B 008

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|:| Tycho Brahe Parsed Corpus of Historical Portuguese
|:| Document ID: b_008
|:| Encoding: UTF-8
|:| Last Saved: 31.10.2006
|:| Title: Cartas, J.C. Brochado
|:| Author: Brochado, José da Cunha
|:| Version: Simple Text, for Automatic Tools
|:| Edition Type: Edited text (from source text with edited orthography)
|:| [END
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[ letter (author: JCB)]

[ title ] 1.

O respeito que sempre tive e devo ter à pessoa e ao carácter de Vossa


Excelência , me levou sempre à veneração de suas altas prendas pelo seguro caminho
de uma pura e fiel contemplação, entendendo que, |
como Vossa Excelência é todo espírito e todo inteligência, mais se pagaria
das respeitosas meditações da minha fé, que das intrometidas assistências da minha
dignidade.
Porém, hoje não serei o primeiro mudo a quem o |
alvorôço dos afectos rompesse o embaraço das expressões, porque a alegre nova
da entrada de Vossa Excelência nessa Côrte, que passou além da magnificência,
dispensou ao meu silêncio estas vozes e ao meu respeito estes júbilos.
|
Viva Vossa Excelência para ilustre distinção do nosso reino, pois, se êste
invejou a outros a fortuna do nascimento de Vossa Excelência , outros lhe invejam
agora a glória da sua adopção. Cante Lisboa os triunfos que por Vossa Excelência
logra na côrte de Viena, que, se outra |
pátria teve a fortuna de fazer seu a Vossa Excelência , ela grangeou o
crédito de que Vossa Excelência a fizesse sua.
Estas reverentes vozes na fé do indulto dêste dia mereçam, meu Senhor,
alguma dissimulação na graça de Vossa Excelência , a cujos preceitos quere a minha
|
obediência ter a ousadia de resignar-se. Deus guarde a Vossa Excelência
muitos anos.
7 de Maio de 1696.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 2.

Meu Senhor.
Estimo muito as boas novas que Vossa Mercê me dá de se haver recolhido com
saúde a sua casa, onde ficará logrando o descanço que por cá lhe faltava.
|
Vossa Mercê , que sempre foi injusto venerador das Côrtes estranjeiras, me
diz que se acha muito só na nossa Côrte; porém, nela melhor que nas outras viverá
Vossa Mercê , ainda que em menos concurso com menos concorrentes. A nossa comédia
tem menos |
aparato, mas diverte a menos custo; a nossa praça terá menos passeio, mas tem
menos atenções. As damas, que lá são menos expostas, são, por isso, mais dignas do
privilégio com que as creou a natureza. As Tulherias, por que Vossa Mercê suspira
tanto, |
não têm de grande mais que a novidade com que Vossa Mercê as via; mas é
escusado persuadir êste conhecimento a um fidalgo português, cujo génio foi sempre
pagar-se mais do pouco, sendo-lhe singular, que do grande, sendo-lhe comum.
|
Veja Vossa Mercê se no meu pouco préstimo pode achar a honra de servi-lo.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
25 de Agôsto de 1697.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 3.

Recebi a de Vossa Paternidade de II de Março, e não pude fazer resposta com


a brevidade que pedia assim o meu afecto como a sua pontualidade, porque há mais de
dois meses que ando tão incomodado de dores de cabeça que me defendem o ler e
escrever, mas já, graças a Deus, com alguns remédios frescos |
me acho melhor.
Agradeço a Vossa Paternidade êste favor de novas suas, com que vejo que
venceu, felizmente, o caminho, prevalecendo sempre o zêlo da sua religião contra as
mortificações do seu achaque, de que espero que |
Vossa Paternidade convalesça brevemente, porque em Roma, até as artes e
ciências fazem milagres.
Muito venceu o Padre Geral neste rescrito contra o livro do Padre
Papebroquius, porque a liberdade dos escritores não deve restringir-se em matérias
que |
não são de fé, e essa é a formosura da erudição e a utilidade da crítica.
Que o Padre Graça seja Geral não duvido, contanto que seja mais curto nas
visitas do que é nos sermões. Eu, como tenho a honra de ser confrade do |
Carmo, e de ter nesta religião o meu confessor, elegi aqui um da mesma ordem,
que fala bem português e esteve em Pernambuco, com quem às vezes alivio as saüdades
de Frei Jerónimo.
Nesta Côrte não há novidade alguma, mais que |
nas modas, de que não sou grande cronista.
Mande Vossa Paternidade dizer-me que fortuna corre nessa Cúria o livro que
aqui saiu do Arcebispo de Cambrai, e não se esqueça de me participar as negociações
ou fradarias da nossa religião do Carmo, |
servindo-se da minha pessoa em tudo o que for do seu gôsto.
Deus guarde a Vossa Paternidade muitos anos.
18 de Abril de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 4.

Senhor meu.
|
Eu não inquieto muitas vezes a Vossa Mercê com carta minha por lhe não
estreitar o tempo que Vossa Mercê há mister para mais úteis negócios, porém, agora
me é indispensável esta modéstia; e assim, depois de pedir a Vossa Mercê novas
suas, com o desejo de que |
sejam boas e tão seguras como Vossa Mercê merece aos votos de todos, lhe
peço, também, me faça Vossa Mercê mandar dizer se será possível alcançar aí, nessa
Cúria, a graça de ler livros proibidos sem limitação de tempo, atendendo-se a que
sou formado em |
cânones e que os posso ler com discrição, e se esta graça não custar a Vossa
Mercê muitos passos, nem a mim muito dinheiro, quisera lográ-la para continuar na
lição de alguns livros que hoje leio com um breve dêsse Núncio, que é local e
limitado à sua |
Nunciatura.
A nova do perigo em que se acha El-Rei de Castela, de que já está quási
livre, fêz que nesta terra se temesse a ocasião da nova guerra de que estão bem
cançados os povos. A sucessão de Castela |
é muito preciosa, ainda que França a não pode unir à sua, há-de querer mais
ver nela um Burbão que um Áustria, sendo que não tirará grandes vantagens, porque a
razão dos interêsses do Estado é mais forte que a do sangue.
|
Aqui esperamos, com impaciência, a decisão dessa Cúria sôbre o livro do
Arcebispo de Cambrai, que, como é matéria em que a Côrte se não prejudica, pode ter
lugar o oráculo de São Pedro, principalmente quando êle implora como o Bispo de
Meaux é |
bem visto nela.
Para tudo o que se oferecer do serviço de Vossa Mercê , fico com a maior
obrigação.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
18 de Abril de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 5.

|
A notícia do perigo em que se acha El-Rei de Castela foi que na nossa terra,
segundo me escrevem, se começasse logo a discorrer sôbre as precauções necessárias
para a nossa segurança, no caso em que o fatal catástrofe que ameaça a Espanha
lançasse sôbre as nossas cabeças algumas pedras da sua ruína.
|
Eu não posso reprovar a Castela em matérias que tocam de tão perto, como aí
dizem, na conservação do Estado, mas não quisera que esta nova desse tanto
sobressalto aos nossos interêsses.
Todos os que conhecem e escrevem sôbre as |
conveniências dos Príncipes, conferidas com o poder de suas fôrças e a
situação de seus Estados, persuadem, como regra trivialíssima, a diminuïção do
poder de um grande Príncipe vizinho menos poderoso, e êsse é todo o mistério das
mais ocultas |
máximas do cabinete. E ¿quem pode, na Europa, deixar de aplicar, com aumento
dos nossos interêsses, todo o dano que hoje se mete sobre a Monarquia de Espanha?
Esta proposição é tão clara que não necessita de maior luz.
|
Porém, não faltam discursos cuja penetração tem a propriedade daqueles vidros
que fazem engrossar os objectos, ou que padecem na vista o defeito daquele cego do
Evangelho que via as cousas às avessas, e são persuadidos que El-Rei de França em
favor do direito de seu filho, tão solenemente renunciado, entre por Castela com um
exército numeroso e, em menos de uma campanha, se faz senhor de tôda a Monarquia,
e, por conseqüência, |
invente algum pretexto para conquistar a nossa. Êste é, brevemente, o
prognóstico dos nossos políticos, e daqui provêm todos os nossos temores.
Quando eu estava em Lisboa e ouvia que o Marechal de Noailhes havia tomado
em Catalunha |
a cidade de Girona, entendia também que na campanha seguinte tôda Castela
seria fácil despôjo das vitoriosas armas de El-Rei Cristianíssimo. Mas não foi
êste mesmo funesto discurso no ano passado, quando, com maior progresso, o Duque de
|
Vandoma rendeu Barcelona o meteu em fugida o vice-rei Dom Francisco de
Velasco, porque, como via as cousas de mais perto e distinguia os objectos, que em
Lisboa me pareciam de outras côres, conhecia que a conquista de Espanha não passava
pela imaginação a El-Rei Cristianíssimo e que as vitórias de |
Catalunha não eram mais que disposições para a paz da Europa.
Não duvido que El-Rei de França desejará unir a seus Estados os de El-Rei
Católico, e que, tendo então mais de meio caminho andado para a |
Monarquia universal, viria a cair na quimera do mesmo desígnio que os
franceses achacaram sempre à Casa de Áustria para a infamarem em todo o mundo; mas
desta união das duas Monarquias, francesa e espanhola, não seriam os franceses
sòmente os |
prejudicados; ela seria fatal a tôda a Europa, e não haveria Príncipe algum
que se não metesse a todo o risco a dissipá-la, e estou seguro que nenhum Ministro
de França há-de abrir esta prática com temor de atrair sôbre o seu Príncipe o ódio
de todos |
os vassalos. Neste caso se armaria tôda a Europa e seria França o seu
inimigo comum. ¿Qual ficaria o comércio de Inglaterra, se os franceses fôssem
senhores de Cádiz e dominassem as Índias ocidentais? ¿Que segurança teriam as suas
conquistas na |
mesma América Setentrional, que portos teriam no estreito para o refúgio do
seu comércio de Levante? ¿Holanda como ficaria segura, sucedendo França no direito
de Castela para a reduzir ao domínio |
antigo? A Itália caïria logo na escravidão, tantas vezes interpretendida, e
todos os seus Príncipes e Repúblicas, sem exceptuar o património da Igreja, se
renderiam ao jugo dos franceses, porque El-Rei Cristianíssimo ressuscitaria logo a
pretendida sucessão de Carlos Magno, que lhe dá direito, |
segundo os seus consultos, sôbre tôda a Lombardia e mais províncias de
Itália. Por êste mesmo direito, que a fôrça das armas faria incontestável, também
a Alemanha correria a mesma fortuna para se compreender com o nome da antiga
Germânia |
nos domínios daquela sucessão em que entraria todo o Império de Ocidente,
Colégio Eleitoral, Príncipes do Império e Vilas imperiais, o mesmo Turco não
ficaria isento da ruína geral, porque êste especioso pretexto de sucessor legítimo
de Carlos Magno |
também chega com mais coerência ao Império do Oriente.
Ninguém pode duvidar que todas estas aquisições seriam estas certas
conseqüências da união das duas Monarquias; e ¿quem pode ignorar que ao primeiro |
movimento, ou prática, que conduzisse a êste fim, se uniria tôda a Europa em
outra liga mais formidável que a próxima passada que tanto cuidado deu a França?
Digo que será mais formidável, porque entrariam nela as duas Coroas do Norte,
Suécia e Dinamarca, entrariam todos os Príncipes e |
Repúblicas de Itália, e entraria, finalmente, o mesmo Turco com todos os
domínios e dependências daquele Estado, e bastaria que não fizesse em favor de
França a poderosa diversão de Hungria com que tanto a socorreu e ajudou nesta
guerra passada.
|
É, pois, impraticável a conquista de Castela para a suposta união, e, sendo
assim, ¿que nos pode |
suceder com a morte de El-Rei Católico que não seja útil aos nossos
interêssese que não faça melhor a nossa condição? Para maior individuação,
suponhamos que o Imperador se fica com o domínio e sucessão de Espanha e é senhor
das duas Coroas, como já foi seu antecedente Carlos V. Essa união não duraria mais
que em sua vida, e sendo certo que ela não acomoda nem a França, nem a Itália, |
nem a Holanda, e que todos a hão-de disputar fortemente, não há dúvida que a
distância e situação do Império, pela qual se regulam os interêsses dos Príncipes,
nos fariam menos formidável o poder de Castela na conduta de um General do
Imperador.
|
Suponhamos que o Imperador não quere unir a si a Coroa de Castela, mas
pretende a sucessão para seu filho segundo: ¿que mal nos podia vir desta sucessão?
¿Será, porventura, mais nosso inimigo um filho do Imperador, primo co-irmão dos
nossos |
Príncipes, do que o seria um filho de Carlos II, neto de um Felipe IV, de
cujas mãos arrancámos ontem o injusto domínio que sôbre nós tinha usurpado?
Suponhamos que chamam um neto de El-Rei de |
França: é para presumir que êle não seja senhor absoluto desta sucessão, sem
um grande desmembramento dela; e, se acaso cuidamos que seu avô lhe dará ajuda para
nos fazer guerra, é temor adiantado, porque El-Rei não havia de dar armas |
contra si, sendo das suas mais invioláveis máximas a separação de Portugal, e
erraram alguns juízos quando, há pouco tempo, se persuadiram que França, para
conseguir a paz e a sucessão, propusera a Castela a nossa conquista.
|
Suponhamos que entra o filho do Eleitor de Baviera como neto segundo de
Felipe IV. Também nos é de maior conveniência que um filho de Carlos II, porque,
ao menos, não tem a varonia da Casa de Áustria e tem maior aliança com os |
nossos Príncipes. Estas são as três sucessões que podem acontecer e com
nenhuma delas fica Castela mais poderosa, nem os nossos interêsses menos bem
livrados.
Mas suponhamos, finalmente, que Aragão levanta um Rei, as Províncias de
Castela antiga outro, e outro Nápoles e Sicília: ¿que mal nos pode vir desta união
no continente de Castela? Ficaríamos ou mais |
ou igualmente poderosos, e poderíamos um dia dar a lei a Espanha. Estas são
as formas que esta Monarquia pode tomar com a morte do seu Rei, em que, de nenhuma
sorte, se infere prejuízo algum à nossa condição, pois quando as cousas corram à |
favor do nosso sucessor, nunca êle, nem Castela, terão mais fôrças que hoje
têm.
Os intentos do Imperador é fazer-se árbitro da sucessão para nomear nela
seu filho segundo, porque desta sorte fortificará a razão dos interêsses |
comuns com a do sangue, tornando a restabelecer-se em Castela outro ramo da
Casa de Áustria para que, por êste meio, se obre a obrigação de se darem as mãos as
duas Coroas, em ordem a divertir o poder de França quando ataque a qualquer delas.
|
Pretende também o Imperador, arrogando-se êste arbítrio, fazer-se com alguma
porção em Itália ou Flandres, como discursam os franceses. As idéias de El-Rei
Cristianíssimo são mais especiosas e dissimuladas (costume antigo desta nação);
persuadirá ao |
Conselho de Castela a liberdade da eleição oferecendo-se para o manter contra
as imposições do Imperador, e, de caminho, fará valer a nomeação de um neto.
Também instará, no caso que ache esta nomeação dificultosa, que se meta sôbre o
trono |
algum terceiro em exclusão da Casa de Áustria.
Do que tenho referido se manifesta bem (se me não engano) o quanto nos é
indiferente a questão do novo futuro sucessor da Coroa de Castela, quando nos não
queiramos persuadir que ela nos será sempre útil e aproveitará os nossos
interêsses.
Sôbre quais devam ser as nossas negociações ou intrigas, como chamam os
franceses, na Côrte de |
Madrid, me não meto a discorrer, porque essas resoluções levam consigo a fé
do acerto, sem que nos seja permitida nem a disputa, nem o voto.
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
20 de Abril de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 6.
|
Meu senhor.
Já no passado escrevi a Vossa Senhoria o que entendia sobre os movimentos
que nessa Côrte fizera a nova do perigo de El-Rei Católico, os quais são
interpretados na Europa a nosso favor, mas com diferente |
causa. Todos imaginam que El-Rei Nosso Senhor pretende o trono e a sucessão
de Castela pelo direito que os franceses chamam de hurisiance, e que, para êste
efeito, se arma com toda a pressa julgando que estas levas de tropas são mais para
acção que |
para precaução. Neste caso seria Castela a mais venturosa, e Portugal o mais
infeliz, como sucedeu aos Escoceses quando a casa Estuarda montou sôbre o trono de
Inglaterra.
A sucessão de Castela é muito preciosa, mas não é menos sensível para tôda
a Europa, e eu creio |
que Portugal não deve ser o mais assustado, porque a sua situação e os seus
domínios se prejudicam menos que os dos outros vizinhos na ruína de Castela. A
idéia dos nossos políticos tôda é cheia de temor daquela Monarquia se unir com a de
França, como |
se neste caso não tivéramos nós tantos fiadores quantos são os Príncipes e
Repúblicas da Europa, sem exceptuar o mesmo Turco.
Nesta terra, mais que em Madrid, se deseja a vida daquele Rei, porque amam
hoje a paz, e não |
querem ouvir motivo que lhes faça ocasionar a guerra. Algumas tropas
passaram há pouco tempo para Provença e Delfinado, e muitos discursaram que eram
disposições para invadir a Castela no caso daquela morte. Mas outros inferem,
melhor entendendo, que como Orange cedido a El-Rei Guilherme está situado no meio
de Provença com |
livre exercício da religião, e concorrem muitos religionários a estabelecer-
se, que El-Rei impediu por edito de Novembro do ano passado, temendo que Orange não
viesse a ser maior que Paris, querem agora, por ter em Brida os hereges |
dissimulados, que naquelas Províncias se aquartelam algumas tropas das que
ficam sem reforma.
Entende-se que El-Rei quere tomar sôbre si a perda da baixa moeda dando-lhe
aos povos três anos de capitação e, por êsse meio, se fará |
perpétuo êsse rigoroso tributo sôbre que começam de sair algumas cantigas.
O Padre Orleãs, que fêz a história das revoluções de Inglaterra, e a vida
da Senhora Rainha Dona Maria, é morto e foi a causa da sua morte o grande |
trabalho com que escrevia a história de Espanha.
Milord Portland, embaixador de Inglaterra, tem ordem para se recolher.
Nesta Côrte lhe têm feito honras grandíssimas; o Delfim o convidou para a caça e
lhe deu de jantar; o mesmo lhe fêz Monsieur na sua quinta de São Cloud, e na |
verdade que tudo merece êsse Ministro pela sua grande prudência e modéstia,
virtudes que hoje se amam muito na Côrte de França.
Em Londres, com emulação, se fazem os mesmos agasalhos ao Conde de Tallard
e não há grande |
senhor que não honre e regale muito seu filho.
Para tudo o que se oferecer do serviço de Vossa Senhoria lhe dedico toda a
minha obediência.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
4 de Maio de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 7.

Meu Senhor:
Já me parece que vejo a Vossa Senhoria metido nessa nova guerra, pois
começa o coração de Vossa Senhoria a vestir-se de durezas e a desprezar os pobres
|
ausentes, que vivem em Paris, por conta dos favores que Vossa Senhoria lhes
faz em Lisboa.
No correio passado escrevi a Vossa Senhoria sôbre a demanda de Paul, porque
o Senhor Marquês o ordenou assim. Agora peço perdão de novo a Vossa Senhoria do |
mal que escrevi, pois, conhecendo a minha ignorância, me meti com uma
obediência cega a lançar a Vossa Senhoria inútilmente, de que eu devia igualmente
pedir segrêdo que perdão, se não conhecera a Vossa Senhoria a ser caritativo para
calar os meus êrros.
|
A nova da convalescença de El-Rei Católico sossegou os discursos desta terra,
e também os temores, porque, estando tão dissipados da guerra, lhes parecem feios
todos os motivos de entrar nela. Têm chegado a Paris muitos estranjeiros que se
conhecem |
de longe. Como nesta terra os procuradores de artes, começam as damas a
fazer fortuna, porque os naturais levam estas conquistas mais pelo derretido que
pelo sólido.
O Senhor Marquês passa bem e com uns achaques |
tam bem assombrados, que pela manhã está na cura e de tarde no passeio.
Sirva-se Vossa Senhoria de me comunicar a honra da sua memória conhecendo
que ninguém o ama mais éperdûment que moi.
|
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Paris, 4 de Maio de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 8.

Meu Senhor.
Por certo que mais novas esperamos nós agora de Lisboa, do que podemos
mandar de Paris, onde as coisas estão em silêncio, e as negociações, ou sem |
disputa, ou sem movimento.
El-Rei esteve, estes dias, na sua retarte de Marli, Monsieur em São Cloud
com a sua corte, que é agradável e familiar, o Delfim honrando a caça, em que se
emprega igualmente por remédio que |
por divertimento; os filhos com os passatempos tão bem regulados e com os
estudos tão contínuos, que temo que a muita regularidade lhes gaste os espíritos e
lhes enfraqueça os ânimos. Êste é o negócio em que o meio é o caminho mais seguro,
porque |
muita educação faz tímidos e a pouca faz bárbaros.
As evacuações das praças do Reno estão já ordenadas, por se acabarem as
condições, digo, as demolições condicionadas. O célebre engenheiro Vauban anda
correndo as fronteiras daquela parte |
e do Delfinado para ordenar as reparações a que deu ocasião o uso da guerra
passada, como também para desenhar novas obras que pareceram más no discurso da
mesma guerra. Com esta providência estadão êstes homens a sua conservação e o seu
aumento.
Sendo França uma Monarquia tão dilatada, ela se anima com um espírito tão
pronto e com um |
movimento tão proporcionado, que na mesma hora e no mesmo momento está El-Rei
e seus Ministros sabendo tudo o que se passa em todo o reino, tudo o que falta e
tudo o que abunda.
Aqui houve estes dias alguns casamentos e |
divórcios, mas isto é tão ordinário que não merece título de novas. O
Marechal de Bouffleurs partiu para o seu govêrno de Flandres, sem dúvidas a dar
algum princípio à reforma com que não acabam, com o temor de descontentar a muitos
que no |
serviço gastaram todo o seu bem.
Eu fico para servir a Vossa Senhoria com a sua maior resignação. Deus
guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
16 de Maio de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 9.

Meu amigo e meu senhor.


|
Quero dar a Vossa Mercê novas minhas, que tôdas se reduzem a desejar vê-lo
nesta Côrte e passar com êle seis meses nos belos passeios de que essa terra se
compõe, onde sem o temor dos vinhos e sem o respeito dos superiores, se passa o
tempo com travessura honesta e com liberdade cortesã. Porém, isto, senhor, sem
amigos de criação e de génio faz mais saciedade que divertimento.
|
Deus há-de pedir contas ao Senhor Marquês de Cascais da boa gente que trouxe
consigo, que, graças a Deus andam com as suas contas na mão cuidando nas suas sopas
de vaca, da boa pescada de Cascais e das boas saídas da Aramenha, e com isto |
me quebram a cabeça em Paris, e é todo o fundo da sua erudição.
A melhoria de El-Rei Católico, assim nesta como nas mais partes, tem
mitigado os discursos e derramado todos os projectos. El-Rei se diverte de quinta
|
em quinta, governando e dispondo igualmente os seus vassalos e as suas
plantas, com que êle é tão bom Monarca como agricultor. O Delfim anda sempre na
caça, de que é tão bom amigo como Vossa Mercê era; algum dia muito aparato, muita
ordem, mas, |
depois de tôda esta vitória, é um lôbo pequeno, que mais morreu de mêdo que
do tiro.
Aqui andam muitos Ministros estrangeiros; todos trazem várias proposições,
todos disputam os seus interêsses, todos querem fazer valer as suas |
máximas,tudo é negociação, tudo é política, tudo ceremonial e tudo Côrte.
Vossa Mercê queria a individuação de tudo isto, mas nem a carta a sofre, nem o meu
juízo a sabe compreender.
Ao senhor Dom Gaspar me recomende com igual |
queixa que saüdade, e para servir a Vossa Mercê fico com "aquêle amor que já
nos olhos meus tão puro viste".
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
16 de Maio de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 10.

