Tese Saidy Murcia
Tese Saidy Murcia
Tese Saidy Murcia
ESCOLA DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
Belo Horizonte
2020
SAIDY ELIANA ARIAS MURCIA
Belo Horizonte
2020
A Darwin e minha avó Elena, que estão me
acompanhando desde o céu
AGRADECIMENTOS
A Dario, por sempre estar aí, apesar de tudo. Por ser companheiro de lutas e o melhor
cuidador. Não tenho palavras para te agradecer por tanto Dari.
A minha orientadora, a professora Dra. Cláudia Maria de Mattos Penna, pelos ensinamentos,
incentivo e apoio recebido em todo o processo.
Aos usuários indígenas e profissionais de saúde que generosamente aceitaram participar desta
pesquisa, por sua disposição e abertura, por me permitir escutar suas histórias e compartilhar
suas experiências.
Agradeço também aos meus queridos amigos e colegas latino-americanos, pessoas que a vida
me colocou nesta experiência de estudo e convívio no Brasil. Sem dúvida conhece-los me fez
amar mais meu país e sentir muito orgulho de nossas raízes e de nossa Abya Yala. A Carla,
Marcio, Erick, Andrés, Adri, Carlos, Rocío, Ayda, Johanna, Diego e Harold, que
compartilharam comigo o início desta caminhada; e aos que foram chegando depois, e
inclusive, na fase final deste proceso: Nathalia, Laura, Chi e Juli. Obrigada a todes pela
amizade e os tantos momentos inesquecíveis!
“Sábato dice que uno no escoge los personajes sino que los personajes lo escogen a uno.
Añadiría que uno no encuentra los caminos, sino que los caminos nos salen al encuentro
casi todos los días. Si no lo vemos es sólo porque nos hemos vuelto ciegos a lo nuevo y ya
no vemos si no lo que hemos visto y estamos acostumbrados a reconocer”
Arias-Murcia, Saidy Eliana. The daily construction of primary health care with an
intercultural approach in a region of the Colombian Amazon: experiences of indigenous
people and health professionals. Thesis (PhD in Nursing) – Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2020.
In 2016, the implementation of a new health model began in Colombia. The state of Guainía,
located in the northeast of the Amazon, was chosen to start implementation as a pilot for
territories with a dispersed population in the country, with the primary strategic objective of
primary health care (PHC) with an intercultural approach. The way in which the experience of
implementing the new imposed guidelines was happening, specifically in the day-to-day life
of the social actors involved in PHC, motivated the development of this research. The
objective was understand the process of daily construction of PHC from the perspective of
indigenous and health professionals, in Guainía, Colombia. It is a unique holistic case study
with a qualitative approach, based on Comprehensive Sociology of Everyday Life. The study
scenarios were the state hospital, centers and health posts, belonging to the public health care
network. The participants were: 22 indigenous users, 26 health professionals and three key
participants (a traditional doctor, an indigenous leader and an administrative advisor),
intentionally selected and whose participation was voluntary. The field research was carried
out between the months of February to June 2018. For the collection and production of data,
guided interviews were conducted through a semi-structured script and direct observation.
The data analysis was outlined by Bardin's thematic content analysis technique (2011),
following three chronological poles: The emerging results were organized into two broad
empirical categories: 1) Primary health care in Guainía: the history of what was and what is
being built; 2) Interculturality in the routine of primary health care in Guainía; each composed
of four subcategories. The analysis of the data showed that the PHC construction process in
Guainía runs through the set of actions developed in the daily work of professionals with
indigenous users, which have been delineated by constructions and learning prior to the new
health model. However, there was a persistence of the disease-centered care model and based
on the curative logic that guides the organization of PHC services in the region, both in rural
and urban contexts. The data show that, in this dynamic, interculturality appears as a
permanent process of negotiations and articulations present in the daily lives of indigenous
people and health professionals. It materializes the encounter and exchange of heterogeneous
ways of thinking-knowing, which allow new interpretations of knowledge and health
practices, despite the fact that this process is permeated by conflicts, asymmetries and
contradictions. The aim of this study is to generate contributions that make it possible to
strengthen the implementation of the care model in the Guainía region, as well as in other
regions of Colombia with similar characteristics. The aim is also to contribute to the
development of proposals and public policies that address the local and regional health needs
in remote areas, which are difficult to access and inhabited by indigenous and multicultural
populations.
LISTA DE QUADROS
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................1
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................4
1.1 Objetivos ..................................................................................................................11
1.1.1 Objetivo geral ......................................................................................................11
1.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................11
2 CONTEXTUALIZANDO O CASO ..............................................................................12
2.1 Apresentando à Colômbia: dinâmica social e a trajetória do sistema de saúde.12
2.2 O enfoque intercultural na atenção primária à saúde..........................................17
2.3 A “terra de muitas aguas”: o novo modelo de saúde em Guainía .......................21
3 PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................................27
3.1 A abordagem teórica – metodológica ....................................................................27
3.2 O cenário do estudo .................................................................................................29
3.3 Os participantes do estudo .....................................................................................33
3.4 A pesquisa de campo e a produção de dados ........................................................37
3.5 A análise de dados ...................................................................................................39
3.6 Critérios de rigor .....................................................................................................42
3.7 Aspectos éticos .........................................................................................................44
4 O OLHAR SOBRE O COTIDIANO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:
EXPERIÊNCIAS E REFLEXÕES ......................................................................................45 45
APRESENTAÇÃO
Brasileiras (GCUB) para cidadãos latino-americanos. Embora este concurso oferecia a opção
para três programas de doutorado, decidi escolher o de Enfermagem da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Tal como manifestei na carta de intenções, essa escolha foi devida
ao reconhecimento da trajetória e a qualidade do programa, mas também, e especialmente,
pela oportunidade que poderia ter de fazer parte do grupo de pesquisa Cotidiano, Cultura,
Enfermagem e Saúde (NUPCCES) coordenado pela professora Dra. Claudia Maria de Mattos
Penna.
Ao ser aceita no Programa e começar a participar do Núcleo, os momentos de
discussão, compartilhamento e troca de saberes nas reuniões do NUPCCES, nos primeiros
anos de minha formação de doutorado, contribuíram substancialmente para desenvolver uma
postura crítica, distanciada do conformismo intelectual e das análises obvias que, certamente,
enriqueceram meu olhar sobre o objeto de estudo desta pesquisa.
Assim mesmo, a oportunidade de me aproximar a referenciais teóricos
provenientes de áreas como a filosofia, sociologia e antropologia, no percurso dessa trajetória
acadêmica, possibilitou expandir minhas análises para além das fronteiras disciplinares,
aderindo-me ao desafio de desconstruir o essencialismo e dogmatismo teórico da pesquisa em
enfermagem, sendo esse o propósito distintivo deste trabalho.
O conteúdo desta tese está divido em sete capítulos. No primeiro capítulo
apresento a introdução, na qual está a problematização do objeto de estudo, os pressupostos e
a tese defendida, assim como os objetivos da pesquisa.
No segundo capítulo, desenvolvo uma revisão de literatura com o propósito de
contextualizar o caso a ser aprofundado. Inicialmente, descrevo a dinâmica social e a
trajetória do sistema de saúde colombiano, seguido por uma exploração sobre o enfoque
intercultural na APS na América Latina e na Colômbia e, posteriormente, está delimitado o
universo desse estudo, a região de Guainía, onde está sendo implementado, enquanto projeto
piloto, a proposta do novo modelo de saúde colombiano.
No terceiro capítulo, descrevo a trajetória teórica-metodológica, situando os
postulados da sociologia compreensiva do cotidiano que iluminaram o desenvolvimento da
pesquisa, os cenários e participantes, a imersão ao campo e os procedimentos para a produção
de dados, a técnica de análise e, finalmente, os critérios de rigor e os aspectos éticos.
No quarto capítulo, detalho o produto de um processo reflexivo sobre a
experiência de trabalho de campo e a posição que assumi como pesquisadora na aproximação
a essa realidade empírica e com os participantes do estudo.
3
1 INTRODUÇÃO
Dessa maneira a ESF, em seus mais de 20 anos de operação, tem contribuído para
o enfrentamento das desigualdades socioeconômicas, traduzidas em disparidades nas
condições de vida e de saúde da população (MENDONÇA et al., 2018b). Entretanto, ainda
continua enfrentando desafios relacionados a infraestrutura precária, escassez e inadequada
formação de recursos humanos, cultura avaliativa insuficiente e possíveis mudanças postas
pela atual conjuntura política e econômica do país, que podem alterar, significativamente, o
rumo da política de atenção básica e sua operação (MENDONÇA et al., 2018a).
Na Colômbia, a configuração da APS perpassa pelas diferentes reformas do
sistema de saúde. Semelhante a outros países da América do Sul, tal estruturação tem pautado
suas bases na disputa entre expandir cobertura com cuidados básicos restritos e seguros
(públicos e privados) e garantir o acesso universal com equidade e o gozo efetivo do direito à
saúde (MENDONÇA et al., 2018a).
Com a primeira reforma do sistema de saúde, que deu origem ao Sistema
Nacional de Salud (SNS) em 1975, a APS começou a configurar-se, inicialmente, como uma
estratégia fragmentada, de predomínio seletivo e de atenção básica, que foi evoluindo para
uma proposta mais consistente, centrada em melhorar a articulação entre as pessoas e o
ambiente, a ação intersetorial e a participação social (VEGA; ACOSTA, 2014). Tal proposta
fortaleceu-se entre 1988 e início dos anos 1990, quando ocorreu a descentralização dos
sistemas de saúde no nível municipal. Segundo Vega, Hernández e Mosquera (2012), nesse
período a APS poderia ter alcançado seu máximo desenvolvimento conforme a perspectiva
propiciada pela Declaração de Alma-Ata, porém sem superar por completo a prática médica
convencional.
A segunda reforma ocorreu em 1993, com a criação do Sistema General de
Seguridad Social en Salud (SGSSS) por meio da Lei 100. Um sistema de predomínio público-
privado, centrado no enfoque em seguridade social, vigente até hoje. Com essa reforma, os
7
estudo atinge o cerne dos desafios do cuidado realizados por serviços de saúde em zonas
remotas e de difícil acesso, que requerem a adaptação de critérios de acordo com as
características geográficas e étnicas do território, para garantia do acesso e demais atributos
da APS.
Para a academia, este trabalho pretende apresentar subsídios para discussões
teóricas contemporâneas na enfermagem transcultural e na saúde coletiva, acrescentando
novas dimensões de análise para uma prática cotidiana do fazer em saúde. Busca, portanto,
mostrar a relevância da compreensão do cotidiano como lócus preferencial da APS,
identificando uma série de fatores que, idealmente, devem ser levados em conta no desenho e
implantação de políticas públicas de saúde.
1.1 Objetivos
2 CONTEXTUALIZANDO O CASO
orientado para dar cobertura à população de baixa renda, financiado com base em
contribuições cruzadas entre trabalhadores do setor formal e aportes do governo por meio da
cobrança de impostos (BONIN, 2016). Além desses dois regimes, criou-se um regime
especial, excetuado do SGSSS, para os militares, professores do setor público e a Empresa
Colombiana de Petróleos (ECOPETROL) (GIOVANELLA, 2015).
Para a gestão da afiliação em saúde e a administração de fundos públicos, a Lei
determinou a intermediação das Entidades Promotoras de Salud (EPS). As EPS são as
encarregadas de segurar os usuários e contratar a prestação de serviços de saúde com as
Instituciones Prestadoras de Salud (IPS) (públicas ou privadas), organizadas de acordo com
os níveis de complexidade: Nível I (atenção básica), Nível II (média complexidade) e níveis
III e IV (alta complexidade). A população tanto do RC como do RS é protegida mediante o
Plan Obligatorio de Salud (POS), que inclui um pacote de serviços ao nível individual, e o
Plan de Salud Pública ao nível coletivo (GIOVANELLA, 2015).
