Prova Marquese
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Prova Marquese
São Paulo
2024
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino
Neste primeiro texto, realizo uma comparação entre as historiografias específicas (op.
cit.) de John H. Elliott e de Felipe Fernández-Armesto no quesito da articulação das
dimensões mentais e materiais para a conferência de inteligibilidade ao passado. Para isso,
introduzo ambos os autores e os contextos de suas obras, delineando os principais tratamentos
dessas dimensões em cada texto. Em seguida, organizo as obras dentro das tendências
dinâmicas da produção historiográfica americanista para argumentar que a obra de Fernandez-
Armesto representa o extremo da virada culturalista do pós-anos 1970.
A Espanha e a América nos Séculos XVI e XVII é um projeto de história total que
especialmente investiga a distribuição de poder no império espanhol dentro do embate entre o
projeto imperial das aspirações metropolitanas e a realidade colonial das forças políticas
locais. Elliott argumenta que, inseridas no contexto geral do teatro europeu, as pressões
exercidas pelas colônias forçavam alterações nos desígnios imperiais sem, contudo, deslocar o
controle para fora de Madri. Na descrição de mundo de Elliott, a relação entre a Espanha e o
império ultramarino é dinâmica e indissociável, de modo que se condicionam mutuamente.
Argumentarei agora que, como parte do quadro teórico-metodológico, Elliott mobiliza as
dimensões materiais e mentais em subordinação desta àquela.
Em sua análise, Elliott articula duas esferas distintas do mundo mental, o projeto
imperial imaginado pela Coroa e a autoidentificação cultural dos criollos. Imperativo para a
estrutura de sua análise é que o projeto imperial (mental) é contrastado pela realidade colonial
(material), depois, ambos são inseridos no contexto europeu (material), que explica as
motivações do projeto imperial (mental), cuja imposição reiterada (material) fomenta o
desenvolvimento da identidade crioula distinta (mental).
O fracasso do plano de Olivares de formar uma União das Armas em todas as esferas da
monarquia havia levado a população nacional das Índias a desenvolver a arte da autodefesa.
(id., p. 333).
É com base nesses fundamentos que Elliot argumenta que a cultura espanhola na
América sofreu mudanças sutis, mas que foram associadas ao “apego territorial ao seu próprio
Novo Mundo” (id., p. 335). Em seguida, Elliott afirma que “ao ser usado o passado pré-
hispânico pelos descendentes dos conquistadores como meio de auto-identificação diante da
Espanha metropolitana, pelo menos uma parte da sociedade colonial havia cruzado uma
importante barreira psicológica” (ibid.). Assim, ao falar da “importante barreira psicológica”,
Elliott não exclui a relevância da dimensão mental para a sua análise da relação das Américas
com a Espanha, mas sim subordina as mudanças mentais ao condicionamento do mundo
material; o desenvolvimento do criollismo está posto como consequência do afrouxamento
dos laços transatlânticos no desbalanceamento de poder entre o império ultramarino e a
metrópole espanhola.
Em sua busca pelo porquê de os europeus [e não outros povos] terem empreendido as
Grandes Navegações e o descobrimento do Novo Mundo, Fernández-Armesto mobiliza uma
contextualização econômica (material) para levantar seu problema de pesquisa e, então,
oferece duas respostas interligadas, a da cultura aventureira (mental) e da posição geográfica
(material). E, em sua conceituação das expansões (material), observa os motivos religiosos
cruzadísticos (mental) e o método na aliança com as elites locais para se aproveitar das
estruturas sociais pré-existentes (mental).
