G3 - O Amor Romântico

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responde com um beijo na testa. Esse passa a ser um segredo compartilhado pelos
amantes, que trocam olhares e se comunicam por gestos e sinais. O objetivo desse
jogo de conquista não é a consumação do contato carnal, pois o casamento não estava
ligado à paixão e ao sexo, e sim à imaginação e idealização. “Do amor fazem parte a
aventura e a liberdade, e não as obrigações e as dívidas” (LINS, 2007. p.74). Os
trovadores não desejavam possuir suas damas.
O nobre senhor e esposo da dama aceita as regras do jogo e dispõe da jovem como
numa aposta. Ela é uma “isca”. “O dever de um bom vassalo era servir, e isso o amor
cortês ensinava bem. Assim, praticavam a submissão, a fidelidade, o esquecimento de
si próprios. O que mais poderia desejar um senhor dos seus vassalos?” (LINS, 2007.
p.82).

1.3 O amor romântico


Os conceitos iniciais do amor romântico, modo como a sociedade Ocidental e
moderna lida com o relacionamento entre o casal, surgiu ainda no período da Idade
Média, com o amadurecimento da idéia do amor cortês. “A essência do amor romântico
é considerar o objeto amado imensamente precioso e muito difícil de possuir. Grandes
e variados esforços são desenvolvidos para conquistar o amor desse objeto” (LINS,
2007. p.85). Não existindo a dificuldade em possuir o objeto desejado, o sentimento não
assume a forma do amor romântico, o interesse se perde. O amor, nesse período, era
exclusivamente espiritual, aquém do casamento e do sexo. A idéia da união entre
casamento e amor surgiu após a Revolução Francesa e a industrialização. Hoje essa
noção é totalmente natural. Estranho seria casar sem o sentimento, sem o desejo de
ser feliz junto ao parceiro.
O sistema feudal começou a decair na baixa Idade Média, que durou do século XI
até o século XV, dando início a Idade Moderna. Surgia o Capitalismo comercial e a
centralização política. A partir desse período, as civilizações foram evoluindo até
chegarem ao nível de desenvolvimento que hoje existe.

No século XVII ocorre um primeiro gesto de emancipação feminina. O preciosismo


francês foi a primeira tentativa de voz feminista tanto na França como na Inglaterra e
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teve auge entre 1650 e 1660. Mulheres reivindicavam igualdade nos papéis masculinos
e femininos e queriam se afastar das tarefas maternas. “A preciosa é uma mulher
independente, que propõe soluções feministas ao seu desejo de emancipação e inverte
totalmente os valores sociais tradicionais” (LINS, 2007. p.121). Ela é contra o
casamento, contra a autoridade masculina e luta pela melhoria da educação feminina.

A Revolução Francesa, em 1789, interrompeu esse processo de


emancipação das mulheres. Quando publicamente elas
reivindicaram seus direitos de cidadãs, a Convenção, por
unanimidade, recusou. Foi reafirmada a separação e a diferença
radical dos sexos. Fora do lar, foram consideradas perigosas à
ordem pública. Exortadas a não se misturar com os homens, lhes
foi proibida a mais insignificante função que não fosse doméstica e
maternal (LINS, 2007. p.123).

Somente a partir do século XVIII que o amor virou um valor familiar ou social. Nesse
período, as mulheres passaram a ficar mais em casa cuidando do marido e dos filhos.
O grupo familiar se afasta da sociedade tornando o lar um lugar mais reservado.

O surgimento da idéia do amor romântico tem de ser


compreendido em relação a vários conjuntos de influências que
afetaram as mulheres a partir do final do século XVIII. Um deles foi
a criação do lar, já referido. Um segundo foi a modificação nas
relações entre pais e filhos; um terceiro, o que alguns chamaram
de “a invenção da maternidade” (GIDDENS, 1993. p.52-53).

