A Mensagem de Fátima

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A MENSAGEM DE FÁTIMA

PADRE PAULO RICARDO

1. Por que Nossa Senhora escolheu Portugal?

Por que Portugal?


A um olhar desatento poderia parecer inútil esta
pergunta, mas a verdade é que, assim como Deus dispõe em
sua providência não só as coisas que acontecem, mas também
as circunstâncias em que elas se dão, a escolha da Virgem
Maria de aparecer em uma cidadezinha portuguesa não é por
acaso.
Atestam-no pelo menos dois motivos.
Em primeiro lugar, as aparições de Nossa Senhora em
Fátima foram precedidas pela visita de um anjo que se
denominava "o Anjo de Portugal".
Como se não bastasse, a segunda parte do segredo que a
Virgem confiou aos pastorinhos dizia expressamente: "Em
Portugal se conservará sempre o dogma da Fé".
Esses fatos deixam entrever uma vocação especial por
parte de Deus à nação portuguesa, vocação que está presente,
na verdade, desde o início de sua fundação. É o que se pode
verificar da leitura do seguinte episódio da vida de Dom
Afonso Henriques († 1185), primeiro Rei de Portugal, em 25
de julho de 1139, quando estava prestes a travar uma difícil
batalha contra o exército dos mouros (muçulmanos):
"Não eram de qualidade as coisas que trazia entre mãos
o esforçado príncipe D. Afonso Henriques que lhe
consentissem tomar muito repouso, nem os pensamentos
ocupados na grandeza do negócio presente davam lugar a se
poder quietar e tomar alívio. E assim, para divertir de algum
modo aquela moléstia, lançou mão de uma Bíblia sagrada, a
qual tinha em sua tenda e, começando a ler por ela, a primeira
coisa que encontrou foi a vitória de Gedeão, insigne capitão
do povo judaico, o qual, com trezentos soldados, rompeu os
quatro reis Madianitas e seus exércitos, passando à espada
cento e vinte mil homens, sem outros muitos que morreram
no alcance. Alegre o infante com tão bom encontro, e
tomando desta vitória prognóstico feliz da que esperava, se
confirmou mais na resolução de dar batalha e, com o coração
inflamado e olhos postos no Céu, rompeu nestas palavras:
Bem sabeis vós, meu Senhor Jesus Cristo, que por vosso
serviço, e pela exaltação do vosso santo nome, empreendi eu
esta guerra contra vossos inimigos; vós, que sois todo
poderoso, me ajudai nela, animai e dai esforço a meus
soldados, para que os vençamos, pois são blasfemadores do
vosso santíssimo nome. Ditas estas palavras lhe sobreveio um
grande sono, e começou a sonhar que via um velho de
venerável presença, o qual lhe dizia que tivesse bom ânimo,
porque sem dúvida venceria aquela batalha, e com evidente
sinal de ser amado e favorecido de Deus veria com seus olhos
antes de entrar nela o Salvador do mundo, o qual o queria
honrar com sua soberana vista. Estando o infante neste alegre
sonho, nem bem dormindo, nem de todo acordado, entrou na
tenda João Fernandes de Sousa, de sua câmara, e lhe fez saber
como a ele chegara um homem velho, o qual pedia audiência
e, segundo dava a entender, era sobre negócio de muita
importância. Mandou o infante que entrasse sendo cristão, e,
tanto que o viu reconheceu ser o mesmo que acabava de
palavras que em sonho tinha ouvido, e certificando-o da
vitória e aparecimento de Cristo, acrescentou que tivesse
muita confiança no Senhor por ser dele amado, e que nele, e
em seus descendentes, tinha postos os olhos da sua
misericórdia até à décima sexta geração, em que se atenuaria a
descendência, mas nela ainda nesse estado poria o Senhor os
olhos, e haveria. Que da parte do mesmo Senhor o avisava
que, quando na seguinte noite ouvisse tocar o sino da sua
ermida, na qual morava havia sessenta anos, guardado com
especial favor do Altíssimo, saísse fora ao campo, porque lhe
queria Deus mostrar a grandeza de sua misericórdia.

Ouvindo o católico príncipe tão soberana embaixada, tratou o


embaixador dela com veneração e deu a Deus com
profundíssima humildade infinitas graças. Saiu fora da tenda
o bom velho tornou a sua ermida, e o infante, esperando pelo
sinal prometido, gastou em oração afervorada todo o espaço
da noite até à segunda vigia, na qual ouviu o som da
campainha; armado então com seu escudo e espada saiu fora
dos arraias, e, pondo os olhos no Céu, viu da parte oriental
um resplendor formosíssimo, o qual a pouco e pouco se ia
dilatando e fazendo maior. No meio dele viu o salutífero
sinal da santa Cruz, e nela encravado o Redentor do mundo,
acompanhado em circuito de grande multidão de anjos, os
quais em figura de mancebos formosíssimos apareciam
ornados de vestiduras brancas e resplandecentes, e pode
notar o infante ser a Cruz de grandeza extraordinária, e estar
levantada da terra quase dez côvados.
Com o espanto de visão tão maravilhosa, com o temor e
reverência devidos à presença do Salvador, pôs o infante as
armas que levava, tirou a vestidura real, e descalço se
prostrou em terra e, com abundância de lágrimas, começou a
rogar ao Senhor por seus vassalos, e disse:

Que merecimentos achastes, meu Deus, num tão grande


pecador como eu para me enriquecer com mercê tão
soberana? Se o fazeis para me acrescentar a fé, parece não
ser necessário, pois vos conheço desde a fonte do Batismo
por Deus verdadeiro, filho da Virgem sagrada, segundo à
humanidade, e do Padre Eterno por geração divina. Melhor
seria participarem os infiéis da grandeza desta maravilha,
para que, abominando seus erros, vos conhecessem...

