Fernando Pessoa

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 52

Fernando Pessoa

ortônimos e heterônimos
Fernando https://upload.
wikimedia.org/
Pessoa wikipedia/com
mons/3/32/Pes
soa_chapeu.jp
g

MODERNIS
MO
PORTUGUÊ
S - Fernando
Pessoa -
aula 01
Sobre
1. Entrevista para a Univesp-tV com a professora Paola
Fernando Poma, da USP, especialista em Pessoa
Pessoa https://www.youtube.com/watch?v=kxEjhpzQz7s
Especial https://www.youtube.com/watch?v=zcerHYMeFVU

feito pelo
canal de TV
RTP2 sobre
o poeta
http://arquivopessoa.net/
AUTOPSIC E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
OGRAFIA Que se chama coração.

O poeta é um fingidor

Finge tão completamente E os que leem o que escreve,

Que chega a fingir que é dor Na dor lida sentem bem,

A dor que deveras sente. Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.


Fingimento Esse poema foi publicado pela primeira
vez em novembro de 1932 na revista
Presença.

- O protagonista do poema é um poeta


- Não é um poema na primeira pessoa,
e sim na terceira pessoa

(a poesia lírica costuma se caracterizar


pela expressão de uma subjetividade)
o protagonista do poema está na terceira
Pensando no fato pessoa, tal subjetividade apareceria
como objeto sobre o qual se fala.

E tal subjetividade na terceira pessoa é a


do poeta, não necessariamente o poeta
como autor, mas sim a personagem de
de que

um poeta.
“Autopsicografia”
O título
A definição de “psicografia” no dicionário diz:

“Escrita feita por um médium sob a influência


direta de um espírito desencarnado”.

Tal definição chama atenção para uma escrita


que alguém, um médium, faz assumindo a
subjetividade de outra pessoa, que já não é
mais uma pessoa, mas um espírito.

Dicionário Caldas Aulete - Significado de


psicografia
de nenhuma
o poema não trata

doutrina espírita,
mas não devemos abrir mão
dessa definição do dicionário da
palavra “psicografia”, já que nos
versos está em jogo o fato de o
poeta fingir sua dor, ou seja, sentir
uma dor que não é a
sua.
poema não é

“Autopsicografia”.
Mas o título do

“Psicografia”, e sim
o poeta escreve usando outra
subjetividade, e essa outra
subjetividade seria, curiosamente, a
sua própria subjetividade
como forma de
conhecimento.
…despersonalização Com isso, estamos diante de
uma das principais questões da
modernidade nas artes e na
literatura, a…
Na primeira estrofe, a personagem do poeta finge a dor “que
deveras sente”.

Mas tal dor sentida não é em si a matéria para o poema. Ela é


pessoal.

A dor que pode ser tratada no poema é a dor que outros, os


leitores, também podem sentir, dor que, por sua vez, eles, os
leitores, também não sentiram antes.
Assim, essa dor
fingida e impessoal

não significaria uma dor fria ou


insensível, e sim a possibilidade de
nos colocarmos no lugar do outro, de
sentir pelo outro, o que é uma forma
de alteridade possibilitada pela
experiência estética.
final,
Na estrofe Imagens do comboio de corda
(trem de brinquedo) e calhas de
roda (trilhos do trem de
brinquedo).
Dicotomia famosa: “coração” e
“razão”. Na cena, temos um
trenzinho de brinquedo que roda
em torno de alguém que brinca
com ele.
E assim nas calhas de roda Depois de toda discussão existencial das
Gira, a entreter a razão, duas primeiras estrofes, essa estrofe final
Esse comboio de corda traz uma cena simples, quase infantil e
Que se chama coração. ingênua:
a “razão” observa o “coração” girando
em torno dela.
Mas isso não significa necessariamente que a
razão esteja brincando com o coração como
Qual a relação entre essa
estrofe final e toda questão
do fingimento no poema?
quando dizemos que alguém brinca com os
sentimentos de outra pessoa.

Nessa cena, parece que temos uma criança (a


razão) entretida e encantada com seu brinquedo (o
coração). Podemos dizer até que ela está presa ao
brinquedo já que o trenzinho gira sem parar em
torno dela.
https://pt.wikipedia.org/wiki/F
ernando_Pessoa#/media/

Ficheiro:Pessoabaixa.jpg
Biografia
Pessoa nasceu em Lisboa em 1888, e em 1896, aos 7 anos de
idade, foi com sua mãe morar em Durban, África do Sul, já que
ela, viúva, havia se casado com o cônsul português que lá
trabalhava.

Pessoa só voltou a Portugal em 1905. A


partir de 1912, publicou textos em várias
revistas literárias e foi protagonista, ao
lado de Mário de Sá Carneiro e Almada
Negreiros, da revista Orpheu,
considerada marco do modernismo em
Portugal.
Morte
O poeta morre em novembro de 1935, aos 47 anos.

Em vida, publicou apenas o livro Mensagem, em


1934.

