Amor Com Atos
Amor Com Atos
Amor Com Atos
QUARTA-FEIRA
57. AMOR COM ATOS
– O Senhor amou-nos primeiro. Amor com amor se paga. Santidade
nas tarefas de cada dia.
– Amor efetivo. A vontade de Deus.
– Amor e sentimento. Abandono em Deus. Cumprimento dos deveres
próprios.
I. TANTO AMOU DEUS o mundo que lhe deu o seu Filho
Unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha
a vida eterna1.
Com estas palavras, o Evangelho da Missa mostra como a Paixão
e Morte de Jesus Cristo é a suprema manifestação do amor de Deus
pelos homens. Foi Deus quem tomou a iniciativa no amor, entregando-
nos Aquele que mais ama, Aquele que é objeto das suas
complacências2: o seu próprio Filho. A nossa fé “é uma revelação da
bondade, da misericórdia, do amor de Deus por nós. Deus é amor (cfr.
1 Jo 4, 16), quer dizer, amor que se difunde e se dá com
prodigalidade; e tudo se resume nesta grande verdade que tudo
explica e tudo ilumina. É necessário olhar a história de Jesus sob essa
luz. Ele me amou, escreve São Paulo, e cada um de nós pode e deve
repetir a si próprio: Ele me amou e se entregou por mim (Gal 2, 20)”3.
O amor de Deus por nós culmina no Sacrifício do Calvário. Deus
deteve o braço de Abraão quando estava prestes a sacrificar o seu
único filho, mas não deteve o braço dos que pregaram o seu Filho
unigênito na Cruz. Por isso São Paulo exclama cheio de
esperança: Aquele que não poupou o seu próprio Filho [...], como não
nos dará também com Ele todas as coisas?4
A entrega de Cristo constitui um apelo urgente para que
correspondamos a esse amor: amor com amor se paga. O homem foi
criado à imagem e semelhança de Deus5, e Deus é amor6. Por isso o
coração do homem foi feito para amar, e, quanto mais ama, mais se
identifica com Deus. A santificação pessoal não tem, pois, por centro a
luta contra o pecado, mas o amor a Cristo, que se nos mostra
profundamente humano, conhecedor de tudo o que é nosso.
O amor de Deus pelos homens e dos homens por Deus é um amor
de mútua amizade. E uma das características próprias da amizade é o
trato. Para amar o Senhor, é necessário conhecê-lo, conversar com
Ele... Conhecemo-lo quando meditamos a sua vida nos Evangelhos.
Conversamos com Ele quando oramos.
A consideração da Santíssima Humanidade do Senhor alimenta
continuamente o nosso amor a Deus e é um ensinamento vivo sobre o
modo de santificarmos os nossos dias. Na sua vida oculta em Nazaré,
Jesus Cristo quis assumir aquilo que há de mais corriqueiro na
existência humana: a vida cotidiana de um trabalhador manual que
sustenta uma família. E assim, vemo-lo durante quase toda a sua vida
trabalhando dia após dia, mantendo em bom estado os instrumentos
da pequena oficina, atendendo com simplicidade e cordialidade os
vizinhos que vinham encomendar-lhe uma mesa ou uma viga para a
nova casa, cuidando com carinho de sua Mãe... Assim cumpriu a
vontade de seu Pai-Deus nesses anos da sua existência.
Contemplando a sua vida, aprendemos a santificar a nossa: o
trabalho, a família, as amizades... Tudo o que é verdadeiramente
humano pode ser santo, pode ser veículo do nosso amor a Deus,
porque o Senhor, ao assumi-lo, o santificou.
II. SABER QUE DEUS nos ama, com um amor infinito, é a boa
nova que alegra e dá sentido à nossa existência. Nós também
podemos afirmar que conhecemos e cremos no amor que Deus tem
por nós7. E, perante esse amor, sentimo-nos incapazes de exprimir o
que também o nosso coração não consegue abarcar: “Saber que me
amas tanto, meu Deus, e... não enlouqueci!”8
Tudo o que o Senhor fez e faz por nós é um esbanjamento de
atenções e graças: a sua Encarnação, a sua Paixão e Morte na Cruz,
que pudemos contemplar nos dias passados, o perdão constante das
nossas faltas, a sua presença contínua no Sacrário, os auxílios que
nos envia diariamente... Considerando o que fez e faz pelos homens,
nunca nos deve parecer suficiente a nossa correspondência a tanto
amor.
A maior prova de correspondência é a fidelidade, a lealdade, a
adesão incondicional à Vontade de Deus. É o que Jesus nos ensina
quando nos dá a conhecer os seus desejos infinitos de fazer a
vontade do Pai e nos diz que o seu alimento é cumprir a vontade
dAquele que o enviou9. Eu guardei os mandamentos de meu Pai – diz
o Senhor – e permaneço no seu amor10.