O Senhor então com suave tom de voz que o príncipe pôde


bem alcançar, lhe disse estas palavras:
Não te apareci deste modo para acrescentar tua fé, mas para
fortalecer teu coração nesta empresa, e fundar os princípios
de teu Reino em pedra firmíssima. Tem confiança, porque,
não só vencerás esta batalha, mas todas as mais que deres aos
inimigos da Fé católica. Tua gente acharás pronta para a
guerra, e com grande ânimo pedir-te-á que com título de rei
comeces esta batalha; não duvides de o aceitar, mas concede
livremente a petição porque eu sou o fundador e destruidor
dos Impérios do mundo, e em ti e tua geração quero fundar
para mim um reino, por cuja indústria será meu nome
notificado a gentes estranhas. E porque teus descendentes
conheçam de cuja mão recebem o reino, comprarás as tuas
armas do preço com que comprei o género humano, o
daquele porque fui comprado dos judeus, e ficará este reino
santificado, amado de mim pela pureza da Fé e excelência da
piedade.

O infante D. Afonso, quando ouviu tão singular promessa, se


prostrou de novo por terra e, adorando ao Senhor, lhe disse:
Em que merecimentos fundais, meu Deus, uma piedade tão
extraordinária como usais comigo? Mas já que assim é,
ponde os olhos de vossa misericórdia nos sucessores que me
prometeis, conservai livre de perigos a gente portuguesa, e,
se contra ela tendes algum castigo ordenado, peço-vos o deis
antes a mim e a meus descendentes, e fique salvo este povo,
a quem amo como único filho.

A tudo deu o Senhor resposta favorável, dizendo como nunca


dele, nem dos seus, apartaria os olhos de sua misericórdia,
porque os tinha escolhidos por seus obreiros e segadores,
para lhe ajuntarem grande seara em regiões apartadas. Com
isto desapareceu a visão, e o infante D. Afonso, cheio de
fortaleza e júbilos de alma, quais se deixam entender, fez
volta para os arraiais e se recolheu em sua tenda." [3]

Obviamente, essa breve narração tem pouco ou nenhum


crédito para os historiadores modernos, influenciados que são
por uma visão materialista da realidade.
É inegável, todavia, a religiosidade com que nasceu o reino
lusitano, característica pela qual foi escarnecido por seus
inimigos franceses durante os anos da Revolução, juntamente
com seus vizinhos espanhóis. Unidos pela religião católica,
os ibéricos se separavam, entretanto, por uma diferença de
personalidade: enquanto os espanhóis eram conhecidos por
seu temperamento irascível, os portugueses se destacavam
por sua cordura e espírito de pacificação.
Os portugueses não mediram esforços, no entanto, para
defender o seu território da invasão muçulmana. Para tanto,
eles contaram por muito tempo com o apoio da Ordem dos
Cavaleiros Templários, a qual — mesmo sendo extinta por
uma série de fatores que não convém retomar agora —
experimentou no Reino de Portugal uma espécie de
"continuação". Foi atendendo a um pedido especial do Rei
Dom Dinis († 1325), de fato, que o Papa João XXII instituiu
outra ordem religiosa e militar, a Ordem de Cristo. Herdeira
do tesouro material e espiritual dos Templários, ela foi
protagonista, durante o período das Grandes Navegações, na
expansão da fé católica e do império português [4],
cumprindo o que Nosso Senhor já havia anunciado a Dom
Afonso Henriques, quando lhe disse que, pela indústria do
reino português, Seu nome seria "notificado a gentes
estranhas".
Mas esse grande empreendimento da Idade Moderna não
teria sido possível sem as pesquisas científicas elaboradas e
desenvolvidas na famosa Escola de Sagres, fundada por um
membro ilustre da Ordem de Cristo, o infante Dom Henrique
de Avis († 1460). Boa parte do patrimônio dessa ordem
religiosa foi gasta para aperfeiçoar instrumentos de
navegação, como o astrolábio e a bússola, e para desenvolver
as versáteis caravelas, embarcações tipicamente lusitanas.
Foi com esses meios que os povos portugueses se atiraram a
"mares nunca dantes navegados" [5], numa verdadeira
empresa heroica. Para se ter uma ideia da grandeza dessas
expedições, o Rei de Portugal pediu ao Papa que concedesse
aos seus navegadores as mesmas indulgências que se davam
aos soldados cristãos durante as Cruzadas. Muitos deles
deixavam seus salários de vários meses antecipados para as
suas famílias, porque sabiam que era grande a possibilidade
de não mais voltarem para casa. É verdade que "nem tudo
são flores" nessa história, nem é nossa intenção idealizar
romanticamente tudo o que aconteceu. Sem sombra de
dúvidas havia ambições humanas envolvidas em tudo isso,
mas reduzir o que se passou a uma viagem de fins puramente
econômicos — como fazem muitos professores de orientação
marxista — não passa de patifaria e distorção dos fatos
históricos. Tivesse sido tão somente para a obtenção de
riquezas a sua empresa, os portugueses não se teriam dado ao
trabalho de cravar a cruz de Cristo no solo de onde quer que
pisassem.
Assim que colocaram os pés no Novo Mundo, de fato, uma
das primeiras coisas que fizeram os descobridores do Brasil
foi rezar uma Missa. Nos primeiros séculos de sua existência,
o território brasileiro recebeu uma grande quantidade de
religiosos, que deixavam tudo o que tinham na Europa para
trazer a boa notícia do Evangelho às Américas.

