Telas e Crianças-Matéria

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Telas e crianças.

Um assunto que aparece com muita frequência


no Lunetas e sempre gera especulações, dúvidas e, às vezes, até
polêmicas. Em um mundo tão conectado e tecnológico, é praticamente
impossível que as crianças não tenham acesso, em algum momento, à
“telinha” de computadores, televisões, tablets, telefones celulares e
outros aparelhos eletrônicos.

É cada vez mais difícil, que os pais consigam “blindar” seus filhos de possíveis perigos

relacionados à este crescente acesso


Porém, até que ponto esse contato é saudável para a saúde e o
desenvolvimento infantil? Ele é importante e produtivo, mas também
pode causar danos. Ele faz parte do cotidiano familiar, mas deve ser
controlado. Afinal, quais orientações os pais devem seguir em relação a
este mundo? Existem regras a serem seguidas? E como usar a
tecnologia a favor das crianças?

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2015, conduzida


pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro
Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação (Cetic.br), oito em cada dez crianças e adolescentes entre
nove e 17 anos usam a internet com frequência, o que representa 23,7
milhões de jovens em todo o país. Este número teve um aumento
expressivo em um ano, já que em 2014, 21% dos entrevistados disseram
ter acesso a rede mais de uma vez por dia e, em 2015, essa proporção
atingiu 68%.

A 4ª edição da pesquisa TIC Kids Online Brasil – que entrevistou 3.068


crianças e adolescentes entre nove e 17 anos em 350 cidades de todas as
regiões do país – ainda constatou que o uso de equipamentos móveis
para acessar a internet se manteve significativo entre o público jovem.
Em 2014, 82% revelaram acessar a rede por meio do telefone celular e,
em 2015, essa proporção foi de 85% – sendo que 31% desta
porcentagem de crianças e adolescentes tiveram acesso exclusivamente
por este dispositivo.

Ainda de acordo com a pesquisa, 18% dos entrevistados disseram ter


deixado de comer ou dormir por causa da internet; 20% confessou ter
passado menos tempo com família, amigos ou fazendo lição; 20% se
sentiu mal em algum momento por não poder usar a rede; e 15% se
pegou navegando sem estar realmente interessado no que via.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou no fim do ano


passado um conjunto de orientações sobre exposição às telas e seus
possíveis efeitos nocivos, de acordo com as idades e as etapas do
desenvolvimento cerebral, mental, cognitivo e psicossocial das crianças
e adolescentes. O documento “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era
Digital” foi inspirado em estudos e recomendações internacionais
e adaptadas à realidade nacional.

A SBP recomenda que bebês com até dois anos não tenham nenhum acesso às telas,

principalmente durante as refeições ou antes de dormir


Para crianças entre dois e cinco anos, o limite recomendado é de uma
hora diária. Já as de seis anos não devem ter contato com jogos
violentos e, até os dez anos, nenhuma criança deve ter televisão ou
computador nos próprios quartos para evitar a vulnerabilidade do
acesso a conteúdos inapropriados.

Para Liubiana Arantes de Araújo, neurologista pediátrica e presidente


do Departamento de Desenvolvimento da Sociedade Brasileira de
Pediatria, a criança não deve gastar essas duas horas máximas
recomendáveis de uma só vez, e sim fazer intervalos para a exposição
às telas. “A criança também não deve ter acesso às telas durante as
refeições, para que a alimentação não seja prejudicada, e duas horas
antes de dormir, para não afetar a qualidade do sono”, explica.

Em relação aos possíveis perigos para o desenvolvimento infantil, a


SBP alerta que a exposição constante às telas pode aumentar a
ansiedade, estimular um comportamento violento ou agressivo, causar
transtornos de sono ou de alimentação, prejudicar o rendimento escolar,
afetar relações em sociedade, facilitar o incentivo à sexualidade
precoce, e expor a criança precocemente a drogas, entre outros.

De acordo com Liubiana, a criança que tem uma grande exposição a


computadores e celulares, por exemplo, podem ter problemas em sua
saúde ocular (devido ao olhar fixo e aberto diante da tela), auditiva
(devido ao uso de fones de ouvido), manual (pela repetição de
movimentos) e de postura.

Ainda segundo a presidente da SBP, “o cérebro da criança é como uma


esponja e recebe estímulos que moldam o seu comportamento e sua
personalidade”.

Portanto, se a criança for exposta, mesmo que passivamente, às telas


com cenas de violência ou de uma tragédia, isso vai gerar um
sofrimento para o pequeno. Por isso, os pais devem tomar cuidado com
o que deixam ligado perto de seus filhos. Além disso, dizer “meu filho
não sai no celular” sem rever o próprio uso se revela uma contradição,
afinal, referência é fundamental para o comportamento das crianças.

