34288-Texto Do Artigo-122380-1-10-20071212
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O Congresso de Praga
Lógica conseqüência das transformações estéticas ocorridas durante
os anos de transição, o ingresso de Santoro no movimento musical naciona-
lista está diretamente relacionado ao “II Congresso Internacional de Com-
positores e Críticos Musicais”, evento realizado em Praga, entre os dias 20
e 29 de maio de 1948. Se, por um lado, parte do material composicional
empregado em obras anteriores já antecipava alguns dos elementos que se
tornariam característicos nesta nova fase, por outro lado, a conversão esté-
tica definitiva somente viria a ocorrer após o evento, quando Santoro decide
pela completa adoção das orientações ali estabelecidas, fundamentadas nos
valores estéticos do Realismo Socialista.1 O trecho a seguir, extraído de sua
correspondência, é bastante revelador neste sentido.
1
Estabelecido pelo estado soviético como modelo oficial artístico, as premissas
estéticas do “Realismo Socialista” centravam-se na tese de que as artes deveriam
abordar suas temáticas sempre de forma otimista, glorificando as idéias políticas e
sociais do Partido Comunista. De acordo com os artigos lançados no Pravda, “a
única música aceitável e considerada digna para as classes trabalhadoras deveria
caracterizar-se por sua acessibilidade, melodiosidade (tunefulness), tradicionalismo
estilístico, otimismo e inspiração folclórica.”. MCKAY, Cory. http://www.music.mcgill.
2
A abreviatura ACS refere-se ao Arquivo Cláudio Santoro, coleção depositada no
Departamento de Música da Unb, contendo extensa e variada documentação pes-
soal do compositor. Os documentos citados neste trabalho estão classificados em
três segmentos: 1-artigos; 2-depoimentos; 3- Correspondência. Desta forma, a indi-
cação (1948. ACS:3) corresponderá, nas referencias bibliográficas, a uma corres-
pondência específica listada neste ano.
3
Além da obra e das idéias de Béla Bartók, Santoro cita, por diversas vezes, a impor-
tância, em seu desenvolvimento, das teorias composicionais e acústicas de Hindemith.
Quanto à música brasileira, aparecem em destaque Villa-lobos e C. Guarnieri.
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calcado no que classificava como as “substancias melódicas básicas” da
música folclórica.
No exemplo a seguir, extraído do Prelúdio no. 2 (2ª Série) (1957), o
primeiro modelo de melodia tonal aparece harmonizado com acordes do II e
V graus da escala de Lá bemol Maior, modulando, a partir do oitavo compas-
so, para a subdominante através da conversão do V grau de Lá bemol em II
grau da nova tonalidade. A cadencia harmônica V-I em Ré bemol, nos dois
últimos compassos do trecho, confirma a modulação para esta tonalidade.
Ostinatos
Disseminados por toda sua produção nacionalista, os motivos de acom-
panhamento em forma de ostinato cumprem em Santoro, nada mais do que
sua função tradicional: propiciar o “fundo harmônico” e a “atmosfera” pro-
pícia à sobreposição de outras tantas idéias. Em virtude da repetição obsti-
nada da entidade harmônica inequivocamente estabelecida, o núcleo tonal
ali formado determinará a funcionalidade de todo e qualquer elemento cro-
mático sobreposto àquele contexto. Em geral, os ostinatos de Santoro es-
tão elaborados em torno de uma figura rítmica bastante pronunciada, com
seu conteúdo variando entre, uma nota pedal, um acorde ressonante, ou a
combinação de dois ou mais acordes.
Intercâmbio modal
O intercâmbio modal também aparece como uma das técnicas
freqüentemente empregadas por Santoro neste período. Definido por
Persichetti (1985) como uma troca de modos, sem que o centro tonal seja
alterado, esta técnica é geralmente praticada por Santoro em sobreposição
às figuras de ostinato, uma vez que tais figurações tem como uma de suas
4
Podemos compreender o acorde do ostinato como derivado da escala lídia de réb:
(réb, mib, fá, sol, láb, sib, dó). Cinco destas notas serão empregadas no acorde, o
qual, poderá ser catalogado como uma tríade de réb com 6ª e 11ª+ acrescentadas.
Cromatismo polimodal
No exemplo a seguir, na verdade, uma derivação da técnica descrita
no item anterior, temos uma aplicação literal de um dos procedimentos
composicionais discutido detalhadamente por Bartok em suas “Conferênci-
as de Harvard”.5 Servindo-se da expressão “cromatismo polimodal”, Bartok
descreverá o procedimento em que diversas, ou até mesmo, todas as notas
da gama cromática, podem ser empregadas igualmente em um único trecho
como conseqüência da utilização simultânea de modos diferentes baseados
em uma mesma fundamental. Trata-se, de acordo com sua avaliação, de
uma manipulação do cromatismo inteiramente diferenciada da prática se-
melhante dos períodos estéticos anteriores.
