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Sumário

Capa

Folha de rosto

Sumário

Dedicatória

Com um pouco de sorte

Agradecimentos

Sobre a autora

Créditos
Para todo mundo que cresceu

à base de comédias românticas.


Minha mãe sempre disse que a família Love tem sorte.

Não muita sorte, veja bem, tipo ganhar na loteria ou

sorteios, mas um pouco de sorte. De chegar toda vez cinco

minutos antes de um temporal começar ou, às vezes, conseguir

um upgrade para a classe executiva em alguns voos ou achar

vagas boas em estacionamentos lotados. Temos sorte em

algumas coisinhas que, no fim das contas, nem importam tanto.

Na verdade, é uma maldição.

Era de esperar que tivéssemos sorte no amor também —

afinal, esse é o nome da nossa família, em inglês.

Ao que tudo indica, deveríamos ter.

Minha avó era uma cerimonialista de casamentos famosa,

minha mãe é uma romancista renomada, minhas irmãs são

experts em relacionamentos — uma tem uma coluna de

conselhos sentimentais e a outra é terapeuta sexual. Quando

éramos mais novas, a barraca do beijo delas era conhecida em

toda a cidade. As crianças costumavam jurar que tinham

encontrado a alma gêmea depois de um selinho da Lila ou da

Rose. Mas o que é que adolescentes de treze anos sabem sobre


o amor? É o que os pais sempre diziam, balançando a cabeça,

em desaprovação.

Minhas irmãs nem ligavam para isso. Elas montavam a

barraca quando o calor do verão estava nas alturas e as bocas

ficavam com gosto de picolé de morango. Assim, ganhavam

grana suficiente para nos levar ao cinema, com direito a pipoca

grande e uma bebida para ser dividida entre nós três.

Nunca fiz parte da barraca. Se eu tivesse participado

daquilo, talvez a história do meu primeiro beijo e do segundo e

do terceiro e do décimo não fosse tão pavorosa. Não,

“pavorosa” não é a palavra certa, tampouco “triste”. Depois do

terceiro beijo, aprendi que a maldição da família é verdadeira.

E que eu sou, realmente, sortuda em tudo, exceto na única coisa

que quero: amor.

Porque, sabe, as mulheres da família Love são excelentes

em encontros e aventuras românticas, mas nunca para elas

mesmas. Nossa maldição é sermos a pessoa que vem antes —

minha avó, minha mãe, minhas irmãs e eu. Somos passageiras,

aquela mulher no começo das comédias românticas que

raramente tem nome porque é sempre o que o protagonista

não precisa — ela é o antes e totalmente esquecível.

— Sei que parece maluquice — falei para aquele que se

tornaria meu melhor amigo no dia em que nos conhecemos na

faculdade —, mas sou o beijo antes de alguém encontrar o

verdadeiro amor.

O Rhett me levou para tomar um café depois de um

primeiro dia particularmente angustiante de estatística. Ele era

tão legal e charmoso que eu não queria que me entendesse


mal. Eu tinha que avisá-lo. Além disso, nós dois teríamos

bombado naquela matéria se não tivéssemos nos sentado um

ao lado do outro e sussurrado as respostas que colamos do

futuro graduado com honras à nossa frente.

Ainda não sei se o Rhett acreditou em mim, pois apenas

sorriu e deu de ombros.

— Também não estou procurando nada, a não ser que você

tenha a cola da prova de sexta.

Inspirei o ar com os dentes cerrados.

— Putz, foi mal... Não vai rolar, cara. Você fez amizade com

a menina errada. Esse cérebro aqui? Está cheio de citações de

Crepúsculo e dados sobre o omegaverse, e nada de matemática.

— O que é omegav…? Pô, não tenho o suficiente… — ele

disse baixinho, contando os trocados da carteira. — Hum, vou

pegar o seu café e uma água pra mim…

— Ah, não, espera! — Vasculhei o chão ao nosso redor.

Vislumbrei algo prateado debaixo da vitrine da padaria, peguei

a moeda e a ergui. — Isso é o suficiente, né?

— Você acabou de achar isso no chão?

Dei de ombros.

— É uma maldição.

Ele deu risada.

— Como assim? Você é sortuda! — ele comentou.

Tive que morder a bochecha por dentro ao sorrir.

— Meio que sim — respondi.

E foi isso.

Não rola nada de romântico entre a gente. (O que é uma

coisa boa, porque o Rhett escolhe mulheres como se fosse um


jogo sádico de roleta-russa: qual delas vai acabar roubando seu

cartão de crédito e dando uma facada na coxa dele esta

semana? E eu sou, como já disse, uma excluída na área

amorosa.)

Somos simples e inteiramente melhores amigos.

Então, quando o Rhett me ligou dez anos depois me

perguntando se eu queria ser sua madrinha de casamento,

como é que eu poderia dizer não? Não importava que ele só

conhecesse Carmilla fazia seis meses — de novo, seu histórico

amoroso era… suspeito, na melhor das hipóteses.

Mas o que é que eu deveria falar?

— Espera aí, tigrão, vai pular sem paraquedas mesmo?

Não… Se meu melhor amigo queria pular, eu ia pelo

menos ficar por perto dando apoio.

E, nossa, como me arrependo dessa decisão agora. Quem

sabe, se eu tivesse dito “Pisa no freio, campeão, você está indo

rápido demais”, eu não estaria deitada no sofá com a dor de

cabeça mais bizarra do mundo após o que eu esperava que

tivesse sido uma despedida de solteiro também intensa da qual

não conseguia me lembrar, e meu melhor amigo não estaria

desaparecido?
Ontem

Tudo começou bem, só para você saber. Digo, tão bem quanto

poderia ser a véspera do maior comprometimento da sua vida.

Rhett me encontrou no aeroporto, pegamos um carro

juntos e ele passou a viagem toda mexendo e rodando o anel

de noivado no dedo, observando a paisagem árida e invernal de

Connecticut em fevereiro. Ele estava nervoso. Manteve o

maxilar cerrado o tempo todo e não apontou para todas as

vacas pelas quais passamos, o que foi o sinal mais revelador.

Ele adorava ficar apontando para animais de fazenda aleatórios

durante as viagens de carro.

— Sabe, a gente pode dar meia-volta e fugir, se quiser —

eu disse, meio que brincando, meio que não. — É só dizer a

“palavra de segurança” e já era. Tenho quase certeza de que

tenho uma meia-calça na bolsa; podemos colocar na cabeça pra

disfarçar e sequestrar o motorista e…

Ele deu uma risada, revelando os dentes tortos para mim.

— Eu amo a Carmilla, Audie.

Ele era a única pessoa que podia me chamar de Audie. E,

toda vez que fazia isso, eu sabia que estava falando sério. Uma

sensação estranha e incômoda fez meu peito apertar.

— Então qual é o problema?


— Todo o resto, acho.

Seria mais fácil se Carmilla fosse o problema, mas eu a

conheci em Nova Orleans alguns meses antes no aniversário

de trinta e um anos de Rhett. Ela era linda e bastante pé no

chão para uma atriz. Sempre perguntava como eu estava e

mandava cartões-postais quando viajava para o exterior e…

sinceramente? Tentar odiar Carmilla era tipo tentar odiar

algodão-doce. Era possível, mas você seria uma daquelas pessoas

que não curtem nem um pouco as escolhas populares. (Além

disso, por que odiar a nepobaby Carmilla Marion quando se

podia odiar aquela princesa que quis ser atriz por, tipo, um

milissegundo?)

A família dela tinha tanta grana que ela não precisava

trabalhar nunca mais — eles eram aquela espécie de ricaços

que tinham casa no litoral de Connecticut e podiam ser

figurantes nos clipes da Taylor Swift. Foi exatamente para lá

que fomos — para um pequeno aeroporto em Connecticut que

nos levou até uma cidadezinha ainda menor no litoral.

