A Cidade Nos Albuns Fotograficos
A Cidade Nos Albuns Fotograficos
A Cidade Nos Albuns Fotograficos
Anais do XXX
Colóquio do
Comitê Brasileiro
de História
da Arte
Organização:
Roberto Conduru
Vera Beatriz Siqueira
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XXX Colóquio CBHA 2010
Conselho Deliberativo
Almerinda Lopes
Luiz Alberto Freire
Maria Lucia Bastos Kern
Roberto Conduru
Sonia Gomes Pereira
Tadeu Chiarelli
Comitê Científico
Luiz Alberto Freire (Presidente – UFBA /CBHA)
Alexandre Santos (UFRGS/CBHA)
Claudia Valladão de Mattos (Unicamp/CBHA)
Elisa de Souza Martinez (UnB/CBHA)
Vera Beatriz Siqueira (UERJ/CBHA)
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Resumo
Investigo os álbuns fotográicos de vistas urbanas produzidos em
Porto Alegre, entre o inal do século XIX e primeiras décadas do
século XX. Pude observar características distintivas entre as criações
autorais, realizadas por artistas fotógrafos, e aquelas produzidas por
editores, que passaram a assumir a responsabilidade pela seleção de
imagens, pela concepção inal e comercialização ou distribuição da
publicação. Ainda investigo as representações visuais da cidade pre-
sentes nos álbuns e a relação dos fotógrafos com o campo artístico
no contexto estudado.
Palavra Chave
Fotograia, cidade, álbum fotográico
Abstract
I investigate the photograph albums of urban views produced in
Porto Alegre between the end of the nineteenth century and the
irst decades of the twentieth century. I could observe distinctive
characteristics among the works of the photographer authors and
the ones made by editors which were responsible for the selection
of the images, for the inal conception and the trade or distribution
of the publication. I am still investigating the visual representations
of the city which appear in the albums and the relationship the
photographers have with the artistic ield in the studied context.
Keywords
Photography, City, Photograph Album.
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1 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Rumo a uma história visual. In: MARTINS, José de Souza.
ECKERT, Cornelia. NOVAES, Sylvia (Org.). O imaginário e o poético nas ciências sociais. Bauru, SP:
EDUSC, 2005. p. 33-56.
2 FABRIS, Annateresa. A invenção da fotografia: repercussões sociais. In: ________. Fotografia: usos e
funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1991. P. 11-37; LIMA, Solange Ferraz de. O circuito social
da fotografia: estudo de caso II. In: FABRIS, Annateresa (Org.). Fotografia: usos e funções no séc. XIX.
São Paulo: EDUSP, 1991. P. 59-82.
3 DAMASCENO, Athos. Artes plásticas no Rio Grande do Sul (1755-1900): contribuição para o estudo do
processo cultural sul-riograndense. Porto Alegre: Globo, 1971.
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desenhista e pintor Bernardo Casseli; Virgilio Calegari teve ao seu lado por mui-
tos anos o professor e artista Vicenzo Cervásio; os Ferrari atuaram ao lado de
Boscagli, Carlos Fontana, Frederico Trebbi e Ricardo Albertazzi; este último
artista também atuou com o fotógrafo espanhol Francisco Iglesias. Dessa forma,
o estúdio fotográico pode ser considerado como lugar de produção artística e de
exposição de arte, conforme atestam os convites publicados nos jornais para as
mostras ali realizadas. No entanto, o acesso especialmente ao retrato fotográico
produzido em estúdio era, certamente, restrito a determinado segmento da so-
ciedade. Quase sempre os retratos4 à mostra nos estúdios ou nas vitrines das lojas
da Rua da Praia referem-se a personagens políticos, pessoas públicas ou damas
da sociedade.
Na direção contrária, a produção de vistas urbanas e sua comerciali-
zação podem ser pensadas como estratégia de disseminação das imagens foto-
gráicas entre uma parcela maior de porto-alegrenses. Os álbuns, dessa forma,
permitiriam a maior circulação das imagens e a viabilidade econômica de um
ofício que tentava diferenciar-se, a partir da disseminação das câmeras portáteis
e do acesso a um maior número de pessoas à criação de imagens fotográicas.
A forma de divulgação das vistas dos Ferrari – comercializadas por en-
comenda – permite perceber a aura envolvida na criação da imagem fotográi-
ca, nos mesmos moldes da obra de arte. Era produzida e colocada à disposição
dos assinantes apenas uma imagem por mês, sendo esta exposta nas vitrines das
principais lojas do centro da cidade. Os jornais tratavam de potencializar a di-
vulgação de uma única imagem fotográica por vários dias durante o mês, até ser
produzida a imagem seguinte. Finalmente, ao inal da coleção, eram colocadas à
disposição dos assinantes as caixas do “álbum-pasta”.