Hoje, que se contam 18 do corrente, me entregou o |


Senhor Marquês Embaixador o livro, que eu tinha revisto, da História Geral
de Portugal composta por Madame de Neufville, e o dito Senhor , por carta sua,
aprova a impressão desta história.
Ela descreve, brevemente, o primeiro estado |
do govêrno da antiga Lusitânia, antes da conquista e entrada dos Romanos,
prossegue com a Monarquia dos Godos até à invasão dos Sarracenos, em que refere o
que basta para se reconhecer a natureza do govêrno, as qualidades, os costumes, as
|
fôrças e a religião do País, antes do estabelecimento da Monarquia nos
gloriosos ascendentes de Sua Majestade, que Deus guarde.
Depois desta introdução, começa com a ordem cronológica a descrever o
nascimento do reino, o |
título do domínio soberano do conde Dom Henrique e a proclamação de El-Rei
Dom Afonso I, até o reinado de El-Rei Dom Manuel. Relata, sucessivamente, com
miüdeza, as ilustres e principais acções dos nossos Monarcas, as alianças, a prole
e govêrno, as guerras |
e as vitórias com todos os mais acidentes dignos da história.
Nos lugares e tempo a que pertence, se referem todas as conquistas,
descobrimentos, emprêsas e dominações que, por tão vitoriosos progressos, |
conseguiram os portugueses na África, na América e na Ásia. Segue as
opiniões que são mais em nosso favor, buscando sempre o partido que mais autoriza
as máximas e resoluções que praticaram alguns Príncipes, e exornando sempre as
reflexões que |
menos condenam algumas acções em que podia exercitar-se a crítica.
O seu estilo se compõe daqueles termos limpos, graves e naturais, que hoje
ensina e professa a história da erudição francesa, por onde me parece que |
Vossa Mercê pode representar a Sua Majestade o quanto é digno da sua real
grandeza ajudar êste francês para a impressão desta obra, que pode chegar a 3 tomos
em quarto , advertindo-se que a nossa história é conhecida em França por memórias
diminutas e falsas, |
tiradas, pela maior parte, dos livros castelhanos, em que mais dominava a
paixão do partido que o espírito da verdade.
O autor, do mesmo nome, que escreveu a história de Holanda depois de
Grotius, teve a ajuda de custo dos Estados, e o Abade de Vertot que trabalha na
geral de Suécia, já está seguro da gratificação daquela Coroa. E Sua Majestade, em
quem as artes e as ciências acham generoso abrigo, |
deve ser servido de agradar-se do estudo de um francês, a quem o amor e a
veneração de Portugal fêz seu vassalo por voto.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
18 de Maio de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 11.

|
Senhor meu.
Na carta de Luís Álvares me diz êle me faz Vossa Senhoria a honra de
satisfazer a minha saüdade, ou de autorizar esta pequena feitura sua com maior
favor, qual é a escusa que Vossa Senhoria faz de me não escrever.
|
Esta acção é tão generosa e de tão grande estimação para mim, e argüe tanta
benignidade em Vossa Senhoria a meu respeito, que devo, sem comparação, mais a
falta da carta de Vossa Senhoria do que pudera dever a sua carta.
Se Vossa Senhoria assim honra, assim favorece até quando |
falta, ¿que prodígios de honra e de generosidade se não deve esperar de Vossa
Senhoria quando se lembre?
O tempo vai tão chuvoso e tão frio, que a primavera passa sem nos dar um
dia de alívio; nestes belos passeios, de que Paris é tão adornado, e de |
que estes homens se sabem aproveitar ou por remédio, ou por passatempo, nesta
terra se não fazem os passeios como por ofício e entram na melhor direcção da vida,
mas com tanta atenção e modéstia, que na nossa terra se não corre às igrejas com
mais |
devoção. Não sei se nessa Côrte poderá conseguir-se o mesmo fim.
Aqui nos dizem que El-Rei Católico começa a lutar com novo achaque. Esta
nova torna a inquietar esta terra, onde receio que aquêle Rei tem mais |
Mercúrios que em Madrid, porque ninguém quere guerra, nem comprar as
gloriosas vaidades do seu Príncipe com preço de tantos impostos, que só a fortuna
de Luís XIV poderá conseguir na guerra passada.
|
Não digo a Vossa Senhoria as honras que El-Rei tem feito a Milord Portland,
porque, se disser que são poucas, digo mentira, se disser que são muitas, tenho
raiva; mas, enfim, os interêsses dos Príncipes e as misteriosas máximas de seus
cabinetes trazem |
consigo estas desproporções.
Fico para servir a Vossa Senhoria , como quem mais professa viver com os
interêsses da sua casa, que são grande vida e grande posteridade, aquela; esta,
pode Deus dar a Vossa Senhoria à medida de seus e nossos desejos. Êle guarde a
Vossa Senhoria muitos anos.
18 de Maio de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 12.

|
Meu Senhor.
Não tive nesta posta carta de Vossa Senhoria , e suponho que se passou a
Almada a buscar, na deliciosa recreação da campanha, algum alívio contra o mal das
assistências da Côrte, sempre cheias de |
escrúpulos e de atenções.
Aqui tem corrido tão mal o tempo contra os frutos e bem da terra, que se
abriu o túmulo ou chaisse da sua, insigne padroeira, Santa Genoveva, a onde vão em
procissão tôdas as |
comunidades; e, sendo os franceses tão incrédulos em milagres, não deixam,
porém, nesta matéria emparecer connôsco nesta maneira de os implorar; o certo é
que, em facto de religião, todos discursam bem, quando têm diante dos olhos a
necessidade e o |
perigo; e por isso os milagres acham mais fé nos enfêrmos que nos
controversistas.
O Duque de Lorena tem já tomado posse dos seus Estados, onde foi recebido
com aquele alvorôço e estimação que os Duques, seus antecessores, deveram sempre à
grande fidelidade daqueles povos. El-Rei o manda cumprimentar, e aqui o esperam
incógnito, mas não será tratado mais que dos Príncipes de sua casa, porque os do
sangue ouço |
que não querem ceder. O seu casamento se fará em Fontainebleau por
procuração.
A disputa entre o Bispo de Meaux e o Arcebispo de Cambrai, sôbre a última
profissão de amar a Deus, se engrossa cada vez com mais porfia, e se |
não guarda medida alguma, como se pudessem os homens ser mestres de um amor
que não cabe no coração humano. Desta batalha, que tôda parece de amor, tem
nascido muito ódio. O Arcebispo diz que defende a caridade; o Bispo diz que
defende |
a esperança; e eu digo que um e outro destroiem a fé, porque estas
metafísicas da religião não fazem mais que confirmar nas suas imaginações deístas e
ateus, de que o mundo está tão infestado.
Fico para servir a Vossa Senhoria com a maior obediência.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Primeiro de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 13.

Meu amigo e Senhor meu:


A esta carta de Vossa Mercê , de 24 de Abril, escrita de |
uma admirável letra, quisera fazer uma resposta muito familiar e tão sincera
que nela verá Vossa Mercê a minha saüdade, a minha veneração e aquela atenção
grande com que trato o favor e amizade que devo a Vossa Mercê , a quem peço creia
que não há instante em que não deseje a sua companhia.
|
Aqui não há mais divertimento que passear em grandes jardins e outras partes
públicas que El-Rei tem edificado para alívio dos seus vassalos. E com estes ou
necessários ou políticos discursos, digo políticos encantos, com que êstes homens
trabalham nos |
seus cargos, ofícios e estudos, aproveita-se Vossa Mercê do passeio da Madre
de Deus que eu não hei-de perder em dia algum, que não há coisa que mais conduza a
lograr uma perfeita saúde e a dar movimento à natureza.
|
Alguns ingleses dizem que se vendermos os nossos vinhos mais baratos, serão
preferidos aos de França, e creio que sobre esta matéria escreve a El-Rei Nosso
Senhor o nosso Embaixador.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
Primeiro de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 14.

Meu Senhor.
Vem Vossa Senhoria de Coimbra de tratar consultos textos com que se governa
o mundo, e acha em Lisboa a liberdade, Côrte e amigos. Se Vossa Senhoria estivera
em |
Paris, passeara nas Tulherias, pelas alas afastadas, entre mim e Diogo
Robalo, e viera para o hotel,de Gussa onde José Monteiro preguntaria se correram
muito e Luís Álvares se merendaram bem. Em tôda a parte, meu Senhor, há suas
fadas, e assim |
Vossa Senhoria tem com que compôr a saúde de Paris e com que emendar os
desconsêrtos de Lisboa.
Madame Hamanville preguntou-me, um dia dêstes, por Vossa Senhoria . Eu lhe
disse que Vossa Senhoria andava muito divertido com uns amores novos que agora
tomara, e que não escrevia a pessoa alguma, e Madame respondeu que um tão grande
entendimento como o de Vossa Senhoria não podia deixar de seguir o caminho dos
grandes homens, e que agora tinha mais razão de amar a Vossa Senhoria a quem tôdas
as |
perfeições não faltavam mais que a de amante. Não se escandalize a modéstia
de Vossa Senhoria , porque, na opinião destas mulheres, esta é a maior virtude que
eu podia referir.
Ao senhor Dom Francisco me recomende Vossa Senhoria com a |
maior obediência a seus preceitos, e lembre-se Vossa Senhoria de me conservar
na sua graça, ou por generosidade ou por compaixão.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Primeiro de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 15.

Meu Senhor.
Vossa Senhoria me faz mercê, na sua carta de 6 de Maio, de me prometer a
relação daquelas notícias sôbre a recepção e visitas dos Embaixadores nessa Côrte,
|
que eu tive a liberdade de pedir-lhe em uma das postas passadas.
Da maior parte daqueles factos foi e é Vossa Senhoria testemunha, e assim
não será necessário recorrer aos registos, nem eu me atrevera a dar a Vossa
Senhoria esta |
pena, ainda que sei que nestas, como nas mais erudições de que se adorna um
perfeitíssimo cavalheiro, entra a sua curiosidade por própria satisfação. Também
nesta Côrte não são muito exactos os registos, mas os particulares são tão curiosos
que, em várias |
partes, se acham isentas tôdas as memórias de qualquer função, e destas
relações se socorre muitas vezes a Côrte.
Esta aplicação nasce da grande tentação que os franceses têm de escrever
livros, que os obriga a |
andar sempre buscando matéria os que podem servir para êstes edifícios do seu
entendimento.
Como El-Rei Cristianíssimo não logrou a oferta de gente e navios, ¿que fará
El-Rei Católico para defensa de Seuta? Suponho que se desarmaram |
as naus e galés que para êste efeito se aparelhavam. Os Castelhanos tiveram
razão de não aceitarem êste socorro, temendo que, na ocasião presente, as
liberalidades francesas padecessem o defeito que têm nos olhos aquêles que no mesmo
tempo parece que olham para uma cousa e êles vêem outra. Esta |
cautela deve ser presente a todos os Ministros que tiverem negócios nesta
Corôa, onde todos os desígnios e entrepresas, que não tiveram mais movimento que de
ciúme, da ambição e do interêsse, se cobriram com o pano da justiça e da
sinceridade, de que são |
tantos os exemplos como as campanhas.
El-Rei despediu de seu serviço alguns capelães e oficiais por presunção de
quietistas, êrro que começa a atear-se nesta Côrte e creio que teve princípio nas
grandes bigoterias de que hoje se serve para |
agradar nela. Porém, El-Rei procedeu nesta matéria com o rigor e atenção que
deve a Cristianíssimo, e suponho que estes contemplativos da ociosidade se desfarão
desta pretendida essência do amor divino a que, todavia, êles preferem as |
comodidades temporais.
El-Rei de Polónia está quási reconhecido dos dois partidos, e começará a
restaurar as praças perdidas, se fôr nas campanhas de Verene tão intrépido como
pareceu nas de Hungria.
|
Em Londres, na câmara baixa, se propôs, um destes dias, com a ocasião de
querer evitar algumas impiedades dos Socinianos, se havia ou não havia o mistério
da Santíssima Trindade, e por 17 votos se venceu que havia e se devia ter de fé.
Veja |
Vossa Senhoria a onde vai a fé de uns homens que assim manejam os mistérios
da sua religião entre as drogas do seu comércio.
Fico sempre para servir a Vossa Senhoria com a maior obediência. Deus
guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
|
15 de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 16.

Meu Senhor:
É verdade que eu mandei a Vossa Senhoria uma gazeta de mão e sou já tanto
tonto que passei na carta um capítulo inteiro com que queria dizer a Vossa Senhoria
que para costumar-se a ler a letra francesa lhe enviava aquêle folhêto, e que, se
Vossa Senhoria é maior que o meu temor, torno a enviar outro papel, onde Vossa
Senhoria verá as novas de Paris e segure-se que não há aqui |
outras, nem mais frescas riem mais seguras.
Estamos esperando a certeza e dia em que se fará êste campo em Compiègne
para ver nêle êstes franceses armados, então menos ferozes que luzidos, competindo
a inconstância do seu génio com a |
vaidade de suas plumas. Brevemente se casa um grande valido de Monsieur
Duque de Orleãs, por nome Monsieur de la Carta, que a teve de tanta recomendação
nos olhos do dito Senhor, que lhe deu um grande dote. O ruído desta liberalidade
teve lugar |
entre as grandes novas desta Côrte, e por isso o participo a Vossa Senhoria ,
que suponho se não desagradará desta benevolência de Monsieur.
Aqui se vende uma carregação de livros gregos para Tomás de Sousa, que nos
dizem estuda esta |
língua com preferência a tudo. Grande vantagem para Grécia e grande ciúme
para Roma. Para tudo o que se oferecer do serviço de Vossa Senhoria lhe exponho
uma vontade, que toda é fogo, e uma obediência, que toda é cera.
|
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
15 de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 17.

Senhor meu.
Tomara eu pagar bem a Vossa Senhoria a bela relação de novas que me faz
nesta sua carta, e tomara também referi-las com Vossa Senhoria , porque ambos temos
mais que |
dizer do que dizemos.
Como nesta terra se diz uma cousa e se obra outra, eu não posso dizer com
segurança que êste armamento respeitava sòmente à oferta e defensa de Seuta. É
verdade que, conferindo as poucas forças |
da armada com qualquer grande entrepresa, não devo crer que seja de grande
conseqüência o seu projecto.
Génova também teve seu sobressalto; entendo que o Duque de Sabóia poderia
sitiar Savona |
ajudado dêste socôrro, mas, como daquela parte não lavra movimento, não devia
o seu discurso passar de um temor pânico, estudado todavia nas escolas de suas
experiências: quem, nas matérias que tocam, tem por demasiada a maior cautela, ou
nos |
engana ou se engana, ou, para melhor dizer, quere cobrir a negligência
própria com o escrúpulo alheio.
Aqui não há mais que o grande estrondo que fazem os papéis impressos com
que se atacam reciprocamente o Arcebispo de Cambrai e o Bispo de |
Meaux, sucedendo a guerra da religião à paz da política. Todo o mundo quere
fazer dogmas da religião, e eu creio que isto mais procede da sua pouca fé do que
da sua pouca caridade.
Os franceses são naturalmente inquietos, e têm hoje a cabeça cheia de
grandes idéias pelos muitos arbítrios que a cada hora oferece a Côrte, ou a
necessidade ou o delírio de cortesões aventureiros.
|
El-Rei despediu alguns capelães e outros oficiais por suspeitos de quietismo,
temendo-se que o erro tome mais fortes raízes, e eu me admiro como o impaciente
génio da nação se deixe adormecer das quietas ociosidades deste êrro. A Côrte
reforma tudo |
o que pode ofender a honestidade, até tirar as tapeçarias em que as figuras
são dispostas com menor atenção ao virtuoso e honesto.
Para tudo o que se oferecer do serviço de Vossa Senhoria não saberei
faltar.
|
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
15 de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 18.

Senhor meu.
Recebo a de Vossa Mercê de 5 de Maio, e nela a nova de que meu Irmão partiu
para o Pôrto a tomar |
posse de um lugar daquela Relação, e que fôra nomeado para uma diligência de
que se haviam escusado três Ministros. Por êste modo ficou a minha alegria
contrapesada com o meu temor, porque, suposto confio muito de meu Irmão, não posso,
ao |
mesmo tempo, deixar de desconfiar do acêrto que pende ordinàriamente ou da
fortuna, ou da imaginação dos outros, em que tem mais parte, muitas vezes, a
extravagância dos afectos e a paixão dos interêsses; mas a providência do
Altíssimo, que o preservou das formigas da Beira, o pode livrar das cobras de
Viana. Estou certo que os conselhos e direcções de Vossa Mercê lhe darão as
melhores armas para o combate, e tomarão para si melhor crédito |
da vitória.
Estará Vossa Mercê livre da ocupação da assembléia das Côrtes que, em certo
modo, lhe serviria de divertimento, considerando na variedade dos votos a formosura
da nossa natureza; quantas seriam as |
vozes, tantos creio que seriam os arbítrios, e cada um se quereria erigir em
reformador inculcando meios, não sòmente para a nossa conservação, mas para o nosso
aumento. Uns diriam que era necessário que se desterrassem as cabeleiras, porque
depois que |
não apareciam as veneráveis calvas das nossas cabeças; outros persuadiriam
que se extinguisse da língua portuguesa êste nome - moda - que era o precipício e o
sumidouro da sua fazenda, como se a moda fosse um vício que estivesse no vestido e
|
não na idade. Neste ponto podiam votar os procuradores de Elvas que se
fizesse uma pragmática pela qual todos os homens fossem obrigados a nascer de 50
anos, e êste é o caminho mais seguro de extinguir os que chamam modas, que são uns
homens |
que têm cuidado de ser mais limpos que os outros, e dêste cuidado se podem
fazer esquecer os anos.
Não prossigo a multidão dos vistos que suponho são todos do mesmo pêso, nos
quais a prudência e discrição de Vossa Mercê saberia emendar e desvanecer. Aqui
não há de novo mais que desterrarem algumas pessoas por quietismo, que é aquêle
célebre êrro da religião pelo qual se põe a alma aos pés do Criador e o corpo nos
braços das criaturas, como se |
a resignação de espírito fôsse um privilégio para as liberdades do corpo.
Neste êrro não caïrei eu nem Vossa Mercê , porque nem o espírito tem já repouso,
nem o corpo tem a liberdade.
Para tudo o que se oferecer de seu serviço mero |
acharão as suas ordens com a maior obediência.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
15 de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 19.

Senhor meu.
Aqui nos dão por melhorado El-Rei Católico, mas |
outra versão diz o contrário, e que a causa do achaque continua sempre a
mostrar os mesmos efeitos. Mas no meio desta incerteza, que pode ser tão fatal a
êsses grandes senhores, estão êles como infatuados sem participar os seus intentos
aos Príncipes que se |
interessam na sua conservação, e tendo tanta necessidade de mandar a esta
Côrte um Ministro hábil para espiar os movimentos dela, e prevenir os seus
projectos, foram nomear um que sabiam não podia vir em um ano. Tem muito de
misteriosa |
negligência desta Côrte para não crermos que lhe prepara algum grande castigo
a indignação divina.
O que Vossa Senhoria me diz sôbre Milord Portland, acerca da proposição que
lhe fizera El-Rei Cristianíssimo, submetida ao arbítrio de El-Rei seu amo, foi nova
que alguns creram e muitos supuseram, porque a acharam verosímil, por ser êste
Embaixador um Ministro que entra nos maiores segrêdos do seu Rei, e eu cuido que em
um folheto que mandei a Vossa Senhoria se insinuava a mesma prática. Tenho por sem
dúvida que se não faria a tal proposta tão abertamente como lá se supõe, porque El-
Rei Cristianíssimo bem sabe que Inglaterra não entra nos seus interêsses e menos
para a sucessão de Espanha, |
e ainda muito menos se praticasse a união das duas Monarquias em que ela e os
mais Príncipes se prejudicam tanto.
Não duvido que estes Ministros, vendo a Portland com mais exterior de
prudência que talento, |
lhe fizessem alguma insinuação de mediação e arbítrio, para com isto tentar a
El-Rei de Inglaterra e atraí-lo ao seu partido. Porém, nada se sabe com certeza,
ainda que, nesta matéria, eu tenho por evidente tudo o que é verosímil. A dúvida
dêste |
Embaixador me parece destruída de fundamento, porque declarar a hora a uma
visita necessária e de ceremónia é circunstância ordenada a maior autoridade de um
e outro. Quere o Embaixador que o busquem sem advertência para receber um |
enviado em "roba de chambre" ou fazer esperá-lo até se vestir, e quere que,
no mesmo tempo, haja outras visitas contra a ordem do ceremonial.
O Jalard, que está em Londres, também anda em disputa com todos os
Ministros sem querer dar-lhe cadeira de espaldar, por onde verão agora os que
aconselharam a El-Rei de se servir de gente de espada que não são estes menos
orgulhosos, e não sei se tão bons negociantes.
|
Não se esqueça Vossa Senhoria de requerimento ou das cartas de Manuel de
Moura.
Fico para servir a Vossa Senhoria com a maior vontade. Deus guarde a Vossa
Senhoria muitos anos.
29 de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 20.

|
Meu amigo e senhor:
Recebo a de Vossa Mercê com o maior alvoroço, por saber que logra boa
saúde, e como esta confissão é igualmente nascida do meu afecto e do meu interêsse,
não é necessário muitas afirmações para que |
todos o creiam.
Pouca razão tem Vossa Mercê de me supor francês naquele discurso, porque
lhe afirmo que nada amo menos que esta nação. Conheço as inconstâncias do seu
génio, as impiedades da sua política e as |
extravagâncias da sua altiveza. Dizia sòmente que não era fácil que a Europa
deixasse que Espanha se unisse a França e neste caso tínhamos menos que temer.
Porém, os meus discursos não são muito sólidos, e julgo de razões de Estado como um
cego |
de côres. Tomara saber como ficou êste negócio do tabaco em que me parece
que os efeitos não podem corresponder aos arbítrios. E queira Deus não fiquemos
sem o passado e sem o futuro.
Não se esqueça Vossa Mercê de falar com manha naquela licença que quisera
haver de Sua Majestade na forma que propus a Vossa Mercê , que não pode haver causa
que mais me aproveite e de que mais mo possa servir segundo o estado presente,
entendendo que |
nisto faço algum serviço a El-Rei Nosso Senhor. Mas eu estou tão mal
acreditado na Côrte que julgarão inútil esta minha proposição. Se a concederem,
entenderei que é milagre; se a negarem, entenderei que é justiça.
|
As encomendas de Vossa Mercê partiram Terça feira de Arrochela. Deus as leve
a salvamento. As cabeleiras são bonitas, mas caras, como tudo de Paris. Pelo
correio irá a conta, e fico para servir a Vossa Mercê com a maior obediência.
|
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
29 de Junho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 21.