Celulares, tablets e computadores não precisam ser vilões, mas a relação desses dispositivos

com as crianças precisa ser cuidada de perto


iStock

A SBP recomenda contato zero com telas até os 18 meses de idade.

Como são as orientações lá fora?

A Academia Americana de Pediatria reviu as suas recomendações sobre


a exposição de crianças à tecnologia. Orientações como a de que
pequenos de até dois anos não deveriam ter nenhum contato com telas e
a de que o acesso das crianças maiores à televisão deveria ser restrita a
duas horas diárias foram mudadas pelos médicos.

Após a flexibilidade, as recomendações sobre o tempo de tela saudável


– aquele usado para fins de entretenimento, ou seja, sem contar o
período destinado a pesquisas e tarefas escolares – é de nenhuma
exposição diária às telas para crianças de 0 a 18 meses; de uso limitado
a uma hora por dia, com programação de qualidade e apropriada à
idade, para as de dois a cinco anos; e de quantidade de tempo
determinável pelos pais, mas sempre com monitoramento aos conteúdos
acessados, para as de 6 anos ou mais.

Os pediatras americanos mudaram suas recomendações com foco mais


no conteúdo assistido e menos no tempo em que os pequenos passam na
frente às telas.

Eles ainda passaram a orientar, por exemplo, que os pais tivessem um papel ativo na relação

das crianças com os aparelhos eletrônicos

Críticas de pesquisadores

Vários governos têm recomendações relacionadas ao tempo de


exposição das crianças à tecnologia. Porém, alguns pesquisadores
contestam a falta de evidências científicas sobre o real impacto da
tecnologia na vida das crianças.

Uma recente carta aberta publicada por cientistas e pesquisadores de


várias áreas (como Educação, Psicologia e Direito) de diversas
universidades (como Harvard, Oxford, Cambridge e Columbia)
questiona o que eles chamam de “pânico moral” sobre a atual
preocupação em relação ao tempo de exposição às telas.

Para o grupo, o que há atualmente é um alarmismo em relação aos


danos que as telas podem causar às pessoas e não evidências. Eles
explicam na carta que não faz sentido discutir sobre a quantidade de
exposição, mas sim sobre a qualidade do conteúdo acessado pelas
crianças, por exemplo.
Em defesa de que as tecnologias digitais são parte da vida das crianças
do século 21, os pesquisadores ainda afirmam que o foco na exposição
dos pequenos às telas é uma abordagem inapropriada, já que a saúde e o
bem-estar infantil dependem de vários fatores, como o ambiente
familiar e o nível socioeconômico.

Perigo para os olhos? A síndrome do olho seco

O constante acesso às telas de televisores, computadores e smartphones,


por exemplo, causa mesmo algum dano à visão das crianças? De acordo
com Dr. João Alberto Holanda de Freitas, presidente da Sociedade
Brasileira de Oftalmologia, a resposta para essa pergunta é “não”.

Segundo o oftalmologista, o que pode acontecer é a chamada


“síndrome do olho seco”, caracterizada pela evaporação mais rápida
do canal lacrimal devido a falta do piscar.

“O certo é piscar cerca de 35 vezes por minuto. E as telas trazem tantas informações que as

pessoas nem piscam para ver tudo”


João Alberto reforça que o contato visual com as telas não oferece risco
oftalmológico, nem afeta a quantidade de lágrimas das crianças.
Entretanto, em casos de caso visão cansada, olhos secos, ou qualquer
outro incômodo após longa exposição às telas, ele recomenda o uso de
um colírio lubrificante. “Mas o ‘piscamento’ é essencial para lubrificar
o olho”, conclui.

De acordo com estudos da Academia Americana de Oftalmologia, o


olhar direto para telas não causa danos oculares permanentes. Segundo
os oftalmologistas americanos, o que acontece é que olhar por muito
tempo para elas, principalmente se a distância até os olhos for pequena,
faz com que a pessoa pisque menos, o que pode ocasionar uma vista
cansada ou a síndrome do olho seco.

Crianças e telas: liberar ou proibir?

No mundo atual, é praticamente inevitável que qualquer criança não


tenha acesso (mesmo que muito restrito) à televisão, computador,
videogame, tablete, ou aparelho celular. A não ser quando a criança
vive em condições remotas de acessibilidade, possibilidades e
informação, é comum que os pequenos tenham contato com este mundo
das telas brilhantes, seja em casa, na sala de aula, ou por meio de
amigos.

E, entre as questões que permeiam as dúvidas de pais em relação ao


acesso dos filhos às telas está a de liberar ou proibir o uso de aparelhos
eletrônicos e tecnológicos, bem como o acesso à Internet.

Para quem pensa que não ter televisão em casa é uma tarefa difícil,
Anne Sobotta prova o contrário. Instrutora e formadora em yoga para
gestantes, mães e bebês em Santo Antônio do Pinhal (SP), Anne conta
que quando engravidou de Jada – sua filha que hoje tem dez anos – já
não tinha TV na casa onde morava na Bahia.