Periodical era um nome peculiar para uma cidade litorânea,

mas logo percebi que aquela mal poderia ser considerada uma

cidade propriamente dita quando entramos na avenida

principal. Fazer uma despedida de solteiro memorável ali

exigiria um milagre, sendo que a tarefa já era difícil por si só,

pois era véspera do Dia dos Namorados e inverno em uma

cidade litorânea. Pegamos todo o caminho livre até a pousada

onde ficaríamos hospedados — eu sempre pego semáforos

abertos. De qualquer forma, havia apenas um semáforo em

Periodical, então não foi exatamente uma grande façanha.


Franzi a testa.

— Tipo… todo o resto? A carreira dela? A fama? Ela quer

ter filhos? Ou… — falei baixinho. — É a família dela?

— Não, não, eu adoro a família dela. A maior parte — ele

acrescentou. — Tipo, casamento… No Dia dos Namorados?

Poderia ser mais clichê? Tudo é temático, Audie. Temático!

Nossos pais vão sair também. Até encomendaram bolinhos da

padaria favorita de Millie em toda a área da Baía de São

Francisco só pro jantar de ensaio. Tipo, pagaram alguém pra ir

de avião até São Francisco ontem, encomendar os bolos e voltar

pra cá com eles.

— Sabia que o Frank Sinatra costumava fazer isso com a

pizza favorita dele?

Rhett continuou como se não tivesse me ouvido:

— Sem falar que… a lista de convidados tem um

quilômetro de extensão! E eu não conheço nem metade desse

povo. A gente convidou até aquela princesa… Sabe qual, né?

Princesa Ilaria de… hum…

— Monterra?

— Essa mesma!

— Nossa! — Fiquei surpresa. Não esperava que a Carmilla

fosse convidar uma mulher rebelde feito a princesa Ilaria,

especialmente depois de toda a publicidade negativa que ela

recebeu. — Ela vem?

— Não. Ela tinha uma festa de noivado em Roma ou algo

assim. — Ele passou os dedos pelo cabelo. — E todos aqueles

cartões de agradecimento. O discurso que tenho que ensaiar.

O… sei lá, tudo. Você me conhece. Eu só quero…


— Você não pode fugir pra se casar em segredo com ela,

seu idiota! — eu o repreendi. — Não depois de tudo o que ela

fez. Além disso, passei tempo demais pesquisando no Google

Maps e lendo críticas no Yelp pra organizar sua despedida de

solteiro, então você não vai desistir agora. A gente vai sorrir e

acenar, capisce?

— Capisce! — ele falou. — Aliás, você vai adorar o

padrinho da Carmilla.

— Ah, é? Ele é legal?

— Na verdade…

— Chegamos — o motorista anunciou, parando na frente

de uma linda pousada branca, com roseiras, vista para o mar e

a radiante noiva de Rhett parada na varanda.

Ela nem esperou a gente tirar as malas do carro antes de se

lançar sobre nós. Carmilla Marion estava tão animada que

contrastava com o mau humor de Rhett, exibindo suas

brilhantes madeixas loiras e seus grandes olhos castanhos. Seu

sorriso suavizou minhas arestas mais afiadas no segundo em

que ela fixou sua atenção em mim.

— Audrey! — ela gritou, pegando minhas mãos. — Estou

tão feliz que você veio! Rhett disse que você é a mais

empolgada de nós!

— Ele disse, é? — perguntei, olhando para Rhett.

Ele me deu um sorriso sem graça enquanto ela o puxava

para longe. Pelo visto, seu pai tinha chegado pouco antes de

nós, e os pais dela estavam morrendo de curiosidade para

conhecê-lo. Ela veio e levou meu melhor amigo consigo feito

um furacão, e fiquei ali sozinha na calçada da pousada.


— Também foi difícil pra gente acreditar — um homem

falou atrás de mim, e virei a cabeça para ver quem era.

Ele tirou minha mala do bagageiro do carro quando fiz

menção de pegá-la, puxando-a rapidamente e colocando-a no

chão. O que foi um pouco ofensivo, pois eu quase morri para

colocá-la no bagageiro do avião algumas horas antes. Estava

usando uma calça preta bem passada e uma camiseta branca

simples e era bem bonito, com um cabelo ruivo bagunçado e

jovial, lembrando um daqueles heróis de filmes de ação dos

anos noventa, e seus ombros eram largos o suficiente para

deixar Brendan Fraser nos tempos de A múmia no chinelo. Ele

me encarou com suaves olhos verdes. Havia uma sarda logo

abaixo do seu olho esquerdo — a única em seu rosto

ofensivamente perfeito.

Aquela sensação estranha no meu peito se transformou em

algo escorregadio e terrível.

— Ah! Você!

Era a última pessoa que eu queria ver. Ele se virou para

procurar Rhett e exigir alguma explicação, mas meu amigo já

tinha sido levado pelo pai. Putz… Quando conheci Carmilla em

Nova Orleans, também conheci seu melhor amigo e não

poderia pensar em alguém pior para ver no dia. Ele não tinha

mudado nada desde aquela noite na Bourbon Street.

Ele falou com aquela voz profunda e suave:

— Continua supersticiosa, Audrey?

— E você, continua idiota? — devolvi.

Sua boca se curvou em um sorriso — a mesma boca que

percorreu cada centímetro do meu corpo no quarto daquele


hotel da Bourbon Street. Cada centímetro exceto minha boca.

Gostaria de poder dizer que aquela tinha sido só uma noite

bêbada de más decisões, mas banquei a organizadora do evento

e não podia nem usar isso como desculpa. Não, eu apenas não

resisti a um homem bonito com lábios sensuais que se recusou

a beijar minha boca porque preferiu ficar me provocando

sobre a minha maldição.

— Caso isso seja real, prefiro não encontrar a minha

metade — ele disse na ocasião, usando a boca para explorar

meus seios. — Seria uma pena.

— Você falou que não era supersticioso.

— Não sou, mas você é. — Ele abriu um sorriso malicioso.

— E estou vendo que você quer que eu te beije.

Eu queria. Muito. Queria tanto que fiquei me perguntando

qual seria o seu sabor… Será que ele teria o gosto dos drinques

que tinha bebido ou do chiclete de menta que trazia no bolso?

Será que os lábios eram tão macios quanto pareciam? Será que

ele curtia morder?

Saí do devaneio e desviei o olhar para os meus sapatos.

— O que está fazendo aqui?

Seus olhos verdes ficaram brincalhões.

— Estou aqui pra te beijar.

Era tão ridículo que uma risada repentina escapou da

minha boca antes que eu me desse conta.

— Tá brincando, né? Na frente de todo mundo?

Ele se inclinou para mim. Seu cheiro era o mesmo — de

perfume amadeirado, algo de cedro.


— Deixa eu te beijar e vamos ver se encontro meu

verdadeiro amor amanhã. Só tem um jeito de provar que essa

maldição é verdade. E bem a tempo do Dia dos Namorados.

— Se me lembro bem, foi você que não quis me beijar —

soltei.

— E se eu tiver mentido?

Eu poderia ter falado tantas coisas naquela hora se fosse

um pouquinho mais espirituosa… Mas tudo em que consegui

pensar, olhando para aquele homem desastrosamente bonito,

foi…

— Não tenho nenhuma bala.

Ele deu uma bufada que pareceu uma risada e começou a

abrir a boca quando Carmilla gritou da varanda da pousada:

— Theo! Espero que esteja se comportando!

Então aquele homem de ombros largos teve a ousadia de

bancar o tímido!

— Claro que sim, Millie — ele falou. — O que mais eu

estaria fazendo?

— Sendo você — respondeu, divertida. Naquele momento,

soube o que Rhett vira nela. Ela sorriu para mim, dando uma

piscadela, e completou: — Não deixa ele criar caso. Afinal,

vocês dois precisam trabalhar juntos!

Juntos? Peraí! Será que esse cara era…

Então Carmilla se virou para trás, distraída.

— Ah, pai, para de interrogar meu noivo! — ela gritou,

entrando na pousada e me deixando ali com meu repentino e

irrevogável inimigo mortal.

Ele trouxe minha mala e estendeu a mão.


— Acho que começamos com o pé esquerdo. Que tal

tentar de novo? Theo Luck. — Ele se apresentou. — Padrinho

de casamento da Carmilla.