A vontade de Deus reside, antes de mais nada, no cumprimento fiel
dos Mandamentos e demais preceitos que a Igreja nos propõe. É
neles que descobrimos o que Deus quer para nós. E é no seu
cumprimento, realizado com nobreza humana e na presença de Deus,
que encontramos o amor a Deus, a santidade.
O amor a Deus não consiste em sentimentos sensíveis, ainda que
o Senhor os possa dar para nos ajudar a ser mais generosos.
Consiste essencialmente na plena identificação do nosso querer com
o de Deus. Por isso devemos perguntar-nos com freqüência: faço
neste momento o que devo fazer?11
“Amor com amor se paga”. Mas há de ser um amor efetivo, que se
manifeste em atos concretos, no cumprimento dos nossos deveres
para com Deus e para com os outros, ainda que o sentimento esteja
ausente e tenhamos que caminhar a contragosto. “É evidente que a
suma perfeição não consiste em regalos interiores nem em grandes
arroubamentos – escrevia Santa Teresa –, mas em termos a nossa
vontade tão conforme com a de Deus, que não haja coisa alguma que
entendamos que Ele quer, e não a queiramos nós com toda a nossa
vontade”12.
III. NO SERVIÇO A DEUS, o cristão deve deixar-se conduzir pela
fé, nunca pelos estados de ânimo. “Guiar-se pelo sentimento seria o
mesmo que entregar o governo da casa ao criado e depor o dono. O
mal não está no sentimento, mas na importância que se lhe concede
[...]. Há almas para quem as emoções constituem toda a piedade, a tal
ponto que se persuadem de tê-la perdido quando o sentimento
desaparece [...]. Se essas almas soubessem compreender que esse é
justamente o momento de começar a tê-la!”13
O verdadeiro amor, sensível ou não, estende-se a todos os
aspectos da nossa existência, numa verdadeira unidade de vida; leva
a “pôr Deus em todas as coisas, pois sem Ele se tornariam insípidas.
Uma pessoa piedosa, com uma piedade sem beatice, procura cumprir
o seu dever: a piedade sincera leva ao trabalho, ao cumprimento
prazeroso – ainda que custe – do dever de cada dia... Há uma íntima
união entre essa realidade sobrenatural interior e as manifestações
externas dos afazeres humanos. O trabalho profissional, as relações
humanas de amizade e de convivência, o empenho em promover –
lado a lado com os nossos concidadãos – o bem e o progresso da
sociedade são frutos naturais, conseqüência lógica, dessa seiva de
Cristo que é a vida da nossa alma”14. A falsa piedade não se reflete
na vida ordinária do cristão. Não se traduz numa melhora da conduta,
numa ajuda aos outros.
O cumprimento da vontade de Deus nos deveres de cada dia – a
maior parte das vezes pequenos – é o caminho mais seguro para o
cristão se santificar no meio das realidades terrenas. Podemos
cumprir esses deveres de maneiras muito diferentes: com resignação,
como quem não tem outra saída senão executá-los; aceitando-os, o
que revela uma adesão mais profunda e meditada; mostrando-nos de
acordo, querendo o que Deus quer porque, ainda que não o
compreenda nesse momento, o cristão sabe que Deus é nosso Pai e
quer o melhor para os seus filhos; ou com pleno abandono, abraçando
sempre a vontade do Senhor, sem lhe estabelecer limites de nenhum
gênero.
Esta última é a atitude que o Senhor nos pede: que o amemos sem
condições, sem ficar à espera de situações mais favoráveis, nas
coisas correntes de cada dia e, se Ele assim o quiser, em
circunstâncias mais difíceis e extraordinárias. “Quando te
abandonares de verdade no Senhor, aprenderás a contentar-te com o
que vier, e a não perder a serenidade se as tarefas – apesar de teres
posto todo o teu empenho e utilizado os meios oportunos – não
correm a teu gosto... Porque terão «corrido» como convém a Deus
que corram”15.
Com palavras de uma oração que a Igreja nos propõe para depois
da Missa, digamos ao Senhor: Volo quidquid vis, volo quia vis, volo
quomodo vis, volo quamdiu vis16: quero o que queres, quero porque o
queres, quero como o queres, quero enquanto o quiseres.
A Santíssima Virgem, que pronunciou e levou à prática
aquele faça-se em mim segundo a tua palavra17, ajudar-nos-á a
cumprir em tudo a vontade de Deus.
(1) Jo 3, 15; (2) cfr. Mt 3, 17; (3) Paulo VI, Homilia na festa do Corpus
Christi, 13-VI-1975; (4) Rom 8, 32; (5) cfr. Gen 1, 27; (6) 1 Jo 4, 8; (7)
1 Jo 4, 16; (8) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 425; (9) cfr. Jo 15, 10;
(10) Jo 15, 10; (11) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 772; (12)
Santa Teresa, Fundações, 5, 10; (13) J. Tissot, A vida interior, pág.
100; (14) Josemaría Escrivá, In memoriam, EUNSA, Pamplona, 1976,
págs. 51-52; (15) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 860; (16) Missal
Romano, Oração do Papa Clemente XI; (17) Lc 1, 38.