O espírito católico desses empreendedores era tão


significativo que, na verdade, o Brasil nunca foi uma colônia
de Portugal, no sentido exato da expressão. No século XVI, o
território brasileiro era possessão da Ordem de Cristo e só
estava sob a autoridade do Rei de Portugal porque este
também era o grão-mestre da ordem. Foi só a partir do século
XVII que o Brasil foi efetivamente anexado a Portugal, sob a
condição de "território ultramarino". Com a vinda da corte
real portuguesa para o Brasil, os laços entre os dois
territórios se estreitaram ainda mais, dando origem ao Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, situação política que
permaneceu até o fato da Independência, em 1822. Mesmo o
episódio do dia 7 de setembro, no entanto, é emblemático:
fenômeno único na história das "descolonizações", o Brasil
libertou-se do domínio de Portugal por iniciativa do próprio
príncipe herdeiro do trono real lusitano.
Tantos acontecimentos históricos exemplificam que, mesmo
com a separação política entre as duas nações, continuou a
existir uma profunda unidade espiritual e cultural entre
brasileiros e lusitanos.

Por isso, não é exagero ligar as aparições de Nossa Senhora


em Fátima com o Brasil. Assim como é grande a vocação de
Portugal, cujo Reino teve "princípios em pedra firmíssima",
também é altíssima a vocação de nosso país, descoberto por
homens católicos e chamado desde o começo de Terra de
Santa Cruz. Tivesse sido colonizada pelos ingleses, nossa
nação até poderia ter um rumo diferente e materialmente
mais próspero. De nada adianta, porém, acumular riquezas
— "ganhar o mundo inteiro", diria Nosso Senhor — e estar
na religião errada. O Brasil nasceu católico, e este é um
tesouro de valor inestimável.

A grande pergunta, que Nossa Senhora faz a cada um de nós


através da mensagem de Fátima, é que fim daremos a esta joia
preciosa que recebemos. O que faremos, afinal, de nossa
vocação?2. O Fascismo e o Marxismo
Cultural
Como visto na aula anterior, Marx já havia identificado
um problema cultural na alienação do proletariado, ao dizer
que a religião é o ópio do povo. Isso foi analisado de forma
mais sistemática por Antonio Gramsci, que vivenciou toda a
crise teórica do comunismo após a I Guerra. Esta crise do
marxismo gerou 2 filhos: o fascismo e o marxismo cultural,
cada um deles com uma proposta bastante clara para alcançar
seus objetivos de dominação.
O fascismo, que também é um filho bastardo do
comunismo, foi o caminho encontrado por Mussolini e Hitler
para implantar a revolução em suas nações. Ambos queriam a
mesma coisa que Lênin e Stálin, ou seja: uma sociedade sem
mercado livre, “justa”, com “igualdade” e um Estado forte,
obtido através de uma ditadura totalitária. Achavam que a
ideologia de classe não era um chamariz atraente o bastante
para fomentar a revolução marxista. Hitler e Mussolini
perceberam, na I Guerra, um sentimento patriótico que levou
o povo a lutar, a defender os “interesses burgueses” e criaram
o fascismo. Enquanto o marketing de Stálin falava do
proletariado, do trabalhador, da lógica de classes, Hitler e
Mussolini falavam dos sentimentos nacionais, de raça, ou
seja, dos princípios norteadores do fascismo.
Por outro lado, Antonio Gramsci, grande propugnador
do marxismo cultural, colocou como projeto para a
implantação do socialismo e do marxismo a destruição lenta e
gradativa da cultura ocidental. A esse processo Gramsci
chamou “modificação do senso comum”. Para que houvesse o
predomínio da mentalidade marxista, não havia a necessidade
de uma grande estrutura que sustentasse o saber. Bastava
apenas uma ideologia convincente, numa espécie de jogo de
marketing. Para o marxismo, sem sombra de dúvida, não
existe a verdade, mas um jogo de propaganda e interesse.
Como visto, tanto o fascismo como o marxismo cultural
faziam basicamente as mesmas coisas com a simples
diferença de usarem estratégias diferentes para alcançar os
mesmos objetivos. A mentalidade revolucionária funciona
assim, “metamorfoseando” seu marketing de acordo com a
época. Por exemplo, Stálin pretendia implantar o socialismo
através de uma sociedade ateia, marcada pela perseguição à
Igreja; os novos marxistas perceberam que perseguir a Igreja
é algo sempre danoso ao ideal revolucionário, já que quanto
mais cristãos são mortos, mais mártires são criados e mais
forte se torna o cristianismo. Com o passar do tempo
perceberam que o caminho mais seguro para mudar a
mentalidade do mundo era o de entrar na Igreja e mudá-la por
dentro1.
Os marxistas sabem que a Igreja é sustentada por uma
“lógica burguesa”, que tem “apego” ao certo e ao errado, ao
moral e ao imoral e usarão isso contra ela. Eles não têm uma
opinião clara sobre qualquer tema: quando algo ajuda a
revolução, são favoráveis; quando atrapalha, abominam.
Exatamente por isso, o marxismo tem um sistema
racional versátil, revolucionário e dialético. Gramsci já
alertava para a não existência do bem ou do mal, tendo como
um de seus inspiradores a figura de Maquiavel, ao dizer que
tudo aquilo que Maquiavel fez a favor do Príncipe, precisava
ser feito a favor do partido comunista. Existe aquilo que é
oportuno, aquilo que ajuda ou não a revolução. Tudo o que
existe de realidade racional é fruto de uma criação humana.
Não existe verdade, que determine um agir. Isso é bastante
coerente por parte dos marxistas, pois só haveria uma ordem a
ser seguida no agir se houvesse um intelecto criador. Como
são ateus, defendem que o intelecto criador não existe e,
portanto, não há ordem a ser seguida ou verdade que
1
A Igreja Católica é uma instituição hierárquica, com uma economia (ação) sacramental que tem
por finalidade última levar o homem para o céu. Para destruí-la, é necessário transformá-la numa
sociedade igualitária, sem uma economia sacramental, imanentizando a escatologia. O “céu” foi trazido
ao mundo pelos marxistas.
determine o agir humano.
Só para esclarecer esta ideia, dizer que a ordem que
existe no mundo não é obra de um Criador não foi mérito dos
marxistas. Por incrível que pareça, a visão tradicional de que a
ordem que existe no mundo é criacional e racional foi
combatida por obra de um cristão pietista chamado Immanuel
Kant.
Para Kant, o mundo em si, os objetos, o númeno, o que
está fora da mente humana é irracional, caótico. O que
realmente existe é desconhecido, pois o homem só tem acesso
a um fenômeno, que é compreensível ao intelecto graças às
categorias mentais que condicionam (e possibilitam) o
pensamento. Na Crítica da Razão Pura, por exemplo, Kant
mostra que a ordem da física newtoniana não está no númeno,
na coisa em si e tampouco foi colocada nas coisas pelo
Criador. Na verdade, a ordem é “imposta” à realidade pelo
intelecto. A física de Newton funciona não porque o mundo
seja de tal qual ou qual maneira, mas porque a mente humana
a fez assim. Kant, nesse sentido, é um grande exemplo de
paralaxe cognitiva2. Resumindo, para Kant a realidade é
absolutamente caótica e irracional. Quem cria a racionalidade
é o intelecto humano.
O marxista também pensa dessa forma, não por
concordar com o pensamento kantiano, mas por afirmar que a
ordem imposta ao mundo irracional é a que traduz o interesse
de uma classe, especificamente o da classe burguesa. Segundo
o marxismo, existe uma superestrutura (baseada na religião
judaico-cristã, na filosofia grega e no direito romano) que
justifica o statu quo, a situação opressora na qual a sociedade
se encontra. Esta superestrutura cria uma cultura que busca

