alguns caminhos possíveis
para trazer ao estudo prático do instrumento e de cada linguagem. Assim sendo, procura-se
interferir o mínimo possível no texto dos entrevistados e a metodologia do trabalho se altera
um pouco no sentido de permitir um contato ainda mais direto com os mestres85. Optamos por
destacar os temas em subitens, indicando o autor da citação no próprio corpo do texto, para
facilitar a navegação do leitor e, se desejado, utilizar o material em seu estudo diário. Além
disso, é importante dizer que cada um dos assuntos destacados abaixo abre espaço para
desdobramentos futuros.

84
SILVEIRA, Mané. Entrevista p.2... Op.cit.
85
Metodologia semelhante foi encontrada na bibliografia estudada, na obra intitulada: The practice of musical
improvisation: dialogues with contemporary musical improvisers. Ed. Bertrand Denzler and Jean-Luc Guionnet.
Bloomsbury Academic, 2020
58
SCAT SINGING86

“(...) é importante também o scat singing, não posso deixar de mencionar também como forma primordial.
Se você pega a referência de um youtube que você deve assistir, para falar do scat do músico chamado
Clark Terry, ele tem um workshop que ele faz que mostra como é importante o scat singing. E eu vou
contar uma experiência pessoal que eu acho que o Mané também não sabe, talvez. Hoje em dia eu quase
não tenho mais tempo de fazer isso, mas uma dificuldade que eu tive pessoal durante uns tempos, que
todo aquele conhecimento teórico não estava me ajudando a improvisar. Por que? Porque aí é uma coisa
que é uma interferência da mente, do superego na sua espontaneidade e isso é um problema, seja para o
concertista da música tradicional, seja para o compositor, sabe como é? A gente tem que ficar solto. Então
o que aconteceu, que eu gosto de contar, que foi uma experiência que realmente me impressionou e eu
acho que eu posso sugerir para que os outros tentem e está ligada ao cantar, ao scat. Então eu estava meio
cabreiro assim, improvisando com os discos, com playbacks do Aebersold - tem que falar do Aebersold
também dentro do Jazz, você já sabe que vai ter que falar – e eu morava, tinha me separado, morava ali
na rua Francisco Azevedo, morava sozinho, e ficava estudando. E de manhã, algumas manhãs, eu ia andar
numa praça. Um dia eu resolvi levar uns playbacks, no tempo do cassete. E aí eu comecei a andar e
comecei a improvisar com a boca. Dez minutos, vinte minutos - não tinha o instrumento, eu estava
andando na praça. Trinta minutos. Depois de uns quarenta minutos começou a vir um monte de frases
que eu não sabia que eu era capaz de fazer. Como é que é? Isso é uma coisa importante que eu estou
falando para você. A improvisação tem que nascer nesse ponto onde a ideia vem de dentro de você e não
da sua cabeça intelectual “agora vou tocar tal escala”. Isso você pensa antes, mas depois, na hora de
improvisar você tem que ser espontâneo. Agora, é difícil, claro. Mas por que eu consegui perceber isso?
Eu já tinha ouvido muito, então vou ligar com a coisa do ouvido. Ouvir inconscientemente e você vai
guardando a articulação, ideias, diferentes andamentos, tudo fica dentro de você. Então é muito
importante, quando você canta, você às vezes improvisar, o improvisador antes de pegar o instrumento
fazer uns dez minutos de scat, sabe? Seja sobre um acorde, cantar tríades, como você quiser, improvisar
com tríades, improvisar dentro de uma harmonia fácil. Só com a voz, sabe? Então, eu aquele dia me
assustei, porque eu improvisei temas rápidos e tinha uma fluência que não parava. É meio a coisa do
Freud da associação livre, porque uma ideia vai levando à outra, porque você está solto. É um processo
que o músico de jazz faz, ele tem todas as ferramentas preparadas, mas na hora de improvisar ele tem que
esquecer tudo. (...) E aí eu comecei a fazer a seguinte experiência - às vezes ainda faço: eu pego um
playback e faço um, dois, três chorus só com a voz, depois eu vou cantando frases que fiquem dentro dos
acordes, mas não necessariamente a cada acorde. Uma ideia diatônica. Pegar standards diatônicos, que
não seja uma harmonia muito complicada. E aí eu repito aquela frase que eu cantei. É a tal da pergunta e
resposta, outro método muito usado. Pergunta e resposta, né? Muito importante para improvisação, para
você estudar. E as frases que saíam eram muito mais interessantes, porque eram mais espontâneas, não
eram pensadas baseadas em padrões digitais ou memórias de frases, clichês. Você vai cantando, só que
você não pode cantar uma frase muito longa que a memória não guarda. Mas essa é uma contribuição

86
Prática da tradição do jazz que consiste em utilizar a voz para improvisar sobre os temas.
59
pessoal -que não é minha, é baseada em tudo que eu li, mas eu experimentei isso, uma coisa dentro de
mim que me ajudou muito. Você pode ficar deixando o ouvido te guiar, inclusive, o Aebersold fala para
você ficar consciente de cada nota que você está tocando, mas também existem dois métodos: quando
você pega uma coisa muito rápida, deixa o seu ouvido, toca de ouvido! Depois vê o que … Outra coisa:
você gravar – essa ideia é do Aebersold também, que está ligada ao scat - você pega um standard, hoje
em dia no celular, você grava um bá bá bá bá bá... um negócio teu. Aí depois você tenta tirar o teu solo,
que é uma forma mais longa de fazer a mesma coisa - esse é do Aebersold. Mas essa coisa que eu
experimentei fui eu que liguei depois, eu falei “bom, se eu estou tão livre cantando, eu vou botar essa
liberdade no meu improviso”. [Roberto Sion]

CONTATO COM O INSTRUMENTO

“(...) o importante é [como] eu te falei: ouvir o máximo que a gente puder, constantemente, e tocar
também, claro, coisa que atualmente a gente não está podendo fazer muito né. Mas enfim, tocar o máximo
possível também, porque aí você vai desempenhando uma soltura, uma habilidade, vai descobrindo coisas
às vezes tocando. E você vê, às vezes a gente não fazendo jazz, não improvisando, fazendo outros tipos
de trabalho, de repente que não tem essa possibilidade de improvisar, mas... cada vez que a gente vai
tocar, eu tenho impressão que a gente descobre sempre alguma coisa. A gente tá aperfeiçoando sempre
alguma coisa, seja qual for o estilo, seja o que seja. Mas o fato de você já estar em contato com o teu
instrumento, você tem a impressão que está aprimorando sempre alguma coisa, independentemente se
está fazendo jazz ou não.” [Hector Costita]