Meu amigo e Senhor:


Recebo esta carta que Vossa Mercê me escreve de Roma, partindo para
Nápoles. Estimo, em primeiro lugar, |
as novas da sua boa disposição, que pela última me dizia Vossa Mercê que
perdia a esperança de restabelecer-se na sua antiga saúde. Queira Deus que a
mudança dos ares, com novos objectos ao espírito, contribua para fortificar as
debilidades do corpo.
|
Conta-me Vossa Mercê o triste caso da morte do filho desse fidalgo Embaixador
de Espanha, que, saindo desse porto para começar a sua caravana em Malta, fôra o
seu navio atacado por um dos turcos e a primeira bala lhe tirara a vida em idade de
18 anos.
Deseja Vossa Mercê que eu faça alguns versos a êste assunto. Nesta parte
obedecera logo a Vossa Mercê , se ainda o génio de poeta me possuíra o
entendimento. Assim foi em algum tempo, mas hoje, por mercê |
de uma pequena reflexão, convalesci dêste brilhante inútil hábito, e tudo o
que tirei de haver feito versos é um generoso arrependimento de os haver feito.
Já que as novas de França não são agradáveis nessa Cúria, onde metem mêdo,
como Vossa Mercê diz, |
passarei a responder à carta de Vossa Mercê sôbre as excelências que Vossa
Mercê deu ao valor dêsse fidalgo, exagerando esta qualidade pela maior virtude, e
como um privilégio de certas almas, em as quais se infundia, nascia e obrava sem
tempo.
Quando Vossa Mercê escrevia êstes elogios do valor, acabava de ler sem
dúvida o bom Saavedra, que na primeira emprêsa diz que o valor nasce e não se
adquire, e porque é uma qualidade intrínseca da alma que nasce com ela e obra logo.
Se assim fôra, |
todos seriam valentes, porque as almas são criadas por Deus com as mesmas
qualidades dignas de uma alma que sai perfeita das mãos do Creador. Se o valor é
virtude natural, é necessário que seja infundida em tôdas as almas que Deus cria; e
se a |
cobardia é vício e infundido por Deus na mesma creação da alma inocente,
haverá uma preferência que não se compadece com a eqüidade, bondade e providência
do Creador.
Eu bem sei que o destino dos homens está feito desde o princípio sem
princípio na mente divina, sem excitar agora a questão da mente divina, digo a
questão da previsão ou não previsão dos seus |
merecimentos. Também sei que Deus pode dar a sua graça mais eficaz e menos
eficaz, a seus elegidos, porque é um dom seu gratuito. Mas quando Deus cria a alma
para que ela informe o feto preparado, é de necessidade absoluta, pela igualdade e
|
justiça do Creador, que tôdas as almas entrem nos corpos com as mesmas
numéricas qualidades naturais próprias e constitutivas da perfeição de uma alma.
De que se segue que o valor ou a cobardia provém |
depois da informação ou composição de alma e corpo, pelas paixões,
temperamentos, humores e outros afectos naturais desta fábrica do animal homem, com
mais fôrça em uns que em outros homens. E assim, o valor não é virtude nem nasce
|
virtude: serve a virtude quando dela se usa bem, segundo as regras do moral,
é uma qualidade sem merecimento que nasce dos humores e que não diz nenhuma relação
à própria alma com distinção ou prelação entre elas, mas como a tôdas, de que fica
|
evidente e que para obrar é necessário que se incorpore e receba do compôsto
a sua força e actividade.
Bem me pesa, meu amigo, desacreditar o valor e tirar-lhe todo o seu
merecimento, reduzindo os seus generosos efeitos a uma conjuntura de |
humores, de que o homem se acha dotado sem nenhuma escolha sua. Em outro dia
serei mais indulgente com esta paixão, de que o mundo faz tanto aprêço.
Não se descuide Vossa Mercê de escrever-me novas da sua chegada e para tudo
o que fôr do seu serviço, fico com a maior vontade.
Deus guarde a Vossa Mercê .
Paris, 7 de Julho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 22.

|
Senhor meu.
Estimo que Vossa Senhoria logre boa saúde, que nos é a todos muito
necessária. Que Vossa Senhoria a logre na ocasião presente.
A vida de El-Rei Católico parece de pouca dura, |
e é para advertir que, no tempo da guerra, todos os dias a Gazeta de França
nos prognosticava a sua morte, e agora não faz mais que assegurar-nos a sua
melhoria. Então era necessário para consternar os aliados, e agora é assim
conveniente para |
diverti-los. Nas expressões do gazeteiro de França, a quem inspira o
Secretário de Estado, decifro eu todo o espírito da Côrte.
Para o campo de Compienhe se aparelham tôdas as personagens de ambos os
sexos com que esta |
pacífica guerra terá mais de brilhante que de medonha. A despesa é
excessiva, e isto depois de uma guerra em que os vassalos venderam as camisas. Mas
nesta Côrte, como o exterior seja dourado, pouco importa que o interior esteja
cheio de lágrimas |
e de gemidos.
O Duque d'Elb?uf está algum tanto desgraçado, porque, como começava a ter
entrada com o de Lorena, deu ciúme aos outros parentes, que começaram a
desacreditá-lo com El-Rei com capa |
de algum aparente zêlo, na persuasão de que, sendo alguma cousa desinquieto,
poderia infundir naquele Príncipe algumas expressões de menos prudência, que não
fôssem os interêsses de França.
Vossa Senhoria me diz mandava a carta, mas não a achei; |
devia esquecer-se.
Fico às ordens de Vossa Senhoria muito pronto. Deus guarde a Vossa
Senhoria muitos anos.
13 de Julho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 23.

Meu amigo e Senhor .


|
Pela de 2 do passado me repete Vossa Mercê aquêles favores das suas novas,
que, na pontualidade com que as procuro, mostro bem o alvorôço com que as recebo.
Vossa Mercê me convida para irmos passar dois dias a |
Belém; eu aceito a oferta. Ambos ficaremos satisfeitos: eu, de lograr a
companhia de Vossa Mercê ; Vossa Mercê , de ouvir novas do mundo com melhores
expressões.
Muito me alegro de que a porta do Conselho de guerra esteja tão povoada, e
que dessas assembléias |
tornem a nascer aquêles grandes cabos de que algum tempo o nosso Portugal foi
tão fértil, e tornara o nome português a soar nas quatro partes do mundo.
A propósito destas justas prevenções, não posso |
evitar uma reflexão, que me parece que explica muito. O corpo humano e o
corpo político têm muita semelhança ou analogia nas suas curas e nas suas
enfermidades, com esta diferença sòmente: que, para o corpo humano, os remédios que
se |
tomam por dentro não são os mais operativos; em corpo político, são mais
seguros e mais fortes os remédios que se aplicam por fora, quero dizer, que essas
tropas são boas, mas é necessário explorar bem as Côrtes estranjeiras. E fique
entre nós esta pia |
consideração.
Agradeço a Vossa Mercê as novas de meu Irmão, a quem fará enviar esta
carta.
O banquete do senhor Cardeal soou muito, mas a pior cousa que teve foi soar
tanto, porque Monsieur Soulhete se podia acomodar com mais alguma cousa do
ordinário do Senhor Cardeal, com menos música e menos estrondo. Fique também entre
nós o reparo.
Também Vossa Mercê me não responde sôbre Lamego, e |
êste pobre homem, fiado em Vossa Mercê , deixou as antigas vias de Manuel
Jorge e do Conde de Castelo Melhor, e cuida que perdeu o seu negócio. Queira Vossa
Mercê acudir-lhe com a suavidade que for mais conveniente e a mais pronta.
|
As encomendas vão esta semana a Nantes, que os navios são raros para êsse
reino e não haverá mais que um cada ano.
Fico para servir a Vossa Mercê com a maior obediência. Deus guarde a Vossa
Mercê muitos anos.
|
13 de Julho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 24.

Não sem grande temor de prejudicar as preciosas ocupações de Vossa


Reveredíssima , repito a importunação desta segunda carta, escusando-me igualmente
a ela o zêlo com que eu escrevo, que a benevolência |
com que Vossa Reveredíssima me responde.
A judiciosa reflexão que Vossa Reveredíssima opõe aos fundamentos daquele
discurso é de tanta autoridade para mim, que eu me calara logo, se não entendera
que em matéria tão grave podia ser mais infiel o |
silêncio do que atrevida a instância.
Sendo, pois, como Vossa Reveredíssima sabe, a união das duas Monarquias,
francesa e espanhola, a maior perturbação e desordens dos interêsses e repouso dos
Príncipes da Europa, ainda que a consternação do |
povo, a negligência dos grandes e a infidelidade de alguns Ministros e as
grandes forças de El-Rei de França sejam disposições aparentes que nos conduzem ao
temor dêste fatal sucesso, e que obrigam justamente aos Príncipes a tomarem bem as
suas medidas e a se meterem na maior providência e cautela, contudo não verá
fàcilmente a Europa lograda a tão pouco custo e por entrepreza uma sucessão que não
vale menos que uma Monarquia universal.
|
Para entendermos que os castelhanos estão dispostos a receber o jugo dos
franceses (falo da união da Monarquia), é necessário supormos que o céu e a
natureza se cansam já de influir e instar aquela adversão de génios, aquela
contrariedade de |
costumes e aquela emulação de entendimentos e valor que fizeram sempre
irreconciliáveis estas duas nações.
E assim, por maior que seja a confusão daquele reino e por maior que
queiramos imaginar a sua |
debilidade, não havemos de crer sem resistência alguma abram as suas portas à
sua escravidão. Não importa que lhe faltem as fôrças próprias e interiores, porque
o Imperador se acha com 100000 homens de tropas regladas, Inglaterra, Holanda e |
Brandeburgo e outros Príncipes fronteiros de Flandres e do Reno conservam as
suas guarnições e as suas armadas, El-Rei de Suécia, fiador da paz, se oporá logo a
impedir o rompimento dela, e El-Rei Guilherme perdoaria por interêsse, por emulação
|
tornara a aparecer formidável nas campanhas de Flandres, e poderá ser que a
justiça da causa emende a fortuna das emprêsas.
Não é, pois, fácil que Luiz XIV (que até hoje pão ficou ao asar emprêsa
alguma) entre |
precipitadamente por Castela e atenue as suas fôrças nas guarnições
necessárias de tão inumeráveis praças e portos, deixando o seu reino exposto à
invasão de tão fortes inimigos, cujo dano lhe pode ser mais sensível do que será
nestes termos proveitosos a nova aquisição, e muito mais dando ocasião a que no
coração de seus Estados se engrossem as assembleias (que já começam a dar algum
sinal) dos seus |
religionários tão dissimulados como mal convertidos.
Não é esta a tragédia cuja cena se há-de compor de um só acto. Com mais
poder e com mais aparente direito se achava Felipe II para a sucessão de |
Portugal, e, contudo, obrou com negociações lentas e com justiça industriosa,
de sorte que parecesse que entrava como herdeiro e não como conquistador.
Até agora não ouvimos que El-Rei Cristianíssimo |
queira de Castela mais que a nomeação de um neto para seu Rei, e isto mais o
supomos do que o ouvimos, e não há razão para entendermos que esta grande contenda,
primeiro que a uma decisão de arbítrios, se submeta à sorte de uma guerra. Êste |
é o caso em que o Pontífice, pelo comum interêsse da Cristandade, fará
eficazmente seus ofícios, e, constituindo-se árbitro das pretensões de cada um,
fará ceder as armas aos discursos, e dever-se-á a vitória menos às forças que à
razão. E assim, não |
correndo êste negócio tão improvisamente como se supõe, terão tempo os
castelhanos para tornar do seu letargo, se antes disso lhe não abrir os olhos a sua
vexação.
Isto é o que sinto acêrca do prudente reparo de |
Vossa Reverendíssima , a que peço me não dê logo todo o crédito sem melhor
exame. E tomara eu que, assim como há na nossa terra uma Trafaria para as
fazendas, houvesse um lazareto para as novas dos Ministros, aonde, até maior
purificação, as mandassem também fazer a sua quarentena, porque, da mesma sorte que
as fazendas veem infeccionadas dos ares e climas por onde passam e onde se |
fabricam, assim os discursos e as novas levam consigo o contágio dos génios e
dos talentos que as escrevem.
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
13 de Julho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 25.

|
Senhor meu.
Pela de Vossa Senhoria , de 3 do corrente se me continua o gôsto de saber
que Vossa Senhoria passa com boa saúde, e nesta demonstração também o interêsse
público me deve alguma parte.
|
Eu não compreendo o reparo sôbre a visita dos Embaixadores, nem que deva ser
tamanho o interêsse do carácter que obrigue a parecer de maior justiça o capricho
dos estranhos que a razão dos naturais. Se é desprezo dos Ministros da segunda |
ordem, não sei que progressos tenham feito até aqui os da primeira, o mais
que eu vi no papel incluso, está escrito de uma grande fôrça e evidência. Queira
Deus que estimule, ainda que mortifique.
Aqui dizem alguns, por nova dessa Côrte, que |
El-Rei tinha feito testamento e comunicara a sua suprema vontade ao
Embaixador desta Corôa, que se supunha que todos os concorrentes ficariam
satisfeitos da partilha. Destas e de outras fábulas que se inventam, claramente se
vê que os franceses (falo dos vassalos) tomaram achar algum meio que lhes evitasse
a guerra, porque fazer Castela província de França não cabe em tôda a sua vaidade,
e dar-lhe um Rei que amanhã há-de ser inimigo não vale |
tanto como seu sossêgo.
A questão sôbre o livro do Arcebispo de Cambrai não está ainda decidida,
porque Roma quere que seja por decreto da sua Inquisição, El-Rei pretende que seja
por bula dirigida ao clero de França, como |
sucedeu no caso da censura das proposições de Jansenius.
Muitos armamentos continuam para levar e estabelecer o comércio em novas
colónias, assim na América como na Ásia, em que se tem proposto à |
Côrte grandes conveniências.
Agradeço a Vossa Senhoria a carta, e não se esqueça Vossa Senhoria de
repetir nas suas o patrocínio de Manuel de Moura. E para o que se oferecer do seu
serviço fico com a maior vontade.
|
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
26 de Julho de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 26.

Senhor meu.
Pela de Vossa Mercê de 8 do passado me chega a lamentável nova da morte do
Doutor Bento da Fonseca, digníssimo Presidente dessa Cúria e ilustre adôrno |
da minha profissão. Os pêsames desta morte se devem dar ao reino e aos seus
Tribunais, pois perdendo nêle um Ministro, cujo talento estava singularmente
formado de muita erudição, de muitas letras, de muita experiência, de muito
desinterêsse, |
de muito zêlo e de muita docilidade, e como Vossa Mercê assistia a um
Ministro desta constituïção que sempre teve tão boa escolha, fico certo que não
faltaria a ordenar tudo o que conviesse às últimas honras do seu funeral e, manter
a sua casa e família no mesmo |
respeito do seu carácter. A essa senhora ofereça Vossa Mercê o meu pequeno
serviço, representando-lhe a grande parte que tomo no seu justo sentimento, e que
Nosso Senhor a leve com saúde a nossa pátria, onde o pêsame comum lhe fará pela
companhia |
algum alívio na dor particular.
Como Vossa Mercê me diz que o indulto para ler livros proïbidos se não
estende mais que a dous anos, não me serve por ora. Porém, se Vossa Mercê
descobrir algum meio para se alcançar sem esta limitação, faça-me |
mercê de me avisar, e para tudo o que se oferecer do seu serviço não hei-de
faltar, como tão obrigado a êste favor.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
Paris, o Primeiro de Agôsto de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 27.

Meu amigo e Senhor :


Confesso tudo o que Vossa Mercê me escreve sôbre o excelente génio dos
nossos compatriotas, mas torno a dizer a Vossa Mercê que enquanto não houver |
educação, não há-de haver homens. Desta grande arte depende a sua segunda
formação ou segunda natureza. A primeira nos distingue mal do resto dos animais;
esta nos faz superior a êles. Uma nos formou homens, outra, falando como filósofo,
nos |
iguala aos deuses. Sem educação, a razão mal atina com o homem, e com ela o
instinto rende a sua homenagem à razão.
Também pretendo que na nossa terra é dificultoso aprender-se uma boa
educação regular e completa, |
porque, para a ensinar, é necessário aprendê-la na própria experiência,
estudando à sua custa a necessidade de se conformar com as leis da sociedade com
que institutivamente deve viver o homem. Deve haver tocado com o dedo as
repugnâncias de uma |
natureza livre, infundidas em uma vontade rebelde, sendo nestas lides da
razão contra o arbítrio primeiro lutador que mestre. Aquêles que, pelas ideias
pomposas de seus estudos, se erigem em protectores desta grande arte, reduzindo a
um corpo de ciências |
as regras que a natureza estampou no uso e no trato do mundo, fazem que todo
o seu trabalho se aplique a estudos e a disputas brilhantes que mais adornam o
entendimento que dirigem e forçam a vontade.
Por onde entendo, torno a dizer, que tarde há-de |
amanhecer na nossa terra a luz bela de uma educação sociável. Se Vossa Mercê
se não dá ainda por vencido, reservemos para outro correio a disputa.
Paris, 7 de Agôsto de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 28.

Recebo a de Vossa Paternidade de 8 do passado, |


com a certeza de que passa com saúde, e de que me tem restituído a sua graça
absolvendo-me da suspeita de menos pontual, em que me tinha constituído réu a
negligência alheia.
Como a eleição de Geral se fêz com tanta |
vantagem para o partido de Vossa Paternidade , suponho que os seus amigos de
Lisboa tornarão a viver na sua antiga consolação e naquela religiosa paz em que até
agora os inquietou a emulação com máscara de reforma.
|
Agradeço a Vossa Paternidade o desejo com que me tomara ver Enviado dessa
Cúria, mas como o meu merecimento é mais curto de vista do que o afecto que Vossa
Paternidade me mostra, não descubro em mim aquêle talento que é necessário para
exercitar essa função, |
a que há muitos opositores, mas é necessário que busquem outros valedores
iguais as suas virtudes, que nem sempre o merecimento faz o destino dos bem
premiados. Os que estão mais perto têm sempre a qualidade de mais bem vistos,
porque a justiça distributiva tem também seus espíritos visuais |
que se enfraquecem nas distâncias, quando ao perto se serve às vezes dêstes
novos microscópios para engrossar os objectos.
Diz-me Vossa Paternidade que os prègadores nessa Curia são mais moderados
em aplicar o texto às ideias e casos |
particulares contra o sentido natural, e nesta douta reflexão se lembra Vossa
Paternidade dos nossos prègadores, que, com um perene curso de alegorias, levam os
autores sagrados para onde êles não querem nem devem ir, como, por exemplo, em a
profissão de |
uma religiosa tudo acham no texto: o dia, o convento e o nome da família e
tôdas as mais circunstâncias que acaso concorreram naquele acto.
O Evangelho, ou qualquer outra autoridade da Escritura Sagrada, em que fala
não menos que o |
mesmo Deus, é testemunha de tudo, aprova tudo, como se tôda aquela inspiração
do Espírito Santo não se escrevera mais que para servir e solenizar a festa e o
auditório daquêle dia. Estes prègadores devem ser repreendidos e cometem êrro,
ainda que |
prèguem estas vagas imaginações sòmente afim de edificar os fiéis.
Aplicar as regras da eloqüência para persuadir estas indecorosas
futilidades é o mais pernicioso vício em que podia degenerar o entendimento do |
homem. Lembra-me haver lido que em Roma e em Grécia se costumavam os novos
professores de retórica às causas de pouca ou nenhuma justiça para exercitar o
talento e formar o discurso a uma persuasão artificiosa em um paradoxo bem
concertado. O seu maior discurso, digo, maior estudo na distribuïção das figuras e
no ornato das vozes era vestir a mentira das mesmas côres da verdade, por onde a |
eloqüência, pela continuação dêste abuso, foi condenada como arte perniciosa
por muitos homens prudentes. Maiores triunfos ganhou a impostura pelos socorros da
eloqüência prevertida que a justiça pelas mais veementes expressões da eloqüência
|
verdadeira. A história antiga e moderna nos fornece bem de exemplos, e assim
pode Vossa Paternidade estar certo que a sua reflexão sôbre os nossos prègadores é
justíssima e de muita piedade, porque consomem o tempo em nos persuadir ou falso ou
inútil; mas |
deixemos esta reforma aos nossos Bispos quando Deus ordenar que subam ao
púlpito.
Tenha Vossa Paternidade entretanto muita saúde e volte para esta Côrte onde
me terá sempre a servi-lo.
Deus guarde a Vossa Paternidade muitos anos.
|
Paris, 8 de Agôsto de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 29.

Meu amigo e Senhor :


Esta carta de Vossa Mercê é todo o alívio que recebi neste correio, porque
as outras cartas passaram das mãos aos olhos e esta saltou dos olhos ao coração.
|
Diz Vossa Mercê que Castela está meia francesa, França tôda poderosa e
Portugal todo faminto. Assim é, mas êste é o mundo; nada nos acontece que não
tenha já acontecido. Nos teatros da natureza humana não há comédias novas jamais
vistas nem representadas. Todos os enredos são vélhos, tôdas as acções são usadas.
O ponto é viver e deixar à Providência divina o govêrno do seu mundo. Sempre há-de
haver Castela, França e Portugal, e só nós |
não havemos de ser sempre, e, nesta consideração, ¿que susto ou que dano nos
pode vir maior? Queira Deus que meu Irmão fique escuso dessa nova diligência,
porque os Ministros exactos e honrados sempre padecem fora das suas relações.
|
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
21 de Setembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 30.

Meu Senhor.
Pelo favor e patrocínio de Vossa Excelência logrou já Monsieur de La
Neufville a honra de ver a sua História na |
imprensa, de que saïrá brevemente autorizada com o retrato de El-Rei Nosso
Senhor e com outras mais estampas ou vignetes em que se gravam as principais e mais
ilustres acções de cada reinado sem faltar-se em nada aos mais pulidos adornos que
hoje |
ensina a arte de imprimir, em que também há suas modas.
No reinado de El-Rei Dom Afonso V se começa a falar da casa e apelido de
Meneses, onde o autor julgou a propósito dar a conhecer em França esta ilustríssima
família pela feliz e excelsa distinção de ter a Vossa Excelência por seu digníssimo
sucessor. Êste foi o |
primeiro lugar que eu li com inveja e com ciúme, desejando arrebatar-lhe a
pena da mão e furtar-lhe a glória de escrever as heróicas virtudes e amáveis
prendas de Vossa Excelência .
Êle deseja chegar já ao tempo presente, para que, |
com maior vôo e mais largo assunto, possa a sua pena transferir à posteridade
as incomparáveis acções da vida do Ilustríssimo Senhor Marquês, que Deus tem.
Pareceu-me referir a Vossa Excelência o estado em que se acha a impressão
desta obra por ser ela, como disse, |
do patrocínio de Vossa Excelência , e, se as grandes e públicas ocupações de
Vossa Excelência me constituírem réu de alguma interrupção pela impertinente
leitura desta carta, peço a Vossa Excelência me remeta à sua benignidade, onde,
pelo generoso costume que todos lhe admiram, |
é a mesma culpa o maior subôrno de perdão.
O Senhor Marquês Embaixador me animou a pedir a Enviatura de Roma, e, se eu
me achara com talento de merecer o favor de Vossa Excelência , me fôra mais nobre a
pretensão que o despacho, sendo que |
já me pudera envergonhar de aparecer sempre diante de Vossa Excelência com
uma petição nas mãos. Porém, valha-me, Senhor, entender respeitosamente que, nos
altares da verdadeira grandeza e magnanimidade, são mais fiéis os rogos que os
incensos.
Para tudo quanto a graça de Vossa Excelência dignar a minha obediência,
espero, a seus pés, a honra de |
servi-lo. Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
5 de Outubro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 31.
Meu Senhor:
Tem Sua Majestade razão em não deixar embarcar a Vossa Senhoria nas frotas
do Brasil; não valem a sucessão |
da casa de Monsanto. A vida de Vossa Senhoria é-nos muito preciosa e a
emprêsa não merecia tôda a indignação de um tal combatente. Volte Vossa Senhoria o
seu coração contra as nossas saüdades e sejam elas despôjo do favor de suas novas,
assim como são o maior pirata |
dos nossos sossegos.
Já que Vossa Senhoria me não pode mandar para Roma, por me faltarem as
beatificações necessárias, mande-me para Holanda e viverei lá com menos vergonha de
mal vestido, porque os burgomestres da |
Haia não têm as invenções tão delicadas como os Messieurs de Paris.
Esta Côrte está hoje tôda em lágrimas pelas despedidas da Duquesa de
Lorena, que, depois de perder o carácter de Mademoiselle, não viu mais, em público,
nem a El-Rei nem a seu pai, porque os rigorosos preceitos do cerimonial derogaram
os últimos carinhos da natureza.
Eu estou sempre às ordens de Vossa Senhoria . Deus guarde |
a Vossa Senhoria muitos anos.
19 de Outubro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 32.