2
A paralaxe (do grego παράλλαξις, alteração) cognitiva é o deslocamento, na obra de um
pensador, entre o eixo da especulação teórica e o da experiência concreta que ele tem da realidade. Tal
conceito é apresentado pelo filósofo Olavo de Carvalho em diversos escritos e aulas. Exatamente por isso,
o pensamento kantiano é inconciliável com a mensagem cristã.
defender seus interesses de classe. As pessoas, inoculadas por
esta cultura, passam também a defender os interesses da
classe burguesa.
É necessário entender, em resumo, que os agentes da luta
cultural possuem visões de mundo diferentes. Assim, para que
a revolução cultural aconteça, é necessário incutir na cabeça
dos cristãos a ideia de que o cristão não odeia nada, de que ele
deve defender a paz custe o que custar. A Igreja, à medida que
vai assimilando as ideias revolucionárias, passa a ser uma
sociedade igualitária que, por engenharia social, quer
implantar, neste mundo, uma terra sem males3. Os marxistas
sabem que, sem a transformação da religião numa força
socialista, a revolução não irá acontecer.
3. Reação à crise marxista
A Primeira Guerra Mundial representou uma crise
teórica para o marxismo, pois este esperava que os
trabalhadores se unissem contra seus empregadores, mas o
que aconteceu foi exatamente o contrário: os trabalhadores se
uniram uns contra os outros. A grande pergunta que surgiu foi
a seguinte: quem alienou os trabalhadores desta forma? Um
alienado4, segundo o marxismo, é alguém que renunciou aos
seus direitos de classe para dá-los a outra pessoa. Quando ele
para de lutar pelos seus direitos de classe, está servindo a
outra classe. Quem alienou o proletário, o pobre? A resposta
do marxismo: a civilização ocidental.
Dois pensadores diferentes encontraram a mesma
resposta para o dilema da alienação: o primeiro foi Antonio
3
Quando o Papa S. João Paulo II se encontrou com o Pe. Ernesto Cardenal, ministro de um
governo comunista, o repreendeu veementemente diante das câmeras de todo o mundo. O padre defendia
a existência de duas igrejas: uma popular e outra romana, hierárquica. A romana propaga a ideologia do
magistério, com uma superestrutura imperialista e opressora; a outra igreja, a do Pe. Ernesto Cardenal,
seria uma igreja popular (que, na verdade não existe, mas é um simples instrumento de implantação da
ideologia partidária)
4
Conforme o dicionário Michaelis, o primeiro significado de alienar é o de “tornar alheios
determinados bens ou direitos, a título legítimo; transferir a outrem".
Gramsci, que na URSS viu os limites da teoria marxista,
tomando consciência da necessidade da mudança de cultura
para a implantação da mentalidade socialista; o outro foi
Georg Lukács, que em união com Felix Weil, fundou, em
1923, o Instituto para Pesquisa Social5, contando também com
a colaboração de outros pensadores, tendo como objetivo o
estudo da civilização ocidental com o intuito de destruí-la.
Este Instituto também ficou conhecido como escola de
Frankfurt, tendo como principais membros Max Horkheimer,
Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Erich Fromm, Wilhelm
Reich6.
Mas, voltando à crise do marxismo após a Primeira
Guerra, uma das tentativas de solução foi oferecida pelo
fascismo: o otimismo nacional. Tal empreitada ficou
caracterizada pela tentativa de se criar uma sociedade justa,
um estado totalitário, através da bandeira do otimismo
nacional, da raça, do nobre selvagem. Hitler, por exemplo,
considerava que o cristianismo abastardou a nobreza da nação
alemã.
A nação alemã, que Hitler liga diretamente aos gregos
admirados por Nietzsche, tem a nobreza do pagão pré-cristão,
do bárbaro, que rejeita a civilização racionalista. Hitler
admirava o trabalho de Nietzsche, o valor do não racional, das
trevas, das forças ctônicas7. A partir do homem que tem força,
que se libertou dos grilhões da racionalidade, Hitler promovia
a possibilidade de criar uma nova nação a partir da fidelidade
à própria raça, às próprias origens.
Uma segunda reação à crise marxista foi a reação

