Seminario Lugar

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LUGAR-LOCAL

D i s ci p l i n a : Te o r i a R e g i o n a l
P r of es s or : D r. A n d r é S o u z a M a r t i n e l l o
M embr os : Pe d ro S o u z a , Pe d ro S c h m i t z e Ya s m i m R a c y
SUMÁRIO

1.0 Lugar..................................................................................................................03
1.1 Algumas questões de etimologia............................................................................04
1.2 Lugar, Lugares.....................................................................................................05
1.3 A representação dos lugares: do pertencimento à cisão ...........................................07
2.0 Os não lugares( non-lieux, placelessness ).................................................................11
3.0 Os New Mobilities Paradigm: Lugar e Globalização ..............................................17
I
LUGAR

Le golfe de Marseille vu de L’Estaque, Paul Cézanne


I. ALGUMAS QUESTÕES DE ETIMOLOGIA & SEMÂNTICA

« A linguagem não é a moldura do pensamento, mas o próprio


pensamento » , Miguel de Unamuno
Platea χώρα ; Πλατεία
(Latim) (Grego ático ) (Grego ático)

Locus τόπος
(Grego ático)
(Latim)

Dicionário escolar: latino-português


Lugar

Palavras e/ou ideias associadas à palavra ‘‘lugar’’ que se pode ler nos seguintes dicionários:

Caldas Aulete: Sítio; ocasião (fig.); posição; área própria; ambiente; espaço adequado; localidade;
circunvizinhança; trecho; país, cidade ou região et cetera.

Houaiss: País, cidade, povoação, região; área de limites bem definidos; posição; local; posição
Dicionário Analógico Caldas Aulete(online) relativa; condição et cetera.

‘‘Local é o ponto em que uma coisa tem o seu assento, o lugar próprio para nele ser colocada.
Localidade é espaço circunscrito, considerado no que tem de especial. Lugar é o ponto em que uma
coisa existe ou pode existir. Paragem é o lugar onde uma coisa foi ou deve parar. Sítio é local, com
referência a algum caso acidental e particular’’ (NASCENTES, 2018)
LUGAR, LUGARES

Ainda que não seja o tema de nosso grupo, a compreensão de como são as formas as quais os espaços são experienciados faz-se importante para o
entendimento do fenômeno dos lugares. Segundo Edward Relph (2008), o espaço pode ser experienciado de, pelo menos, oito modos:

I. Espaço pragmático ou primitivo; O espaço existencial, ou espaço vivido, é aquele que experienciamos em nossas
II. Espaço perceptivo; experiencias concretados no mundo, enquanto membros de um grupo cultural em
específico. Não o experienciamos, portanto, como um mero espaço passivo: ele se
III. Espaço existencial; encontra constantemente recriado e remodelado pelas ações humanas (RELPH, 2008).
Segundo Éric Dardel (1952), é o espaço naquele a ‘‘intenção humana se inscreve na
IV. Espaço sagrado; Terra’’. Noutras palavras, e ainda segundo Relph (2008), o espaço existencial é aquele
que é experienciado e criado inconscientemente, através de, sobretudo, práticas
V. Espaço geográfico;
culturais.
VI. Espaço arquitetônico;

VII. Espaço cognitivo;

VIII. Espaço abstrato.

Dentre todas as formas supracitadas nas quais o humano pode experienciar o espaço, à uma análise do fenômeno geográfico ‘‘lugar’’ a experiência
existencial do espaço faz-se a mais conveniente. E por quê? Ora, desde a entrada dicionarizada, podemos notar estar a palavra lugar associada à
existência de algo, a expressão de um ou mais fenômenos: lugar, relembremos, é, e segundo a entrada de Antenor Nascentes (2018), o ‘‘o ponto
em que uma coisa existe ou pode existir’’, ou seja: lugar é o local/localidade onde algo se expressa (ou encontra-se expresso) . No caso, e segundo
a leitura da escola geográfica fenomenológica-existencialista da qual nos valemos para a produção desse trabalho, lugar é o local e/ou localidade
onde o humano desenvolve relações existenciais de identidade; local e/ou localidade que fornecem um fundamento, dizemos o primeiro, à
existência humana.