Obtemos como resultado da superposição de um pentacorde
lídio e um frígio sobre uma nota fundamental comum, um
pentacorde diatônico, preenchido por todos os graus altera-
dos em sustenidos e bemóis. Entretanto, estes graus aparen-
temente cromáticos em sustenidos e bemóis são, em suas fun-
ções, totalmente diferentes dos graus dos acordes alterados
dos estilos cromáticos dos períodos anteriores. Uma nota cro-
5
As “Conferencias de Harvard” (Harvard Lectures) aparecem no livro editado por
Suchoff Bela Bartok Essays. 1992 - University of Nebraska Press
Paralelismo
No que tange ao emprego específico de técnicas polifônicas, é certo
que a música nacionalista de Santoro não prima por esta característica, o
que não implica dizer que não ocorram linhas melódicas em contraponto.
De um modo geral, a textura polifônica aparece em um número reduzido de
obras em trechos muito curtos e delimitados. Tal constatação já havia sido
apontada por Nadia Boulanger (1960:3, ACS) quando Santoro, novamente
interessado pelos conselhos de sua ex-orientadora, envia-lhe algumas de
suas últimas produções a fim de que a mesma pudesse avaliar a qualidade
destas obras. Ainda que acentuasse a “força vital’ e a “poesia particular”
das obras nacionalistas, Boulanger não deixou de verificar, por outro lado, o
“excesso de paralelismo” e a “ausência de polifonia”.
6
Ex.13 - Sinfonia No.7, I/17-26. (1959-60), Ex. 14 - Sonata (Fantasia)No.4, p/ Piano.
I/17-24.(1957), ex. 15 - Sonata (Fantasia) No.4 p/ Piano. I/161-165. (1957).
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Exemplo 15 – Paralelismo em sétimas menores
“Two-voice framework”
De textura predominantemente homofônica, o período nacionalista de
Santoro tem como uma de suas principais características o acompanha-
mento harmônico realizado a partir de um amplo vocabulário de acordes.
Percebe-se, no entanto, que o controle da continuidade lógica das seqüênci-
as harmônicas é efetuado, menos pelo conteúdo interno e vertical de cada
acorde, do que pelas variações de tensão geradas pela movimentação hori-
zontal da voz do baixo. Na medida em que, pela elevação do grau de densi-
dade, os acordes tornam-se gradativamente mais instáveis e indefinidos, a
determinação de seu significado estrutural parece subordinar-se diretamen-
te à forma como a voz mais grave é conduzida. Por sua vez, as vozes
centrais exercerão pouca influência no estabelecimento da funcionalidade,
já que o conteúdo interno dos acordes está mais diretamente relacionado à
variação da densidade textural.
Segundo podemos supor, este aspecto em particular da técnica de
harmonização de Santoro está diretamente relacionado ao princípio denomi-
nado Two-voice framework, demonstrado por Hindemith (1945) em seu
método de análise e composição musical. Segundo o compositor alemão, o
desenvolvimento harmônico tende a ocorrer no interior de uma moldura
espacial (spatial frame), formada pela voz do baixo e pela voz superior mais
importante. Considerando que estas duas vozes são determinantes no esta-
belecimento da clareza e inteligibilidade de qualquer obra, para Hindemith,
seria de se esperar que formassem, entre si, uma peça independente à duas
vozes, de escrita clara e equilibrada, não necessitando de mais nada para
completá-la. Quanto às vozes centrais, tal como já observamos em Santoro,
dirá o compositor alemão:
A progressão da moldura à duas vozes (two-voice framework)
é inteiramente independente das outras notas do acorde. Na
verdade, as vozes internas pertencem ao quadro tonal, tanto
quanto as vozes externas, mas influenciam estas últimas, tan-
to quanto o baço ou o fígado influenciam a aparência externa
do homem. [....] O caminho de um acorde no espaço é afetado
Resumo
O período nacionalista de Santoro deve ser compreendido como o
momento em que os anseios estéticos e ideológicos, manifestados durante o
período de transição, se materializam em sua forma definitiva. Neste per-
curso histórico, a participação do compositor no “II Congresso Internacio-
nal de Compositores e Críticos Musicais” atuou como um estimulo
determinante em sua aproximação dos princípios estéticos do nacionalismo
musical abrigados sob a bandeira do realismo socialista. Durante o evento,
dá-se a substituição da tese do atonalismo, como reflexo de uma evolução
social deflagrada pelo avanço do socialismo, pela crença de que a postura
estética do compositor engajado na causa comunista fundamentava-se na
compreensão da arte pelo povo.
Durante os primeiros anos da fase nacionalista, momento de adequa-
ção às novas diretrizes estéticas, Santoro ocupar-se-ia do desenvolvimento
de uma forma de expressão compatível com os novos ideais. Desta forma,
no que se refere à elaboração melódica, durante toda a primeira metade de
sua década nacionalista, procuraria corresponder, da forma mais clara e
direta possível, às expectativas estéticas estabelecidas em Praga. Neste
primeiro momento, ao qual se referia como o período marcado pela busca
deliberada da “essência” musical brasileira, observamos a elaboração de
obras através do emprego de um material mais simples e de fácil assimila-
ção, tal como as melodias modais ou tonais desprovidas de alteração.
Por volta da segunda metade da década, período em que afirma ter
alcançado a elaboração de obras verdadeiramente convincentes, Santoro
Andrade, Mário de. 1972. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo:
Livraria Martins/INL
Vinton, John. 1966. “Bartók on His Own Music” Journal of the American
Musicological Society 19: 232-243 (Summer)
3- Correspondência: