Prova Marquese

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FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (VESP.)

PEDRO SCHMIDTBAUER DA ROCHA


15507490 – schmidtbauer@usp.br

PRIMEIRA PROVA DO CURSO DE AMÉRICA COLONIAL MINISTRADO PELO


PROF. DR. RAFAEL DE BIVAR MARQUESE

São Paulo
2024
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

Neste primeiro texto, realizo uma comparação entre as historiografias específicas (op.
cit.) de John H. Elliott e de Felipe Fernández-Armesto no quesito da articulação das
dimensões mentais e materiais para a conferência de inteligibilidade ao passado. Para isso,
introduzo ambos os autores e os contextos de suas obras, delineando os principais tratamentos
dessas dimensões em cada texto. Em seguida, organizo as obras dentro das tendências
dinâmicas da produção historiográfica americanista para argumentar que a obra de Fernandez-
Armesto representa o extremo da virada culturalista do pós-anos 1970.

John Huxtable Elliott, falecido em 2022, foi um professor da Universidade de Oxford,


sendo um dos mais notáveis hispanistas da contemporaneidade. O texto de Elliott foi
produzido para a coleção Cambridge History of Latin America, organizado por Leslie Bethell,
e publicado em 1984, primeira versão brasileira de 1997.

A Espanha e a América nos Séculos XVI e XVII é um projeto de história total que
especialmente investiga a distribuição de poder no império espanhol dentro do embate entre o
projeto imperial das aspirações metropolitanas e a realidade colonial das forças políticas
locais. Elliott argumenta que, inseridas no contexto geral do teatro europeu, as pressões
exercidas pelas colônias forçavam alterações nos desígnios imperiais sem, contudo, deslocar o
controle para fora de Madri. Na descrição de mundo de Elliott, a relação entre a Espanha e o
império ultramarino é dinâmica e indissociável, de modo que se condicionam mutuamente.
Argumentarei agora que, como parte do quadro teórico-metodológico, Elliott mobiliza as
dimensões materiais e mentais em subordinação desta àquela.

Em sua análise, Elliott articula duas esferas distintas do mundo mental, o projeto
imperial imaginado pela Coroa e a autoidentificação cultural dos criollos. Imperativo para a
estrutura de sua análise é que o projeto imperial (mental) é contrastado pela realidade colonial
(material), depois, ambos são inseridos no contexto europeu (material), que explica as
motivações do projeto imperial (mental), cuja imposição reiterada (material) fomenta o
desenvolvimento da identidade crioula distinta (mental).

O primeiro grande movimento – de contrastar o projeto imperial com a realidade


colonial, colocando primazia na realidade colonial – é evidente na seguinte passagem:
As certezas de Madri eram dissolvidas nas ambigüidades da América, onde “observar mas não
obedecer” era um artifício aceito e legítimo para desatender às vontades de uma coroa
supostamente bem-informada. (Elliott, 1998, p. 299)

Há, acerca do projeto imperial, um ponto adicional a se levantar, a “incompatibilidade


fundamental entre o desejo da coroa de proteger os índios e o desejo de aumentar suas rendas
nas Índias” (id., p. 307). Isto é, Elliott atesta uma disputa entre as motivações morais (mentais)
e as econômicas (materiais) pelo controle ideológico do projeto imperial. Ele logo anuncia a
vitória: “Mas, ao mesmo tempo em que se envidavam árduos esforços para confiná-los num
mundo próprio [república de los indios], também estavam sendo inexoravelmente arrastados
para uma economia de trabalho e moeda europeus” (id., p. 309). E acrescenta:
“inevitavelmente, nessa sociedade tripartite agora em processo de constituição, era a
república de los españoles que dominava” (id., p. 310).
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

O segundo grande movimento – de atribuir o surgimento identidade distinta à


separação material dos domínios – é mais extenso. Sobre o contexto material:
As Índias simplesmente tinham menos necessidade econômica da Espanha metropolitana do
que haviam tido outrora; mas a Espanha, de seu lado, tinha uma grande e crescente
necessidade das Índias. (id., p. 322).

O fracasso do plano de Olivares de formar uma União das Armas em todas as esferas da
monarquia havia levado a população nacional das Índias a desenvolver a arte da autodefesa.
(id., p. 333).

Assim, tanto militar quanto economicamente, os laços entre as Índias e a Espanha


metropolitana foram afrouxados, pelo menos temporariamente, pelo drástico enfraquecimento
da própria Espanha durante as décadas medianas do século. (ibid.).

Sobre o surgimento de uma cultura separada:


Tanto o latifundismo quanto o caciquismo foram, em certa medida, os produtos da negligência
da metrópole. Um terceiro produto a longo prazo dessa época foi o desenvolvimento do
criollismo — o senso de uma identidade crioula distinta — que refletia a outra faceta da vida
nas Índias no século XVII, a exploração pela metrópole. (ibid.).

É com base nesses fundamentos que Elliot argumenta que a cultura espanhola na
América sofreu mudanças sutis, mas que foram associadas ao “apego territorial ao seu próprio
Novo Mundo” (id., p. 335). Em seguida, Elliott afirma que “ao ser usado o passado pré-
hispânico pelos descendentes dos conquistadores como meio de auto-identificação diante da
Espanha metropolitana, pelo menos uma parte da sociedade colonial havia cruzado uma
importante barreira psicológica” (ibid.). Assim, ao falar da “importante barreira psicológica”,
Elliott não exclui a relevância da dimensão mental para a sua análise da relação das Américas
com a Espanha, mas sim subordina as mudanças mentais ao condicionamento do mundo
material; o desenvolvimento do criollismo está posto como consequência do afrouxamento
dos laços transatlânticos no desbalanceamento de poder entre o império ultramarino e a
metrópole espanhola.

Felipe Fernández-Armesto, nascido em 1950, é um professor universitário britânico da


Universidade de Notre Dame du Lac. O texto de Fernández-Armesto foi produzido para o
segundo número do periódico Debate y perspectivas: Cuadernos de Historia y Ciencias
Sociales, da Fundación MAPFRE, publicado em 2002; o periódico se encerrou em 2006.

Como o próprio Fernández-Armesto deixa explícito, Los impérios em su contexto


global, c. 1500 - c. 1800 é um texto de história comparativa com enfoque no intercâmbio
cultural que busca investigar a essência da Grande Divergência. Fernández-Armesto defende
que Europa ocidental era uma região pobre e fragmentada, periférica para o mundo afro-
eurasiático, onde outras civilizações possuíam mais riquezas materiais e que, portanto, a fonte
do Milagre Europeu reside na cultura. Argumentarei agora que, como parte de seu quadro
teórico-metodológico, Fernández-Armesto articula o universo mental como predominante
sobre o material, em especial na diminuição do papel da economia e exaltação do papel da
cultura.
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

Em sua busca pelo porquê de os europeus [e não outros povos] terem empreendido as
Grandes Navegações e o descobrimento do Novo Mundo, Fernández-Armesto mobiliza uma
contextualização econômica (material) para levantar seu problema de pesquisa e, então,
oferece duas respostas interligadas, a da cultura aventureira (mental) e da posição geográfica
(material). E, em sua conceituação das expansões (material), observa os motivos religiosos
cruzadísticos (mental) e o método na aliança com as elites locais para se aproveitar das
estruturas sociais pré-existentes (mental).

Sua pergunta de pesquisa é bem clara no seguinte trecho:


¿Cómo se explica el hecho de que una zona poco prometedora em comparación con las
grandes civilizaciones tradicionales del sur y este de Eurasia, con pocos recursos naturales y
una escasa dotación tecnológica, una economía relativamente subdesarrollada, carente de
población y de dinero y sin fuentes de riqueza primordiales, que además siempre había sufrido
un balance muy desfavorable em su comercio y em el intercambio de ideas e inventos con
China y la India, se convirtiera em protagonista de unas tentativas imperiales de un alcance y
un impacto tan extenso y tan profundo? […] Hasta mediados del pasado milenio, la
superioridad técnica y económica de las civilizaciones del Extremo Oriente asiático era una
constante. En ocasiones, la construcción de los imperios resulta de la abundancia de recursos,
de un poder material insuperable o de un exceso de población que exige espacio vital,
lebensraum. El caso europeo entre los siglos XVI y XVIII contraviene estas reglas.
(Fernández-Armesto, 2002, p. 32)

E ele a responde:
Quizás, en fin, debamos señalar que lo que sí era proprio de la Europa Occidental a fines de la
Edad Media y comienzos de la Moderna era una cultura aventurera […] Ese culto de la
caballería ilumina gestos que en otras culturas podían ser arrogantes y explica que las elites
que desconocían la literatura caballeresca de la Europa occidental no tuvieran el mismo interés
y motivación en las aventuras marítimas. (id., p. 36)