“BELEZA”

“(...) eu tento justamente passar para os meus alunos esses aspectos que eu acabei de te falar, que é a parte
da beleza. E isso vem pela qualidade de som, eu trabalho muito o som com eles, e de pensar nisso sempre
da beleza. E que eles... se vão fazer música, que não vai ser só para eles, senão que vai ser também pra
gente que está te ouvindo. Então aquele aspecto que te falei, de pensar no que você está proporcionando
ao público, é muito importante, porque isso te posiciona também, te cria uma situação para você mesmo
também. “Eu quero ser feliz tocando? Ok. Mas eu estou proporcionando essa felicidade para os outros?”.
Se você sente que os outros estão felizes te ouvindo – você percebe às vezes uma plateia, pela expressão
deles, pela... às vezes quando você consegue olhar assim para a expressão do que está te ouvindo –, se
eles estão realmente ligados com você, se estão seguindo, se estão, sabe... se a coisa está rolando, se está
havendo um intercâmbio de energia, de emoção, você sente isso. Essa energia você sente no público.
Então poxa vida, isso é uma satisfação enorme, de que a gente está se sentindo então... que está fazendo
alguma coisa que justifique a tua existência [risos].” [Hector Costita]

60
REGRAS E TRANSGRESSÕES

“O Moacir falava uma coisa genial, ele falou: ó, você - que eu fui lá ter aula com ele, fui ter aula de
Arranjo, né, e ele falou “não, você vai ter aula de Contraponto”, - e foi ótimo! Contraponto ele me deu
aula de história da música através da ótica do contraponto, foi incrível…, mas aí ele falava, se a gente
quer fazer umas coisas, uns exercícios e tal, falou: ó, a gente precisa entender bem as regras, e absorvê-
las de uma forma, para depois, né… Você botar o que você quer e transgredi-las inclusive, faz parte disso,
né. Ele mostra como é que é a evolução - é linda! -, a evolução do contraponto, primeira espécie, segunda
espécie, como fica dentro daquela regra absolutamente fechada, né… Que não pode mudar, você tem que
ficar fazendo aquilo, aquilo, aquilo. E daí vem um cara, e tira zero na prova! (...) É, aí ele mostra como
que o novo movimento se começa quando o Mozart tirou zero na prova do Salieri porque ele começou a
fazer coisas que não podia. E é legal, porque ele fala: não é que criaram-se “regras”, e aí se fez música.
Tem um músico genial que achou um jeito de fazer aquilo que soava bem, mas que era contra a regra. Aí
o cara foi estudar, e falou: “Ah não, quintas por movimento contrário pode, paralela não; por aproximação
cromática pode, assim não”. (...) Então, aprenda tudo! Então, ele fazia uma coisa que eu adorava, que era:
os exercícios de contraponto, a gente fazia sempre dois exercícios, né. Um que eu não podia fazer nada
que não fosse na regra; e o outro, ele dava uma “latitude”, falava: “se você achar que soou bem, você
experimenta uma coisa nova aí, você fica mais solto”. E aí, com isso, você ia vendo como é que funciona
trabalhar com as regras e com a sua criação ...”. [Teco Cardoso]

“VÁRIAS IMPROVISAÇÕES”

“São várias improvisações, são várias as modalidades improvisativas; são vários os personagens
improvisadores que você pode vestir, né. O primeiro deles é o mais famoso, que é o solista: é o cara que
tá carregando a melodia, tá tocando, e que vai ter um improviso seu… Ele é o ator principal, né; ele está
lá, o foco está nele, ele vai improvisar como solista. Seja como solista que desde a melodia ele vai fazer
um solo, de improviso, ou como um solista de alguém que está contando com um arranjo que você sobe
para tocar aquela melodia. Então, aquilo é um tipo de atenção de ator principal que você tem, e você tem
o tipo de linguagem para desenvolver esse tipo de solo, que seria o improvisador solista. Mas aí a gente
pode vestir - que é muito importante, acho que para nós, saxofonistas, e é o que vai pagar metade das
nossas contas -, a gente vai vestir o personagem improvisador acompanhante, o improvisador arranjador.
(...) Então, você saber se comportar, como improvisar um acompanhamento, saber achar uma nota da
harmonia que faz um… Que é um outro personagem, né, o solista ele tem assunto, ele tá tocando
[gesticula]; agora, você que tá debaixo de alguém que tá cantando, você já é coadjuvante, você não pode…
você não pode ultrapassar aquele lugar, você tá de suporte; você tá achando linhas de harmonia, tá
improvisando frases de ligação, de primeira parte com segunda parte… fazendo um contraponto, é uma
outra modalidade, né. Que é essa coisa de improvisar um arranjo: você vai lá e improvisa com cabeça de
arranjador, você tem que virar esse personagem de arranjador. E você pode fazer uma coisa de textura,
que aí é outra coisa: você vai fazer uma trilha, você vai entrar com o seu som pra texturizar coisas.
61
Então…, mas improvisado. Então é legal, porque é bom o pessoal saber que solo… improvisação não é
só pegar e quebrar tudo, e tocar; você pode improvisar um arranjo, você pode improvisar um contraponto,
você pode improvisar uma trilha de um filme… com um plano melódico, mas com um plano subliminar
também, né. E é legal você entender esses modos.” [Teco Cardoso]

LINGUAGEM BRASILEIRA

“No negócio da improvisação, quando eu falo da linguagem brasileira, eu falo: olha, para a gente falar da
linguagem brasileira, para a improvisação, a primeira coisa que eu faço é uma “dissecção cirúrgica” dos
ritmos. Então, por exemplo, a gente vai fazer choro, a gente vai olhar o pandeiro, que vai fazer um
[exemplifica a levada do pandeiro cantando e gesticulando]. Como é que eu passo o pandeiro para dentro
do saxofone? Né? Você vai tocar frevo, tem o [canta a levada de frevo], a caixa, vai ver a caixa… Todas
as figuras da caixa, é a articulação da língua da gente. Se você fizer um [canta articulando várias
semicolcheias em andamento rápido], você vai no ritmo, trabalha o ritmo com nota repetida. (...) Eu faço
muito exercício rítmico, assim, para buscar linguagem, né, linguagem rítmica. Aí depois você põe
melodia, harmonia, mas você já está com… como é que funciona o samba, o dois pesado, como é que
funciona a bossa nova, com a coisa mais espacializada… então, ritmo… O que você falou é verdade. E
eu percebi isso depois, que eu vi que muita gente ouve o baixo primeiro, para depois ouvir a harmonia, e
eu sempre que tocava, eu ouvia o batera (risos), porque era o que eu ouvia em casa, tinha um irmão
tocando bateria alto pra caramba, eu me ligo muito nos bateras. E eu toquei, pô… eu tive chances de tocar
com Tutty Moreno, Nenê, um cara da batera maravilhoso… então é uma aula, isso de ritmo.” [Teco
Cardoso]