Meu Senhor:
Na carta de 9 de Setembro me refere Vossa Senhoria a conferência que teve
com o senhor Conde de Viana sôbre |
os meus particulares, de que rendo a Vossa Senhoria , mil graças e tratarei
de que seja sempre tão vivo o meu agradecimento como é generoso e desinteressado
êste favor de Vossa Senhoria .
Nunca duvidei que Francisco de Sousa se achasse |
com tão bom partido para a Residência de Roma; mas como, para ela, se
escolhem, em tôdas as Côrtes, Ministros versados em direito, e até os Embaixadores
sejam obrigados a levar consigo um doutor canonista, entendia que devia preferir
quem fosse |
igualmente cortesão que letrado.
Pela sua passagem fica vaga a Enviatura de Holanda, onde, segundo o estado
das coisas, nos é necessário Ministro; e assim, peço a Vossa Senhoria tome a pena
de me fazer lembrado ao Senhor Marquês de Alegrete, representando-lhe que quatro
anos de assistência em Paris me têm adquirido alguma capacidade para servir em
semelhantes missões por ditame próprio, sem que seja embaraço a ocupação da |
Secretaria, em que, pelo grande talento do Senhor Marquês Embaixador, não
ponho de minha casa mais que os pontos e as vírgulas; que eu me acho nesta ocupação
há perto de quatro anos; e que o Senhor Embaixador, para compor as suas coisas, |
discorre com maior assistência. E assim, com cinqüenta que já tenho de
idade, consumirei tôda a minha vida no manuente de uma simples ortografia; que eu
não amo eternizar-me nas funções de Enviado, e que sòmente desejo as honras dêste
|
carácter para voltar com mais autoridade à minha terra e empregar em
utilidade dela o fruto das minhas vigílias, do que pudera fazer relação a Vossa
Senhoria , se os primeiros estudos de uma sólida modéstia não tivessem decepado em
mim todos os |
espíritos de vaidade e de ambição.
Bem considero, Senhor, que estas alegações se reputam por de cartilha, e
que todos as escrevem e que todos persuadem que as executam.
E assim, o meu principal merecimento é o favor de Vossa Senhoria , a cujo
serviço me oferecerei sempre sem dispensar-me a vaidade de saber obedecer-lhe.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
|
19 de Outubro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 33.

Nesta posta me avisam que Francisco de Sousa Pacheco estava preconizado


para Residente de Roma, e de nenhuma maneira sentiria que a sorte desta Residência
caísse sôbre o seu merecimento, |
porque entendo que é muito capaz de executar as suas comissões como convém ao
serviço de El-Rei Nosso Senhor e bem do Estado, mas também entendo que sou obrigado
a dizer a Vossa Reverendíssima que aquela função necessita de um Ministro que, sem
|
deixar de ser bom cortesão, seja bom letrado.
Aquela Cúria é composta de letrados; todos os requerimentos e negócios
ordinários têm raízes no direito, porque todos respeitam renúncias, dispensas,
bulas, subsídios, imunidades, competências, |
isenção, usurpação de jurisdição real entre os Bispos, Padroados da China e
da mais repartição da Ásia, de que nos vai despojando a propaganda e outras
disputas deste gênero, em que é preciso falar em letrado e saber explicar em forma.
E é tanto assim que todos os Embaixadores que vão a Roma, desta Côrte, levam
consigo um Doutor canonista, e sem êle não poderiam conseguir cousa alguma de que
há tantos exemplos como negociações. E assim, |
se El-Rei Nosso Senhor achasse um homem tão grande cortesão como se supõe
Francisco de Sousa Pacheco, e tudo junto como o senhor Simão de Sousa de Magalhães,
seria então a negociação de melhor efeito e de maior crédito.
|
Nesta consideração, sou o primeiro que voto contra mim mesmo, pois quatro
anos de assistência em Paris e 32 de estado em Direito, têm laureado em mim muito
pouca política e muito pouca jurisprudência. Não posso, porém, deixar de atrever-
me |
a pedir a Vossa Reverendíssima , suposta a passagem de Francisco de Sousa e a
necessidade de Ministro em Holanda na conjuntura presente, queira expor, em meu
nome, a Sua Majestade que ninguém me deve preferir para aquêle lugar, porque, ao
menos, para |
propor os negócios da minha comissão não será necessário que comece pelos
primeiros rudimentos da língua.
Quisera ir, em melhor tempo, empregar em utilidade da minha pátria o fruto
da minha peregrinação, em que, se me não engano, lhe não farei comunicar a Sua
Majestade muitas memórias que pertencem a maior esplendor, ornato e respeito da sua
real Casa e Côrte, e boa ordem das nossas Universidades dos nossos Tribunais, dos
nossos Bispos e do nosso Clero, ao estabelecimento das boas letras e artes
liberais, a educação e aumento da nobreza, a melhor disciplina dos exercícios e
armadas, a decência e utilidade dos nossos Embaixadores e |
Enviados, suas instruções, com outras muitas observações por onde se define e
de que se compõe uma exacta e perfeita economia.
Não é isto, Reverendíssimo Padre Mestre, fazer aparato vão de experiências
e políticas, mas é referir |
sinceramente, a Vossa Reverendíssima , o grande desejo que tenho de sinalar-
me no real serviço de Sua Majestade e mostrar, aos meus naturais, que não vim a
França ver só óperas e comédias e a entorpecer-me tôda a vida na simples gramática
de uma secretaria.
|
Espero do zêlo de Vossa Reverendíssima e do grande favor que me faz,
represente a Sua Majestade esta minha pretensão e os motivos que tenho para entrar
nela com igual esperança que fortuna. E para servir a Vossa Reverendíssima fico
com a maior obediência.
|
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
19 de Outubro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 34.

Meu amigo e meu Senhor .


Pela de Vossa Mercê de 23 de Setembro, recebo as boas novas da sua saúde e
da generosa disposição |
com que Vossa Mercê está sempre para me continuar êste favor que eu prezo
como solícito.
Queira Deus que a vindima da Granja seja de melhor efeito que têm sido as
deste país, porque se entende que êste ano haverá muita fome ou sêde de vinho, e
foi tanto o frio e pouco o sol que não chegou a madurar um só bago de uva, que vale
tanto como secar-se em Lisboa o Chafariz de El-Rei, pois aqui não se bebe outra
água.
|
As cabeleiras estão encomendadas e irão no primeiro navio do Havre ou de
Nantes.
A mercê, que El-Rei Nosso Senhor foi servido fazer a meu Irmão, é muito
digna da sua grandeza, e Deus lhe dê fôrças para a merecer e não faltar em |
nada que incumbir à sua obrigação. Não é bom católico quem não é bom
vassalo; o serviço de Deus e do Príncipe são inseparáveis.
Como Vossa Mercê dirigiu o baptizado, não faltaria nada de decente e de
honrado; por mim, que não amo |
pompas nem aparatos, basta-me que o cura tivesse tenção de baptizar o meu
sobrinho.
E para tudo o que Vossa Mercê quiser fiar da minha obediência, achará
pronta a minha vontade e a minha razão.
|
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
2 de Novembro de1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 35.

Meu Senhor:
Vossa Senhoria não quere já nada comigo; já me despede da sua graça e já
retirou de mim os seus favores. |
Se me condena por indigno deles, sou obrigado a conformar-me com o juízo de
Vossa Senhoria e com o conhecimento próprio. Se são ocupações mais sérias e de
maior peso, peço a Vossa Senhoria se dispense de algumas horas para me continuar
uma honra que é quási uma usura do meu respeito e do meu amor.
Hoje esperamos pelo Senhor Marquês que vem de Fontainebleau, sendo que já
tarda e entendo que |
fará lá o correio. Sua Excelência me permitiu ficar em Paris para tomar
umas medicinas, porém, se êle se detiver ainda esta semana, determino ir para lá
àmanhã.
O mesmo Senhor me disse que o senhor Dom Francisco |
estava doente, no castelo, de uma indisposição que o obriga a voltar a Cádiz.
Peço a Vossa Senhoria lhe represente o meu pesar enquanto êste fidalgo toma forças
para ler as minhas letras.
Ora, Senhor, não leve Vossa Senhoria a crueldade ao cabo |
e lembre-se de quem é para se não esquecer de mim.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
2 de Novembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 36.

Senhor meu:
|
Nem eu podia duvidar que a assistência de Vossa Senhoria nessa Côrte é mais
necessária que em Roma e faz Vossa Senhoria nela mais serviço a El-Rei Nosso Senhor
que todos os Ministros juntos. Vossa Senhoria é obrigado a ir à Côrte para
penetrá-la, e os outros só para fazê-la.
|
Enquanto o Marquês Embaixador estiver em França, não há que cuidar em mim
para outra missão. E assim fui já respondido entretem-me com a sucessão do
Embaixador que, segundo as aparências, está para de vagar. Façam êstes |
senhores o que quiserem, contanto que me livrem de tornar à Relação, porque
me saberá muito mal ir continuar em rábula de Lisboa depois de me habitar teólogo
do Norte.
Esta Côrte está em Fontainebleau, sem caça e |
com jôgo; Paris, com grande carestia em todos os gêneros, mas nem por isso
Pontehartrain esfola menos, nem as finanças se compadecem mais.
Esperamos a definição da jornada de Sua Majestade, de que aqui, apesar de
uma indiferença |
afectada, se deixa afectar muito ciúme.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
2 de Novembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 37.

Estimo as boas novas da saúde de Vossa Paternidade como devo.


|
Começa aqui o inverno com grande fôrça, e é o quarto que passamos em França;
mas a fôrça dos negócios e a necessidade da sua assistência faz que nós não nos
lembremos dêstes frios.
El-Rei veio de Fontainebleau e continua na |
assistência de Versalhes, onde Madama de Maintenon serve de pausa às tarefas
do govêrno.
Da jornada de El-Rei Guilherme se penetra aqui muito pouco e eu creio que
tudo há-de parar em obras de dedo. O ponto é continuar a melhoria de El-Rei de
Castela, que cá e lá más fadas há.
|
Neste correio me mandou uma carta o padre confessor para o Padre Pomereau.
Êle chegou das Caldas e mui perseguido dos seus acidentes, que lhe prometem pouca
vida.
Deus guarde a Vossa Paternidade muitos anos.
|
16 de Novembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 38.
Meu Senhor e amigo.
Não tive novas de Vossa Mercê e peço-lhe me não prive de um favor a que eu
tenho tanta acção.
Aqui nos dizem que o Ouvidor do Maranhão |
prendera o Bispo, e não é nova que desagrade em França donde esse Ministro
devia ler as histórias, estudando êste procedimento nas liberdades da Igreja
Galicana.
A morte da senhora Dona Isabel, mulher do senhor António de Freitas
Branco, o terá reduzido a um estremoso sentimento, porque a sua falta põe em grande
desordem a creação de seus filhos, que, na nossa terra, |
sem mãe sempre saem malcriados.
Começam os frios, as neves, os gelos, as fluxões, os catarros e mil
incomodidades que traz consigo a desabrida família do inverno, mas os que jogam e
ganham têm de que recompensar-se êste dano.
|
Lembre-se Vossa Mercê de mim e fará justiça. Deus guarde a Vossa Mercê
muitos anos.
30 de Novembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 39.

O Padre Pomereau me deu a carta inclusa para Vossa Reverendíssima . Êle


necessita bem da sua tença, porque |
as suas incomodidades e as suas curas o metem em grande despesa. Também me
deu um maço para enviar a Vossa Reverendíssima , que irá pelo primeiro navio,
porque é de extraordinária grandeza para o enviar pela posta. Como o mesmo Padre
me disse que êste |
maço se compunha de um extracto do livro latino que se escreveu em Roma a
favor das missões, e que Vossa Reverendíssima tinha gôsto de ler esta Apologia,
pareceu-me que podia eu ter, no mesmo tempo, a liberdade de mandar no mesmo tempo a
Vossa Reverendíssima dois livros em 12 que aqui se imprimiram em defensa dos
missionários da Companhia contra as |
impertinentes imposturas dos Jansenistas, em que se escreveram excelentes
coisas.
O Padre Manuel dos Reis, que teve também a pena de ser meu camarada nestas
missões de França, me escreveu, haverá alguns meses, para falar a |
Vossa Reverendíssima sobre uma licença que eu quisera alcançar de Sua
Majestade para ver as Côrtes vizinhas sem mais ajuda que a mesma mesada que aqui
tinha.
Peço a Vossa Reverendíssima que, se não tiver efeito a súplica que fiz de
Roma ou de Holanda, me faça a honra |
de dirigir êste requerimento, em sorte que El-Rei Nosso Senhor me conceda uma
licença, em que não há mais objecto que o seu real serviço, pois o desejo de
instruir-me nestas Côrtes me obriga a fazer uma petição que, à primeira vista,
parecerá inútil |
na nossa terra. Grande é Paris para escola, mas é necessário conferir esta
Côrte com as outras, onde as ceremónias e os estilos são diferentes, e quem
conhecer tôdas saberá rezar mais que por um breviário. E assim, fio do grande
juízo e compreensão de Vossa Reverendíssima que autorize esta minha pretensão
comunicando-a a Sua Majestade, a quem espero ser algum dia agradável.
|
Queira Deus que o nosso Conselho de Estado acerte na nomeação do Ministro
para Roma e que não busquem algum que não faça mais que guardar mesadas e escrever
mentiras, como fazem outros de outros Príncipes.
|
Fico para servir a Vossa Reverendíssima com a maior obediência. Deus guarde
a Vossa Reverendíssima muitos anos.
30 de Novembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 40.

Meu amigo e Senhor:


Recebo a de 4 de Novembro com as boas novas da saúde de Vossa Mercê e com
aquela continuação de favores de que já o meu agradecimento não tem termos nem
demonstrações para insinuar-se.
Três novas me dá Vossa Mercê tôdas grandes e tôdas dignas de reflexão.
Fique a primeira para conferência de mais perto e deva ela embora à minha obrigação
a cortesia dêste silencio.
A segunda, do casamento de Silvestre Curvinel da Gama, me deixa com lástima
de o ver perseguido sobre casado. Vejo que se consultou a Sua Majestade o castigo
e que se começou a executar e depois se mandou tirar devassa. Se esta serve para
conhecer os delinqüentes e saber a qualidade da culpa, parecia-me que se devia
começar por ela, mas os defeitos da minha pouca compreensão salvam sempre os
respeitos do Tribunal. Em França não poderá suceder êste caso, porque há, sôbre
esta matéria, melhores leis que as nossas.
A terceira nova, do casamento do negro, é mais digna de reparo pelo que se
supõe que pelo que se refere. Por estas e outras, dizem na Europa que as bagatelas
nos levam todo tempo.
As encomendas estão no Havre esperando navio e eu esperando ocasiões de
mostrar a Vossa Mercê que ninguém o venera com mais respeito, nem deseja obedecer-
lhe com mais pontualidade.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
14 de Dezembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 41.

Meu amigo e Senhor:


Neste correio me escreve João Rebêlo do Campo a nova do casamento de Vossa
Mercê , que foi preciso recebê-la com gôsto e com pesar. Mas como não é Vossa
Mercê que me informa dessas circunstâncias, é fôrça que minha amizade penda mais
para o pesar que para o gôsto.
No correio seguinte espero que esta nova me venha com melhor semblante e
que Vossa Mercê esteja de pacífica posse de um bem que só no céu se talha por um
vínculo que na terra se não rompe. Vossa Mercê bem sabe a parte que eu tomei
sempre em tudo o que lhe toca, e assim me deve, por todo o direito, a notícia
especial de todo êste caso.
Não mando nesta posta o livro por duvidar se Vossa Mercê está em Lisboa.
As encomendas vão esta semana para o Havre. E eu fico para servir a Vossa Mercê
com a maior obrigação e amor.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
14 de Dezembro de 1698.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 42.

Se o estado presente das cousas de Castela nos põe no maior cuidado, se é


tão grande, como aí se supõe, o prejuizo que pode resultar aos Príncipes vizinhos,
na eleição do novo sucessor, se esta é a maior negociação que podemos ter naquela
Côrte, assim no caso com que queiramos a sucessão para nós, quer a queiramos para
quem melhor nos convier, e se, para êste grande projecto e execução, é necessária
muita entrada e muito comércio, ¿como conservaremos em Madrid um Enviado e não
mandamos um Embaixador? Não duvido que Diogo de Mendonça Côrte-Real seja grande
Ministro e muito capaz de grandes negócios, e não duvido também que o expediente
que a Europa tem tomado, de servir-se de Ministros da segunda ordem, seja, por
experiência, o mais pronto e o mais útil, o mais cómodo e o menos perigoso, e muito
melhor para Côrtes de Príncipes mais poderosos. Porém, há casos em que é
necessário maior carácter, ainda que não maior pessoa.
|
Quando o negócio é ordinário, que deve versar todo diante do Rei, de seus
Ministros ordinários e Secretários de suas expedições, é mais conveniente um
Enviado douto que um Embaixador noviço. Mas, quando a negociação é extraordinária,
que se |
não deve propor ao Rei direitamente, mas aos grandes da Côrte, em cujas mãos
está o Govêrno, mais como uma Monarquia que como Monarquia fomentando e estorvando
partidos, é de melhor execução o carácter de um Embaixador que o de um |
Enviado, porque aquêle carácter lhe abre as portas para comunicar e
freqüentar familiarmente os grandes senhores e primeiros Ministros, por haver mais
ocasiões, mais condescendência e mais meios para os regalar e servir com mimos e
banquetes, e muito |
mais se o Embaixador fosse cavalheiro rico e liberal e cortesão, e êsse
segundo caso se verifica hoje com tôda a semelhança na Côrte de Madrid.
É, porém, sempre necessário que o tal Embaixador tenha tôda a experiência,
viver, a sagacidade e |
dissimulação de um grande Ministro, porque, entrar nas negociações sem mais
qualidades que a da nobreza e a do carácter, não serve mais que de perder tempo,
crédito e interêsses.
Em Portugal se costuma, de todo o tempo, |
eleger Embaixadores da maior qualidade, costume, na verdade, pouco decoroso à
mesma Côrte e aos grandes senhores dela, porque não é correspondido por Ministros
da mesma extracção, e costume também menos útil às negociações, porque quanto o
Embaixador é mais grande senhor, tanto é maior o cuidado da sua magnificência, da
sua casa, das suas equipagens, das suas entradas e das suas ceremónias, |
que lhes leva todo o tempo, e esta é uma das razões por que as Côrtes
estranjeiras se não servem de grandes senhores para Embaixadores, e também porque o
número dos outros homens é maior que o dos cavaleiros da primeira qualidade, e
assim têm |
mais que escolher entre aquêles que entre êstes.
Se votara nesta matéria, propusera a F por Embaixador à Côrte de Madrid;
conheço o seu génio, e sabe muito bem quais são os nossos interêsses e quais devem
ser as suas máximas e como estas se |
podem praticar sem dar ciúme ao Ministro de França.
Também nos é necessário outro Ministro em Roma, ainda que seja com o
carácter de Enviado, porque naquela Cúria se há-de começar esta |
negociação e dela dependerá o melhor sucesso. Bem vejo que Bento da Fonseca
tem grande capacidade como tem mostrado a experiência, mas, como começou por aquela
Côrte, não saberá os negócios que são originários dela, e executará nêles muito bem
as |
suas instruções. E assim, não sendo êste negócio interior e de origem
daquêles Tribunais, e depende de notícias estranjeiras, principalmente da Côrte de
Madrid, podia Diogo de Mendonça fazer admiràlvelmente esta função, sendo, pela sua
assistência |
naquela Côrte, muito capaz para introduzir no espírito dos Romanos as
impressões que nos fôssem mais necessárias, e dar-lhes aquelas côres que mais
conviesse aos nossos interêsses.
As nossas negociações na Côrte de França estão seguras na conduta do
Marquês de Cascais. Nas de Inglaterra e Holanda, devem os nossos Ministros insinuar
o dano comum com igual manha, que |
persuasão ...

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 43.

Meu amigo e Senhor:


Em um mês que é o primeiro do ano que começa, e em um Janeiro que é o
último do século que acaba, tenho obrigação de dar a Vossa Mercê os bons anos |
como gratificação e testemunho de uma amizade que não acabará com os séculos.
Dou também a Vossa Mercê os parabéns do novo Excelentíssimo Presidente do
Paço, Governador das Armas e da Justiça. Agora, sim, que com benigno |
aspecto entrou o planeta Marte no signo Libra para vermos nesse grande
Tribunal de Vossa Mercê a justiça igualmente recta que temida de uma parte as
balanças e de outra parte a espada.
Cinco vezes com esta tenho aumentado a era na data destas cartas depois de
695 até 699 e ainda parece que na Providência dos fados não está cheio o número da
nossa peregrinação.
|
Desculpe Vossa Mercê , por conta da minha saüdade, a reflexão desta queixa e
não me falte com o alívio das suas novas de que depende todo o socôrro das minhas
esperanças.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
11 de Janeiro de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 44.

Meu senhor.
Desejo felizes e numerosos anos a Vossa Senhoria sem temer que culpe por
impertinente a ousadia portuguesa esta pura e natural demonstração do meu |
amor e do meu interêsse.
Veio Monsieur cear a esta casa, e não posso encarecer a Vossa Senhoria a
magnificência das casas e da mesa. Nada houve de raro e delicado que não servisse
naquêle dia aos olhos e ao gôsto. Finalmente, |
Sua Excelência se contentou da hospedagem, e basta esta prova para
persuadir-se Vossa Senhoria que não faltou coisa alguma para continuar a excelência
e glória da casa de Monsanto. O senhor Marquês Dom Álvaro hospedou a tia; Sua
Excelência hospedou o sobrinho; Vossa Senhoria vira |
hospedar o irmão, porque das admirações a França é privilégio concedido e
vinculado à grande casa de Vossa Senhoria . O ponto é, meu Senhor, que Vossa
Senhoria faça vir agora 60000 cruzados, que tantos são necessários para pagar e
calar estes credores e compor alguma |
parte das coisas de Sua Excelência porque, para recolher-se há de mister
outro tanto, e Vossa Senhoria como tão amante de seu pai e sucessor da sua glória,
não perderá diligência alguma que conduza a êste justo e necessário desempenho.
|
Continue-me Vossa Senhoria a honra da sua graça e de suas novas, entendendo
que ninguém com mais desvanecida obediência.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
11 de Janeiro de 1699.
[ letter (author: JCB)]

[ title ] 45.

|
Meu amigo e Senhor:
Nesta posta recebo a de Vossa Mercê de 15 de Dezembro e sinto que a sua
saúde padeça as incomodidades dessa defluxão. Queira Deus que a tosse seja menos
rebelde do que tem sido em outras ocasiões.
|
Esta Côrte também na conjuntura presente é estéril, não só de novas, mas
também de discursos. Os estranjeiros que veem a ela voltam logo por não acharem
todos aqueles divertimentos que êles dizem que havia em outro tempo; outros dizem
que Paris |
é melhor na imaginação dos que o não vêem do que no lôgro dos que o
freqüentam, e todos têm razão. Mas ¿quem há-de crer isto na nossa terra, onde os
mesmos naturais, por mau costume e por má educação, se fazem um ponto de fidalguia
e de erudição em idolatrar tudo o que se lhes cobre com o sagrado nome de
estranjeiro?
Fique esta pia reflexão para quando nos virmos êste verão na varanda de
Belém, porque ouço que |
iremos brevemente. Deus lhe dê a Vossa Mercê paciência para tornar a sofrer
a minha companhia.
Ainda não avisaram, até hoje, a João de Sousa se as cabeleiras eram
partidas.
E fico às ordens de Vossa Mercê com maior alvoroço de |
o ver. Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
25 de Janeiro de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 46.