A francesa, que vive no Brasil há cerca de 15 anos, diz achar que a


televisão tem um poder de atração enorme perante as pessoas e que não
queria isso para sua família.

“A TV aberta ou fechada tem mais porcarias do que coisas boas. Decidi que a televisão não ia

fazer parte das nossas vidas e que há muitas outras possibilidades de diversão”
Em relação ao uso de outras telas, Anne conta que ela e seu parceiro
usam muito o computador e tablet em seus trabalhos. Jada também tem
permissão para usá-los, porém, sob supervisão da mãe. A menina tem
acesso a vídeos com conteúdos pedagógicos – como um programa de
ciências francês –, filmes em outros idiomas para estimular a linguagem
trilíngue da família, aplicativos educativos ou pesquisas. Jada não tem
acesso a nenhuma rede social, nem sob monitoração. “Prezo por ela
poder se relacionar com pessoas em carne e osso, com outras crianças e
outros adultos. Tento adiar o máximo possível as relações virtuais de
minha filha”, diz Anne.

A instrutora de yoga fala ainda que se apavora ao ver tantas crianças


ganhando celulares de seus pais, alguns até sem bloqueio de segurança.

“Minha filha vê as amigas com celular, me pergunta quando terá um e então eu explico os

meus motivos. Há muita conversa e contextualização dentro de casa”


Ana Paula Silva, proprietária da empresa socioambiental Morada da
Floresta, e seu marido também já não tinham televisão antes de terem
filhos. Com a chegada de Violeta e Micah, atualmente com oito e seis
anos respectivamente, o costume da família permaneceu o mesmo.
“Preferimos não ter TV para um maior controle sobre o que eles (os
filhos) têm acesso”, conta Ana Paula. Porém, as crianças assistem à TV
na casa de familiares ou amigos, o que também não acontece com
frequência. Em relação a computadores, as crianças têm acesso limitado
e a conteúdos supervisionados pelos pais.
Shutterstock

De acordo com os especialistas, a influência dos pais é fundamental para determinar a relação
das crianças com as telas. Então, não adianta proibir sem rever o próprio uso.

A tecnologia como ferramenta

Com pensamentos diferentes aos de Anne a Ana Paula, Fabiana


Almeida, mãe de Pedro e de Lucas, de oito e cinco anos
respectivamente, diz que o acesso às telas em sua casa é liberado, mas
sob supervisão dela e do pai das crianças. “Eu controlo conteúdo,
conversamos muito e ficamos de olho no que eles assistem, tento me
policiar para não ficarem o dia inteiro com as telas e evito deixar
usarem antes de dormir”, conta.

A mãe fala que cada um dos meninos tem um tablet e, no quarto deles,
há uma televisão e um videogame. Segundo Fabiana, os filhos gostam
muito de jogos e de verem vídeos na Internet. O uso do tablet, inclusive,
é liberado quando a família sai a passeio ou vai a um restaurante. “Eles
não têm paciência nesta idade. Mas, se estão com o tablet, conseguimos
ficar mais tempo e aproveitar um pouco mais o lugar”, explica.

Elisa Dreux, mãe de Julia, de um ano e sete meses, também acredita que
as telas devem ser liberadas para as crianças sem maiores preocupações.
Ela, que parou de trabalhar para se dedicar à filha em casa, conta que
recorre à televisão para poder fazer tarefas domésticas, já que a pequena
pede sua atenção para brincar e só fica sozinha se estiver em frente à
TV. “Em casa sempre estamos com a TV ligada em vídeos ou desenhos
praticamente o dia inteiro”, diz.

Para Elisa, o tablet – que tem aplicativos pedagógicos e vídeos infantis


– é um recurso para que sua filha se mantenha entretida durante trajetos
no carro ou em um restaurante com os pais, por exemplo. “Eu sempre
falei que minha filha não teria tablet e não assistiria à televisão. Mas,
por mais que muitos falam que faz mal, na prática não funciona desse
jeito.

“Hoje, eu preciso da TV e do tablet”, pondera Elisa


De acordo com a mãe, a tecnologia até ajuda na educação, pois sua filha
tem aprendido palavras, números e letras com jogos no tablet. “Não
podemos somente falar que a tecnologia atrapalha a criança. É só saber
usar”, conclui.

Quando se trata da liberação ou proibição das telas na infância, cada


família tem seu ponto de vista e seu costume, de acordo com seu estilo
de vida – que devem ser respeitados e seguidos fora de casa por
parentes, educadores e cuidadores da criança. As telas e as tecnologias
podem oferecer benefícios ou prejuízos, depende de como são usadas e
por quem são avaliadas.

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