“Pois é. Essa questão de ter um fraseado com uma rítmica mais brasileira, ao invés de sotaquear no jazz
né. Complicado isso… Na verdade não é complicado… A discussão é mais complicada que a prática,
porque na prática você pode botar bebop no samba, né, como diz o Jackson do Pandeiro. Ou não, não
bota bebop. Então o Zé Bodega, esses caras da antiga, o Valtinho - que eu acho que é irmão do Severino
Araújo. Esse sotaque do choro samba é diferente do Jazz, um pouco diferente. Mas são parentes, né. A
gente tem que estudar essas coisas para poder - às vezes você está num determinado contexto, você vai
por ali.” [Mané Silveira p.2]

TOCAR O QUE NÃO ESTÁ ESCRITO

“Demanda muito tempo para o músico mais maduro ler o que tá escrito e tocar o que não tá escrito - que
é o grande barato: a hora que você lê um choro, tal: [canta uma melodia ao estilo do choro, com
semicolcheias “retas”], e aí você [canta a mesma melodia, com as inflexões características], você vai fazer

62
tudo isso… Você precisa de vocabulário, de muito… senão você vai ler as como semicolcheias… Eu vi
isso no Vento [em Madeira], que foi engraçado que tinha uma música que eu tocava, eu estudei fraseado,
pra respirar, era uma coisa difícil da Lea, tinha que marcar as respirações e as ligaduras, como é que fazia,
e estava tudo na partitura, e aí eu decorei, e ficamos tocando isso de cor… Daí ficamos sem fazer show,
e quando voltamos a fazer show, peguei a parte de novo, e o disco, pra voltar a tocar… E aí quando eu
fui tocando, eu percebi que não era aquilo que eu estava tocando mais… Aquilo eu tinha marcado, mas
quando eu tirei a parte, eu percebi que eu tinha chegado em soluções muito mais legais de ligadura, de
respiração… porque é a música, né… agora, se você voltar para a parte, você vai voltar a respirar naquele
lugar que tá marcado, você vai respirar lá! E se você marcou de três em três a ligadura, você vai tocar de
três em três… E às vezes o batera está tocando de um jeito que de dois em dois ia dar um puta suingue,
ou fazendo tudo ligado… Então, a partitura é uma coisa que… ela tem esse poder meio ‘algemizante’, ela
bota a gente numas algemas… E você precisa saber distanciar…” [Teco Cardoso]

ESTUDO NO REPERTÓRIO

“(...) eu acho que o primeiro exercício que tem que fazer com todo mundo é… eu gosto muito de pegar
balada, pegar uma coisa parada, uma coisa mais dentro de um campo tonal, e aí falar: agora eu não quero
que você faça escala, eu quero que você, a partir daquilo, daquele som que vem, um acorde e tudo, [canta
melodia] venha essa melodia, você vai trazer isso para o chão, né.” [Teco Cardoso]

“Eu sempre penso nesse exercício de pegar um tema comum, um tema tonal, tipo All of Me, Garota de
Ipanema e desconstruir o tema até chegar numa improvisação livre. Depois voltar, sabe? Você transitar
pelas linguagens, pelos modos de expressar né. O importante é a expressão, música é expressão. Arte, né,
você se expressar… difícil definir né, mas é a expressão de energias interiores, eu penso.” [Mané Silveira
p.1]

ESTUDO COM PLAYBACKS

“Então eu tenho vários modelos.que o cara toca lá com o playback, e ele tem que descer e subir de várias
maneiras, pro cara dominar um pouco aquela escala. Mas, mesmo que ele ainda não esteja muito bem, eu
já faço eles improvisarem… Ele vai improvisando devagarinho em cima de um tom. Então eu tenho os
playbacks, por exemplo, de Dórico, que é melhor, assim, aquele menor, fica mais bonitinho… então pega
lá, um Dórico, e deixa o cara improvisar. Aí vai falar, “mas vou fazer o quê?”. Falo: vai fazer o que ele
achar que tem que fazer, não tem que… não tem tipo, padrão nem nada. Vai lá fazendo um pouco. Depois
às vezes eu faço uns padrõezinhos, para o cara fazer dentro daquilo. Para pelo menos ele começar a se
soltar… Porque às vezes você falar para ele também “faz o que você quiser”, que tenha “ré mi fá sol lá si

63
dó ré”, não adianta, não… Ele vai ficar meio assim. Então eu dou um pouquinho de material para ele ter
ali o que trabalhar, mas para ele fazer do jeito dele. Então faz lá uns dóricos, tal, então tem aquele
volume… Isso aí tá muito esquematizado no Aebersold, volume 1 do Aebersold, que tem essas coisas…
até o cara começar a ir pra música. Música, eu demoro um pouco para o cara ir pra música. Eu só vou
assim, quando o cara é muito assim, mais criança, e aí quer aprender alguma coisa; mas se não, eu fico
mais nas escalas maiores… Depois eu faço ele improvisar nas escalas maiores que vão mudando, pra ele
“opa, mudou”! Ou dórico, também. Então: 8 aqui, 8 aqui, 8 aqui, 8 aqui… aí ele vai, consegue ir mudando.
Para fazer a passagem da tonalidade do acorde, para ele passar mais suavemente. Então eu faço lá uns
padrões para ele passar sem [simula expressão de susto]. Aí o próximo passo é cadência. Aí faço um
pouquinho de cadência, II – V – I; III – VI – II – V - I, um pouquinho de cadência… Isso é o básico. Aí
depois já vai para a música. Aí na música já vai, analisa… Aí eu pego a música, eu gosto sempre de fazer
assim: o cara toca, aí agora, “agora você vai fazer um improviso baseado em escalas”. Aí o cara vai fazer
aquilo bem horizontal, que a gente fala, né, aquela improvisação horizontal. Sobe, desce, da maneira mais
sutil possível, sem ficar aquelas coisas assim, tudo [gesticula com as mãos expressando rigidez], né. Aí
depois faço arpejado, faz o cara fazer várias coisas no arpejo… até ir chegando naquele ponto que a gente
estava falando: agora vamos fazer motivos. Você vai começar a improvisação, aí você acha um motivo
que veio da sua cabeça lá… apareceu um motivo, que é uma coisa que tem uma cara. Aí você pega aquele
motivo, e você vai… bate em cima dele até o final do chorus, da maneira que você conseguir. Transporta,
espelha, ralenta, vai fazer uma variação. Aí, aí é que começa a chegar no ponto, né. Mais ou menos por
aí, acho que não passa muito disso, porque… é isso. Aí, claro, vai mudando as músicas, vai pegando
música mais difícil, né” [Paula Valente]