Desde sua criação até hoje, o SGSSS tem sido reformado em sua estrutura geral
mediante diferentes normas, destacando-se, principalmente, as impulsionadas em 2007, 2009
e 2011. Porém, de acordo com López, Pereira e Machado (2017), essas reformas introduziram
apenas mudanças instrumentais, sem romper com a configuração estrutural e a racionalidade
econômica do sistema de saúde vigentes desde 1993. Dessa forma, “manteve-se a participação
do setor privado na administração dos recursos do seguro social e na prestação de serviços de
saúde, bem como a ênfase no Estado regulador e contratual” (LÓPEZ; PEREIRA;
MACHADO, 2017, p. 5). Nesse sentido, ainda que, com a implementação do SGSSS,
consiga-se superar os problemas de cobertura do antigo SNS, e atingir 95% da população
colombiana em 2015 (COLOMBIA, 2017), os principais problemas de financiamento,
inequidade e acesso aos serviços permaneceram (BONIN, 2016).
A separação e especialização das funções de direção, financiamento, seguridade
social e provisão de serviços, com a inclusão de diversos agentes públicos e privados
acentuaram a segmentação do sistema (GIOVANELLA, 2015). Consequentemente,
apareceram três grandes problemas que foram destacados pelo próprio MSPS em 2016: 1) um
esquema de prestação de serviços orientado à resolutividade de alta complexidade, com baixa
capacidade de execução das ações preventivas em nível primário; 2) um sistema centrado
principalmente na gestão financeira, sobrepondo o objetivo missionário de gestão dos riscos
da saúde; e 3) resultados negativos para os usuários, representados em barreiras de acesso aos
serviços e a limitada resolutividade de procedimentos (COLOMBIA, 2016a).
16
1
Cabe salientar que, por ser este um desenvolvimento posterior à coleta de dados e implantado na fase final
desta pesquisa, o presente documento fará referência estritamente ao modelo MIAS.
18
Finalizado esse período seria realizada uma avaliação para definir a continuidade e os ajustes
pertinentes para que o programa possa ser replicado em outros departamentos do país.
27
3 PERCURSO METODOLÓGICO
no mundo real” (YIN, 2015, p. 2), possibilitando, nesta pesquisa, reter as características
holísticas e significativas da construção cotidiana da APS.
Para Yin (2015) o estudo de caso é “uma investigação empírica que investiga um
fenómeno contemporâneo (“o caso”) em profundidade em seu contexto de vida real,
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes”
(YIN, 2015, p. 17). Dessa maneira, a pesquisa de estudo de caso implica assumir que o
entendimento do fenômeno (“o caso”) engloba importantes condições contextuais, ou seja, o
fenômeno a ser investigado não pode ser afastado de seu contexto atual.
Além disso, segundo Yin (2015) a pesquisa de estudo de caso é característica
porque:
Enfrenta a situação claramente diferenciada em que existirão muitas mais variáveis
de interesse do que pontos de vista dados, e, como resultado conta com múltiplas
fontes de evidência, com os dados precisando convergir de maneira triangular, e
como outro resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposições
teóricas para orientar a coleta e análise de dados (YIN, 2015, p. 18).
3
Em um caso excecional de um posto de saúde localizado próximo à cidade conta adicionalmente com um
técnico microscopista encarregado exclusivamente da realização de provas rápidas.
4
Na época da realização da pesquisa nenhum centro de saúde contava com a presença deste profissional, além
disso dois dos quatro centros de saúde estavam ainda em construção.
32
5
A impressão digital foi adotada em um único caso em que o participante manifestou não saber escrever.
35
entrevistados e sete foram abordados unicamente por meio de entrevista (Quadro 2). Em
relação aos usuários indígenas, todos foram entrevistados e alguns deles observados durante
sua permanência nas unidades de saúde ou em suas casas no percurso da realização das
entrevistas (Quadro 3). Os três participantes-chave foram, apenas, entrevistados (Quadro 4).
Para garantir o anonimato, os profissionais de saúde são identificados nesta
pesquisa pelas iniciais de sua profissão, seguido por um número relativo à sequencia de
inclusão no estudo: médico (MED1, 2...), enfermeiro (E1,2...), dentista (DEN1,2...),
bacteriologista (BAC1,2...), auxiliar/técnico de enfermagem (AE1,2...), gestor comunitário
(G1,2...) e microscopista (MIC1,2...); os usuários indígenas (U1,2...) e participantes-chave
(ParC1,2...).
QUADRO 2
Participantes do estudo – profissionais de saúde
Indígena / Experiência
N. Participante Sexo Formação Obs. Ent.
Etnia no cargo
1 E1 Sim/Puinave Masculino Enfermeiro 23 anos Sim Sim
2 AE1 Sim/Sikuani Feminino Auxiliar de enfermagem 11 anos Sim Sim
3 AE2 Não Feminino Auxiliar de enfermagem 7 anos Sim Sim
4 AE3 Sim/Curripaco Masculino Auxiliar de enfermagem > 2 anos Sim Não
5 AE4 Sim/Piapoco Masculino Auxiliar de enfermagem > 2 anos Sim Não
6 AE5 Sim/Puinave Masculino Auxiliar de enfermagem > 2 anos Sim Não
7 E2 Não Feminino Enfermeira 8 meses Sim Sim
8 AE6 Sim/Puinave Masculino Auxiliar de enfermagem 11 anos Sim Sim
9 G1 Sim/Puinave Masculino Gestor comunitário 2 anos Sim Sim
10 MED1 Não Feminino Médica familiar 3 anos Sim Sim
11 MIC1 Sim/Curripaco Masculino Microscopista >20 anos Sim Sim
12 MED2 Não Feminino Médica geral 6 meses Sim Não
13 DEN1 Não Masculino Dentista 6 meses Sim Não
14 E3 Não Feminino Enfermeira 1 ano Sim Sim
15 E4 Não Feminino Enfermeira 8 meses Sim Sim
16 MED3 Não Feminino Médica geral 9 meses Sim Sim
17 MED4 Não Masculino Médico geral > 5 anos Sim Não
18 G2 Não Masculino Gestor comunitário 2 anos Não Sim
19 AE7 Não Feminino Auxiliar de enfermagem 10 anos Não Sim
20 BAC1 Sim/Puinave Masculino Bacteriologista 6 anos Sim Sim
21 DEN2 Não Masculino Dentista 1 ano Sim Sim
22 BAC2 Não Masculino Bacteriologista 2 anos Não Sim
23 AE8 Não Masculino Auxiliar de enfermeira 8 anos Sim Sim
24 DEN3 Não Masculino Dentista 1 ano Não Sim
25 DEN4 Não Masculino Dentista 1 ano Não Sim
26 AE9 Não Feminino Auxiliar de enfermagem >20 anos Não Sim
Fonte: Elaboração realizada pela pesquisadora. Dados de pesquisa 2018.
36
QUADRO 3
Participantes do estudo – usuários indígenas
N. Participante Etnia Idade Sexo Escolaridade
1 U1 Piapoco 28 Feminino 7 grado – Fundamental incompleto
2 U2 Puinave 32 Feminino 5 grado – Fundamental incompleto
3 U3 Puinave 51 Masculino 5 grado – Fundamental incompleto
4 U4 Puinave 34 Feminino 10 grado – Médio incompleto
5 U5 Puinave 33 Feminino 5 grado – Fundamental incompleto
6 U6 Curripaco 34 Masculino Técnico
7 U7 Sikuani 25 Feminino 6 grado – Fundamental incompleto
8 U8 Sikuani 24 Feminino 8 grado – Fundamental incompleto
9 U9 Puinave 35 Masculino Bachiller – Médio completo
10 U10 Cubeo 29 Feminino 4 grado – Fundamental incompleto
11 U11 Puinave 30 Masculino 8 grado – Fundamental incompleto
12 U12 Piapoco 41 Masculino 7 grado – Fundamental incompleto
13 U13 Curripaco 23 Feminino 5 grado – Fundamental incompleto
14 U14 Cubeo 28 Masculino 9 grado – Fundamental completo
15 U15 Curripaco 38 Feminino 5 grado – Fundamental incompleto
16 U16 Curripaco 28 Feminino Técnico
17 U17 Cubeo 52 Feminino 5 grado – Fundamental incompleto
18 U18 Curripaco 45 Feminino 3 grado – Fundamental incompleto
19 U19 Curripaco 30 Feminino Técnico
20 U20 Curripaco 21 Feminino Técnico
21 U21 Curripaco 55 Masculino 8 grado – Fundamental incompleto
22 U22 Puinave 32 Feminino Analfabeta
Fonte: Elaboração realizada pela pesquisadora. Dados de pesquisa 2018.
QUADRO 4
Participantes do estudo – Participantes-chave
Indígena /
N. Participante Sexo Formação/Cargo Obs. Ent.
Etnia
Membro ASOCRIGUA
/Liderança indígena
1 Par.C1 Sim/Puinave Masculino Não Sim
processos de
saúde
Médico tradicional (Pajé)
/Liderança indígena
2 Par.C2 Sim/Piapoco Masculino Não Sim
processos de
saúde
Dentista, Mg. Saúde
3 Par.C3 Não Masculino pública/Assessor Não Sim
administrativo SDS
Fonte: Elaboração realizada pela pesquisadora. Dados de pesquisa 2018.
37
concordo com Guber (2009) que afirma que é o referente empírico da pesquisa, “a porção do
real que se deseja conhecer, o mundo natural e social no qual se desenvolvem os grupos
humanos que o constroem” (GUBER, 2009, p. 83). O real de que fala Maffesoli (2010), que
se manifesta no cotidiano por meio de ações banais carregadas de amplo significado e que me
propus desvelar aqui para compreender as dinâmicas da APS desde o olhar dos atores sociais
envolvidos.
Ao ter por princípio que a imersão ao campo não é um processo neutro nem
contemplativo, senão totalmente reflexivo, pois o pesquisador também faz parte do real que
pretende pesquisar (GUBER, 2009; MINAYO, 2014); os dados desta pesquisa são resultado
de uma elaboração sobre o real, ou seja, produto de uma transformação que eu fiz como
pesquisadora do contexto, esse contexto que por sua vez me transformou.
Nessa perspectiva, as duas técnicas adotadas para a produção de dados: a
observação direta e a entrevista individual foram fundamentais para construir o material
empírico, fonte de interpretação e análise. Essa opção por utilizar mais de uma fonte de
evidência respondeu ainda ao cumprimento do principio de triangulação de dados que,
conforme Yin (2015) e Martinez (2006), permite garantir a validade interna nos estudos de
caso.
A observação direta é utilizada nos estudos de caso para capturar alguns
comportamentos relevantes ou condições no ambiente natural do caso, sendo frequentemente
útil para proporcionar informação adicional ao mesmo (YIN, 2015). Segundo Minayo (2014)
a prática da observação como parte essencial do trabalho de campo, implica a definição sobre
“o quê” e o “como” observar. Nesta pesquisa, a observação focalizou especificamente no
“caso” ou na unidade de análise proposta: a construção cotidiana da atenção primária à
saúde. Para isto, observei o cotidiano dos profissionais e usuários em seus diferentes
ambientes de trabalho e convivência, totalizando aproximadamente 680 horas de observação.
O registro das observações, identificadas como notas de observação (NO), foi
feito em um diário de campo organizado a maneira de roteiro. Foram registradas a descrição
da situação presenciada (falas e conversas), impressões da pesquisadora, reflexões
preliminares e notas teóricas. Este registro, quando possível, foi feito durante a observação ou
imediatamente após sua finalização.
Outra técnica realizada, a entrevista, é considerada por Yin (2015) uma das fontes
mais importantes e essenciais de informação para um estudo de caso. Consiste em uma
conversa guiada, seguindo um roteiro de questões apresentado de forma fluida e não rígida
39
(YIN, 2015). Nesta pesquisa, foram elaborados roteiros semiestruturados, um para os usuários
indígenas e outro para os profissionais de saúde (APÊNDICE B). Os principais tópicos
abordados com os profissionais foram: a trajetória profissional, seu cotidiano de trabalho na
APS, sua impressão sobre o novo modelo de saúde e sua percepção sobre a medicina
tradicional; com os usuários: a experiência em geral com os serviços de saúde, sua percepção
sobre a medicina ocidental e a participação comunitária. As questões do roteiro orientaram a
abordagem junto aos participantes, sem se constituírem “uma camisa de força”, pois, como
alerta Minayo (2014), deve-se ter cuidado em explorar outras questões de relevância
apresentadas por eles.