Olhei para a sua mão e depois para aquela linda cara de

convencido e agarrei a alça da mala. Sem falar nada, virei as

costas e saí arrastando-a pela calçada até a varanda. Subi os

degraus tentando ignorá-lo completamente.

Eu tinha uma despedida de solteiro para organizar e um

casamento ao qual comparecer no dia seguinte. Não poderia

me dar ao luxo de odiar Theodore Luck.

Só precisava sobreviver a ele.


Hoje

Acordo sentindo gosto de tequila e arrependimento na língua.

Talvez a própria tequila seja o arrependimento. De

qualquer forma, o sabor certamente é horrível. Minha cabeça

está latejando e não lembro como fui parar no sofá. Na

verdade, não lembro como fui embora da despedida de solteiro

de Rhett. Estávamos em um bar bem brega — um boteco

chamado Ye-Haute, que tinha uma vibe ao mesmo tempo

britânica e faroeste; quem servia os drinques atrás do balcão

usava chapéu de caubói e falava como se tivesse saído de um

romance de Shakespeare —, e acho que exagerei nas doses

servidas no seu generoso decote. Como madrinha — eu me

recusava a ser chamada de dama de honra, a menos que fosse

em alguma brincadeira —, eu devia garantir que a despedida

de solteiro fosse um sucesso.

Acho que consegui.

Enquanto isso, o outro convidado de honra — meu

inimigo mortal, a pedra no meu sapato — devia cuidar da

despedida de solteira na pousada. Com manicure, pedicure,

champanhe e uma noite tranquila, suponho.

Na verdade, faço essas suposições só até ouvir alguém

batendo na porta do quarto do hotel, me fazendo pular do sofá.


Batem de novo, desta vez com mais força. As batidas parecer

atingir meu crânio ressacado feito um furador de gelo.

Até que…

— Audrey! Audrey, pelo amor de Deus! Espero que esteja aí.

Resmungo. Porque conheço a voz. É ele. É claro que é ele.

O homem que me deixaria com enxaqueca — se eu já não

estivesse tendo uma — só de ouvir sua voz. Afasto o cobertor e

me arrasto até a porta, vislumbrando meu reflexo no espelho

do corredor.

Parece que alguém me atropelou com um caminhão, deu

ré e depois passou por cima de mim de novo só para garantir.

O rímel está todo borrado em volta dos meus olhos, meu

batom migrou para a bochecha, um brinco sumiu, meu vestido

está amassado e tem uma mancha misteriosa no meu peito

esquerdo. Pelo menos, minha aparência faz jus a como me

sinto. O cobertor é, na verdade, só um lençol que devo ter

pegado no armário do corredor. Será que nem consegui chegar

até a cama?

A pontada que estou sentindo nas costas me diz que não.

Sou muito jovem para ser velha demais para isso.

— Audrey! — O homem bate na porta mais uma vez. — É

melhor que esteja aí…

Abro-a com ar confiante.

— Theodore… — cumprimento-o com uma voz rouca. —

Te garanto que estou aqui.

Gostaria de poder dizer que nossa relação melhorou desde

que nos vimos no dia anterior, mas os poucos momentos em

que conversamos de tarde e durante o jantar foram tudo


menos amigáveis. Não sei o que vi nele em Nova Orleans.

Provavelmente beleza. Tenho um fraco por beleza. Meu único

fraco, aparentemente, porque Theodore Luck é tipo um

homem recortado em papelão — com bordas afiadas e

emoções finas como papel. Se bege fosse uma pessoa, ele seria

a cor favorita de tinta. Apesar de ser a personificação do que é

uma pessoa sem-graça, ele é bonitão, mesmo em meio à minha

confusão mental provocada pela ressaca. Tem maxilar bem

marcado, nariz reto e suaves olhos verdes. E uma sarda

solitária e insuportável sob o olho esquerdo, como se sua

carranca impecável tivesse afastado todas as outras.

E aquela boca. Ainda me pergunto qual é seu gosto.

Provavelmente de tragédia.

Ele nem se dá ao trabalho de me cumprimentar antes de

entrar com tudo no quarto. Levo um instante para registrar

que as roupas dele estão tão amassadas quanto as minhas —

são as mesmas de ontem à noite — e que ele perdeu a gravata

em algum momento entre o jantar e agora. Pelo visto, a

festinha de manicure/pedicure foi uma loucura.

— Onde ele está? — Theo pergunta.

Sigo-o pelo quarto.

— Bem, bom dia e feliz Dia dos Namorados pra você

também.

— Sei que ele está aqui.

Ele vasculha a sala de estar e o quarto — que está

surpreendentemente impecável. Parece que apaguei ali no sofá

ontem à noite, ou hoje de manhã, ou seja lá a hora que

cheguei. Tudo virou um borrão depois dos shots de tequila.


— Você não pode simplesmente entrar assim — vou

dizendo atrás dele.

À medida que ele perambula pelo quarto e pelo banheiro e

volta para a sala, vai ficando mais pálido do que quando

entrou.

— Onde ele está?

— Não consigo ler sua mente. De quem você está falando?

— Quem poderia ser? Rhett! O noivo!

— E por que ele estaria aqui? — devolvo, porque essa

suposição de repente ataca visceralmente meus nervos.

Há dez anos que tenho que fazer esse jogo. “Não, não

estamos namorando. Não, ele não gosta de mim desse jeito.

Não, somos só amigos. Não, não quero que sejamos mais que

amigos.”

É fácil as pessoas pensarem que tenho ciúme da Carmilla.

Não basta ser a mulher mais linda da Costa Leste? Ainda por

cima tem que ter Rhett Song todinho só para ela? Acho que, se

isso fosse uma comédia romântica dos anos noventa, eu seria a

personagem da Julia Roberts tentando destruir o casamento

deles. Mas não sou.

E a suposição de que Rhett está aqui me deixa realmente

com ódio.

— Não lembro de nada da noite passada. Você já deu uma

olhada no quarto dele? Ou no quarto do Mike? Ou daquele

cara… Como é o nome do primo da Carmilla? Jerry? Jeffrey?

— Josiah, e sim — ele responde de um jeito grosseiro. Ele

abre e fecha as mãos e então solta um longo suspiro. Depois

fala com uma voz surpreendentemente calma: — Ele não está


em nenhum desses quartos nem no próprio quarto. Foi o

primeiro lugar que olhei. Nada mesmo? — E acrescenta, um

pouco confuso: — Você não se lembra de nada?

Meu estômago começa a se revirar, e ainda tenho um

longo dia pela frente. Movimento a mão casualmente.

— Não importa. E o Rhett deve só ter saído pra tomar café

da manhã ou algo assim.

Suas sobrancelhas impressionantemente grossas se

franzem, enrugando sua pele. Não que eu ache fofo, porque

não é. Nem um pouco.

— Que horas você acha que são, Audrey?

— Sei lá! — falo com desdém. Só quero dois Advil e uma

vodca com tônica. — Cedo demais.

— São quatro da tarde.

— Rá! — solto, e me viro para procurar o Advil na mala.

Ele me segura pelo braço com firmeza e repete:

— São quatro da tarde.

— Não.

— Sim, o casamento é daqui a duas horas — ele continua

com uma voz ainda calma, mas percebo um certo pânico ali,

como se ele estivesse andando na corda bamba. — O Rhett não

está no quarto. Não apareceu pro café da manhã. E ninguém

sabe onde ele está.

Não. Peraí! Não! Não pode ser. O Rhett nunca se atrasa para

nada. Ele é irritantemente pontual, na verdade. Ele não é

assim.

Puxo o braço e me viro para que ele não veja o desespero

se espalhando pelo meu rosto e vou até a janela. No lado de


fora, no jardim, vejo a pérgola montada, as cadeiras forradas de

cetim branco dispostas em fileiras sobre a grama verde. O sol

do fim da tarde tinge tudo de um lindo tom dourado, e não há

uma nuvem no céu. É o melhor clima possível para um

casamento ao ar livre. Os pais da Carmilla insistiram em nos

colocar naquela linda e isolada pousada, embora eu nunca

tivesse me hospedado em nada melhor do que os hotéis Best

Western. (Os melhores quartos da Best Western, mas ainda

assim.) Tudo na vida da Carmilla é completamente diferente da

minha e da de Rhett. Ela foi indicada ao Emmy três vezes, saiu

em várias capas da Vogue e tem um armário inteiro só para os

sapatos. Já eu tenho três sapatos para revezar e não consigo

imaginar como é ter um armário inteiro cheinho deles.