Só a partir dos anos 40 é que sua obra, espalhada


até então por revistas, começa a ser postumamente
editada em livros.

Depois disso, a fama de Pessoa só cresceu, a ponto


de o autor ter uma estátua sua no café que
frequentava em Lisboa e até

mesmo a última residência em que morou se tornou


um museu que leva seu nome.
Heterônimos O poeta, a partir de 1915, começa a publicar em
revistas poemas com outras assinaturas que não levam
seu nome.

Entres elas, estão a de Álvaro de Campos, Alberto


Caeiro e Ricardo Reis. São os seus principais
heterônimos.

Cada um deles possui um tipo de escrita característica


e uma biografia própria, como se fossem autores
ficcionais, todos escritos por Fernando Pessoa.

(“Heterônimos” é a forma como nos referimos às


personagens criadas por Fernando Pessoa para assinar
muitos de seus poemas.)
regular,
publicada de forma
sua obra começa a ser
Nos anos 40, quando
cada heterônimo vai ganhando uma coletânea. Por
exemplo,
há o livro Poesias de Álvaro de Campos, publicado
em 1944;
O guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro,
publicado em
1946; as Odes de Ricardo Reis, publicados em 1946;
e Poesias,
de Fernando Pessoa, publicado em 1942.
sendo mais uma peça no jogo ficcional e
heteronímico criado pelo autor.
dos nomes dos
heterônimos,
o nome “Fernando Pessoa”
adquire o mesmo estatuto

Chamamo-lo de ortônimo ou de Pessoa ele-mesmo.


O poema “Autopsicografia”, é assinado por Pessoa ortônimo.

Nele vemos que há uma centralidade da razão


Ortônimo ou

ele-mesmo
Pessoa A poesia do ortônimo costuma pensar o mundo e não tanto sentir, de forma

concreta, o mundo.

Quem faz esta distinção é o crítico José Clécio Basílio Quesado no livro O
constelado Fernando Pessoa (Quesado, 1976, p.13).

Quesado usa essa dicotomia (pensar, sentir) para entender como os


heterônimos podem se diferenciar uns dos outros, ao mesmo tempo que
têm uma relação complementar.
comporta assim porque
não quer sentir o mundo
A poesia do ortônimo se ou – como é mais comum – porque não o consegue. Vocês
poderão ver isso nos versos a

seguir, em que o “eu” do poema se compara com a figura de


um gato, que apenas sente o mundo, não o pensa.
Gato que brincas na rua És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Como se fosse na cama, Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Invejo a sorte que é tua

Porque nem sorte se chama.


Link: http://arquivopessoa.net/textos/154

Bom servo das leis fatais

Que regem pedras e gentes,

Que tens instintos gerais

E sentes só o que sentes.


Para ir além
1. Entrevista para a Univesp-tV com a professora Paola
Poma, da USP, especialista em Pessoa

https://www.youtube.com/watch?v=kxEjhpzQz7s
2. Especial feito pelo canal de TV RTP2 sobre o poeta
https://www.youtube.com/watch?v=zcerHYMeFVU
Fernando Pessoa
Bibliografia sobre PESSOA, Fernando. Obra edita. Site Arquivo Pessoa. Link:
http://arquivopessoa.net/

QUESADO, José Clécio Basílio. O constelado Fernando


Pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

MARTINS, Fernando. Introdução ao Estudo de Fernando


Pessoa. São Paulo: Ateliê Editorial, 2017.
outube.com/w
atch?v=3SiAU-
aB3Yw
Alberto
Caeiro
Sobre a dicotomia entre pensar e sentir o mundo, o heterônimo
Alberto Caeiro se comporta de forma diametralmente oposta ao
Pessoa ortônimo.

Caeiro, a princípio, apenas sente, abrindo mão de qualquer tipo de


relação indireta e não sensível entre a subjetividade e o mundo.
Biografia

Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 1889 e morreu em 1915,


mas viveu quase toda a sua vida no campo, com uma tia-avó
idosa, porque tinha ficado órfão de pais cedo. Era louro, de
olhos azuis. Como educação, apenas tinha tirado a instrução
primária e não tinha profissão.
Como surgiu este heterônimo?
Conta o próprio Fernando Pessoa que «se lembrou um dia de fazer uma partida a
Sá-Carneiro — de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e
apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei
uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente
desistira — foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e,
tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso.
E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não
conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro
assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o
aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto
Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi
essa a sensação imediata que tive.»
Quando Fernando Pessoa escreve em nome de Caeiro, diz
que o faz «por pura e inesperada inspiração, sem saber ou
sequer calcular que iria escrever.»
FONTE: CARTA DE FERNANDO PESSOA A ADOLFO
CASAIS MONTEIRO, DE 13 DE JANEIRO DE 1935, IN
CORRESPONDÊNCIA 1923-1935, ED. MANUELA PARREIRA
DA SILVA, LISBOA, ASSÍRIO & ALVIM, 1999.
privilegia
Alberto Caeiro as coisas ao alcance dos cinco sentidos,
todo conhecimento se dá apenas pela
experiência.