As entrevistas foram realizadas nas unidades de saúde, nos domicílios ou em
espaços externos, definidos previamente e escolhidos pelos participantes. Foram gravadas em
áudio com consentimento prévio, ressaltado o direito de abster-se de responder alguma
questão ou interromper a entrevista a qualquer momento. Após o seu término, elas foram
transcritas na íntegra e compuseram o corpus de análise, junto às notas de observação. Os
dados foram organizados em um banco, com objetivo de permitir a consulta posterior de
partes específicas das evidências por um leitor externo, caso seja necessário (YIN, 2015).
Quatro testes devem ser empregados, segundo Yin (2015), para estabelecer a
qualidade de qualquer pesquisa social empírica, incluindo o método de estudo de caso. Dentro
destes testes encontra-se: a validade de construto, a validade interna, a validade externa e a
confiabilidade, que são definidos no Quadro 5, especificando as medidas implementadas nesta
pesquisa.
43
QUADRO 5
Critérios de rigor
Critérios de
Descrição (Yin, 2015) Medidas implementadas
Rigor
Fonte: Elaboração própria. Os critérios de rigor e sua descrição foram baseados em Yin (2015).
44
6
Encontram-se nesta zona do departamento um total de 27 aldeias e dois povoados (Barrancominas e
Mapiripana) assentados em oito terras indígenas: Arrecifal, Guaco Bajo-Guaco Alto, Laguna Curvina-Sapuara,
Minitas-Mirolindo, Murciélago-Altamira, Pueblo Nuevo-Laguna Colorada e Carrizal.
47
monitoramento e avaliação do seu trabalho. Impressão esta, que iria se repetir futuramente nos
diferentes cenários onde realizei coleta de dados. Contudo, o tempo compartilhado
potencializou minha aproximação, a ponto de desenvolver atividades cotidianas junto à
equipe, deixando em certos momentos de ser apenas uma espectadora.
7
Tipo de quiosque, é um ponto disposto nas aldeias para reuniões com toda a comunidade
48
enfermeiro da comissão contava com um documento que devia ser assinado por esse
representante como espécie de “atestado de permanência” da equipe na aldeia (NO.
17/02/2018).
Com menor nível de autoridade, o diretor da escola e o pastor da igreja também
são considerados figuras de liderança nas comunidades. Nos casos em que o capitão não se
encontrava presente na aldeia, eram eles que assumiam algumas responsabilidades, entre elas,
por exemplo, a autorização da visita da comissão (NO. 18/02/2018). No entanto, atualmente,
nem todas as aldeias contam com escola, mas uma grande maioria tem igreja de religião
evangélica, sendo esta uma mostra do grande impacto do processo de evangelização nessas
comunidades.
para compartilhar as atividades diárias, com melhor compreensão dos objetivos propostos
para o estudo, o tempo de permanência nas aldeias acompanhando a comissão era um desafio,
uma vez que, na maioria dos casos, o tempo não superou três dias, limitando o convívio.
Desta forma, optei por acompanhar as equipes de cada posto em tempo integral,
para que, mesmo com uma permanência restrita fosse possível coletar a maior quantidade de
dados com a melhor qualidade. Assim, o tempo escasso foi compensado pela oportunidade do
número de equipes acompanhadas, o que me permitiu, afinal, respaldar descobertas e padrões
significativos (YIN, 2016) no trabalho cotidiano da APS nesta área rural, constituindo um
aprofundamento de dados que serviu de base para uma das categorias analíticas.
Conforme exposto, a experiência de acompanhamento à comissão de saúde
representou um período intensivo na pesquisa em campo. Depois de completar 30 dias de
viagem, de imersão total na área rural, percorrendo aproximadamente 450 km por rio,
regressamos à cidade de Inírida. Iniciava, então, outra etapa da coleta de dados, com
estabelecimento de novos contatos e planejamento para o trabalho a ser realizado junto à área
urbana.
Nas duas primeiras semanas, além da organização dos dados coletados na zona
rural, o tempo foi investido na busca por moradia. Por questões logísticas, fui morar na casa
de uma técnica de enfermagem, não-indígena, que exercia sua função há mais de 25 anos na
região. Essa opção, para além de resolver a questão da moradia, resultou na indicação de
pessoas estratégicas para a continuidade da pesquisa, bem como na ampliação de detalhes
relativos à atenção à saúde que era desenvolvida anteriormente.
As observações iniciais ocorreram no posto de saúde Paujíl, localizado na reserva
indígena do mesmo nome a 2 Km do centro da cidade. Essa reserva é integrada por oito
aldeias, com uma população, em sua maioria, formada pelas etnias Sikuani, Puinave e
Piapoco. Essa foi a primeira unidade reformada e estabelecida de acordo com a proposta do
novo modelo de saúde, que tinha, à época da coleta de dados, oito meses de funcionamento. A
infraestrutura era composta por áreas de serviços assistenciais (consultórios e recepção), um
espaço anexo para alojamento do pessoal, principalmente para o técnico de enfermagem e o
gestor comunitário, além de uma área específica, na parte externa do posto, com estrutura de
maloca para o atendimento do médico tradicional.
Essa construção e o posterior funcionamento da unidade suscitaram, inicialmente,
discussões entre lideranças indígenas e funcionários do governo do departamento. Para os
primeiros deveria haver maior oferta de serviços como a de um centro de saúde e não apenas
55
Com maior disponibilidade de tempo, optei por realizar, logo nas primeiras
visitas, observações mais gerais sobre a rotina diária de funcionamento do posto. A recepção
dos usuários ocorria, geralmente, por intermédio da pessoa disponível na recepção ou do
gestor comunitário, sendo os horários de manhã os de maior demanda. Identifiquei que esta
unidade não acolhia, apenas, usuários indígenas, mas também não-indígenas que moravam
fora da reserva, ou inclusive, pessoas provenientes da Venezuela ou da região rural de
Vichada, que é outro departamento.
O acompanhamento das atividades da equipe deu-se inicialmente por meio das
consultas. Presenciei, durante várias jornadas, os atendimentos realizados pela enfermeira,
pelos médicos (generalista e especialista em medicina de família) e pelo dentista.
Posteriormente, dediquei-me a observar o trabalho cotidiano do técnico de enfermagem,
gestor comunitário e microscopista (os três indígenas) realizado tanto no posto de saúde,
quanto nas visitas domiciliares, estas últimas, às vezes, interrompidas por eventuais situações
apresentadas na unidade. Assim, durante um período de três semanas, realizei visitas diárias a
este posto, que facilitaram, ademais, uma interação próxima com os usuários. Diferente da
zona rural, a maioria deles eram jovens e adultos, os quais, além de falar sua língua nativa,
56
5.1 A Atenção Primária à Saúde em Guainía: a história do que foi e do que está sendo
construído
Com minha chegada ao Guainía [em 1984] tudo começou a se organizar com
o Sistema Nacional de Saúde (...) Esse sistema era piramidal, era o nível
nacional, o nível regional e o nível local. No nível nacional estava o
Ministério [da saúde] que formulava as políticas e desenvolvia alguns
programas a nível nacional, no nível regional, que era o estadual, estavam os
hospitais regionais e não existia a secretaria de saúde, mas os serviços de
saúde e o nível local que eram já os centros e postos de saúde. Aí com o
Decreto 056 de 1975 começou a desenvolver-se todo o esquema de saúde, o
que se chamou de Servicio Seccional de Salud. Nesse desenvolvimento
começaram a se conformar os esboços da atenção primária em Guainía, mas
não havia infraestrutura, não havia recursos humanos, não havia tecnologia
(Par.C3).
60
9
Voadeira é a forma coloquial de se referir a um bote pequeno de metal que funciona com motor.
61
10
Segundo o Ministerio de Salud y Protección social o Rural é o exercício de uma profissão de natureza social,
através da qual os profissionais recém-formados de programas de ensino superior na área da saúde (enfermagem,
odontologia, bacteriologia e medicina) contribuem para a solução de problemas de saúde no campo da
competência profissional, pelo tempo de um ano, sendo um dos requisitos para obter a carteira profissional.
62
Nós fazíamos atenção primária, desde o período que lhe digo, das comissões
multidisciplinares, (...) essa questão não estava tão clássica sim? quando eu
cheguei [1984] existia um programa que era com um navio, muito custoso e
levava toda uma equipe sim? um, dois, três meses, pelo rio, então qual era o
problema? primeiro, o custo, porque implicava motorista, alimentos, enfim;
segundo, quando o navio passava pelo rio, não podia entrar pelas derivações
dos rios pequenos (...) então não tinha sentido movimentar uma embarcação
tão imensa com todos os recursos, além disso, já obsoleta, porque não
funcionava bem e não ia por todos os rios... então esse experimento
terminou-se nos anos 1980. Daí se fez o esquema da comissão
interdisciplinar (...) Esse modelo eu o trouxe [da região] do Vaupés... lá
havia um posto de saúde, ia à comissão e o abastecia e voltava... foi uma
experiência muito boa que tivemos com os holandeses trabalhando em
atenção primária (Par.C3).
A conformação destas equipes, segundo Suárez (1998), foi implantada nas regiões
da Amazônia colombiana, principalmente em Vaupés e Amazonas, desde a década de 1980.
As também chamadas de correrias, tinham o propósito de prestar, ocasionalmente, serviços
médicos, odontológicos e de vacinação diretamente nas aldeias, porém sem nenhuma
articulação com as comunidades e as reais necessidades da população.
Essa estratégia pode-se dizer originou na mesma que incentivou a criação das
Equipes Volantes de Saúde, no Brasil, em 1967, baseada, principalmente, no modelo
campanhista de assistência. Segundo Garnelo (et al., 2003), essa ação fez parte das políticas
setoriais contidas no indigenismo para a atenção à saúde dos grupos aldeados, a qual dirigia-
se, primordialmente, para o atendimento da demanda espontânea de indivíduos doentes.
Entretanto, enquanto ocorriam esses primeiros avanços na estruturação dos
serviços de APS em Guainía, começaram a ser implantados, na primeira metade da década de
1990, as novas diretrizes trazidas pelo Sistema Geral de Seguridade Social em Saúde
(SGSSS):
vezes freavam pela falta de um crachá de afiliação ‘você não está afiliado, vá
consiga o crachá’... isso era uma brincadeira (Par.C1. Puinave).
(…) Aos que trabalhávamos no hospital antigo nos pagavam a cada três
meses um salário só, e a gente já estava endividada, e a gente trabalha assim,
com preguiça, porque já não tinha nada que comer na sua casa e havia muito
corrupção (...). As médicas que vinham para cá eram de fora [da região], não
permaneciam porque não lhes pagavam e não havia com que trabalhar (AE6.
Puinave).
11
A Súper Intendencia Nacional de Salud é o órgão responsável pela inspeção, vigilancia e controle no SGSSS.
65
Quando o hospital estava interditado fazíamos comissões, uma por ano, por
rio, mas não tínhamos o foco de atenção integral, nem o fundamento em
promoção e prevenção. Na realidade a gente ia cegamente, a gente saia
recém-formado a atender as comunidades, então era difícil (...) Não se
contava com gestores [comunitários], não se contava com auxiliares em
algumas aldeias, muitos dos pacientes estavam sem tratamento, não se
contava com absolutamente nada (MED1).
O MIAS surge, então, em resposta à crise na saúde, enfrentada pela região por
mais de uma década, tendo por meta a melhoria da qualidade de vida e bem-estar da
população, tomando como eixo estruturante a APS com enfoque intercultural centrada na
família e na comunidade, como já exposto anteriormente.
A trajetória histórica apresentada, apesar de mostra que as primeiras iniciativas no
âmbito do antigo SNS eram concentradas na estruturação da rede de serviços, conformação e
capacitação do talento humano e na formulação de estratégias para atenção às comunidades,
representando avanços no processo de estruturação da APS na região, não conseguiram, na
prática, superar o modelo assistencialista baseado na doença.