Senhor meu:
Que Vossa Mercê logre perfeita saúde, estimo com a maior impressão de um
amigo e servidor.
|
Segundo as novas que nos têm vindo, já estará nomeado sucessor ao nosso
Embaixador, com o carácter de Enviado, cuja sorte não poderá nunca cair em mim,
porque nem a fortuna nem a natureza me socorrem com cabedais e com talento.
|
Eu me contento com ir para a minha pátria ensinar ao monte e às ervinhas o
quanto aprendi aqui das nossas sensibilidades, ou, para melhor dizer em francês,
das nossas indolanças.
Aqui se diz o que Vossa Mercê verá nos folhetos inclusos |
e é tudo o que há. E eu fico para servir a Vossa Mercê com a maior vontade.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
6 de Fevereiro de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 47.

Meu amigo e senhor.


As boas novas da saúde de Vossa Mercê que recebo nesta de 30 de Dezembro,
são o primeiro alívio de uma saüdade que está muito perto de satisfazer-se.
|
A notícia de que se consultava para Ministro para esta Côrte me causou tanto
alvorôço que, para explicar uma parte dêle, me valeria forçosamente de hipérboles
incríveis. Bem sei que todos hão-de prègar que eu perdi o juízo ou que tenho muito
mau |
gôsto, porque viver em Paris à custa de El-Rei, em casa de um Embaixador que
me honra muito, é uma felicidade tão completa que não pode figurar-se outra maior
na mais delicada ambição, e isto havendo de ir freqüentar as lúgubres escadas de
uma |
Relação, precedido dos mais modernos e mal freqüentado dos mais antigos.
Assim fôra, se a natureza humana tivera achado o segrêdo da consistência, mas sem
recorrer a este comum conflito da variedade. Todos sabem que Paris não é sempre |
Paris: logradas as primeiras admirações, é uma terra pouco melhor que as
outras terras. Amá-lo não é bom sinal, porque, para viver bem, nenhuma terra é má,
e para viver mal só Paris é bom.
Agradeço, porém, a Vossa Mercê o cuidado com que |
falou em mim a esses senhores. Se me acharem digno do carácter de Enviado,
sacrificarei a minha pátria às mortificações que me há-de custar o desempenho da
eleição; e, se me mandarem recolher, dever-me-á o gôsto de a haver melhor |
servido.
Vai o conhecimento da encomenda para Vossa Mercê a procurar, e é tudo o que
tenho a dizer a Vossa Mercê , a quem peço, com a maior impressão, a continuação da
sua graça e de seus favores .
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
8 de Fevereiro de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 48.

Meu Senhor.
Como a continuação das chuvas tem feito impraticáveis os caminhos, não
chegam as postas nos dias regulados, e daqui nasceu, sem dúvida, não |
havermos recebido cartas dessa Côrte no último ordinário.
Tenha Vossa Senhoria a saúde que lhe desejo, e seja acompanhada de todos
aquêles gostos e fortunas de que se continue a bem aventurança da vida. Desta não
|
logrou o Príncipe Eleitoral de Baviera para possuir um dia a Monarquia de
Espanha, sempre fatal a herdeiros presuntivos. Esta morte rompeu as medidas ao
Conselho de Castela, que, enfastiado da lentidão de Alemanha e receoso da política
de França, |
entendia que naquele meio segurava tôda a sua salvação.
O protesto do Embaixador de França em Madrid contra o testamento de um
homem vivo sôbre um direito incertíssimo e de futuro, era mais digno de |
compaixão que de resposta. A morte, ou a Providência que nega e destina os
tronos, assim como frustrou as esperanças do Duque de Baviera para iludir as
ambições de França e muito mais pretendendo elas distribuir as renunciações da
raínha Maria Teresa autorizada, contudo, a que a fé e a religião ensina de mais
santo e de mais inviolável.
Fico para servir a Vossa Senhoria com maior obrigação e obediência.
|
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
22 de Fevereiro de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 49.
Meu Senhor:
Ainda que peque contra as ocupações de Vossa Senhoria , não quero faltar às
obrigações de criado a quem |
Vossa Senhoria honra e favorece tanto.
Dessa Côrte me repetem as mercês que Vossa Senhoria me continua inculcando-
me para esta Enviatura em que eu me quisera atrever a publicar que Vossa Senhoria
faz conhecer muito melhor nesta acção o carácter de |
generoso que o de bom vassalo, pois patrocina para êste ministério um homem
de tão estreito talento como o meu.
Já a sorte estará decidida e Sua Majestade terá nomeado Ministro que com
mais fortuna e acêrto |
execute as comissões de seu real serviço, e nesta esperança terei a honra de
me ver brevemente aos pés de Vossa Senhoria onde confessarei ingènuamente que, de
tudo quanto aprendi em França, nada me desvaneceu mais que haver bem conhecido a
grande |
vantagem que Vossa Senhoria faz a tantos cavaleiros.
A paz ou trégua entre o Imperador e seus aliados com o Turco está assinada.
Para todos foi vantajosa menos para o Grão Senhor que recebeu a Lei. Suponho que
Hungria ficará em repouso por muito |
tempo, porque o Turco aprendeu bem à sua custa, na injusta transgressão da
paz, que a fé pública em tôda a religião é sagrada e inviolável.
A Côrte tem tomado o luto que chamam pequeno pela morte do Duque de
Baviera, com quem se sepultaram grandes esperanças e pode ser que o sossêgo da
Europa, porque os consultas franceses começam a dizer que a renunciação da raínha
|
Maria Teresa já não tem lugar por se não entender feita mais que a favor dos
descendentes de Felipe IV, que ficam extintos; porém, Deus, que é o sumo árbitro
dos Tronos, pode ter disposto bem diferentemente, e antes da morte de Carlos II
pode a corôa |
de França passar de Terceira a Quarta raça.
Para tudo quanto se oferecer do serviço de Vossa Senhoria não saberei
faltar.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
8 de Março de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 50.

|
Meu Senhor:
Pela de 26 de Janeiro, recebo as novas da saúde de Vossa Senhoria e das
generosas diligências com que Vossa Senhoria se emprega nos meus interêsses. Não
são êstes só os ofícios em que eu sou obrigado a Vossa Senhoria de maior e mais
oculta obrigação. Me confesso seu devedor, porque, conhecendo Vossa Senhoria
melhor que os outros as minhas imperfeições, não desistir da minha inculca é querer
que as penetrações do seu juízo sejam sempre mártires do favor da sua benevolência.
Como esta nomeação se detém tanto e os Ministros |
têm todo o tempo para fazer reflexão sôbre as qualidades do sujeito, nunca a
sorte pode cair em mim que só por entreprêsa ou juízo temerário, digo juízo sumário
me podia ingerir nas funções dêste ministério; mas, metido o negócio em tela
judiciária ou |
juízo contencioso, onde êsses senhores julgarão com pleno conhecimento da
causa, não podem naturalmente lembrar-se de um homem que, só por ser ontem simples
Secretário de uma Embaixada extraordinária, lhe foi necessário muita provisão de |
milagres.
A paz ou trégua entre os dois impérios está assinada e suponho que será
permanente, porque os muçulmanos começam a temer as indignações do seu falso
Profeta contra as transgressões da boa fé que |
em tôda a religião é santa e inviolável.
Aqui se começou o luto e acabou o Carnaval; uma e outra coisa se compõem de
muita máscara.
Fico para servir a Vossa Senhoria com a maior atenção. Deus guarde a Vossa
Senhoria muitos anos.
|
8 de Março de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 51.

Reverendíssimo Padre Mestre e meu Senhor:


Neste correio me avisam que são tantos os opositores e de tão grande pêso,
que alguns Ministros, que tinham a bondade de se lembrar de mim, começavam a
desconfiar da minha sorte e eu pago êste sobressalto com pedir a Deus inspire a
êsses senhores o acêrto da eleição que mais convier ao serviço de El-Rei e bem do
Estado.
|
Vossa Reverendíssima bem sabe que se trata da nomeação de um Enviado que há-
de suceder a um Embaixador de grande espírito e que há-de aparecer e obrar em uma
Côrte fechada e de grande estrondo, de um Enviado para um Príncipe mais poderoso e
com |
quem mais se interessam as máximas da nossa conservação, de um Enviado que
há-de tratar os pontos da sua comissão com uma língua estranha diante de Ministros
amassados em negociações políticas, muito exactos, cheios de idéias delicadas,
difíceis |
e um pouco arrebatados da ambição da Monarquia universal, de um Enviado,
finalmente, cortesão, pronto, altivo, que prefixa às conveniências públicas as
particulares, que olhe para Paris como um campo de batalha e não como lugar onde
tudo é livre e |
para tudo há exemplos que à distância de 400 léguas lhe não apague
insensìvelmente da memória que é vassalo, que é Ministro e que tem Rei não só para
mandar mesadas mas para cortar cabeças. E como, pois, o género e diferença desta
definição não cabe |
na minha rudeza, tenho razão para não esperar a preferência e para atribuir
só a mim esta justa exclusão.
O Padre Pomereau me deu a carta inclusa e eu peço a Vossa Reverendíssima
muitas ocasiões em que lhe mostre o |
meu respeito e a minha obediência.
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
8 de Março de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 52.

Excelentíssimo Senhor .
Por carta de 18 de Janeiro me faz Vossa Excelência mercê de mandar dizer
que Monsieur de la Neufville lhe pedira algumas memórias da vida e acções do Senhor
Marquês |
que Deus tem, e queria Vossa Excelência saber de mim quais acções e quais
notícias conviriam melhor ao intento dêste autor.
As obrigações que êste francês se imagina dever a Vossa Excelência , a fama
de suas amáveis virtudes e |
generoso acolhimento com que Vossa Excelência lhe escreve, junto à grande
veneração que todos têm ao mesmo nome do senhor Marquês defunto, o metem na emprêsa
de não calar coisa alguma que toque ao esplendor e interêsse da casa de Vossa
Excelência . E assim, para falar |
em tempo e em lugar, lhe são necessárias memórias exactas daquela grande vida
a quem a Corôa portuguesa deveu a sua última exaltação. Também me persuado que, se
êle achar caminho e tiver tempo, que escreverá esta vida em volume separado. As |
memórias, pois, que lhe convêm e são dignas da história, dissera eu
fàcilmente a Vossa Excelência o que pode servir e o que se pode mandar e, se a
minha rudeza chegar a tanto, meterei em ordem e método os diferentes factos de que
for necessário informar a |
posteridade. E é tudo o que sôbre êste particular posso escrever a Vossa
Excelência .
Agradeço a Vossa Excelência a honra que me faz de me prometer o seu
patrocínio sôbre a Enviatura. Esta é a primeira vez, Excelentíssimo Senhor , que a
grande casa de Meneses, em certo modo quere conspirar contra a Corôa e contra o
Estado, pois pretende Vossa Excelência que se confie à minha negligência e à minha
indignidade o crédito e o pêso de tamanho ministério. El-Rei Nosso Senhor, que tem
dois Anjos da guarda para acertar em semelhantes eleições, terá escolhido a esta
hora o sujeito que for mais capaz para os expedientes do seu real serviço.
Ao de Vossa Excelência fico com igual obediência que vaidade. Deus guarde
a Vossa Excelência muitos anos.
8 de Março de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 53.

Meu amigo e senhor .


Viva Vossa Mercê mil anos pelos confortos com que me anima neste correio.
Eu os tomo com valor e confiança na opinião de tão bom médico. Na arte das aflições
e na Academia dos males.
Não entrei abertamente naquela oposição, porque, examinando-me a mim mesmo,
achei que poderia haver outros com mais fortuna e com mais vantagens, e comecei
pelas razões de duvidar, entendendo que é melhor e mais honrado que achemos as
dificuldades antes que as dificuldades nos achem a nós. Melhor é preveni-las que
ser prevenido delas, e isto é o que tenho que responder a Vossa Mercê sôbre a
dilação do meu requerimento.
Agora fico com maior pena e com maior agitação, porque está o prêso mais
perto para a exclusão ou para a admissão. Agora aprendi a grande diferença que há
entre o esperar e o estar esperando. O temor da morte é igual aos moços e aos
vélhos, com esta diferença: que os moços temem e os vélhos estão temendo, e a razão
de uma e outra cousa é que, quanto a esperança der, o temor é mais próximo, a
imaginação é mais viva e mais ardente.
Não me seguro e eu me desconfio no muito ou pouco merecimento de meus
concorrentes, porque confesso a Vossa Mercê que a maior parte das coisas que nesta
grande Côrte se têm feito me mostra que nada é mais certo que haver estrêla nas
demandas. Tôdas as pazes, guerras, alianças, negociações, respostas de ofícios e
acidentes particulares em tudo vi reinar, para a sua concessão ou negação, um certo
fado ou estrêla que nascia da conjuntura, do humor da conjunção, da prevenção de
certa harmonia ou simpatia, em que a razão não tinha grande parte, nem a mesma
conveniência. E assim, meu amigo, fechemos os olhos e venha o que vier.
Tomara ao menos que nesta ocasião nomeassem um tal Enviado ou um tal
Ministro que pela sua grande pessoa, talento e serviço me fizesse glória a disputa
e vantagem a competência, porque, como dizia um discreto, havendo de ser devorado
antes o quero ser de um leão que de um rato.
Tenha-me Vossa Mercê na sua graça, em que as estrêlas não dominam, porque
Vossa Mercê domina nelas.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
Paris, 19 de Abril de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 54.

Meu amigo e Senhor . Recebo a de Vossa Mercê de 5 de Maio, e sinto que


Vossa Mercê estivesse maltratado dessa sezão de que desejara a Vossa Mercê sempre
livre e com tão perfeita |
segurança na saúde que nem Vossa Mercê tivesse mais que desejar, nem eu que
temer.
Nesta posta tive aviso particular do Secretário de Estado de que El-Rei
Nosso Senhor me tinha nomeado para seu Enviado para esta Côrte. Suponho |
que já nessa será público esta notícia, que estimo pela parte da honra e que
procurei com os olhos nos interêsses temporais. Não deixa de excitar a saüdade da
pátria e o desejo que, naturalmente, tenho de me ver na companhia de Vossa Mercê ,
de meu |
Irmão e dos mais amigos, se é que os meus passam o plural dos Gregos .
Começo agora com a nova lida do Ministério, pedindo a Deus me dê talento e
fôrça para executar as minhas comissões, sem injúria do serviço de |
Sua Majestade e sem dano dos interêsses públicos. E Vossa Mercê , que tem
tanta parte nos meus acrescentamentos, receba agora entre as minhas saüdades, os
meus mais vivos e mais justos agradecimentos, em continuação de uma amizade que há-
de durar tanto |
como a minha memória e a minha obrigação.
Admira-me que Vossa Mercê não recebesse carta minha na posta antecedente,
porque eu escrevi em tôdas sem faltar até agora em alguma depois que entrei em
Paris. Mas daqui por diante irão as cartas mais |
seguras.
Em recebendo a carta de Sua Majestade, escreverei ao senhor Marquês de
Marialva em reconhecimento das suas protecções, e o mesmo farei ao senhor Conde de
Viana.
E agora fico para ouvir a Vossa Mercê com a maior |
obediência. Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
14 de Junho de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 55.

Beijo a mão a Vossa Excelência pela singular mercê desta carta em que Vossa
Excelência tomou a pena de adiantar a notícia de que El-Rei Nosso Senhor, me havia
|
nomeado por seu Enviado a esta Côrte.
Como o favor, patrocínio e inculca de Vossa Excelência foram, naturalmente,
as disposições que moveram o ânimo de Sua Majestade para esta nomeação, é certo que
a Vossa Excelência devo esta honra, e para merecê-la |
agora e desempenhar-me dos encargos della, peço de novo a Vossa Excelência me
continue os abrigos da sua protecção, porque só com tão ilustre guia e generoso
astro poderei entrar, sem tropêço e sem temor, na execução dos interêsses do real
serviço.
Ao de Vossa Excelência fico com a mais reconhecida obrigação.
|
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
14 de Junho de 1699.
[ letter (author: JCB)]

[ title ] 56.

Meu amigo e Senhor .


O comércio de Vossa Mercê , para me ser agradável, basta que se não
embarace com dar-me novas do |
mundo, fazendo pouco caso do que chamam interêsses de Príncipes, onde não há
máxima segura nem princípio durável, a menos que não seja uma conveniência sem
honra e uma glória sem virtude.
Está Vossa Mercê muito satisfeito dêsse pontifical do |
senhor Cardeal de Sousa e tem razão, porque as muitas ceremónias de que hoje
usa a Igreja, com igual pompa que alegoria, contribuem muito para a propagação e
conservação da fé. A teologia tira argumentos para persuadir a dignidade de Deus
pela |
idéia que êsse e outros actos nos dão do outro mundo. O direito canónico
forma, pela magnificência do culto, a melhor e mais nobre parte da Igreja visível
contra os que negam, e acrescenta o concurso com os templos. O direito civil e
seus magistrados |
também tiram induções para fortificar o povo na veneração e respeito da
religião dominante, de que depende a paz da sociedade pública.
É verdade que os primeiros cristãos, pela tradição apostólica, aboliram as
ceremónias da Lei |
escrita, pela simplicidade da doutrina do Evangelho, prègando que quanto mais
a Igreja se chegava àquêle culto de ceremónias mais judaïzava. Porém, isto, meu
amigo, pede maior estudo e maior conferência. A minha opinião é que há grande
diferença |
entre ceremónias e representações: aquelas estão abolidas e serão necessárias
ao génio daquêle povo, e estas, que pratica a Igreja, são como livros animados ou
painéis vivos da história do Evangelho e do moral católico.
|
É já tarde e o correio de hoje levou muito tempo. Assim fica para outro dia
o que Vossa Mercê me pregunta sôbre o caso que me propôs.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
17 de Junho de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 57.

|
Reverendíssimo Padre Mestre e Senhor meu.
Nesta posta, como Vossa Reverendíssima deve saber, recebi as ordens
necessárias de El-Rei Nosso Senhor para me pôr em público como seu Enviado logo que
o Marquês Embaixador tivesse a sua audiência de despedida.
O grande favor que devo a Vossa Reverendíssima , depois da grandeza de Sua
Majestade, é o primeiro credor |
desta minha nomeação, que, na verdade, pretendia mais por evitar a nota de
exclusão depois de 4 anos de Paris que por adquirir a honra do carácter que
reconheço difícil e formidável. Tudo mandei dispor logo para a minha primeira
audiência, mas |
como o Marquês Embaixador diz que lhe não é possível despedir-se menos que em
Fontainebleau, onde, com um só côche, quere fazer a sua última ceremónia, começando
a pôr em venda carroças e cavalos para pagar a seus credores.
|
O Marquês esperava um crédito de El-Rei para estas dívidas, como se fêz a
Francisco Pereira, cujo exemplo e caso vamos vendo nêle, porque, na verdade, não
sei quando êste fidalgo possa sair de Paris, segundo o estado das suas coisas.
|
Peço a Vossa Reverendíssima para, da minha parte, segure a Sua Majestade que
tenho regulado a minha casa com tal economia que, sem faltar aos decoros do
carácter, possa viver sem moléstia de credores, e espero em Deus que o hei-de
conseguir, porque, se |
não puder viver com o que Sua Majestade me dá, pedirei licença para me
retirar, que empenhos, ou afectados ou verdadeiros, em nada contribuem para os
assertos do Ministério, ainda que, na nossa terra, os Ministros que se recolhem
mais empenhados são, |
dizem lá, os mais beneméritos, os mais gloriosos. Assim fôra, se êles se
endividaram com tanta justiça como o Marquês Embaixador em crédito da sua pátria.
Peço a Vossa Reverendíssima me faça mercê de escrever ao religioso, que em
Roma faz os nossos negócios, que me receba por seu correspondente para me
participar novas daquela Cúria. E para tudo o que se |
oferecer do serviço de Vossa Reverendíssima fico com a mais fiel obediência.
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
28 de Junho de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 58.

Meu senhor.
|
Já confessei a Vossa Senhoria muitas vezes o muito que as suas aclamações
obravam em favor dos meus interêsses. Êste mesmo reconhecimento hei-de consagrar
sempre à benevolência e virtudes de Vossa Senhoria com uma necessária obediência ao
seu serviço.
|
Eu pedi esta Enviatura a El-Rei Nosso Senhor, mais por evitar a nota de
exclusão que para conseguir a honra do ministério, que, visto pela parte de dentro,
é bem medonho. E assim êsses sobressaltos e inquietações com que escrevia a Vossa
Senhoria eram umas |
vezes desconfianças a que me leva a ambição do amor próprio, mas mais vezes
eram temores do desempenho em que me punham as experiências alheias.
|
Farei, enfim, o que os outros fizerem e passarei por onde êles passaram, que
são as belas esperanças que cada um se promete e com que cada um se consola no
princípio de semelhantes emprêgos.
Fico dispondo as coisas para aparecer em público com a equipagem que eu
puder e é tudo o que posso agora dizer a Vossa Senhoria em uma Côrte onde as
resoluções e fraquezas de Madrid metem mêdo aos ânimos que amam a paz, como em
movimento aos que vivem das desordens públicas.
|
28 de Junho de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 59.

Por carta de 19 de Maio me avisa o Secretário de Estado Mendo de Foios


Pereira que Vossa Majestade fôra servido fazer nomeação da minha pessoa para seu
Enviado nesta Côrte. E, prostrado aos reais pés de Vossa Majestade, lhe beijo
humildemente a mão, pedindo a Deus que me dê tantas luzes e prudência que nesta
eleição venha a ter tanta parte a justiça |
de Vossa Majestade como teve agora a sua grandeza.
Deus guarde a Real e Sagrada pessoa de Vossa |
Majestade largos e felizes anos.
Paris, 28 de Junho de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 60.

Meu Senhor.
Não tive neste correio carta de Vossa Senhoria , e, como não seja mais que
por evitar a pena da escritura sem tocar nas indisposições da saúde, me dou por |
satisfeito e por respondido.
Aqui não há mais que conjectura dos projectos que em Holanda maquina El-Rei
Guilherme sobre a sucessão de Espanha, para evitar que não caia na Casa de França,
mas em que todos estes desenhos que se imaginam em Loo são tão ligeiros como a sêda
do seu nome. Não sabemos precisamente o que êles contêm e suponho que nem o sabem
os autores destas mesmas ideias mais |
brilhantes que sólidas. A Providência divina, que reparte os tronos e
aniquila a potestades, é quem há-de decidir a questão e fazer o destino daquela
monarquia.
Não compreendo, porém, o temor com que Vossa Senhoria |
escreve sôbre esta matéria, entendendo que a morte de El-Rei de Espanha, sem
sucessor, pode prejudicar aos interêsses de Portugal. E eu sou tão ignorante que
entendo, pelo contrário, que mais susto nos devia dar que a Raínha parira que a
nova que |
El-Rei morrera. E é tal a minha cegueira nesta matéria que me persuado que
depois do nascimento do nosso reino, não podiam os portugueses ter melhor nova, nem
desejar para os seus interêsses melhor fortuna.
Se Vossa Senhoria discorrer pelas nossas histórias, que lhe são tão
presentes, achará que nunca Portugal esteve na ocasião de aumentar o seu partido
que quando em Castela se disputava a sucessão. Umas vezes |
tivemos a honra de ser árbitros e outras vezes adquirimos novas vilas, e
outras estivemos no ponto de sermos senhores da Monarquia. Quando o mal seja
grande haverá outro Rei tão poderoso como Carlos II, seja alemão ou francês. ¿E
quem nos disse |
a nós que de Carlos II não poderia nascer um Príncipe tão guerreiro que
quisesse disputar com mais razão o direito de que seu pai cedeu? Eu julgo que mais
se havia de lembrar desta perda do que o fará qualquer outro sucessor que terá bem
com que se |
entreter, sendo certo que as cousas de Flandres, de Itália e de Índias lhe
darão bem em que cuidar todo o espaço do novo século. E assim, esteja Vossa
Senhoria descansado, porque a doença de El-Rei de Castela, quando nos não seja
utilíssima, nos é indiferente.
|
Para 13 dêste mês está decretada a exposição ou exaltação da estátua de Luiz
XIV, para cujo dia se aparelha um grande fogo de artifício, e todo o país se
apressa para tomar janelas e fazer palanques, que são, a esta hora, como os do
Terreiro do Paço |
em dias de touros. Isso tem seu ramo de gentilidade, mas a fortuna de El-
Rei, apesar das misérias em que se acha êste povo, obra êstes milagres de aplauso e
de glória.
Eu fico para servir a Vossa Senhoria com a maior obediência. Deus guarde
a Vossa Senhoria muitos anos.
9 de Agôsto de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 61.
Excelentíssimo Senhor .
|
A grande pena com que Vossa Excelência e tôda a Côrte têm sentido a morte da
Raínha Nossa Senhora e, o que mais é, a grande dor de Sua Majestade (que Deus
guarde) que lhe não permite consolação, trazem sem dúvida a Vossa Excelência na
confusão maior por |
ser êste um dos casos em que a fidelidade, o sangue e o amor dos vassalos se
conspiram a favor da mágoa.
Sinto, porém, muito, Senhor, que nas gazetas da Europa se escreva que a
nobreza de Portugal |
estimara a morte de sua Raínha porque evitando a continuação da sucessão
ficasse menos carregada a Corôa para lhe fazer mercês. Eu bem sei o pouco
fundamento com que se publicou esta falta e pouco airosa reflexão, mas, se eu
estivera agora aos pés de |
Vossa Excelência , eu lhe dissera, segundo o meu parecer, qual era o motivo
de fazerem e escreverem os estrangeiros que se acham em Lisboa um discurso tão
pouco decoroso.
Escrevo isto a Vossa Excelência porque a confiança em que |
me põe a sua generosa benevolência permite à minha ignorância esta liberdade,
em que há menos crime que veneração, porque só as raras virtudes que Vossa
Excelência possui em supremo grau o exceptuam do comum dos outros.
|
O que aqui há de novo verá Vossa Excelência na carta da secretaria e eu fico
desejando ocasiões em que no serviço de Vossa Excelência se empregue tudo o que em
mim pode haver de fôrça, de obediência e de respeito.
Deus guarde a Excelentíssima pessoa de Vossa Excelência muitos |
anos.
20 de Setembro de 1699.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 62.