5
Sozial Forschung. Quando alguém ouve falar dos pensadores ligados a esse Instituto
dificilmente os relacionará com o marxismo clássico, uma vez que usam um marxismo heterodoxo, que
não luta especificamente no campo econômico, mas no campo cultural, assim como acontece com
Antonio Gramsci.
6
Um pensador contemporâneo que tem certa relação com Frankfurt é Jürgen Habermas.
7
Relativas aos deuses inferiores, subterrâneos, opostos aos deuses do Olimpo.
pessimista8 da Escola de Frankfurt, que via na civilização
ocidental como algo extremamente negativo9. A tentativa de
descontrução do mundo ocidental era a força de seu trabalho,
através da proposição da Teoria Crítica como um caminho a
ser adotado, numa atitude de constante crítica e destruição
ante a civilização ocidental. Se ela cair, o mundo será melhor.
A escola de Frankfurt, porém, não tinha um projeto para o
pós-destruição, pois também acreditava no poder criativo do
mal, na certeza de que se houvesse destruição, a ordem, de
alguma maneira desconhecida, iria surgir.
Horkheimer e Adorno escreveram um livro chamado A
Personalidade Autoritária, buscando apresentar uma íntima
ligação entre a civilização ocidental e o fascismo,
conseguindo, através de um contorcionismo lógico, convencer
as pessoas de que o capitalismo, a civilização ocidental e o
cristianismo são a verdadeira origem do fascismo 10. Ao
perceber que os americanos nutriam um verdadeiro horror
diante do fascismo, não medindo esforços para lutar a favor
da liberdade contra qualquer governo autoritário ou totalitário,
a Escola de Frankfurt encontrou um caminho para difundir
seus propósitos.
Horkheimer e Adorno buscam convencer os americanos
de que os próprios americanos são os maiores fascistas. No já
citado livro Personalidade autoritária, criam uma escala de
fascismo, mensurando os graus, os traços de fascismo em
cada pessoa11.
8
São tão pessimistas que veem perversões nos atos mais simples da vida. Para Adorno, por
exemplo, o simples fato de assobiar demonstra o desejo de dominar a música.
9
A escola de Frankfurt parece ser uma versão atualizada do pensamento gnóstico: o gnóstico vê
que o mundo tem algo de errado, mas afirma que o problema está no próprio mundo e não nos indivíduos,
pois afirma que o mundo foi mal feito, criado por um deus mau a partir da matéria. O caminho gnóstico
propõe a libertação das garras do mundo através do conhecimento, da gnose. A escola de Frankfurt não
acredita em demiurgos, mas sim em sistemas que não funcionam. O mundo está estruturado de forma má,
alicerçado em um sistema que não funciona: a cultura ocidental, que faz com que o mundo seja mau.
10
O fascismo, como já visto, é fruto da crise do comunismo, sendo uma revisão do pensamento
comunista.
11
Para ilustrar a escala, basta dizer que os traços de fascismo são caracterizados pelos seguintes
Herbert Marcuse, outro grande expoente da Escola de
Frankfurt, escreveu um livro chamado Eros e Civilização, na
década de 50, no qual traça, com toda clareza, o programa da
revolução hippie, da revolução sexual, do pacifismo. Marcuse
propõe uma junção do pensamento de Freud e Marx ao
defender a tese de que o americano é puritano e que por
reprimir o sexo é extremamente agressivo. Para superar tal
agressividade, os americanos precisam fazer guerra. Como o
sistema capitalista precisa de mercados, as guerras são úteis
para o imperialismo americano conquistar o mundo. A
repressão sexual seria um dos meios para manter o sistema
capitalista de pé, segundo Marcuse, pois ao tornar as pessoas
agressivas, leva a guerras e, automaticamente, acaba por
atrasar a implantação da nova sociedade marxista no mundo.
É preciso, então, que o homem reprimido, puritano, faça
sexo. Daí surge o lema de Marcuse: faça amor, não faça a
guerra12. A revolução hippie é fruto direto do pensamento de
Marcuse. Segundo ele, fazendo sexo os jovens iriam se tornar
pacifistas, não fariam guerras, o que faria com que o sistema
capitalista caísse. Assim, o movimento hippie e Woodstock,
que pareciam ser fruto da decadência do modelo da sociedade
americana, fruto do capitalismo decadente e materialista, na
realidade são fenômenos inoculados na sociedade americana
pelos marxistas.
A Escola de Frankfurt buscou, dessa forma, alavancar a
revolução marxista mudando a forma de a pessoa se
relacionar com a sua própria sexualidade, pois percebeu que
ao impor um novo padrão de sexualidade, a implantação da
sociedade socialista se tornava mais fácil 13. Porém, não é
elementos: valorizar a família (mostram que a autoridade do pai é sinal do totalitarismo social), valorizar
a religião, a propriedade privada, mercado livre, valores da moral sexual tradicional. O fascismo parece
assim ligado intimamente à moral judaico-cristã.
12
Amor = sexo livre, revolução sexual.
13
É por isso que os marxistas infiltrados no meio eclesiástico precisam que não se viva o celibato
dentro da Igreja. O celibato está sempre ligado a uma patologia, para que se viva uma vida devassa, pois
deixando de viver o celibato automaticamente as pessoas abandonariam o imperialismo romano (católico
verdade que ao destruir a moral sexual, surja automaticamente
uma sociedade melhor. Para que os jovens da década de 70
transgredissem, violentassem a própria consciência, as regras
morais, eram necessárias altas doses de drogas para que a
libertinagem sexual fosse vivenciada. Só assim diziam não à