Além do mais, mostrou-se evidente como os esforços por consolidar uma atenção
mais consciente com os atributos da APS viram-se truncados pela lógica da assistência
66
introduzida pelo SGSSS em 1993, que ressaltou ainda mais o enfoque curativista dos serviços
prestados na região.
Eu antes pensava que era uma sigla de um livro ou algo assim [o MIAS] (...),
pois eu escutava que todo o mundo falava disso e eu ficava como ‘hummm?,
mas o que que isso?’(E4).
Não sei o que é MIAS (...) Pois agora o que eu tenho escutado que está, é o
novo modelo de saúde sim (AE8).
MIAS, MIAS… disso nos falavam por lá, quando tivemos a integração, me
parece que é um... é como um... algo assim como um projeto, não sei como
será, mas quase não sei na verdade (...) do novo modelo tenho escutado, o
que falava um companheiro (AE6. Puinave).
Infere-se que isto se deve ao fato de alguns profissionais de saúde, em sua maioria
assistenciais, não terem recebido treinamento sobre o modelo de atenção nas primeiras fases
de sua implementação (NO. 23/04/18), ou, como afirmam os participantes a seguir,
67
aparentemente as palestras sobre o tema eram realizadas por delegados do MSPS ou pelos
entes territoriais sem transmitir informações precisas:
(…) o outro é que vinham de fora [do MSPS] aos corregimentos para
explicar sobre isso do MIAS e os auxiliares e os gestores ficavam doidos
com isso, porque não sabiam como explicar (E1. Puinave)
Desta forma, reconhece-se que APS enquanto estratégia reestruturadora das ações
e serviços de saúde no âmbito do modelo, deve, idealmente:
Então este posto está funcionando, vão ser dois anos. Antes estava aquele de
lá, um velhinho (...) O posto mudou sim, porque primeiro que tem luz 24
horas, há permanência dos funcionários, antigamente a pessoa que atendia ia
embora, passava muito tempo de folga, agora permanece sim [no posto]
(U12. Piapoco).
Mesmo sendo fatores ainda não concretizados para todas as unidades de saúde, a
renovação da infraestrutura e a permanência do pessoal, principalmente nos postos, foram
destacados como parte das conquistas alcançadas com o MIAS. Assim mesmo, a implantação
das chamadas rotas da saúde, consistentes em embarcações dispostas para realizar
percorridos e remoção de pacientes pelos principais rios da região, representou benefícios
para alguns participantes:
Tenho visto que este modelo tem melhorado as coisas, porque a rota [de
saúde] sempre vai a todos os rios. Ao rio Guaviare principalmente às sextas,
por aqui pelo Inírida vai às terças (...) eles têm um dia específico para ir
buscar aos doentes e para auxiliar dos postos (AE6. Puinave).
Sempre tem mudado muito, porque por exemplo, por aqui [rio Guaviare],
antes não tínhamos ambulância, para a maioria das comunidades que moram
pra cá, pelo rio, e agora neste momento há uma rota, que pelo menos vai às
comunidades para ver o que está acontecendo às pessoas (U11. Puinave).
Uma parte dos profissionais de saúde ressaltou alguns aspetos relacionados com a
gestão do modelo, relacionado às melhorias de vínculos trabalhistas e a designação de uma
única EPS (chamada Coosalud) para filiação dos usuários em toda a região:
pelo DPN, a presença de uma única EPS no território foi apreciada como destaque do MIAS,
contribuindo para diminuir, em parte, as barreiras de acesso aos serviços (COLOMBIA,
2017).
Em contrapartida, opiniões antagônicas apareceram apontando poucos avanços ou
insatisfações com a implementação da proposta:
Não se tem visto muita mudança boa desde que começou o Coosalud [EPS
do modelo]. Supostamente eu tinha escutado por aí que o Coosalud ia
melhorar, que não sei que mais, mas pelo visto não, ou seja, não temos visto
melhoria para nada, tem piorado, digo eu, porque antes quando tinham as
Mayamás ou as outras, a gente ia e o atendiam, claro! digamos que lhe
pediam autorizações e isso, mas a gente era atendida na hora, mas agora não,
agora é mais devagar (U16. Curripaco).
(...) que o modelo era melhor? também não. Ou seja, aqui todos falam bem,
mas se continua tendo muita dificuldade. Agora vejo mais difícil a cada dia o
que são as comissões, já estamos em junho e até agora está saindo a primeira
comissão para o rio, quando deveria ter saído ao princípio do ano, ou seja,
não se cumpre com o que se prometeu (AE9).
De minha parte eu sinto que tem melhorado pouco, porque o auxiliar está
presente no posto [de saúde], qualquer coisa ele nos dá a informação... mas o
problema é que ainda nos faltam os medicamentos, então não serve para
nada (U14. Cubeo).
Digamos que a falha do modelo tem sido que o componente intercultural não
tem sido implementado, e essa é a base do modelo, porque esse componente
intercultural digamos que embora esteja escrito nos documentos, não está
operando na realidade, ou seja, não tem mudado em nada nesse sentido
(BAC1. Puinave).
Entende-se que por não serem pessoas oriundas da aldeia, estes profissionais
fixam residência com suas famílias nas instalações do posto, o que tem feito com que os
membros da comunidade procurem por atendimento em qualquer horário do dia, sendo os
motivos comuns de consulta: gripes, dores de cabeça, diarreias, dores no corpo, entre outros.
Todavia, uma situação registrada durante a pesquisa de campo faz pensar que essa
questão de “morar no posto” tem repercussões para além dessa demanda espontânea de
usuários. Durante a trajetória junto à comissão de saúde pelo rio Guaviare, visitamos o posto
de saúde na comunidade da Unión. Fomos recebidos por uma auxiliar de enfermagem que nos
mostrou as instalações, que era uma casa adaptada para a realização dos atendimentos.
Atuando no local há dois anos, informou estar terminando a pintura e reformas nas instalações
porque para ela “o posto era sua casa” (NO. 27/02/18).
É fato que mesmo com a previsão de vigência do MIAS e as reformas propostas
dos postos da região de acordo com o mesmo desenho arquitetónico, durante o período de
coleta de dados, muitos deles continuavam funcionando nas instalações antigas ou em espaços
alternativos (geralmente casas alugadas) devido a atrasos na renovação da infraestrutura. Daí
que alguns auxiliares, geralmente aqueles que já atuavam por um tempo prolongado, se
apropriaram desses espaços tornando-os como “seus” (NO. 25, 27/02/18).
Além disso, o fato de “morar no posto” faz com que as questões rotineiras de
trabalho desses profissionais se juntem com as de sua vida mesma:
Isso mostra que muitas das ações realizadas pelos auxiliares no posto estão ligadas
à dinâmica cotidiana vivenciada na aldeia. O convívio diário facilita um espaço propício de
74
A gente está só, a gente tem que ser o médico, enfermeira, pajé, parteira,
melhor dizendo, tudo (…) eu tive que atender partos. Quando a gente está no
posto de saúde tem que fazer de tudo (AE8).
trabalhador morar em outra aldeia, era difícil seu deslocamento até o posto porque “ficava
longe de sua casa, sobretudo no inverno” (NO. 11/02/18). Da mesma forma, em visita a outra
aldeia com a comissão de saúde o gestor não se encontrava presente. Ao ser indagado onde
estaria, um morador da aldeia comentou que havia vários dias que não visitava as casas.
Algum tempo depois o gestor apareceu e se apresentou à equipe, sendo que houve reclamação
pelo enfermeiro da comissão sobre sua ausência no posto de trabalho. Quando se retirou, o
enfermeiro comentou que “agora precisam ser lembrados o que têm que fazer, antes eles eram
dedicados, a gente chegava à aldeia e eles saiam a nos receber, estavam atentos à comissão,
agora já não estão fazendo nada disso” (NO. 13/02/18).
Na implantação do modelo, os gestores receberam uma capacitação sobre suas
funções, incluindo um exercício de mapeamento da área de abrangência do posto realizada
junto aos técnicos de enfermagem e alguns médicos tradicionais. Entretanto, manifestaram
dificuldades na cobertura do território demarcado para visitas:
Há muitas coisas por fazer que não temos conseguido completar…o trabalho
do gestor é muito amplo... De minha parte estou demorando um pouquinho...
tenho sete aldeias que tenho que visitar e tem sido muito difícil visitá-las
todas (G1. Puinave).
Pode-se inferir que esse vazio na assistência, no contexto rural, esta sendo
“coberto”, em parte, pelas comissões multidisciplinares de saúde (CMS), porém com alguns
entraves. Um deles tem a ver com a grande demanda de usuários voltada, primordialmente,
para atendimento às doenças e o requerimento de medicamentos.
Nas minhas observações realizadas nas aldeias, constatei a realidade dessas
questões no cotidiano da atenção em saúde local. Em uma das aldeias visitadas ao longo do
Rio Guaviare, quando atracávamos no porto, um morador se aproximou dizendo: “chegaram
em bom momento! Tem uma criança que esta doente”. Após um tempo, outros dois
moradores abordaram o enfermeiro da comissão para informar suas demandas. Um deles
falou: “enfermeiro que remédio você traz para o braço que tenho adormecido, o tenho como
os dedos da vaca!” e o outro: “olha faz dois meses que eu estou com cegueira e não tem
melhorado”. O profissional explicou-lhes que os sintomas apresentados deveriam ser
complicações de doenças crônicas, mas que, infelizmente, não podia lhes medicar, pois o
propósito da comissão era unicamente vacinação. A recomendação feita a eles foi se
deslocarem ao centro de saúde próximo ou esperar a outra comissão, quando viria o médico e
trariam sim medicamentos (NO. 13/02/18).
Embora o principal objetivo das CMS (integradas por médico generalista,
bacteriologista, enfermeiro, dentista e técnicos em enfermagem) seja visitar periodicamente as
aldeias para realizar atividades individuais e coletivas de promoção da saúde e prevenção de
agravos, cenas como a anterior retratam a maneira em que estas equipes são esperadas e
abordadas pelos usuários para suprir suas necessidades em saúde, centradas principalmente
em adoecimentos.
De fato, como expresso pelo usuário, essa demanda é normalmente feita para
atendimento de toda a família:
78
Eu, de minha parte, quando vem a comissão aproveito [para ser atendido].
Na vez passada veio em novembro, algo assim e, foi bom, porque a minha
família passou toda [a ser atendida]” (U12. Piapoco).
A gente fica com esse dissabor, porque chegamos com todo ânimo para
prestar-lhes o melhor, mas são muitas pessoas e uma vez ao ano o serviço de
saúde tem a oportunidade lhes atender, então a gente gostaria de dedicar
muito tempo a cada família, fazer um bom controle de crescimento e
desenvolvimento, ou um bom controle pré-natal, mas pelo tempo e por
muitos outros fatores, como não ter luz e isso, termina-se fazendo as coisas
com rapidez” (E3).
Temos uma dificuldade e é que embora nos exijam fazer PEP [promoção da
saúde e prevenção da doença], muitas vezes chegamos a pacientes que têm
ficado um longo tempo sem ver a um dentista e têm muitas necessidades de
urgência... então nós priorizamos o que o paciente demanda, pois se o
paciente tem algo de dor nós não podemos fazer PEP, mas primeiro tentar
eliminar o fator local que lhe está causando a dor, e depois fazemos
promoção e prevenção, e pelo tempo que às vezes temos nas comissões é
difícil fazer as atividades de PEP (DEN2).
12
Essas atividades são estipuladas no Plano de Intervenções Coletivas (PIC), formulado pela SDS, incluindo
dimensões como saúde mental, segurança alimentar e nutricional, estilos de vida saudável, direitos sexuais e
reprodutivos, cuidado bucal, visual e auditivo, entre outras.