Quando o Rhett me falou da Carmilla pela primeira vez, pensei

que ela só estava usando-o como um dos seus diversos

casinhos, e o Rhett não escolhe muito bem suas companhias

(vide a mulher que o esfaqueou e roubou seus cartões de

crédito), mas daí as coisas ficaram sérias e eles foram morar

juntos, e quando ele me ligou, eu soube que…

Era pra valer.

Então a Carmilla deixou de ser só uma linda detetive de

uma série de tv e passou a ser a mulher que adorava uma

camada de açúcar em cima do latte e longas caminhadas no

bosque e livros sobre baleias. Ela é perfeita para o Rhett. Em

quase todos os aspectos. Eu sempre seria a amiga mais antiga

dele, mas é ela quem vai fazer esse papel agora — para sempre.

Essa é a parte difícil de engolir.

Massageio as têmporas.
— Tentou ligar pra ele?

— Cai direto na caixa postal.

— E os caras de ontem? Tentou falar com eles?

— Eles disseram que vocês saíram juntos e não voltaram

mais.

Merda. Definitivamente não me lembro dessa escapada,

pelo menos não de cara. Mas, quanto mais eu penso, mais a

noite vai voltando em fragmentos, como peças de um quebra-

cabeça que vai ganhando forma aos poucos. Saímos do bar. E

daí…

Daí…

— Putz… — sussurro.

Theo me encara.

— O que aconteceu?

O pavor se contorce no meu estômago, porque fiz o

impensável. Minha versão bêbada fez a única coisa que eu não

deveria fazer — jamais. A pior coisa que eu poderia imaginar.

Me lembro de um beijo.

Tenho certeza de que isso se encaixaria na categoria de

“Coisas terríveis que você nunca deve fazer com um noivo na

véspera do casamento dele”, mas isto é ainda pior. Muito,

muito pior. Porque, primeiro… Que horror! Minha vontade era

arrancar minha boca e jogar no mar. Sim, o Rhett é

maravilhoso. Lindo. Perfeito.

Mas ele também é como um irmão para mim. Um irmão

perdido. Meu braço direito. Minha pessoa favorita. Meu

menino engraçado. Eu seria capaz de matar por Rhett Song, e o

ajudaria a esconder um cadáver, se fosse necessário. E agora


vou ter que esfoliar pelo menos três vezes os meus lábios antes

de conseguir sequer pensar nele de novo.

Beijar o Rhett é tipo o Luke beijar a Princesa Leia em Star

Wars.

E, claro, também é uma má notícia por causa da minha

maldição.

Sabe aquela maldição em que o Theodore Luck não

acredita?

Desde que me lembro, sempre que beijei alguém — na

boca e com propósito —, essa pessoa encontrou a alma gêmea,

o amor da vida dela, no dia seguinte.

Sei como isso parece, de verdade. Mas o que mais explica o

fato de que, quando eu tinha treze anos e beijei o Teddy

Abercon atrás das arquibancadas do ginásio, nossa professora

de ciências o colocou para fazer dupla com a Evelyn Albright

na manhã seguinte para a dissecação de um sapo e agora,

quinze anos depois, eles estão felizes e casados, com dois filhos

em Albuquerque? Ou que o Quinn Dayton, que eu beijei nos

fundos do ônibus no último ano da escola, partiu na manhã

seguinte para um mochilão pela Europa e sentou-se ao lado do

futuro marido, Fitzgerald, em um voo noturno para Londres?

Também teve Fiona Baylor. Cairo Weitz. Iwan Ashton.

Oliver Quick. Phillip Dietz. Wesley McNutty. A lista segue,

somando doze pessoas no total.

Com o Rhett, são treze.

Treze pessoas, e agora ele está desaparecido. No dia do seu

casamento.
Eu o beijei ontem à noite, ele percebeu que estava prestes a

se casar com a mulher errada e resolveu fugir. É a única

explicação, certo? Não é? Em algum momento ontem, ele

conheceu o amor da vida dele e agora eles estão vivendo uma

aventura predestinada no estilo comédia romântica enquanto

se apaixonam perdidamente…

E a Carmilla não faz parte dessa história.

Ah, meu Deus. Eu virei mesmo a Julia Roberts em O

casamento do meu melhor amigo.

Theo lê meu rosto, porque diz:

— Você se lembrou de alguma coisa de ontem à noite?

— Hã? — solto. Em seguida, pigarreio. Tento fazer minha

melhor cara de paisagem. — Não.

— Conheço essa cara.

Pelo visto, minha cara de paisagem é uma porcaria.

Deve haver algum erro aí. Me recuso a acreditar que eu —

mesmo bêbada — faria algo tão idiota quanto beijar meu

melhor amigo. Balanço a cabeça e digo:

— O Rhett nunca deixa as coisas pela metade. Tenho

certeza de que ele está em algum lugar da cidade. Vamos

começar por onde o vimos pela última vez — sugiro, pegando

a bolsa onde a Audrey bêbada a jogou, em cima do móvel da

entrada, e colocando-a no ombro. — Que foi o Ye-Haute.

Theo franze o nariz.

— O bar dos caubóis?

— Só Deus pode me julgar — respondo, séria. Ele ergue as

mãos. — Vamos logo.

— Vai na frente.
Dou a volta nele para sair do quarto e sigo pelo corredor,

descendo dois degraus por vez até o térreo. A pousada está

movimentada por conta do casamento, e é fácil escapar sem

sermos questionados no meio do caos.

Pelo menos por enquanto.

— Então você realmente não sabe onde ele está? — Theo

pergunta, me alcançando na rua.

Avançamos na direção do centro daquela cidadezinha

digna de fotos do Pinterest.

— Não — confesso.

Ele solta um suspiro à beira do pânico.

— E estamos a duas horas do casamento. Que ótimo! Não

pode ficar pior!

— Com essa sua atitude, pode ser que piore — digo. — A

gente vai encontrar o Rhett. A Carmilla sabe que ele sumiu?

Ele balança a cabeça.

— Não quis perturbá-la com isso. Ela já estava bem

estressada por causa do casamento.

Então os dois estavam estressados. Casamentos parecem

ser uma coisa terrível. Não entendo por que diabos alguém em

sã consciência se voluntaria a passar por isso. Isso significa que

a Carmilla não vai ajudar em nada — e Theo e eu vamos ter

que lidar com o problema sozinhos. Tenho quase certeza de que

não vamos encontrar o Rhett no bar, mas não sei por onde

começar, e tudo o que conheço de romances policiais é que é

preciso refazer seus passos para encontrar a pessoa

desaparecida.

Tomara que funcione.


Passamos pelas vitrines das lojas parecendo uma dupla de

encrenqueiros em uma cidadezinha pitoresca e charmosa. As

pessoas viram o rosto para nos observar — acho que não é

todo dia que jogadores de golfe veem uma mulher em um

macacão prateado brilhante, com os olhos borrados de rímel,

atravessando a cidade deles como se estivesse cumprindo uma

missão enviada por Deus. Não é a primeira vez que saio em

público com cara de quem viveu um inferno na noite anterior,

mas e Theo? Até me surpreende que ele esteja um pouco

desalinhado, com a camisa lilás amarrotada e meio

desabotoada, até que ele se vê na vitrine de uma butique e

passa os dedos pelos cabelos ruivos e acobreados para ajeitá-los.

Seus fios são grossos e macios, e lembro-me de passar as mãos

nele… Em Nova Orleans?

Deve ser.

Ele me nota encarando seu reflexo e desvio o olhar

depressa, ficando vermelha. Sinto-o me olhando na vitrine por

um instante, me estudando com aqueles suaves olhos verdes

que carregam uma espécie de peculiaridade que não consigo

identificar.