moral cristã, conservadora. Os jovens de hoje, infelizmente,
estão numa situação diferente, pois muitos já experimentaram
o fundo do poço: mesmo na mais tenra idade já há pessoas
deprimidas e que, desiludidas pela experiência do hedonismo,
acabam por perceber, desde cedo, que o prazer não responde à
sede de sentido de vida que lhes é peculiar14.
4. A infiltração do marxismo cultural no
Brasil
Enquanto os EUA viviam Woodstock e a revolução
cultural, o Brasil vivia um regime de exceção, de um governo
civil-militar que foi instaurado para evitar a instalação do
comunismo no Brasil. Em 1964, antes do início do processo
mundial de transformações culturais, os militares estavam
preocupadíssimos com a situação do comunismo no Brasil. A
Igreja brasileira apoiava os militares, fazendo diversas
manifestações populares contra o comunismo no país. A
Igreja brasileira era conservadora e anticomunista15.
Apesar de o regime de exceção ser chamado de ditadura,
quando comparado às outras ditaduras da América Latina, vê-
se que o regime no Brasil não foi tão violento assim. A
contagem de vítimas de perseguição, feita pelos próprios
e papal, falando mais claramente). O sistema espiritual, dentro da religião, é considerado um paralelo do
sistema econômico americano. O sistema romano vive de oprimir os povos e romanizá-los. O papa e os
padres conservadores vivem de oprimir os povos impondo a eles uma ortodoxia doutrinal e que está
intimamente ligada à repressão sexual do celibato.
14
O que se vê hoje é um fenômeno de um renascimento de um movimento conservador. A
geração mais nova é mais conservadora do que a geração que está no poder. Por isso o papa Bento XVI
está investindo na juventude e não tem se dedicado tanto aos diversos problemas da geração que teve na
formação pessoas que viveram ou propagaram esses movimentos revolucionários.
15
Com relação à Igreja no Brasil, a mudança no panorama se deve, em grande parte, à Teologia
da Libertação, mas também por influência do Concílio Vaticano II. Porém, a realidade eclesial será
abordada com maior clareza em outro momento. Esta aula se dedicará à análise dos acontecimentos civis.
movimentos esquerdistas, chegou a cerca de trezentas
pessoas, levando em consideração que em diversos momentos
o exército se confrontou com guerrilhas ou se envolveu em
confrontos armados.
Ao contrário, é notório que a repressão militar
representou o crescimento da cultura comunista no país, pois
os militares achavam que o comunismo que devia ser evitado
era o comunismo armado, deixando de lado o comunismo
cultural, chegando até mesmo a subsidiá-lo. O governo militar
dava dinheiro para publicações comunistas. Tal realidade é
confirmada pelos próprios marxistas.
Os militares eram liberais e por isso acreditavam que era
preciso dar espaço também para a esquerda. Os militares
tinham medo da insurreição armada, dando aos marxistas uma
válvula de escape: as universidades. Os espiões nas salas de
aula só verificavam se os professores ensinavam algo no que
diz respeito à revolta armada.
Quando isso era comprovado, o indivíduo era levado
para interrogatório e, esporadicamente, torturado. Os militares
brasileiros não souberam identificar e combater o marxismo
cultural, mas somente o marxismo armado.
Aproveitando-se dessa situação, alguns autores
comunistas passaram a se aproveitar de novelas para ir, pouco
a pouco, apresentando o conteúdo revolucionário para a
nação16. As novelas (realidade que ainda hoje continua no
Brasil) se prestaram a levar à frente a proposta da escola de
Frankfurt de revolução cultural.
Mas, para a população em geral, a grande impressão era
a de que as novelas eram expressão da sociedade capitalista
16
Dias Gomes, por exemplo, transpôs para as novelas a mentalidade marxista. Através de suas
obras, aproveitando-se do liberalismo militar e do liberalismo capitalista de Roberto Marinho, fomentou a
aceitação do divórcio na sociedade brasileira. Na sua mais famosa novela, Roque Santeiro, apresentou
uma caricatura da Igreja, apresentada como uma farsa, mostrando que estaria interessada somente no
dinheiro e na opressão dos pobres.
decadente americana e que estavam por destruir o
cristianismo e a família brasileira.
Atualmente, no Brasil, ganha grande exposição nas
novelas um dos grandes bastiões da revolução cultural: a
promoção da cultura homossexual. Para que se explique a
importância do homossexualismo no contexto revolucionário
é necessário fazer um pequeno resgate histórico e teórico.
Marcuse, percebendo que a revolução marxista não eclodiu
através da luta de classes, se aproveitou de uma realidade
característica do ser humano (a inveja), para alimentar um
combustível de revolta. Pierre Bourdieu17, por sua vez,
sistematizou a revolta no conceito de excluído18, que foi
criado para promover a questão da inveja. Aí entram os
homossexuais19, pois o seu desejo de igualdade com os
heterossexuais os leva constantemente à revolta.
Seguindo fielmente esta cartilha, as novelas brasileiras
tem buscado apresentar a cultura homossexual principalmente
pela exploração do lesbianismo, uma vez que os grandes
opositores do homossexualismo, os homens heterossexuais,
aceitam mais facilmente o relacionamento entre duas
mulheres do que o relacionamento entre dois homens. O
machismo do brasileiro é o maior empecilho para a aceitação
do homossexualismo neste país20.
17