79
Essa parte se faz com palestras e isso se faz antes do começo do trabalho,
põem balões e tudo isso, para que a gente se anime... mas tem que tomar um
tempo e ter tempo o suficiente também para atender as pessoas depois... está
bem o que está se fazendo, sortear algo, um presente, qualquer coisa, porque
assim as mães se animam e os pais também, todos os jovens animam-se
assim, mas no devido tempo também, para que se comece já bem organizado
e se comece depois toda a jornada médica (U11 Puinave).
Por sua vez, outras equipes –também chamadas comissões de saúde- geralmente
compostas por um enfermeiro e técnicos de enfermagem, são disponibilizados pela SDS para
visitar as aldeias com o objetivo de realizar atividades específicas de vacinação, controle de
saneamento básico e em alguns casos educativas com as comunidades:
13
Tem-se projetado a implementação dessa estratégia nas cinco zonas estabelecidas pelo MIAS, contemplando a
elaboração de um plano com protocolos de atenção, visitas domiciliares, ações de PEP, entre outras questões.
82
Como nós somos vizinhos aqui do Paujíl então nós recebemos bem o posto
de saúde, porque é mais próximo, porque lá na parte do hospital, pra pedir
uma consulta lá é sempre duro, a gente tem que madrugar, fazer fila, tudo
isso, aqui, ao contrário, há pouca gente... eu vim na semana passada aqui (...)
esta já é a segunda vez, então está melhor que lá (U9. Puinave).
Eu acredito que o posto funciona bem sim, porque primeiro o que o posto faz
agora é contra a malária, que funciona sim, porque aí dão os resultados do
teste e o médico dá a gente o remédio, então para mim funciona sim (U2.
Puinave).
(…) as vezes saímos às terças, esse é um dia que nos designaram para a
saída a campo, para visitar a comunidade, aí saímos com o companheiro
[gestor] a fazer palestras da malária, o uso adequado do mosquiteiro, da
contaminação... da água, do lixo, tudo isso... coisas assim de prevenção, mas
as vezes é como agora que não se pode... já temos outra atividade na manhã,
tirar amostras e terminamos saindo por aí depois das 9 da manhã, depois de
tomar as amostras e quando já as coisinhas que fazemos por aqui [no posto]
ficam prontas... mas como lhe digo, às vezes não saímos porque há muitas
coisas, porque também há muitas coisas por fazer aqui (AE6. Puinave).
(...) Eu tenho que ir casa por casa, visitar todas as famílias, desde o mais
adulto até o menor, identificar quantas famílias moram lá e também fazer o
mapa (...), eu tenho uma planilha, ai registro: ‘casa número um, moram
tantas famílias aí’, então eu tenho uma base de dados em Excel e tenho que
introduzir a informação todas as manhãs (...), às vezes perco o fio desse
84
14
O material apresentado nesta seção foi aprovado como artigo na revista Ciência e Saúde Coletiva, disponível
online: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/a-interculturalidade-no-cotidiano-da-atencao-primaria-
a-saude-o-caso-do-modelo-de-saude-em-guainiacolombia/17516?fbclid=IwAR2a5JzJPe29sZwMXU8AfqdtpW-
if70VuidO-tlR_Oedv5aCqSEkXZQWKL
87
Difícil... mas acho que interculturalidade no Guainía isso é uma relação entre
as diferentes culturas que eu acho que temos aqui ao ter, valha a
redundância, tantas culturas indígenas, ou seja, não temos uma só população,
pode ser que em certas comunidades ou em certos lugares existam mais
umas que outras, mas vejo sim que temos o Tukano, o Curripaco o Puinave
[etnias indígenas], e não tendem a ser excludentes, porque inclusive podem
se unir as duas culturas, então que esses ambientes ou essas relações entre
essas culturas podem se realizar e que nós lhes possamos levar uma atenção,
pode estar relacionado como isso, acreditaria eu (DEN4).
culturas em um determinado lugar (TUBINO, 2004; WALSH, 2008). Para Tubino (2004),
Walsh (2008), Silva (2014) e Neves (2017) a noção do multiculturalismo é problemática, pois
parte de um relativismo cultural que objetiva a dimensão relacional conferindo ao ideal da
convivência harmoniosa entre distintos grupos, mas oculta a permanência de desigualdades e
inequidades sociais.
Autores como Walsh (2012) e Menéndez (2016) concordam em afirmar que a
interculturalidade tem sido um conceito bastante empregado a partir das décadas de 1980 e
1990 na América Latina. O reconhecimento apresenta-se pela “necessidade de promover
relações positivas entre os distintos grupos culturais, de confrontar a discriminação, o racismo
e a exclusão e de formar cidadãos conscientes das diferenças” (WALSH, 2012, p. 90). Porém,
os autores alertam que ao ser adotada em uma variedade de contextos e interesses
sociopolíticos, às vezes opostos, a compreensão da interculturalidade resulta ampla e difusa.
Para os participantes, a convivência entre culturas é percebida de maneira
harmoniosa, pois existe um intercambio bidirecional em igualdade de condições, que levado
ao âmbito da saúde concentra-se na troca ocorrida entre as noções indígenas e ocidentais de
cuidado.
Sob essa visão dos profissionais, espera-se então que a convivência entre as
culturas se estabeleça em uma relação compreensiva, na qual seja possível o intercâmbio de
crenças, costumes e saberes sem a presença de conflitos ou de conflitos mínimos.
Esse achado remete a um dos usos contemporâneos e conjunturais da
interculturalidade associada, segunodo Walsh (2012), a uma perspectiva relacional. Essa
perspectiva faz referência de forma geral “ao contato e intercâmbio entre culturas, ou seja,
entre pessoas, práticas, saberes, valores e tradições culturais distintas, que poderiam se dar em
condições de igualdade ou desigualdade” (WALSH, 2012, p. 90, traduçao nossa).
Outros usos da interculturalidade relacionam-se às perspectivas funcional e
crítica. A perspectiva funcional enraíza-se no reconhecimento da diversidade e da diferença
cultural com metas para sua inclusão dentro da estrutura social estabelecida. Enquanto, a
perspectiva crítica não parte da diversidade cultural ou da diferença em si, mas do
reconhecimento de que esta se constrói dentro de uma estrutura e matriz colonial de poder
radicalizado e hierarquizado, com os brancos acima e os povos indígenas e afrodescendentes
nas escadas inferiores, ou seja, de um problema estrutural-colonial-racial (WALSH, 2012).
Como manifestado anteriormente, os profissionais de saúde sentem a obrigação de
fazer um esforço para adentrar-se e compreender a cultura do outro, nesse caso, a(s) cultura(s)
dos indígenas, e esperam que estes façam o mesmo por se tratar de um intercâmbio. A
finalidade dessa relação é facilitar a prestação dos serviços de saúde por meio do trabalho
conjunto e do estabelecimento de objetivos comuns.
Seria como a mescla, a mescla de muitas palavras num mesmo idioma, o que
acontece às vezes, houvemos negros, brancos, indígenas, mas somos os
mesmos, os mesmos irmãos, neste caso somos colombianos,
interculturalidade seria isso (...) afinal de contas o que somos? somos
indígenas, somos negros, somos brancos, somos mestiços, somos colonos,
mas o que nos interessa a todos? que o paciente melhore. Esse seria um
mesmo idioma, independentemente de tua crença religiosa, de tua raça, do
que tu quiseres, temos todos a mesma finalidade, aqui todos os que estamos
no hospital, há indígenas, há brancos, negros, colonos, todos queremos o
mesmo (BAC2).
Cabe salientar que o espaço onde ocorre o encontro relacional entre profissionais
da saúde e indígenas é marcado por uma história colonial, cujo discurso ainda continua
91
vigente. Follér (2004) afirma, que embora a história colonial da América Latina remonte há
mais de quinhentos anos, o imperialismo e o colonialismo continuam sendo constituintes do
mundo moderno e de seus conflitos, e portanto, influenciam fortemente as relações instituídas
em nível da atenção à saúde.
Além das estruturas de poder imersas nessas relações (MENÉNDEZ, 2016), o
discurso colonial tem imposto uma sobreposição de conhecimentos médicos ocidentais, em
detrimento aos conhecimentos tradicionais indígenas em saúde, que têm sido considerados
como menos valiosos, e inclusive, um obstáculo para o desenvolvimento (FOLLÉR, 2004;
ROCHA-BUELVAS, 2017). Desse modo, como afirma Pontes (et al., 2015) “a biomedicina
tem buscado a sua manutenção como forma hegemônica e mantido a subalternidade das
demais formas de atenção” (PONTES; REGO; GARNELO, 2015, p. 3200).
Em relação a isso, quando falam de como a integração de conhecimentos
ocidentais e tradicionais manifesta-se na prática, alguns profissionais expressaram a
importância de integrar a “medicina tradicional” aos serviços de saúde, desde que tenha um
suporte técnico-científico, reafirmando a necessidade de validar sua eficácia, eficiência e
efetividade sob os parâmetros da lógica científica.
de saúde é a interculturalidade que é acionada como princípio que rege esse campo
intersocietário” (NEVES, 2017, p. 313), que não necessariamente é movimentada por
conceitos acabados, mas sim por vivências de todos os dias (MAFFESOLI, 2007).
15
Taparrabo poderia ser traduzido como “tapa-traseiro”, ou seja, uma conotação estereotipada sobre a
“vestimenta” indígena.
93
por sua parte, revelaram ter recebido informações a respeito de alguns comportamentos dos
indígenas sobre os quais deviam tomar precaução.
Pois aqui você fica surpreso, né? pois eu já sabia porque minha mãe já tinha
me advertido, porque ela também chegou primeiro que eu para trabalhar
aqui, como ela é docente, então ela veio para trabalhar muitos anos aqui na
parte urbana e na parte rural, então ela como que já ia me dizendo ‘olhe…’
como prevenindo-me, dizendo-me que coisas sim e que coisas não, então ela
disse ‘tenha cuidado com isso, tenha cuidado com o outro’ e quando for a
uma comunidade ‘tenha cuidado com o que recebe’ porque as vezes as
pessoas podem querer lhe fazer o bem, como queiram lhe fazer o mau, então
pode receber a qualquer não , ou ‘cuidado com a roupa, porque na roupa lhe
põem coisas (AE7).
Aqui a gente pode se encontrar com gente que tem umas tradições ou uns
costumes com relação à saúde que a gente fica chocado com eles
[indígenas], então conhecer todo esse mundo deles, se chocar com a forma
de ver deles tão deles com a nossa, que é um pouquinho mais ocidental, é
complicado como o choque do paradigma entre cosmovisão deles com a que
a gente tem (DEN3).
No princípio foi difícil porque a gente vem com outro chip, realmente é
como se a universidade não preparasse a gente para as coisas cotidianas e a
gente se estrella17 muito porque às vezes tem o conceito errado de que o
indígena é o que anda com tanga, e realmente a parte cultural desperta a
gente muito e então a gente aprende que aqui [em Guainía], tudo pode ser
possível... ou seja, o que você não vê fora, acontece aqui (E4).
16
Rezar e soprar são duas práticas de cura comumente usadas pelos pajés ou outro tipo de curadores
tradicionais.
17
Estrellar é uma expressão empregada para referir-se ao ato de bater fortemente com algo. No contexto, pode-
se interpretar como um choque forte com a realidade do contexto de trabalho.
95
Corrobora-se com os resultados do estudo feito por Martins (2017) que abordou as
vivências de trabalho dos enfermeiros dentro do Parque Indígena do Xingu, no Brasil. Para a
autora, nos primeiros encontros com a terra indígena os profissionais vivenciam ajustes entre
o imaginário e o real que são marcados inicialmente pela surpresa e o estranhamento.
Entretanto, as afirmações do participante no fragmento acima, em concordância
com os demais profissionais de saúde não-indígenas, revelam que as primeiras experiências
de contato marcadas por surpresas, além de serem conflituosas e inquietantes, podem
constituir momentos críticos de confrontação de verdades e de abertura a novos
conhecimentos. Afirmações como “a parte cultural desperta a gente” ou “a gente vai
aprendendo” demonstram como, após se confrontarem com a diferença nos primeiros
encontros, há um ponto de ruptura que permite aos profissionais uma reavaliação de seus
preconceitos e os tornam mais atentos às questões culturais dos usuários indígenas.