Meu senhor.
Recebo a de Vossa Senhoria , e, pelas generosas expressões do favor e
benevolência, pudera crer que era Vossa Senhoria |
quem a escrevera sem saber que era Vossa Senhoria quem a assinara, tal é o
carácter glorioso com que a natureza autorizou em Vossa Senhoria uma das suas mais
perfeitas produções. Não faltam, em Paris, testemunhas desta minha confissão, e o
mesmo Abade |
Legrand, apesar do seu humor crítico, é obrigado a confessá-lo assim.
Ao Padre Lima fiz presente o favor que Vossa Senhoria me fazia em me
responder a recomendar a sua pessoa, e de novo, por mais excelente título, lhe
ofereci o pequeno préstimo de meus humildes ofícios. Êle |
trabalha em um dicionário latino e português que será obra de grande
utilidade. Bom será, também, que Vossa Senhoria acorde a sua protecção ao grande
dicionário do Padre Bluteau, que está nas últimas letras, porque a língua
portuguesa necessita bem |
dêste testemunho para se desenganarem que não é um puro jargon, vendo que a
sua explicação ocupa três grandes tomos de fôlha, e já esta notícia tem prevenido
em seu favor a Academia Francesa.
Eu bem sei a honra que devi ao senhor Conde Dom |
Fernando, que Deus tem, quando me pôs em tanta vantagem na presença de El-Rei
Nosso Senhor e não hei-de faltar em render a Vossa Senhoria , como herdeiro de suas
virtudes, todas as submissões a que me deve levar o mais justo reconhecimento.
Espero que Vossa Senhoria me continue, com as honras da sua protecção, o
título e exercício da sua protecção, |
digo, de seu criado. Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
24 de Janeiro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 63.

Excelentíssimo Senhor .
Eu bem sinto que a razão de criado de Vossa Excelência |
me obrigue a renovar, com esta minha demonstração, na memória de Vossa
Excelência a justa dor que devia causar-lhe a morte da Senhora Marquesa, minha
senhora, que Deus tem, em que à Providência divina continua a dar um novo exercício
de religião a |
constância e conformidade do grande coração e do grande juízo de Vossa
Excelência .
Rogo, pois, humildemente, à bondade de Vossa Excelência que me faça a honra
de receber êste respeitoso acto da minha obrigação, como uma repetida prova de |
que sou inseparável dos pés de Vossa Excelência .
Deus guarde a Vossa Excelência por largos anos.
16 de Maio de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 64.

Meu senhor.
Recebo a carta de Vossa Senhoria de 14 de Junho com o respeito que sempre
rendi a êste singular favor.
O grande tratado da sucessão de Espanha tem |
em suspenso tôdas as potências da Europa, porque a boa saúde de El-Rei
Católico, e o horror de disputar a herança de um homem vivo, faz que esta liga ou
se julgue intempestiva ou injusta. Porém, os interêsses dos Príncipes, como Vossa
Senhoria sabe, são |
superiores a estas considerações. O partido mais acautelado deve ser sempre
o mais preferido. E assim, como o objecto desta confederação é conservar a paz
evitando um grande pleito, todos os Príncipes devem querer tomar a sua parte.
|
Sendo que, se hei-de dizer a Vossa Senhoria o que sinto, não fio dêste grande
projecto que tem origem na ambição de dois Príncipes, um por se fazer o mais
célebre, o outro o mais poderoso. El-Rei de Inglaterra tem a saúde mais delicada
que El-Rei |
Católico pelo achaque da asma que cada dia o aperta de morte; El-Rei de
França tem o grande achaque de 62 anos, e a sua fortuna pode não ser hereditária.
O Parlamento de Inglaterra não é seguro nas alianças com França. Holanda, se se
vir desembaraçada |
do partido dominante do Príncipe de Orange, pode ser que mude de sentimento,
por onde temo que a liga não tenha todo o efeito que por cá se imagina.
Veremos qual é o fruto das negociações de Madrid e de Viena, onde se releva
altamente a renúncia da |
Rainha de França Maria Teresa, como se as razões que seu filho pode alegar da
fôrça de injustiça e de lesão não bastassem para lhe autorizar o direito de esperar
por composição o reino de Nápoles e de Sicília, pois, com menos justiça e em tempo
de menos poder, adquiriu França o Ducado de |
Borgonha e depois o Condado do mesmo nome, o Russilhão e a maior parte de
Flandres.
Sôbre a guerra do Norte, não há mais que imediações e projectos de paz, e
não há dúvida que se deve à prudência do Eleitor de Brandeburgo que a guerra não
tenha começado com grandes fôrças e maiores conseqüências.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
|
25 de Julho de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 65.

Senhor meu:
Recebi a de Vossa Mercê de 20 de Agôsto e agradeço a Vossa Mercê o singular
favor que me continua de novas da sua boa saúde.
|
Na tarde do dia em que saíu o correio de Madrid, teve El-Rei Católico um
grande ataque dos seus acidentes de indigestão e esteve cinco quartos sem
conhecimento e meio morto. E, tornando dêste letargo, lhe deu um grande vómito e
ficava melhor. |
Diogo de Mendonça me escreve esta nova em post-escrito pedindo-me a comunique
a Vossa Mercê .
Monsieur de Torcy me deu ontem, nesta vila, a mesma nova, fazendo mil
plazenterias sôbre ela, como se os 62 anos de Luiz XIV não fôssem igualmente
sujeitos a caução que os 31 de Carlos II.
Já mandaram reformar os erros da tradução do |
tratado provisional sôbre as terras do cabo do Norte, e se Vossa Mercê quere
uma cópia eu a mandarei com aviso seu.
O gazeteiro desta vila escreveu aqui, ao commis do bureau d'adresse, que
andava ausente pelas |
queixas que Vossa Mercê e o Ministro de Alemanha fizeram dêle acêrca do
insolente Lardan, que compusera contra a raínha Dona Joana, mulher de Henrique IV,
rei de Castela.
El-Rei mandou pedir ao Cardeal de Bulhão a demissão do cargo de grande
Aumônier e o cordão bleu da ordem, que se entende que as Abadias se meteram em
sequestro.
O mesmo secretário me disse que se não |
prolongará o termo ao Imperador. Veremos agora o que resolveu e se
Inglaterra e Holanda querem passar avante, em cujo negócio a ambição do Duque de
Sabóia se dará grandes movimentos, como neto de Felipe II.
|
Esperamos hoje as circunstâncias da paz do Norte, e Vossa Mercê me diga como
vai da saúde d'El-Rei de Inglaterra, porque os apaixonados da casa de Áustria o
fazem com muita indisposição, não sòmente pelo seu achaque da asma, mas por uma |
inchação de pernas.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
27 de Agôsto de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 66.

Reverendíssimo Padre.
Já no passado avisei da morte do Padre Pomereau, e não pude fazer especial
aviso a Vossa Reverendíssima porque me faltou o tempo e se apressou a posta. |
Êle morreu de um ataque de apoplexia de que estava ameaçado havia mais de
seis anos. A todos causou grande sentimento a sua morte, porque a sua afabilidade
e o seu acolhimento o faziam muito amável.
|
Depois do papel do Padre Conti saíram outros de grande fôrça e de igual
modéstia, que não remeti a Vossa Reverendíssima por serem de grande volume. A
controvérsia entre os missionários pelo que respeita ao culto e ceremónias de
Confúcio está posta em |
silêncio por ordem de El-Rei, que, sem isto, iria até o infinito, porque êste
género de combate é tão ordinário nesta Côrte e tão pueril que o não posso comparar
menos que a uma pendência de regateiras na nossa Côrte.
|
Na Soborna se não têm ainda decidido sôbre as proposições de um livro do dito
padre pelo exame que êles chamam doutrinar, em que muitos doutores têm votado que
nelas não há inconveniente e que tudo é um puro facto que pode referir-se sem
estabelecer-se em modo que ofenda a verdade da |
História Sagrada. Porém, a Companhia tem aqui tantos invejosos que não
duvido que condenem o livro.
É para ver o como os missionários franceses aplaudem, nesta Côrte, o
cuidado da propaganda |
nas nomeações dos Bispos da China, sôbre que eu, um destes dias, disse,
diante de alguns deles, que em França se tinha do Papa uma fé muito contraditória,
porque a |
respeito da regalia de El-Rei Cristianíssimo era infalível e podia errar, mas
a respeito da regalia de El-Rei de Portugal e dos mais Príncipes católicos era
infalível e sem êrro algum. De sorte que, quando a propaganda nos pretendia
despojar do nosso padroado da China, era um Tribunal de Deus, e quando, no tempo de
|
Inocêncio XI, queria restringir os direitos de El-Rei de França sôbre igual
matéria, era um Tribunal de ambição e que abusava do direito do sacerdócio.
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
17 de Outubro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 67.

Excelentíssimo Senhor .
Aqui chegou a nova da morte de El-Rei Católico Carlos II, e a Regência de
Castela escreveu uma carta a El-Rei com a cópia do capítulo do |
testamento em que se dispôs a sucessão, que El-Rei aceitou sem participação
de seus aliados. Porém, o negócio está com bastantes dúvidas, e os franceses o
acham tão dificultoso que apenas há algum que se determine na escolha entre o
testamento |
contratado.
O Imperador é o mais prejudicado, pois tôda a sua casa se reduz ao ramo de
Alemanha. Quererá bem fazer agora seu filho Rei de Espanha, ainda que perdesse os
Estados de Nápoles e Sicília. Não |
poderei bem referir a Vossa Excelência a grande variedade de reflexões que
aqui se fazem, ou das influídas dos diferentes interêsses dos Príncipes, porque os
de Itália dizem que El-Rei Cristianíssimo não pode, sem iniqüidade, resistir ao
testamento de El-Rei |
Católico diminuindo aquela sucessão de uma parte tão considerável. Os
alemães pretendem que o testamento é feito por fôrça e sem liberdade, contra o
direito do Arquiduque, não sòmente pela renunciação da raínha Maria Teresa, mas
pela qualidade da |
descendência restabelecida em Felipe I, segundo o qual os varões remotos
excluem os descendentes por fêmeas, ainda que mais próximos.
Os inglêses e holandeses temem que El-Rei de França queira tudo para si e
que desta ambição |
nasça uma guerra inevitável com pouca esperança de bom sucesso. Os
indiferentes desejam que a Monarquia de Espanha não seja dominada por um Príncipe
de França em ordem à diversão na união de ambas as nações.
De tudo farei aviso a Vossa Excelência fiado em que a |
gravidade da matéria pode ter lugar entre as suas ocupações.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
14 de Novembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 68.

Senhor meu:
|
Ainda não cessa a admiração dêste grande sucesso que derrotou tôdas as
políticas estudadas e observadas depois de dois séculos, que tantos há justamente
que a Casa de Áustria montou sôbre o trono de Espanha de que agora desceu para dar
lugar a |
França.
Ficam-se preparando, com tôda a pressa, os móveis necessários para a
jornada dêstes Príncipes, que será até os 4 do mês que vem. O Embaixador da
Espanha já recebeu 40 mil libras de alvíssaras com um recado do seu novo Rei, em
que lhe dizia que aquela pequena gratificação era como do pequeno pecúlio do Duque
de Anju.
O Eleitor da Baviera já fêz aclamar a êste |
Príncipe, e lhe manda o Marquês de Belmar, mestre de campo general, para lhe
dar conta do Estado daquelas praças e tropas. Já não há Pirenéus entre estas duas
Corôas. Já os franceses se acomodam a tudo a que vem de Espanha e até as estrêlas
|
parece que mudaram a antiga aversão de espanhóis e de franceses.
O Secretário de Estado me disse que a Portugal se devia a resolução do
testamento de que El-Rei se não esqueceria nunca, estando pronto para |
renovar connôsco a mesma antiga aliança.
Até agora não há mais que estas admirações, porque até os discursos estão
atados ao portento.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
24 de Novembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 69.

|
Excelentíssimo Senhor :
Recebi a de Vossa Excelência de 19 de Outubro, com o gosto de ver que Vossa
Excelência não duvida já que eu não podia faltar em render-lhe, por cartas minhas,
aquêles respeitos que se lhe devem, ainda que sei que esta pequena demonstração
minha é para demonstrações e ocupações de Vossa Excelência mais um novo embaraço
que um antigo obséquio.
|
O Marquês de Castelo dos Rios, que Vossa Excelência aqui deixou no estado da
maior aflição, está já no maior triunfo do ministério, valido do seu novo Rei, que
lhe mandou um dêstes dias 3 mil luízes com promessas de o fazer grande senhor.
|
A declaração do novo Rei se fêz com grande ceremónia. Em uma audiência que
pediu o Embaixador, em que apresentou segunda carta da Regência, lhe disse El-Rei
Cristianíssimo que ali tinha o seu Rei, e lhe mostrou o Duque de Anju, que estava
|
detrás da porta do pequeno gabinete de El-Rei. O Embaixador lhe beijou a mão
de joelhos, e logo o Duque passou, para a mão direita de seu avô, na mesma linha.
Come com El-Rei e fica no quarto grande; é tratado como El-Rei Jacques nos assentos
|
e visitas. Parte em 4 de Dezembro. Seus irmãos vão com êle até à raia.
Leva pouca família francesa e fará a sua entrada à espanhola. Estas são as
exéquias da Casa de Áustria, a quem já os castelhanos olham com desprêzo.
Até agora não sabemos como o Imperador toma esta nova mudança do seu
destino, em que foi ou |
mal informado ou mal servido. Inglaterra e Holanda blasfemam de se não
executar o tratado, mas não fizeram ainda demonstração alguma, nem é tempo de a
fazer. Os nossos interêsses mudam de face, mas os bons conselhos e experiências de
Vossa Excelência |
estabeleceram na nossa Côrte as melhores e mais seguras máximas.
O Duque de Orleãs me preguntou, um dia destes, por Vossa Excelência , no
seu Paço desta vila. Eu lhe respondi que Vossa Excelência me ordenava de
apresentar sempre os |
seus respeitos.
Para tudo o que Vossa Excelência dignar a minha obediência, não saberei
faltar.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
28 de Novembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 70.

|
Reverendíssimo Padre Mestre, senhor meu:
Pela carta que neste correio escrevi a Mendo de Fois Pereira veria Vossa
Reverendíssima qual é o inesperado fim que as cousas tiveram, em que me parece
fazer aqui algumas reflexões que não serão inúteis em um tempo em que todos devemos
ter voto.
Não há dúvida que nós não temos já sôbre o trôno de Espanha a Casa de
Áustria para esperarmos |
socorros de França. E assim, mudados os nossos interêsses, é necessário
mudar as nossas máximas mas êste é o ponto e todo o trabalho.
Enquanto o novo Rei se não faz espanhol e o govêrno de Castela não dá
ciúmes a França, é |
necessário professar grande amizade com Inglaterra e Holanda, e ao mesmo
tempo não dar à França a mínima desconfiança nem aos espanhóis o mais leve
pretexto. De sorte que devemos ser amigos de todos, mas com grande política, de
Inglaterra com |
sinceridade, e de França com grande estudo.
Parece-me que, na conjuntura presente, deve El-Rei Nosso Senhor mandar um
Embaixador a Madrid para residir naquela Côrte e fazer boa correspondência entre as
duas Corôas, sendo certo que os |
portugueses não serão desagradáveis a um Rei francês que ajudou seu avô a
meter naquele trôno a Casa de Burbão. Porém, êste Embaixador não deve ser daquêles
que vão às Côrtes mais para fazer o seu negócio que o dos seus Príncipes, |
acompanhados de criados revoltosos, que fazem pendências e arriscam o
carácter do Ministro e deixam a nação odiosa. Julgo que esta nomeação de
Embaixador nos é necessária, mas a escolha é bem dificultosa.
Também me parece que deve vir para esta Côrte outro Embaixador para que,
com boa inteligência com o de Madrid, façam com mais meios e melhor sucesso os
negócios de Sua Majestade. Um |
Embaixador tem mais liberdade, mais comércio e pode ganhar mais os espíritos,
e creia Vossa Reverendíssima que assim julgo necessário como testemunho de vista.
Porém, deve ser um Ministro prudente e que não tenha nada de pataratas da nossa
Côrte, porque se |
fará ridículo e pouco ou nada considerado, e eu lhe apontarei o caminho para
fazer boa figura e com utilidade. Êste Ministro deve falar a língua francesa, que
sem isso será sempre um corpo sem alma e sem persuasão.
|
Não é menos necessário um Embaixador em Londres, com as mesmas qualidades
para ter sempre aquêle Parlamento em nosso favor pela persuasão do dano comum.
Não vejo nos nossos cavalheiros aquela |
vivacidade e astúcia que aqui fazem parecer os Embaixadores dos outros
Ministros, digo, Príncipes. Os novos Ministros se persuadem que em tendo boa
carroça e boa casa têm cumprido as obrigações do Ministério, e por isso não fazem
nada, como mostra |
experiência. Os dos outros Príncipes são incansáveis nas suas negociações;
até parecem importunos.
É, pois, de última necessidade que El-Rei Nosso Senhor nomeie hoje êstes
três Ministros, com alguma interpolação, para Espanha e depois, |
em breve tempo, para França e, pouco depois, para Inglaterra.
Tomei a liberdade de escrever êste meu pensamento a Vossa Reverendíssima
porque assim o devia fazer eu como vassalo de Sua Majestade, a quem desejaria que
Vossa Reverendíssima , com a qualidade de seu confessor, lhe fizera tudo presente,
porque são máximas que os outros Ministros desta Côrte representarão |
também aos seus Príncipes, nesta ocasião, por vias particulares.
Aqui se entende que enquanto fôr vivo El-Rei Luiz XIV não haverá alteração,
porque êle ama a paz e a vida, e, não quere nada que lhe dê hoje |
inquietação. Quere, porém, viver com glória e com respeito, que é a sua
paixão dominante, e nestes sentimentos pacíficos o põe Madame de Maintenon.
A Sua Majestade, por parte do Imperador, se hão-de fazer mil partidos para
que entre em Castela. |
Também El-Rei Guilherme e os Estados lhe hão-de fazer propostas especiosas,
mas nada é seguro, porque nestes Príncipes fala agora mais a raiva e a vingança que
a Prudência e segurança. É necessário ouvi-los e entendê-los e propor-lhes as |
dificuldades. Êles querem fazer-nos a vítima da sua injúria e da sua perda,
e, por mais vizinhos, tudo caïrá sôbre nós. E se França entender que entramos em
negociação secreta, ao outro dia nos fará declarar guerra pelos espanhóis.
|
Enquanto as cousas não tomam o assento em que hão-de ficar, é de última
necessidade o termos 20 mil homens levantados sem fazer terços novos, mas
aumentando os vélhos, que é uma recruta de menos estrondo, e despesa. Pode ser com
o pretexto de mandar à Índia, mas isto se faz com |
manha e política, sem decreto nem ordens públicas.
Também devemos ter 18 ou 20 navios bem equipados, e as nossas tropas não
devem estar sempre em uma praça, porque não há melhor disciplina que fazê-las
correr o reino cada ano, como faz |
França, a que chamam aqui circulação do sangue. Estas marchas e mudanças de
quartéis é verdadeira campanha e um verdadeiro exercício.
Torno a pedir a Vossa Reverendíssima perdão, mas julgo tão necessário fazer
esta representação por Vossa Reverendíssima |
a Sua Majestade, que pecaria contra minha fidelidade se o não fizera. Assim
isto não é desconfiar dos Ministros de Sua Majestade, mas é um efeito do meu zêlo
com alguma experiência do tempo e dos interêsses dos Príncipes, cuja ciência não é
jamais |
perfeitamente sabida. E para prova que é zêlo que me anima, verá Vossa
Reverendíssima como vai desalinhado êste pobre discurso, ditado com menos arte que
coração.
Fico para servir a Vossa Reverendíssima como devo. Deus |
guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
29 de Novembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]


[ title ] 71

Senhor meu:
Estimo as boas novas que Vossa Mercê me dá da sua saúde por carta de 30 do
passado, cujo favor pretendo merecer com uma grande amizade e |
veneração à pessoa e talento de Vossa Mercê .
Sábado, 4 do corrente, partiu o novo Rei, acompanhado de seu pai e avô, sem
entrar em Paris. Tomaram a estrada de Orleãs e, em uma casa de campo adiante de
Seau, se disseram os últimos |
adeus. Houve lágrimas de parte a parte.
Aqui não há agora mais que encarecer tudo o que é Espanha e que tem o nome
de espanhol. Já são ricos, valorosos, entendidos. Nas gazetas não verá Vossa
Mercê mais que pobrezas e encarecimentos de bagatelas com que esta nação costuma
revelar as suas coisas.
De Holanda e Inglaterra não tem vindo mais que alguma representação, nem da
parte do Imperador temos algum aviso. Eu cuidei ter hoje a cópia da |
resposta que aqui deram ao Embaixador de Holanda, mas não pude alcançá-la.
Na primeira posta avisarei a Vossa Mercê .
O discurso que Vossa Mercê faz sôbre o fim que há-de ter a guerra é tão
justificado que não posso |
entender a razão por que êsses estados se põem em termos de ouvir
desabrimentos imperiosos, que devem dobrar a justa raiva com que estão, pois é
impossível que empreendam uma guerra em que o sucesso lhes poderá ser contrário,
quando não seja uma grande ruína. Queira Deus que também nós não façamos o amuado,
porque é certo que na fronteira |
de Baviera está ainda o exercício que governava o Duque de Harcourt, e está
hoje às ordens do novo Rei. Sôbre esta matéria tenho escrito, por um próprio, à
nossa Côrte para que Sua Majestade, informado com antecipação, se previna para as
|
respostas que se devem dar, assim a esta Côrte como aos belos projectos que
nos hão-de fazer o Conde de Valstein, segundo o que me tem dito o Enviado do
Imperador, que, sem ordem alguma de seu amo, me prometeu agora a província de
Andaluzia. Veja |
Vossa Mercê êste disparate, pois até agora não quiseram largar parte da
Monarquia e já prometem a maior parte.
O que escrevi a Vossa Mercê sôbre êste Ministro fique sempre entre nós, mas
pode Vossa Mercê estar certo do |
que disse.
Eu não cumprimentei ao novo Rei, como diz o gazeteiro, mas lhe fiz a minha
reverência, passando êle à missa, por me achar entre os mais e não poder, sem dar
ciúmes, isentar-me de fazer o que os outros |
obravam, quando a minha reverência é um acto de cortesão a um Príncipe que
conheço e que me fêz sempre muita honra. Eu bem quisera não aparecer no Paço todos
êstes dias, mas não o fiz por entender que fazia suspeitosa a nossa Côrte, que
sempre fica livre para obrar o que for mais conveniente aos nossos interêsses. Os
meus serão sempre de obedecer a Vossa Mercê em tudo o que me mandar.
|
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
6 de Dezembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 72.