Más importante tal vez que esa peculiaridad cultural propia de la Europa Occidental fue su
posición geográfica, lindante con el «mar océano» […] El Atlántico era la clave de un posible
sistema mundial, porque sus vientos del Sur llevan directamente a confluir con los del paralelo
40, que al unir en esa latitud todos los grandes océanos constituyen el auténtico cinturón del
globo. (id., p. 37)

Dessa maneira, é evidente que, na narrativa de Fernández-Armesto, a dificuldade


material é superada pela vantagem geográfica e pelo espírito cultural, que se aproveita das
condições físicas do espaço; apesar de parte de sua resposta residir no mundo material,
Fernández-Armesto evita o determinismo geográfico e atribui a expansão ultimamente ao
condicionamento cultural.

Sua tese acerca das motivações da expansão:


El texto de una crónica refleja la mentalidad típica de unos conquistadores europeos en nuevos
mundos y fronteras lejanas. Los paganos carecen de derechos; sus tierras están «vacías» y ellos
parecen bestias o monstruos; la colonización debe estimularse mediante privilegios fiscales, y
la tarea a realizar es calificada como santa. […] La conquista fue presentada como una cruzada.
(id., p. 39)

E sua tese acerca dos métodos da expansão:


Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

Hasta cierto punto, todos los imperios de la Edad Moderna funcionaban de la misma manera. A
falta de tecnología industrial, que desde el siglo XIX facilitó las comunicaciones, las guerras
de conquista y toda clase de acciones policiales, tenían que utilizar otros métodos para exigir
obediencia o lograr colaboración: fanfarrias y bravatas […], juegos de manos […], el empleo
del terror y la intimidación […], permitir y facilitar el uso en guarniciones o estabelecimientos
lejanos de alcohol y opiáceos […]. Las estrategias más rutinarias propugnaban la construcción
de una alianza con las elites locales o, en caso de que no las hubiera, pretendía crearlas,
aprovechando a fondo el llamado «stranger effect» […] (id., p. 42).

A partir da soma de todos esses argumentos, Fernández-Armesto deriva seu paradigma


de interpretação do mundo: “En realidad, la materia esencial de la historia del mundo no es
económica sino cultural”. Em sua análise, as dimensões materiais estão subjugadas pelo
condicionamento mental, onde a fonte dos acontecimentos está, em última instância, nas
tendências de comportamento dos agentes históricos.

Separados por quase duas décadas de produção historiográfica, os textos de Elliott e


Fernández-Armesto colidem na abordagem das dimensões materiais e mentais do mundo.
Elliott, influenciado pela abordagem das estruturas, observa no mundo econômico a origem
das movimentações sociais; as revoltas na Nova Espanha se dão por causa da preservação do
poder pelas elites locais e da escassez de gêneros alimentícios. Fernández-Armesto,
influenciado pela abordagem dos sujeitos, encontra no mundo cultural a origem das
movimentações humanas; as Grandes Navegações se dão como consequência do espírito
aventureiro, da busca pela glória e pelo heroísmo em um plano divinizado.

Ambos os textos inseridos na revisão da historiografia pós-anos 1970, Elliott


incorpora tanto as perspectivas da historiografia da primeira metade do século XX e da
década estruturalista de 1960 como inclui as diversas áreas da História e das Ciências
Humanas em geral para seu projeto de História Total das relações coloniais entre a Espanha e
o império ultramarino. Em contrapartida, Fernández-Armesto, em seu texto do século
presente, busca, na História Cultural e nas tendências pós-modernas, o ponto de rejeição à
historiografia anterior, pois encontra, no universo mental da cultura, a origem e a finalidade
das relações humanas, o que o insere, portanto, na ala da historiografia mais afetada pela
virada culturalista.
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

Neste segundo texto, comento o documento histórico do frei Bartolomé de Las Casas
(op. cit.) a partir da perspectiva historiográfica de Steve Stern. Para tal, introduzo Stern e seu
texto (op. cit.), explicando suas conceituações dos fenômenos da conquista e, em seguida,
contextualizo a obra de Las Casas no paradigma de interpretação de Stern a fim de
argumentar que Las Casas é, para Stern, evidência da verdade de suas teses.
Steve Stern, nascido em 1951, é um professor emérito da Universidade de Wisconsin-
Madison cuja teoria historiográfica domina o campo dos estudos da América Latina colonial.
O artigo de Stern é o primeiro da compilação publicada dos textos apresentados no simpósio
do aniversário 500 anos do ano de 1492 ocorrido na Sede Equador da Faculdade Latino-
americana de Ciências Sociais, versão brasileira de 2006.