IMPROVISAÇÃO SOLO

“[A prática da improvisação se dá] improvisando. Você pode, eu, eu acho... uma vez eu vi o Joe Lovano
falando assim “olha é importante você tocar com playback”, em casa, né, agora você tem trocentos
playbacks de tudo, né, é muito bom porque você tem uma cozinha ali te acompanhando. Mas também
muito importante você solar, você pegar um tema, colocar na sua frente, estabelecer um pulso [bate um
pulso: 1, 2, 1, 2, 3] e sair solando em cima da harmonia. Se você quer improvisar tonalmente, né, harmonia
tonal, você tem que ser capaz de traduzir aquela harmonia melodicamente. Que é o que o Charlie Parker
faz, o Coltrane, mesmo tocando piano, tudo, você vê claramente que as frases têm uma direção, elas têm
um formato harmônico, né? (...) é, isso aí é..., talvez seja, digamos, ah, é a nossa meta, né? Você conseguir
encadear os acordes, né, que nem o Bach né, essa coisa de você perceber a harmonia pela melodia.” [Mané
Silveira p.1]

“Olha, posso te comentar de uma coisa muito interessante, uma experiência que eu tive, com um
saxofonista chamado Herb Geller, sax alto. Era muito amigo e da época do Stan Getz, da época do Phil
Woods, enfim, dessa turma aí. Herb Geller veio aqui tocando... fazendo de primeiro alto quando Benny
Goodman veio com a big band aqui no Brasil – e aquilo que te falei: nessa época, como a gente não tinha
muito acesso a métodos e etc., então a gente, quando aparecia um cara desses aí, a gente grudava neles

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assim e tentava absorver o máximo, sabe, chupava o cara [risos], você entendeu? De informações, de
como eles estudavam, e como eles trabalhavam. Aí um dia aconteceu que eu entrei em contato com ele,
fizemos uma certa amizade, e estávamos dirigindo-nos até o hotel dele, onde ele estava parando e
passamos por um cinema, e estava passando um filme, e ele parou e disse: “puxa vida, eu estava querendo
assistir esse filme”. Aí, por ter uma atenção com ele, eu falei, “bom, vamos, vamos assistir”, e ele disse
“no, no, no, agora não porque está na hora de eu estudar”. [Pensei] “caramba” – olha, você precisava ver
a técnica que esse cara tinha, o som que ele tira, como improvisava, era um mestre né. E eu fiquei muito
curioso em conhecer de que forma ele estudava, o que que ele estudava (se para mim, ele já tinha tudo).
“O que que ele estuda?”. Mas enfim, fiquei curioso, curioso, não falei nada no momento, mas chegamos
na porta do hotel, estávamos quase nos despedindo, e aí eu criei coragem e falei “escuta, eu poderia [risos]
ver como você trabalha, o que que você estuda, um pouquinho?”. “Sim”, [ele] disse, “não tem problema,
é só vir comigo”. Ele disse “vamos lá, mas só que tem uma coisa: eu não vou te dar bola”, vamos dizer,
[mais ou menos] me explicou assim: “eu não vou te dar bola, eu vou estudar minhas coisas e você fica
aí”. Aí fomos no quarto dele, [ele] falou “fica aí”, me botou na cama, me deu um travesseiro e falou “fica
bem à vontade aí”. Aí ele virou, preparou o instrumento, mas com um ritual – até isso eu ia te falar também
que é importante, sabe, o respeito pelo instrumento, a maneira que você trata o instrumento. Ele pegou,
sabe, na hora que ele pegou o instrumento, o cara... a expressão dele já era outra. A forma que ele preparou
a palheta, tudo, sabe, com um amor, uma coisa assim, bom... Aí ele se virou, deu as costas pra mim, enfiou
o saxofone assim contra a parede, e fez assim: “one... two... one-two-three-four!”. E começou a tocar um
tema. Sozinho. Então, do jeito que ele tocava, você ouvia todas as harmonias, todas as escalas [risos], a
frase que ele fazia parecia que ele tava tocando com uma banda atrás, acompanhando ele, [então] ele
fazendo tudo certinho, [tudo] corretamente por onde ele passava no solo. E sozinho, sem ninguém
acompanhando. Aí bom, ele esteve um tempo fazendo esse trabalho, [e] quando parou, falou: “e aí, que
tal?”. [Eu falei] “puxa, estou impressionadíssimo”, falei para ele, “de que maneira você tocou sozinho,
mas de uma maneira que eu estava ouvindo o piano, estava ouvindo tudo tocando, por causa da forma
que ele se... [ele] tocava de uma forma tal que você ouvia as harmonias passando, mesmo estando sozinho.
[Aí eu digo], “que fantástico esse sistema teu de tocar assim sozinho, né, e passando por todos os acordes”.
E aí ele falou “sim” - e aí é que vem o negócio que eu estava te falando interessante, você falou de tocar
sozinho né. Aí ele falou “sim, eu sempre faço esse trabalho de memorizar bem as escalas, os acordes, por
onde eu estou passando. Porque eu não quero depender dos outros, eu não quero me apoiar nos outros, eu
quero que os outros se apoiem em mim”. Entende? Ou seja, é uma maneira de você estar seguro do que
você faz, de cada solo que você faz, você saber por onde você está passando, o que que você está fazendo,
quais são as possibilidades que te oferecem aquele momento. Ou seja, porque muitas vezes a gente tem
certas dúvidas, no que você fala... você para para ouvir o pianista, ou para ouvir o baixista, para ouvir
onde que a gente está. Então ele deu a entender isso, de que ele não quer se apoiar nos outros, pelo
contrário, que os outros se apoiassem nele. Então para isso, você tem que trabalhar sozinho, pra você não
ter a necessidade de que os outros te digam onde você está. Enfim, essa foi uma lição e tanto. Então, outra
das coisas que eu procuro fazer sempre também é isso: pegar um tema, por exemplo, e tocar sozinho, sem
acompanhamento. Aí quando você tiver o pessoal tocando com você, e aí você tem o piano, tem o baixo,