Tal processo pode ser analisado sob a noção da consciência cultural proposta por
Campinha-Bacote (2002) no âmbito do Modelo de Competência Cultural. Para a autora:
Eu tive uma experiência em pronto socorro quando estava lá, uma mulher
grávida que era G1 [gesta 1] e supõe-se que em uma G1 o trabalho de parto
demora 24 horas e ela chegou e estava dilatando... estava em dois
[centímetros de dilatação], e em duas horas, três horas nasceu o bebê, então a
gente percebeu que [outras pessoas] estavam dando algo para ela [beber],
nunca soubemos o que, por que eles [indígenas]) às vezes não gostam de que
a gente lhes pergunte, mas a gente percebeu que a ela [mulher grávida] lhe
estavam... tinham uma garrafa e lhe estavam dando algo, então depois lhe
perguntamos e ele disse, “não, é uma água com ervas”, “bom que ervas
utilizou?” nunca contou para gente o que era, mas a gente percebeu que foi
algo para ajudar-lhe a acelerar o trabalho de parto (E4).
mas... eles também não compartilham com a gente tão livremente suas
práticas, mas eles geralmente acreditam muito nas rezas, então eles rezam os
alimentos, rezam as hemorragias, rezam a gravidez... mas eu tenho mais
cuidado com as garrafadas que eles têm, porque na verdade não sei que tipo
de substâncias são, mas tenho podido ver sim que causam hemorragias,
tenho podido ver sim que estão perfeitamente bem e bebem uma preparada
de eu não sei o que e começam a convulsionar, ai eu digo “que substância
será?” “Que planta será?” “Qual componente será?” mas além disso... suas
rezas e essa questão... não, não, aí nem os entendo e também não lhes ponho
muita mística, mas ao contrário sou sim desconfiada sobre as substancias
que eles bebem, porque precisamente depois me põem a correr a mim18
(MED3).
Isso foi um choque grande, um choque bastante grande... porque lhe inserem
e sobretudo na universidade lhe inserem o chip de ‘que os medicamentos,
que este é o mecanismo de ação, que é assim que funcionam e que por esta
razão é que para isto se dá isto, você o deve usar desta maneira, estes são os
efeitos secundários’ quando eles [os indígenas] falam aqui de suas plantas e
de suas rezas, a gente não tem maneira de dizer como isso funciona no
organismo, então é um choque bastante duro, e o fato de que a gente percebe
que funcionam sim, a gente fica como... ou seja, e tudo o que tem me
ensinado na universidade?... a gente começa a duvidar, não é tudo o que
ensinam à gente na universidade.... pois, obviamente não serve da mesma
maneira, mas aqui sim, é como esse choque de dizer esta é minha verdade e
só minha verdade, e quando a gente abre os olhos e olha ao seu redor há
muitas formas de vê-la (E3).
18
Me põem a correr a mim, é uma expressão coloquial para se referir a que “tem que trabalhar a mais”.
98
processo, como afirma Pereira (2012) “aparecem zonas obscuras nas quais os saberes dos
profissionais são incapazes de alçar aos saberes indígenas” (PEREIRA, 2012, p. 522).
Contudo, revela-se que, mesmo sendo uma situação conflituosa, as fissuras ou
zonas obscuras enquanto produtos desse confronto parecem ser espaços de abertura para que
os profissionais comecem a interrogar seu próprio conhecimento e, portanto, os limites da
biomedicina. Segundo Pereira (2012), os profissionais de saúde que trabalham em contextos
indígenas vivenciam, em encontros imprevisíveis com uma alteridade radical, ocasiões em
que a biomedicina já não é mais suficiente. Processos complexos de limitações, de equívocos,
de necessidades e incompletas traduções (desde simples traduções linguísticas a zonas de
incomensurabilidade), que os afetam.
Acrescenta o autor:
Camajay é uma doença natural sim, dá febre intensa, dor de cabeça, dor de
estômago, diarréia, debilidade, perda de peso, tem uns seis sintomas. Sim, há
[cura] para isso... Palo Caribe, esse lhe dá vômito com sangue porque está
cortando o intestino, sim, senão sabe contra20 isso é rapidinho, dura, se
muito, um dia e até outro dia [morre], mas quando lhe coloca um pouquinho
[da substância] assim para incomodá-lo lhe dá diarreia, pinta con sangre21,
vomita pouquinho, você pode comer, ou pode andar ainda, mas se segue
avançando, quando alguém se vê assim, se sabe que é Palo Caribe, se a
gente consegue contra se calma rápido, isso sim, como tomar paracetamol
para a dor de cabeça, mas quem sabe, quem não lleva del bulto22” (MIC1.
Curripaco).
19
Conforme Novo (2008) os termos “medicina ocidental” e “biomedicina” podem ser considerados sinônimos
ao referir-se “às práticas técnico-sanitárias desenvolvidas nas sociedades ocidentais, em contraposição às
chamadas terapêuticas tradicionais” (NOVO, 2008, p. 13).
20
Contra refere-se à cura adequada (contra) um malefício ou bruxaria.
21
Pinta con sangre, refere-se a ter urina ou defecações com sangue.
22
llevar del bulto, é uma expressão para dizer que vão ter problemas, que vai ter que “carregar problemas”.
23
Maña refere-se ao artifício, artimanha ou habilidade para conseguir um determinado resultado, no contexto, o
indígena usa o termo para descrever a capacidade que tem alguns indígenas para gerar doenças em outros.
100
Isto posto, essas doenças são difíceis de ser diagnosticadas pela medicina
ocidental. Da mesma forma, algumas doenças ocidentais (como o resfriado) são complexas de
ser tratadas com “medicina tradicional”.
A primeira coisa que eu fiz também com um filho que ficou doente na vez
passada, meu filho maiorzinho que tem três anos, foi que eu acudi ao médico
pelo resfriado, porque é um caso que talvez a medicina tradicional não pode
curar, enquanto dores talvez assim como coisas musculares talvez sim,
podem eles sim [curadores tradicionais] ou qualquer coisa estomacal que a
gente toma, ingira... coisa que não lhe serve ao ventre isso sim talvez eles
possam curar, mas quanto ao resfriado, eu acho que eu pela minha parte
primeiramente ir ao médico, de uma vez ao médico (U11. Puinave).
Há coisas que são naturais que não são para o curandeiro, como uma
cirurgia... e se requer pessoal de experiência dependendo da doença, porque
todas as doenças não vão à botânica, nem ao curioso [curador tradicional],
senão vão a um profissional [de medicina ocidental], ou a uma cirurgia (...)
pelo menos o que se chama... há muitas coisas, o pujo24, pelo menos, ou o
hielo25, não se vão curar com medicina ocidental, as pessoas que sofrem de
hielo ficam como se fossem desnutridos, e aí se banham eles com plantas e
se vai isso (U12. Piapoco).
24
Doença própria.
25
Doença própria, poderia ser traduzida como “gelo”.
101
QUADRO 6
Fatores que influenciam a escolha de tratamentos
Fonte: Elaboração própria para fins deste estudo. Dados de pesquisa 2019.
2006; LANGDON, 2007; HELMAN, 2009; MENÉNDEZ, 2009, 2016, 2018; SCOPEL,
2013).
Muitos dos saberes e práticas “tradicionais” empregados no âmbito familiar são
herdados e desenvolvidos pelos membros mais velhos como pais e avôs:
Não, pois como minha mãe é a que mais ou menos sabe disso [medicina
tradicional], então ela mesma a prepara, somente nos dá. Sim, ela o prepara e
sim, digamos, nós dá. Hum... eu acredito que foi em março, o meu irmão que
tinha, não sei, uma dor na cabeça, era intenso, ou seja, não passava com
nada, então minha mãe lhe conseguiu [um remédio] e deu para ele e
melhorou (U16. Curripaco).
Nós mesmos sim, ou seja, a gente mesmo prepara [o remédio]. Eu, de minha
parte faço remédios às vezes... pra a diabetes, às vezes pra a tensão, pra os
rins, pra úlcera... assim pra a úlcera gástrica. Eu tenho as plantas ali, veja
[aponta a horta da casa], por aí estão semeadas. Fervendo a folha, se toma a
água, a cocinadura,27 se toma, e vêm vários [indígenas doentes] com gastrite
e eu lhes tenho apresentado isso... tensão e princípios de diabetes me
disseram a última vez que fui ao médico e me deram umas pílulas, mas já
tenho me sentido bem, colesterol também tinha alto e já... já fiz o remédio eu
mesma, com a folha de abóbora e também com as pílulas que me deram
(U17. Cubeo).
Meu pai é que sabe [medicina tradicional], mas eu estou aprendendo. Minha
irmã também está aprendendo com ele, nós estamos aprendendo com meu
26
No Brasil poderia ser equivalente ao massoterapeuta.
27
Cocinadura, no contexto, refere-se ao resultado obtido depois de ter fervido folhas em água.
104
pai, sim. E por exemplo, minha irmã é diabética e ela também toma remédio
caseiro, e quando ela se sente mal, ela toma uma pílula das que lhe dão no
hospital, mas ela não toma tanto, o tempo todo essas pílulas, então quando se
sente mal é quando ela toma uma. Ela toma isso que lhe dizem folha de
raya... há outro, não sei como se chama, outro palo28, mas minha irmã é que
sabe como se chama esse palo, e disse que ela tem se sentido bem sim (U18.
Curripaco).
28
Palo, refere-se ao caule de uma planta.
105
Quando adoecemos aqui, primeiro que tudo, nós fazemos remédios aqui,
remédio caseiro, medicina [tradicional] e quando adoecem os bebês assim,
as crianças não as banhamos, somente as deixamos com uma toalhinha,
limpá-lo, para que não se complique mais para frente porquê... se já vemos
que já não podemos, aí sim, nós vamos pra onde está o enfermeiro, se o
enfermeiro diz “não posso, que já está muito complicado” aí devemos ir pra
lá, pra o hospital grande, porque mais que todo, são as crianças que adoecem
aqui, agora quando está chovendo lhes da pneumonia... isso, mais que todo
isso que é perigoso nos bebês (U15. Curripaco).
Sim, com a criança também, minha mãe é que lhe dá [remédio]... médico
tradicional que tenhamos aqui? Não, isso não, são os papais da gente ou os
avôs, que transmitem os saberes, são eles que nos dão os remédios. Mas
então assim, quando a gente vai [ao curador tradicional], é quando a doença
106
está muito avançada ou coisas assim que a gente precisa de alguém que
saiba. Pois de vez em quando, só quando a pessoa requer. Mas assim, que
vamos por qualquer coisa? Não (U20. Curripaco).
Assim pode-se perceber a maneira com a qual as famílias dos usuários exercem
sua autonomia quanto ao que fazer, onde e quando consultar durante o processo de
adoecimento, busca de terapia e prevenção, independentemente do prescrito pelo sistema ou
pelos profissionais de saúde. Essa afirmação é confirmada por alguns autores, que destacam o
“poder de agência” das famílias indígenas e do hibridismo de suas práticas tradicionais em
saúde, como mecanismo de resistência frente à hegemonia biomédica (LANGDON, 2007;
SCOPEL, 2013; ANDRADE; SOUSA, 2016; GHIGGI JR, 2018; MENÉNDEZ, 2018;
PORTELA, 2018).
Como mencionado anteriormente, um fator chave que pode influenciar a escolha
de tratamentos por parte dos usuários é a distinção entre as doenças e curas próprias e
ocidentais. Isto é, se a doença é identificada como ocidental preferivelmente requer
tratamento ocidental e, se a doença é própria, requer tratamento “tradicional”, conforme
relato:
Nesse sentido, foi possível identificar, que a tomada de decisões a respeito da cura
ou prevenção de doenças é influenciada por outros fatores próprios dos grupos indígenas ou
externos a eles, incluindo: a praticidade e efetividade dos tratamentos, o acesso aos serviços
de saúde (ocidentais ou tradicionais), a perda/transformação de saberes “tradicionais” e as
crenças religiosas.