— Aposto que você está pensando que sou um desastre —

falo para o seu reflexo, e ele desvia o olhar rapidamente.

— Não… Bem, não fui eu que perdi o noivo…

Reviro os olhos.

— Ah, sim, porque o Theo Luck é perfeito! Como pude me

esquecer disso? Tem o cabelo perfeito, as roupas perfeitas…

Bem, não nesse momento, mas geralmente sim. Dentes


perfeitos, tudo perfeito. Você deve ter um emprego perfeito

também. As mulheres devem estar te disputando a tapas.

Ele solta uma risada.

— Te garanto que não estão.

— Por quê?

— Que pergunta grosseira.

— E você que me pediu um beijo ontem? — retruco.

A próxima vitrine anuncia a maior promoção do verão, e

felizmente meu reflexo desaparece.

— Eu… não percebi.

— Ah! E talvez você também não tenha percebido que

podia ter me ligado nos últimos meses ou… sei lá. Pelo menos

me mandado uma mensagem? Mas ah, é, claro que não, fui só

mais uma das suas conquistas.

Ele se aproxima de mim.

— Eu não sabia o que dizer… Audrey, peraí… Espera. — Ele

pega minha mão com gentileza, mas a afasto.

Sentindo seu toque formigando na minha pele, continuo:

— “Oi” teria sido um bom começo, Theo. Mesmo que você

não goste de mim, a gente vai estar na vida um do outro pelo

tempo que nossos melhores amigos permanecerem casados, e

espero que seja por bastante tempo. Provavelmente pra sempre.

— Provavelmente — ele concorda. — É só que…

— Chegamos — declaro, apontando para a porta vermelha

com uma placa néon de caubói pendurada nos painéis de

vidro.

Ele engole o que quer que estava prestes a dizer e me

conduz para dentro.


O Ye-Haute é quase um buraco na parede espremido entre

dois restaurantes chiques, que estão arrumando as cadeiras

para abrir. O sino acima do bar ressoa quando entramos, e o

cheiro forte de desinfetante e fritura ataca meus sentidos tão

ferozmente que minha ressaca ameaça me fazer vomitar.

Devo ter congelado no lugar, porque Theo coloca a mão na

base da minha coluna. Seu toque é quente, gentil e firme e me

estabiliza. Logo percebo que ele está com a mão nas minhas

costas. Sigo em frente com pressa.

A pessoa atrás do bar de mogno ergue os olhos dos copos

que está arrumando para a noite, e seu rosto fica sombrio

quando me vê.

— Ainda não abrimos — elu fala com severidade. — E

prefiro que você não volte aqui.

Fico surpresa.

— Eita, calma. O que foi que eu fiz?

Elu bufa e revira os olhos. Seu piercing no lábio cintila sob

o roxo néon da placa velho tesouro.

— O que foi que você não fez? Primeiro você chegou

exigindo drinques e, depois, começou a cantar a trilha de

Legalmente loira…

— Ah, é… Eu fiz isso, né? — Fico bastante orgulhosa de

mim por isso, na verdade.

Theo intervém, se colocando ao meu lado.

— Só estamos procurando nosso amigo. Será que você sabe

pra onde ele foi ontem à noite?

— Acho que não.


— Cabelo escuro, tatuagem de Medusa no braço esquerdo?

— pergunto.

Elu pensa um pouco e depois diz:

— Ah, ele saiu com ela. — E aponta para mim. Depois

encara o Theo, franzindo a testa. — Não me lembro de você

ontem. Você também estava na despedida de solteiro?

— Na despedida de solteira — ele esclarece.

— Fez bem.

Balanço a cabeça, frustrada. No fundo da minha mente,

comecei a pensar que talvez eu tivesse beijado outra pessoa e o

sumiço do Rhett fosse só uma estranha coincidência. Mas se

ele saiu comigo…

O cheiro do bar faz meu estômago se contorcer. Ou quem

sabe seja o pânico crescendo dentro de mim que está me

fazendo ficar enjoada.

Engulo o nó na garganta e pergunto:

— Você não sabe pra onde a gente foi?

— Você não se lembra? — elu pergunta.

— Não, e ele sumiu. O casamento é em duas horas…

— Uma hora e meia — Theo me corrige.

Lanço um olhar severo para ele.

— E a gente não sabe onde ele está.

Elu me olha com uma simpatia inédita, porque sei que não

sou a primeira madrinha a perder o noivo, e finalmente cede,

passando a mão pelo cabelo curto.

— Beleza, está bem. Acho que ouvi vocês falando pra onde

estavam indo, mas tenho um pedido primeiro.

Inclino a cabeça.
— Qual?

Elu pega a conta, que tem cerca de um quilômetro de

extensão, debaixo do bar, e bate a mão no mogno, apontando o

dedo para o papel.

— Sua conta.

Theo dá uma bufada que soa como uma risada. Fico

boquiaberta olhando para o total e correndo os olhos pelos

itens. Tem muita coisa.

— Eu não posso ter bebido tudo isso. Sem chance. Isso

seria capaz de matar até André, o gigante.

— Ah… — elu comenta calmamente. — Você não, mas uma

hora você ficou de pé ali no bar — aponta para o balcão — e

disse que pagaria a próxima rodada. Depois saiu pelos fundos e

não pagou.

Theo estala a língua, decepcionado.

— Audrey Love, você deu mesmo um calote no bar?

— Eu não me lembro — sibilo, mortificada. — É a primeira

vez que faço isso na vida!

Elu bate o dedo na conta mais uma vez, e pelo visto é o

suficiente para me obrigar a pegar a bolsa e a carteira. Só que…

a carteira não está na bolsa. Em nenhum lugar. Procuro de

novo, sentindo o sangue tomar o meu rosto. Não só perdi a

carteira como também a identidade e os cartões estourados e o

número de um garçom gatinho…

Theo fica me olhando despejar todo o conteúdo da bolsa

no bar e vasculhar os absorventes internos e os recibos e os

batons pela metade… e não encontrar nada. Isso não pode estar

acontecendo!
Sem falar nada, ele pega a carteira no bolso da calça, saca

um velho cartão de crédito e o coloca em cima da conta.

— Ah, não! Você não pode… — começo a argumentar.

Ele me interrompe:

— Tudo bem. Estamos ficando sem tempo.

Mesmo que eu queira discutir, elu pega o cartão

imediatamente feito o Gollum vendo o Anel e vai até a

maquininha depressa, como se Theo pudesse mudar de ideia.

Em seguida, devolve o cartão, que Theo guarda na carteira.

— Vou te pagar — digo. — Qual é o seu Pix?

Ele ergue a mão para que eu pare de falar.

— Audrey, tudo bem… — Ele assina o recibo sem nem

olhar duas vezes. — Pronto! Pra onde o Rhett foi?

Elu conta que, na noite anterior, Rhett e eu ficamos

reclamando sobre as escassas opções de comida oferecidas no

estabelecimento e dizendo que queríamos comer rosquinhas.

— Então vocês saíram pelos fundos e não voltaram mais

— elu termina com uma voz impassível.

Estremeço, porque, sim, faz sentido.

Theo me lança um olhar julgador.

— Rosquinhas?

— Isso, donuts — esclareço.

— Donuts?

— É.

Tinha um boteco na rua da universidade e uma loja de

rosquinhas bem ao lado dele, então o Rhett e eu costumávamos

encher a cara às quintas e seguir cambaleando para a loja para

recuperar a sobriedade com rosquinhas e café barato.


— Entendi. — Ele coça o queixo e franze a sobrancelha. —

Então… Onde ficam essas rosquinhas?

Abro a boca. Fecho. Franzo a testa.