Em Paradigmas da Conquista, História, Historiografia e Política, Stern argumenta


que “Os europeus atuaram como conquistadores de riqueza, preeminência e almas, envolvidos
em lutas complexas pelo controle, não apenas com os povos indígenas, mas também com eles
próprios” (Stern, 2006, p. 53). Assim, mobilizam-se dois conceitos-chave para a compreensão
de Las Casas à luz de Stern – as utopias europeias concorrentes e a agência histórica indígena.
Primeiro, as utopias europeias concorrentes consistem na categorização de três objetivos
europeus distintos no Novo Mundo que colidem – a utopia da riqueza, a utopia da
preeminência social e a utopia da evangelização cristã – por possuírem projetos imperiais
divergentes. Segundo, a agência histórica indígena consiste na compreensão da atuação
autônoma dos povos indígenas como agentes ativos e relevantes na sociedade pós-conquista.

Bartolomé de Las Casas (fl. 1512–1554), sacerdote espanhol da ordem dos


dominicanos, redigiu a Brevíssima Relação como um documento político para a circulação na
corte de Carlos V. Em sua obra, Las Casas argumenta que os índios caribenhos foram
injustamente devastados por conquistadores bestiais a fins de “enriquecer em pouco tempo” e
alcançar “posições que absolutamente não convinham a suas pessoas” (Las Casas, 1984, p.
30). Na perspectiva de Stern, esses dois pontos são evidências da filiação de Las Casas na
utopia da evangelização cristã e da disputa política entre as utopias europeias; Las Casas faz
crítica direta aos interesses que seriam das demais utopias.

Contudo, por sua narrativa geral de atuação unilateral dos conquistadores, Stern
compreende que Las Casas produz uma historiografia ligada ao paradigma da avalanche de
destruição. Em Las Casas, os indígenas são mobilizados somente como vítimas das ações
[bárbaras e injustas] dos espanhóis e utilizados como peça dentro de um argumento moral
para uma proposta política diferente de império – a da utopia da evangelização cristã. Stern
critica Las Casas quando aborda o tópico da Leyenda Negra, que é a implicação da publicação
da Brevíssima Relação:
O problema principal é que o debate da lenda negra em si […] reduz a conquista a uma história
de vilões e heróis europeus. Os ameríndios recuam; são relegados ao pano de fundo da história
da lenda negra. Transformam-se em meros objetos sobre os quais se exerce a maldade ou o
heroísmo. Seu único papel é o de aceitar ou se rebelar contra o que lhes é feito. (Stern, 2006, p.
52).
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

Em suma, a perspectiva historiográfica de Stern interpreta a Brevíssima Relação como


uma obra política, inserida nas lutas pelo controle e pela significação da conquista, produzida
por um defensor da utopia da evangelização cristã [em oposição à versão encomiendera das
utopias de riqueza e de preeminência social], mas que possui uma abordagem problemática do
mundo colonial ao se inserir na perspectiva geral da Leyenda Negra, que coloca os povos
indígenas como “pano de fundo da história” europeia. Nesse sentido, Las Casas é, para a obra
de Stern, a fonte empírica que prova a efetividade de suas classificações das utopias e
evidencia a deficiência do paradigma da destruição para a compreensão das dinâmicas
estruturais da América Latina colonial.
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

Neste terceiro texto, busco evidenciar a dominância da teoria de Steve Stern na


historiografia que o seguiu utilizando a recente obra de Paula Zagalsky (op. cit.) como
exemplo. Para tanto, introduzo as implicações historiográficas do trabalho de Stern e, a partir
disso, demonstro como Zagalsky se apodera de um quadro teórico-metodológico influenciado
por Stern ao longo de sua interpretação do universo do trabalho de Potosí.
Em Paradigmas da Conquista, História, Historiografia e Política, Stern conclui que é
necessário revisar o campo da historiografia da América Latina colonial a partir da ótica do
paradigma da conquista como uma relação de disputa pelo poder, um choque permanente
entre as forças espanholas e indígenas contra as outras e a si mesmas. Abordar, portanto, a
agência dos povos indígenas na construção do mundo colonial está no cerne da proposta de
Stern. Em uma análise mais ampla da historiografia, temos que Stern contesta o modelo da
economia-mundo capitalista de Immanuel Wallerstein por determinar que “as relações sociais
de produção importam mais do que os mercados ou o lucro [do mercado mundial capitalista]
para o estabelecimento das dinâmicas internas [das colônias na América Latina e no Caribe]”
(Stern, 1986, grifo do slide nº 4 da aula Mineração e mercados internos na América
espanhola).