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e tudo que façam – obviamente que façam corretamente essa harmonia [risos] junto contigo... poxa, aí
então a coisa flui e vai embora.” [Hector Costita]

IMPROVISAÇÃO LIVRE

“É, aí é um ato de composição instantânea, né. Acho que aí você tem… Você é o dono do seu navio, você
pilota ele pra todos os lados, você vira pra onde você quiser, você que vai contar essa história, né… É
uma ação, você reage com você mesmo. Aí, falando de improvisação, é até legal que você falou do solo,
porque tem a improvisação livre coletiva, né… Improvisação livre coletiva é aquele em que você tem que
estabelecer uma dança… Eu acho, assim, essa a melhor metáfora. A gente quando dança, você abre um
espaço, e a pessoa ocupa o espaço… E, quando sobre um espaço, você ocupa o espaço. Se não, vocês vão
ocupar o mesmo espaço, você vai pisar no pé da pessoa, né, você precisa ter essa gentileza, ter essa coisa
de… saber administrar uma dança… então, improvisar junto, antes de fazer solos em dupla, ou solo free,
livre, a gente precisa ouvir muito mais do que tocar, né, e saber como… se é um quarteto, você é 25%,
né, não é você solista. Você entra com a sua parte, mas você tem que deixar o espaço para outros fazerem
isso. No caso da improvisação livre sua, você é 100%, você é você, você… então cabe a cada pessoa,
você… amarrar essa história, né. Então eu penso, se ela é livre… eu faço muito isso, né, porque eu acho
que um exercício bom de criação também é com imagens, né… Em vez de você improvisar uma harmonia,
você improvisar uma fotografia do Sebastião Salgado, uma cena de um filme… então você vai lá e vê
onde vai parar, que modo é aquilo? Isso é um exercício legal… cê bota uma foto foda do Salgado assim,
que dói, e vai ver se é menor, maior, o que… você vai ver que cada um vai achar uma cor para tocar
aquilo, né, pra improvisar aquilo. Ou é no olhar da pessoa, ou é na paisagem, ou é no… Cada um vai dar
uma leitura, o que eu acho superinteressante… então, para mim, é sempre contar uma história, eu tenho
que contar alguma história que tenha alguma amarração que eu vou fazer. Então, se esse solo livre, ele
tem alguma função; ele é para uma imagem, ele é uma introdução de uma música, ele é uma peça que eu
vou fazer, né… A gente fez, no Erudito/Popular e Vice-Versa, né, o disco com o Tiago, a gente fez umas
interfaixas no estúdio bem divertidas: a gente gravou as peças, né, de Scriabin, Villa-Lobos, Moacir
Santos e tal, e aí é um lugar lindo, lá na Praça das Artes, que tem uma acústica linda, aí eu falei “Putz,
Tiago, vamos fazer pecinhas de 30 segundos a 1 minuto”, e ele falou “vamos!”. “Então vamos! Gravando”
… E a gente sempre fazia uma peça, mas não podia combinar nada. Então às vezes eu começava, às vezes
ele começava… E está no disco, são as interfaixas, são.... Essa coisa de uma criação… E tem uma assim,
que eu fiz solo… É essa coisa de você realmente sair de um zero total, e começar a criar uma coisa, né…
que é… que tem a ver com uma coisa do Cláudio Leal Ferreira, que, no curso de Harmonia dele, acho
que o melhor jeito que eu entendi harmonia, assim, que é um jeito interessante de pensar, é em um conceito
de movimento e repouso, que tá ligado em dissonância e consonância, na resolução do trítono, né,
dominante e tônica… É aquele [faz um bzzzz vocal], é aquele lugar que é um movimento, você não fica
parado naquela tensão, aquela é uma tensão passageira; ela cria uma situação, cria uma angústia, cria um
conflito, que se resolve, e quando se resolve, você aproveita pra [inspira], desfrutar daquele espaço um
pouco, né, ficar ali, é uma outra… O repouso, né, os acordes de repouso, os acordes de movimento. Uma
vez que você entende esse conceito harmonicamente, traduz isso melodicamente e poeticamente, cê
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começa a contar histórias que já não é mais um surrealismo dodecafônico meio fora do além… você já
começa a administrar… Mesmo que você esteja fora de tom, tocando dodecafonicamente, eu posso criar
tensões de movimento e espaços de repouso, e isso já faz a minha história andar.” [Teco Cardoso]

IMPROVISAÇÃO E COMPOSIÇÃO

“Eu acho que no campo do conhecimento teórico é muito produtivo, porque a gente já tem vários
conceitos da composição que você pode usar na improvisação, de uma maneira às vezes espontânea e
controlada. Por exemplo, você conhece todos aqueles conceitos que já vêm do contraponto, da inversão
de frases, ornamentos, tudo isso que você usa na composição tradicional você pode usar na improvisação.
Você pode até - os livros antigos falavam que não - você pode fazer uma improvisação serial. Acho que
o Rogério [Costa] já tentou fazer isso. Você põe uma série na frente e cria uma melodia ali. Se você fizer
em ritmo de samba vai virar uma música serial brasileira. No fundo são doze notas e vários ritmos, né. O
fator estilístico ele entra depois...” [Roberto Sion]

“É a mesma coisa. É a mesma coisa. Quando você adquire, digamos, a agilidade mental de construir
frases, fica essa composição espontânea, que seria a improvisação. É uma agilidade mental que você, na
hora, está compondo uma frase. Agora claro, na composição propriamente dita, de você sentar e escrever
um tema, claro, aí você tem a possibilidade de modificar isso na hora, de mudar uma nota, mudar outra,
enfim, pensou numa frase, mas aí posso ter essa opção, posso ter aquela, entendeu? Aí você compõe de
uma maneira mais calma, com mais calma, com mais tranquilidade, e com diversas opções, entende? Eu
por exemplo quando componho, componho no piano, então eu vou no piano e vou mudando de repente
uma nota, outra nota, uma outra ideia, enfim, tem várias opções, mas não deixa de ser improvisação
também. Você está improvisando na composição, só que não é tão espontânea como a improvisação,
enfim, do jazz né, no momento.” [Hector Costita]