No amor romântico, assim como no amor cortês, o sentimento é uma elevação


espiritual. O ser apaixonado se torna obcecado pelo objeto de desejo, mas não um
desejo sexual, nesse caso o sentimento é tido como verdadeiro e puro. Há uma
“atração instantânea”, expressão mais conhecida atualmente como amor à primeira
vista. Na “atração instantânea” o olhar é enfeitiçado, não se vê o outro com um olhar
sexual, há um interesse imediato pela aparência e pelas qualidades superficiais.
Superficiais, pois o objeto é visto do modo como o ser apaixonado quer enxergar. Os
defeitos não são visíveis e há um julgamento que revela o outro sendo diferente dos
demais, uma pessoa especial.
A maior diferença entre as considerações e o conceito das duas categorias de amor
é que no romântico há a união de amor, sexo e casamento. No cortês, o amor é
separado automaticamente do sexo e do casamento, pois é um sentimento simbólico e
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divino. Hoje, devido ao desenvolvimento cultural das sociedades ocidentais, seria difícil
existir casamento sem amor, pois as sociedades já estão acostumadas com essa forma
de encarar os relacionamentos a dois.
O amor está ligado diretamente à felicidade. O homem moderno está sempre em
busca da felicidade que ainda não foi atingida, mas que faz parte dos planos para o
futuro. Sempre para o futuro, pois o passado já aconteceu meio a erros e a
insatisfações. O presente também não é o estado que atende as expectativas do que
seja felicidade para o indivíduo, sempre existe algo que pode ser mudado, por isso ele
faz planos e projeções de ideais futuros.
A mídia é responsável por grande parte dessa busca incontrolável pelo amor e pela
felicidade. De acordo com Edgar Morin, autor de Cultura de Massas no século XX:
neurose, o amor atingiu um aspecto obsessional ainda no amor cortês, passando por
outras fases até chegar nos tempos de hoje, em que a cultura de massa universaliza o
amor e o torna cada vez mais obsessivo. “O amor decantado, fotografado, filmado,
entrevistado, falsificado, desvendado, saciado parece natural, evidente. É porque ele é
o tema central da felicidade moderna” (MORIN, 1997. p.131).
A partir do surgimento da cultura de massa, o tema “amor” passou a ser mais
abordado. O discurso sobre a temática adquiriu um caráter liberal e conseguiu
convencer a todos de sua importância e necessidade. Na década de 30 já vigorava,
segundo Morin, o sentido do happy end, muito influenciado pelo cinema hollywoodiano.
O amor é retratado hoje na mídia contrapondo os tabus que existiam no passado e
como um jogo cria diversas situações que passaram a ser seguidas e imitadas pela
sociedade. E tudo isso porque a mídia é sedutora e foi capaz de proferir um discurso
vencedor que fez o amor assumir forma fundamental para a realização pessoal. O
teatro, o cinema, as novelas e os livros são alguns bons exemplos de fontes de
inspiração para cada indivíduo. Neles, o falso se mistura com o real, suas histórias
criativas se confundem com a vida autêntica.
O amor hoje, por causa da cultura de massa, ganhou novo significado. Para Morin, o
amor é mais amor quando o sentido principal da vida está no casal. Quando o amor
vence a destruição, desafia o fim dos tempos e a morte. Quando ele é um valor central
da existência.
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O ser amado é o objeto de projeções afetivas que são as mesmas


da divinização: o êxtase, a adoração, o fervor têm a mesma
natureza que os sentimentos religiosos, mas em escala de um ser
mortal, A natureza semi-imaginária do amor vivido permite a
irrigação constante do imaginário pelo real, do real pelo imaginário.
A tal ponto que foi possível dizer que, sem a literatura, o amor não
existiria. Mas reciprocamente, sem a necessidade de amor, toda
uma literatura não existiria. O amor é, portanto, a grande faixa
oscilatória entre o imaginário e o real (MORIN, 1997. p.136).

O sociólogo Anthony Giddens ainda divide o amor em mais uma categoria, que
segundo ele cabe mais especificamente aos tempos modernos. Além do amor
romântico ele apresenta o conceito do amor apaixonado. Os dois, para Giddens, são
basicamente os mesmos, mas o apaixonado, como o próprio nome sugere, é mais
intenso e se refere diretamente ao desejo sexual ligado ao amor. Ele é um sentimento
mais emocional do que racional.

O amor apaixonado é marcado por uma urgência que o coloca à


parte das rotinas da vida cotidiana, com a qual, na verdade, ele
tende a se conflitar. O envolvimento emocional com o outro é
invasivo – tão forte que pode levar o indivíduo, ou ambos os
indivíduos, a ignorar as suas obrigações habituais. O amor
apaixonado tem uma qualidade de encantamento que pode ser
religiosa em seu fervor (GIDDENS, 1993. p.48).