Paula Zagalsky é professora universitária da Universidade de Buenos Aires e tem


publicado obras sobre a história social do trabalho da mineração nos Andes do Sul. O texto de
Zagalsky foi produzido como um artigo para a Revista Mundos do Trabalho em 2014, sua
versão brasileira tem conteúdo revisado e foi publicada em 2018.

Em Trabalhadores indígenas mineiros no Cerro Rico de Potosí: seguindo os rastros


de suas práticas laborais (séculos XVI e XVII), Zagalsky articula as três propostas de Stern:
conquista (e o mundo pós-conquista) como uma disputa pelo poder; indígenas como agentes
ativos e autônomos; relações de produção como dinâmica-chave. Agora, apresentarei
brevemente como Zagalsky mobiliza esses conceitos em sua análise do mundo do trabalho em
Potosí.

Sobre o mundo colonial como uma disputa pelo poder, Zagalsky, na linha de Stern,
explicita os interesses divergentes dos grupos sociais que atuavam em Potosí – os donos de
minas, os indígenas e os capitães:
Os primeiros alegam aos gritos que os indígenas não comparecem, fogem e não querem
trabalhar e que ninguém os castiga; os índios se queixam que os fazem trabalhar demais, que
as passagens no interior das minas estão ruins, que faltam velas e ferramentas, que lhes exigem
muito metal, que os maltratam e açoitam, que não têm descanso e que lhes roubam suas roupas,
ou até mesmo suas mulheres se não cumprem com a cota de produtividade; que muitos deles
são reservados para a mita e os fazem trabalhar de todas as formas. Os capitães denunciam que
faltam índios pelo ausentismo provocado por maltratos e pagamento insuficiente, que lhes
faltam índios e prata para mingar, pedem que os enforquem ou façam o que quiserem.
(Zagalsky, 2018, p. 103)

Sobre os indígenas como agentes ativos e autônomos, Zagalsky afirma, também


seguindo Stern, que os indígenas moldavam o mundo tanto pela atuação política como
econômica (pelo controle efetivo da produção das minas):
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino

[…] os caciques de Chucuito denunciavam em 1600 o trabalho contínuo durante o dia e a noite,
sem momento de descanso para dormir nem comer, “con grandes crueldades azotes, coces,
fuerzas y violencias”, solicitavam que não se permitisse fazer os índios trabalhar à noite como
“en todas las naciones del mundo y en la cristiana como más piedosa”, ou pelo menos que
pagassem uma jornada extra pelo trabalho noturno. (id., p. 105)

Os trabalhadores índios trabalhavam alternando trabalho e repouso em um ritmo próprio,


durante os dias e as noites, nas profundezas das minas e fora das ordenanças e regulamentos do
vice-rei e demais ministros do rei. […] não havia como controlar rigorosamente os ritmos de
trabalho, que na prática, de acordo com García de Llanos, estavam sob controle indígena. (id.,
p. 106)

E sobre as relações de produção como dinâmica-chave, temos o próprio escopo do


estudo, sendo o quadro teórico da análise; Zagalsky entende que é possível compreender o
universo de trabalho de Potosí interpretando somente as relações de produção in loco,
separando a Espanha e os interesses metropolitanos como externos e destacando as
peculiaridades internas como determinantes. É esse fundamento teórico que justifica o
detalhamento minucioso de todos os aspectos e fenômenos do trabalho indígena nas mitas.
Em suma, há de se aferir que o trabalho de Zagalsky é atravessado pelas influências
historiográficas deixadas por Stern tanto na esfera da fundamentação teórica como na
metodologia de sua análise; o Cerro de Potosí está posto como o microcosmo das relações de
produção e da luta política entre os interesses dos diversos grupos sociais. Sua publicação tão
recente, em 2018, ilustra a “vitória” de Stern em seu debate historiográfico contra Wallerstein
e reitera sua posição como autor paradigmático no campo dos estudos contemporâneos da
América Latina colonial.

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