A ideia de lugar, portanto, deve ser sempre expressa no plural: falemos, portanto, de lugares. Em verdade, pela mesma razão do humano serem
plurais as concepções que o humano faz do Mundo, de igual modo plurais são as concepções que se fazem dos lugares: tantas as identidades que
se inscrevem na Terra, tantas são as concepções que se fazem do lugar.
Como podemos, portanto, definir o conceito de lugar, dentro dessa
perspectiva fenomelógica-humanista? A definição dado por Edward
Relph (2008) é a seguinte: « Lugar é um centro de ação e de
intencionalidade ». Ainda segundo Norberg-Schulz (1971), lugar é
« um foco onde experienciamos os mais significantes eventos de
nossa existência. » Ainda para Relph (2008), a o fundamento do
lugar reside na « inconsciente intencionalidade que define os
locais/localidades como centros de existência humana »
O conceito de lugar ainda aparece na obra do antropólogo francês
Marc Augé (2012) sob o termo ‘‘lugar antropológico’’, e está
associados à características identitárias, relacionais e históricas.
E como experienciamos o lugar? O fenômeno dos lugares podem
estar associados à:
I. Locais;
«Lugares [enquanto fenômenos que acabamos de definir] ocorrem em
II. Paisagens; todos os níveis de identidade: meu lugar, seu lugar, ruas, comunidades,
cidades, condados, regiões, países e continentes, ainda que os lugares
III. Tempo ( no sentido d’herança, ou seja, à acúmulos temporais nunca estejam relacionados à formas hierárquicas fixas de classificação.
de marcas culturais); Eles prevalecem todas, interpenetrando-se uns aos outros, e estão abertos
às mais variadas formas de intepretação. » (DONAT, 1967)
IV. Na presença de comunidades;
V. Locais de importância particulares (casas, ruas, regiões et
cetera).

Como, então, essa experiência que temos dos lugares se expressam? Onde as encontramos expressas? Tomemos
agora, portanto, alguns exemplos retirados das artes, sobretudo os da literatura.
R E P R E S E N T A Ç Ã O D O S L U G A R E S : D O P E R T E N C I M E N T O À C I S Ã O .

À la recherche du temps perdu, de Marcel Proust.


« Combray, de longe, por dez léguas em redor, vista do trem, quando chegávamos na semana
anterior à Páscoa, não era mais que uma igreja que resumia a cidade, representava-a, falava
dela e por ela as distâncias, e, quando nos aproximávamos, mantinha aconchegados em torno
de sua grande capa sombria, em pleno campo, contra o vento, como uma pastora a suas
ovelhas, os lombos lanosos e cinzentos das casas reunidas que um resto de muralhas da Idade
Média cingia aqui e ali num traço tão perfeitamente circular como uma cidadezinha em um
quadro de primitivos. Para morar, Combray era um pouco triste, como eram tristes suas ruas,
cujas casas, edificadas com as pedras escuras da região, precedidas de degraus exteriores e
com seus telhados de beirais salientes que faziam sombra, eram tão escuras que, mal
começava a declinar o dia, já era preciso erguer as cortinhas nas ‘‘salas’’; ruas de graves
nomes de santos (vários dos quais se ligavam à história dos primeiros senhores de Combray),
rua de Santo Hilário, rua de São Tiago, onde ficava a casa de minha tia, rua de Santa
Hildegarda, para onde davam as grades, e rua do Espírito Santo, para onde se abria
portãozinho lateral de seu jardim; e essas ruas de Combray existem em um local tão
recôndito de minha memória, pintado em cores tão diferentes das que agora revestem para
mim o mundo, que na verdade me parecem todas, bem como a igreja que as dominava na
praça, ainda mais irreais que as projeções da lanterna mágica; e em certos momentos me
parece que pode atravessar a rua de Santo Hilário, poder alugar um quarto na rua do Pássaro
– a velha hospedaria do Pássaro Ferido, de cujos suspiros saía um cheiro de cozinha que,
intermitente e cálido, ainda sobe por momentos em minha lembrança – seria entrar em
contato com o Além de um modo mais maravilhosamente sobrenatural do que se me fosse
dado conhecer a Golo e conversar com Geneviève de Brabant. »
Evocação do Recife, de Manuel Bandeira
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritssatd dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois —
Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
(....)
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avó morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.
Escritos da Casa Morta, de F. Dostoiévski.