Agora, diferente do amor cortês, que nunca une o sexo com o amor, o romântico
cria o momento adequado para a relação sexual. Primeiro vem a paixão para depois vir
o sexo. Hoje há uma separação de significados para o ato sexual dentro do amor
romântico: quando o sexo é feito com amor fala-se “fazer amor”. Termos como “fazer
sexo” ou “transar” é para a falta do sentimento, para o sexo casual.
O amor romântico se transformou num sentimento de massa no Ocidente. As
pessoas passaram a acreditar que só seriam felizes ao lado de um grande amor.
Quando um pretendente ao grande amor é encontrado e há paixão envolvida, ambos
crêem que o romance será para a vida inteira. Na verdade, mais do que estar sempre à
procura do verdadeiro amor, o ser humano, especialmente a mulher, tende a estar
sempre em busca da encantada felicidade. Na cultura ocidental e moderna ter um
grande amor é o que complementa uma vida feliz, estar sozinho é sinal de infelicidade.

Nessa busca incessante do amor romântico, a mulher, na nossa


cultura, quando encontra um par, torna-se a Bela Adormecida ao
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avesso. Quando é beijada pelo homem (príncipe), não é


despertada, ao contrário, adormece para quem é, para quem ele é,
para a realidade. Adormece e se esforça para ficar adormecida
(LINS, 2007. p.93).

Ocorre que a sensação do “para sempre” tem prazo de duração. O ser humano
“ama o fato de amar, ama estar amando. Apaixona-se pela paixão” (LINS, 2007. p.91).
Julga o amor romântico como sendo o amor verdadeiro. Só que quando o
encantamento pelo outro acaba, a pessoa se sente frustrada e novamente surge a
noção de que seu mundo é infeliz e vazio. Até o momento em que ela se sente
preparada para encarar tudo outra vez e sai em busca de um novo amor. As pessoas
não entram num relacionamento achando que o amor acabará e que haverá tédio ao
dividi-lo com uma única pessoa, seja afetiva ou sexualmente.
Para compreender a raiz desse sentimento, o sociólogo Zygmunt Bauman diz que o
sentimento amoroso é socialmente construído. Ele acredita que a cultura começa a
partir do momento em que há o encontro dos sexos, quando o homem sente a
necessidade de se unir ao outro. E o sexo é um acontecimento natural, é “o primeiro
ingrediente” para que ocorra a união e que a cultura se desenvolva, ou seja, a partir daí
“distinções artificiais, convencionais e arbitrárias”, regras que cada cultura possui,
começam a surgir. “A proibição do incesto: a divisão das fêmeas em categorias
disponíveis e indisponíveis para a coabitação sexual” (BAUMAN, 2004. p.55).
Bauman mostra que o sexo não é por acaso. O homem se interessa pelo sexo por
ser um animal, afinal a espécie deve ser preservada. Qualquer animal possui esse
instinto. O que torna os seres humanos diferentes, avançados em relação a outras
espécies, é a capacidade de sentir desejo pelo outro. Este sim é “incontestavelmente
social”, termo usado pelo autor.

Ele (desejo sexual) se estende na direção de outro ser humano,


exige sua presença e se esforça para transformá-la em união. Ele
anseia por convívio. Torna qualquer ser humano – ainda que
realizado e, sob todos os outros aspectos auto-suficiente –
incompleto e insatisfeito, a menos que esteja unido a um outro
(BAUMAN, 2004. p.55).

Trata-se de um acordo, pois não pode haver nem cultura nem sociedade sem a
união entre os sexos. Só a partir desse encontro que sociedade e cultura
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desencadearam um processo de crescimento e avanço. Apareceram com o tempo


diferenças de poder, gênero, etnias e outros. É a cultura se manifestando diversa à
natureza. É o homem se percebendo à frente dos outros animais. É o homem
aprendendo o que é prazeroso e adequando sua vida em sociedade da melhor maneira
possível.
Agora, o que determina que uma pessoa se interesse por essa e não por outra
pessoa? O que há de precioso nessa busca pelo exclusivo se os indivíduos e suas
particularidades vivem numa mesma sociedade?
Segundo especialistas, conforme a criança cresce, ela monta um mapa no
inconsciente que lhe serve de guia e indica como deve agir, ser, se comportar e no que
acreditar. Ela sofre influência de todos os lados: do modo como os pais as educam, dos
valores que lhes são passados por amigos, outras pessoas do meio em que vivem, das
escolas e outras instituições – como a mídia. Instantaneamente, ela projeta o que lhe
agrada e o que lhe desagrada podendo assim desenhar na mente as qualidades e
características do parceiro ideal. É a partir da adolescência que as sensações sexuais e
a definição dos mapas amorosos começam a constituir um valor detalhado na mente de
cada um.
Esse capítulo abordou, objetivamente e seguindo uma linha crescente e temporal, a
história do amor no ocidente, desde os tempos pré-históricos até os dias atuais. O
próximo passo é analisar a mídia como meio de influência e mediação também no
amor.

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