Senhor meu:
Recebi a de Vossa Mercê de 13 do corrente, com a particular estimação que
sempre faço do favor de suas |
novas, alegrando-mo que passe com saúde perfeita.
Como a diligência e prontidão é o forte dêste reinado, não se descuidem em
passar as ordens necessárias para que as tropas destinadas à guerra de Itália
possam passar, ao primeiro aviso de |
movimento, e, segundo as aparências, não entendo que o Imperador faça grande
progresso, sendo que se as mais potências se ajuntarem, segure-se Vossa Mercê que
hão-de dar grande cuidado a êste reino, porque está sumamente falto de homens para
encherem ou |
levantar tropas, não se achando já soldados alguns da última reforma geral
que ou estão transplantados ou morreram nos hospitais. Assim o afirmam, mas eu
creio que, se não é tanto como afirmam, ao menos é certo que há grande dificuldade
a encher |
as tropas.
Não encontramos aqui mais que castelhanos afrancesados, que fazem esta
Côrte tôda espanhola. Eu cuidava, em outro tempo, que a aversão destas duas nações
era irreconciliável, mas já me vou persuadindo, crendo que neste mundo tudo são uns
hábitos mais nascidos nas apreensões do discurso e da criação que no coração, no
sangue e nas estrêlas.
O novo Papa não foi feito pela qualidade de |
francês, mas pela de bom italiano, com testa, idade e vigor para sustentar os
interêsses da nação que vem a ser uma tranqüilidade medrosa e uma ociosidade sem
algum brio. Porém, na conjuntura presente, em que Pilatos e Herodes se fizeram
bons |
amigos, é fôrça que o Príncipe dos Sacerdotes seja da mesma cabala.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
20 de Dezembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 73.

Meu amigo e Senhor:


|
No último dia e na última hora do século que acaba, escrevo esta carta a
Vossa Mercê , e desta insigne circunstância tomo ocasião para dizer-lhe que, se até
os séculos acabam, ¿que pena ou aflição pode haver que dure?
|
Tenha Vossa Mercê um pouco de paciência e verá dissipada tôda a sua mágua e
recompensada tôda a sua perda. Eu também nesta prudente consideração vou curando
alguns males do espírito em que ordinàriamente tem muita parte o vício da queixa e
a arrogância do amor próprio.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
31 de Dezembro de 1700.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 74.

Senhor meu:
Estimo as boas novas da saúde de Vossa Mercê recebidas pela carta de 7 de
Janeiro, que leio sempre com a maior atenção e civilidade.
|
A reflexão e justa invectiva que Vossa Mercê faz contra o humor dos
castelhanos é digna do seu juízo e experiência, mas como êles estão conhecidos no
mundo por homens que discorrem com soberba precipitada, pouco importam as suas
bravadas de |
comédia e os seus projectos no ar, a que o mundo chama castelos em Espanha.
Êles estão tão pouco considerados e tão submetidos à tutela desta Corôa, que aqui é
que se hão-de fazer tôdas as negociações e é certo que esta Côrte, sem embargo dos
|
cumprimentos que fêz à Regência, não há-de contribuir mais que para a sua
conservação, guardando para si as vantagens que puder tirar da união. Se eu crera
tudo o que a modéstia de Vossa Mercê me escreve sôbre as máximas da nossa
conservação, que, Vossa Mercê sabe melhor que eu, fizera aqui melhor discurso. Mas
êle pede mais conferência que a carta, porque não pode deixar de ir cheio de alguma
crítica rigorosa que |
respeita a alguns Ministros da nossa Côrte, onde tanta sinceridade não é
sempre da razão, e a nossa boa fé nos põe fora do comércio e nenhum Príncipe conta
sôbre nós, temendo-nos ou necessitando-nos. Deus nos meta no verdadeiro caminho
dos nossos |
interêsses, sendo que os interêsses dos Príncipes não concordam muito com as
máximas do Evangelho.
Ontem à noite se publicou que o Conde de Avaux estava nomeado para ir
continuar a função do conde de Briord. Bem mostra a escolha do sujeito que |
querem nessa Côrte um homem já conhecido e que despersuada os vãos
pensamentos espanhóis.
O Príncipe de Mónaco é morto da pena que teve de se haver tão levemente
arriscado na pendência passada e pelas mais circunstâncias que houve e que |
justamente lhe atraíram a repreensão desta Côrte.
O Enviado da Dinamarca tem audiência Terça feira para cumprimentar a El-
Rei. Êste homem, que se preza de grande conhecedor no seu ofício, fêz suspeito o
cumprimento de seu amo, contentando-se com dar a carta a Monsieur de Torcy, o qual
lhe respondeu que a desse a El-Rei em uma audiência. |
Esta fineza do Enviado não pode ter outro fim que o referido de fazer menos
estimada esta civilidade do seu Rei, porque cumprimentar a El-Rei de França por uma
carta dada na sua mão, ou dada na mão do Secretário, não muda a substância.
|
Eu tive Terça feira audiência em que fiz as expressões de ânimo de Sua
Majestade, como mandaram fazer, sem por isso entenderem os Ministros do Imperador e
Inglaterra que não somos bons amigos. O Embaixador dêsses estados está à
extremidade e |
não creio que escape; ao menos que fique em estado de servir.
O Papa, com a sua neutralidade, não agrada aos Príncipes de Itália nem a
esta Côrte, porque queriam que se declarasse contra o Imperador pelo |
repouso de Itália. Agora querem aqui que o Papa seja guerreiro.
O mais verá Vossa Mercê da gazeta inclusa, e eu fico para servi-lo com a
maior vontade.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
13 de Janeiro de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 75.

Senhor meu:
Recebo a carta de Vossa Mercê de 18 de Fevereiro e lhe rendo as graças pelo
favor das suas novas, o que me é e será sempre precioso e que eu tratarei de
merecer com o maior cuidado.
As disposições que êsses Estados mostram para abraçar o partido da guerra,
e as preparações que |
para ela fazem, lhe serão sempre úteis ainda para entrarem em boa negociação,
porque eu imagino que o Conde de Avaux foi a essa Côrte, mais para espiar que para
negociar, ou, para dizer melhor, para efectuar a negociação segundo o que puder |
colher do ânimo dos holandeses e das fôrças do estado e das dos Estados dos
seus amigos e aliados.
As ordens para um grande armamento se passaram, mas, como o de Inglaterra e
o de Holanda é uma vez maior, não creio que êste se continue mais |
que na experiência. Tratarão, porém, se houver guerra, de largar a brida a
uma grande quantidade de armadores para infestar os mares e perturbar o comércio,
que nesta arte é excelente a libertinagem francesa.
|
Sôbre os Príncipes de Itália, que ocupam agora a maior parte dos discursos,
há tantas desconfianças de uma parte e outra que nenhum dos partidos conta sôbre
êles. O tratado do Duque de Sabóia é confirmado por todos e desconcerta
notàvelmente a |
Côrte de Viena. O Duque de Parma quere armar-se e, provàvelmente, será do
dinheiro de França, e as intrigas que nisto tem havido pedem mais conferência que
conta.
O regimento de Picardia, que entrou em Anvers, |
animará muito aquêles povos, mas também serão bem depressa com um freio na
bôca como os mais moradores de Flandres hão-de experimentar, porque não sei se os
seus privilégios serão bem guardados, e ouço que já se queixam à Regência sobre a
insinuação que há nesta matéria.
|
Enquanto ao mais, a carta de Vossa Mercê me serve de modêlo e de lição, que
tratarei de me render bem discípulo, ficando para servir a Vossa Mercê com a mais
obediente vontade.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
25 de Fevereiro de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 76.

Reverendíssimo Padre Mestre e Senhor meu:


Ainda ficamos na mesma suspensão a respeito da guerra e da paz. Queira
Deus que as coisas se acomodem para que não sejamos obrigados a tomar partido |
, escandalizando Inglaterra ou irritando Espanha, sendo que a ocasião é boa
para os inimigos de França, segundo todas as aparências, porque a guerra de Itália
dará muito embaraço a esta Côrte.
Parece-me lembrar a Vossa Reverendíssima que é |
necessário lembrar a Vossa Reverendíssima que os nossos governadores observem
uma grande e boa inteligência com tôdas as praças fronteiras de Castela, e que em
Buenos Aires há muito cuidado de não dar ocasião a que nos insultem, nem dar alguma
queixa para que percamos todo o comércio. Porém, bem sabe Vossa Reverendíssima que
estas coisas se fazem com maior cautela e segrêdo.
Vossa Reverendíssima bem conhece que temos necessidade de |
um Ministro em Roma para termos propícia aquela Cúria; e agora mais que nunca
devemos fazer grandes carinhos ao Núncio e grandes cumprimentos ao Papa.
Não mando a Vossa Reverendíssima o papel do Maranhão |
porque o cuidado em que andamos na conjuntura não me dá tempo para o pôr em
limpo, porém, não deixará de ir a tempo e com utilidade.
Ao serviço de Vossa Reverendíssima exponho tôda a minha obediência.
|
Deus guarde a Vossa Reverendíssima muitos anos.
6 de Março de 1701.

[ letter (author: JCB)]


[ title ] 77.

Meu amigo e Senhor :


Agradeço a Vossa Mercê a lembrança que tem de mim. Eu bem quisera
continuar mais repetidas vezes êste |
comércio com Vossa Mercê ; porém, por lei do destino, ou por mau costume do
século, é necessário que o respeito domine sôbre o gôsto e que o entendimento
reprima tôdas as ternuras do entendimento, digo, do coração. Vossa Mercê , que
sabe e conhece esta guerra da |
razão e da vontade, nem me culpe, como douto, nem também me absolva, como
amigo.
Sinto que Vossa Mercê perdesse a sua causa pela certidão que se juntou de
outro parentesco mais chegado. Eu nunca me fiei em fama e certidão de
genealógicos; a matéria é suspeitosa e sempre incerta. Assim parece que o quis
ensinar o Santo Espírito sôbre a genealogia de Nosso Senhor: deixou equivocação ou
contrariedade aparente entre os |
Evangelistas, em que tanto têm trabalhado os opositores.
Sôbre semelhante reflexão fiz eu já um papel para redimir a um amigo da
funesta e cruel reflexão e presunção em que laborava a limpeza do seu sangue. |
Êste prejuízo há-de acabar com o mundo, e assim é acusada a declamação e a
invectiva.
Não deixe Vossa Mercê de avisar-me sobre a matéria do seu novo
estabelecimento com mais circunstâncias e de que parecer está hoje seu Tio. Fico
para servir |
a Vossa Mercê como devo.
Paris, 8 de Maio de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 78.

Meu amigo:
Alegra-me de que Vossa Mercê passe com saúde, que é tudo o que há e que se
deve estimar neste mundo. |
Com razão explicam os latinos pelo mesmo termo a "salvação" e a "saúde",
porque neste mundo e no outro não há mais que uma bem-aventurança, que é saúde e
salvação.
No primeiro navio mandei a Vossa Mercê o Pufendorf que escreveu sobre o
direito natural e das gentes, e que Vossa Mercê deseja ver. Êste autor falou de
tudo, mas não aprofundou tudo. Fala mais como homem de |
erudição que como homem de jurisprudência.
Nêle achará Vossa Mercê reprovada altamente a definição dos consultos que o
direito natural era aquêle que a natureza ensinava a todos os animais, e que esta
definição era uma crassa ignorância. Sendo |
os animais incapazes dêste direito, êste autor, com sua licença, não sabe o
que diz.
A todos os animais, entrando o animal homem, compreende esta definição, a
todos ensinou a natureza esta definição e o direito natural primário, |
que é a propagação da espécie e conservação dela e outros efeitos bem
patentes a esta consideração e à nossa experiência. Prouvera a Deus que os homens
saíssem, nesta consideração, digo, lição da natureza tão bons discípulos como os
animais. Êstes |
em grande confusão do nosso tão jactado entendimento, parecem racionais e
aquêles apenas ficam no andar de sensitivos.
Os autores que não aprovam esta definição são materiais e pouco
penetradores da natureza. Não aprovo também os que convertem o instinto em razão,
sendo que bem comparadas as extravagâncias |
da nossa razão com as regularidades daquêle instinto não sei o que diga.
Basta de chasco, de reflexão. Estamos com grande expectação das cousas de
Espanha, de que Vossa Mercê faz bem pouco caso.
|
Deus guarde a Vossa Mercê .
14 de Maio de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 79.

Muito Reverendos Padres Mestres portugueses, religiosos de Santo Agostinho,


no seu convento de Isulfa:
|
Chegando a esta Côrte e vila de Paris, a onde El-Rei de Portugal me mandou
por seu Enviado junto de El-Rei Cristianíssimo, tive conhecimento com Monsieur de
Saintolon, gentilhomem de grande merecimento, e por êle soube que Vossas
Paternidades tinham |
bom comércio com seu irmão Bispo de Babilónia, de que o dito Prelado se
confessa obrigado, reconhendo os bons ofícios que deve a Vossas Paternidades , como
êle escreveu a seu irmão, Monsieur de Saintolon, o qual me pede agradeça a Vossas
Paternidades em seu nome todo êste bom tratamento com que Vossas Paternidades obram
|
segundo as intenções de El-Rei Nosso Senhor, que é servido que entre os
vassalos de uma e outra corôa se guarde aquela recíproca união e inteligência que
convém à estreita aliança e antiga paz de ambos os Reis.
|
E assim, tudo o que não encontrar os interêsses de Portugal, será muito
louvável o bom comércio que Vossas Paternidades continuarem com êste Prelado e dêle
se dará por bem servido El-Rei Nosso Senhor.
E no meu particular ofereço a Vossas Paternidades todo |
aquêle serviço que couber na minha capacidade.
Deus guarde as muito Reverendíssimas pessoas de Vossas Paternidades por
largos anos.
Paris, de Julho 7 de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 80.

Por carta de 17 de Julho me faz Vossa Eminência a honra |


de agradecer-me o livro da história de Portugal e a advertência de seu autor.
Agora vejo, como sempre, que o grande coração de Vossa Excelência até nas coisas
indiferentes, como diz êsse autor, acha motivos de que adornar a sua benevolência.
|
A oferta do livro não foi mais que como tributo de uma impressão que El-Rei
Nosso Senhor mandou pagar, e a advertência sobre a casa de Arronches é uma das
primeiras verdades da história que se não podia passar em silêncio sem quebrantar
um |
dos principais preceitos dela. E assim, Eminentíssimo Senhor, muito a meu
pesar, confesso que não tenho nesta ocasião a fortuna de merecer esta generosa
galantaria de Vossa Eminência . Porém, como o autor continua esta obra até o
reinado de El-Rei Dom |
Afonso VI, procurarei que lhe não esqueça nada do que pertence à casa de
Vossa Eminência em que também não presumo que o meu serviço seja necessário para
fazer conhecer umas acções que por grandes e por maravilhosas as tem a memória
vinculadas a tôda a |
posteridade.
Permita Vossa Eminência que me alegre com as notícias que tenho da perfeita
melhoria de Vossa Eminência tão necessária a Portugal na presente conjuntura, e que
os nossos interêsses requerem novas máximas e que |
só a grande prudência e circunspecção de Vossa Eminência pode estabelecer com
juízo e executar com glória.
Guarde Deus a pessoa de Vossa Eminência por largos e venturosos anos.
Paris, 3 de Agôsto de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 81.

|
Meu Senhor:
Recebi a carta de Vossa Mercê de 12 de Julho e sinto que sôbre as ocupações
da conjuntura presente padeça Vossa Mercê indisposições na saúde, pois lhe desejo a
mais perfeita e a mais segura, não só como obrigado aos favores de Vossa Mercê ,
mas como zelozo do nosso bem público.
A história de Portugal buscou o abrigo da livraria de Vossa Mercê , como
França buscou a nossa liga, para |
evitar o dano que Vossa Mercê lhe podia fazer armado de uma crítica judiciosa
e aguda. Para esta obra não concorri com cousa alguma: já a achei feita quando vim
a França; contentei-me com saber que, mais que historiador das nossas acções, era
êste autor |
um panegirista delas. E assim, entendo que enquanto aos pontos principais
que nos podem ser contestados, escolheu êle o melhor partido. Em muitas coisas não
é exacto, mas ¿qual é o que pode jactar-se desta maravilha, escrevendo uma história
|
alheia, universal e longa, tirada de livros e memórias confusas, quais são as
nossas histórias cheias de superstições, de milagres, de Santos e outras fradarias,
que nos fazem passar, ou por muito crédulos, ou por muito visionários?
|
Esta obra, porém, nos faz aqui honra, porque é a primeira vez que os nossos
Reis apareceram no teatro do mundo falando uma língua que todos entendem, sem as
importunas digressões de Brito e Brandão, que são insuportáveis galimácias, e de
Faria e Sousa. E assim, bem pode Vossa Mercê dignar-se de apadrinhar êsse livro
contra a censura de alguns críticos precipitados e de algum pedante melindroso.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
|
Paris, 7 de Agôsto de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 82.

Muito Reverendíssimo Padre Mestre :


O Cardeal Sanson escreveu a El-Rei Cristianíssimo que nessa Cúria tinham
aparecido várias estampas do retrato de El-Rei de Espanha com o título de |
Rei de Portugal, e como esta novidade e usurpação nasceu da educação ridícula
dos gravadores, em que a Côrte não tem alguma culpa, mandou logo El-Rei ao
Magistrado a quem incumbia esta execução que fizesse suprimir as estampas e romper
as chapas, e |
no mesmo tempo me mandou escrever a carta inclusa pelo Marquês de Torcy,
ministro e secretário de Estado, de que é cópia a que remeto a Vossa Paternidade ,
que por serviço de El-Rei, Nosso Senhor, a deve Vossa Paternidade produzir diante
das principais pessoas que viram as estampas. Eu fico na mesma diligência, mas
como neste Reino há um grande número de gravadores, pode ser que escapem algumas
estampas além das que se terão vendidas.
Muita mercê me faz Vossa Paternidade de me querer continuar o favor de suas
novas e do que houver nessa Cúria de mais importante e eu não faltarei, da minha
parte, a render a Vossa Paternidade o mesmo serviço, desejando empregar na sua
obediência a mais pronta vontade.
Deus guarde a Vossa Paternidade muitos anos.
Paris, 20 de Agôsto de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 83.

Senhor Meu:
Recebi a de Vossa Mercê de 12 de Julho, e estimo que passe com saúde e
divertimentos que lhe desejo.
Sem razão se queixa êsse fidalgo que lhe não escrevo, porque eu tenho feito
infinitas vezes, e, se falto em alguns correios, é porque a esterilidade da matéria
faria sem sabor o obséquio da minha carta.
A pessoa, a quem diz que escrevo em todos os correios não tem
recebido,depois que estou em França mais que cinco cartas minhas, de que três foram
respostas. Porém, eu me conformo com a queixa, porque a experiência me tem
ensinado que a porfiada defesa não faz mais que dar novos capítulos à acusação.
Os senhores da nossa terra cuidam que tudo se obra por interêsse para haver
despachos e mercês, e por fineza inclinação natural de brio e honra. Infeliz é a
condição dos que não nascemos grandes, e mais infeliz é a estrêla em que nascemos.
Agradeço a Vossa Mercê a minha escusa, como é novo aumento da minha
obrigação e mais um testemunho da sua amizade.
Deus guarde a Vossa Mercê .
21 de Agôsto de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 84.

Recebi a carta que Vossa Excelência me fêz honra de escrever em 17 de


Julho, e pareceu-me fazer presente a Vossa Excelência que em todos os correios
continuei a mandar cadernos e já terão chegado, com os de hoje, ao número de 46.
Porque a intenção de Sua Majestade, que Deus guarde, é tão santa e a
curiosidade de Vossa Excelência não é menos justa, é necessário, para lograr-se com
maior fruto, mande Vossa Excelência examinar êsses remédios, porque me parece que
há muitos que contém a mesma coisa e são quási o mesmo e não servem mais que de
avultar o livro. Esta advertência é de uma pessoa douta.
Nesta Côrte têm sido tão freqüentes as apoplexias que todos, em Versalhes e
nesta vila se acaltelam com águas imperiais gerais de Meluc, e outras distilações
contras os males que acometem o cérebro, contra os vapores, vertigens, desmaios,
palpitações do corações e todos os mais acidentes desta natureza. Também guardam
junto de si as drogas que são necessárias em semelhante mal para se servirem em um
repente tão perigoso e tão decisivo da vida do homem.
As apoplexias do Delfim e do Duque de Orleãs |
renovam esta necessária precaução, e todos se provêem dêstes remédios e os
conservam em uma frasqueira na sua guarda-roupa, com uma relação da serventia e uso
deles. Eu tenho uma frasqueirinha destas que me compôs um hábil boticário desta
vila. |
E se Vossa Excelência me der licença, a enviarei a sua casa. O zêlo pela
saúde e pela vida de El-Rei Nosso Senhor me obriga a dizer a Vossa Excelência que
seria bom que na guarda-roupa de Sua Majestade houvesse estes remédios, como há na
de El-Rei Cristianíssimo, onde |
se acha até a lanceta do barbeiro.
Na carta geral que escrevo a Mendo de Foios falo sôbre os oficiais que se
apresentam para ir a êsse Reino, em que me parece dizer a Vossa Excelência que os
oficiais generais emprestados não servem mais que |
de virem depois a ser espias do nosso forte e do nosso fraco. Alguns há aqui
de fortuna que se podem estabelecer para sempre, e êsses são os melhores. Também
há oficiais estrangeiros que desejam muito servir debaixo das ordens de Vossa
Excelência . |
Alguns suecos se me têm oferecido, que se contentam com ser tenentes de
cavalo, mas a indiferença da religião suponho que é grande impedimento para servir
nas nossas tropas. Se Vossa Excelência necessita de engenheiros daqui, podem ir
com comodidade e |
creio que para os reparos da nossas fortalezas nos são bem importantes.
Também se me inculca um fundidor, natural da vila de Liège, que é muito hábil para
as nossas fábricas.
Perdoe Vossa Excelência a liberdade com que me atrevo a lhe tomar tanto
tempo.
Deus guarde a Excelentíssima pessoa de Vossa Excelência por largos anos.
|
Paris, de Agôsto 21 de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 85.