Elu diz:

— O único lugar que vende rosquinhas na cidade é a loja

de conveniência vinte e quatro horas que fica a uns oitocentos

metros à esquerda…
Ontem à noite

A placa indicando a saída emitia um brilho vermelho enquanto

eu empurrava a porta com as costas, saindo em um beco bem

iluminado. O Rhett correu atrás de mim dando risada porque

não tínhamos pagado a conta. O pessoal ainda estava na metade

do álbum do Legalmente loira, e eu tinha certeza de que

conseguiríamos voltar antes de “Bend and Snap”. Mas

primeiro: rosquinhas. A calçada salpicada de areia brilhava ao

luar, as luzes da rua cintilavam, a noite de inverno estava

gelada como sempre na véspera do Dia dos Namorados.

— Não acredito que você vai se casar no Dia dos Namorados.

Nunca vou te deixar esquecer disso — proclamei.

— É melhor eu não esquecer mesmo — ele disse,

enrolando o cachecol no pescoço.

Sua pele bronzeada era coberta de sardas escuras, seus

cabelos pretos eram grossos e seus cílios, longos, o que sua

mãe dizia vir do lado italiano deles, enquanto seu gosto por

tudo o que era picante vinha do avô coreano. Nos últimos dez

anos, vi mulheres se atropelando só para passar uma noite com

Rhett Song. Ele era um ótimo partido. Era brilhante e educado,

e, se os boatos fossem verdadeiros, também era incrível na

cama. Carmilla era uma mulher de sorte.


Falei exatamente isso enquanto caminhávamos para pegar

nossas rosquinhas.

— É, eu sei. Mas… Posso te contar um segredo? Não sei se

quero isto — ele se lamentou, passando os dedos pelo cabelo

curto. Ele o cortara para o casamento, e eu sentia falta dos fios

na altura do ombro ou presos em um coque. — É demais pra

mim. É assustador. E ela é perfeita. Sinto que ela está se

conformando comigo. Ela merece muito mais. Alguém que se

importe de verdade com esse casamento.

Fiquei surpresa.

— Você não quer se casar?

— Sim! Não! Sei lá… — Ele olhou para o céu. — Quero

passar o resto da minha vida com ela. Não me importo com o

resto.

Mesmo bêbada, com o mundo girando ao nosso redor —

para nós —, quando ninguém mais no mundo importava,

hesitei na resposta. Porque naquele momento, sentindo o sal

na minha língua e os ouvidos zumbindo da música do bar, eu

soube que ali era o começo do fim. Porque, quando você ama,

é preciso deixar a pessoa ir.

Então falei:

— Acho que tive uma ideia.


Agora

Já estou fora do Ye-Haute antes mesmo que elu termine de

falar, e Theo me alcança na próxima quadra. Estou tão nervosa

que meus punhos estão cerrados com força e meu peito tenso

dói. Meus saltos fazem barulho na calçada enquanto aperto o

passo e começo a correr para a loja de conveniência. Sei que

não vamos encontrá-lo ali, mas torço para que sim.

Eu pedi para ele me beijar, não? Devo ter pedido. Era uma

solução simples para o problema dele e eu estava bêbada o

suficiente para não pensar nas consequências. Era um jeito

infalível para descobrir se a Carmilla era o amor da sua vida.

A loja de conveniência está sem rosquinhas, e o balconista

de serviço hoje estava de folga durante os três dias anteriores,

então não faz ideia de quem é o Rhett ou para onde ele foi. E

só temos uma hora e pouquinho para o casamento.

Ligo para o celular dele sem esperança. Cai direto na caixa

postal. Não me lembro da última vez que ele me mandou

direto para a caixa postal.

Acho que isso nunca aconteceu.

Entramos no Java Script, uma cafeteria da rua, porque

preciso me sentar um pouco e deixar meu estômago se


acalmar. A ressaca me derrubou, ou pelo menos é o que digo a

Theo.

Na verdade, é o pânico.

Tento ligar de novo, mas ele não atende. Meu celular está

com dez por cento de bateria e todas as mensagens que mando

não são entregues. E se ele estiver morto? Seria pior que ter

conhecido o amor da vida dele. Fico me culpando por não ter

aprovado o gps dele para poder localizá-lo com um aplicativo.

Embora ontem isso me parecesse assustador, me pouparia

muitos problemas hoje.

Será que o Rhett me odeia agora? Será que a Carmilla vai

me odiar?

— Parece que você engoliu uma abelha — Theo comenta,

colocando um café para viagem na minha frente.

Você também vai me odiar? Não sei se quero saber.

Agradeço baixinho e dou um gole no café.

— Quanto de açúcar você botou aqui?

— Três colheres e meia e um pouco de leite.

Franzo as sobrancelhas, olhando para o copo de papel.

— Está… exatamente do jeito que eu gosto.

— Eu sei, você me falou — ele responde, sentando-se na

minha frente. Ele apoia a cabeça na mão e uma cortina de

cabelo ruivo cai sobre os seus olhos, até que ele a afasta com os

dedos. Ele é realmente muito bonito, o que é irritante e

injusto. — E aí, teve alguma outra ideia?

— Não… — Suspiro. — Acho que é tudo culpa minha.

— Duvido.

— Não, acho que é mesmo.


— Acho que não. A não ser que você tenha trancado o

Rhett na cobertura de algum prédio ou algo assim.

Franzo a testa.

— Uma hora atrás, você estava dizendo o oposto.

— Eu estava em pânico — ele confessa, passando o dedão

pela tampa de plástico do seu macchiato. — Na verdade, não

acho que você tenha causado o sumiço do Rhett. Desculpa por

ter te culpado. Eu só… Nunca tinha visto Millie tão feliz, e não

lido nada bem com mudanças. Elas me assustam. — Em

seguida, ele acrescenta, me encarando com seus olhos

esmeralda, e um calafrio desce pela minha coluna: — Você

também me assusta.

— Por quê?

— Porque você me faz pensar no que mais estou perdendo,

fechado no meu estúdio com minhas esculturas e minha

argila. A Millie é o meu porto seguro… era o meu porto seguro

— ele se corrige. — Ela garantia que eu estivesse alimentado e

hidratado, que eu tivesse amigos, que eu socializasse. As pessoas

não me interessam muito. Não entendo as piadas delas. Às

vezes, sou direto demais e pareço grosseiro. Então estou

acostumado com gente entrando e saindo da minha vida, mas a

Millie permaneceu. Quero que ela seja feliz, mas pra isso

preciso deixá-la ir. As coisas vão mudar. E estou com medo.

Fico com vontade de provocá-lo, porque não é como se a

Carmilla e o Rhett estivessem indo embora para nunca mais

voltar, mas entendo o que ele está sentindo. O Rhett é meu

melhor amigo, e em uma hora — se o encontrarmos —, ele

será de outra pessoa, pela própria natureza da situação. Sempre


serei importante, claro, mas não vou mais ser sua metade. Não

vou mais ser a pessoa para quem ele liga quando está bêbado, e

não vou mais ser a pessoa que ouve todas aquelas piadinhas

chatas de engenharia, e preciso ficar bem com isso. Vou ficar

bem.

E sei que, uma hora, Theo também vai ficar.

Me inclino um pouco para frente e falo baixinho… como se

fosse um segredo:

— Acho que temos mais coisas em comum do que você

pensa.

— Quem poderia imaginar? — ele diz.

Dou risada, mas ela logo azeda quando vejo a hora no seu

relógio. O nó na minha garganta não quer ir embora e estamos

ficando sem tempo.

— Acho que beijei o Rhett ontem. Eu não… não me

lembro do momento exato, mas foi depois do bar e depois das

rosquinhas. Eu lembro… — Minha voz falha. Lágrimas se

acumulam nos meus olhos. — Ah, meu Deus! Eu sou terrível,

não sou? Por beijar meu melhor amigo na véspera do

casamento dele?

Ele fica um tempo sem falar nada e depois esfrega o rosto

com a mão, cansado.

— Não. Não, acho que você não fez isso, Audrey.

— É muita gentileza sua, mas fiz sim.

— Quando?

— Ontem à noite! Presta atenção! — Começo a chorar.

Limpo os olhos com as mãos e borro mais ainda o rímel já

borrado. Minha maquiagem já é um caso perdido, de qualquer


jeito. — Sou uma pessoa terrível, porque beijei ele e estraguei

tudo. Porque, toda vez que eu beijo alguém, a pessoa encontra

a alma gêmea no dia seguinte, e agora ele está desaparecido e…

e…

Theo fica me observando em silêncio, pacientemente,

como se só estivesse esperando eu gastar toda a minha energia.