Ao valorizar tanto esse contato direto com


a realidade, a

natureza acaba ocupando um lugar


privilegiado em seus poemas.
poema de seu livro O

rebanhos:
guardador de
Trecho do quinto (...)

Que ideia tenho eu das coisas?

Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?

Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma

E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos

E não pensar. É correr as cortinas

Da minha janela (mas ela não tem cortinas).


O mistério das coisas? Sei lá Mas abre os olhos e vê o Sol,
o que é mistério!
E já não pode pensar em nada,
O único mistério é haver Porque a luz do Sol vale mais que os
quem pense no mistério. pensamentos

Quem está ao sol e fecha os De todos os filósofos e de todos os poetas.


olhos, A luz do Sol não sabe o que faz

Começa a não saber o que é E por isso não erra e é comum e boa.
o Sol (...)
E a pensar muitas coisas Link: http://arquivopessoa.net/textos/1482
cheias de calor.
https://www.casafernandopessoa.pt/pt/fernando-pessoa/obra/al
berto-caeiro

Fonte para o heterônimo


Ricardo Reis
Outro heterônimo que também tem uma
relação grande com o campo é Ricardo Reis.
Mas, ao contrário de Caeiro, Reis não se
dedica apenas às sensações, já que ele, um
poeta
classicizante, não abre mão do pensar e
refletir sobre o mundo.
No próximo slide, um trecho de uma de suas
odes. Nela, Reis está na companhia de Lídia,
sua interlocutora e musa.
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Desenlacemos as mãos, porque
Sossegadamente fitemos o seu curso e não vale a pena cansarmo-nos.
aprendamos
Quer gozemos, quer não
Que a vida passa, e não estamos de mãos gozemos, passamos como o rio.
enlaçadas. Mais vale saber passar
(Enlacemos as mãos).
silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida (...)
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Link:
http://arquivopessoa.net/textos/3
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
427
Mais longe que os deuses.
neste trecho do poema, encontrar pelo menos dois sentidos sendo

mobilizados nomeadamente: a visão (fitar o curso do rio) e o tato (enlaçar as mãos).

Se a visão não é diretamente questionada, o uso do tato o é, por meio da ação de


desenlaçar

as mãos.

Segundo o texto, “não vale a pena cansarmo-nos”. Usando ou não os sentidos, o

tempo passa para todos nós (“passamos como o rio”) e mais vale fazer isso em
silêncio e sossego, ou seja, sem cansar os sentidos.
Vejam que o poema usa as sensações (à
maneira de Caeiro) e, em seguida, tende a
certa rasura delas, afastamento da
experiência sensorial que encontra eco, por
exemplo, na poesia do ortônimo.
Campos
Álvaro de
O heterônimo Álvaro de Campos
também tem como marca de sua
poética a hesitação
entre sentir e pensar mundo.
Longos poemas: Ode Marítima,
Tabacaria. Sondam ou revolve o
senso camoniano de mudança
“Dobrada à
moda do Porto”.
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,

Serviram-me o amor como dobrada fria.

Disse delicadamente ao missionário da cozinha

Que a preferia quente,

Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.

Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.

Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,

E vim passear para toda a rua.


Quem sabe o que isto quer dizer?

Eu não sei, e foi comigo ... Mas, se eu pedi amor, porque


é que me trouxeram
(Sei muito bem que na infância de toda a gente Dobrada à moda do Porto fria?
houve um jardim, Não é prato que se possa
Particular ou público, ou do vizinho.
comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. Não me queixei, mas estava
frio,
E que a tristeza é de hoje).
Nunca se pode comer frio,
Sei isso muitas vezes, mas veio frio.
Link:
http://arquivopessoa.net/textos
/2201
O poema fala de um restaurante “fora do espaço e do tempo”,
portanto, fora de nosso alcance físico.
E nesse restaurante serviram ao Campos ou a quem fala no
poema “o amor como dobrada fria”.
Essa imagem é muito curiosa, porque, embora o amor possa
ser algo concreto, ele também pode ser idealizado, distante e
até abstrato.
Quando se fala em “amor platônico”, por exemplo, fala-se de
um amor longe dos sentidos.
Estátua de Fernando Pessoa
no café A Brasileira, em Lisboa

https://commons.wikimedia.org
/w/index.php?title=Special:Sea
rch&limit=20&offset=20&profile
=default&search=fernando+pe
ssoa&advancedSearch-current
=%7B%7D&ns0=1&ns6=1&ns
12=1&ns14=1&ns100=1&ns10
6=1#/media/File:Fernando_Pe
ssoa_(3092524195).jpg
O poema não fala exatamente de amor
platônico, mas

sim de um amor servido num restaurante fora


do espaço e do tempo, amor servido “como
dobrada fria”.

Já a imagem deste prato, ao contrário do


mencionado restaurante, é muito concreta,
tanto que o prato poder ser avaliado, pelos
sentidos, como “frio”.
Mensagem

Você também pode gostar