Ao tratar-se dos tratamentos ocidentais os participantes referem:
A medicina ocidental? Para nós [indígenas] é uma medicina que atua rápido,
enquanto que a medicina tradicional é uma medicina que é lenta, mais
lenta... ou seja, ela não vai reagir já, ela vai devagar, devagar enquanto a
ocidental é rápida, uma injeção é rápida, ou seja, as reações são mais rápidas
(U12. Povo Piapoco).
Assim, a medicina ocidental além de ser específica para curar doenças de branco
é distinguida pelos usuários indígenas por sua praticidade e eficácia para o tratamento de
algumas afecções. Dessa maneira, ainda que haja um reconhecimento por parte dos usuários
sobre a existência de tratamentos “tradicionais” para certos eventos (como as mordidas de
serpente), alguns preferem optar pelos recursos da medicina ocidental, por serem
considerados mais práticos em um dado momento.
Corrobora-se com os resultados da pesquisa feita por Garnelo e Wright (2001)
com os Baníwa no Brasil. Para este povo, o uso de tratamentos ocidentais representa uma
comodidade quando comparado às terapias tradicionais, mesmo para o tratamento de doenças
108
reconhecidas como indígenas. Isto porque, entre outras questões, “o uso de remédios de
branco gera a possibilidade de resolver a doença sem fazer os sacrifícios e restrições
alimentares e sexuais inerentes às prescrições tradicionais” (GARNELO; WRIGHT, 2001, p.
283).
Também os testes diagnósticos foram valorizados pelos participantes indígenas
como recursos importantes trazidos pela medicina ocidental.
Eu acho que a gente tem que ir ao médico e tem que saber primeiro o que
tem, a gente não pode, ou seja, depende da doença que lhe digam [os
médicos] se consegue um remédio caseiro para isso (U19. Curripaco).
Pelo menos às vezes os médicos nos dizem “você tem tal doença”, então,
quando sabem qual é a doença que a gente tem, ou que as pessoas que sabem
sobre medicina tradicional já sabem qual é o diagnóstico que o médico te
deu, então eles [os curadores tradicionais] podem encontrar essa medicina
das plantas que serve ao diagnóstico que lhe deu os médicos, então isso é o
que também se trabalha aí (U20. Curripaco).
29
Toca é uma expressão que denota dever ou obrigação de fazer uma coisa em caso de necessidade.
110
O médico tradicional? Eu não sei onde ele está porque eu não tenho escutado
nada, nomearam ele na caseta30, mas ele nunca... não tem feito nada, pra
dizer a verdade. Sim, há um senhor lá do bairro Morichalito, mas ele nunca
dá remédio pra gente, ou não vão para lá, não sei como funciona isso, talvez
aos outros, mas eu não tenho ido por lá (U17. Cubeo).
Há payés verdadeiros que conhecem medicina tradicional. Por que lhe digo
isso? Porque eu tenho tentado vários... Se você pergunta a qualquer pessoa
‘você sabe um remédio para tal doença?, sim... Então me dê 20 ou 50.000
pesos e te trago’ é pura mentira, ai é que eu percebi, o que interessa é ter o
dinheirinho, ganhar o dinheiro assim... podem trazer coisa, qualquer erva.
Mas há, possivelmente, os pajés que são verdadeiros, que sabem certamente
a medicina tradicional para curar a doença, Há alguns, mas todos os que vem
aqui e dizem que sabem, não são (MIC1. Curripaco).
30
Tipo de quiosque, é um ponto disposto nas aldeias para reuniões com toda a comunidade.
31
Nesse caso “regulares” refere-se aos curadores tradicionais que não têm desempenho ótimo.
111
O outro fator que nós temos é que aqui, já não existem os católicos, aqui
pertence à igreja evangélica, então alguns pertencem à igreja evangélica...
quando veio a Sofia Mulher que foi nos anos 1960, 1980, faz 30 anos
supostamente ela lhes proibiu a medicina tradicional, os curiosos [pajés]
porque, supostamente, na bíblia é proibido tratar ou curar com os curiosos.
Esse é outro fator que tem aplacado a medicina tradicional, ou seja, tem
diminuído a medicina tradicional... pelos evangélicos... Que nós não
podemos fazer isso (...) a pessoa que sabe já não o traz à luz, já é na sua casa,
já não era como antes... não se veem os xamãs vestidos, nem andando,
não!... é por isso: pela igreja evangélica que começou a disser que tem que
deixar isso, se você vai ao culto você tem que deixar isso, porque Deus não
vai te perdoar, são coisas assim... são coisas que lhes inserem as pessoas
(U12. Piapoco).
Cabe salientar que muitas das comunidades indígenas habitantes nas regiões
amazônicas vivenciaram - e continuam vivenciando - o fenômeno da evangelização com a
chegada de missionários de diferentes tradições religiosas. No caso de Guainía a ação da
igreja evangélica tem adquirido um lugar importante nos últimos anos, causando uma forte
influência nos saberes da “medicina tradicional” dos povos locais (GUAINÍA, 2009).
Não, quase não... (silêncio) ... não minha família não (silêncio)... Sim, eu
conheço alguns que vão lá [ao pajé]. Eles vão quando têm uma dor aqui
dentro do estômago [aponta para o estômago], pois não sei que é o que
fazem aí... isso lhes faz uma reza, eles vão e se curam com isso. Mas como
eu sou Cristiano32 quase não gosto disso, eu não vou pra lá, sim, é melhor
aqui sim [posto de Saúde], é dizer o que Deus fez para todos (U3. Puinave).
32
Cristiano em alguns territórios da Colômbia é considerado sinónimo de evangélico, pelo que nesse caso o
participante está dizendo que vai à igreja evangélica.
112
05, 24, 25, 30/04/18). Corrobora-se com o manifestado no Plano de Vida33 do resguardo
Paujíl:
33
O plano de vida é um documento desenhado pelas comunidades indígenas que contém as políticas e
programas de desenvolvimento social para ser executados nas terras indígenas.
114
Sim, é necessário que se unam, porque há algumas coisas que não se curam
ou não se veem digamos com os [exames] de laboratório. Por exemplo, um
descuajo34, você vê a criança com diarréia, e lhe tomam laboratório e que
flora normal, só aumentada, mas de resto normal, normal e a criança segue
com diarréia e resulta que é uma criança que está assustada ou se assustou e
se chama descuajo e que há que sovar-lhe o estômago pra que lhe deixe isso
e não o levam em conta no hospital, então, quem o faz? o fazem os indígenas
que sabem disso (E1. Puinave).
34
Doença própria.
116
Aqui [no resguardo] há um pajé que nomearam, mas neste momento quase
não se vê, não age quase, não sei o que acontece, talvez não tenha ânimo
porque tem um [pajé] que tem recebido capacitação, eu não sei o que
acontece... O que eu tenho entendido é que esse senhor [o pajé] tinha que
velar por nossa comunidade, visitando a comunidade para ver quem está
doente, mas isso não funciona (U11. Puinave).
No projeto está estipulado isso, de colocar o pajé, por isso é que se logrou o
novo modelo aqui, mas não está funcionando pelo momento, o quiosque35
[aponta o quiosque do posto de saúde] era para estar o pajé, o médico
tradicional aí, e onde está o médico tradicional? Já levamos dois anos, já
vamos para três anos e ainda não tem mencionado nada disso (G1. Puinave).
Eles [pajés e parteiras], com este novo modelo de saúde, eles querem
trabalhar, mas também querem um incentivo, isso é o que lhes falta, não há
forma de pagar-lhes, retribuir, porque você sabe que todos temos fome. Que
tal um pajé sentado o dia todo mas sem salário? Eles também querem
trabalhar, mas desde que o hospital lhe reconheça algo (AE6. Puinave).
35
“O quiosque" é um espaço habilitado nos novos postos de saúde para que o pajé preste seus serviços. Apesar
de que este espaço foi construído com o fim de ser uma maloca, o desenho arquitetônico desconhece as
características das malocas dos povos locais, pelo qual não é reconhecido como tal.
118
sistemas indígenas de cuidado e cura desenvolvidos, por exemplo, por meio das práticas de
autoatenção (LANGDON; GARNELO, 2017). Da mesma forma, Menéndez (2016) cita esses
inconvenientes ao referir-se a alguns dos projetos interculturais impulsionados em
comunidades indígenas no México, os quais igualmente centraram seus objetivos nos
curadores tradicionais e suas cosmologias, ignorando totalmente os processos de autoatenção
vivenciados no cotidiano dos microgrupos.
A contratação dos curadores tradicionais no âmbito desses projetos foi objeto de
algumas dificuldades, tal como posto pelos participantes em Guainía. Embora, como aponta
Ferreira (2013), a contratação remunerada dos curadores tradicionais faça parte da luta destes
povos pelo reconhecimento da “medicina tradicional” frente ao Estado, ela está condicionada,
necessariamente, à regulamentação de seus ofícios. Isto implica, segundo a autora,
empreender profissionalização dos curadores tradicionais para conseguir integrá-los aos
serviços de saúde. Porém, tal processo resulta complexo na Colômbia, ao não contar com
legislação alguma que regulamente e formalize este tipo de ofício.
Além disso, a implantação da figura do gestor comunitário foi outra estratégia
citada por pelos participantes:
Salienta-se a dificuldade que este profissional tem para exercer sua função de
“articulador de conhecimentos” conforme prescrito pelo modelo, limitando-se a realizar
atividades administrativas. Ainda que, essa função de “articulador” seja mencionada como
parte das tarefas a serem executadas pelo gestor comunitário (COLOMBIA, 2015b), a política
do MIAS não deixa claro como esse papel deve ser efetivado no âmbito da prática.
Como mencionado em outra seção deste documento, a figura do Gestor
Comunitário pode ser equiparável ao de Agente Indígena de Saúde (AIS), no Brasil. As
experiências documentadas a esse respeito têm demonstrado que sua função como mediador é
marcada por conflitos e ambiguidades. Ocupando o último lugar em uma equipe
hierarquizada, suas atividades limitam-se ao preenchimento de formulários, distribuição de
medicamentos e comunicados relativos às questões de saúde. Assim, embora o AIS considere-
o um representante da comunidade, ele não representa os saberes indígenas, nem exerce o elo
119
Tenho visto aqui que fazem muitas vezes encontros, no ano passado assisti.
Tive a possibilidade de assistir ao encontro de pajés e parteiras, que é
quando eles se reúnem. Obviamente é articulado, acredito que, pela
Secretária de Saúde Departamental e eles vêm intercambiar saberes, a
secretaria [de saúde] vem e os capacita e lhes dá capacitação, ou induções de
coisas básicas que eles deveriam saber, em dado caso de que algo aconteça
nas comunidades (DEN3).
A gente tem que respeitar as crenças e a cultura deles [dos indígenas]. Para
não chocar, temque fazer isso, de entrada você não impor que você é a
enfermeira e você é que sabe, e ‘aqui vai se usar somente a medicina que eu
lhes trago’, ‘a injeção é o único que serve’, não! assim não funciona,
primeiro tem que respeitar as crenças (AE9).
120
Eu, por exemplo, na medida do possível, lhes permito ter sua prática de
saúde dentro do posto [de saúde]. Então, lhes deixo sim fazer certas coisas,
mas certas coisas não. Se querem aplicar [sobre a pele] água ou ao alguma
coisa que levem porque consideram que isso vai curar o paciente, eu não
vejo impedimento, mas se querem dar-lhe algo para tomar, aí sim eu já
desconfio, porque não sei que tipo de substancia é e que efeitos tem
(MED3).
Eu lhes falo: ‘bom, eu respeito o que você está me dizendo [uso de medicina
tradicional], mas parece-me que deveríamos também fazer isto’ ‘porque não
tenta isto... Deveríamos fazê-lo… Não o heche em saco roto36’ ‘tente
somente e me fala’ eu lhes digo assim [aos usuários], e então eles às vezes
começam e vêm depois, e dizem para a gente: ‘sim, você tinha razão’ (E4).