“(...) a composição, ele é uma eterna experimentação… O acaso, é muito interessante, o acaso; cai a mão
naquele lugar, aí cê fala: bom não era o que eu queria, mas… interessante… Deixa eu ver o que que é
isso, o que que eu faço com isso, né…” [Teco Cardoso]

“Eu até mencionei essa questão importante de fazer o aluno compreender o que é uma frase musical,
como ela é formada, um pequeno motivozinho, né? O que é um teminha, também, pode ser essa
terminologia né, uma frasezinha mais longa. E como ela se liga a outra, tendo essa coerência, o discurso
tonal.Ou mesmo também na improvisação mais livre você pode usar a questão motívica. Então acho que
esses fatores, né, você… porque que é muito comum, você então pega o aluno e fala “não, toca alguma
coisa, qualquer coisa. Não pensa e sai tocando.” Aí o aluno faz blarara…(alguma coisa). Ele mesmo às
vezes não percebe que ele fez um ótimo motivo. E na verdade quase sempre você aproveita aquilo ali,
como um início de melodia ou até de uma composição. Ou de uma improvisação. Mas ele mesmo não
está escutando o que ele fez de uma forma mais confortável, vamos dizer, para dar sequência. E aquela
67
coisa do Pareyson, aquele filósofo italiano, o Luigi Pareyson, que tem aquela frase: “o fazer que inventa
o modo de fazer enquanto faz”. Então é pegar na massa mesmo, perder o medo e sair tocando, ouvir,
estudar. É claro que tem material também para você também ficar mais à vontade, que são as escalas e os
arpejos e tudo, mas o ator principal é o ouvido mesmo. Então fazer esses exercícios de tocar com notas
do acorde, tirar solos, tirar frases, né… E investir nessa coisa da frase, de você entender o que é uma frase,
como você faz uma frase.” [Mané Silveira p.2]

“Então, eu, a improvisação é uma composição instantânea, né. Eu sempre digo, se, que a, como é uma
forma de, de composição, né, porque a outra é você, mas veja que interessante, mesmo que você vá ouvir
de novo, você vai escrever, (acaba) escrevendo uma composição. Você põe a partitura na frente, e senta
no piano, digamos, né, você pode compor no piano – eu sempre componho no piano, na maioria das vezes.
Então aí você senta no piano, o que você vai fazer? Você vai improvisar” [Mané Silveira p.1]

“E eu acho que quando você… o modo de compor - pelo menos pra mim, né, cada um deve ter de um
jeito -; eu acho a melodia, ou então, se eu estou musicando um poema, eu fico com aquela frase, a frase
me sugere uma melodia. Aí eu vou cantando assim…. Então, eu vou totalmente pela palavra, né? E aí eu
tento compor sem pensar em nada da teoria que eu conheço. É como se eu não soubesse música. Aí depois
que eu fiz a melodia lá, escrevo mais ou menos, aí eu vou achar os acordes. E aí eu acho de uma maneira
totalmente intuitiva. Eu não penso, tipo, “ah, aqui acho que deve ser essa aqui, porque vai pra lá, vai pra
cá”, eu vou só de ouvido, uma coisa que eu nunca fiz na minha vida. E aí eu descobri que você vai achando
os acordes! Parece que ele… parece que você descobre, o acorde já estava lá, a harmonia já estava lá, e
você fala “ah, é essa!”. E você já sabe qual é, e você vai guardando… então, essa maneira, é uma coisa
que deixa a gente tão concentrada, que às vezes você fica horas para achar o acorde, né… Você fica “não,
mas não é esse”... Aí vai pra lá, volta , depois vai dar uma volta… Então essa maneira de se concentrar,
pra mim é incrível. Eu achei muito legal, porque… Quando você toca, está tão acostumado a ler, fazer,
que a gente é capaz de ler um negócio, até complicado, e estar pensando em outra coisa” [Paula Valente]

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CONCLUSÃO: TERRITÓRIOS DA IMPROVISAÇÃO

O principal objetivo de falar sobre improvisação musical a partir das experiências e


trajetórias individuais de grandes saxofonistas foi trazer o tema para uma esfera mais subjetiva,
procurando mostrar que, mesmo exigindo uma grande dedicação aos aspectos técnicos e
teóricos, a sua natureza é essencialmente prática e envolve uma busca pessoal por um som, uma
identidade, uma expressividade. Evidentemente, como não poderia deixar de ser, este também
trabalho tem muito da subjetividade de seu autor, nas bibliografias escolhidas, na sua trajetória
musical pessoal, no rearranjo do material das entrevistas, nas conversas informais com músicos
e colegas. Acreditamos, como Derek Bailey que “a criação musical transcende o método e, em
sua essência, a dicotomia entre improvisação e composição não existe”87 e, num certo sentido,
o processo de criação desse trabalho também surgiu de vários momentos de improvisação,
inclusive nas entrevistas, quando todo o conhecimento bibliográfico e o roteiro produzido foram
“esquecidos” para dar lugar ao que chamamos mais acima de espontaneidade – que vale
lembrar, não significa “fazer sem preparo prévio”. Espera-se que a construção de um mosaico
de olhares sobre o tema tenha sido capaz de mostrar o quanto, ao contrário das concepções
pejorativas, improvisar exige ao mesmo tempo uma longa preparação e um envolvimento por
inteiro com o instante.
Como conclusão, ao invés de um fechamento teórico, escolhemos trazer um olhar
geográfico e construir um mapa dos territórios percorridos ao longo do trabalho. A ideia inicial
foi construir uma genealogia dos saxofonistas da chamada MPB instrumental, porém essa forma
de exposição teria dois problemas principais. O primeiro é que, por se tratar de um recorte
metodológico mais restrito aos músicos entrevistados, essa árvore genealógica ficaria bastante
incompleta, injustamente excluindo muitos instrumentistas que não foram citados no trabalho
e que têm um papel preponderante na formação da música instrumental no Brasil. O segundo
problema é de ordem mais conceitual. Uma árvore genealógica se desenrola linearmente e
muitas vezes desconsidera relações de simultaneidade e justaposições. Assim, escolhemos por
desenvolver um mapa de redes, cujas linhas de ligação não expressam necessariamente uma
relação de via única, mas por vezes uma interconexão entre os músicos, tradições e escolas
musicais que foram surgindo ao longo da realização do trabalho.