18
Na realidade, tal conceito nasceu de um pensamento marxista. Foi um termo cunhado para
explorar a inveja como combustível capaz de eclodir uma revolução. O combustível da inveja é capaz de
produzir uma revolta. Os acontecimentos de protestos nas bolsas de valores no mundo inteiro, por
exemplo, não é outra coisa que simplesmente fruto da inveja: as pessoas querem ter mais. Nunca houve
uma sociedade que possuísse tanto, mas que ao mesmo tempo fosse tão infeliz.
19
Existe algo de muito inquietante no homossexualismo por sua própria natureza, pois ele está
numa situação em que sua própria opção de vida sexual o coloca contra a realidade biológica da ordem
das coisas. Querem igualdade, organizam passeatas, mas não existe ideologia nesse mundo que consiga
tal intento, pois a estrutura da realidade não é de acordo com o que estão querendo ou exigindo. Não
existe ideologia no mundo que consiga mudar o fato de que de uma união homossexual não irá produzir
fruto. Exatamente por isso o movimento homossexual é um dos mais utilizados para quebrar a ordem das
coisas.
20
A tática revolucionária, porém, é bastante simples: se é possível aceitar o relacionamento
homossexual entre duas mulheres, qual a razão de ainda serem criadas barreiras para a aceitação do
relacionamento homossexual entre dois homens?
Os que pensam a revolução cultural sabem que seu
trabalho deve ser feito de forma lenta, gradual, dando a
impressão de naturalidade, ou seja, dando a impressão de que
a sociedade caminha assim naturalmente.
O marxismo cultural, no Brasil, já conseguiu a
hegemonia cultural e da mídia. Pela política da dominação de
espaços, já dominaram a classe falante (jornalistas, cineastas,
psicólogos, padres, juízes, políticos, escritores) que é formada
no pensamento do marxismo cultural. Não existe nenhuma
universidade brasileira que seja exceção... principalmente as
católicas.
Tudo isso é fruto de um descaso histórico dos
conservadores21, que permitiu que o marxismo cultural
tomasse conta das universidades. Em qualquer curso
universitário é possível constatar tal realidade através de um
ódio frontal e fundamental ao cristianismo, aos valores
cristãos e mais especificamente ao catolicismo tradicional. E
o que se vê é que a classe falante revolucionária, apesar de ser
minoria, domina hegemonicamente os meios de produção da
cultura, enquanto a maioria de brasileiros mudos,
conservadores em muitos aspectos, não tem representação,
imaginando que seu posicionamento é compartilhado por
poucos22.
5. A Teologia da Libertação e sua
influência na Igreja
Dentro do pensamento marxista, mais especificamente
do pensamento marxiano23, a religião e a teologia fazem parte
21
Tanto no que diz respeito aos militares, quanto à elite capitalista brasileira e à própria Igreja.
22
Tal característica conservadora da população brasileira ainda pode ser comprovada numa
análise encomendada por um grande jornal que mostrou que 70% da população brasileira ainda tinha
posições conservadoras em questões morais (não aceitação do aborto, não aceitação do casamento gay,
defesa da indissolubilidade do matrimônio, do valor da castidade e da virgindade, da pena de morte,
contra a liberação das drogas).
23
“Marxiano” designa o pensamento específico de Marx, e não as elaborações ulteriores feitas
por estudiosos de sua obra
de uma superestrutura, de algo que não faz parte da
infraestrutura que move a história, ou seja, a economia 24. O
pensamento revolucionário posterior a Marx, porém, começou
a perceber a importância da cultura, da superestrutura 25. Marx
considerava a religião como ópio do povo. Na Rússia, o
stalinismo-leninismo tentou abolir a religião; mas Gramsci e a
escola de Frankfurt descobriram que a cultura é, de alguma
forma, religião exteriorizada. Todos parecem ter uma visão
religiosa do mundo, e a cultura seria a exteriorização dessa
visão de mundo.
Feuerbach afirmava que toda a teologia é uma
antropologia, pois dizia que tudo o que se afirma a respeito de
Deus, isto é, todas as afirmações religiosas podem ser
reduzidas a afirmações antropológicas. A religião parece,
desta forma, uma projeção da humanidade na divindade.
Feuerbach entende que a teologia é uma antropologia
alienada.
A Teologia da Libertação se esforça por seguir essa
cartilha, pois é a imanentização26 da religião cristã e de
qualquer outra religião27. Tudo aquilo que se refere a Deus é
relido em chave antropológica, mais especificamente em
linguagem sociológica. Todo o conteúdo do sagrado e do
transcendente é esvaziado na imanência humana.
Assim, uma das características básicas da Teologia da
Libertação é a negação de uma esperança transcendente. Não
se espera o reino de Deus na transcendência, mas, sim, na
imanência deste mundo. Seu golpe, porém, se caracteriza pelo
24
Para Marx, a história se move a partir de interesses econômicos.
25
Por isso, o marxismo cultural é por muitos teóricos considerado heterodoxo, exatamente por se
desviar do ponto central do pensamento de Marx, valorizando mais a cultura do que a economia.
26
Isto é, considerar válido somente o que é da experiência, palpável, empírico, em detrimento de
toda a realidade que remeta ao transcendente
27
Hans Küng tem proclamado uma ética mundial. Em conferência sobre cada uma das religiões,
relidas de forma imanentista, diz que servem como força do inconsciente coletivo, dos arquétipos que
podem ser manipulada para produzir a sociedade que se deseja, o combustível que pode ser utilizado num
projeto de engenharia social. A finalidade da religião é assim, imanente.
fato de afirmar que a transcendência se encontra no futuro.
Ora, o futuro também é imanente, pois pertence à realidade
desse mundo…
Essa afirmação do futuro como transcendente é própria
do marxismo28, por utilizar um imanentismo fraco, afirmando
que o sentido do hoje está no amanhã29. O marxista adia a
crise de sentido diante de uma possibilidade de futuro.
Mas se o sentido do hoje é o amanhã, qual é o sentido do
amanhã? Qual é o sentido da sociedade do futuro? Se a vida
tem sentido, este sentido, necessária e logicamente, estará fora
da vida. O único caminho para que a história tenha sentido é
falar de uma meta-história, de algo transcendente.
O Reino dos Céus, conteúdo da fé cristã, não é o reino
do amanhã, é o reino do além, da eternidade, eternidade que
irrompeu na história humana e se fez carne: o transcendente, o
sentido de tudo, o logos se fez presente na história humana.
Exatamente por isso tornou-se alcançável, tangível 30. O
esforço da teologia será mostrar que esta aparente contradição
não trai a racionalidade, mas a aperfeiçoa. A verdadeira
teologia é uma tentativa de reflexão que tenta conciliar os
paradoxos e aparentes contradições da fé31 com a
racionalidade.
Um “teólogo” da libertação não se move por essa linha.
Sua argumentação irá mudar quantas vezes forem necessárias