Eu fazia minha parte e lhes dizia ‘você faça sua parte, seu remédio, sua
agüita37 que lhe vai dar, o que lhe vai untar no estomago, ou vai rezar e eu
faço a minha parte, vamos compartilhar (AE9).
Como sugere a autora, essa atitude dos profissionais deve ser entendida não
somente com base em suas reações impositivas e/ou restritivas, senão diante uma situação
histórica que pressupõe uma análise das relações de poder em contexto (DIAS SILVA, 2010).
36
Heche em saco roto é uma expressão para se referir a não esquecer algo, nesse caso refere-se a não levar em
conta ou ignorar a recomendação da enfermeira.
37
Remédio caseiro a base de água.
122
A esse respeito, Orozco e López (2019) observaram, em seu estudo sobre como as
enfermeiras não-indígenas da área de saúde pública que cuidam da população indígena
Emberá-Chamí na Colômbia, conseguem desenvolver uma prática culturalmente competente
interatuando e compreendendo as peculiaridades intraculturais e de contexto dos usuários, que
leva a particularizar a atenção e mediar com a cultura hegemônica dominante do sistema de
atenção e com a prática profissional.
Foi possível identificar outras estratégias realizadas, particularmente, por
profissionais de saúde indígenas:
38
Doença própria que atinge, sobretudo, às crianças provocando sintomas de diarreia e dor de estômago.
39
Fazer massagem. Nesse caso é a terapia indicada para curar o descuajo.
123
Uma situação ao respeito foi presenciada por mim na pesquisa de campo. Durante
as observações em um posto de saúde, um profissional indígena foi procurado por uma
mulher com uma criança de mais ou menos 18 meses de idade. Esta relatou que a criança
apresentava sintomas estomacais nos últimos dias, depois de ter caído da cama, pelo que
suspeitava de um “descuajo”. Ele olhou para a criança, realizou uma massagem no estomago
e depois lhe deu três tapas nos pés. Confirmou o diagnóstico com a mãe e recomendou voltar
caso a criança continuasse com os sintomas. O procedimento não demorou mais de 5 minutos
(NO. 04/04/18).
Dessa maneira, enquanto os profissionais de saúde indígenas desempenham as
funções competentes à sua formação biomédica, tentam responder a outras demandas dos
usuários, seja exercendo práticas de “medicina tradicional”, atuando como intermediários com
outros profissionais de saúde (geralmente médicos) ou simplesmente transgredindo os limites
impostos:
Para mim o jeito seria por meio de um intermediário, alguém aqui [no ponto
central] que avalie as duas coisas e por isso deve ter os dois conhecimentos
[indígena e biomédico]. Porque simplesmente pode avaliar o paciente e pode
dizer ‘olhe, é melhor que consulte por este lado [curador tradicional ou
medico ocidental]’. Eu acho que pode ser o gestor comunitário, que tem que
saber algo de enfermagem necessariamente, mas tem que ser membro da
comunidade e que conheça de medicina tradicional também, desse jeito pode
orientar (BAC1. Puinave).
Os médicos antes diziam que primeiro [os usuários] fizeram suas rezas e aí
sim foram [ao hospital]. Eu lhes digo que não, para mim é o contrário, para
mim é melhor que eles venham aqui [primeiro ao hospital], se virmos que a
solução é a medicina ocidental, legal porque serviu, mas se virmos que lhe
fizemos [os exames de laboratórios], lhe aplicamos os medicamentos e não
se curaram, isso não é nosso, isso deve curar o médico tradicional (E1.
Puinave).
A forma como o usuário se mobiliza entre uma ou outra opção terapêutica foi uma
preocupação frequentemente manifestada pelos profissionais indígenas e não-indígenas. Essa
questão, que emergiu não somente em seus depoimentos, mas em conversas informais,
apontava sobretudo à maneira de evitar complicações pela consulta tardia dos serviços
(ocidentais ou tradicionais). Alguns comentavam que ao não contar com orientação adequada
os usuários fazem tratamentos desnecessários, que não resultam em melhorias da situação e
retardam a consulta e, consequentemente, um tratamento indicado, comprometendo em alguns
casos a vida (NO 20/02/18; 24/28/03/18).
Dessa forma, esperam que seja possível a implantação de uma espécie de “rotas”
padronizadas para orientar a conduta do usuário, seja por meio da figura do gestor
comunitário em seu papel de mediador ou determinando como inicio do ponto de consulta os
serviços médicos ocidentais.
125
40
Curador tradicional que usa ervas.
126
OMS/WHO, que contempla o reconhecimento das práticas culturais dos povos como
estratégia para atingir a meta de “saúde para todos” (FERTONANI et al., 2015).
Nessa perspectiva, a noção de interculturalidade assume dois sentidos: 1) como
elemento predominante na vida cotidiana e na interação entre usuários indígenas e
profissionais de saúde; e 2) como estratégia de incorporação dos saberes tradicionais
indígenas (mais especificamente da “medicina tradicional”) no âmbito da atenção. Ressaltar
essa distinção permite compreender a base dos três enfoques de interculturalidade presentes
no processo de construção da APS na região, sendo o primeiro deles o relacional.
Segundo Walsh (2012) a perspectiva relacional da interculturalidade se refere, de
forma mais básica e geral, ao contato entre culturas, ou seja, entre pessoas, práticas, saberes,
valores e tradições culturais distintas. Portanto, como ressaltado na Figura 16, este enfoque se
concentra, principalmente, no intercâmbio como caraterística fundamental da
interculturalidade.
Nos discursos dos profissionais foi evidente seu esforço em relatar uma
perspectiva “ideal” em um cenário bidirecional e harmonioso de intercâmbio entre seus
saberes e os saberes indígenas, porém sem reconhecer as relações de poder ou de
hegemonia/subalternidade que permeiam o encontro entre estes atores. Nesse sentido,
concorda-se com Walsh (2012) ao afirmar que esta perspectiva, limitada apenas à relação,
acaba ignorando “as estruturas da sociedade (sociais, políticas, económicas) e também
epistêmicas que posicionam a diferença em termos de superioridade e inferioridade”
(WALSH, 2012, P.90. Tradução nossa).
Além disso, foi possível corroborar, que a visão “ideal” da interculturalidade,
pensada a partir de “relações paralelas”, não encontra correspondência na prática. As questões
advindas no encontro com a diferença, colocam em evidência as dinâmicas estabelecidas pela
estrutura hegemônica e as assimetrias presentes nas relações. A tensão constante que
vivenciam os profissionais não-indígenas na interação com os conhecimentos e práticas em
saúde dos usuários indígenas é reflexo da impotência e desconforto ao perceber o
conhecimento biomédico, situado em posição hegemônica, insuficiente. Nessa dinâmica
aparece a inquietude de questionar os limites do conhecimento próprio, sem, no entanto,
deixar de ser uma situação conflituosa.
Consequentemente permanece no processo de construção da APS em Guainía
uma perspectiva funcional da interculturalidade, que, conforme mostra a Figura 16, se
130
posiciona mais próxima à relacional, pois as duas tomam como ponto de partida a diversidade
e a diferença sem examinar sua origem.
De acordo com Walsh (2012) essa visão da interculturalidade se concentra no
reconhecimento da diversidade, promovendo o diálogo, a convivência e a tolerância entre os
grupos, com metas para a sua inclusão dentro da estrutura social estabelecida. Nesse sentido, a
interculturalidade é funcional ao sistema existente, pois:
esquecendo que alguns dos usuários indígenas rejeitam os serviços prestados por estes
especialistas, por causa de suas crenças religiosas. Assim mesmo, o fato de concentrar-se nas
figuras dos curadores como os “únicos” detentores do saber indígena (principalmente o pajé),
pode estar levando a excluir, ou diminuindo a importância, das outras formas de cuidado dos
usuários indígenas realizadas, por exemplo, no âmbito familiar.
Ora, esta estratégia de incorporação de curadores nos serviços de atenção implica,
para sua efetivação, a regulamentação e reconhecimento profissional de seus ofícios, que só
pode advir da “validação” científica das práticas e do saber tradicionais. Nessa lógica:
ocidentais, cada um com suas singularidades e variabilidades, sem perder de vista as relações
de poder e a diferença colonial da qual vêm sendo sujeitos, ou seja, as causas que tem levado
a que as desigualdades e assimetrias culturais e epistêmicas existam e ainda permaneçam
vigentes.
134
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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adopta el Modelo de Acción Integral Territorial - MAITE. Ministerio de Salud y Protección
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153
Declaro haber recibido las informaciones suficientes y estar de acuerdo en participar de esta
investigación
En caso de dudas con respecto a los aspectos éticos de este estudio, consultar a los investigadores responsables
COEP- Comité de ética en investigación – UFMG - Av. Profª Drª Cláudia Maria de Mattos Penna
Antônio Carlos, 6627 –Edificio de rectoría- 7º andar - Sala 7018 - Tel: (31) 3409-9867 ó 3409-9836. Facultad de enfermería –
Barrio Pampulha, Belo Horizonte, MG – Brasil - CEP: 31.270- UFMG
901- E-mail: coep@prpq.ufmg.br Telefax: (31) 3409-4592. Estudiante Saidy Eliana Arias
Cel: (31) 998894324 (Brasil) - (57) 3146153105 (Colombia)
E-mail: seam-04@hotmail.com
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Declaro haber recibido las informaciones suficientes y estar de acuerdo en participar de esta
investigación
En caso de dudas con respecto a los aspectos éticos de este estudio, consultar a los investigadores responsables
COEP- Comité de ética en investigación – UFMG - Av. Profª Drª Cláudia Maria de Mattos Penna
Antônio Carlos, 6627 –Edificio de rectoría- 7º andar - Sala 7018 - Tel: (31) 3409-9867 ó 3409-9836. Facultad de enfermería –
Barrio Pampulha, Belo Horizonte, MG – Brasil - CEP: 31.270- UFMG
901- E-mail: coep@prpq.ufmg.br Telefax: (31) 3409-4592. Estudiante Saidy Eliana Arias
Cel: (31) 998894324 (Brasil) - (57) 3146153105 (Colombia)
E-mail: seam-04@hotmail.com
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Bloque 2
1. ¿Ustedes (el equipo) tienen alguna relación con las acciones o actividades ejecutadas
por el hospital/secretaría de salud departamental? Cómo se articulan esas actividades?
2. ¿Cómo funciona el tema de las remisiones? (preguntar si ha tenido paciente remitido
por médico tradicional – según aplique)
3. ¿Cómo hacen la canalización/ seguimiento de los pacientes?
4. ¿Cómo es el registro de información que ustedes trabajan?
5. ¿Qué factores externos tienen impacto o influencian en la salud de los habitantes de la
región? (Profundizar) ¿Qué acciones usted conoce que hayan hecho algunos
organismos - entidades para mitigar estos factores?
6. ¿Ha escuchado alguna vez participación de la comunidad en salud? ¿Qué mecanismos
de participación comunitaria conoce?
SALUD INTERCULTURAL
1. ¿Qué entiende usted por interculturalidad?
2. ¿Qué piensa usted de la medicina tradicional empleada por las comunidades
indígenas?
3. ¿Que significa para usted profesional de salud con una formación occidental tener que
orientarse a trabajar en articulación con la medicina tradicional por causa del modelo?
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PRESENTACIÓN
1. por favor, cuéntame un poco sobre usted, su nombre, su etnia, comunidad a la que
pertenece, cuántos años usted tiene y si sabe leer o escribir
SALUD INTERCULTURAL
1. ¿Cuando usted o su familia se enferma, qué hacen? ¿A dónde van primero? (médico
tradicional/hospital)
2. ¿Usted tiene hijos? Dónde los tuvo? (casa/hospital) ¿quién le ayudó en el parto?
3. ¿Qué piensa usted de la medicina occidental (medicina de los blancos)?
4. ¿Qué piensa usted de la medicina tradicional, la de ustedes los indígenas?
5. ¿Usted considera que la medicina tradicional y occidental pueden trabajar juntas?
¿Cómo?
PARTICIPACIÓN COMUNITARIA
1. ¿Usted sabe si su comunidad ha participado en los procesos de salud?¿usted ha
participado?