E ele a responde:
Quizás, en fin, debamos señalar que lo que sí era proprio de la Europa Occidental a fines de la
Edad Media y comienzos de la Moderna era una cultura aventurera […] Ese culto de la
caballería ilumina gestos que en otras culturas podían ser arrogantes y explica que las elites
que desconocían la literatura caballeresca de la Europa occidental no tuvieran el mismo interés
y motivación en las aventuras marítimas. (id., p. 36)
Más importante tal vez que esa peculiaridad cultural propia de la Europa Occidental fue su
posición geográfica, lindante con el «mar océano» […] El Atlántico era la clave de un posible
sistema mundial, porque sus vientos del Sur llevan directamente a confluir con los del paralelo
40, que al unir en esa latitud todos los grandes océanos constituyen el auténtico cinturón del
globo. (id., p. 37)
Hasta cierto punto, todos los imperios de la Edad Moderna funcionaban de la misma manera. A
falta de tecnología industrial, que desde el siglo XIX facilitó las comunicaciones, las guerras
de conquista y toda clase de acciones policiales, tenían que utilizar otros métodos para exigir
obediencia o lograr colaboración: fanfarrias y bravatas […], juegos de manos […], el empleo
del terror y la intimidación […], permitir y facilitar el uso en guarniciones o estabelecimientos
lejanos de alcohol y opiáceos […]. Las estrategias más rutinarias propugnaban la construcción
de una alianza con las elites locales o, en caso de que no las hubiera, pretendía crearlas,
aprovechando a fondo el llamado «stranger effect» […] (id., p. 42).
Neste segundo texto, comento o documento histórico do frei Bartolomé de Las Casas
(op. cit.) a partir da perspectiva historiográfica de Steve Stern. Para tal, introduzo Stern e seu
texto (op. cit.), explicando suas conceituações dos fenômenos da conquista e, em seguida,
contextualizo a obra de Las Casas no paradigma de interpretação de Stern a fim de
argumentar que Las Casas é, para Stern, evidência da verdade de suas teses.
Steve Stern, nascido em 1951, é um professor emérito da Universidade de Wisconsin-
Madison cuja teoria historiográfica domina o campo dos estudos da América Latina colonial.
O artigo de Stern é o primeiro da compilação publicada dos textos apresentados no simpósio
do aniversário 500 anos do ano de 1492 ocorrido na Sede Equador da Faculdade Latino-
americana de Ciências Sociais, versão brasileira de 2006.
Contudo, por sua narrativa geral de atuação unilateral dos conquistadores, Stern
compreende que Las Casas produz uma historiografia ligada ao paradigma da avalanche de
destruição. Em Las Casas, os indígenas são mobilizados somente como vítimas das ações
[bárbaras e injustas] dos espanhóis e utilizados como peça dentro de um argumento moral
para uma proposta política diferente de império – a da utopia da evangelização cristã. Stern
critica Las Casas quando aborda o tópico da Leyenda Negra, que é a implicação da publicação
da Brevíssima Relação:
O problema principal é que o debate da lenda negra em si […] reduz a conquista a uma história
de vilões e heróis europeus. Os ameríndios recuam; são relegados ao pano de fundo da história
da lenda negra. Transformam-se em meros objetos sobre os quais se exerce a maldade ou o
heroísmo. Seu único papel é o de aceitar ou se rebelar contra o que lhes é feito. (Stern, 2006, p.
52).
Pedro Schmidtbauer da Rocha 15507490 – Vespertino
Sobre o mundo colonial como uma disputa pelo poder, Zagalsky, na linha de Stern,
explicita os interesses divergentes dos grupos sociais que atuavam em Potosí – os donos de
minas, os indígenas e os capitães:
Os primeiros alegam aos gritos que os indígenas não comparecem, fogem e não querem
trabalhar e que ninguém os castiga; os índios se queixam que os fazem trabalhar demais, que
as passagens no interior das minas estão ruins, que faltam velas e ferramentas, que lhes exigem
muito metal, que os maltratam e açoitam, que não têm descanso e que lhes roubam suas roupas,
ou até mesmo suas mulheres se não cumprem com a cota de produtividade; que muitos deles
são reservados para a mita e os fazem trabalhar de todas as formas. Os capitães denunciam que
faltam índios pelo ausentismo provocado por maltratos e pagamento insuficiente, que lhes
faltam índios e prata para mingar, pedem que os enforquem ou façam o que quiserem.
(Zagalsky, 2018, p. 103)
[…] os caciques de Chucuito denunciavam em 1600 o trabalho contínuo durante o dia e a noite,
sem momento de descanso para dormir nem comer, “con grandes crueldades azotes, coces,
fuerzas y violencias”, solicitavam que não se permitisse fazer os índios trabalhar à noite como
“en todas las naciones del mundo y en la cristiana como más piedosa”, ou pelo menos que
pagassem uma jornada extra pelo trabalho noturno. (id., p. 105)