Muito Reverendíssimo Padre Mestre e Senhor meu:


Recebi a carta de Vossa Paternidade de 31 de Outubro, e estimo que chegasse
a essa cidade com saúde e que a viagem se fizesse sem algum acidente e com tantas
|
ocasiões de passatempo e de gôsto, que menos era necessário para um
passageiro como Vossa Paternidade , que fugia dos fiéis do mundo para se chegar aos
fiéis de Deus.
Dou também a Vossa Paternidade os parabéns do bom |
acolhimento que lhe fizeram os seus Padres e da boa hospedagem que teve nesse
convento a sua bela livraria. A resolução de Vossa Paternidade na mudança de sítio
entendi eu sempre, porque a assistência na quinta era um novo destêrro a que Vossa
Paternidade condenava as |
suas mesmas conveniências. Desejo, enfim, que Vossa Paternidade se ache bem
nessa Côrte e que o seu grande talento continue a lograr as oferendas das mais
delicadas estimações. Vossa Paternidade é assaz perito para não deixar de crer
que eu lhe falo com afecto e com |
sinceridade.
Não duvido que o grande dicionário de Vossa Paternidade ache nessa Côrte
tôdas as disposições plausíveis para sair à luz; esta obra, de que tanto necessita
a língua portuguesa, fará imortal o nome de Vossa Paternidade em maior justiça que
o dos Furetières e dos Cornélios. Quem, com menos importância dela, não for dêste
meu sentimento, é inimigo da sua pátria e delinqüente de lesa-majestade.
|
Aos novos dicionários deve França a sua eloqüência, deve a notícia das artes
e o gôsto das ciências. Esta Côrte começou a florescer pela Academia Francesa, e
esta Academia não teve outro objecto mais que a fábrica do seu dicionário, sôbre
cujo excelente |
projecto se trabalha há mais de 20 anos. Destas nações universais se
formaram em tanta cópia os ilustres professores que, com suas admirações e
produções, sustentam a economia da paz e da guerra.
Eu sempre disse a Vossa Paternidade que esta sorte de livros |
era prontuário aberto e um repetidor mudo de curiosos sem mestre, e de
ignorantes com vergonha. Sempre julguei que os dicionários eram semelhantes aos
catecismos: todos cuidam que os sabem e ninguém os sabe bem. Quantos homens há que
se |
picam de cientes e de corteses, que ignoram a metade do que ensina a Cartilha
do Mestre Inácio, de vergonha de comprarem e de lerem um livro tão inferior que
julgam ao seu brio e ao seu estado.
Da mesma sorte, quantos há que ignoram não só |
os primeiros rudimentos da sua língua, mas as mesmas expressões de que usam!
Quantos há que não sabem que coisa é artigo, pronome, preposição e advérbio, e
quantos há que equivocam a democracia com a aristocracia, a corôa com o diadema, e
|
imaginam que a púrpura é obrigada a ser sempre vermelha, tudo por falta de
dicionários que poderiam consultar sem pejo e sem custo! Creia Vossa Paternidade
que não é esta pequena razão, nem o lugar mais comum, que pode servir a estimar a
obra, mas como |
todo o mundo está persuadido da importância dela, peço perdão a Vossa
Paternidade de uma digressão com que tiveram igual parte a amizade que professo a
Vossa Paternidade , e o amor e consideração que me deve a minha língua.
|
Ofereço a Vossa Paternidade , com a mais perfeita disposição, a seu serviço,
tudo em que neste particular puder contribuir a pequena fôrça de meus ofícios.
Deus guarde a Vossa Paternidade muitos anos.
Paris, 11 de Dezembro de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 86.

Meu amigo e Senhor:


Pela carta de Vossa Mercê de 15 de Novembro sei a justa causa da sua
desconsolação, em que acompanho a Vossa Mercê com tôdas as finezas de um servidor e
do |
mais fiel amigo. O juízo de Vossa Mercê lhe dá bastante constância para
receber êste e maiores golpes com a resignação que deve à Providência divina.
Quisera ser mais largo nestes pêsames, mas como não aprendi nunca o ofício de
casado não posso avaliar |
a sua perda, que a minha pouca experiência não põe no número das maiores,
porque entendo que se pode recompensar ou com renovar o jugo, ou com se contentar
de o haver perdido.
Em Vossa Mercê ainda há outra razão mais forte, pois |
lhe ficou um vivo retrato dessa Senhora que está no céu, e que será
igualmente herdeiro das suas prendas e das suas fortunas. A vida, meu amigo,
falando como homem, deve ser o principal objecto das nossas afeições. E assim,
viva Vossa Mercê e viva |
contente, que é bem escusado cortejar a morte com essa capa que Vossa Mercê
chama longa e mal cortada. O luto e a tristeza não nasceram com o primeiro homem,
mas depois dêle. E quantos homens se deixam menos possuir dêstes afectos de pena e
de |
tormento, se chegam para o primeiro estado da natureza inocente.
Paris, 25 de Dezembro de 1701.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 87.

Meu amigo e meu Senhor :


Recebi a carta de Vossa Mercê feita em 10 de Janeiro, que é, em suma, uma
lista de ilustres mortos com que a saída do ano vélho encheu de lutos a entrada |
do ano novo. Se os grandes homens se fizessem com a mesma pressa com que se
desfazem, fôra menos deplorável a sua perda. Mas é lástima que um merecimento, que
se forma em muitos anos, desapareça em tão poucas horas.
|
A falta do senhor Cardeal e de Gomes Freire é muito considerável para o nosso
reino no tempo presente. E nós, que vemos a Portugal por fora, ainda conhecemos
mais as conseqüências desta falta.
A nomeação de Capelão-mór em o Senhor |
Inquisidor Geral é muito justa. Suposto que esta mercê é um pouco serôdia,
não deixa de vir a tempo de se registrar na pedra da sepultura e de engrossar o seu
epitáfio, que é a triste vantagem que das grandes dignidades costuma tirar a
ambição dos homens.
Bom fôra que a bela livraria do senhor Cardeal ficasse pública para uso dos
curiosos e dos doutos que, sem semelhante socôrro, não podem florescer as artes e
as ciências, que na nossa terra se sabem de meias e sem perfeição alguma.
Dê-me Vossa Mercê agora a notícia dos vivos e diga-me como passa Mendo de
Foios Pereira, a quem Vossa Mercê , na primeira visita que lhe fizer, lhe apresente
o meu sentimento e o desejo com que o espero ver restituído a melhor saúde e a
serviço de Sua Majestade para continuar a ler os meus despropósitos.
Também aqui dizem que o Duque padece grandes queixas, mas, como Vossa Mercê
não me fala nêle, suponho que esta notícia não é verdadeira.
Para tudo o que se oferecer do serviço de Vossa Mercê fico, com a mais
pronta vontade.
Deus guarde a Vossa Mercê muitos anos.
Paris, 6 de Fevereiro de 1702.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 88.

Meu amigo e Senhor :


Pela última de Vossa Mercê de 24 de Janeiro, vejo que Vossa Mercê foi fazer
uma novena ao Campo Grande em louvor do Santos Reis, e queira Deus que a boa
estrêla dêstes peregrinos coroados me levem salvo a Lisboa, assim como os levou a
êles a Belém. E neste sentido se verá que nenhuma vontade tenho de que haja
estrêlas que me levem a Roma, porque não há, nem na minha conveniência, nem no meu
gôsto.
Há 7 anos que saí de Lisboa, em que entram mais de dois e meio que sirvo de
Enviado em um tempo o mais perigoso e o mais delicado que tem havido. Imagino que
tenho servido bem, ao menos a minha consciência me avisa de que não tive grandes
faltas. Se sirvo com trabalho com pena, não é justo que queira repetir uma
mortificação que nem sempre é venturosa. Quando os nossos negócios tiverem a
última resolução, que não podem passar do ano presente, nem ainda da primavera
próxima, determino pedir sucessor, porque já os achaques me ameaçam a desenganar de
que não sou moço e é tempo de me recolher e servir em paz e sem ambição qualquer
lugar que El-Rei Nosso Senhor for servido dar-me, em cuja pretenção não hei-de
importunar muito, nem disputar muito.
Agradeço a Vossa Mercê com que se quere empregar nos meus acrescentamentos,
sendo que o meu agradecimento desautoriza a nossa amizade, onde estas acções são
necessárias conseqüências de uma fineza recíproca.
Quisera empregar-me no serviço de Vossa Mercê , pois lhe ofereço uma
vontade a mais obediente e a mais reconhecida a seus favores. Deus guarde a Vossa
Mercê muitos anos.
Paris, 19 de Fevereiro de 1702.

[ letter (author: JCB)]


[ title ] 89.

Meu Senhor :
Vossa Senhoria logra perfeita saúde, pois me escreve de tão bom humor.
Quisera eu que o meu se acordasse com o de Vossa Senhoria para o imitar nesta parte
inferior |
do homem, já que na superior do espírito é inimitável.
Não leva Vossa Senhoria em paciência que Inglaterra e Holanda disputem
entre si o império do mar, e queria Vossa Senhoria que êste vasto e formidável
elemento |
fôsse livre. Também eu o desejara assim, para maior felicidade do comércio
das gentes, mas tão difícil é livrá-lo de ser imperado, como é impossível acabar
com êle que não seja tempestuoso.
Alguns dos nossos autores, como Bártolo e Baldo, |
segundo me lembro, constituíam no mar as mesmas possessões e domínios que há
na terra, e um dêles queria, ao menos, que os Príncipes que têm costas marítimas
fôssem senhores do mar até 50 ou 100 léguas distantes das ditas costas. Estes
autores sonhavam sôbre o papel e navegavam tranqüilamente dentro nos seus
gabinetes.
|
No mar, meu Senhor, uma coisa é império, outra coisa o domínio. O domínio
regule-se, embora, pelo direito das gentes, e estes senhores autores o julguem como
quiserem; porém, o império nasce do poder do Príncipe, e quem mais navios tem, mais
senhor |
é do mar; e assim a questão é tôda de facto.
Neste sentido o império do mar passou dos Gregos para os Romanos; foi para
os Espanhóis; também o tiveram os Portugueses nas quatro partes do mundo; depois
passou para Inglaterra e para |
Holanda, e, às vezes, para França. É inútil alegar posse ou domínio, título
ou precedência. A razão no mar cede à força e o domínio ao império. Lastime-se a
terra dos seus marcos e dos seus muros para se distinguirem as aquisições de seus
|
usurpadores.
O mar, elemento nobre e inconstante, que só é confrontado pelas estrêlas e
medido no céu, consente hóspedes, mas não senhores.
Cuido que tenho respondido à paixão com que |
Vossa Senhoria me escreve sôbre a matéria, e, de caminho, digo a Vossa
Senhoria que me tomara já ver livre de tanto temporizar com êstes Ministros
soberbos e altivos, que tudo nos disputam e tudo exigem de nós.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
|
Paris, 16 de Abril de 1702.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 90.

Meu Senhor:
Vai-se acabando a minha assistência nesta Côrte pela nova liga que
contraímos com Inglaterra, Holanda e Império. Prospere Deus as intenções de |
El-Rei Nosso Senhor, para que firmemos os nossos interêses e seguremos o
nosso repouso.
Eu padeci vários contratempos neste ministério. Os negócios do Maranhão
começaram com aspecto bem medonho. O ruído da partilha de Espanha e a mesma
partilha custaram maior inquietação. O testamento de Carlos II e a sua sucessão,
na pessoa de |
um neto de França, não sobressaltou menos. A nossa liga com esta Côrte e a
de Espanha, e a sua retracção, não foi um acidente de pouco embaraço, e,
finalmente, esta nova liga, assistindo eu ainda nesta terra, com o novo rei Carlos
III em Lisboa e |
Felipe V dentro na província da Beira, foi um acontecimento da primeira
excepção, que não se acha nas regras da comum política. Nem eu sei que alguns
Ministros nossos, desde a primeira fundação do reino, representasse em quatro ou
cinco anos de |
ministério tão novas e tão diferentes figuras em negociações contrárias,
cheias tôdas de conseqüências da última ruína de Portugal.
Enfim, saio com honra e sem desagrado de El-Rei Cristianíssimo, que me
recebeu na audiência de despedida com expressões que acreditavam a boa inteligência
que conservei entre as duas coroas e honesta |
conduta com que me comportei em todo o tempo que assisti na sua Côrte, e
assim o mandou escrever na sua carta recredencial. Não pretendo tirar vantagem
deste testemuho, mas ao menos não podem negar-me que servi com atenção, que não |
comprometi a autoridade do meu carácter e que não envileci a representação do
meu Príncipe.
Eu me contento com haver servido nem bem nem mal. Obrei medìocremente nos
negócios de que fui encarregado. Escrevi, com a mesma mediania, as |
relações dos sucessos desta Côrte, que se costumam referir nas cartas que
chamam de ofício. Em nada mereceu preferência, nem me arrogo a vaidade de modêlo.
Nesta confusão acredito bem a minha sinceridade e provo melhor que não sou
perseguido da |
ambição de que meus companheiros são bem dotados.
Não obrei, pois, acção que mereça ser escrita, nem escrevi relação ou fiz
discursos que mereçam ser lidos, que é, como diz o discreto Plínio, a última
desgraça de um vivente, por não deixar depois da sua morte algum sinal de haver
vivido.
Meu senhor, estas reflexões sombrias são efeitos do estado em que me acho,
começando uma longa |
penível jornada.
Deus me leve a salvamento e guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Paris, 16 de Julho de 1702.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 91.

Excelentíssimo Senhor :
|
O negócio de maior consideração para os que temos a honra de ser criados de
Vossa Excelência é desejar que Vossa Excelência passe sem moléstia alguma. E
entendo que essas que Vossa Excelência me diz que padece têm a sua origem na
maneira de viver da nossa terra. O pouco |
exercício junto à perpétua exclusão de divertimentos, ainda de mais
inocentes, abate insensìvelmente a natureza, porque endurece os humores, retarda a
circulação, entorpece os espíritos e renversa, como dizem os franceses, tôda a
economia do corpo |
humano.
Tomo a liberdade de representar a Vossa Excelência que é necessário mudar
de método, e que valem mais duas horas de passatempo honesto e de um passeio
moderado, que tôdas as drogas da nossa medicina.
Quando me vir aos pés de Vossa Excelência , eu me exporei mais largo nesta
matéria e Vossa Excelência se há-de |
achar muito bem com as minhas receitas.
Entretanto, senhor, já que Vossa Excelência não quere vir para Paris, bom
fôra que Paris passasse para Lisboa. Duas horas de Tulherias, uma assembléia
escolhida e com liberdade, são o mais experimentado |
remédio para todos os males. Um homem que, tanto como eu, se interessa na
saúde de Vossa Excelência merece que Vossa Excelência lhe perdoe a confiança com
que lhe escreve.
A Gazeta de França, que é mais historiadora, |
informará a Vossa Excelência do que há presentemente.
Paris, 6 de Agôsto de 1702.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] 92.

Meu amigo e Senhor :


Eu tenho as minhas correspondências de Lisboa porque os correios não são
seguros depois da |
desconfiança que as duas coroas têm de nós. As cartas para El-Rei vão por
Holanda, e brevemente irão com a mesma dificuldade e será necessário que as mande
debaixo de outro nome por Francisco de Sousa Pacheco, com justo temor de serem |
interceptadas. Desta maneira estou de sítio, e há já bastante tempo que vivo
na ignorância do que se passa em a nossa terra.
As novas que veem pela Secretaria são de mortes de senhores grandes ou de
mercês feitas a grandes senhores. A mais gente não tem a honra de entrar naquêle
martiriológio. Se morrem ou vivem é só por sua conta, nem dão que fazer à
liberalidade, nem à compaixão.
|
Êsse Parlamento vai estabelecer um fixo equilíbrio na Europa para conservar
uma paz segura, mas, se as coisas da Alemanha, pela separação de Baviera, correrem
como até agora, temo que percam o trabalho dêste santo e glorioso projecto. Não |
posso escrever mais sem cifra.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Paris, 23 de Janeiro de 1703.

[ letter (author: JCB)]

[ title ] APÊNDICE |
Excertos de cartas particulares e ofícios diplomáticos

Aqui não tem havido coisa que mereça relação, porque as disputas do Bispo
de Meaux e o Arcebispo de Cambrai são tão finas e sôbre uma matéria tão alambicada
que mais mortificam que |
divertem. (Carta de 11 de Junho de 1698).
Agradeço a |
Vossa Paternidade o desejo com que me tomara ver Enviado dessa Cúria, mas
como o meu merecimento é mais curto de vista do que o afecto que Vossa Paternidade
me mostra, não descubro em mim aquêle talento que é necessário para exercitar essa
função, a que há muitos opositores. Mas é necessário que busquem outros valedores
iguais às suas virtudes, que nem sempre o merecimento faz o destino dos |
bem premiados. Os que estão mais perto têm sempre a qualidade de mais bem
vistos, porque a justiça distributiva tem também seus espíritos visuais que se
enfraquecem nas distâncias, quando ao perto se serve às vezes destes novos
microscópios para ao |
engrossar os objectos. (Carta de 8 de Agôsto de 1698).
Algum dia entendia eu, como Vossa Mercê diz, que solidão era o maior
inimigo da natureza e a |
última praga ou maldição da fortuna; mas hoje outra experiência mais forte me
fez mudar de parecer. A solidão é boa para os maus e não é má para os bons, porque
os que querem viver mal não |
têm de quem ter vergonha, e os que querem viver bem não têm a quem ter
inveja. Conserve-me Deus a vida e a graça de Vossa Mercê para que, algum dia,
vamos ser anacoretas de Camarate ou solitários de Alverca. (Carta de 7 de Setembro
de 1698).
Aqui se tem introduzido o mau costume de |
morrer de apoplexia, e muita gente de todos os estados acabou seus dias
sùbitamente. Que até na maneira de morrer parece que reinam aqui as modas. Os
teólogos do Norte não se metem em grande sobressalto com as improvisas violências
dêste destino, |
porque a sua impiedade ou o sistema da sua pouca fé lhes pintam a morte como
fim e não como princípio. (Carta de 21 de Setembro de 1698).
O casamento do novo Conde de Vilar Maior se fará com magnificência igual a
uma tão |
proporcionada aliança, e praza a Deus que na nossa terra se vá perdendo o mau
costume de buscar casamentos em outra parte tanto à custa da nobreza estrangeira.
Tomara eu que nesse reino houvesse uma metamorfose de Fidalguia e que todos os
Condes |
amanheceram convertidos em Duques, porque aquêles títulos não soam nestas
Côrtes do Norte tudo quanto são na nossa Côrte. E não escrevo isto sem uma grande
observação. (Carta de 5 de Outubro de 1698).
Vejo a grande tropa de postulantes que se querem armar cavaleiros na
milícia das Enviaturas. O nosso país é muito fértil de grandes sujeitos, mas não
vejo que vinguem como brotam. ¿Sabe Vossa Mercê |
porque se oferecem tantos obreiros a cavar na vinha destas missões? Porque,
da mesma sorte que na do Evangelho, levam tanto prêmio os que trabalham mais como
os que trabalham menos. (Carta de 2 de Novembro de1698).
|
Nós vamos aqui continuando a carreira desta Embaixada: nos lembramos já do
seu princípio, nem podemos penetrar o seu fim. Mas fique êste mistério para os que
sabem melhor a alta razão do estado dos Príncipes, que a mim basta-me que |
a minha ignorância se cubra com o meu respeito. (Carta de 16 de Novembro de
1698).
O inverno não tem entrado ainda em Paris, os frios são medíocres e o tempo
é claro. Por isso dizem aqui alguns dos filósofos novos da doutrina de |
Descartes que o orbe terrestre se abatera ou os polos deram de si. E para
tudo acham razões estes modernos novelistas da natureza. (Carta de 4 de Dezembro
de 1698).
É verdade que El-Rei Nosso Senhor mandou |
consultar sucessor ao Marquês com carácter de Enviado. Êste verão, pois,
partirei para Lisboa a ser indigno confrade da ilustre mesa de São Nicolau. Eu
pouco sabia das nossas Ordenações, mas hoje afirmo a Vossa Senhoria que nem ler por
elas saberei. Enfim, o ponto é viver, que despachar mal ou bem é culpa ou
merecimento que na nossa terra só Deus castiga |
e só Deus premeia. (Carta de 6 de Fevereiro de 1699) .]
Aqui se escreveu que a senhora Dona Bárbara, minha Senhora, a instâncias
de Vossa Senhoria me fizera a honra de tomar o meu partido. Até neste patrocínio
|
se quere parecer esta Excelentíssima Senhora , com a Santa do seu nome, pois
favorece parte mais fraca e mais ameaçada contra o grande estrondo de tantos
opositores que fulminam contra a minha insuficiência. Mas, como nem sempre há
santos que prevaleçam |
quando há justiça que predestina cada hora, esperamos a nova do sujeito
nomeado, que eu ouvirei sem inveja e sem indignação. (Carta de 8 de Março de
1699).
O Delfim teve um acidente de apoplexia, de |
que fica melhor. Os cortesãos chamam-lhe replexão por haver comido muito, e
têm razão, porque o nome de apoplexia escandaliza as orelhas dos bons viventes.
Queira Deus conservar a vida dêste Príncipe, que é amante da paz, sem ambição, nem
inveja aos bens de seus vizinhos. (Carta de 23 de Março de 1701).
Eu fico em uma situação pouco agradável, |
sendo-me necessário tapar os ouvidos e abrir os olhos. Não há mais que
discursos sôbre nós, sobre nossas fôrças e sôbre as grandes impressões que, dizem,
fazem nesta Côrte as notícias de havermos tomado partido contra seus interêsses.
Uns dizem |
que pretendemos ser sòmente auxiliares, dando nossas tropas e uma passagem
aos aliados para entrarem em Espanha, e que, por esta maneira, cuidamos que França
se contentará de fazer o mesmo a favor dos espanhóis. Outros respondem que |
França, pôr força de aliança que tem com Espanha, será obrigada a nos
declarar a guerra, e que deve abandonar o reino de Nápoles a trôco de sustentar
Felipe V. E continuam a dizer tudo o que a paixão lhes traz ao entendimento...
|
É de nossos interêsses e da glória de El-Rei Nosso Senhor que nos preparemos
de tôdas as nossas fôrças e que não escrevam dêsse reino aos franceses que não
temos nem gente, nem armas, nem munição alguma de guerra. Tomo a liberdade |
de referir estas cousas porque assim as ouço, e Vossa Mercê bem sabe que
estas falsas impressões não são de muito bom efeito e seja-me lícito dizer que,
depois que estou em França, observei que se tem introduzido na nossa nação,
insensìvelmente e por má educação, um vício que é bem de abatermos tudo o que é
nosso e de exaltarmos tudo o que é alheio. Esta reflexão não é fora dêste lugar,
mas, com outro tempo, lhe darei maior luz. (Ofício de 29 de |
Julho de 1703).
fico entendendo tudo o que Vossa Mercê me diz acêrca da necessária
continuação da minha assistência nesta Côrte. Nem eu creio, nos termos em que se
acham as cousas, podia pretender nem esperar o |
contrário. Eu não duvido que El-Rei Cristianíssimo queira conservar em
Lisboa o seu novo Ministro enquanto puder, e que não o tire sem a última
necessidade, porque, ao menos, quando não consigam outra coisa, sempre será por êle
prontamente instruído |
dos nossos particulares. Por esta razão, e por outras muitas que a Vossa
Mercê são notórias, vejo que a minha saída desta Côrte é bem incerta. Enfim peço a
Deus que me conserve a vida e que me dê as luzes necessárias para servir a El-Rei
Nosso Senhor como |
aspiro e como devo. (Ofício de 2 de Setembro de 1703).
El-Rei Cristianíssimo me mandou ontem dizer pelo Introdutor que, pois o seu
Embaixador havia saído de Lisboa, era natural que eu fizesse o mesmo |
de Paris, e que como El-Rei Nosso Senhor tratava com tanta honra ao dito seu
Ministro, dando-lhe uma audiéncia e um presente, tinha êle resolvido de
corresponder a esta acção de Sua Majestade com as mesmas honras que determinava
fazer à minha pessoa, dando-me audiência e presente, na forma costumada, com os
passaportes que me fôssem necessários. A êste tratamento de El-Rei respondi que,
emquanto a sair de França, podia Sua Majestade |
Cristianíssima dispor o que fôsse servido, e limitar-me o tempo que lhe
parecesse, e que lhe obedeceria logo. Mas enquanto a ter audiência, pedia a Sua
Majestade que me permitisse esperar até o correio da semana próxima em que
necessàriamente |
receberia as ordens de El-Rei Nosso Senhor, porque, como naquela audiência
devia falar em seu nome, era conveniente que soubesse primeiro as suas instruções,
as quais sem dúvida seriam cheias de estimação e de amizade a respeito de El-Rei |
Cristianíssimo. (Ofício de 4 de Abril de 1704).

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