Ergo as mãos.

— Então é óbvio que o Rhett conheceu a mulher dos

sonhos dele e é tudo culpa minha e agora o casamento já era e

eu nunca o vi tão feliz quanto estava com a Carmilla, só que

estraguei tudo, porque eu sempre estrago tudo e…

De repente, ele coloca dois dedos na minha boca, me

silenciando.

— O que te faz pensar… — ele fala baixinho, enquanto

seus olhos verdes se fixam nos meus olhos cheios de lágrimas

— …que a Millie não é o amor verdadeiro dele?

Abro a boca.

— Eu… Hum…

— É realmente audacioso da sua parte presumir que ele se

apaixonou por outra pessoa e confessar isso pro melhor amigo

da Millie. O que espera que eu faça com essa informação,

Audrey?

— Eu… — Engulo o nó que não para de crescer na minha

garganta, cerrando os punhos com força e me concentrando na

sensação que minhas unhas produzem na minha pele. Putz,

agora ele também está bravo comigo! — Eu não queria mais

mentir. Pra ninguém e… especialmente pra você. Agora não.

Não quando tudo isto é culpa minha.


Ele fica em silêncio de novo.

— Tudo bem. Feche os olhos — ele diz.

Fico encarando-o, perplexa, porque agora não é o

momento.

— Por quê?

Ele se aproxima por cima da mesa. Seus olhos estão mais

escuros, transformando-se na minha cor verde-esmeralda

favorita.

— Só feche os olhos, Audrey Love.

Então eu fecho. Não sei direito o que acontece em seguida

— não, mentira, sei exatamente o que acontece em seguida,

mas estou atordoada demais para fazer algo a respeito. Porque

ele segura meu queixo e o inclina um pouco para cima, e então

cobre os meus lábios com os seus.


Ontem à noite

— Sério? Essa é a sua ideia? — Rhett perguntou, atônito.

Estávamos sentados no meio-fio, tendo comido quase todas as

rosquinhas murchas da loja, um pouco menos bêbados. —

Fugir?

— Se a vida fica difícil, se manda — falei, citando meu

meme favorito. — Os verdadeiros vencedores sabem desistir.

— Audrey, eu não posso só… me mandar. O que a Carmilla

ia pensar? Ela me mataria.

Ergui as mãos.

— Bem, então não sei o que te dizer. Você claramente não

está feliz agora, e é a véspera do seu casamento.

— Não é o casamento que me incomoda — ele falou,

tentando se convencer também. — Às vezes, quando você ama

alguém, é preciso fazer coisas que você não quer.

— Mas o que você não quer? Ela está conseguindo tudo o

que quer — observei.

— Você realmente acha que ela quer tudo isso?

Comecei a contar os itens com os dedos.

— Você viajou pra cidade da família dela. Estamos

hospedados na pousada dos pais dela, e a lista de convidados

está cheia dos amigos dela…


— Duvido que ela conheça metade dessas pessoas…

Continuei:

— As flores são as favoritas da avó dela. A data é a que os

pais dela escolheram. Tem tão pouco de você nisso que é como

se você nem estivesse aqui.

— Os pais dela têm sido… incrivelmente autoritários — ele

murmurou. — Eu amo a Carmilla. Faria qualquer coisa por ela.

Inclinei a cabeça, observando seu rosto. Ele parecia dez

anos mais novo sob aquela luz, tanto que eu poderia até fingir

que estávamos outra vez na faculdade, sentados no meio-fio do

lado de fora da loja de rosquinhas enquanto ele me contava

sobre seu último encontro com alguma garota. O Rhett sempre

falava delas do mesmo jeito — nunca citava seus nomes e mal

notava a cor dos seus cabelos ou o que estavam usando.

Eu tinha saudade daquele tempo. Daquele Rhett. Aquele

que estava sozinho comigo, em vez de com outra pessoa.

— Sei que você faria qualquer coisa por ela… — eu disse

na noite tranquila. Minhas palavras saíram em nuvens de

vapor. — Mas ela faria qualquer coisa por você?

Ele se levantou de repente.

— Chega de papo! Você não entende — ele falou, e saiu

andando sem dizer mais uma palavra.

Praguejei baixinho e enterrei o rosto nos joelhos. Muito

bem, Audrey, pensei comigo mesma. Você devia ter ficado de boca

fechada comendo suas rosquinhas.

Não é que eu duvidasse que a Carmilla era a pessoa certa.

Eu só não sabia se queria que ela fosse, porque não queria ficar

sozinha.
Isso era assustador. E ali estava eu: sozinha.

Pelo menos até que ouvi passos atrás de mim.

— Desculpe… Não falei pra valer — murmurei para os

meus joelhos, pensando que era o Rhett voltando para ver

como eu estava. As lágrimas transbordavam dos meus olhos e

eu não conseguia contê-las porque estava cansada, e, quando

eu ficava cansada desse jeito, me sentia fraca e não era muito

boa em conter as emoções, especialmente às duas da manhã. —

Eu só… não sei o que vou fazer depois. Era só a gente, sabe? E

agora tem a Carmilla e eu gosto bastante dela, mas… não vou

ser mais sua dupla. Vou ficar sozinha.

— Eu também — disse o dono dos passos.

Prendi o fôlego e olhei para trás, percebendo com surpresa

que não era o Rhett.

Era o Theo.

Ele se sentou ao meu lado no meio-fio e abriu a boca para

— acho — perguntar o que estava acontecendo, por que eu

estava sendo tão besta, chorando ali na calçada, mas soltei um

soluço e enfiei a cabeça no seu ombro. E, para o meu espanto,

ele me abraçou enquanto eu chorava em seu casaco.

— Ei, você não vai ficar sozinha pra sempre! Você é

animada… e engraçada… e talentosa — ele disse.

Funguei.

— Você nem sabe o que eu faço.

— Você é revisora. Você sempre escreve com caneta

vermelha. Sua sobremesa favorita é o s'more, e sua palavra

predileta é um sussurro.
Surpresa, me afastei do seu ombro e fiquei encarando seu

rosto sob a luz oscilante da rua. A brisa trazia um cheiro de

maresia e bagunçava seu cabelo.

Ele continuou:

— O Rhett não parou de falar de você quando o conheci.

Você devia ouvir o jeito que ele falava… como se você fosse a

lua, o sol e todas as estrelas do universo dele. Eu mal podia

esperar pra te conhecer em Nova Orleans. E, quando te

conheci, percebi que ele não tinha nem me contado as

melhores partes.

Minha garganta doeu quando tentei engolir meus soluços.

Meu rímel deixou uma marca no seu lindo casaco de lã.

— Q-quais s-são essas partes?

— Você é gata pra caramba.

— Borrei seu casaco de rímel.

— É só um pequeno contratempo — ele disse, enfiando

uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Eu não estava

brincando ontem quando te pedi pra me beijar.

Minha boca tremeu.

— Pra você encontrar seu a-amor verdadeiro também?

— Esquece isso — ele grunhiu, segurando meu rosto entre

as mãos e me beijando.

Nossas bocas se colaram e nossas respirações se

entrelaçaram no frio.

No começo, fiquei surpresa, mas então meus ombros

relaxaram e agarrei sua gola para puxá-lo para mais perto. O

mundo ficou silencioso. Ele mordeu meus lábios, correndo os

dedos compridos pelo meu rosto, mexendo no meu cabelo. Me


entreguei ao beijo com vontade, derretendo feito manteiga

quente em uma frigideira. Quando nos separamos, seus olhos

estavam brilhantes e febris, e um rubor fixou-se

permanentemente em minhas bochechas.

— Vamos pro quarto? — perguntei.

Ele me colocou de pé e seguimos nos beijando pela

calçada. Atravessamos o portão da pousada e subimos as

escadas dando risada até o quarto dele…

— No meu, não. De jeito nenhum — eu disse.

Ele perguntou, achando graça:

— Por quê?