« Nosso presídio ficava no extremo da fortaleza, exatamente em seu bastião. Quando a gente
olhava para o mundo por um brecha da paliçada – será que se avistaria alguma coisa? --,
avistava apenas uma nesguinha à toa de céu e o aterro alto coberto de ervas daninhas, onde
dia e noite as sentinelas andavam de um canto para o outro; e no mesmo instante pensava que
passariam anos inteiros e a gente repetiria o mesmo gesto, olhando pela brecha da paliçada e
avistando o mesmo céu, as mesmas sentinelas e a mesma nesguinha à toa de céu, não daquele
céu que pairava sobre o presídio, mas de outro, distante, um céu livre. Imagine um grande
pátio, de uns duzentos passos de comprimento e uns cento e cinquenta de largura, todo
rodeado por uma cerca alta em forma de um hexágono irregular, isto é, uma cerca de estacas
encravadas de modo firme e profundo no solo, encostadas solidamente umas nas outras e
reforçadas por pontiagudas ripas transversais: eis a paliçada externa do presídio. Num dos
lados das cerca há portões sólidos, sempre fechados, sempre vigiados dia e noite por
sentinelas; abriam-nos apenas sob ordens de liberar os presidiários para o trabalho. Para além
daqueles portões havia um mundo luminosos, um mundo livre, onde vivia-se como todas as
pessoas. Mas do lado de cá da cerca, imaginava-se aquele mundo como um quimérico conto
de fadas. Deste lado havia um mundo especial, que não se assemelhava a mais nada, tinha as
suas leis especiais, os seus uniformes, os seus usos e costumes, e a Casa Morta ainda com
vida, uma vida como em nenhum outro lugar, e pessoas especiais. Pois é esse cantinho
especial que começo a descrever. »
Arquipélago Gulag, de A. Soljenísyn
« (...) E os que vão até lá [Arquipélago Gulag] para morrer, como eu e você, leitor, esses
devem chegar, única e exclusivamente, pela prisão.
(...)
A prisão é uma impressionante transição instantânea, uma transferência, uma transmutação de
um estado para o outro.
Pela longa e sinuosa rua de nossa vida, nós passamos, com rapidez e alegria, ou com vagar e
tristeza, por cercas, cercas e mais cercas – cercas apodrecidas de madeira, muretas de terra
batida, muros de tijolos, de concreto, de ferro. Nós não paramos para pensar: o que há por
detrás delas? Nós não tentamos espiar por detrás delas nem com os olhos nem com o
pensamento – e é lá que ela começa -- o país do Gulag, bem ali ao lado, a 2 metros de nós. E
ainda não percebemos nessas cercas a quantidade inumerável de portinholas e cancelas,
solidamente encaixadas e bem camufladas. Todas, todas essas cancelas foram preparadas para
nós! E então rapidamente uma delas é escancarada, fatídica, e quatro mãos brancas de homem
nos agarram pelas pernas, pelos braços, pelo colarinho, pelo chapéu, pela orelha – arrastam-
nos como se fôssemos um saco, e a cancela fica atras de nós, a cancela que dá para a nossa
vida passada é fechada para sempre.
Pronto. Você está preso! »
II
Os não lugares
« O “não-lugar” é um espaço sem identidade, sem
relação e sem história, é a negação do lugar
antropológico tradicional »
(VÁZQUEZ, 2004, p. 197, tradução nossa)

El Palacio, Edward Hopper


C O N T E X T O H I S T Ó R I C O

Após a propagação do urbanismo moderno pelo


mundo, se iniciou debate de restruturação da
cidade tradicional.

“A urbanização dita moderna símbolo de


autonomia, evolução... em contrapartida fez com
que todos ficassem cada vez mais dependentes.”
(KRIER, 1999, p. 13)
O N E W U R BA N I S M

O movimento New Urbanism, surgido nos Estados


Unidos no final dos anos 80, é inspirado pelas
ideias das cidades-jardins do século XIX, promove
o desenvolvimento de bairros que integrem
diferentes tipos de uso da terra, como residências,
comércio e espaços públicos, de forma a encorajar
a interação social. Encontrado também na ideia de
parques temáticos, como fuga da realidade
moderna.
Marc Augé formulou o conceito de Não-Lugares,
em Não lugares: uma introdução antropológica da
supermodernidade, de 1994.

« A supermodernidade pode ser traduzida como


aceleração dos acontecimentos do mundo »
(AUGÉ, 1994)
O não pertencimento está associado à rápida
movimentação que prejudica a formação de vínculos
com o ambiente. Isso se aplica não apenas a residências,
mas também a locais de trânsito frequentes, como
supermercados e hotéis.

«Se um lugar pode se definir como identitário,


relacional e histórico, um espaço que não pode se definir
nem como identitário, nem como relacional, nem como
histórico definirá o não-lugar » (AUGÉ, 1994)
« Por exemplo, nos acessos controlados por máquinas nos
shopping centers, supermercados, possíveis apenas mediante a
confirmação de uma senha ou de um ticket de estacionamento. O
diálogo com as pessoas limita-se ao “bom dia”, “boa tarde” ou
“boa noite”, “bem- vindo”, “volte sempre” e “obrigado”,
utilizando formas padronizadas e semelhantes às apresentadas
pelas máquinas automáticas. Os frequentadores do não-lugar
sentem-se seguros, por estarem em um ambiente disciplinado e
controlado. O espaço do não-lugar não cria nem identidade
singular, nem relação, mas sim solidão e similitude »
(AUGÉ, 1994, p. 95)”
III
Os New Mobilities
Paradigm: Lugar e
Globalização

Approaching a City, Edward Hopper


O S N E W M O B I L I T I E S P A R A D I G M : L U G A R E G L O B A L I Z A Ç Ã O

•O novo paradigma das mobilidades;


• ‘‘Fixos’’ e ‘‘Fluxos’’ ;
• A dimensão espacial do NPM;
• Mobilidades e distribuição espacial no Brasil.

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