87
“The creation of music transcends method and, essentially, the composition/improvisation dichotomy doesn´t
exist.” BAILEY, Derek. Improvisation… Op. cit., p. 140.
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70
Algumas conclusões podem ser extraídas a partir da interpretação do mapa acima,
apontando possíveis desdobramentos de pesquisa. A primeira delas é justamente a definição
de um recorte metodológico da improvisação a partir de dois territórios principais que são os
maiores formadores do que estamos chamando de MPB Instrumental: a matriz estrangeira do
jazz e a matriz brasileira do choro e do samba, sobretudo a partir dos desdobramentos desta –
por esse motivo, como dissemos, escolhemos não aprofundar o estudo sobre a escola do choro.
Ainda que para os músicos essas fronteiras sejam muitas vezes inexistentes, reconhecemos que
a tradição do choro conforma um campo fundamentalmente à parte e que exigira um olhar mais
especializado no que diz respeito à improvisação. De fato, o território prático da improvisação
que se desenha a partir das entrevistas mostra uma forte influência de duas escolas – para não
usar o termo estilo ou gênero – que tiveram uma profunda relação entre si, inclusive marcada
pelo intercâmbio entre os músicos: o jazz da costa oeste – por vezes chamado cool jazz – e a
bossa nova. Deste intercâmbio parece terem surgido categorias como MPB jazz ou jazz samba,
que se configuram como campos musicais onde a improvisação desempenha um papel
importante e análogo ao jazz.
Dois nomes em particular surgem como pontos revolucionários – e por isso estão
destacados como uma escola – na prática da improvisação idiomática estudada. O primeiro
deles é Charlie Parker, o Bird, cuja influência se faz presente ao longo de praticamente todo
estudo, seja pela via do fraseado e linguagem harmônica do bebop – que Parker foi um dos
principais criadores - seja por meio das pedagogias de ensino a partir da sistematização da teoria
escala-acorde, no mapa denominada de “Método Berklee”, uma vez que muitos músicos
brasileiros passaram por essa instituição, trazendo essa teoria para o Brasil. O outro ponto
divisor de águas se dá por meio da figura de Hermeto Pascoal – que, além de outros
instrumentos, também tocava saxofone -, responsável, nas palavras de Roberto Sion, pela
“liberação da música instrumental brasileira, em termos de concepção, do jazz, que foi lá pelos
anos 60 também”. De fato, a partir desta década e da influência de Hermeto, a música
instrumental parece aproximar-se de outras matrizes contemporâneas da improvisação, como o
free jazz e a improvisação livre, e também das culturas e manifestações da tradição popular
brasileira de outras matrizes que não a do samba. Outras relações importantes se estabelecem
com a canção, à medida em que representa tanto uma influência na formação e, por vezes, um
primeiro contato com a música na infância, quanto uma referência melódica e harmônica no
desenvolvimento de uma linguagem própria, além é claro de ser um campo profissional para o
músico acompanhador.

71
O mapa produzido permite-nos enxergar uma série de conexões, as quais não se esgotam
neste trabalho, ao contrário: espera-se que compreender o estudo da improvisação a partir de
seus muitos territórios possa incentivar a enxergar os campos da prática musical não
necessariamente como excludentes. Tradição ocidental clássica, culturas e tradições populares,
improvisação livre, improvisação idiomática... É preciso desenvolver a capacidade de transitar
por esses territórios, criando nossos próprios caminhos. Talvez seja essa uma boa definição do
significado de improvisação que foi surgindo ao longo da realização desta pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros

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BAILEY, Derek. Improvisation. Its Nature and Practice in Music: Da Capo Press, 1992

BERLINER, Paul F. Thinking in Jazz: The Infinite Art Of Improvisation. The University of
Chicago Press: 1994

CAMPBELL, Gary Et. Al. Patterns for Jazz. Studio P/R: 1970

COSTA, Rogério Luiz Moraes. Música Errante: o jogo da improvisação livre - 1ª ed. - São
Paulo: 2016

DENZLER, Bertrand, GUIONNET, Jean-Luc (Ed.) The practice of musical improvisation:


dialogues with contemporary musical improvisers. Ed. Bertrand Denzler and Jean-Luc
Guionnet. Bloomsbury Academic, 2020

FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. 2ª ed. – São Paulo:
Associação Editorial Humanitas, 2006

HERRIGEL, Eugen. A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen; prefácio Monja Coen: introdução
de D.T. Suzuki; tradução prefácio e notas J.C. Ismael. - São Paulo: Pensamento, 2011

HOUAISS, Antonio e Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª


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72
JUUSELA, Kari. Berklee Contemporary Dictionary of Music. Berklee Press: 2015.

NACHMANOVITCH, Stephen. Ser criativo – o poder da improvisação na vida e na arte; trad.


Eliane Rocha. São Paulo: Summus, 1993.

NELSON, Oliver. Patterns For Jazz Improvisation. Jamey Aebersold: 2010.

NIEHAUS, Lennie. Advanced Conceptions for Saxophone. Try Publishing Company, 1964.

SIDRAN, Ben. Black Talk: How The Music of Black America Created A Radical Alternative
To The Values Of Western Literary Tradition. Da Capo Press, 2010.

WILLIAMS, Raymond. Culture and Society 1780-1950. Anchor Books: New York: 1960

Partes de livros (capítulos, artigos em coletâneas etc.)

MONSON, Ingrid. Music, Language, and Cultural Styles: Improvisation as Conversation


(capítulo extraído do livro Saying Something: Jazz Improvisation and Interaction). In:
CAINES, Rebecca & HEBLE, Ajay. The Improvisation Studies Reader, Spontaneous Acts.
New York: Routledge, 2015, pp. 35-51.

SANTOS, MILTON. O Retorno do Território. In: Território: globalização e fragmentação.


Organizadores: Milton Santos, Maria Adélia A. De Souza e Maria Laura Silveira. 5ª ed. São
Paulo: Annablume, 2002.

Trabalhos publicados em anais de eventos científicos

CARVALHO, Pedro Paes de. O Saxofone na Belle Époque Brasileira – investigando relações
entre história, identidades narrativas e conceitos de autenticidade. Anais Do III Simpom 2014
- Simpósio Brasileiro De Pós-Graduandos Em Música.