Essa característica altera-se consideravelmente com os álbuns editados
na cidade nos anos 1920 e 19305. Essas primeiras vistas e álbuns de Porto Alegre
eram elaborados pelos próprios proissionais fotógrafos, ao passo que os álbuns
produzidos nas décadas seguintes eram impressos tipograicamente e editados
por um órgão oicial do governo ou por um editor privado. Ao contrário dos
álbuns de estúdios que privilegiavam, única e exclusivamente, as vistas urbanas -
em alguns casos associadas apenas às legendas - os álbuns impressos continham
textos, geralmente dispostos no início e no inal da edição, que forneciam infor-
mações sobre a cidade em seus variados aspectos. As imagens fotográicas eram
impressas em frente e verso da folha, sendo que uma única página poderia conter
várias imagens. As imagens eram em tamanho menor e a qualidade do papel
também era inferior, diminuindo, conseqüentemente, ainda mais o seu custo,
o que leva a pensar que estes tenham tido uma maior circulação em relação aos
4 Sobre os retratos fotográficos produzidos em Porto Alegre, ver SANTOS, Alexandre Ricardo dos. A
fotografia e as representações do corpo contido (Porto alegre 1890-1920). Porto Alegre: UFRGS, 1997.
Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) - Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de
Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1997, 2.v. Il e SANTOS, Alexandre Ricardo dos. O
gabinete do Dr. Calegari: considerações sobre um bem-sucedido fabricante de imagens. In: ACHUTTI,
Eduardo Robinson. (Org.). Ensaios (sobre o) fotográfico. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1998. P. 23-35.
5 Para maiores informações, consultar POSSAMAI, Zita Rosane. Cidade fotografada: memória e esqueci-
mento nos álbuns fotográficos – Porto Alegre, décadas de 1920 e 1930. 2 v. Tese (Doutorado em Histó-
ria) - Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
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Os álbuns editados a partir dos anos 1920 são impressos no Brasil. Porto
Alegre Álbum é impresso na década de 1930, nas oicinas do jornal carioca A Noi-
te. Na Livraria do Globo, onde foi editado Recordações de Porto Alegre e impresso
o álbum da Diretoria de Obras. A casa oferecia os serviços de fotogravura e o
manejo técnico da impressão de imagens, motivo pelo qual era procurada para a
realização desse tipo de trabalho.
A edição de Recordações de Porto Alegre é uma edição realizada e co-
mercializada pela Livraria do Globo, editora que se tornara a mais importante
do Brasil fora do eixo Rio-São Paulo nos anos 1930 e 1940, editando autores
nacionais e também traduzindo clássicos da literatura universal. Um dos carros-
-chefes da editora era a Revista do Globo, editada pelo jovem Érico Veríssimo
que apresentava abundantes fotorreportagens sobre o cotidiano da cidade, além
de matérias sobre outras regiões brasileiras e do exterior.
Enquanto as imagens fotográicas dos Ferrari e de Calegari eram co-
mercializadas como obras autorais desses artistas, os álbuns editoriais continham
imagens produzidas por diferentes fotógrafos. Além disso, a autoria perde-se no
conjunto de imagens, pois estas não são informadas pelo editor. Apenas às ima-
gens assinadas é possível atribuir autoria. Essa característica mostra a diluição da
relevância da autoria do fotógrafo no contexto de edição dos álbuns, onde o con-
junto da obra e a temática exaltada são preponderantes. Os álbuns, dessa forma,
passam a obedecer aos ditames da produção e consumo de livros.
Ainda pode-se estabelecer um diálogo dos álbuns editoriais com as re-
vistas ilustradas em relação à qualidade estética das imagens fotográicas, embora
o viés da fotorreportagem e do instantâneo não sejam características dos álbuns
de vistas estudados. No caso de Recordações de Porto Alegre é facilmente perceptí-
vel o acesso às imagens por parte de seus editores, uma vez que a editora produzia
também a Revista do Globo, podendo, dessa forma, dispor de uma quantidade
de imagens para seleção.
Dessa forma, as vistas urbanas presentes nos álbuns editoriais ganham
maior signiicado a partir das relações estabelecidas no interior do conjunto. Os
motivos fotografados e as opções técnicas e estéticas dos fotógrafos devem ser ob-
servados a partir de um conjunto criado com objetivos de elaboração de sentidos
pelo editor, seu produtor visual.
Destacam-se, como características de enquadramento em grande parte
das imagens reunidas nestes álbuns, as tomadas realizadas a partir do ponto de
vista central e tomadas com câmera alta, ideal para captar um maior número de
elementos do espaço urbano, como no caso de ruas, praças, largos ou conluência
de avenidas. Neste caso, o fotógrafo posiciona-se em torres de igrejas ou nas sa-
cadas e janelas de edifícios situados nas proximidades do motivo a ser registrado.
Algumas vistas aéreas permitem visualizar panoramas da cidade, privilegiando
especialmente a área central e a orla do lago Guaíba que margeia Porto Alegre.
Destacam-se algumas fotograias noturnas, que procuram ressaltar com atenção
os aspectos modernizantes trazidos ao espaço urbano pela iluminação elétrica.
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sive pelo número signiicativo de visitantes - que é plausível supor o sucesso al-
cançado na comercialização de Recordações de Porto Alegre por seus idealizadores.
O álbum fotográico, nesse contexto, colocou-se como artefato perene
a ser levado pelos visitantes da mostra e da cidade; como objeto de recordação,
conforme seu próprio título sugere. Finda a mostra e inda a visita, permanece-
ria a imagem de uma cidade bela, higienizada e moderna. A mostra, e o álbum
constituíram-se como balizadores de um momento deinido a ser eternizado
como memória. Foram transformadas em peças comemorativas não apenas do
episódio histórico ao qual se refere o título da grande exposição, mas também do
progresso e da modernidade urbana alcançados pelo estado do Rio Grande do
Sul nas primeiras três décadas do século XX.
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