28
Um imanentista em sentido pleno é um existencialista, pois “vê” que a vida não tem sentido,
pois este mundo daqui é tudo o que existe. Portanto, não há sentido fora do mundo. Os existencialistas
merecem, em certa medida, o nome de filósofos, por levarem o ateísmo às últimas consequências,
mostrando que, se Deus não existe, só sobra o desespero humano.
29
A Teologia da Libertação, desta forma, é a aplicação eclesial do “dogma” marxista, pois
apresenta o sentido da Igreja como a Igreja do amanhã, que é tecnicamente chamada de “Reino de Deus”.
30
Este é o grande paradoxo do cristianismo. O esforço teológico é explicar que o que é
aparentemente contraditório é algo profundamente lógico.
31
Sendo assim, não existe, verdadeiramente uma Teologia da Libertação, mas sim uma
ideologia, já que ideologia é uma série de ideias e de reflexões que servem para justificar interesses de
classes, interesses de engenharia social. A Teologia da Libertação é, na verdade, uma ideologia a serviço
de uma engenharia social.
até a realização do seu intento. Não existe nenhuma
dificuldade em abandonar qualquer estereótipo. Tudo o que
for necessário para favorecer a revolução será feito, pois
qualquer argumento só tem validade enquanto convence. Se
não convencer, será descartado.
É por isso que os teólogos tradicionais têm uma
dificuldade imensa de compreender a forma de pensar de um
teólogo da libertação, pois a lógica aristotélico-tomista
percebe a todo momento a falta de coerência lógica dos
marxistas32. Na realidade, não seguem a lógica de Aristóteles,
pois Gramsci já indicou o caminho: bom é aquilo que ajuda a
revolução; mau, aquilo que atrapalha.
Para dialogar com um marxista é preciso inverter o
caminho costumeiro da argumentação, já que ele parte do
primado da práxis sobre a teoria, sabendo o que quer fazer
para, num segundo momento, criar a teoria que o justifique.
Nesse caminho, o grande adversário a ser combatido é o
cristianismo, o ópio que aliena “o povo” da luta pela
implantação de uma sociedade justa e sem classes através da
pregação do “reino dos céus”. Tudo o que faça com que o
povo não lute, não serve e não deve existir.
O povo deve ser engajado num processo de engenharia
social e a religião, metamorfoseada quantas vezes forem
necessárias para ajudar nesse processo. O revolucionário não
busca a verdade, pois não crê em sua existência.
Uma vez que o marxismo viu que não conseguiria
destruir a Igreja de fora (Revolução Russa, Gulags, Guerra
Civil Espanhola) partiu para uma nova tática: infiltrar-se na
Igreja, através da Teologia da Libertação, que se constituiu
num projeto de engenharia social que, a partir da própria
32
Acusa-se de homossexualismo quem usa batina e, ao mesmo tempo, defende-se o casamento
homossexual. É conveniente chamar de homossexual quem usa batina e, ato contínuo, defender a
“sacralidade” da relação homossexual, para destruir a estrutura da sociedade patriarcal.
Igreja, busca fazer com que a Igreja mude a sua própria
natureza, tornando-se uma força para ajudar a concretizar a
revolução social. A tentativa: fazer com que o cristianismo
deixe de ser visto como é, um acontecimento e passe a ser
visto como uma realidade mental.

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