— Porque dá azar transar com o melhor amigo da noiva no

quarto da madrinha.

— Hum… Nunca ouvi isso antes.

— Vai por mim — falei enquanto ele beijava meu pescoço.

— Sou supersticiosa.

O quarto dele estava tão impecável quanto o meu, pelo

menos até ele me levantar, enquanto eu entrelaçava sua cintura

com as coxas, e me colocar na cama. Minhas mãos não

paravam de percorrer seu rosto, viajando do seu pescoço até o

peito. Nossos casacos caíram no chão. Suas mãos tatearam meu

macacão, procurando o zíper enquanto ele mordiscava meu

pescoço. Tirei sua gravata e ela deslizou para fora da cama.

Então ele finalmente arrancou meu macacão brilhante e

tirou a camisa lilás. Depois, beijou meu pescoço de novo,

descendo até o meu peito, roçando minha pele com os dentes

feito um lobo faminto.


— O que te fez mudar de ideia? — perguntei. — Sobre me

beijar?

Senti que ele estava duro, roçando na minha cintura, e

fazia tanto tempo que eu não tinha intimidade com ninguém

que queria muito. Muito, muito mesmo.

— Porque seria você — ele disse. — Eu sabia que seria

você.

Meu peito se apertou. Ele não precisava explicar o que

seria. Seria aquilo que passei a vida toda procurando. Seria

aquilo que sempre me escapou — aquilo que acompanhava

todos os caras que já beijei. Sempre fui a garota que vinha antes

do final feliz.

Eu era a pessoa em quem eles encontravam abrigo por um

tempo. Mas não era a pessoa com quem permaneciam.

Eu não era essa pessoa para ninguém…

Ou pelo menos era o que eu pensava.

— Você não está falando isso só pra transar comigo, né? —

perguntei.

Sua boca estava cada vez mais perto, suas mãos estavam

nas minhas coxas, seus dedos puxavam minha calcinha para

baixo devagar… Então ele parou e me encarou com aqueles

tempestuosos olhos esmeralda.

— Audrey Love, eu não vou apenas transar com você —

ele grunhiu, colocando os dedos lentamente dentro de mim.

Dois, depois três, enquanto seu polegar fazia círculos suaves no

meu clitóris. Agarrei os lençóis e segurei um gemido. — Vou

fazer amor com você, Audrey Love. E fazer você gritar meu

nome e me dizer quão sortuda você é.


E foi exatamente o que eu fiz.
Agora

Me entrego ao seu beijo, visualizando a noite do dia anterior

feito um projetor tremeluzente nas minhas pálpebras. Sinto

uma queimação e um anseio no fundo das minhas entranhas.

Seus lábios têm exatamente o sabor que imaginei, doces e

quentes, e são tão macios e… Meu Deus… Queria ter me

lembrado disso antes. Porque o jeito que ele me beija parece o

jeito que eu me apaixono — forte, rápido e profundo. Ele sorri

contra a minha boca.

— Lembrou agora? — ele ronrona. Sua voz rouca se

mistura com as memórias da noite passada.

— Sim — respondo, sem fôlego, pressionando a testa na

testa dele. Meus dedos brincam com o cabelo na sua nuca. —

Lembrei.

O que significa…

Me afasto de repente.

— Ah, meu Deus! Quer dizer que o Rhett não sumiu

porque encontrou o amor verdadeiro!

Ele suspira e se recosta na cadeira.

— Sim, porque o amor verdadeiro dele é a Millie. A gente

já sabe disso.
— Então onde é que ele está? E se ele… — Agora que não

estou mais surtando, uma ideia vai ganhando forma

instantaneamente. Conheço o Rhett quase como a palma da

minha mão, e sei que ele sempre consegue escapar de tudo,

mas não vai escapar disso. Não das coisas que quer fazer. Não

das coisas com as quais se importa. — Ninguém viu o Rhett

desde ontem?

— Parece que sim — Theo fala, cansado.

— E a Carmilla?

— Como eu disse, não quis assustá-la…

— Mas ela está no quarto, né? — pergunto. — Ela tomou

café da manhã? Fez todas aquelas coisas que as noivas fazem?

O silêncio diz tudo. Ele se senta ereto.

— Ela não faria isso — ele diz. Mas, pelo seu tom, dá para

perceber que ele mesmo não acredita no que está dizendo. —

Ela não faria isso.

Na verdade, ela faria e fez.

Theo e eu ficamos olhando para o quarto impecável, para o

vestido pendurado no grande espelho esperando a noiva que

não vai voltar. Há um bilhete na cama, escrito com a caligrafia

bonita da Carmilla. Está endereçado a Theo e a mim e diz o

que já descobrimos.

— Eles fugiram — ele fala, divertido. — Sem contar para

ninguém. — Ele coloca o bilhete na cama e se senta. O colchão

faz barulho sob seu peso. Pela aparência dele, a notícia o

deixou arrasado. — Bem, então está tudo resolvido. Vou

mandar a conta do meu médico pra Carmilla, porque tenho


quase certeza de que tive pelo menos uns três ataques

cardíacos nas últimas horas.

— E dois colapsos nervosos — concordo, arriscando dar

outra olhada nele na cama.

Não vou mencionar o beijo de novo, mas, se ele me beijou

ontem, hoje estamos juntos, e ele ainda não conheceu

ninguém…

Você é meu?

Talvez.

Ou talvez ele conheça alguém no casamento daqui a

quinze minutos quando formos dar a notícia para a família

reunida nesse dia feliz. Daí eu vou comer um daqueles

bolinhos da Cook’s Bakeshop e comprar o primeiro voo de

volta para Seattle sozinha. Mas isso é com a Audrey do futuro.

Por enquanto…

Quando ele faz que vai levantar da cama, eu o empurro.

Embora eu tenha me lembrado da maior parte do que

aconteceu ontem, quero mais lembranças. Quero que elas

durem.

E por que não começar pelo Dia dos Namorados?

Ele dá uma risada.

— Alguém tem que contar o que aconteceu pro pessoal da

festa, querida.

— Temos quinze minutos.

Theo levanta uma sobrancelha questionadora e se apoia

nos cotovelos.

— Pra fazer o que, Audrey?


— Não sei — respondo em um murmúrio enquanto subo

na cama e deslizo um joelho entre suas coxas. Eu me inclino

para ele, usando meu peso para empurrá-lo no edredom

branco e macio. — Mas, com um pouco de sorte, tenho certeza

de que podemos descobrir.


Agradecimentos

Se pensar direito, beijo é uma coisa esquisita.

De qualquer forma, gostaria de agradecer a todos que

tornaram esta história possível! À minha agente

inacreditavelmente incrível, Holly Root, por trazer esta

oportunidade à minha porta, e às minhas inabaláveis editoras,

Maria Gomez, por pensar em mim para este projeto, e Lindsey

Faber, que ajudou a costurar tudo excepcionalmente bem.

Também gostaria de agradecer à minha copidesque, Karen

Brown, e a todas as pessoas maravilhosas que ajudaram a

elaborar a capa, Caroline Johnson e Kris Beecroft, e a todas as

outras mulheres que tornaram este projeto real: Stef Sloma,

Chrissy Penido e Angela Elson.

E principalmente, obrigada, Amy McFadden, por dar vida a

Audrey Love.
ashley poston é autora de The Seven Year Slip e The Dead

Romantics, best-sellers do New York Times, e Hawkeye: Bishop

Takes King, da Marvel. Ela escreve histórias sobre amor e

amizade com finais felizes.


Copyright © 2024 by Ashley Poston

Todos os direitos reservados.

Publicado mediante acordo com Amazon Original Stories.

A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em

vigor no Brasil em 2009.

título original With Any Luck

capa Caroline Teagle Johnson

imagem de capa © Evgenia Vasileva, Vahovska Maria / Getty

preparação BR75 / Aline Canejo

revisão BR75 / Clarisse Cintra

versão digital BR75 / Danielle Fróes

isbn 978-85-8439-4098

Todos os direitos desta edição reservados à

editora schwarcz s.a.

Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32

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Telefone: (11) 3707-3500

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