73
APÊNDICE 1:
SOBRE OS MÚSICOS ENTREVISTADOS

Roberto Sion: maestro, saxofonista, flautista e compositor e arranjador, é considerado um dos músicos mais
importantes da música instrumental no Brasil. Em sua extensa carreira artística, lançou diversos trabalhos de
destaque como solista, arranjador e compositor, entre eles os LPs Roberto Sion (1981), Nelson Ayres e Roberto
Sion (1983), Happy Hour (1986), além dos álbuns Pau-Brasil (1982), Pindorama (1983) e Cenas Brasileiras (1984)
junto ao Conjunto Pau-Brasil, apenas para citar alguns. Como instrumentista, tocou ao lado de diversos artistas,
entre eles Toquinho e Vinicius de Moraes. Como professor e pedagogo, atuou em diversas instituições como a
Fundação das Artes, o Conservatório Musical Brooklin Paulista, a Escola Municipal de Música, a Universidade
Livre de Música Antônio Carlos Jobim, Orquestra Jovem Tom Jobim, Big Band Jovem de Atibaia, além de aulas
particulares, contribuindo diretamente na formação de muitas gerações de instrumentistas.

Hector Costita: saxofonista, compositor e arranjador nascido na Argentina, iniciou sua carreira na orquestra de
Lalo Schifrin, em Buenos Aires. Chegou ao Brasil no final da década de 1950, em meio ao surgimento da Bossa
Nova, e em pouco tempo participou de trabalhos pioneiros do samba-jazz, como o Bossa Rio, liderado por Sérgio
Mendes. Em 1964, o conjunto gravou um dos marcos da música instrumental no Brasil, o LP Você Ainda Não
Ouviu Nada. Em 1962, Hector Costita gravou o LP O Fabuloso Hector, dando início à sua sólida carreira como
solista e compositor, que incluiu também os LPs Impacto (1964), Hector Costita (1981), Paracachúm (1985).
Destaca-se, também, o seu trabalho junto ao Zimbo Trio, inclusive participando da gravação do disco Zimbo
(1976). Possui uma longa trajetória no ensino musical, sendo professor no CLAM por muitos anos.

Mané Silveira: saxofonista, flautista, compositor e arranjador, iniciou sua carreira musical participando de
trabalhos importantes como o LP Clara Crocodilo (1980), de Arrigo Barnabé, e integrando grupos da música
instrumental paulistana independente da década de 1980, como os conjuntos Pé Ante Pé, Freelarmônica e
Metalurgia, onde, além de instrumentista, já atuava como compositor e arranjador. Seu primeiro álbum solo Sax
Sob as Árvores (1992) foi indicado ao prêmio Sharp. Na década de 1990, formou, ao lado de Paulo Braga e
Guello, o Trio Bonsai, que lançou os discos Bonsai Machine (1996) e Desdobraduras (2001) e a integrou a
Orquestra Popular de Câmara, grupo que gravou dois álbuns: Orquestra Popular de Câmara (1998) e Danças, Jogos
e Canções (2003). Em 1999, gravou o disco Imã, ao lado do violonista Swami Jr. Como solista, destacam-se
também trabalhos os álbuns Mané Silveira Quinteto (2006) e Inzu (2019), este último em parceria com a pianista
Heloísa Fernandes. Ao longo de sua carreira, atuou também ao lado de nomes do exterior como Omara Portuondo,
Seigen Ono e Thomas Clausen, além de acompanhar nomes da MPB como Guilherme Arantes e Capital Inicial.
Participou também como convidado de projetos como Cartografia Musical Brasileira (2001) e Um Sopro de Brasil
(2005). É professor de saxofone e flauta popular na EMESP Tom Jobim, onde ministra também cursos livres de
improvisação.

Teco Cardoso: saxofonista e flautista, é um dos instrumentistas mais reconhecidos da música brasileira
contemporânea. No início de sua carreira, participou da cena independente da música instrumental em São Paulo,
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integrando grupos como o Pé Ante Pé, Grupo Um e Zona Azul. Na década de 1980, integrou o conjunto Pau-
Brasil, onde gravou discos como Lá Vem a Tribo (1989), Metrópolis Tropical (1991), Babel (1995) e outros. Como
solista, foi vencedor do prêmio Sharp com o disco Meu Brasil (1997), além de outros álbuns como Caminhos
Cruzados (1992), com Ulisses Rocha, Quinteto (1998), junto a Léa Freire, além da trilha sonora para O Cinema
da Selva, composta com Caíto Marcondes. Entre seus trabalhos mais recentes, destacam-se os discos Erudito
Popular... E Vice-versa (2018), duo com Tiago Costa, Dança do Tempo (2019), em parceria com Bebê Kramer e
Swami Jr. Integrou também a Orquestra Popular de Câmara, participando da gravação de seus dois discos:
Orquestra Popular de Câmara (1998) e Danças, Jogos e Canções (2003). Em 2005, participou do projeto Um Sopro
de Brasil (2005). Além disso, desenvolve uma extensa carreira como músico acompanhador, tendo tocado com
importantes nomes da MPB como Guinga, Mônica Salmaso, Dori Caymmi, Edu Lobo, Joyce, entre muitos outros.

Paula Valente: saxofonista e flautista, integra a orquestra Jazz Sinfônica desde a sua formação em 1990. Ao longo
mais de 30 anos de carreira artística, tocou ao lado de grandes nomes da MPB como Tom Jobim, Edu Lobo, Zizi
Possi, Egberto Gismonti, Ivan Lins, Milton Nascimento e outros. Desde 1990, dedica-se ao ensino de saxofone,
flauta, improvisação e de linguagens da música brasileira na EMESP Tom Jobim (antiga ULM). Também é
formada em Composição e Regência pela UNESP e possui mestrado e doutorado na USP na área de Processos da
Criação Musical, desenvolvendo pesquisas sobre modelos de improvisação e transformações do choro no século
XXI. Ao lado da pianista Lis de Carvalho, Paula Valente é idealizadora da Jazzmin´s Big Band, grupo formado
exclusivamente por instrumentistas mulheres e que, além de desenvolver um trabalho voltado à música popular,
tem sido pioneiro em trazer a discussão de gênero para o ambiente musical no Brasil, promovendo, em 2020, o
Festival Jazzmin´s: mulheres na música, com shows, aulas abertas e debates online.

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